Jéssica de Sousa Baldassarini RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR EROSÃO HÍDRICA EM PROPRIEDADES PRODUTORAS DE CAFÉ NOS MUNICÍPIOS DE GETULINA E VERA CRUZ-SP Presidente Prudente 2013 RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR EROSÃO HÍDRICA EM PROPRIEDADES PRODUTORAS DE CAFÉ NOS MUNICÍPIOS DE GETULINA E VERA CRUZ-SP Monografia de bacharelado apresentada ao Conselho de Curso do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes PRESIDENTE PRUDENTE 2013 JÉSSICA DE SOUSA BALDASSARINI RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR EROSÃO HÍDRICA EM PROPRIEDADES PRODUTORAS DE CAFÉ NOS MUNICÍPIOS DE GETULINA E VERA CRUZ-SP Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da FCT-UNESP, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros: _____________________________________________ Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes (Orientador) _______________________________________________ Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano (Membro) ________________________________________________ Prof. Dr. José Mariano Caccia Gouveia (Membro) ________________________________________________ Jéssica de Sousa Baldassarini (Graduanda) Presidente Prudente, 02 de dezembro de 2013. Resultado: ________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA Dedicatória A todos que acreditaram em mim, em especial aos meus pais, Maria e Valdecir, que me ajudaram a transformar meu sonho em realidade. AAgradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado discernimento e fôlego durante minha caminhada. Obrigada por olhar por mim, por minhas dúvidas, desânimos, dificuldades, alegrias, enfim obrigada por minhas vitórias e por ser minha força! Agradeço aos meus pais Valdecir Baldassarini e Maria Ap. Honorata de Sousa Baldassarini, por serem meus heróis, meus exemplos, meu orgulho. Tudo o que conquistei dedico a vocês, que me entenderam, me deixaram seguir outros rumos, que aprenderam a conviver com a saudade, que me apoiaram, me bancaram, tornaram meu sonho possível. Meu maior orgulho será um dia ser o maior orgulho de vocês! Agradeço também a Thata (minha maninha), por ser a melhor irmã do mundo, obrigada pelas mensagens de apoio e carinho! Obrigada a minha família, minhas avós e aos meus queridos avôs que não tiveram tempo de compartilhar desta alegria junto a nós. As minhas tias, primos e primas, enfim a todos que torceram por mim, a primeira ovelha desgarrada da família a sair de casa em busca do sonho! Em especial a tia Rose a ao tio Paulo, por me acolherem em sua casa no primeiro ano, na eterna Pirapozinho. Também não posso esquecer-me de agradecer a Dona Dirce, o Senhor Rocha e toda a sua família, por se preocuparem e cuidarem de mim durante todos estes anos. Agradeço imensamente ao meu orientador João Osvaldo Rodrigues Nunes, pelo conhecimento transmitido, pela atenção, dicas, paciência, companheirismo, disposição e por acreditar neste trabalho, tornando-o possível. Meus eternos agradecimentos e admiração! Agradeço também a Profa Rosangela Ap. de Medeiros Hespanhol, minha primeira orientadora, por acreditar em mim e por também participar direta e indiretamente no desenvolvimento deste trabalho. Jamais esquecerei sua dedicação e atenção. Também agradeço ao Prof. José Mariano Caccia Gouveia, pelas colaborações na disciplina de Pedologia e também ao Prof. Carlos Alberto Feliciano pela atenção e disponibilidade. Agradeço ao Prof. Casé e a Priscila pelas dicas, companhia e pela intermediação que deu origem ao projeto! Agradeço a turma 52, por todas as experiências, pelos trabalhos de campo, pelas viagens em congressos, pelas amizades e brincadeiras. Em especial, agradeço a turminha das meninas: Aline Kuramoto (também parceira de casa e de perrengues), Aline Santos, Camila, Fernanda, Marleide e a Lara (minha best, amiga de todas as horas), obrigada meninas! Também agradeço a todos que me auxiliaram nos trabalhos de campo: o João, o Caio, o Rafa, meu pai e o Felipe Oliveira, obrigado pelo esforço nos fins de semana ensolarados. Assim como os produtores rurais que se disponibilizaram para nos auxiliar no desenvolvimento deste trabalho, em especial o Paulo, o Fernando e o Pedro Losasso que disponibilizaram seu tempo e atenção, obrigado! Agradeço ao Vitor Veríssimo, técnico do Lab.Solos, pela paciência, contribuição na realização das análises físicas e pela parceria diária no lab. Agradeço imensamente a todos os integrantes do Lab.Solos, do GAIA, do GEDRA e ao pessoal da física do Lab. do Prof. Casé por terem me auxiliado direta ou indiretamente no desenvolvimento do trabalho. Em especial, agradeço aqueles que convivi diariamente: Dener (pelo auxílio com as referências bibliográficas e pelo apoio), a Ana e a Mayara (pela companhia), a galerinha da ambiental (Giordano, Biguete, Pedro, Marcela e Milena), ao Afonso (pelas dicas), ao Ribas e ao Luis (pelo companheirismo), ao Marcel (pela amizade, dicas, companhia, críticas e pela paciência), a Melina (pela amizade, paciência e pelo auxílio com os mapas), a Erikinha (pela amizade, contribuições, dicas e pelo auxílio nas análises) e ao Caio (pela amizade, correções, dicas, contribuições e disponibilidade de ajudar). Agradeço a todos e espero compartilhar da eterna amizade de vocês! Por fim, agradeço ao meu amigo, parceiro e namorado Rafael Jesus Gonçalves Rubira, sem você, literalmente eu não estaria aqui! Obrigada pela parceria, força, consolo, incentivo. Agradeço-lhe por fazer parte da minha vida, da minha história e dos meus planos, todas as conquistas são por nós dois, como desejamos e planejamos juntos, lá no ensino médio, obrigado! “[...] Quando eu colhi meu café eu até pensei em ser um bom começo Mais como foi tabelado eu fui obrigado a vender no seu preço Somente as terras que haviam dei por garantia no financiamento Foi quando veio à geada e na área plantada colhi dez por cento [...] Minha herança da roça é essa mão grossa que trago por prova Creio senhor presidente ser eficiente à república nova Pensava em ser tão feliz e tudo eu fiz para não perder o nome Mais minha fé me alicerça com essa conversa aos pés do homem” (Conversa aos pés do homem, Tião Carreiro e Pardinho). “A leitura após certa idade distrai excessivamente o espírito humano das suas reflexões criadoras. Todo o homem que lê de mais e usa o cérebro de menos adquire a preguiça de pensar”. (Albert Einstein). RResumo A região do Oeste Paulista tem sofrido ao longo das décadas um intenso processo de desmatamento, por meio da substituição de áreas nativas de Mata Atlântica e de Cerrado, por cultivos agrícolas, principalmente o café no início do século XX. Este processo de ocupação sem planejamento e manejo adequado do solo resultou em graves problemas de erosão. Além disso, a erosão do solo promoveu a diminuição da produtividade agrícola e o assoreamento de cursos d’água. O presente trabalho tem por finalidade identificar os fatores de âmbito natural (características geológicas, geomorfológicas e pedológicas) que participam do desencadeamento de processos erosivos, em duas propriedades agrícolas produtoras de café, a fim de aplicar técnicas mecânicas de recuperação em focos erosivos do tipo sulcos e ravinas. Uma das propriedades encontra-se no município de Getulina, localizado sobre os arenitos da Formação Adamantina e outra no município de Vera Cruz, localizado sobre os arenitos da Formação Marília. Porém, considerando que as análises das dinâmicas naturais não dão conta de explicar a complexidade dos fenômenos que se processam no espaço geográfico, se fez indispensável à incorporação de fatores socioeconômicos, como o processo de uso e ocupação da terra, considerando a sociedade como transformadora da paisagem. Para compreender melhor a importância de cada um dos elementos que contribuem para o desencadeamento das erosões estudadas, realizou-se coletas de amostras de solo nas áreas, descrições gerais, análises morfológicas e texturais. Por fim, houve a elaboração de mapas de uso e ocupação da terra e cobertura vegetal do entorno das propriedades trabalhadas. Observou-se na propriedade rural de Getulina a substituição do café por pastagens que encontram-se degradadas. Estas somadas com o pisoteio do gado, no qual alteraram as características texturais e de densidade entre os horizontes do solo, e a concentração do fluxo superficial da água, intensificaram a ocorrência da erosão hídrica. Já na propriedade de Vera Cruz observou- se a ocorrência de sulcos erosivos entre as ruas dos pés de café em formação, e em áreas onde ocorreram rupturas nas curvas de nível. Além disso, o uso de maquinários agrícolas, somados também as diferenças texturais e morfológicas entre os horizontes do solo, e a declividade acentuada do relevo, ocasionaram o aumento da velocidade do escoamento superficial, favorecendo a intensificação dos processos erosivos. Após a identificação dos fatores que levaram a ocorrência dos sulcos erosivos nas duas propriedades, foi estabelecida a metodologia de recuperação das áreas degradadas, consistindo na construção de barramentos de bambu, cujo objetivo foi de diminuir a velocidade da água dentro do processo erosivo e reter os sedimentos transportados. A base das barreiras foi impermeabilizada com o uso de sacos de ráfia preenchidos com restos vegetais e solo. Esta técnica foi aplicada por ser de baixo custo, eficiente e pouco invasiva, sendo rapidamente incorporada ao ambiente. Como resultado houve um rápido crescimento e disseminação de vegetação no entorno das barreiras, bem como a contenção de grande parte dos sedimentos transportados. A este fato associa-se o surgimento de brotos de bambu nas estruturas montadas, sendo que estes também funcionam como barreira natural. Palavras-chave: Paisagem. Espaço Geográfico. Erosão Hídrica. Propriedades Rurais. Metodologias de Recuperação. AAbstract The Paulista West region has suffered through the decades an intense process of deforestation when substituting native areas of Atlantic rainforest and Cerrado by agricultural cultivation, mainly coffee in the 20th century. This occupation process without planning and management of the soil resulted in serious erosion problems. Besides, the soil erosion promoted the reduction of agricultural production and the silting of rivers. This paper aims identify the factors of natural scope (geological, geomorphologic and pedologic characteristics) which participate in unleash of erosion process in two agricultural properties producers of coffee in order to apply mechanical techniques of recovery in erosive focuses of furrow and ravine kinds. One of the properties is at the city council of Getulina, located on the sandstones of Adamantina Formation; the other is at the city council of Vera Cruz, located on the sandstones of Marília Formation. However, taking into consideration the analysis of the natural dynamics, they are not enough to explain the complexity of the phenomena which are processed in the geographic space. It made indispensable the incorporation of socio-economic factors, such as the use and occupation process of the soil considering the society as landscape transformers. In order to better understand the importance of each one of the elements that contributes to the unleash of the studied erosions, it was collected soil samples in the areas, general descriptions and texture and morphologic analysis. Finally, it was elaborated the maps of the use and occupation of the soil and the vegetal coverage surrounding the properties studied. It was observed in the rural property of Getulina the substitution of the coffee by pasture that finds degraded. It, in addition to the cattle stomp, which changed the texture and density characteristics among the soil horizons, and the concentration of superficial water flow intensified the occurrence of hydric erosion. At Vera Cruz property however, it was observed the occurrence of erosive furrows among the aisles of coffee trees in formation and areas where it happened ruptures in contour lines. Besides that, the use of agricultural equipments in addition to texture and morphologic differences among the soil horizons, and the accented slope in the relief caused the raise of the superficial outflow speed favoring the intensification of the erosive processes. After the identification of the factors that addressed to occurrence of erosive furrows in both properties, it was established the recovery methodology of the degraded areas which is constituted of building bamboo barrages whose aim were reducing the water speed inside the erosive process and retain the transported elements. The barrages basis was waterproofed with the use of raffia sacks fulfilled with vegetal and soil remains. This technique was applied due to its low cost, efficiency and little invasive, being quickly incorporated to the environment. As a result there was a fast growing and spreading of vegetation in the barrages surroundings besides the contention of a big part of the elements transported. It is associated to this fact the appearance of bamboo shoot in the built structures and they also work as natural barrages. Key Words: Landscape, Geographic space, Hydric Erosion, Rural Properties, Recovery Methodology. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Localização de Getulina e Vera Cruz....................................................................... 18 Figura 2: Eixo abrangido na pesquisa anterior: Sul – Norte/ Marília à Lins............................ 20 Figura 3: Eixo abrangido na pesquisa anterior: Oeste – Leste/ Oriente à Garça...................... 20 Figura 4: Visão panorâmica da área de construção das barreiras de bambu na propriedade de Getulina............................................................................................................ 26 Figura 5: Localização da área de implementação das técnicas de contenção e de coleta de solo na propriedade de Getulina........................................................................................... 26 Figura 6: Limpeza do perfil (Ponto 1) e coleta de amostras de solo do anel volumétrico para determinação da densidade do solo na propriedade de Getulina..................................... 27 Figura 7: Limpeza do perfil e coleta de amostra de solo, ponto 2, propriedade de Getulina.... 28 Figura 8: Construção de três barreiras de bambu a montante, propriedade de Getulina.......... 29 Figura 9: Construção das três barreiras de bambu a jusante da área (figura 4), propriedade de Getulina............................................................................................................ 29 Figura 10: Ocorrência de sulcos erosivos nas ruas de café da propriedade agrícola de Vera Cruz................................................................................................................................. 30 Figura 11: Construção das barreiras de bambu para contenção da velocidade do escoamento superficial na propriedade agrícola de Vera Cruz, com o auxílio dos sacos de ráfia.......................................................................................................................................... 31 Figura 12: Instalação das barreiras de bambu em curva de nível danificada, propriedade de Vera Cruz......................................................................................................... 31 Figura 13: Confecção dos sacos de ráfia posicionados a frente de todas as barreiras de bambu, propriedade de Vera Cruz............................................................................................ 32 Figura 14: Disposição das amostras para secagem ao ar livre e posterior destorroamento das mesmas...................................................................................................... 33 Figura 15: Pesagem de 10g de cada amostra de solo utilizando balança granatária................. 34 Figura 16: Agitação das amostras na mesa vibratória por 6 horas............................................ 34 Figura 17: Filtragem das amostras de solo. Observa-se no processo de lavagem a retenção das frações de área na peneira.................................................................................... 35 Figura 18: Amostras dispostas no dessecador e posteriormente pesadas na balança analítica........................................................................................................................ 35 Figura 19: Disposição das provetas no tanque e o processo de agitação das mesmas.............. 36 Figura 20: Pipetagem das soluções contendo argila e sua disposição nos Béqueres................ 37 Figura 21: Diagrama de Classe Textural desenvolvido pela United States Department of Agriculture (1951) apud Lemos e Santos (1996).............................................. 38 Figura 22: Procedimentos de descrição morfológica dos perfis de solo como cor, consistência e plasticidade........................................................................................................ 40 Figura 23: Segmentação das imagens da área de estudo de Getulina e Vera Cruz-SP..................................................................................................................................... 41 Figura 24: Esquematização da pesquisa.................................................................................... 44 Figura 25: Fatores de formação dos solos. Fonte: Ferraz, 2008............................................... 64 Figura 26: Principais horizontes dos solos. Fonte: Ferraz, 2008.............................................. 65 Figura 27: Erosão e seus efeitos nos recursos naturais. Fonte: Bertolini; Lombardi Neto (1994)........................................................................................................................................ 67 Figura 28: Impacto da água da chuva na superfície do solo. Fonte: SEA/DAEE (1990) a Zoccal (2007)............................................................................................................................ 78 Figura 29: Representação esquemática de um terraceamento, mostrando a retenção das águas da enxurrada e o parcelamento do declive. Fonte: Lombardi Neto et al (1994)............. 88 Figura 30: Derrubada da mata na região noroeste.................................................................... 109 Figura 31: Fundadores de Getulina........................................................................................... 109 Figura 32: Aerofoto de Getulina, anos 1939/1940....................................................................... 110 Figura 33: Aerofoto do núcleo urbano de Vera Cruz e de uma das fazendas do município, em meados dos anos 1939/1940............................................................................. 114 Figura 34: Gráficos da população rural e urbana dos municípios de Getulina e Vera Cruz..... 118 Figura 35: Gráfico de proporção de estabelecimentos da agropecuária no total de estabelecimentos (%).................................................................................................... 119 Figura 36: Gráficos de participação dos setores da economia no total do valor adicionado dos municípios de Getulina e Vera Cruz................................................................ 119 Figura 37: Mapa Geológico da área que compreende os municípios de Getulina e Vera Cruz........................................................................................................................................... 125 Figura 38: Mapa geomorfológico da área que compreende os municípios de Getulina e V Cruz........................................................................................................................................... 127 Figura 39: Erosão localizada numa área de pastagem em propriedade agrícola de Getulina... 136 Figura 40: Área de ocorrência de processos erosivos e de aplicação da técnica de paliçadas de bambu para contenção.......................................................................................... 137 Figura 41: Curva de nível construída na propriedade de Vera Cruz, com o crescimento da gramínea sobre a mesma.................................................................................. 138 Figura 42: Comparação das medidas de manejo e conservação do solo na área de ocorrência dos sulcos erosivos (B) com outras áreas da propriedade agrícola de Vera Cruz (A)............................................................................................................................................. 139 Figura 43: Manutenção da cobertura vegetal morta na propriedade agrícola de Vera Cruz..... 139 Figura 44: Erosão localizada numa área de produção de café no município de Vera Cruz...... 140 Figura 45: Presença de processos erosivos e aplicação de técnicas de contenção dos mesmos na propriedade de Vera Cruz...................................................................................... 141 Figura 46: Mapa de uso e ocupação da terra e cobertura vegetal do entorno da propriedade de Getulina................................................................................................................................ 144 Figura 47: Mapa de uso e ocupação da terra e cobertura vegetal do entorno da propriedade de Vera Cruz......................................................................................................... 147 Figura 48: Descrição geral, morfológica, textural e fracionamento de areia dos horizontes do ponto 3, localizado em Vera Cruz...................................................................... 151 Figura 49: Mapa de solos da Microbacia da Água Três Unidos (Adaptado de COELHO e 2002) à esquerda e a localização da erosão abrangida na pesquisa à direita............................ 156 Figura 50: Descrição geral, morfológica, textural e fracionamento de areia dos horizontes do ponto 1, localizado em Getulina......................................................................... 161 Figura 51: Descrição geral, morfológica, textural e fracionamento de areia dos horizontes do ponto 2, localizado em Getulina........................................................................ 162 Figura 52: Área de construção das barreiras de bambu a montante (A) e a jusante (B) da vertente, na propriedade de Getulina............................................................................. 166 Figura 53: Disposição das barreiras de bambu a montante A (1, 2, 3) e jusante B (4, 5, 6)..... 167 Figura 54: Retenção de sedimentos pela barreira de bambu número 3, três meses após o estabelecimento das barreiras, propriedade de Getulina................................................ 168 Figura 55: Barreira de bambu número 3, sete meses após o estabelecimento das barreiras, propriedade de Getulina............................................................................................ 168 Figura 56: Bambus brotados e crescimento de vegetação no entorno da barreira número 2, propriedade de Getulina........................................................................................... 169 Figura 57: Barreiras 1 e 2 sete meses após o estabelecimento das barreiras de bambu Observa-se a considerável disseminação da cobertura vegetal................................................. 169 Figura 58: Processo erosivo antes da construção das barreiras de bambu Localização da barreira 4, propriedade de Getulina.................................................................. 170 Figura 59: Local da erosão após três meses da construção das barreiras de bambu, localização da barreira 4 e 5, propriedade de Getulina............................................................. 171 Figura 60: Local da erosão sete meses após a construção das barreiras de bambu, localização da barreira 4, propriedade de Getulina................................................................... 171 Figura 61: Local da erosão sete meses após a construção das barreiras de bambu, localização das barreiras 5 e 6, propriedade de Getulina.......................................................... 172 Figura 62: Local de implantação das barreiras de bambu na propriedade agrícola de Vera Cruz.................................................................................................................................. 173 Figura 63: Barreiras de bambu construídas na propriedade agrícola de Vera Cruz.................. 173 Figura 64: Curva de nível rompida localizada próxima a área de ocorrência dos sulcos erosivos e a construção de barramentos de bambu no interior da mesma............................... 174 Figura 65: Disseminação de vegetação nas primeiras barreiras de bambu, quatro meses após a construção dos barramentos, propriedade de Vera Cruz................................................ 175 Figura 66: Disseminação de vegetação nas primeiras barreiras de bambu, seis meses após a construção dos barramentos, propriedade de Vera Cruz................................................ 175 Figura 67: Surgimento de vegetação entre as barreiras, quatro meses após a construção dos barramentos...................................................................................................... 176 Figura 68: Surgimento de vegetação entre as barreiras, seis meses após a construção dos barramentos...................................................................................................... 176 Figura 69: Monitoramento espaço-temporal entre o momento de construção das barreiras de bambu e seis meses depois do estabelecimento das mesmas................................ 177 Figura 70: Retenção de sedimentos e disseminação de gramíneas no interior do último barramento quatro meses após a construção do mesmo................................................ 177 Figura 71: Retenção de sedimentos e disseminação de gramíneas no interior do último barramento seis meses após a construção do mesmo.................................................... 178 Figura 72: Monitoramento espaço-temporal dos barramentos de bambu instalados no interior da curva de nível no momento de instalação das mesmas e quatro meses após a construção...................................................................................................................... 178 Figura 73: Barramentos de bambu instalados no interior da curva de nível seis meses após a construção...................................................................................................................... 179 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Jogo de peneiras utilizadas para o fracionamento de areia.................................... 38 Quadro 2: Fatores de degradação das terras........................................................................... 85 Quadro 3: Principais explorações agropecuárias de Getulina................................................ 111 Quadro 4: Descrição de uso do solo no município de Getulina............................................. 111 Quadro 5: Descrição de uso do solo no município de Vera Cruz........................................... 115 Quadro 6: Principais explorações agrícolas de Vera Cruz..................................................... 116 Quadro 7: Estrutura fundiária do município de Vera Cruz..................................................... 116 Quadro 8: Estrutura fundiária do município de Getulina....................................................... 117 Quadro 9: Área plantada (Hectares) de Café (em grão)......................................................... 120 Quadro 10: Café (Em Grão) – Produção (Em toneladas). Fonte: Fundação SEADE............ 120 Quadro 11: Quais maquinários são utilizados: eixo Marília – Lins (inclui Getulina)............ 123 Quadro 12: Quais maquinários são utilizados: eixo Oriente – Garça (Vera Cruz)................. 123 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 17 OBJETIVO GERAL....................................................................................................................... 24 OBJETIVOS ESPECÍFICOS......................................................................................................... 24 1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................................... 25 1.1 Construção dos barramentos de bambu, coleta de amostras de solo e análises físicas no laboratório de Sedimentologia e Análises de Solo da FCT/UNESP.............................. 25 1.1.1 Propriedade em Getulina....................................................................................................... 25 1.1.2 Propriedade em Vera Cruz.................................................................................................... 30 1.1.3 Atividades realizadas no Laboratório de Sedimentologia e Análise de Solos...................... 32 1.2 Elaboração dos mapas de uso da terra e cobertura vegetal das áreas de estudo....................... 41 2. CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA A PESQUISA............................................................ 44 3. A IMPORTÂNCIA DA PAISAGEM NA COMPREENSÃO DO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO.......................... 49 4. A EROSÃO DO SOLO: REGIDA POR PROCESSOS NATURAIS E ACELERADA PELA AÇÃO DA SOCIEDADE................................................................................................... 63 5. AS TÉCNICAS DE CONTROLE DE EROSÃO NAS ÁREAS RURAIS................................ 82 6. A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM POR MEIO DA APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO: O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS PAULISTAS DE VERA CRUZ E GETULINA E O DESENCADEAMENTO DE PROCESSOS EROSIVOS................. 95 7. OS ASPECTOS AMBIENTAIS DAS ÁREAS DE ESTUDO.................................................. 125 7.1Geologia.................................................................................................................................... 125 7.2 Geomorfologia.......................................................................................................................... 126 7.3 Solos......................................................................................................................................... 129 7.4 Clima........................................................................................................................................ 132 8. CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES PRODUTORAS DE CAFÉ: O HISTÓRICO DE USO E OCUPAÇÃO DAS DUAS PROPRIEDADES AGRÍCOLAS ABRANGIDAS NA PESQUISA................................................................................................... 134 8.1. A interferência das dinâmicas da sociedade no desencadeamento das erosões nas propriedades agrícolas de Getulina e Vera Cruz............................................................................ 142 9. A INTERVENÇÃO EM PROL DA RECUPERAÇÃO: A APLICAÇÃO DE TÉCNICAS ALTERNATIVAS E DE BAIXO CUSTO PARA A RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS POR EROSÃO HÍDRICA................................................................... 150 9.1 Caracterização física dos solos das áreas de pesquisa.............................................................. 150 9.1.1 Área de Vera Cruz................................................................................................................. 150 9.1.2 Área de Getulina.................................................................................................................... 160 9.2 Aplicação de técnicas mecânicas com bambus e sacos de ráfia............................................... 165 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................... 180 REFERÊNCIAS............................................................................................................................. 184 17 INTRODUÇÃO A partir da década de 1880, o Estado de São Paulo tornou-se o centro do desenvolvimento econômico do Brasil por meio da produção e exportação do café. Essa acentuada produção paulista esteve associada a diversas modificações nos espaços em que ela se estabeleceu. Entre estas principais modificações têm-se: a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado; a implantação de uma mecanização parcial; o beneficiamento do café (com relativo crescimento da composição orgânica do capital, relacionada à atividade); a expansão de uma extensa malha ferroviária, etc. (SILVA, 1943). Todos estes aspectos foram indispensáveis para a formação dos novos núcleos urbanos, inicialmente atrelados ao atendimento das necessidades da cadeia produtiva do café. Estas novas dinâmicas socioespaciais, que em muitos casos se deram em um curto espaço de tempo, foi expressa por Milliet da seguinte forma: Durante pouco mais de um século, o panorama do nosso crescimento e do nosso progresso se desdobra num cenário de colinas riscadas por cafezais. Tudo gira em torno do “ouro verde”, dele tudo emana e a ele tudo se destina: homens, animais, máquinas. A terra cansada que ele abandona despovoa, empobrece, definha; a terra virgem que ele deflora logo se emprenha de vida ativa, enriquece, progride. O fenômeno é visível a olho nu [...] (MILLIET, 1982, p.11). Outro fator relevante a ser considerado no que tange a transformações espaciais advindas do progresso cafeeiro foi o processo de degradação ambiental, observável em praticamente todo o interior paulista, por meio da substituição da vegetação natural pelos cultivos agrícolas, em especial o café (PRADO JÚNIOR, 1970; MONBEIG, 1984). Todo este processo se ateve, intrinsecamente, ao aspecto econômico, não havendo a preocupação com o emprego de técnicas agrícolas ou tratos culturais1 que amenizassem o impacto ambiental causado a região, o que promoveu profundas mudanças na paisagem. Este fator fica evidente quando se considera o rápido desgaste provocado ao solo nas áreas ocupadas pelos cafezais, sendo este elemento, um dos condicionantes da busca por novas terras no Oeste Paulista (SECRETARIA DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1971). 1Entende-se por manejo cultural o conjunto de práticas que permitem que uma lavoura expresse ao máximo sua potencialidade produtiva [...] métodos, espaçamento, densidade de plantio etc. Disponível em: . Acesso em: 29 de outubro de 2013. 18 Tal degradação redundou em um dos mais graves quadros de impacto ambiental do Estado de São Paulo, com eliminação dos horizontes superficiais do solo, erosão linear acelerada (com formação de incontáveis sulcos, ravinas e voçorocas) e, por decorrência, de um assoreamento generalizado das drenagens (BEZERRA et al, 2009, p.426). No caso das áreas de estudo (Vera Cruz e Getulina) (figura 1), ambas estiveram relacionadas com a última etapa de expansão do café em solos paulistas, posteriormente a década de 1920. Figura 1 - Localização dos municípios de Getulina e Vera Cruz Fonte: Organização da Autora. 19 Tanto o município de Getulina como o de Vera Cruz foram escolhidos após a realização de um projeto de pesquisa anterior intitulado “A importância da atividade cafeeira no município de Marília: contribuições e impasses” no qual se analisou, entre outros fatores, elementos relevantes no processo de ocupação do solo e no desencadeamento de processos erosivos em propriedades produtoras de café da região de Marília (BALDASSARINI, 2012). Entre estes elementos destacam-se: a possibilidade ou não de emprego de técnicas agrícolas que permitam uma maior eficiência da produção do café pelos produtores; as dificuldades por eles enfrentadas, tanto no que tange as características naturais (em especial, do solo e relevo), como econômicas da produção cafeeira e, principalmente, a intrínseca relação entre potencialidade de dispêndio de capital com as formas de manejo2 do solo empregadas. Observa-se, de modo geral, que os cafeicultores do eixo Marília-Lins (incluindo Getulina) (figura 2) constituem-se de pequenos a médios produtores, com menor possibilidade de dispêndio de capital para o manejo e conservação do solo. Diferentemente dos cafeicultores do eixo Oriente-Garça (incluindo Vera Cruz) (figura 3) que se constituem de médios a grandes produtores, com maior capital para investimentos, em especial, na mecanização e nos tratos culturais. Todos estes elementos de caráter socioeconômico e naturais ilustram duas realidades distintas entre os eixos, embora espacialmente próximos. 2 Segundo Freire (2006, p.1) o manejo do solo refere-se: “[...] a escolha das plantas mais adequadas às suas características, a manutenção do solo em condições adequadas para a planta, ou a modificação do solo para torná-lo mais favorável ao desenvolvimento dos vegetais que se pretende cultivar”. 20 Figura 2: Eixo abrangido na pesquisa anterior: Sul – Norte/ Marília à Lins. Fonte: GoogleEarth, organização da autora. Figura 3: Eixo abrangido na pesquisa anterior: Oeste – Leste/ Oriente à Garça. Fonte: GoogleEarth, organização da autora. Nas localidades do Planalto Residual de Marília, onde situa-se o município de Vera Cruz, o plantio do café, considerando suas características de topografia e relevo, realizou-se nas áreas de espigões ondulados e elevados, com altitudes que superam 550 metros (MOTTA, 1972). Este fator relaciona-se com a ocorrência, mesmo que eventual, de geadas nas áreas de menor altitude, como nas baixas vertentes e nos vales, por conta da inversão térmica. Esta área caracterizava-se por ser constituída de solos férteis, porém, os mesmos apresentam fertilidade cada vez mais comprometida. 21 Esta mesma situação observa-se nas propriedades de café do município de Getulina, localizado no Planalto Centro Ocidental, onde a cultura também é cultivada nas áreas mais elevadas e planas (COELHO et al, 2002). Ambos os municípios são essencialmente agrícolas e apresentaram, durante toda a sua história, a atividade cafeeira como motor deste setor. Porém, observa-se um processo mais intenso de diversificação das atividades agrícolas no município de Getulina, caracterizado pelas pequenas propriedades, que buscam por meio da diversificação, uma estratégia de dependência menor das oscilações dos preços agrícolas, em especial do café. Foi este o processo que ocorreu na propriedade abrangida no presente trabalho, por meio da substituição do café pela pastagem. No caso de Vera Cruz, observa-se a questão do emprego de máquinas agrícolas principalmente na colheita do café, o que é extremamente relevante quando se considera o processo de compactação do solo e o consequente aumento da ocorrência de erosões, principalmente em um relevo que se caracteriza por ser de declividades mais acentuadas. Este fator aliado a limpeza das ruas dos cafezais por meio da retirada da folhagem que poderia proteger o solo, configura um cenário mais propício a ocorrência de processos erosivos As faixas de exposição de solo, em especial aquelas em declives sem medidas de contenção a enxurradas, são as mais propensas a concentrar as águas pluviais, atuando como germes de novos processos erosivos. Além disso, mesmo que não ocorram processos erosivos lineares, há perda considerável dos horizontes superficiais do solo, empobrecendo–o em intervalo de poucos anos (BEZERRA et al, 2009, p.433). Foi com o intuito de compreender como demandas e realidades socioeconômicas distintas influenciam no processo de uso e ocupação do solo, no seu manejo e consequentemente na sua maior ou menor degradação, que buscou-se evidenciar a importância destes fatores no desencadeamento dos processos erosivos em ambas as áreas de estudo. Desta forma, as discussões partiram, primeiramente, da compreensão dos fatores de caráter natural que participam do processo erosivo para, posteriormente, por meio da abordagem do processo de uso e ocupação histórica das áreas de estudo, elencar-se a importância do fator social neste cenário. A erosão, de forma geral, é um processo geológico que ocorre de forma independente da ação antrópica, estando intimamente relacionada com a esculturação do relevo. Porém, como aponta Bertoni & Lombardi Neto (1999), o equilíbrio natural deste processo pode ser 22 interrompido pelas formas de ocupação do solo, que muitas vezes manifestam-se de forma imprópria por diversos fatores. Em todo este processo o uso e ocupação da terra e as formas de apropriação do relevo se colocam como fundamentais, considerando que esta relação ocorre cada dia de forma mais intensa e nem sempre harmoniosa, frente a uma sociedade, que nos dizeres de Santos (1988), atingiu um conhecimento analítico e sintético sobre a natureza ao ponto de ter condições de usufruir/utilizar de forma global das coisas que o cercam. É, neste sentido, que se coloca relevante o desenvolvimento e a aplicação de metodologias de contenção e recuperação de áreas degradadas, em prol do estabelecimento de uma relação entre sociedade e natureza se dê de forma mais equilibrada e que o conhecimento humano também signifique condições de usufruir e interagir com o meio ambiente de forma sustentável e não degradante. No que tange às técnicas de contenção dos processos erosivos nas duas propriedades, trabalhou-se com as mecânicas, tendo por finalidade estabilizar os processos erosivos por meio da construção de barreiras de bambus e uso de sacos de ráfia, que funcionaram como barreira física para o escoamento superficial, bem como na contenção do transporte dos sedimentos. A presente monografia encontra-se estruturada em 9 tópicos e suas correspondentes subdivisões, nos quais apresenta-se a sistematização das discussões efetuadas a partir das leituras desenvolvidas e dos resultados obtidos no decorrer da pesquisa. O item 1 (procedimentos metodológicos) encontra-se após a apresentação da introdução e dos objetivos da pesquisa, constituindo-se dos procedimentos utilizados para a coleta de amostras de solo e análises físicas das mesmas, para a construção dos barramentos de bambu, bem como para a elaboração dos mapas de uso da terra e cobertura vegetal das duas propriedades agrícolas abrangidas na pesquisa. Após a apresentação das metodologias empregadas, desenvolveu-se um tópico (item 2) que trata das principais contribuições teóricas para a elaboração do presente trabalho considerando, principalmente, a questão da relação sociedade e natureza e as resultantes desta relação, a apresentação dos conceitos norteadores da pesquisa que refere-se ao espaço geográfico e a paisagem, como também a apresentação de uma esquematização de pesquisa que foi elaborada como um esforço de organizar os “caminhos” a serem percorridos no decorrer da mesma. No item 3 intitulado: “A importância da paisagem na compreensão do processo de apropriação e transformação do espaço geográfico”, inicia-se as discussões considerando a 23 importância da abordagem da paisagem na compreensão do processo de apropriação e transformação do espaço geográfico. No quarto item intitulado: “A erosão do solo: regida por processos naturais, acelerada pela ação social” aborda-se os fatores de caráter natural como também sociais que interferem no desencadeamento de processos erosivos. Já no quinto item intitulado: “As técnicas de controle de erosão nas áreas rurais” apresenta-se as principais técnicas de controle e/ou recuperação de áreas degradadas por erosão que são aplicáveis na área rural. No sexto item: “A transformação da paisagem por meio da apropriação do espaço: o processo de ocupação dos municípios paulistas de Vera Cruz e Getulina e o desencadeamento de processos erosivos” foi abordado o processo de ocupação de Vera Cruz e Getulina, considerando o contexto histórico do mesmo e sua relação com as formas de uso da terra. No item sete apresenta-se os aspectos ambientais das duas propriedades: geologia, geomorfologia, pedologia e o clima. No item oito, apresenta-se o histórico do processo de uso e ocupação das propriedades agrícolas abrangidas na pesquisa, bem como a interferência social no desencadeamento das erosões das duas propriedades. No item nove intitulado: “A intervenção em prol da recuperação: a aplicação de técnicas alternativas e de baixo custo para a recuperação de áreas degradadas por erosão hídrica”, apresenta-se, primeiramente, os resultados das análises físicas das amostras de solo colotadas nas áreas e a implantação dos barramentos de bambu enquanto técnica de contenção dos processos erosivos presentes em ambas as propriedades, a forma de construção dos barramentos, bem como os resultados obtidos. Por fim apresentam-se as considerações finais do presente trabalho. 24 OBJETIVO GERAL A presente pesquisa tem por objetivo propor a recuperação de áreas degradadas por erosão hídrica, em duas propriedades agrícolas produtoras de café, localizadas nos município de Getulina (Formação Adamantina) e Vera Cruz (Formação Marília), através do uso de metodologias alternativas e de baixo custo na recuperação de focos erosivos. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Para contemplar tal objetivo, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: a) Analisar a relação entre uso e ocupação da terra nestas localidades, com o processo de degradação ambiental, em especial os erosivos, enfatizando os elementos naturais e antrópicos que resultaram no mesmo; b) Identificar as ações de prevenção e contenção de erosões utilizadas pelos produtores rurais destas propriedades, a fim de compreender as relações existentes entre as culturas desenvolvidas (forma de uso da terra) e as técnicas empregadas; c) Implantar metodologias de controle de erosão para recuperar as áreas degradadas; d) Monitorar têmporo-espacialmente os processos erosivos que estão sendo contidos pelas técnicas de controle de erosão; e) Comparar os quadros de degradação dos processos erosivos das duas propriedades com as características socioeconômicas, geomorfológicas, pedológicas e geológicas; 25 1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 1.1 Construção dos barramentos de bambu, coleta de amostras de solo e análises físicas no laboratório de Sedimentologia e Análises de Solo da FCT/UNESP Neste momento são apresentados alguns dos procedimentos necessários para elaboração do presente trabalho. Os mesmos são indispensáveis para o desenvolvimento das análises propostas e para o atendimento dos objetivos da pesquisa. 1.1.1 Propriedade em Getulina-SP Após o estabelecimento das áreas de estudo e das propostas de intervenção realizou- se o primeiro trabalho de campo nos dias 16 e 17 de março de 2013, inicialmente na propriedade de Getulina, onde foram elencadas as principais características da paisagem local, em especial, os tipos de uso e cobertura do solo, a altitude, as características da erosão, etc. Posteriormente ao reconhecimento e descrição do entorno das áreas de atuação3, estabeleceu-se os pontos de coleta de amostras de solo que fossem mais representativos. De forma geral, as coletas se deram em áreas bem próximas às erosões com o intuito de se ter a possibilidade de identificar as propriedades do solo “envolvido” no processo erosivo. Na figura a seguir (figura 44), tem-se uma das duas áreas de construção das barreiras de bambu, bem como o um dos pontos de coleta de amostra de solo, sendo que o outro se deu a montante desta área, antes dos bambus localizados na parte superior da imagem. A flecha identifica o local de coleta da amostra. 3 A descrição geral do perfil se deu de acordo com Lemos; Santos (1996), considerando a localização, declividade do terreno, cobertura vegetal primária e atual, altitude, litologia e formação geológica, cronologia, relevo atual, erosão e suas características, drenagem e uso atual da área. 4 Observa-se, nesta figura, a ocorrência de sulcos erosivos sobre a pastagem que, anteriormente, se constituía em uma plantação de café. A flecha vermelha identifica o ponto de coleta de amostra de solo, o mesmo foi nomeado Ponto 2. 26 Figura 4: Visão panorâmica da área de construção das barreiras de bambu na propriedade de Getulina Fonte: Arquivo Pessoal. A figura 55 identifica o outro ponto de implantação das barreiras de bambu e de coleta de amostra de solo (flecha vermelha), a montante da erosão da figura 4. Figura 5: Localização da área de implantação das técnicas de contenção e de coleta de solo na propriedade de Getulina (Ponto 1) Fonte: Arquivo Pessoal. 5 Observa-se a presença de sulcos erosivos que se conectam com a erosão a jusante (figura 4). 27 Durante o trabalho de campo no Ponto 1 coletou-se a amostra de solo com o anel volumétrico de 50cm³, em todos os horizontes (Ap, E e Bt), sendo que o anel foi todo preenchido com solo. O mesmo foi seco por 24 horas na estufa e pesado. Subtraindo-se o peso da placa com solo do peso inicial da placa que já era conhecido, obtêm-se a densidade. Massa do solo = P2(peso da placa com solo) – P1(peso da placa) Densidade do solo = Msolo g/cm³ V = volume do anel volumétrico. Figura 6: Limpeza do perfil6 (Ponto 1) e coleta de amostras de solo com o anel volumétrico para determinação da densidade do solo na propriedade de Getulina Fonte: Arquivo Pessoal. A seguir observa-se a limpeza e coleta de amostras de solo no Ponto 2 (figura 4). O procedimento foi realizado conforme o Manual de Descrição e Coleta de Solo (LEMOS; SANTOS, 1996). 6 O perfil de solo compreende a seção vertical que engloba os horizontes e/ou camadas, além do material mineral subjacente (OLIVEIRA et al, 1992). 28 Figura 7: Limpeza do perfil e coleta de amostra de solo, Ponto 2, propriedade de Getulina Fonte: Arquivo Pessoal. Foram identificados no Ponto 2 os horizontes Ap, E e Bt7, dos quais foram coletadas as amostras para posterior análise física. Também foram coletados os anéis volumétricos para determinação da densidade do solo. Posteriormente estabeleceu-se os pontos estratégicos de implementação das barreiras de bambu totalizando 6 barreiras, 3 a montante (figura 8) e 3 a jusante (figura 9). O método de barramento de bambu consiste em uma das técnicas de controle de erosão que objetiva diminuir a velocidade de escoamento da água dentro do processo erosivo, seja ele desde um sulco até uma voçoroca. Busca-se com este método o estabelecimento de barreiras de retenção da água superficial, bem como de sedimentos que possam ser carregados pela mesma, intensificando a erosão (CAPECHE et al, 2008). Na construção das barreiras utilizou-se de bambus existentes nas próprias propriedades rurais, sendo que estes foram empilhados horizontalmente. Suas extremidades foram fixadas nas caneletas laterais da erosão, e amarradas com arame e cobertas por terra. Na parte frontal de cada uma das barreiras foram colocados sacos de ráfia preenchidos com solo superficial e restos vegetais das proximidades. O mais relevante é a impermeabilização da base das barreiras, sendo que este foi feito com os sacos preenchidos e com a terra que foi mobilizada no momento da construção das paliçadas. 7 Ap refere-se ao horizonte mineral superficial ou subjacente ao O ou H com maior atividade biológica e incorporação de matéria orgânica, sendo que o prefixo p indica modificação do horizonte por interferência antrópica. Já o E refere-se ao horizonte de perda de minerais de argila, compostos de ferro, matéria orgânica etc., geralmente abaixo do horizonte A. Por fim o Bt consiste no horizonte sob o E e o A, originando-se de transformações acentuadas do material de origem (OLIVEIRA et al, 1992). 29 Observa-se que por serem constituídas por materiais naturais e presentes nas propriedades agrícolas não houve custos para construção e manutenção dos barramentos, sendo esta característica uma das preocupações do trabalho, ou seja, utilizar-se de uma técnica que fosse financeiramente acessível aos produtores rurais. Figura 8: Construção de três barreiras de bambu a montante, propriedade de Getulina Fonte: Arquivo Pessoal. A figura 9, a seguir, ilustra a construção de 3 barreiras de bambu a jusante da área. Figura 9: Construção das três barreiras de bambu a jusante da área (figura 4), propriedade de Getulina Fonte: Arquivo Pessoal. 30 1.1.2 Propriedade em Vera Cruz Num segundo momento visitou-se a propriedade agrícola de Vera Cruz, onde se identificou os principais problemas: formação de sulcos erosivos entre as ruas de café (figura 10), ruptura de curvas de nível, etc. Figura 10: Ocorrência de sulcos erosivos nas ruas de café da propriedade agrícola de Vera Cruz Fonte: Arquivo Pessoal. O segundo trabalho de campo foi realizado nos dias 27 e 28 de abril de 2013 quando houve a implementação das barreiras de bambu na propriedade de Vera Cruz como também a coleta de amostras de solo. Esta se deu com o auxílio do trado. 31 Figura 11: Construção das barreiras de bambu para contenção da velocidade do escoamento superficial na propriedade agrícola de Vera Cruz, com o auxílio dos sacos de ráfia Fonte: Arquivo Pessoal. Também foram construídas 2 barreiras de bambu em uma curva de nível danificada, sendo que uma barreira localiza-se acima da curva de nível e a outra na parte interna da mesma (figura 12). Figura 12: Instalação das barreiras de bambu em curva de nível danificada na propriedade de Vera Cruz-SP Fonte: Arquivo Pessoal. 32 À frente de todas as barreiras foram depositados sacos de ráfia, que foram preenchidos com solo do próprio local (figura 13). Figura 13: Confecção dos sacos de ráfia posicionados a frente de todas as barreiras de bambu na propriedade de Vera Cruz-SP Fonte: Arquivo Pessoal. 1.1.3 Atividades realizadas no Laboratório de Sedimentologia e Análise de Solos Os dados da descrição dos perfis de solo e da análise textural subsidiaram a compreensão do processo de desencadeamento das erosões nas propriedades rurais de abrangência do projeto. No laboratório foi obtida a densidade do solo, por meio do método do anel volumétrico, da propriedade de Getulina-SP. Porém, por conta das características mais friáveis do solo da área de estudo de Vera Cruz e pelas amostras terem sido coletadas com o trado, não foi possível o uso do anel volumétrico. Realizou-se também a Análise Morfológica das amostras coletadas em campo, a Granulometria8 e Análise Textural9 pelo método da Pipeta (EMBRAPA, 1997) e, posteriormente o Fracionamento de Areia. 8 “[...] Os termos granulometria ou composição granulométrica são empregados quando se faz referência ao conjunto de todas as frações ou partículas do solo, incluindo desde as mais finas de natureza coloidal (argilas), até as mais grosseiras (calhaus e cascalhos)” (IBGE, 2007, p.50). 9 “[...] O termo textura, por sua vez, é empregado especificamente para a composição granulométrica da terra fina do solo (fração menor que 2mm de diâmetro). Expressa a participação em g.kg-1 das suas várias partículas constituintes, separadas por tamanho” (IBGE, 2007, p.50). 33 Em laboratório as amostras coletadas foram separadas, identificadas e dispostas para secagem ao ar livre por uma semana10. Realizando-se, posteriormente, o destorroamento das mesmas (figura 14) com o auxílio do Pistilo (1), do Almofariz (2) e da peneira de abertura de 2,00 mm (3). Figura 14: Disposição das amostras para secagem ao ar livre e posterior destorroamento das mesmas Fonte: Arquivo Pessoal. Em seguida realizou-se a pesagem de 10g de cada amostra11 (1), em triplicata, utilizando um Erlenmeyer (2). Dentro deste recipiente foi adicionado, juntamente com as 10g de solo, 20 mL de água deionizada (3) com o auxílio de uma proveta de 25mL (4) e, com a pipeta volumétrica (5), foi adicionado 10 mL de solução de hidróxido de sódio (NaOH) (6). Por meio deste procedimento objetiva-se a dispersão completa da amostra (figura 15). 10 Os procedimentos a seguir foram adaptados do Manual de Métodos de Análise de Solos da Embrapa (1997). 11 No ponto 1 e 2 referentes ao município de Getulina houve um total de 6 amostras para análise, considerando que em cada um dos pontos foram coletadas três amostras, cada uma referente a um horizonte do perfil de solo. Em Vera Cruz coletou-se um total de três amostras referentes ao único ponto coletado na propriedade, denominado ponto 3. 34 Figura 15: Pesagem de 10g de cada amostra de solo utilizando balança granatária Fonte: Arquivo Pessoal. Os Erlenmeyers foram dispostos na mesa vibratória por um período de 6 horas (figura 16), objetivando a desagregação dos diferentes grãos que constituem o solo. Figura 16: Agitação das amostras na mesa vibratória por 6 horas Fonte: Arquivo Pessoal. Após o período de agitação filtrou-se a solução de solo (1) com o auxílio de uma peneira de abertura de 0,053 mm (2). A mesma foi depositada sob um funil (3), sendo este 35 encaixado na proveta de 100 mL (4). A solução foi despejada sob a peneira e lavada com água deionizada (5) (figura 17). Figura 17: Filtragem das amostras de solo. Observa-se no processo de lavagem a retenção das frações de área na peneira Fonte: Arquivo Pessoal. As frações retidas na peneira foram depositadas nas Placas de Petri (devidamente pesadas) e levadas para a estufa por um período de 24 horas a uma temperatura de 105°C. Transcorrido este período, as placas foram dispostas no dessecador para esfriar e posteriormente pesadas (figura 18). Figura 18: Amostras dispostas no dessecador e posteriormente pesadas na balança analítica Fonte: Arquivo Pessoal. 36 Posteriormente, as provetas contendo argila e silte resultante da filtragem das amostras, são colocadas no tanque com água, com o intuito de manter a uniformidade térmica das mesmas. Após medir a temperatura da solução com um termômetro, determina-se o tempo de pipetagem, ou seja, o espaço de tempo entre a agitação de uma proveta e sua pipetagem. A agitação é realizada com o auxílio de um bastão específico, cada proveta foi agitada por 30 segundos, com um intervalo de tempo de 2 minutos entre elas (figura 19). Figura 19: Disposição das provetas no tanque e o processo de agitação das mesmas Fonte: Arquivo Pessoal. Estipulado o intervalo de tempo entre a agitação das provetas e a pipetagem em função da temperatura da solução, iniciou-se o procedimento com a pipetagem de 5mL de solução, contendo argila, a 5 cm de profundidade. O conteúdo é transferido para um Béquer de 40 mL (devidamente seco e pesado), juntamente com os 5 mL de solução foi adicionado 5 mL de água deionizada (figura 20). 37 Figura 20: Pipetagem das soluções contendo argila e sua disposição nos Béqueres Fonte: Arquivo Pessoal. Por fim os Béqueres foram levados a estufa durante um período de 24 horas a uma temperatura de 105°C, transcorrido este tempo os mesmo foram dispostos no dessecador e pesados. Posteriormente, realizaram-se os cálculos de porcentagem de areia, silte e argila. 1) Porcentagem de areia: Mareia= P2 (peso da placa com areia) – P1 (peso da placa) 10g 10% Mareia X% 2) Porcentagem de argila: Margila= P2 (peso do Béquer com a argila) – P1 (peso do Béquer) % argila = (Margila – 0,002) x 2000 3) Porcentagem de silte: %silte = 100% - %areia - %argila A partir da determinação das frações de areia, argila e silte utilizou-se do Diagrama de Classes Texturais (figura 21). 38 Figura 21: Diagrama de Classe Textural Fonte: Desenvolvido pela United States Department of Agriculture (1951) apud Lemos; Santos (1996), p.15. Com a areia presente nas Placas de Petri, resultante do processo de filtragem, secagem e pesagem, realizou-se o fracionamento das mesmas. As amostras foram levadas ao fracionador, com regulagem 5 minutos e frequência de 1500 vibrações por min. O jogo de peneiras corresponde as seguintes aberturas: 2,00; 1,00; 0,50; 0,250; 0,125; 0,062. As frações de areia, portanto, são divididas em: Quadro 1: Jogo de peneiras utilizadas para o fracionamento de areia Fonte: Organização da autora. Com o auxílio de um pincel retirou-se a areia de cada uma das peneiras, sendo que o conteúdo foi transferido para um Béquer e posteriormente pesado. 39 Além dos procedimentos acima, realizou-se o estudo das características morfológicas dos horizontes, baseando-se em Lemos; Santos (1996); Oliveira et al, 1992; Kiehl (1979); IBGE (2007). Neste estudo morfológico foi considerado: - Cor (de acordo com a Carta de Munsell, 2000). A importância da cor, segundo Oliveira et al (1992) refere-se ao conhecimento das características e do comportamento do material: dessa forma um solo argiloso vermelho, por exemplo, seria bem drenado internamente. Com relação a classificação da cor deve-se considerar que o matriz, presente na carta de Munsell, que traduz o comprimento de onda dominante da luz refletida (cor do espectro solar); já o valor refere-se a tonalidade mais clara ou mais escura da cor, sendo que o valor zero corresponde ao preto absoluto e o dez ao branco absoluto. Por fim, o croma representa a pureza da cor, traduzindo a saturação ou intensidade do colorido (OLIVEIRA et al,1992). - Espessura e arranjo dos horizontes; - Transição entre os horizontes: Abrupta <2,5cm; Clara 2,5 – 7,5cm; Gradual 7,5 – 12,5cm; Difusa >12,5cm (IBGE, 2007). - Textura (proporção relativa das frações granulométricas que compõem o solo) considerando a classe de textura exposta em Lemos; Santos (1996). - Plasticidade: não plástica, ligeiramente plástica, plástica, muito plástica. A plasticidade está relacionada com o grau de resistência à deformação (IBGE, 2007); - Estrutura: blocos angulares e subangulares, blocos granulares e em grumos; - Porosidade: volume de solo ocupado pela água e pelo ar podendo ser: pouco porosos, poros comuns e muito porosos. - Cerosidade: aspecto brilhante e ceroso na superfície podendo ser, no que se refere ao grau de desenvolvimento: fraca, moderada, forte e, com relação a quantidade: pouco, comum ou abundante; - Consistência: solo seco, considerando a dureza (solta, macia, ligeiramente dura, dura, muito dura, extremamente dura) e solo úmido, considerando a friabilidade (solta, muito friável, friável, firme, muito firme, extremamente dura). A consistência está diretamente relacionada com as forças de adesão e coesão do solo, sendo este último mais intenso em solos argilosos do que arenosos (OLIVEIRA et al, 1992; IBGE, 2007). - Densidade: como exposto por Ferraz (2008) a densidade aumenta em profundidade graças ao adensamento resultante da pressão das camadas superiores e da eluviação de argila que relaciona-se com a diminuição da porosidade. Além disso, também constitui-se em um 40 atributo instável: “[...] dependendo do grau de compactação e desestruturação causado pelo manejo do solo relacionado ao sistema de cultivo empregado” (FERRAZ, 2008, p.35-36). Além disso, densidades elevadas podem significar impedimento mecânico para o desenvolvimento das raízes. Existe parâmetros estabelecidos de densidade que indicam condições de desenvolvimento de uma cultura, a importância desta informação se refere, por exemplo, a escolha de espécies para recuperação de áreas degradadas (FERRAZ, 2008). - Tipo de solo: Latossolo, Argissolo, Litossolo ou Neossolo, Hidromórfico ou Gleissolo etc. Alguns dos procedimentos realizados, com relação as características morfológicas, estão expostos nas imagens a seguir (figura 22). Figura 22: Procedimentos de descrição morfológica dos perfis de solo como cor, consistência e plasticidade Fonte: Arquivo Pessoal. Houve, portanto, a obtenção de resultados sobre textura, granulometria, fracionamento de areia e morfologia, sendo estes subsídios para a realização do projeto de pesquisa e posteriores análises. 41 1.2 Elaboração dos mapas de uso da terra e cobertura vegetal das áreas de estudo A elaboração dos mapas de uso da terra e cobertura vegetal das duas áreas onde o projeto de pesquisa está sendo desenvolvido iniciou-se com o emprego das imagens do satélite ALOS (Advanced Land Observing Satellite), sensor AVNIR-2 (Advanced Visible and Near Infrared Radiometer type 2), que apresenta resolução espacial de 10 metros e correspondem ao ano de 2009. As imagens foram importadas para o programa SPRING 5.1.5®5 e submetidas ao procedimento de segmentação de imagens12 (método de crescimento de regiões) que consiste num procedimento de análise de imagens baseado em atributos espectrais. Neste caso divide- se a imagem em “regiões” (conjunto de pixels contíguos) que apresentam uniformidade. No caso de Getulina o melhor valor de similaridade correspondeu a 20, enquanto que em Vera Cruz foi de 30 (figura 23). Figura 23: Segmentação das imagens da área de estudo de Getulina e Vera Cruz-SP, respectivamente 12 Informações extraídas de: http://www.dpi.inpe.br/spring/portugues/tutorial/segmentacao.html. Acesso em: 16 jun. 2013. 42 Fonte: Elaboração da autora. Após a segmentação das imagens realizou-se a classificação das mesmas. Este procedimento consiste na extração de informações de uma imagem com o objetivo de reconhecer padrões e objetos homogêneos13. Neste caso, foi realizado a classificação por regiões que baseia-se nas propriedades espectrais e espaciais. O tipo de classificador utilizado em ambas as imagens refere-se ao Bhattacharya e o limite de aceitação foi de 75%. Posteriormente, utilizou-se das imagens do Google Earth®4, que eram mais recentes, para a atualização das imagens do ALOS, sendo que o procedimento foi realizado no CorelDRAW X4®3. No caso de Getulina a imagem do Google Earth®4 é referente ao dia 30 de julho de 2012, já a de Vera Cruz é do dia 13 de outubro de 2010. As legendas dos mapas foram adaptadas do sistema de classificação da cobertura e do uso da terra proposto pelo IBGE (2006). Considera-se os produtos finais como mapas, já que os mesmos representam uma porção da superfície da terra por meio da redução das proporções do que está sendo representado, além disso, apresenta escala numérica, coordenadas UTM (Universal Transversa de Mercator), entre outros atributos. 13 Informações extraídas de: http://www.dpi.inpe.br/spring/portugues/tutorial/classific.html. Acesso em: 16 jun. 2013. 43 Mapa é a representação no plano, normalmente em escala pequena, dos aspectos geográficos, naturais, culturais e artificiais de uma área tomada na superfície de uma Figura planetária, delimitada por elementos físicos, político-administrativos, destinada aos mais variados usos, temáticos, culturais e ilustrativos (IBGE, 1998, p.19). Porém os mesmos não podem ser considerados como produtos cartográficos para fins de SIG, por exemplo, já que em sua elaboração não foi necessário, devido aos interesses da pesquisa e as dificuldades de acesso a informações, o uso de bases cartográficas das áreas de estudo, nem o georreferenciamento das mesmas. Assim, o intuito principal dos produtos finais é que os mesmos fossem instrumentos de representação do uso da terra e da cobertura vegetal das áreas de estudo e seu entorno, sendo subsídio para as análises referentes ao presente projeto de pesquisa. 44 2. CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA A PESQUISA Iniciam-se as discussões considerando um conjunto de elementos e conceitos de extrema relevância para a análise geográfica da realidade, que estão presentes no esquema de pesquisa (Figura 24), sendo este elaborado como um esforço de organização e sistematização do pensamento e, consequentemente, dos caminhos a serem percorridos no decorrer da pesquisa. Figura 24: Esquematização da pesquisa: Fonte: Organização da autora. 45 Parte-se da necessidade de se compreender as dinâmicas do meio físico tanto no que tange às características geológicas, geomorfológicas, pedológicas e climáticas como também à interrelação entre os elementos que participam do desencadeamento de processos erosivos, enquanto fenômeno geológico de caráter natural relacionado com a esculturação do relevo, como exposto por Bertoni & Lombardi Neto (1999). Porém, este meio físico e suas leis naturais não dão conta de explicar toda a complexidade espacial, visto que outro fator extremamente relevante entra em cena: a sociedade, por meio do uso e da apropriação deste espaço físico. Tem-se, portanto, a ação da sociedade que por suas intencionalidades e interesses age enquanto elemento incorporador de novas funcionalidades as técnicas, ao espaço e aos recursos naturais, como transformador da paisagem e seus componentes e, consequentemente como elemento que influencia em suas dinâmicas. A pretensão de se trabalhar com a recuperação de áreas degradadas por erosão hídrica em propriedades agrícolas torna indispensável a abordagem da relação entre a natureza e suas particularidades, e a sociedade que desenvolveu um amplo potencial transformador do espaço geográfico e da paisagem. Este fator também se dá pelo aumento do potencial técnico de intervenção nas dinâmicas da natureza, atrelada a uma lógica de valorização dos recursos naturais enquanto mercadoria (SUERTEGARAY; NUNES, 2001), resultando também no aumento da degradação ambiental e de suas intensidades. Neste sentido, entende-se que a sociedade deve ser abordada enquanto agente ativo na transformação do meio físico graças ao processo cada vez mais intenso de apropriação deste espaço, mediado pelo desenvolvimento de novos objetos técnicos que também interferem nas dinâmicas naturais. Deve-se considerar que o desenvolvimento, construção e transformação das técnicas são carregados de intencionalidade, neste sentido, a técnica e sua aplicação não se explica por si só, mas deve-se abranger os interesses intrínsecos a funcionalidade das mesmas e estes interesses e intencionalidades são de âmbito social. Esta articulação entre a forma e o significado das formas (NUNES et al, 2006) apresenta-se enquanto subsídio para a compreensão das distintas formas de apropriação dos diferentes agentes sociais e seus interesses sobre o espaço geográfico. Como conceitos norteadores das análises tem-se o espaço geográfico enquanto essência do movimento dialético da sociedade com o espaço por ela apropriado. Considera-se, nesta relação, a sociedade enquanto transformadora da natureza que é reelaborada a partir de interesses diversos, e a paisagem enquanto materialização deste movimento dialético da sociedade, sendo necessário para compreendê-la em sua plenitude considerar tanto a forma 46 (morfologia) como os seus significados, com o intuito de identificar os modos de apropriação empregados no espaço geográfico pelos diferentes agentes sociais (RIBAS et al, 1999; NUNES et al, 2006). Esta relação sociedade e natureza vai resultar em diferentes arranjos espaciais, carregados de singularidades, uma vez que os elementos naturais, as relações sociais e a forma com que ambos interagem são ímpares. Esta relação pode se dar tanto de forma harmônica, mantendo-se o equilíbrio, ou de forma desarmônica resultando no desequilíbrio e na degradação. Este desequilíbrio afeta tanto a natureza como a sociedade no âmbito ambiental, social, econômico etc. Neste cenário, há a necessidade de se pensar em medidas mitigatórias que reestabeleçam o equilíbrio desta relação, neste caso, representada pelo desenvolvimento e, principalmente, pela disseminação de metodologias de recuperação de áreas degradadas pela erosão hídrica. Esta necessidade crescente é expressa por Suertegaray & Nunes (2001) quando expõem que se anteriormente a preocupação com o desenvolvimento das técnicas relacionavam-se com a exploração de recursos para fins de produção e circulação de mercadoria, hoje tem-se a necessidade do desenvolvimento de técnicas reparadoras da natureza e de suas dinâmicas. Estes fatores resultam justamente da visão do estudo da natureza em prol de um controle da mesma, de uma ideia clássica do conhecer para tornar-se dominadores da natureza, como expresso por Descartes, vista como domínio a ser conquistado e a ser incorporado às demandas e dinâmicas do ritmo de produção da sociedade (VESENTINI, 1997). Segundo Suertegaray (2001) a separação sociedade e natureza constitui-se numa herança das ideias de Descartes que relaciona-se com a dessacralização da natureza, da mesma enquanto objeto e do homem enquanto sujeito conhecedor e dominador dela. Neste cenário insere-se o papel da Geografia enquanto ciência que busca compreender estas dinâmicas que se processam entre a sociedade e a natureza, e que resultam na construção e modificação do espaço geográfico. É, neste sentido, que Conti (2001) expressa a necessidade de se considerar numa análise geográfica duas categorias que são indissociáveis: o espaço terrestre e o tempo histórico, sendo que no decorrer deste tempo histórico a sociedade exprime sobre o espaço terrestre transformações por meio de sua atividade, tendo-se paisagens transformadas e/ou construídas pela ação da sociedade. Ainda segundo o autor, a possibilidade de se considerar tanto os aspectos da natureza como os aspectos humanos no seu processo de apropriação do espaço são de grande valia para 47 se consolidar um convívio que seja harmônico entre a sociedade e a natureza, ou seja, compreender a natureza não para dominar, mas para perpetuá-la. O grande potencial transformador da sociedade sobre a natureza é cada vez mais discutido e uma das situações onde ele se torna mais perceptível e didático é quando se trata da deflagração de processos erosivos intensificados pela mesma. É em meio à complexidade deste tema que a presente pesquisa foi elaborada, frente a colocações como: - Necessidade de se pensar a realidade em sua totalidade considerando que a mesma se dá enquanto resultado das relações entre a sociedade e a natureza; - Abordar o processo de uso e ocupação do espaço; - Pensar a erosão, enquanto uma das principais formas de degradação ambiental, buscando compreendê-la não somente por meio de seus condicionantes naturais, mas também como a ação da sociedade interfere neste processo; - Pensar alternativas de recuperação de áreas degradadas por erosão que não as considere de forma desconectada da realidade dos sujeitos que vivem nos espaços onde elas se encontram; - Necessidade de se fomentar uma prática agrícola que seja mais consciente ambientalmente e dar condições aos produtores rurais para que isso seja possível; - Pensar em alternativas de recuperação de áreas degradadas por erosão que sejam economicamente viáveis e aplicáveis até mesmo aos pequenos produtores rurais que possuem restrições no dispêndio de capital; Considerando a necessidade de se trabalhar com a leitura/análise da realidade por intermédio dos conceitos geográficos, que nos permitirão ler geograficamente o que nos é apresentado, é que se buscou identificar os conceitos chaves que irão permear a pesquisa. A importância deste exercício é exposta por Santos (2002), que o coloca como indispensável para a abordagem dos objetos observados: A partir do entendimento que tivermos do que deve ser o objeto da disciplina geográfica, ficamos em condições de tratar, geograficamente, os objetos encontrados. Mas esta proposição restará tautológica, se não buscarmos as categorias analíticas que permitam rever o todo como realidade e como processo, como uma situação e como movimento. Trata-se de formular um sistema de conceitos (jamais um só conceito!) que dê conta do todo e das partes em sua interação (SANTOS, 2002, p. 77). 48 Parte-se do conceito de espaço geográfico, tentando compreender como este se “forma/transforma”, considerando que ao mesmo tempo em que o espaço geográfico se apresenta como resultado das relações conflitantes entre a sociedade e a natureza, que se dão e se materializam sobre o mesmo, este também se apresenta em um ininterrupto processo de transformação. A partir da necessidade de se compreender a complexidade do espaço geográfico, tem-se a possibilidade de incorporar de forma integrada e, ao mesmo tempo, conflitante, todos os fatores que constituem o mesmo. Neste sentido, esta pesquisa se coloca como um esforço de incorporação analítica de um conjunto de elementos constituintes dos diferentes espaços abrangidos no projeto, sendo que estes perpassam tanto pelas dinâmicas naturais do meio físico como também pelas dinâmicas socioeconômicas representadas, especialmente, pela apropriação do espaço pela sociedade, pelo processo histórico de uso e ocupação da terra e pelas conjunturas sociais e econômicas nas quais este processo se deu. Estes elementos dão condições para compreender o atual arranjo socioespacial das áreas estudadas. Frente a esta complexidade do espaço geográfico, a paisagem se coloca como um instrumento de apreensão da relação entre a sociedade e a natureza. Por isso ela não se constitui como algo estético, superficial e sem vida, mas sim como expressão/aparência do movimento, e por isso provisória e contraditória, como exposto por (RIBAS et al, 1999), por se formar, justamente, de um espaço provisório e contraditório. Portanto, estes dois conceitos da geografia se constituem nos principais subsídios analíticos da pesquisa. 49 3. A IMPORTÂNCIA DA PAISAGEM NA COMPREENSÃO DO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO A paisagem se coloca como instrumento de compreensão da complexidade do espaço geográfico, enquanto materialização “momentânea14” das dinâmicas processadas entre a sociedade e o meio em que suas ações se realizam, ou seja, o espaço natural. Como expresso por Suertegaray (2001) a geografia sempre buscou compreender a relação entre o homem e o meio, expresso pela autora como entorno natural. Porém, a grande dificuldade de uma visão holística que incorpore os conhecimentos das ciências naturais e sociais se deve ao processo de fragmentação do conhecimento. Quando se questiona esta dicotomia entre sociedade e natureza tem-se, segundo Vesentini (1997), um problema que extrapola as conjunturas e possíveis defasagens teórico- metodológicas. Na verdade, esta questão coloca em cheque os resultados da influência da modernidade sobre os recursos naturais, colocando em debate o “futuro do social”, ou seja, os problemas que expressam a atual crise ecológica como a poluição, a necessidade do conservacionismo e da preservação, os riscos das ações do homem sobre a biosfera etc. Segundo Santos (2002), a presença das técnicas modernas que vão das muito pequenas “microssistemas” até o extremamente grande, como as usinas hidrelétricas, possuem o papel de acelerar as: “[...] relações predatórias entre o homem e o meio, impondo mudanças radicais à natureza”, para o autor eles surgem como: “[...] elementos centrais na produção do que se convencionou chamar de crise ecológica, cuja interpretação não pode ser feita sem levar em conta, mais uma vez, a tipologia dos objetos técnicos e as motivações de seu uso no presente período histórico” (SANTOS, 2002, p.253). A busca de mais-valia ao nível global faz com a sede primeira do impulso produtivo [...] seja apátrida, extraterritorial, indiferente às realidades locais e também às realidades ambientais. Certamente por isso a chamada crise ambiental se produz neste período histórico, onde o poder das forças desencadeadas num lugar ultrapassa a capacidade local de controlá-las, nas condições atuais de mundialidade e de suas repercussões nacionais. [...] poderíamos falar em desterritorialização do desastre ecológico (SANTOS, 2002, p.253). 14 Como exposto por SANTOS (1988): “[...] A paisagem não é dada para todo o sempre, é objeto de mudança. É um resultado de adições e subtrações sucessivas. É uma espécie de marca da história do trabalho, das técnicas” (pág.68). Ela expressa um momento atual, mas não é estática já que como resultante de uma complexidade do espaço geográfico a mesma também se torna complexa, em movimento. 50 Estes questionamentos incorporam a natureza como dilema, considerando-a enquanto limitante do progresso, do consumo e da produção (VESENTINI, 1997). Frente a esta fragmentação que caracterizou o século XX houve, segundo Suertegaray & Nunes (2001), a tentativa de análise integrada do meio físico inicialmente por intermédio de conceitos como o de paisagem. Domingues (2001, p.56) expõe que, especialmente quando a geografia se firmava como disciplina a mesma era vista enquanto síntese resultante de uma relação longa entre as: “condições naturais (um conjunto de determinantes biofísicas) e a acção do homem organizado em sociedades portadoras de uma historicidade, de uma cultura, de uma evolução tecnológica”. Mais do que uma morfologia, as paisagens geográficas continham uma espessura antropológica, reveladora das marcas das sucessivas transformações. Ainda segundo Domingues (2001) viu-se no passado recente, frente a uma sociedade em transformação, que se urbanizava, com novas territorialidades e seus conflitos, uma ênfase da geografia em dois conceitos-chave: o espaço e o território, em contraposição ao excepcionalismo e a descrição da paisagem. Neste processo, a velha síntese geográfica desaparece, cedendo lugar a uma divisão mais profunda entre a geografia física e a humana. A paisagem ressurgiria juntamente com a emergência das teses ambientalistas, fortalecendo-se e surgindo em outros campos do conhecimento. Este processo de descaracterização e recaracterização da paisagem, frente a mudanças sociais nos modos de apropriação, uso e transformação dos espaços ditos tradicionais, ganha uma velocidade jamais vista, apresentando a paisagem como palimpsesto, como: “o texto que desaparece deixando as marcas possíveis, e o outro que ainda não está construído, que ainda não é decifrado como algo coerente” (DOMINGUES, 2001, p.59). Santos (2002, p.106) também aborda a paisagem como palimpsesto, como: “[...] memória viva de um passado morto” onde: “[...] mediante acumulações e substituições, a ação das diferentes gerações se sobrepõe” (SANTOS, 2002, p.104). Segundo Suertegaray & Nunes (2001) a ótica ambiental se coloca hoje como mais relevante nos estudos de geografia, em especial, considerando os impactos ambientais e a degradação da natureza enquanto resultado das formas de apropriação processadas pela sociedade. Este fator é relevante na busca por análises que contemplem a relação sociedade e natureza, já que a questão ambiental, como expresso pelos autores, é interdisciplinar em sua essência, não sendo exclusivamente da geografia física, possibilitando a compreensão da natureza, inserida em um contexto socioeconômico e de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, enquanto apropriação da sociedade. 51 Este fator é ainda mais relevante quando se pensa na intensificação da velocidade de criação de tecnologias de intervenção nas dinâmicas naturais, considerando os recursos da natureza enquanto mercadorias, e quando se considera o conhecimento da mesma enquanto instrumento de dominação. Além disso, as análises enfatizam mais a compreensão dos processos morfodinâmicos do que morfogéneticos, justamente com o intuito de entender as complexas dinâmicas do tempo atual, de possibilitar os diagnósticos, as intervenções etc. Este fator se relaciona com a preocupação com o esgotamento rápido dos recursos naturais enquanto mercadoria. Mercadoria esta indispensável à manutenção da reprodução do capital e cujo discurso do “ambientalmente correto” é incorporado estrategicamente (VESENTINI, 1997; SUERTEGARAY; NUNES, 2001). Esta concepção de natureza enquanto recurso também foi abordada por Vesentini (1997): [...] a atual “crise ecológica” nos mostra que há um desequilíbrio nas relações sociedade moderna e natureza, e a inquirição da origem desse fato nos conduz a uma concepção de natureza enquanto recurso, o que ocorreu na “revolução tecno-científica” dos séculos XVI e XVII. (Acontecimento, é bom ressaltar, interligado ao desenvolvimento do capitalismo e à ocidentalização de praticamente todo o planeta) (VESENTINI, 1997, p.10). Vesentini (1997) expõe a geografia e outras ciências modernas como reprodutoras da dicotomia entre o homem, enquanto produtor, criador e transformador e a natureza enquanto domínio a ser conquistado, explorado e submetido ao ritmo de produção proveniente das relações e demandas capitalistas. Porém, esta característica dicotômica deve ser entendida por meio da consideração do processo histórico de estabelecimento da geografia enquanto ciência. Como exposto por Chauí (1994), as ciências humanas, ou seja, que possuem o ser humano como objeto de estudo, se estabeleceram enquanto tal depois que as ciências matemáticas e naturais estavam consolidadas e que já: “[...] haviam definido a ideia de cientificidade, de métodos e conhecimentos científicos, de modo que as ciências humanas foram levadas a imitar e copiar o que aquelas ciências haviam estabelecidos, tratando o homem como uma coisa materializável” (CHAUÍ, 1994, p.345). Além disso, neste período prevalecia a concepção empiricista, sendo o homem pensado a partir de modelos hipotéticos- indutivos e experimentais, buscando leis causais universais na compreensão dos fenômenos humanos. 52 Segundo a autora, do século XV ao início do século XX houve o período do humanismo que estabelecia o homem como um agente moral, político etc.: “[...] destinado a dominar e controlar a Natureza e a sociedade [...] o humanismo não separa homem e Natureza, mas considera o homem um ser natural diferente dos demais, manifestando essa diferença como ser racional e livre” (CHAUÍ, 1994, p.346). Posteriormente, tem-se o período do positivismo em que se propõe um estudo científico da sociedade, com o uso de procedimentos e métodos empregados nas ciências da Natureza. Já no período do historicismo há uma insistência na manutenção da diferença entre homem e natureza, entre ciências naturais e as humanas: “[...] os fatos humanos são históricos, dotados de valor e de sentido, de significação e finalidade e devem ser estudados com essas características que os distinguem dos fatos naturais” (CHAUÍ, 1994, p.347). Suertegaray (2001) expõe as diferentes concepções e abordagens do conceito de paisagem tanto no que se refere aos geógrafos clássicos que a viam enquanto expressão das relações do homem com a natureza, restringindo-se, a muitos, ao aspecto visual. Porém, outros já a consideravam para além do visual, como Troll (1950) que, como exposto por Suertegaray (2001), via a paisagem como “um conjunto de interações homem e meio”, tendo uma dupla possibilidade de abordagem: a forma e a funcionalidade, sendo resultante da articulação entre os elementos constituintes. Já Bertrand (1968) a via, segundo Suertegaray (op. cit.), como resultado da combinação instável dos elementos físicos, biológicos e antrópicos que interagiam dialeticamente dando resultado a uma paisagem enquanto conjunto único e em contínua evolução. No aspecto mais comtemporâneo Milton Santos aborda a paisagem como materialização do espaço geográfico e constituinte do mesmo, enquanto forma (sistema de objetos). No entanto, segundo Suertegaray (2001), a paisagem se coloca como um conceito operacional que dá possibilidade de analisar uma dimensão do espaço geográfico: [...] o da conjunção de elementos naturais e tecnificados, sócio-econômicos e culturais [...] enquanto forma (formação) e funcionalidade (organização). Não necessariamente entendendo forma–funcionalidade como uma relação de causa e efeito, mas percebendo-a como um processo de constituição e reconstituição de formas na sua conjugação com a dinâmica social. Neste sentido, a paisagem pode ser analisada como a materialização das condições sociais de existência diacrônica e sincronicamente. Nela poderão persistir elementos naturais, embora já transfigurados (ou natureza artificializada). O conceito de paisagem privilegia a coexistência de objetos e ações sociais na sua face econômica e cultural manifesta (SUERTEGARAY, 2001, p.4-5). 53 Segundo Ribas et al (1999) o espaço geográfico está “contido” na paisagem e para se chegar ao entendimento da essência do mesmo é necessário partir da compreensão da aparência, das transformações e configurações paisagísticas. Portanto, espaço geográfico e paisagem se complementam, sendo um subsídio para o entendimento do outro, paisagem como aparência e espaço geográfico como essência. Santos (1988, p.72) expõe a paisagem e o espaço como um par dialético, no qual: “[...] O espaço resulta do casamento da sociedade com a paisagem. O espaço contém o movimento. Por isso, paisagem e espaço são um par dialético. Complementam-se e se opõem”. Para o autor deve-se considerar paisagem e espaço como categorias diferentes, para não correr o risco de não reconhecer o movimento da sociedade. Já Ribas et al (1999, p.113) expõe a paisagem como: “[...] dimensão perceptível do arranjamento sócio-espacial”, enquanto aparência do movimento, e o espaço geográfico como lógica do movimento, sendo que um não nega o outro, já que a aparência é uma dimensão da essência. A essência e a aparência não se negam, pois a aparência é uma dimensão da essência, um momento de sua manifestação, enquanto que a essência só pode ser compreendida por meio da dimensão que se manifesta como forma aparente. A paisagem, por conseguinte, é uma dimensão do espaço geográfico, um momento/nível de compreensão e expressão deste, enquanto que o espaço geográfico só pode ser compreendido a partir da manifestação e percepção paisagística (RIBAS et al, 1999, p.115). Segundo Nunes et al (2006) a própria construção do espaço geográfico se dá pelo processo de transformação/modificação, por interesses públicos e privados, de elementos da natureza, que são incorporados no processo ininterrupto de construção, destruição e reconstrução de novos espaços sociais. Portanto, no que se refere ao espaço geográfico, há a necessidade de se considerar que o mesmo se apresenta como resultado da relação dialética entre sociedade e natureza. Esta relação dialética se expressa na paisagem, sendo esta um instrumento de compreensão deste processo. [...] ao reconhecer as diferentes paisagens observando dialeticamente a forma (morfologia) e o significado das formas (representações sócio- espaciais), é possível identificar os diferentes modos de apropriação que os diferentes agentes sociais empregam sobre o espaço geográfico urbano e rural (NUNES et al, 2006, p.128). 54 Santos (1988) expõe a paisagem enquanto paisagem artificial ou natural, sendo a primeira aquela paisagem transformada pelo homem e a segunda seria aquela que ainda não foi modificada pelo esforço humano. Segundo o mesmo autor, praticamente não existe mais paisagem natural já que mesmo que esta não tenha sofrido intervenções antrópicas diretas, a mesma é alvo de intenções políticas e econômicas. A paisagem seria o conjunto heterogêneo de formas naturais como também artificiais. No começo da historia do homem, a configuração territorial é simplesmente o conjunto dos complexos naturais. À medida que a história vai fazendo-se, a configuração territorial é dada pelas obras dos homens: estradas, plantações, casas, depósitos, portos, fábricas, cidades, etc.; verdadeiras próteses. Cria-se uma configuração territorial que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada (SANTOS, 2002, p.62). De forma geral Santos (1988) expõe a paisagem como “materialização de um instante da sociedade”, e o espaço como “o casamento da sociedade com a paisagem”, contendo movimento. A paisagem seria o trabalho morto, já o espaço conteria tanto o trabalho morto, expresso pelas formas geográficas, como também o trabalho vivo, enquanto contexto social. No caso da paisagem a mesma seria transtemporal, já que é constituída tanto por objetos passados como por objetos presentes, uma construção transversal. Já o espaço se constitui enquanto construção horizontal, o presente; a paisagem é constituída por uma distribuição de formas-objetos e o espaço considera a intrusão da sociedade nestas formas- objeto; a paisagem através das formas criadas em diferentes momentos históricos, mas que coexistem no momento atual (SANTOS, 2002). Para se conhecer o real, Santos (2002) expõe a necessidade de não se considerar os objetos materiais que formam a paisagem por si mesmo, mas sim incorporar o entendimento do conteúdo social. Porém, uma das grandes relevâncias da paisagem seria justamente a possibilidade de: “[...] rever as etapas do passado numa perspectiva de conjunto” (SANTOS, 2002, p.106). De acordo com Santos (1988) as formas não nascem somente por conta das possibilidades técnicas de uma época, mas dependem também das condições sociais, econômicas, políticas, culturais etc.: “[...] A técnica tem um papel importante, mas não tem existência histórica fora das relações sociais. A paisagem deve ser pensada paralelamente às condições políticas, econômicas e também culturais” (SANTOS, 1988, p.69). 55 Quando Santos (2002) discute a paisagem o mesmo incorpora a ideia de rugosidade como aquilo que fica do passado, como forma, na paisagem atual e que dá subsídio para a compreensão das dinâmicas passadas que se processaram no espaço geográfico. Chamemos rugosidade o que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. As rugosidades se apresentam como formas isoladas ou como arranjos. É dessa forma que elas são uma parte desse espaço-fator. Ainda que sem tradução imediata, as rugosidades nos trazem os restos de divisões do trabalho já passadas (todas as escalas de divisão do trabalho), os restos dos tipos de capital utilizados e suas combinações técnicas e sociais com o trabalho (SANTOS, 2002, p.140). Outro fator relevante que precisa ser considerado quando se pensa no processo de (re)construção do espaço geográfico, por intermédio, por exemplo da apropriação, transformação e refuncionalização da natureza, é a questão da técnica e sua relação com o desenvolvimento cada vez mais intenso e acelerado da produção da ciência e da tecnologia. Neste sentido, Santos (2002) a expõe como principal forma de relação entre a sociedade e a natureza, entre o homem e o meio: “[...] as técnicas são entendidas como um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 2002, p.29). Esta técnica não se dá, como expresso pelo autor como uma simples adição do meio técnico ao meio natural, mas sim resultaria na produção de outra coisa, de um meio misto (técnico e geográfico ao mesmo tempo), que o mesmo vai identificar, historicamente, como: “[...] um meio que viveu milênios como meio natural ou pré-técnico, um meio ao qual se chamou de meio técnico ou maquínico durante dois a três séculos, e que hoje estamos propondo considerar como meio técnico-científico-informacional15” (SANTOS, 2002, p.41). Para Santos (2002, p.42) é como se: “[...] se buscasse renovar a