1 2 3 FICHA CATALOGRÁFICA Passos, Thiago de Moraes dos. P324h Habitando o Patrimônio Arquitetônico: os curadores de Paranapiacaba, Santo André, SP / Thiago de Moraes dos Passos – Presidente Prudente: [s.n], 2016 240 f. : i l Orientador: Neide Barrocá Faccio Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Geografia. 2. Paranapiacaba. 3. Paisagem. I. Passos, Thiago de Moraes dos. II. Faccio, Neide Barrocá. III. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. IV. Título. 4 5 6 À minha companheira Camila, Contigo o caminho fez mais sentido. As tristezas foram suportáveis E as alegrias engarrafadas. Sou grato por compartilharmos um mesmo tempo e espaço de existência. Amo-te. 7 A meu avô, Domingos, Ainda caminho sobre o chão sólido que construíste: Caminhamos, caímos, nos perdemos. Mas chão de terra batida aguenta o peso do mundo. Cá estamos meu avô-pai. In memoriam de minha avó Lourdes, que me ensinou a suprema arte de enrubescer de raiva; chorar de felicidade; gargalhar alto até não cabermos em nós. Tua intensidade nos faz muita falta. 8 AGRADECIMENTOS 9 Há quinze anos, um amigo contou-me que havia um lugar incrível, com matas e cachoeiras, e que poderíamos acampar por lá, ficar alguns dias entre amigos. Disse a ele, que até então, nunca havia acampado ou feito alguma trilha. Ele insistiu, emprestou--me uma mochila cargueira, chamou mais três amigos, Luís, Bolacha e Fernando. Pegamos o trem em Carapicuíba – inúmeras baldeações – para a estação do Brás. De lá, um trem com destino a Rio Grande da Serra. De Mauá em diante, da janela do trem, olhava a paisagem mudar, parecia que estávamos voltando no tempo, aquelas estações singelamente antigas eram charmosas. Descendo na estação final, tomamos um ônibus, que nos levou, em meio à neblina, para uma Vila fantasmagórica, rodeada por serra e mata. O cenário fascinou- me. Antes de adentrarmos a mata, li em alguma placa – Paranapiacaba. Seguimos. Voltei incontáveis vezes, nunca permanecia na vila, sempre acampava na mata. Mas andava por entre as ruas demoradamente, antes de sumir em meio à Serra. Eu não sabia naquela época, mas aquela pequena vila incrustada na Serra do Mar despertaria em mim um fascínio pela Geografia. Obrigado, Daniel, serei sempre grato por ter me mostrado esse caminho que, por algum tempo eu havia até mesmo perdido, mas como diz Tolkien: “podemos encontrar o que perdemos, mas nunca o que abandonamos”. Eu nunca abandonei o meu amor pelo conhecimento geográfico. Isto me leva ao presente: à gratidão. A gratidão “é um segundo prazer, que prolonga um primeiro, como eco da alegria, a alegria sentida, como uma felicidade a mais para um mais de felicidade” (COMTE- SPONVILLE, 2009, 145). Assim, sou grato a um número incontável de pessoas que passaram por minha vida e deixaram um pouco de si mesmas comigo. Mas, especificamente, para esse momento, algumas pessoas e instituições foram fundamentais. A saber: À FCT/UNESP, que nos últimos sete anos tem sido “um lugar”, uma segunda casa. Ao CNPQ, sem o qual, não seria possível a realização dos trabalhos nos moldes apresentados. Ao IPHAN e seus funcionários que me auxiliaram nas pesquisas iniciais. À Prefeitura de Santo André (especialmente ao Leandro, Ingo e Sidinei) por todo apoio quando requisitado. À professora Neide, por todo apoio e paciência ao longo de todo meu processo formativo – como acadêmico e ser humano. Espelho-me no seu profissionalismo, 10 bondade e comprometimento ético para traçar meu caminho. Sou grato pela amizade, bons conselhos e pelos puxões de orelha. Obrigado por tudo. Ao Professor Barone, por contribuir substancialmente com o presente trabalho, principalmente por ter introduzido leituras sobre pesquisa qualitativas ainda em 2013, quando participei da equipe de resgate da cultura imaterial da Aldeia índia Vanuíre. Muito obrigado. Aos professores Nécio e Eliseu pelas orientações em suas respectivas disciplinas na pós-graduação. Aos professores Isabel e Mariano pela amizade e contribuição nas discussões sobre a Vila de Paranapiacaba. Ao Laboratório de Arqueologia Guarani e Estudos da Paisagem e a todos os seus membros, uma verdadeira família: Fernando Favarelli, Saulo, Marcel, Laís e Bia. Os melhores veteranos! Receberam-me muito bem no laboratório e sempre me ensinaram muito. À Julia, Alceu e Cintia, uma grata surpresa conhece-los. Compartilhamos um peculiar gosto pelas coisas mais inquietantes da ciência geográfica/arqueológica. Isso me deixa feliz. À Graza, por todo apoio, obrigado! À Larissa Losada, sou grato por todas as ideias que trocamos sobre patrimônio arquitetônico e, também, sobre como fazer ciência fora da caixinha. E a tantos outros que passaram pelo LAG, mas que neste período da dissertação não tive tanto contato ou ainda não os conhecia. Todos estão em meus pensamentos, obrigado! Em especial, agradeço a Eduardo (um irmão mais novo e um ótimo conselhe iro (rs), Paulinha (ajudou-me em momentos dificílimos dissertação, obrigado), Brendão (de uma generosidade sem igual, obrigado meu amigo); Gustavo (você sempre se manteve a disposição. Gratidão!) Larissa Figueiredo (ficamos desesperados juntos, boa parte do tempo e me ajudou muito na fase de qualificação), vocês contribuíram diretamente para a conclusão desse trabalho. Sempre é muito bom compartilhar a mesma “casa- laboratório” com vocês. Um agradecimento especial à Maria, cujo os desenhos, fotos e figuras estão presentes neste trabalho. Você captou a essência mágica da vila e a traduziu em arte. Você é uma grade profissional e uma ótima amiga!!! Diana e Barbara. O fio do tempo até se perde de tantas horas a fio de conversas. É incrível conviver com vocês e compartilhar a mesma sintonia com as coisas que encantam na vida, de inúmeras geografias e arqueologias, que são poetizadas diariamente no laboratório e versadas nas palavras soltas. Às vezes, é bem verdade, pomo-nos a flor 11 da pele, com olhos mareados com a realidade triste que estas ciências despem, fardando- nos, com uma espécie de missão. Cabe-nos, porém, caminhar e equilibrar o peso e a leveza. Sou grato por ter-lhes como companhia nesse caminho. Aprendo diariamente com vocês. À Juliana (Ju) pela amizade e pelas inúmeras trocas de ideias sobre a arqueologia. Aprendo muito contigo e me espelho muito em ti. Sou grato por ter me ensinado as artimanhas da docência, nunca as esquecerei. Sou muito grato a ti Ju, que me mostrou como despertar nos alunos “a dor da lucidez. Sem limites. Sem piedade. ” (Adolfo Aristarain – lugares comuns). Ao grande Hiuri, pela sua generosidade latente, sempre compartilhando suas descobertas e mostrando-me o valor do comprometimento e obstinação para com o conhecimento. Muito obrigado, amigo. Ao Alisson, obrigado por tudo. De todos, você foi a pessoa mais presente no processo de confecção desta dissertação. Leu meus textos, acompanhou-me aos bares quando as coisas não iam muito bem. Você é um grande amigo. Obrigado. Gabriel (calabresa) por simplesmente ser esse grande amigo. Mas, também, por ter sido você que me incutiste a amar o conceito de paisagem na geografia. Esse trabalho é uma forma de lhe agradecer por todos os momentos trancafiados em casa discutindo teorias mil sobre mil coisas diferentes. Cresci muito somente por compartilhar contigo loucos ideais. Axé, irmão Ao David, poeta-louco, com quem travei sessões de devaneios épicos. Cuja contribuição a esse trabalho é imensurável. Companheiro no caminho do saber, grande amigo. Foste tu, que me ensinaste a apreender a paisagem como quem faz um Hai-kai: com a profundidade de um “kire” e a sensibilidade temporal e poética do “Kigo”. Obrigado Billy. Ao André “mellon” tenho-te como irmão. Obrigado por fazer parte deste caminho e por toda as horas de conversa acalentadoras nos momentos difíceis. Desejo-te sempre que “Nai anar kaluva tielyanna”. [A frase está em Quenya rs] À republica Marãey e seus membros. Gostaria de agradecer à Juniele; Riti; Alexandre, pela paciência que tiveram comigo durante todos esses anos. À Nany, cuja intuição já me livrou de muitas enrascadas. Seus conselhos puseram-me em caminhos mais suaves, obrigado. Michele, minha irmãzinha, gratidão por tudo – inclusive por aquele treino/sabatina pré-banca, cuja as perguntas eu não consegui responder até hoje (rs), você é uma amiga incrível. Pitty, tu chegaste quando esta dissertação já estava pronta, 12 mas não posso deixar de agradecer por tudo. Não é todo dia que aparecem pessoas de luz em nossas vidas que possamos considerar de forma tão amorosa, obrigado por tudo. Obrigado a todas e todos, vocês são família e amo vocês! Aos moradores de Paranapiacaba, mais especificamente àqueles que doaram seu tempo e paciência para me receber e ensinar-me, mesmo quando eu não sabia ao certo o que queria apreender: Pedro, Tony, Regina, Chistou, Célia, Zé da Cabra; Evanir e Grilo. À família do melhor da Café da Vila: Paulo, Elis e Caio. Ao Rony, por me receber sempre tão bem em seu bar (um ótimo ponto de encontro, lá no Morro). Sou grato também aos casais iluminados Cecé e Isac e Val e Sandro, vocês foram uma verdadeira família durante esse tempo de campo. Guardarei sempre a lembrança das noites ao som da viola no Largo dos Padeiros. Obrigado a todos e todas por me receberem. Por fim, minha família, meu pai, Edmilson e minha mãe, Maria de Fátima, não há palavras possíveis ou cabíveis nestas folhas para descrever minha gratidão a vocês. Amo vocês. Aos meus irmãos, Anderson e Priscila. Com vocês, sempre foi tudo mais divertido, abrigado! 13 RESUMO A pesquisa em tela trata da paisagem da Vila de Paranapiacaba, que está localizada a aproximadamente 50 km da capital paulista, no Município de Santo André, São Paulo. Paranapiacaba é considerada patrimônio ambiental, histórico, tecnológico e arquitetônico, tendo sua origem ligada à instalação do sistema funicular inglês na região, em meados do século XIX. Trata-se de um conjunto arquitetônico tombado nas instânc ias municipal, estadual e federal e indicado para pertencer ao Patrimônio Mundial pela UNESCO. Todas essas características fazem com que a experiência de seu habitar seja peculiar, sobretudo no que concerne às particularidades do tombamento, dos bens imóveis (a casa, o conjunto) e móveis (artefatos), pelos órgãos de proteção que visam à preservação e manutenção do patrimônio cultural. Por essa razão, o trabalho em tela tem como objetivo apresentar a experiência vivida dos moradores junto à paisagem. Acreditamos que a natureza intrínseca do habitar complica-se, ainda mais, quando a casa é “tombada”. Como, então, o fenômeno da paisagem se apresenta nessa circunstânc ia? Esse fenômeno, que amalgama a expressão do patrimônio habitado, eleva exponencialmente a experiência vivida na casa. As ações foram realizadas em colaboração com os moradores, poder público e órgãos de proteção ao patrimônio cultural. Por tratar-se de um complexo sítio histórico, arquitetônico e tecnológico, de contexto ferroviário, com poucas intervenções de trabalhos arqueológicos, muitos dos vestígios materiais estão de posse dos moradores, que realizam, eles próprios, a curadoria de seus achados. Esses objetos jazem espalhados pela vila, seja nos quintais das casas, nos “lixões”, nas ruas e em outras dependências e/ou instalações da SPR (São Paulo Railway). Com o tempo, os moradores passaram a guardar esses objetos em suas casas, incorporando-os ao seu mobiliário doméstico. Sabendo das implicâncias implícitas em tal fenômeno, articulamos os diversos sujeitos sociais envolvidos, procurando, de forma dialógica e transversal, realizar atuações no âmbito da educação patrimonial. As reflexões aqui levantadas dizem respeito aos processos relacionados às ressignificações dos artefatos arqueológicos. Tomamos tal situação como contextual, cuja prática é uma forma de fortalecer identidades, por meio de novas narrativas, que se canalizam na cultura material. Palavras-chaves: Paranapiacaba; Paisagem; Habitar; Geografia Humanista 14 ABSTRACT This work deals with the landscape of the village of Paranapiacaba, which is located approximately 50 km from the city of São Paulo, in the city of Santo André, São Paulo. Paranapiacaba is considered an environmental, historical, technological and architectura l patrimony, having its origin linked to the installation of the English funicular system in the region, in the middle of the 19th century. It is an architectural complex registered in the municipal, state and federal instances and indicated to be listed as one of the UNESCO Cultural World Heritage sites. All these characteristics make the experience of its dwelling peculiar, especially concerning the particularities of its heritage listing, its real estate (the house, the set) and its movable property (artifacts), by the protective organs that aim at the preservation and maintenance of the cultural heritage. For this reason, this work aims to present the experience lived by the residents along with the landscape. We believe that the intrinsic nature of dwelling becomes even more complicated when the house is a "heritage listed place." How, then, does the phenomenon of landscape present itself in this circumstance? This phenomenon, which amalgamates the expression of the inhabited patrimony, exponentially increases the experience lived in the house. The actions were carried out in collaboration with residents, public authorities and organs of protection of cultural heritage. As it is a complex historical, architectural and technological site, with a railway context, with few interventions of archaeological works, many of the material remains are in the possession of the residents, who curate their findings by themselves. These objects lie scattered throughout the village, either in the backyards of houses, in the garbage dumps, on the streets and in other facilities of the SPR (São Paulo Railway). Over time, residents began to store these objects in their homes, incorporating them into their home furnishings. Knowing the implicat ions implicit in this phenomenon, we articulated the various social subjects involved, seeking, in a dialogical and transversal way, to perform actions in the area of heritage education. The reflections raised here refer to the processes related to the re-significances of the archaeological artifacts. We take this situation as contextual, whose practice is a way of strengthening identities, through new narratives, which are channeled into the material culture. Keywords: Paranapiacaba; Landscape; Dwelling; Humanist Geography 15 ÍNDICE DE FIGURA Figura 1. Localização de Paranapiacaba dentro da grande São Paulo, região do ABCD. 24 Figura 2. Composição dos principais caminhos de São Paulo no período colonial. 30 Figura 3. Área da parte urbana de Paranapiacaba 32 Figura 4. Esquema dos planos inclinados e do cruzamento das linhas férreas. 35 Figura 5. Perfil esquemático do sistema funicular da Serra Nova. 38 Figura 6. Área que delimitação da ZEIPP 57 Figura 7. Divisão dos setores de planejamento urbano. 59 Figura 8. Divisão das áreas de uso no setor da parte baixa 62 Figura 9. Desenho do Morro visto da passarela. Destaque para a Igreja de Bom Jesus de Paranapiacaba. 119 Figura 10. Folder de inauguração do Projeto Ateliê-residência. 145 Figura 11. Gustave Courbet (1819-1877) L'Atelier du peintre 153 Figura 12. Ilustração do exterior da casa do Tony, com destaque para o alpendre, típico da Rua da Varanda Velha, Vila Velha. 156 Figura 13. Ilustração da chaminé de uma das casas da vila. A confluência de elementos arquitetônicos com a natureza incorporada elucida o conceito da casa como reunião de vida – uma temporalidade da paisagem. 162 Figura 14. Ilustração do vagão abandonado na Rua da Estação, Vila Velha. 165 Figura 15. Localização dos sítios arqueológicos, onde os moradores recolhem objetos para compor as suas coleções. 175 Figura 16. Origem dos objetos arqueológicos encontrados nas residências dos moradores de Paranapiacaba. 177 Figura 17. Origem dos objetos arqueológicos encontrados nas residências dos moradores de Paranapiacaba 178 16 ÍNDICE DE FOTOS Foto 1. Acampamento no Alto da Serra em 1860. 36 Foto 2. Rua Varanda Velha, localizada na Vila Velha. À direita observa- se uma residência e à esquerda uma antiga oficina, hoje uma mercearia 37 Foto 3. Vista Panorâmica de Paranapiacaba. 43 Foto 4. Casa que faz frente para a janela do quarto. Rua Rodrigo Quaresma. 106 Foto 5. Vista para a Igreja de Bom Jesus de Paranapiacaba. Rua Rodrigo Quaresma. 107 Foto 6 Interior da Casa vista da cozinha em direção a sala. 108 Foto 7 Interior da casa do Pedro. 110 Foto 8 Vista para a Parte Baixa do alpendre da Casa. 112 Foto 9 Vista da casa da lateral esquerda tomando como referência o portão de entrada. Andaime para realização dos trabalhos e as telhas francesas empilhadas ao lado. No horizonte a vista para parte baixa. 122 Foto 10 Pedro mostrando os pequenos detalhes construtivos que atestam o “tempo” da casa. Um protetor de tomada da SPR na parede do anexo da casa. 123 Foto 11 Lona utilizada para cobrir algumas partes do teto. 125 Foto 12 Anexo, à esquerda, antigo viveiro de pássaros. 126 Foto 13 Exemplar de gaiola e documentos de Alfredo Gomes da Silva. Termo de autorização de caça com Gaiolas e carteira de membro do Clube União Lira Serrano. 127 Foto 14 Sinalizador caseiro, feito, provavelmente, por Alfredo Gomes da Silva, antigos proprietários da casa. 128 Foto 15 Casa do Zé e da Célia. Vila Martin Smith. 139 Foto 16 Vista da Casa pelo quintal. Vê-se a pequena marcenaria acoplada ao anexo maior que, por sua vez, funde-se à casa principal. 139 Foto 17 Anexo externo da casa do Zé 140 Foto 18 Ateliê-residência Cia da terra. 146 Foto 19 Ateliê-residência Cia da terra. 147 Foto 20 Ateliê-residência Tony Gonzagto. 148 Foto 21 Ateliê Sons e Tons da Terra. 148 Foto 22 Ateliê Sons e Tons da Terra. 149 Foto 23 Ateliê-residência Pau-D’arco 149 17 Foto 24 Ateliê-residência Pau-D’arco. Baú em confecção. 150 Foto 25 Ateliê-residência. Vila Velha. Rua Varanda Velha, Paranapiacaba 158 Foto 26 Rua Varanda Velha, Vila Velha, Paranapiacaba. 1159 Foto 27 Parede pintada com tinta artesanal a base de pigmentos da terra. Ateliê do Tony. 160 Foto 28 Parede pintada com tinta artesanal à base de pigmentos de terra. 161 Foto 29 Tony Gonzagto junto a sua obra 163 Foto 30 Trabalhos de artes plásticas no jardim do Ateliê-residência do Tony. 164 Foto 31 Interior da casa do Tony, a sala: quadros pintados por ele; esculturas; trabalho em papel e cerâmica. Seus livros estão espalhados nesse espaço. 167 Foto 32 Tony sentado à porta. Garrafas artesanais de elixir da antiga farmácia do Sr. Genofre, em Paranapiacaba. Da esquerda para direita: copo medidor, garrafa de água inglesa (perfumaria) e garrafa de tônico (o copo medidor pertence a essa garrafa). 168 Foto 33 Peças em vidro da farmácia do Sr. Genofre. Frasco de vidro e tampa de plástico da Companhia Francisco Giffoni, sediada no Rio de Janeiro, RJ. 173 Foto 34 Peças em vidro da farmácia do Sr. Genofre. Frasco de vidro e tampa de plástico da Companhia Francisco Giffoni, sediada no Rio de Janeiro, RJ. 174 Foto 35 Coleção de frascos de vidro da antiga farmácia do Senhor Genofre e artefatos da ferrovia da SPR, pertencente a morador da Vila de Paranapiacaba. 176 Foto 36 Frasco de Elixir de Nogueira (Chimia Pharmaceutico) sediada em Pelotas, RS, da coleção particular de João da Silva Silveira 176 Foto 37 Artefatos variados, de contexto histórico, compondo uma coleção doméstica. 177 Foto 38 Placa da SPR utilizada nos porões das casas da Vila Martin Smith (Vila Nova). Paranapiacaba, SP. 180 Foto 39 Coleção de louças de um morador da Vila de Paranapiacaba. 181 Foto 40 Morador que participou dos trabalhos de campo na área da Arqueologia de Paranapiacaba, expondo sua coleção. 182 Foto 41 Louça inglesa (J&G Meakin Hanley, England), produzida no período de1851 – 1968. Coleção doméstica. 183 Foto 42 Ferro à brasa, encontrado nas dependências da casa do morador Expedito Pedro. A peça compõe adorno dentro do mobiliá r io doméstico 184 Foto 43 Pedro mostrando um “farolete” artesanal feito por um antigo ferroviário que morou na sua atual casa 185 Foto 44 Coleção de tijolos da SPR, compondo o acervo doméstico 186 18 Foto 45 Suporte de barris, encontrado nas proximidades da residência e que passou pelo processo de reutilização, do tipo reciclagem. De suporte passou a ser utilizado como banco. 187 Foto 46 Coleção de louça de um dos moradores de Paranapiacaba. Os artefatos foram encontrados nos fundos de sua casa. 188 Foto 47 Armário de mostruário da antiga farmácia de Paranapiacaba, atualmente utilizado para expor objetos antigos encontrados na Vila. 189 19 LISTA DE QUADROS Quadro 1 As características e a base fenomenológica da pesquisa qualitat iva 70 Quadro 2 Tipos de observação participante 71 Quadro 3 Tijolos, segundo suas inscrições. 185 20 ÍNDICE INTRODUÇÃO................................................................................................................ 23 CAPÍTULO I- A VILA FERROVIÁRIA DE PARANAPIACABA........................................................................................................ 27 1.1 De Piaçaguera aos campos de Piratininga: dos Peabiru aos caminhos de ferro.................................................................................................................................... 28 1.2 A Ferrovia.................................................................................................................... 31 1.3 Política de proteção do patrimônio cultural de Paranapiacaba: CONDEPHAAT, IPHAN e CONDEPHAAPASA ........................................................................................ 44 1.4 Gestão do patrimônio cultural...................................................................................... 51 1.5 Implantação da Lei de Zonas especiais de interesse do Patrimônio de Paranapiacaba (ZEIPP).............................................................................................................................. 57 1.6 ZEIPP e os usos residências......................................................................................... 57 CAPÍTULO II- PESQUISA QUALITATIVA EM GEOGRAFIA HUMANISTA................................................................................................................... 64 2.1 Pesquisa Qualitativa..................................................................................................... 65 2.1.1 Observação participante............................................................................................ 71 2.1.2 Pesquisa-ação............................................................................................................ 75 2.2 Diário de campo como uma metodologia.................................................................... 83 2.2.1 A escrita do Trabalho de Campo ............................................................................. 85 2.2.2 A “escrita de si”; “Askesis” e “Hypomnemata........................................................ 87 2.2.3 O discurso e a constituição de si............................................................................... 88 2.2.4 Indissociabilidade entre o sujeito e o objeto: reflexões............................................ 92 2.2.5 Corpo-sujeito e narrativas......................................................................................... 94 2.3 Fundamentos do habitar e do construir: a casa............................................................ 97 2.4. A casa: ensaios sobre a geograficidade....................................................................... 101 2.5 Habitando a paisagem: a casa e o mundo.................................................................... 102 CAPÍTULO III- DIÁRIO DE CAMPO......................................................................... 104 3.1 Muito prazer................................................................................................................. 105 3.2 Biografia do sujeito e “biografia da casa”: as tramas que se intercruzam........................................................................................................................ 118 3.3 Casas fechadas: o adentrar como ser “aceito”............................................................. 130 3.3.1 Zé da Cabra............................................................................................................... 136 3.4 Um estudo de caso: o Projeto dos Ateliê-residência e a ressignificação das coleções domésticas.......................................................................................................................... 144 3.5 Habitando o Ateliê-residência: o imaginário, espírito do lugar e concepções vicárias............................................................................................................................... 151 3.5.1 O Ateliê-residência Tony Gonzagto: paisagens habitadas....................................... 156 CAPITULO IV - CURADORES DE PARANAPIACABA......................................... 170 4.1 Plano municipal cultural, Santo André, SP.................................................................. 171 4.2 Coleções domésticas possíveis de serem musealizadas na Vila de Paranapiacaba..................................................... ............................................................... 172 21 CONSIDERAÇÕES......................................................................................................... 191 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 200 APÊNDICES 1 Ações realizadas na Vila de Paranapiacaba: educação patrimonial 2 Termo de consentimento de uso das entrevistas 22 23 A pesquisa em tela 1 trata da paisagem da Vila de Paranapiacaba, que está localizada a aproximadamente 50 km da capital paulista, no Município de Santo André, São Paulo (Figura 1). Paranapiacaba é considerada patrimônio ambiental, histórico, tecnológico e arquitetônico, tendo sua origem ligada à instalação do sistema funicular inglês na região, em meados do século XIX. Trata-se de um conjunto arquitetônico tombado nas instâncias municipal, estadual e federal e indicado para pertencer ao Patrimônio Mundial pela UNESCO (MINAMI, 1996). Figura 1: Localização de Paranapiacaba dentro da grande São Paulo, região do ABCD. Produção gráfica: Brendo Rosa. Organizado pelo autor (2016). Todas essas características fazem com que a experiência de seu habitar seja peculiar, sobretudo no que concerne às particularidades do tombamento, dos bens imóveis (a casa, o conjunto) e móveis (artefatos), pelos órgãos de proteção que visam à preservação e manutenção do patrimônio cultural. Por essa razão, o trabalho em tela tem como objetivo apresentar a experiência vivida dos moradores junto à paisagem. 1 Cabe destacar a importância do trabalho: “PEREIRA, et al. Programa de prospecção e monitoramento arqueológico da parte baixa da Vila de Paranapiacaba, Santo André São Paulo, Relatório Final, IPHAN, 2016 realizado no ano de 2016”, ligado ao restauro da Vila – PAC – cidades históricas, do qual fizemos parte da equipe de arqueologia. Graças a este trabalho, pudemos dar continuidade a imersão em campo na Vila e muitos dos insights são provenientes desta época. 24 O trabalho é apresentado em quatros partes: no Capítulo I, onde apresentamos o levantamento histórico da Vila de Paranapiacaba, com um recorte historiográfico do período oitocentista até os dias de hoje. No Capítulo II, apresentamos os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa: conceituação metodológica; pesquisa qualitativa em Geografia Humanista; pesquisa participante (participante-como observador); pesquisa colaborativa no campo da educação patrimonial. Apresentamos, também, o diário de campo como metodologia de pesquisa, bem como os aspectos teóricos do escopo do trabalho: conceitos de habitar e de paisagem. No Capítulo III, está o Diário de Campo: as narrativas da experiência vivida dos sujeitos da pesquisa – que inclui o próprio pesquisador, em duas casas da Vila de Paranapiacaba. A primeira encontra-se no Morro (parte Alta da Vila de Paranapiacaba); a segunda experiência de habitar deu-se em um dos ateliês-residência existentes na vila. Tomamos essa última como estudo de caso que engloba as várias esferas do habitar: dimensão íntima e a dimensão pública, uma vez que o Programa Ateliê-residência faz parte de um projeto Municipal para o uso sustentável da vila. Acreditamos que a natureza intrínseca de um fazer artístico na casa torna-se mais complexo, quando essa casa abriga a dupla função do habitar: a morada e o ateliê. Tal condição complica-se, ainda mais, quando a casa é “tombada”. Como, então, o fenômeno da paisagem se apresenta nessa circunstância? Entendemos paisagem como “um escape para toda a terra, uma janela sobre as possibilidades ilimitadas: um horizonte. Não uma linha fixa, mas um movimento, um impulso” (DARDEL, 2011, p. 31) Pelo dinamismo assim conceituado, frequentemente a paisagem confronta-se com a realidade rígida do tombamento. Esse fenômeno, que amalgama a expressão criativa dos ateliês-residência e o patrimônio habitado, eleva exponencialmente a experiência vivida na casa. A presente pesquisa deter-se-á sobre esses aspectos relativos ao patrimônio arquitetônico habitado e à paisagem como fenômeno intrínseco dessa experiência vivida (em seu âmbito cotidiano) (DARDEL, 2011; BACHELARD, 2008; HEIDEGGER, 2012; INGOLD, 2012). No Capítulo IV e no Apêndice 1, apresentamos as ações realizadas em colaboração com os moradores, poder público e órgãos de proteção ao patrimônio cultural. Por tratar-se de um complexo sítio histórico, arquitetônico e tecnológico, de contexto ferroviário, com poucas intervenções de trabalhos arqueológicos, muitos dos vestígios materiais estão de posse dos moradores, que realizam, eles próprios, a curadoria 25 de seus achados. Esses objetos jazem espalhados pela vila, seja nos quintais das casas, nos “lixões”, nas ruas e em outras dependências e/ou instalações da SPR (São Paulo Railway). Com o tempo, os moradores passaram a guardar esses objetos em suas casas, incorporando-os ao seu mobiliário doméstico. Sabendo das implicâncias implícitas em tal fenômeno, articulamos os diversos sujeitos sociais envolvidos, procurando, de forma dialógica e transversal, realizar atuações no âmbito da educação patrimonial. As reflexões aqui levantadas dizem respeito aos processos relacionados às ressignificações dos artefatos arqueológicos. Tomamos tal situação como contextual, cuja prática é uma forma de fortalecer identidades, por meio de novas narrativas, que se canalizam na cultura material. 26 27 1.1 De Piaçaguera aos campos de Piratininga: dos Peabiru aos caminhos de ferro Desde o início da ocupação do território paulista, umas das maiores preocupações dos colonizadores foi superar a barreira da Serra do Mar para, então, chegar aos rincões do planalto paulista. Poucos eram os caminhos conhecidos, na maioria traçados pelos povos indígenas, em suas migrações entre as aldeias, abrindo passagens em diversos pontos do território (PRADO, 1939; ELLIS JR, 1939; FRANCO, 1940). No século XVI, rotas destacavam-se por seu valor estratégico, partindo das margens do Rio Paraná em direção às cabeceiras do Rio Tibagi, tripartindo-se em direções distintas. A primeira seguia ao sul, para os campos de Curitiba. A segunda tinha como destino Cananéia. A terceira rumava sentido nordeste, embrenhando-se na direção dos campos de Piratininga 2 (FRANCO, 1940). Esses caminhos, denominados “apés”, tornariam possíveis os contatos entre o povo litorâneo e os dos campos do Piratininga, no planalto (FRANCO, 1940). Sabe-se que Martim Afonso3 realizou numerosas campanhas junto aos seus pares vicentinos para a conquista do planalto “Piratiningano”. Segundo Ellis Jr (1939), para o sucesso dessa empreitada, “era importante atravessar a muralha de Paranapiacaba, esse colosso granítico vestido da luxuriante vegetação da mata virgem tropical” (ELLIS JR. 1939, p. 34). João Ramalho 4 , personagem icônico do bandeirantismo quinhentista, foi o primeiro branco a aparecer, além da Serra do Mar, nos campos de Piratininga (FRANCO, 1940). “O pioneiro da cobiça”, nos termos de Franco (1940), ligava-se por parentesco ao chefe Tibiriçá, pois era casado com uma de suas filhas. A bibliografia o aponta como a peça-chave na empreitada das expedições desse primeiro ciclo de ocupação do território 2 “Na interpretação de Afonso de Freitas, fundamentado na leitura das cartas de datas de terra distribuídas durante o quinhentismo e o seiscentismo, Piratininga era, ao contrário, uma região bem delimitada, de localização precisa, a nor-noroeste da Vila de São Paulo e contígua ao Guaré” (CAMPOS, 2006, p. 17). 3 A mando de Dom João III, Martim Affonso de Sousa instalou-se na faixa litorânea para firmar território para a coroa portuguesa. Fundou “a primeira colônia portuguesa da América meridional, consagrando -lhe a primitiva denominação São Vicente e, transpondo depois, a Serra de Paranapiacaba, seguindo o caminho velho de Piaçaguera, elevou outra, em outubro de 1532, nove léguas pelo interior, nos campos de Piratininga” (FRANCO, 1940, p. 16). 4 “João Ramalho parece ter sido náufrago das primeiras armadas [...] Martin Afonso de Sousa lhe concederia uma sesmaria na Ilha de Guaibe [...] nos limites, na borda do campo, que era o limiar dos sertões desconhecidos, havia João Ramalho se estabelecido, erguendo uma ermida sob invocação de Santo André que, em 1553, o governador Thomé de Sousa elevou à categoria de vila. Ali viveu maritalmente com a filha do cacique Tibiriçá, da Aldeia Piratininga [...] na Vila de Santo André, exerceu cargo de capitão e vereador, entre 1553 e 1558. Em 1560, por ordem do governador Mem de Sá passou a casa dos padres de São Paulo de Piratininga” (FRANCO, 1940, p.19). 28 paulista (século XVI). O caminho dos tupiniquins, que também é umas das rotas do Peabiru, (Figura 1), importantíssimo para a narrativa que se segue, receberia outras denominações: caminho de Paranapiacaba e caminho de Piaçaguera dentre outros5. 5 Após um segmento hoje obliterado, nas imediações da Praça da Sé, o Peabiru reaparecia na Rua do Carmo, virava à esquerda na Rua Tabatinguera, descia ao antigo leito do Tamanduateí e, a partir daí, orientava-se pelo traçado do primeiro caminho do mar, a hoje chamada Trilha dos Tupiniquins. Passando por Santo André da Borda do Campo, elevada à vila em 1553 e por Paranapiacaba, fazia a descida da serra pelo Vale do Rio Mogi, até atingir na Baixada Santista o ponto conhecido por Piaçaguera Velha [...] chegou -se à conclusão de que a Trilha dos Tupiniquins, ao transpor o Rio Tamanduateí, acompanhava o trajeto do antigo caminho da Mooca (Rua da Mooca). Depois, continuava pela Rua do Oratório, pela Avenida Vila Ema e por trechos da Avenida Sapopemba, já fora dos limites do município , até atingir a Cidade de Ribeirão Pires. O Peabiru compunha-se, portanto, dentro da atual área urbana de São Paulo, de dois importantes caminhos quinhentistas da vila paulistana, que chegavam do sertão: um vindo do Oeste, e o que seguia para o litoral, em direção a leste (CAMPOS, 2006, p. 10). 29 Figura 2: Composição dos principais caminhos de São Paulo no período colonial. Fonte: Di Baco (2016). 332500 333000 333500 334000 7394000 7394500 7395000 7395500 7396000 7396500 Localização no Estado de São Paulo 0m 250m 500m 750m1000m Legenda 30 Esse caminho protagonizou inúmeros episódios da história do Estado de São Paulo, pois por quase 300 anos foi umas das sendas mais viáveis para a penetração do Leste litorâneo para Oeste. O caminho em si iniciava-se nas cercanias de São Vicente, transcorria por uma área de alagamento até chegar ao sopé da Serra do Mar. De lá, subia até a nascente do rio Tamanduateí e seguia até o córrego do Anhangabaú. Nesse ponto, diz-se que se localizava a aldeia do índio Tibiriçá, nos campos de Piratininga. Ainda podia-se adentrar o Tietê e seguir rio acima. E nessas cercanias seria, então, eleita a terra propícia para a fundação do Colégio (FARRÃO, FERREIRA, 2010). 1.2 A Ferrovia "É o alto da serra. Em frente, a alguns decâmetros, abre-se, rasga-se um vão, uma clareira enorme por onde se enxerga um horizonte remotíssimo, um acinzentamento [Sic] confuso de serras e céu, que assombra que amesquinha a imaginação. Começam aí os planos inclinados..." (trecho de "A Carne" - Júlio Ribeiro - Romance de 1888). A Vila Ferroviária de Paranapiacaba está localizada a aproximadamente 50 km da capital paulista, no Município de Santo André, cidade pertencente ao grande ABC, região metropolitana de São Paulo (Figura 2). Hoje, a vila é considerada um patrimônio arquitetônico, tecnológico e natural e tem uma história impar não só no âmbito nacional, mas também no contexto internacional (MINAMI, 1999). Não por acaso, Paranapiacaba concorre, atualmente, ao título de Patrimônio Mundial pela Unesco. 31 Figura 3: Área da parte urbana de Paranapiacaba. O fator motriz desse empreendimento ferroviário em plena Serra do Mar de São Paulo esteve ligado à necessidade de escoar a produção das “principais regiões produtoras de café ao seu terminal exportador, o porto de Santos” (MINAMI, 1996, p. 114). O café, principal produto de exportação da época, assegurava a economia brasileira. “Este , gradativamente, ganhou espaço como um bem de grande valor comercial e possibilitou o surgimento, da ‘single-enterprise’ ferroviária6” (MINAMI, 1996, p. 115). 6 Na região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, no século XIX, a econ omia da industrialização propiciou o surgimento de “factory town”, ou seja, aglomerados urbanos projetados e produzidos pela indústria com características modelares e por isso denominados “model company town”. Este era gerenciado por um tipo de organização denominada “single-enterprise”, empreendimento que se caracteriza pela exploração de uma única atividade que, no caso da região da nova Inglaterra, era uma atividade industrial de tecelagem, fiação, e mineração (MINAMI, 1996, 114). 32 “Os primeiros levantamentos para a construção de uma estrada de ferro ligando o Porto de Santos ao planalto tiveram início em 1835, mas foi somente a partir de 1850, que Barão de Mauá, empenhou-se na construção desta via” (PASSARELLI, 1989, p. 7). Os esforços de Mauá para a construção de Santos-Jundiaí iniciaram-se quando lei geral do império concedia vantajosas condições de lucro aos investidores (Lei Cochrane de 1852). Em 1855, uma nova lei provincial estimulou, ainda mais, a realização do empreendimento e, no dia 26 de abril de 1856, o decreto imperial nº 1759 concedeu à recém-criada firma inglesa “São Paulo Railway Company Ltd” o privilégio de construção da estrada de ferro Santos Jundiaí e o prazo de 90 anos para sua exploração. (PASSARELLI, 1989, p. 8) Como Passarelli (1989) escreve, “a Vila de Paranapiacaba nasceu e se desenvolveu com a antiga São Paulo Railway Co.” (PASSARELLI, 1989, p. 5). As obras iniciaram-se em 1860 e ficaram a cargo do Engenheiro Daniel M. Fox, especialista em ferrovias em regiões serranas (PASSARELLI, 1989). Para superar as dificuldades de um empreendimento ferroviário na Serra do Mar, a São Paulo Railway (SPR) utilizou o sistema funicular de tecnologia de ponta (PASSARELLI, 1989; MINAMI, 1996). O local escolhido pelos engenheiros da São Paulo Railway (SPR) fez uma sobreposição à antiga rota de João Ramalho, que se iniciava em Piaçaguera (lugar onde foi implantado o primeiro plano inclinado do sistema funicular) e tinha como destino o planalto paulista. Esse caminho, como já destacamos, era conhecido, também, como a trilha dos Tupiniquins. Segundo Lavander Jr e Mendes (2005), “o traçado da ferrovia seguiu o mesmo delineamento da antiga trilha tupiniquim, pelo Vale do Rio Mogi” (LAVANDER JR, MENDES, 2005, p. 10). Os engenheiros e funcionários da SPR depararam-se com as mesmas dificuldades que outrora bandeirantes e padres jesuítas quinhentis tas, seiscentistas e setecentistas enfrentaram e relataram em suas crônicas. Por essa razão, fazia-se necessário utilizar tecnologia especializada para superação da acentuada declividade da Serra do mar: o Sistema Funicular de Tração por cabos foi a opção cabível. Este sistema funicular foi utilizado nas minas de carvão do norte da Inglaterra, onde quatro maquinas fixas tracionavam e movimentavam cabos de aço de duas pontas, os “tail-end”, que eram presos nos “serra- breques” para realizar o movimento de subida pelos planos inclinados da serra. (PASSARELLI, 1989, p. 8) 33 Pelo ‘tail-end’, os trens eram puxados e tracionados por uma máquina a vapor fixa “com carga máxima de 60 toneladas numa extremidade e 30 na outra, em direção ao litoral” (CRUZ, 2007, p. 58). Cruz (2007) descreve o locobreque ou Serra-Breque como sendo um carro que “era acoplado às composições por meio de um dispositivo engatado em uma extremidade do cabo” (CRUZ, 2007, p. 58). A Figura 3 apresenta um modelo simplificado dessa tecnologia. Enquanto uma “composição iniciava a subida pelo recolhimento do cabo esticado, outra começava a descer fazendo a operação inversa, ambas no mesmo plano inclinado. Exatamente na metade do plano, a via férrea bifurcava-se para permitir o cruzamento dos trens” (CRUZ, 2007, p. 58). De uma extremidade a outra – Alto da Serra (atual Paranapiacaba) a Piaçaguera, a operação do sistema funicular dava-se de forma sincronizada quanto ao posicionamento dos trens, indo de um patamar inferior ao superior (MINAMI, 1996; CRUZ, 2007). O movimento era dado aos trens por meio de quatro máquinas fixas implantadas na Serra [...] por meio de roldanas, subterraneamente colocadas, passavam os cabos da casa de máquinas para os planos, onde se desenrolavam por sobre polias, 4800 no total, com diâmetro de 0, 225m nas curvas e 0,304m nas tangentes. (CRUZ, 2007, p. 60) 34 Figura 4: Esquema dos planos inclinados e do cruzamento das linhas férreas. Segundo Passarelli (1989), o desafio maior para o término desse empreendimento consistiu na superação do grande desnível da Serra do Mar, de fato uma barreira natural quase insuperável. Os fatores climáticos e pedológicos, as chuvas torrenciais constantes e o solo frágil, foram fatores a serem enfrentados por um “grande número de operários abrigados em conjuntos de casas precárias de pau-a-pique e sapé em meio às árvores da Mata Atlântica” (PASSARELLI, 1989, p. 3). Esses primeiros acampamentos precários, que deram início à ocupação da Serra, tinham o caráter provisório. Com a inauguração da ferrovia, houve a necessidade de manter os trabalhadores no local, para complementar as obras, ainda não totalmente acabadas da serra, bem como para manter a então inaugurada ferrovia, no ano de 1867 (PASSARELLI, 1989; MINAMI, 1996). A fixação desses operários demandou a construção da estação do Alto da Serra, realizada entre os anos de 1867 e 1868 (PASSARELLI, 1989, p. 8). O acampamento 35 (Foto 1) localizava-se em um vale contornado por morros cuja primeira alcunha ficou conhecida como Alto da Serra (PASSARELI 1989; CRUZ, 2013). Ab’Saber (1985) descreve essa paisagem como uma forma de alvéolo colinoso entre um colar de pequenas serranias seguidas pelo paredão da Serra do Mar (AB’SABER, 1985). Foto 1: Acampamento no Alto da Serra em 1860. Fonte: Museu de Santo André (2015). Segundo Cruz (2013), a escolha do local estava ligada à topologia menos acidentada em relação à região, um platô em meio à Serra (CRUZ, 2013). Esse primeiro acampamento ficou conhecido, posteriormente, como Vila Velha, constituindo a “primeira fase de ocupação inglesa, no local, com data, aproximada, de 1860 a 62 [...] A Vila Velha é onde estão localizados os mais antigos depósitos da empresa (a maioria já demolido ou reformado)” (SANTOS, 1990, p. 19). Como característica notória, “as casas da Vila Velha não tinham recuos de frente, localizados, portanto, nas testadas dos lotes que a empresa dividia e distribuía aos 36 trabalhadores” (SANTOS, 1980, p. 19). Essa característica é perceptível, atualmente, bem como os edifícios foram destinados aos funcionários ligados às atividades burocráticas (SANTOS 1980; CRUZ, 2007). A condição estrutural do primeiro acampamento apresentava calçamentos precários, que dificultavam a circulação dos transeuntes. A distribuição das moradias na Vila Velha foi feita de forma desordenada, com um eixo principal (Rua Direita), que dá acesso aos depósitos e oficinas, sem arruamento (SANTOS, 1980). A Vila Velha, por ser o primeiro núcleo de ocupação em Paranapiacaba, “é o lugar onde as residências mais se aproximam das oficinas e casas de máquinas de empresas ferroviárias; sendo que algumas residências chegam a dar fundo de lote para as oficinas” (SANTOS, 1980, p. 19), fato esse ainda perceptível na paisagem (Foto 2). Foto 2: Rua Varanda Velha, localizada na Vila Velha. À direita observa-se uma residência e à esquerda uma antiga oficina, hoje uma mercearia . Fonte: o autor (2015). Ainda, “dessa observação, presume-se que isso tenha sido feito de forma a facilitar o acesso dos trabalhadores para as oficinas, diminuindo assim o percurso e mantendo uma inter-relação de ambiente e espaço, trabalho e moradia” (SANTOS, 1980, p. 19 - 21). 37 Com a construção da segunda obra de subida e descida da serra, o núcleo origina l estendeu-se para as áreas vizinhas ao longo do vale7. Porém, essa expansão urbana junto à outra porção do vale, em continuidade ao núcleo original de 1867, teve um controle mais rígido e planejado, dando início à implantação de um modelo urbano projetado, possivelmente o primeiro existente no Brasil, ligado à atividade ferroviária (MINAMI, 1996). Por causa da rápida expansão econômica da região planaltina, o escoamento da produção do café foi tornando-se insuficiente, necessitando de novas alternativas, resolvidas a partir da construção do segundo sistema funicular ou serra nova. Este executava suas operações em cinco planos inclinados por meio de cabos de aço contínuos que tracionavam as composições movidas por cinco máquinas fixas, assentadas nos patamares. Basicamente, o funcionamento do segundo sistema funicular se dava da seguinte forma: no plano inclinado, trilhos permitiam que duas composições trafegassem, ao mesmo tempo, em sentidos contrários, e no meio de cada par de trilhos havia um cabo de aço assentado por diversas polias. Esse cabo de aço, saindo da primeira casa de máquinas localizada sempre num patamar superior, descia através do plano inclinado, no meio dos trilhos, dando uma volta no volante da segunda casa de maquinas. Daí subia no meio dos outros trilhos, refazendo o percurso em sentido inverso, ou seja, subindo de volta até a primeira casa de máquinas. Para a circulação das composições usava-se uma locomotiva de pequeno porte denominada “locobreque”, que era dotada de um mecanismo de sapatas em sua parte de baixo, entre rodas, que tracionava os cabos de aço. (MINAMI, 1996, 115) A Figura 5 apresenta o perfil esquemático do sistema funicular da Serra Nova. Pode-se observar o funcionamento da máquina fixa na tração dos carros pelos patamares da serra. O núcleo original, denominado Vila Velha, não comportou a vinda de mais moradores, tendo sido criada a Vila Nova ou Vila Martin Smith. Isso se deve à qualidade de organização da empresa “single-enterprise” que, “centrada na atividade ferroviária de transporte do café, dispôs-se a investir num empreendimento de modelo urbano, após a construção da segunda funicular” (MINAMI, 1996, 116-117). 7 “Pelo decreto número 126, de 18 de novembro de 1891, o Governo Federal autorizou a São Paulo Railway Co. a realizar a duplicação de sua linha que foi iniciada em 1896 e terminada em 1901 [...] No trecho da Serra do Mar, foram construídos os novos planos inclinados da Serra, ou simplesmente, a Serra Nova, compreendendo cinco planos inclinados com rampa de 8% e extensão total de 10, 5 quilômetros” (PASSARELLI, 1989, p.11). 38 Figura 5: Perfil esquemático do sistema funicular da Serra Nova. Fonte: Adaptado de Santos (1980). Segundo Santos (1980), “a Vila Nova foi a área planejada de Paranapiacaba [...] o pátio usado pela ferrovia iria ser ampliado com mais trilhos para as manobras e tráfegos das locomotivas [...]” (SANTOS 1980, p. 25). O objetivo principal da instalação desse núcleo urbano planejado era, a priori, ter espaço adequado para receber um número maior de funcionários, necessários para a manutenção da ferrovia e para as residências dos trabalhadores (PASSARELLI, 1989; SANTOS, 1990; MINAMI, 1996). Com a ampliação e sofisticação tecnológica da ferrovia, advinda da sua duplicação, “era preciso ampliar o número de trabalhadores que teriam diferentes funções no pátio, nas oficinas, nas máquinas, ou seja, em setores específicos da empresa” (SANTOS, 1980, p. 25). No que concerne à Arquitetura, as residências construídas eram, em sua maioria, de madeira sobre alvenaria, “as paredes de vedação e a estrutura foram levantadas em madeira (sendo algumas de Pinho de Riga). Essa foi a solução técnica para o conforto térmico do ambiente interno, devido ao alto índice de umidade do solo da região” (SANTOS, 1990, p. 25). 39 Portanto, esse novo conjunto, projetado pela companhia, formava um sistema disciplinarmente organizado mediante técnica de aglomeração disposta hierarquicamente e conforme o arranjo que definia o desenho das habitações. Isso vinha a reforçar o aspecto britânico das construções já existentes, que eram arquitetonicamente diferenciadas pela utilização de sistema construtivo em madeira, a maioria pinho-de--riga, trazia novidades quanto ao sistema construtivo, pois a habitações possuíam uma tipologia pré-definida. (MINAMI, 1996, 117) Outra característica marcante no padrão construtivo da Vila Martin Smith é a sua morfologia hierárquica. Segundo Passarelli (1989), as edificações da vila apresentavam “uma extrema hierarquia na forma de habitar que se expressa no tamanho da casa e do lote, na localização do banheiro, dentro ou fora da residência, definindo, assim, para cada padrão de edifício, uma categoria diferente de funcionário” (PASSARELLI, 1989, p.12). As tipologias na Vila Martin Smith eram uma forma de distinção hierárquica das habitações. É possível distinguir cinco categorias de tipologia: A, B, C, D e E. Algumas residências, entretanto, não possuem classificação. É o caso, por exemplo, de casarões isolados do alto escalão e alguns barracões para funcionários solteiros (CRUZ, 2007). Assim, as diferentes funções exercidas pelos funcionários da ferrovia, tais como “engenheiros, maquinistas, foguistas e ajudantes conviviam em um único espaço urbano, residindo, porém, em casas de projetos diferenciados” (PASSARELLI, 1989, p.12). A influência da revolução industrial inglesa do século XIX figurava em todos os conjuntos de casas. Suas chaminés, colunas de ferro, mãos francesas, inclinações de telhado denotavam as linhas clássicas do “victorian style” inglês. Em vez da adaptação às cores locais, ocorria o inverso: a paisagem natural é que incorporava o tipo de construção, dando como resultado características específicas impares, única encontrada no Brasil. Finalizando, podemos dizer que este aglomerado sui generis urbano em solo brasileiro comporta soluções construtivas que tinham traços comuns a existente na “Model Company Town” norte-americana: tanto pela origem, administração e período, quanto pelo sistema construtivo e material. Ambos, a Vila Martin Smith e a “Model Company Town” eram de um mesmo agente gestor: “a single - enterprise”. (MINAMI, 1996, p. 116) Do exposto até o momento, apresentamos duas das três fases da Vila de Paranapiacaba, pois, segundo Santos (1980), há uma divisão de três núcleos: Vila Velha; Vila Martin Smith (Vila Nova); parte alta (Vila dos Aposentados) (SANTOS 1980). Essa terceira etapa de ocupação tem sua origem ligada à intencionalidade de abrigar a classe de trabalhadores aposentados pela “São Paulo Railway” (SANTOS, 1980, p. 30). 40 A Parte Alta, ou Morro, como também é denominada, contrasta com a Vila Inglesa, pois sua Arquitetura e traçado urbano trazem as marcas de uma ocupação tipicamente portuguesa (PASSARELLI, 1989; SANTOS, 1980; MINAMI, 1996; CRUZ, 2007). Nas “ruas estreitas foram erguidas unidades de pequena frente, edificadas junto ao alinhamento e, devido à acentuada declividade da área, foi necessária a execução de muitos cortes no terreno” (PASSARELLI, 1989, 12). A ocupação da área do ‘Morro’ data de 1860, quando Bento Rodrigues da Silva, o “ponteiro”, como ficou conhecido, atraído pela notícia da construção da ferrovia pelos ingleses, ergueu um rancho de pau-a-pique no morro, onde hoje se encontra a Rua Rodrigues Quaresma (PASSARELLI, 1989). As construções, em geral, surgiram com uso híbrido entre moradia e comércio, sendo esse núcleo “o único centro de abastecimento da população” (SOUZA, 1990, p. 13). Em sua maioria, as casas são geminadas e, na maior parte, fazem frente ao pátio ferroviário (PASSARELLI, 1989). Santos (1980) define a parte alta como uma “área de espaço mais dinâmico e também a que mais se descaracteriza com o tempo” (SANTOS, 1980, p. 13). Isso ocorre, em parte, pelo fato de a Parte Alta nunca ter pertencido à ferrovia. Diferente da Parte Baixa, a Parte Alta desde o início teve liberdade construtiva e decorativa; as fachadas das casas são um bom exemplo, pois foram pintadas pelos próprios moradores, com “as cores que chamam a atenção de qualquer indivíduo que esteja passando por elas” (SANTOS, 1980, p. 13). É na Parte Alta que se encontra a igreja (até então, Capela do Bom Jesus) e o cemitério. Os terrenos foram doados, na época, pelo próprio Bento Rodrigues da Silva, que também se incumbia de delimitar parcelas da gleba que a ele foram concedidas, na Parte Alta, sobretudo, para comerciantes. A ocupação da Parte Alta ocorre concomitantemente com a inauguração da ferrovia em 1867 (PASSARELLI, 1989; SANTOS, 1980). Contudo, Contrastando com a limpeza e a arrumação da Vila planejada dos ingleses, o Morro sofria de total falta de infraestrutura. Somente a capela e o Club Recreativo Flor da Serra possuíam luz elétrica, enquanto que o restante do Morro vivia às escuras [...] a maior parte das famílias aloja-se em verdadeiros cortiços, sem ar, sem luz, entre paredes a ressumar humidade. As casas escatelam-se umas sobre a outras, e as 41 paredes meias comprometem a intimidade do lar. (MARTIN apud PASSARELLI, 1989, p. 10) Com o passar dos anos, ficou evidente a desigualdade de infraestrutura entre esses dois núcleos urbanos. As marcas da ação do tempo são mais perceptíveis no Sítio Histórico da Parte Alta da Vila de Paranapiacaba. A Vila Velha, a Vila Nova e a Parte Alta compõem o complexo sítio histórico de Paranapiacaba, que, do final do século XIX e até o início do século XX manteve o status de uma vila próspera. Com o tempo, ocorreram mudanças significativas na Vila de Paranapiacaba. Em 1907, foi criado o Distrito de Paz de Paranapiacaba (PASSARELLI, 1989; SANTOS, 1980). O início do século XX foi marcado por intensa atividade sociocultural que, segundo Passarelli (1989), perdurou até meados de anos de 1940. Em 1907, foi criado o Distrito de Paz de Paranapiacaba (PASSARELLI, 1989; SANTOS, 1980). Em 1934, foram introduzidas as primeiras “locomotivas de tração diesel-elétr ica nos trechos do planalto e da baixada santista. Em 1944, foi iniciada a implantação do projeto de eletrificação de suas linhas no trecho de São Paulo a Jundiaí” (PASSARELLI, 1989, p. 16). Essas adequações tecnológicas constituíram um marco para a época e refletiram positivamente na economia local (SANTOS, 1980). Outro episódio salutar a ser citado foi a mudança, em 1945, do nome da estação do Alto da Serra para Paranapiacaba. Segundo Passarelli (1989), foi então que, definitivamente, o nome da Vila, Parte Alta e Parte Baixa, deixa de ser Alto da Serra e passa a ser denominada oficialmente como Paranapiacaba (PASSARELLI, 1989). Em 1946, a São Paulo Railway Co. foi encampada pela União e, em 1956, passou a ser administrada pela rede ferroviária federal S. A. RFFSA, um marco, pois finda aí a presença inglesa na Vila de Paranapiacaba (PASSARELLI, 1989; MINAMI, 1996) (Foto 3). 42 Foto 3: Vista Panorâmica de Paranapiacaba. Fonte : Acervo de Eduardo Pin. O período de 1946 a 1956 é apontado nas referências como marco do abandono da vila e da deterioração do patrimônio da ferrovia, apesar de ter havido algumas iniciativas com intenção de continuar a manutenção e melhoria tecnológica da estrada de ferro (PASSARELLI, 1989; MINAMI, 1996), como consta no seguinte trecho: Logo ao assumir a administração da Estrada de Ferro Santos - Jundiaí deu prosseguimento à modernização do sistema ferroviário iniciado pelos ingleses, inaugurando, em 1950, a eletrificação no trecho entre São Paulo e Jundiaí e, posteriormente, estendendo-se até Paranapiacaba. Também os vagões de madeira para passageiro foram substituídos pelos de aço inoxidável, importados dos Estados Unidos. No ano de 1956, foi criada a Rede Ferroviária Federal S.A – RAFFSA – empresa vinculada ao ministério de transporte, que passou a administrar o transporte ferroviário e o patrimônio da antiga estrada “inglesa”. (PASSARELLI, 1989, p. 19) As melhorias no pátio ferroviário iniciadas pela RFFSA entre as décadas de 1950 e 1980 ocorreram no quadro econômico, social e de infraestrutura no país, com destaque 43 para a região Leste do Estado de São Paulo, como a instalação das indústr ias automobilísticas, construções de rodovias, instalação de indústrias petroquímicas na região do ABC e da Baixada Santista (PASSARELLI, 1989; SANTOS, 1980; MINAMI, 1996). 1.3 Política de proteção do patrimônio cultural de Paranapiacaba: CONDEPHAAT, IPHAN e CONDEPHAAPASA O ano de 1946 está enraizado no imaginário coletivo de uma parcela dos moradores da Vila de Paranapiacaba. Essa data é o marco do fim do período da concessão inglesa da ferrovia. Moradores e autores relacionam esse ano com o início do abandono e descaso do local. Marca, também, o fim do “legado” da administração Inglesa na Vila de Paranapiacaba, numa espécie de analogia entre causa-efeito (PASSARELLI, 1989; SOUZA, 1980; ALAMINO, 2011). Essa relação tem uma conotação um tanto quanto perigosa, pois dá a entender que todo o processo de deterioração do patrimônio ferroviário estaria ligado à saída dos ingleses da administração da ferrovia, quando, na verdade, a realidade que a Vila de Paranapiacaba viria presenciar estaria ligada a uma complexa conjuntura político--administrativa de âmbito nacional. Segundo Brum (1999), o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1960) objetivava, na época, aplicar 26,6% dos investimentos na área dos transportes. Estava previsto nesse plano de metas, o reequipamento das estradas de ferro e a construção de novas ferrovias para o escoamento das exportações, como de fato foi feito, em certa medida. Contudo, como aponta Matos (1974), a maior parte desse montante destinado ao transporte dirigiu-se para a construção e pavimentação das estradas de rodagem no Brasil (MATOS, 1974; BRUM, 1999). As estradas de ferro brasileiras deixariam de ter grande expressão para o escoamento das produções do país, para atuarem de forma coadjuvante nesse novo cenário, que ora se engendrava (ALAMINO, 2011). Dando continuidade à política de construir estradas iniciadas por Washington Luiz na década de 1930, Juscelino Kubitscheck abriu as portas do país às multinacionais automobilísticas na década de 1950, 44 começando assim um longo processo de sucateamento da malha ferroviária, com desativação de trechos considerados “poucos lucrativos”, degradação do material rodante e precarização dos serviços oferecidos aos passageiros. Este inclui a degradação da ferrovia Santos- Jundiaí, onde as manutenções de vários trechos deixaram de ocorrer com a mesma frequência, vagões da antiga SPR foram abandonados a céu aberto em terrenos da vila de Paranapiacaba, a decadência da malha ferroviária foi sentida violentamente pela vila ferroviária. (ALAMINO, 2011, p. 4) Quando a Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA) incorporou os bens da extinta SPR, em 1957, quando a ferrovia passa a ser denominada Estrada de Ferro Santos--Jundiaí, o projeto brasileiro de rodovias já estava em andamento. A RFFSA, claramente, não tinha interesse nas residências da vila, focando sua atenção na estrutura do pátio ferroviária (PASSARELLI, 1989; MORETTO NETO, 2005; ALAMINO, 2011). O cenário de descaso e abandono com o transporte ferroviário em favor dos investimentos rodoviários – marco governamental do Presidente Juscelino – sempre teve contornos contraditórios com a realidade, pois, com os avanços económicos do período e o crescente investimento rodoviário, foi necessária a instalação de um novo Sistema Ferroviário por sobre o traçado da Serra Velha. Os primeiros levantamentos para essa empreitada iniciaram-se em 1960 com a construção do Sistema cremalheira--aderência8,inaugurada em 1974 (ALAMINO, 2011, MINAMI, 1996). Outro marco a salientar, refere-se a um processo de demissões compulsórias dos antigos trabalhadores da SPR ocorrido neste período. A história ferroviária – que compreendemos como história operária, ligada ao período de concessão inglesa – esfacelava-se. Inúmeros trabalhadores que habitavam a Vila tiveram que deixar suas casas em busca de novas oportunidades, haja vista que, com o recém-inaugurado Sistema Cremalheira-aderência, a RFFSA volta-se completamente para transporte de mercadorias para exportação. Essa mudança de prioridade viria a culminar na extinção completa do transporte de passageiros na Vila. Seus moradores presenciaram, pouco a pouco, a Vila Ferroviária deixar de possuir trem de transporte humano (PASSARELLI, 1986; ALAMINO 2011). 8 A cremalheira-aderência foi construída com tecnologia japonesa. Trata-se de um sistema de tração, parecido com as operações de escadas rolantes, engrenagens que se juntam e se ajustam às locomotivas, que, além de rodas convencionais, possuem uma terceira roda dentada, no meio da composição, que se ajusta à cremalheira (MINAMI, 2003). 45 Esse quadro, que perdurou durante quase duas décadas, chamou a atenção de indivíduos e órgãos que tinham interesse na preservação do patrimônio ferroviário. Os autores referem-se à década de 1970 como o marco das ações que viriam a culminar nos futuros processos de tombamento (PASSARELLI, 1989). Para Passarelli (1989), essas ações iniciaram-se, com maior vigor, em 1977, quando o então vereador de Santo André, José Mendes Botelho, articulou-se com o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAT) para iniciar o processo de tombamento da Vila de Paranapiacaba, atendendo ao apelo dos moradores e das entidades envolvidas com Paranapiacaba no nível estadual (PASSARELLI, 1989). O tombamento da Vila de Paranapiacaba ocorreu uma década depois dos primeiros esforços, por meio da Resolução 37, de 30 de setembro de 1987 (PASSARELLI, 1989). Destaca-se a década de 1970, quando, nas palavras de Passarelli (1989), a Vila “sofre o golpe fatal. Pressionada a atender à crescente demanda de transporte de carga das indústrias instaladas ao longo da linha férrea, a Rede Ferroviária inaugurou em 1974 um novo sistema de transposição da Serra do Mar” (PASSARELLI, 1989, p. 19). Essas mudanças, advindas da modernização do transporte, vieram a provocar a “desativação parcial do Sistema Funicular da Serra Nova que passou a operar com dois trens diários para passageiros. Com isso, muitos dos antigos funcionários da estrada de ferro foram dispensados ou aposentados e a Parte Baixa recebeu novos moradore s” (PASSARELLI, 1989, p. 20). No ano de 1981, a serra Nova foi finalmente desativada. As inúmeras residências do trecho da Serra foram demolidas e a antiga estação sofreu um incêndio, de causas até hoje não esclarecidas. Dos tempos antigos, restou apenas o famoso relógio, transferido para a nova plataforma dos trens suburbanos em 1979 [...] algumas unidades da via férrea e ao início da descida da serra também foram demolidas para dar lugar ao pátio de manobras de maiores proporções e para subestação de energia elétrica que passou a alimentar a vila e o novo sistema de cremalheira. (PASSARELLI, 1989, p. 20) Na década de “1980, divulgou-se, na imprensa, uma série de denúncias sobre os efeitos da poluição do polo petroquímico de Cubatão sobre a reserva biológica de Paranapiacaba” (PASSARELLI, 1989, p. 21). Iniciava-se, concomitantemente, um movimento ‘Pró-Paranapiacaba’, que culminaria com a organização de moradores e 46 simpatizantes na luta pela preservação da Vila. Esse movimento embrionário viria a ser fundamental nos processos de preservação da Vila junto aos órgãos de proteção do patrimônio. Sobre as ações precedentes do processo de tombamento da vila pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), podemos destacar a formação de uma comissão organizada para debater as questões atinentes à preservação dos bens herdados da SPR, em 1982. A comissão, posteriormente denominada “Movimento Pró-Paranapiacaba”, visava encontrar alternativas de preservação para os bens da ferrovia, uma vez que a RFFSA vinha deflagrando um processo de demolição por entre os patamares da Serra, que, caso não fosse interrompido, inevitavelmente alcançaria as casas da Vila (PASSARELLI, 1989). O Movimento Pró-Paranapiacaba teve atuação basilar nesse período de fragilidade em que se encontrava o patrimônio ferroviário da Santos-Jundiaí. Em 1983, houve outro ponto importante para barrar a depredação de Paranapiacaba. Ocorreu, nesse ano, o primeiro simpósio Pró-Paranapiacaba, que objetivou construir uma proposta de preservação da Vila e formas de utilização do seu potencial turístico (PASSARELLI, 1989). É salutar frisar que, desde os primórdios das discussões sobre o destino da Vila de Paranapiacaba, sempre esteve presente o ideário de potência turística. Segundo Passarrelli (1989), em resposta a esse primeiro encontro, a Prefeitura Municipal de Santo André declarou a Vila e seu entorno como uma área de proteção ambiental e de interesse de preservação por meio da portaria número 1.730, de Setembro de 1983 (PASSARELLI, 1989; PMSA, 2015). Em 1985, ocorreu o segundo Encontro do Movimento Pró-Paranapiacaba, que culminou na publicação da Portaria 312, de 30 de maio de 1985, ligada à pasta do Ministério de Transportes. Essa portaria destaca a importância da preservação do Sistema Funicular, especificamente do quarto e quinto patamares da serra (PASSARELLI, 1989). Sabe-se que, junto à necessidade do Ministério do Transporte, veio a determinação de restauro do trecho da Serra Nova entre o 4º e 5º patamares e de seis edifícios de uso comum: o castelinho, o Lira, o Mercado, a Pensão dos solteiros, a Delegacia e o SENAI. (PASSARELLI, 1989, p. 24) Contudo, os esforços não foram suficientes para assegurar o que, provavelmente, seria um ponto estratégico na luta pela preservação dos imóveis, que consistia na sua 47 aquisição pelos moradores. Em meados de 1985, a RFFSA, alegando a falta de um plano de proteção eficiente, suspendeu as vendas daqueles imóveis para os habitantes da Vila (PASSARELLI, 1989). No ano seguinte, como proposta do então presidente do CONDEPHAAT, Dr. Modesto Carvalhosa, a elaboração do plano foi encaminhada para a EMPLASA que, para tanto, reuniu todo o material já desenvolvido pela comissão Especial Pró - Paranapiacaba dando, assim, continuidade aos trabalhos [...]. Em 30 de setembro de 1986, em comemoração ao dia do ferroviário, a Rede Ferroviária entregou ao público o sistema ferroviário entre o 4º e o 5º patamares e o castelinho, que passou a abrigar o centro de preservação da história de Paranapiacaba. Ambos os equipamentos, recuperados com a orientação do Programa PRESERVE passaram a ser operados pela A.B.P.F. (PASSARELLI, 1989, p. 25) A atenção dos meios de comunicação, dos especialistas e técnicos ligados aos órgãos competentes e da sociedade civil, naquele período, engendrou todas as demais ações que fazem com que a Vila, hoje, seja protagonista no que diz respeito â complexa e burocrática tarefa de gestão do patrimônio cultural. As obras recentes de revitalização e o tombamento do CONDEPHAAT não foram suficientes para dar seguimento orgânico aos projetos organizados naquele momento. Para Passarelli (1989): O tombamento da vila e seu entorno foi bastante festejado devido a possibilidade de se utilizar os recursos da Lei Federal 7505 – Lei Sarney – para restauração da vila, no entanto, o Plano de Preservação e Revitalização da Vila apresentava, apenas, diretrizes gerais de atuação em toda a área, era necessário, ainda, ser realizado todo o detalhamento do Plano para sua implantação. Ao mesmo tempo, a comissão especial não conseguiu reunir todos os seus membros para o detalhamento do plano. (PASSARELLI, 1989, p. 25) O tombamento efetuado pelo CONDEPHAAT 9 foi antecedido pela implementação da Resolução 40/85, referente à lei que tombou a Serra do Mar de Paranapiacaba e o Parque Estadual da Serra do Mar (CONDEPHAAT, 2016). A compreensão a que o CONDEPHAAT chegou, foi a de que a Vila de Paranapiacaba possui elementos inerentes à ação humana que são indissociavelmente integrados ao 9 Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 276, p. 71, 18/07/1988. 48 ambiente biótico do entorno, construindo-se em alvo de um tombamento pertinente e avançado para a época (ALAMINO, 2011). No Brasil, foi somente a partir da segunda metade do século XIX que se iniciou a implantação da maior parte das estradas de ferro, construídas basicamente com recursos ingleses. Paranapiacaba é um núcleo com características urbanísticas e arquitetônicas peculiares, marcadas por influências inglesas. A Parte Alta de Paranapiacaba, tão antiga quanto o núcleo ferroviário, se desenvolveu, ao longo do tempo, prestando serviços à população local, configurando-se como um exemplo de implantação autônoma em contraposição à parte baixa, residencial, destinada aos funcionários da ferrovia. O tombamento incluiu, além da Vila Ferroviária, a Parte Alta, ferrovia e acervo, paisagem envoltória, representativa do conjunto serrano da Serra do Mar, onde se encontram as bacias de drenagem formadoras do Rio Mogi e Rio Grande da Serra ou Jurubatuba, além das cabeceiras que abastecem o núcleo urbano. A área tombada situa-se entre as coordenadas UTM 7.372,00-7368,00 km N e 363,00-370,00 km E. (CONDEPHAAT, 2016) Alamino (2011) escreve que “a base do tombamento foram as recomendações do Conselho da Europa10 que se orienta a partir do conceito de paisagem cultural” (ALAMINO, 2011, p. 5). De fato, a recomendação do Conselho da Europa, em seu anexo número R (91) 13, elenca cinco princípios para a salvaguarda e valorização do patrimônio arquitetônico do século XX: I identificação do patrimônio; II proteção de elementos mais significantes do patrimônio; III gestão e conservação do patrimônio; IV sensibilização dos responsáveis da administração e do público e V perspectiva de uma indispensáve l cooperação europeia (CONSELHO DA EUROPA, 1991). O segundo princípio coloca: a necessidade de conceder estatuto de proteção, não apenas às obras dos criadores mais reputados de um período ou estilo arquitetônico, mas também aos testemunhos menos conhecidos, mas representativos da arquitetura e da história de um determinado período; – a importância de incluir, entre os fatores de seleção, quer os aspectos estéticos, quer a contribuição das obras no âmbito da história das técnicas construtivas e o desenvolvimento dos aspectos políticos, culturais, económicos e sociais; – o indispensável alargamento da proteção ao conjunto das 10 O objetivo do conselho da Europa é o de realizar uma união entre os estados membros para salvaguardar e promover as ideias e princípios baseados no respeito dos direitos das pessoas, da democracia e dos Estados de direito, que constituem o seu patrimônio comum (IPHAN, 2016). 49 componentes do meio envolvente construído, englobando, não apenas as construções independentes, mas também as estruturas produzidas em série, nomeadamente, loteamentos, grandes conjuntos edificados e cidades novas, bem como os espaços e arranjos em áreas públicas ; – a necessidade de estender a proteção às decorações exteriores e interiores bem como aos equipamentos e mobiliário concebidos em simultâneo com a arquitetura e conferindo significado à criação arquitetônica. (CONSELHO DA EUROPA, 1991, p. 2, grifo nosso) O tombamento do CONDEPHAAT compreendeu todo o entorno, como reservas biológicas, Vila Velha, Vila Martin Smith e a Parte Alta, seguindo a recomendação do Conselho da Europa. A desarticulação de políticas públicas, principalmente no que concerne ao planejamento e repasse de verba entre os níveis Estadual e Federal, gerou desigualdade no repasse dentro do território da vila, afetando, também, a noção de sentimento de pertença e identidade com o patrimônio cultural entre os moradores. Quinze anos mais tarde, a Vila foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional (IPHAN) e no ano seguinte, 2003, pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André - SP (CONDEPHAAPASA). O tombamento do IPHAN, iniciado em 1985 e finalizado em 2002, contemplou os bens imóveis ligados à ferrovia, justificando o valor histórico do conjunto. Manteve-se a denominação da Vila Ferroviária de Paranapiacaba, no livro do tombo histórico (MORETTO NETO, 2005; ALAMINO, 2011; FIGUEIREDO, 2011). Sobre o perímetro, o tombamento circunscreveu-se, predominantemente, às instalações que têm relação direta com a ferrovia e, portanto, estão excluídas a Parte Alta e toda a área natural envoltória da vila (ALAMINO, 2011). Na perspectiva adotada para o processo de tombamento (processo nº 1. 252 – T- 87), exclui-se tudo o que não tem relação direta com os planos inclinados e com a parte construtiva da Vila pela SPR. A restrita área de proteção do conjunto tombado pelo IPHAN, tomando como parâmetro o tombamento realizado pelo CONDEPHAAT, pode ser considerado um ponto retrógrado, pois não considera os componentes do meio envolvente construído que, mesmo indiretamente, são partes constituintes do complexo ferroviário de Paranapiacaba. Por exemplo, como dizer que o Morro/parte Alta não se configura como componente englobante da história da Vila, sendo que esse sítio histórico tem origem indissociável da sua contraparte “inglesa”? Todavia, sabe-se que, do momento em que houve “o 50 tombamento do IPHAN, todos os projetos que visam alterar os bens integrantes do conjunto tombado na esfera federal, assim como aqueles relacionados à sua vizinhança, ficam sujeitos ao exame e à aprovação por parte do instituto”. (ALAMINO, 2011, p. 7) Em 2003, deu-se o tombamento em nível municipal. Contudo, o processo data de 1996, mais especificamente de 17 de dezembro de 1996 (Processo número 56616/96/5), com homologação em 7 de julho de 2003. Notoriamente, a abrangência da área de proteção supera os tombamentos de âmbito Federal e Estadual. O CONDEPHAPASA inclui toda área urbana da Vila, ou seja, diferente do IPHAN, inclui a Parte Alta/Morro. Ainda, a Vila Velha, Vila Martin Smith, Parque Natural Municipal, Nascentes de Paranapiacaba, além da linha férrea, em toda sua completude, que abarca as ruínas das pontes da Serra Velha e da Máquina Fixa do 4º patamar (MORETTO, 2005; ALAMINO, 2011; FIGUEIREDO, 2011; 2012, 2013; PMSA, 2015). 1.4 Gestão do patrimônio cultural A aquisição do patrimônio de Paranapiacaba realizada pela Prefeitura de Santo André em 2001, junto com o tombamento nas instâncias Federal e Munic ipa l (respectivamente 2002 e 2003), são marcos de uma mudança administrativa na gestão do patrimônio cultural da Vila, mudanças essas que foram sentidas pelos moradores na época. Segundo Figueiredo (2011), a Prefeitura adotou, como proposta administrat iva, um “modelo de gestão municipal descentralizada, articulando as políticas de desenvolvimento urbano, econômico e social, com a preservação do patrimônio cultura l, conservação ambiental, turismo sustentável e participação cidadã” (FIGUEIREDO, 2011, p. 62-63). Nesse início, inúmeras ações endógenas foram implantadas com a finalidade de promover a inserção dos moradores nas atividades turísticas: Ateliês-residência; Bed and Breakfast; Fog e Fogão; Entreposto Cultural e Espaço Gastronômico (MORETTO NETO, 2005; FIGUEIREDO 2011, 2012, 2013). A partir de 2002, com a compra da Vila pela Prefeitura, foi possível dar início ao paradigmático programa de Gestão do Desenvolvimento Local 51 Sustentável de Paranapiacaba, intensificando o processo de recuperação desse precioso patrimônio brasileiro, compreendido e gerido como paisagem cultural. (FIGUEIREDO, 2011, p. 63) De início, fez-se necessário encontrar uma alternativa para gerir o patrimônio da Vila aquém das medidas e dos conceitos anteriormente adotados pelas três instâncias de proteção ao patrimônio, que tombaram os bens imóveis da Vila de maneiras distintas. A Prefeitura Municipal de Santo André (PMSA), a fim de gerir o complexo patrimônio da Vila de Paranapiacaba, buscou no “conceito de paisagem cultural, utilizado pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, desde 1992 e sistematizado pela Recomendação R(95) do Conselho da Europa em 1995” (FIGUEIREDO, 2011, p. 63), uma alternativa para englobar os ideais de desenvolvimento sustentável, turismo e proteção do patrimônio cultural da Vila como um todo, incluindo as áreas de manancia is e a Mata Atlântica circundante. Isso significou ir além das normativas que os órgãos de proteção brasileiros (IPHAN, CONDEPHAAT e CONDEPHAPASA) tinham adotado, até então. Essa atitude serviu, sobretudo, para ampliar sobremaneira o conceito de patrimônio cultural na “medida em que reúne, articula e integra conceitos e objetos de diversos campos disciplinares e, por essa razão, torna bastante complexa a gestão do patrimônio, requerendo a revisão, adaptação e a reformulação das políticas de preservação vigentes” (FIGUEIREDO, 2011, p. 63). Esse período de “reconhecimento” entre o recém-distrito de Paranapiacaba e a Prefeitura Municipal de Santo André (PMSA) exigiu um esforço considerável de ambas as partes para criar laços de identidade e pertencimento. Em Figueiredo (2011), podemos ver quão delicada e controvertida pode ser essa aproximação. Para ele, esse processo foi um grande desafio, mas também um dos objetivos da administração municipal, foi criar o sentimento de “pertencimento” e identidade dos cerca de 7 mil moradores da região dos mananciais andreenses em relação à cidade de Santo André, pois, era comum, por questão de proximidade, recorrerem a municípios mais próximos como Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Mauá, para atendimento de suas necessidades e uso de serviços públicos. (FIGUEIREDO, 2011, p. 69, grifo nosso) Vê-se que, mesmo a proposta da PMSA sendo considerada avançada para época – e continua a ser um modelo de vanguarda na gestão do Patrimônio – percebe-se a reprodução da postura típica do poder público que carrega em si grande carga de 52 pretensão. Reproduz-se o discurso dos PCHs11 da década de 1970, no sentido de formar uma identidade que vem da externalidade para interioridade. Assim, com intento de “criar um sentimento de pertencimento”, tornou-se base do programa da década de 1990 “Viva Cidade”, para incluir a Vila de Paranapiacaba como bairro pertencente a Santo André. O programa visou descentralizar a administração para atender à demanda de territórios longínquos da área central, tais como o bairro do Parque Andreense, nas imediações da Represa Billings e na Vila de Paranapiacaba (FIGUEIREDO, 2011, 2012, 2013, 2014). Com essa descentralização houve, concomitantemente, uma reestruturação da Subprefeitura em Departamento de “Meio Ambiente”, “Desenvolvimento Social”, “Infraestrutura”, “Paranapiacaba” e “Administrativo”. Cada Departamento foi subdividido em gerências para a coordenação do trabalho em áreas temáticas (FIGUEIREDO, 2011). Ressalta-se, aqui, a importância do Departamento de Paranapiacaba (DP), pois esse exclusivamente estava ligado às questões atinentes “à gestão da paisagem cultural de Paranapiacaba e à implantação do programa de desenvolvimento local” (FIGUEIREDO, 2011, p. 69). Nesse contexto, nasceram as iniciativas voltadas para a realidade da Vila Ferroviária. O Departamento de Paranapiacaba foi composto por três gerências: 1) Turismo; 2) Recursos Naturais e 3) Patrimônio e Projetos (MORETTO NETO, 2005; FIGUEIREDO 2011; 2012). Pode-se dizer que essa estrutura administrativa foi a responsável pela origem do Programa Ateliê-residência, que, assim como os outros serviços (alimentação e hospedagem), visavam à integração dos moradores nesses projetos para gerar renda com os produtos turísticos e para que haja atrativos para a demanda de turistas. O projeto de turismo proposto teve como objetivo a promoção do turismo de base comunitária, onde a comunidade local estivesse inserida na rotina da visitação pública, na convivência com o turista, nas atividades e produtos turísticos. No entanto, este projeto foi implantado paulatinamente, com planejamento e em etapas, com o objetivo de incluir a comunidade moradora e evitar possíveis impactos 11 “O Programa de Cidades Históricas (PCH) foi implementado no início da década de 1970 pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan) com vistas à recuperação das cidades históricas da região Nordeste do Brasil. Além disso, buscava a descentralização da política de preservação cultural por meio de sua execução pelos Estados, aplicando recursos significativos nessa área.” (IPHAN, 2016, p. 1). 53 negativos ou indesejáveis sobre o patrimônio, o meio ambiente e sobre a vida e qualidade de vida da população local. (FIGUEIREDO, 2011, p. 71) Segundo Figueiredo, “desde 2001, o projeto foi estruturado em três etapas: a primeira de implantação, a segunda de qualificação e a terceira de formalização dos empreendimentos e empreendedores” (FIGUEIREDO, 2011, p. 71). O objetivo principal da primeira etapa, que se desenvolveu de 2001 a 2004, foi a implantação da atividade turística, com criação de infraestrutura de recepção, alimentação, hotelaria, serviços e produtos turísticos, praticamente inexistentes na Vila naquele momento. (FIGUEIREDO, 2011, p. 71). Para organizar os programas de turismo, foi utilizada “a metodologia do planejamento estratégico situacional e foram elaborados planos específicos para o desenvolvimento turístico de Paranapiacaba” (FIGUEIREDO, 2011, p. 71). Aplica-se a metodologia criada pelo economista chileno Carlos Matus, na década de 70, cuja ideia consiste em pensar a estratégia de planejamento de forma adaptável à realidade local, com a flexibilidade necessária para superar as adversidades, lidando com a complexidade dos problemas sociais existentes de forma assistida e, quando for necessário, mediante uma situação inesperada, o plano estratégico situacional é ajustado (MATUS, 1993) No ano de 2003, o “Plano Patrimônio” elaborado pela Prefeitura com o apoio dos técnicos da subprefeitura, entrou em vigor. Reforçou-se o ideário da Vila como um polo turístico em potencial. Por meio de um prévio diagnóstico, verificam-se as potencialidades não só do lugar, mas também, a vocação dos moradores a certas atividades comerciais – comércio, hospedagem, arte. Destacam-se o exemplo dos ateliês-residência, que, dentre os programas, foi o que mais aclamou o lado vocacional dos participantes. Diz-se que a Vila sempre foi refúgio de artistas de todas as artes. Programas de incentivos surgiram, visando à fixação dos moradores como uma estratégia de preservação do sítio histórico. Essa estratégia de médio prazo visava à autonomia econômica da Vila, tornando-a sustentável. Esses programas são: Portas Abertas, Fog & Fogão, Bed and Breakfast e o Atelier-Residência. Segundo Moretto Neto 54 (2005) e Figueiredo (2011), os quais estimularam os moradores a deixar suas casas de portas abertas para a prestação de serviços turísticos. Houve, em contrapartida, a concessão de 70% de desconto nas prestações dos imóveis (MORETTO NETO, 2005; FIGUEIREDO, 2011, 2012, 2013). Entenda-se por prestação a taxa paga (tal como um aluguel) para usufruto do imóvel na condição de permissionário. 1.5 Implantação da Lei de Zonas especiais de interesse do Patrimônio de Paranapiacaba (ZEIPP) A ZEIPP (Zona Especial de Interesse do Patrimônio de Paranapiacaba) configura - se como um marco substancial no que tange à gestão pública do patrimônio cultural. A sua implantação deu base sólida para o que havia sido feito até então. Segundo Figueiredo (2012) a ZEIPP “foi criada e demarcada em 2004 pelo Plano Diretor de Santo André (Lei número 8.696/04) e regulamentada em 2007, pela Lei Específica número 9.018/07” (FIGUEIREDO, 2012, p. 13). A natureza específica do Sítio Histórico de Paranapiacaba tornou a experiência de elaboração da ZEIPP um laborioso desafio, cujo objetivo consistia em articular e atender todas as prerrogativas dos mais diversos órgãos dos três níveis de poder: Federa l (IPHAN), Estadual (CONDEPHAAT) e Municipal (CONDEPHAPASA), além da legislação ambiental das três esferas do poder (MORETTO NETO 2005; FIGUEIREDO, 2012, 2013). Esse complexo desafio exigiu a resolução de três grandes questões: a construção de um novo arranjo institucional vertical que articulasse os três níveis de governo no tocante à política de patrimônio; a construção da interdisciplinaridade, com a finalidade de compor uma única lei que disciplinasse e integrasse as políticas de preservação, planejamento urbano, meio ambiente e desenvolvimento; e, por fim, a constituição de um novo arcabouço jurídico que atendesse a todas essas questões. Soma-se ainda a esses desafios a busca pela participação qualificada da comunidade envolvida. Assim, o primeiro passo para o início do processo de elaboração da lei foi promover a participação dos diversos atores e instituições: prefeitura; os órgãos de preservação (IPHAN, CONDEPHAAT e COMDEPHAAPASA); os conselhos municipais de política urbana e meio ambiente; universidades; entidades de classe e a comunidade local. (FIGUEIREDO, 2012, p. 13) 55 Ainda sobre a etapa de elaboração da ZEIPP, organizou-se na ocasião uma comissão abrangente em sua diversidade, contando com atores sociais de vários segmentos: gestores, pesquisadores e moradores. A comissão foi denominada “Comissão da ZEIPP” (MORETTO NETO, 2005; ALAMINO, 2011; FIGUEIREDO, 2011, 2012, 2013). Segundo Figueiredo (2012), a Comissão foi “composta por 34 membros, sendo 50% representantes da comunidade residente na vila. A lei foi elaborada em oito meses, de novembro de 2005 a julho de 2006, com o método do planejamento estratégico situacional” (FIGUEIREDO, 2011, p. 14). Figueiredo (2012) é enfática quando relata as dificuldades encontradas para superar as divergências conceituais e pragmáticas dos tombamentos realizados pelos órgãos de proteção do patrimônio cultural. O primeiro obstáculo referia-se aos diferentes perímetros do tombamento, enquanto o CONDEPHAAT abrangia todas as partes da vila: Parte Baixa, Morro e Rabique12. O IPHAN, por exemplo, restringia-se à porção da Parte Baixa da Vila de Paranapiacaba (FIGUEIREDO, 2012). Outra questão relevante é que os tombamentos no Brasil recorrentemente não estabelecem diretrizes para a preservação, restringindo-se apenas a uma descrição e justificativa da relevância cultural e, no máximo, à fixação de níveis de tombamento para as áreas envoltórias dos bens, como observado no caso de São Paulo. A ausência de diretrizes pré-estabelecidas e pactuadas entre os órgãos levam frequentemente a orientações distintas, antitéticas e até personalizadas quando da aprovação de projetos de intervenção, configurando uma atuação pouco objetiva, sem critérios e nada institucionalizada. Por outro lado, no debate conjunto com os órgãos de preservação afloraram problemas de ordem conceitual. A complexidade, a confusão e os conflitos em torno dos conceitos praticados na área do patrimônio era tamanha que foi necessária a pactuação de uma carta patrimonial para Paranapiacaba referenciada, obviamente, nas premissas e diretrizes das cartas internacionais e nacionais, mas atendendo às especificidades relativas à preservação de um conjunto urbano, patrimônio industrial ferroviário, inserido em área de conservação ambiental e compreendido como paisagem cultural. (FIGUEIREDO, 2012, p. 14) 12 Segundo o Art. 10. O Setor do Rabique caracteriza-se por uma ocupação urbana orgânica e espontânea em área de alta declividade, de urbanização precária, de difícil acesso entre a linha férrea e a Rodovia Estadual Adib Chammas (SP-122), com risco iminente de deslizamentos de terra e atropelamentos, configurando-se em um setor impróprio à urbanização (PMSA, 2007). 56 1.6 ZEIPP e os usos residenciais A ZEIPP (Figura 6) constitui-se de sete títulos: preservação, conservação, restauração, reparação, manutenção, adaptação e atualização tecnológica. Constitui-se também de diretrizes norteadoras para o desenvolvimento sustentável da vila (ZEIPP, 2007). Figura 6: Área que delimitação da ZEIPP. Fonte: ZEIPP (2007). De maneira geral, a ZEIPP é organizada de forma a conciliar o turismo e a preservação do patrimônio cultural. O turismo é o vetor escolhido a priori para impulsionar o desenvolvimento sustentável na Vila de Paranapiacaba. Nesse modelo, o bem-estar da população depende do sucesso ou não do plano de gestão. A conciliação entre turismo, patrimônio cultural e desenvolvimento sustentável é uma herança do extinto “Programa para as Cidades Históricas (PCH)”13 que, na Região 13 “O Programa começa a ser delineado por meio da criação de um grupo de trab alho pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan), em dezembro de 1972, constituído por membros dos Ministérios da Educação e Cultura; Indústria e Comércio do Interior e do próprio Planejamento. O objetivo 57 Sudeste foi implantado em 1977. O PCH foi uma proposta com o objetivo de promover o engajamento “dentro de uma perspectiva de política integrada, possibilitando maior eficiência aos investimentos públicos” (CORRÊA, 2014, p. 2). Esse programa adotou uma postura em que o turismo seria o vetor motriz para o desenvolvimento local dos sítios históricos e, como consequência, acreditava-se que a renda gerada por meio do turismo seria aplicada para fins de preservação dos patrimônios culturais. Porém, a proposta da ZEIPP somente se assemelha aos PCHs, pois, no que tange à abrangência conceitual, o PCH visava “essencialmente à recuperação física dos monumentos, não constituindo uma visão global e compreensiva dos sítios históricos, do que é patrimônio cultural” (CORRÊA, 2014, p. 4). A ZEIPP, por outro lado, adota uma concepção mais abrangente de sítio histórico, que não se circunscreve apenas ao monumento (Figura 7). No Artigo 4º, parágrafo único, “compreende-se por Vila de Paranapiacaba todo o aglomerado urbano e o ambiente natural que compreende os setores da Parte Alta, da Parte Baixa, do Rabique e da Ferrovia” (ZEIPP, 2007, p. 4). A ZEIPP, por meio do turismo, visa ao desenvolvimento local sustentável e à gestão democrática e participativa. Assim, desenvolvimento sustentável é entendido como o “desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente equilibrado e economicamente viável, visando garantir o uso e ocupação racional do ambiente natural e edificado, bem como a qualidade de vida para os presentes e futuras gerações” (ZEIPP, 2007, p. 4). A gestão democrática e participativa visava incorporar “a participação da comunidade local, da sociedade andreense, dos órgãos de defesa do patrimônio e do Conselho Municipal de Política Urbana em sua formulação e execução” (ZEIPP, 2014, p. 4). foi o de formular, em versão preliminar, o Programa de Reconstrução das Cidades Barrocas do Nordeste, com vistas a recuperar cidades coloniais de relevante interesse histórico e artístico, e a possibilidade dessas cidades, integradas em roteiros turísticos, atraírem investimentos à Região Nordeste” (CORRÊA, 2014, p. 2). 58 Figura 7: divisão dos setores de planejamento urbano. Fonte: ZEIPP (2007). No que diz respeito à moradia, primou-se pela garantia do uso habitacional do patrimônio arquitetônico, de forma que as residências fossem compatíveis com essa finalidade. Essa postura contribuiu para que os moradores das casas da Vila de Paranapiacaba tivessem condições mínimas para manter-se e fazer usufruto do patrimônio arquitetônico de forma sustentável. Por esse motivo, uma série de medidas foi acrescida à lei, tais como: condições para a mobilidade urbana, qualificação para hotelaria, empreendedorismo e carpintaria (PMSA, 2007). A Vila também foi zoneada entre Área Predominantemente Residencial e Área Predominantemente Comercial. A Área Predominantemente Residencial apresenta duas categorias: 1) de uso não residencial e 2) misto. Essas categorias são permitidas até atingir 20% dos lotes. Na Área Predominantemente Comercial, o uso não residencial é permitido até de 60% dos lotes. Dessa maneira, o zoneamento garante uma mistura de uso nas zonas, evitando a existência de zonas de uso exclusivo e o desconforto pela proximidade de usos incompatíveis (ZEIPP, 2007, FIGUEIREDO, 2012, 2013, 2014). Para o uso residencial, ainda fixa o correspondente a 50% dos imóveis públicos da Parte Baixa (cerca de 170 imóveis). Ou seja, garante em lei a manutenção do uso residencial. Foram redefinidos também os parâmetros de ocupação dos lotes e seus limites, as taxas de permeabilidade, os níveis de incomodidade por emissão sonora e as 59 diretrizes para a preservação das edificações e sistema viário, com o objetivo de salvaguardar o conjunto edificado e as relações urbanas que caracterizam a paisagem da vila (ZEIPP, 2007, FIGUEIREDO, 2012, 2013, 2014). Os moradores tiveram que se adequar às restrições no uso dos imóveis. Na condição de permissionário, o morador tem restrições para exercer atividade de benfeitorias que alterem as estruturas das casas ou, de alguma forma, altere ou desrespeite a relação entre área construída e espaços livres e assim venha a desconfigurar o padrão urbanístico da vila. Há de se preservar a relação entre os recuos, o corpo principal da edificação, o quintal, o sanitário ao fundo do lote e a viela sanitária ao meio da quadra. Isto é, para os imóveis que têm originalmente os banheiros fora da casa, por exemplo, só é permitida a ampliação, desde