I UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS CÂMPUS DE BOTUCATU UMA NOVA ABORDAGEM DO CICLO REPRODUTIVO DOS MACHOS E FÊMEAS, E DA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DOS OÓCITOS DOS OSTARIOPHYSI, E PERCIFORMES NEOTROPICAIS APLICADA AO ANASTOMIDAE, Schizodon nasutus E AO SCIANIDAE, Plagioscion squamosissimus PAULA NEHRING Orientadora: Profª. Drª. Irani Quagio-Grassiotto Monografia apresentada ao Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências – UNESP – Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. BOTUCATU – SP 2010 II FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE Nehring, Paula. Uma nova abordagem do ciclo reprodutivo dos machos e fêmeas, e da origem e desenvolvimento dos oócitos do Ostariophysi, e Perciformes neotropicais aplicada ao Anostomidae, Schizodon nasutus e ao Sciaenidae, Plagioscion squamosissimus / Paula Nehring. - Botucatu, 2010 Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Ciências Biológicas) - Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, 2010 Orientador: Irani Quagio-Grassiotto Capes: 20601000 1. Citologia. 2. Teleósteos. 3. Bagre (Peixe). Palavras-chave: Ciclo reprodutivo; Epitélio germinativo; Fases reprodutivas; Foliculogênese; Teleostei; Terminologia gonadal. III ""Todos os caminhos são mágicos se nos levam a nossos sonhos." Paulo Coelho "Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível." São Francisco de Assis IV Agradecimentos - À Professora Irani, pela orientação, por toda dedicação, pela grande sabedoria e pelo jeito de mãe, com toda paciência, nos meus momentos de dúvidas e angústias. Obrigada por todos os ensinamentos, não só científicos, mas palavras que carregarei para toda a vida. Com certeza a senhora é um exemplo a ser seguido, e me orgulho muito em dizer que sou sua orientada. Muito obrigada! - Aos meus pais, Paulo e Sandra, que sempre me deram força para lutar, depositaram toda a esperança em mim e não pouparam esforços para que esse sonho se tornasse realidade. Muito obrigada por tudo, se não fossem vocês, eu definitivamente não estaria aqui hoje. - Ao meu avozinho, Oswaldo, que infelizmente não está mais aqui para presenciar essa conquista, mas que mantêm sua presença e ensinamentos constantes dentro de mim. - À Dona Wanda, a avó mais dedicada desse mundo, obrigada por todo o apoio, por todo orgulho, por toda confiança que nunca me deixaram desistir. - Aos meus irmãos, Thiago e Fabiane, que muito mais que irmãos, sempre foram meus grandes amigos, meu apoio. Obrigada por tudo. - Aos amigos de longa data, Alan e Larissa, que acompanham a minha jornada desde muito cedo, nunca deixando faltar uma palavra de carinho, um ombro para chorar ou tardes de muitas risadas. Obrigada, vocês sempre foram meu refúgio e minha certeza. - À Fernanda, minha amiga querida, com a qual muita coisa foi compartilhada, principalmente os momentos de desespero durante a execução desse trabalho. Flor, obrigada por trazer mais alegria aos meus dias, por estar sempre pronta a me ouvir e por acreditar tanto em mim, até mesmo quando eu não acreditava mais. - Aos meninos de Guará, Alberto, Bad, Bolinha, Lessie, Rafinha, e especialmente Leandro, que apesar da pouca convivência, me fazem muito bem! Vocês realmente sabem como alegrar o dia de alguém! Obrigada por me dar forças para continuar. - Às amigas da graduação, Ayesha, Fernanda, Larissa, Marcela, Nathali e Renata. Por me ajudarem a transformar Botucatu em um lar. Pelo apoio, dedicação e companheirismo. Que essas amizades durem para sempre! - Aos amigos do Laboratório de Biologia da Reprodução de Peixes Neotropicais, Clarianna, Daniel, Gisleine, Júlio, Renata, Rinaldo, Talita e Vicente. Trabalhar com vocês foi muito divertido e prazeroso. Obrigada pela paciência em ensinar as técnicas, pela amizade e companheirismo no dia-a-dia do laboratório. - Obrigada especialmente à Talita, que fez papel de amiga, de mãe, de professora. Me ensinou, com calma e dedicação, cada item necessário ao trabalho. Obrigada pelos dias de laboratório, pelos dias fora dele, pela renuncia (quantas vezes estava muito atarefada mas mesmo assim parou para me ajudar), pelas palavras, pela amizade e por vários outros itens. Com certeza, sem a sua ajuda, essa monografia jamais teria sido escrita. - Aos Professores da Graduação, que me trouxeram até aqui, demonstrando como o estudo da vida, em suas diferentes formas, é realmente fascinante. Por vocês, hoje digo com muito orgulho que sim, escolhi ser Bióloga! V - À Luciana Cristina Montes, secretária do Departamento de Morfologia, sempre disposta a ajudar, sempre compreensível com os prazos curtos. Obrigada por todas as dicas, preocupação e amizade que sempre demonstrou por nós. - Aos funcionários do Departamento, principalmente a Dona Têra, por toda atenção, carinho e amizade. - Às funcionárias da Graduação, sempre dispostas a ajudar com as nossas intermináveis dúvidas. - Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro do projeto. - A Deus, pela força que me dá todas as manhãs para que comece mais um dia. - E a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a realização desse trabalho. Muito obrigada, Paula VI Sumário: Resumo..............................................................................................................................1 Introdução................................................................................................................... .......4 Revisão Bibliográfica........................................................................................................7 1. Os peixes Teleostei..........................................................................................8 2. O epitélio germinativo.....................................................................................8 3. As classes reprodutivas – as fases dos machos................................................9 4. As classes reprodutivas – as fases das fêmeas...............................................10 5. Uma terminologia simplificada para a classificação reprodutiva dos peixes.............................................................................................................11 6. A caracterização histológica das classes/fases reprodutivas..........................13 6.1. A oogênese...............................................................................................14 6.2. A espermatogênese..................................................................................16 7. Os modelos biológicos...................................................................................16 Objetivos..........................................................................................................................18 Material e Métodos..........................................................................................................20 1. Os espécimes analisados................................................................................21 2. Obtenção de dados biométricos.....................................................................21 3. Contagem de células e Área ovariana............................................................21 4. Preparação do material para a microscopia de luz.........................................22 5. Correspondências das denominações utilizadas para as fases reprodutivas...22 Resultados................................................................................................................... .....25 1. Fêmeas...........................................................................................................26 1.1. Estrutura ovariana em Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus.....................................................................................................26 1.2. Foliculogênese em Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus....26 1.3. Desenvolvimento folicular.......................................................................27 1.3.1.Desenvolvimento folicular em Schizodon nasutus.........................27 VII 1.3.2.Desenvolvimento folicular em Plagioscion squamosissimus.........29 1.4.Análise macroscópica das gônadas e sua equivalência nas fases reprodutivas.....................................................................................................................30 1.5.Análise macroscópica versus análise microscópica para Schizodon nasutus.............................................................................................................................30 1.6.Análise macroscópica versus análise microscópica para Plagioscion squamosissiumus.............................................................................................................32 1.7.Caracterizacao morfológica das fases reprodutivas.................................34 1.7.1.Plagioscion squamosissimus...........................................................34 1.7.2.Schizodon nasutus...........................................................................36 1.8.Distribuição de ninhos de células germinativas ao longo do ciclo reprodutivo Schizodon nasutus........................................................................................39 1.9.Índice gonadossomático de Schizodon nasutus.......................................40 1.10.Análises estatísticas para fêmeas de Schizodon nasutus........................41 1.10.1.Análise de variância – ANOVA ao longo do ciclo reprodutivo....41 1.10.2.Teste t............................................................................................41 1.10.3.Análise de variância – ANOVA ao longo das estações do ano.....42 2. Machos..........................................................................................................42 2.1.Estrutura testicular em Schizodon nasutus e Plagioscion squamosissiumus.............................................................................................................42 2.2.Organização testicular e o epitélio germinativo em Schizodon nasutus..42 2.3.Organização testicular e o epitélio germinativo em Plagioscion squamosissimus...............................................................................................................43 2.4.Espermatogênese em Schizodon nasutus e Plagioscion squamosissimus...............................................................................................................44 2.5.Análise macroscópica das gônadas e sua equivalência nas fases reprodutivas.....................................................................................................................45 2.6.Análise macroscópica versus análise microscópica para Schizodon nasutus...................................................................................................................... .......45 2.7.Análise macroscópica versus análise microscópica para Plagioscion squamosissimus...............................................................................................................47 2.8.Caracterização morfológica das fases reprodutivas................................49 2.8.1.Schizodon nasutus...........................................................................49 2.8.2.Plagioscion squamosissimus...........................................................50 VIII 2.9.Índice gonadossomático..........................................................................51 2.10.Análises estatísticas para machos de Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus............................................................................................................54 2.10.1.Análise de variância – ANOVA ao longo do ciclo reprodutivo....54 2.10.2.Teste t............................................................................................54 2.10.3.Análise de variância – ANOVA ao longo das estações do ano.....55 2.10.4.Teste t............................................................................................55 Discussão.........................................................................................................................76 1. A estrutura ovariana e o epitélio germinativo feminino................................77 2. Foliculogênese...............................................................................................78 3. Desenvolvimento folicular.............................................................................79 4. A estrutura testicular e o epitélio germinativo masculino.............................80 5. Análise macroscópica das gônadas e sua equivalência nas fases reprodutivas...................................................................................................82 6. Fases reprodutivas..........................................................................................85 7. Índice gonadossomático.................................................................................88 Considerações finais........................................................................................................91 Conclusões.......................................................................................................................93 Referências Bibliográficas...............................................................................................9 1 Resumo 2 Nos peixes, durante a vida reprodutiva o desenvolvimento gonadal é cíclico e anual. As gônadas passam por alterações de forma, de tamanho, de cor e de textura que são utilizadas como parâmetros para a sua classificação macroscópica. Porém, o desenvolvimento das células germinativas, nem sempre é consoante com essa classificação e, machos e fêmeas nem sempre parecem concatenados. Novas propostas de classificação vêm surgindo na tentativa de compatibilizar as informações macroscópicas e histológicas, considerando a atividade do epitélio germinativo de machos e fêmeas. Ocorre, no entanto, que essas propostas vêm sendo desenvolvidas em estudos com Perciformes marinhos. Aqui, tomando-se como modelo o Characiformes, Schizodon nasutus e o Perciformes, Plagioscion squamosissimus analisou-se comparativamente o ciclo reprodutivo de ambas as espécies, frente às classificações tradicionais e às novas propostas de classificação adicionadas das características histológicas das gônadas, e pode-se perceber que a análise macroscópica das gônadas, muitas vezes, não corresponde a sua verdadeira fase do ciclo reprodutivo, analisado microscopicamente. Isso se dá porque muitas das características cruciais para distinção das fases não são visíveis a olho nu, como folículos atrésicos, maturação do oócito ou anastomose de túbulos ou lóbulos testiculares. Assim, para determinação das fases reprodutivas, deve-se sempre contar com a análise microscópica e, no presente estudo, foi considerado que a melhor classificação para tal é a proposta de Brown-Peterson e colaboradores (2009), que divide o ciclo reprodutivo em seis fases reprodutivas, bastante detalhadas. A partir da descrição do ciclo reprodutivo feminino e masculino em S. nasutus e P. squamosissimus, os dados foram correlacionados com o índice gonadossomático, determinando, assim, que o período reprodutivo de ambas as espécies estende-se da primavera ao verão. O índice gonadossomático aumenta conforme o animal avança ao longo das fases reprodutivas, ou seja, conforme sua gônada segue o desenvolvimento, das células germinativas para a produção de gametas. Após o período de desova, esse índice apresenta uma queda correspondendo às fases nas quais as gônadas estão em Regressão e Em Regeneração, dando início a um novo ciclo. As análises histológicas das gônadas mostraram que o desenvolvimento folicular e a espermatogênese dessas espécies seguem o mesmo padrão apresentado para os Teleostei em geral, mesmo se tratando aqui de uma espécie mais basal (S. nasutus) e uma mais derivada (P. squamosissimus) na escala evolutiva. A foliculogênese das fêmeas de S. nasutus e P. squamosissimus também apresenta padrões similares aos já descritos para outros Teleostei, demonstrando que este é um processo evolutivamente conservado para 3 os vertebrados em geral, sendo que sua ocorrência nas espécies aqui analisadas se dá ao longo de todo o ciclo, mas principalmente nas fases Em Regeneração do ovário, período de intensa reposição das células germinativas. Assim, após análises histológicas e macroscópicas das gônadas de S. nasutus e P. squamosissimus ao longo de seus ciclos reprodutivos, os resultados permitiram tecer um paralelo entre as classificações tradicionais de ciclo reprodutivo, associando as mudanças morfológicas ocorridas no período, bem como esquematizar qualitativa e quantitativamente o desenvolvimento oocitário, bem como a foliculogênese nas fêmeas de S. nasutus e P. squamosissimus. 4 IIntrodução 5 Nos peixes, ao longo da vida reprodutiva, o desenvolvimento gonadal é cíclico e acompanha as estações reprodutivas anuais. O desenvolvimento gonadal pode ser verificado macroscopicamente e as alterações de forma, de tamanho, de cor e de textura das gônadas têm sido utilizadas como parâmetros para a classificação do estado de maturação em que se encontram. Nos estudos sobre a biologia reprodutiva dos peixes neotropicais a classificação do desenvolvimento gonadal tradicionalmente utilizada, com algumas adaptações ou não, é a proposta por Vazzoler (1996). Nela, de modo geral as gônadas dos animais aptos para a reprodução (sexualmente maduros) são classificadas como em repouso, em maturação, maduras e esgotadas ou semi-esgotadas dependendo do tipo de desova da espécie consideradas. A verificação histológica destes estados tem mostrado, no entanto, que o desenvolvimento das células germinativas em si, nem sempre é consoante com a classificação macroscópica da própria gônada e, além disso, que machos e fêmeas nem sempre parecem concatenados. A dissonância entre a classificação macroscópica e a histológica das gônadas chama a atenção e a resolução desta questão sempre recorrente nos estudos da biologia reprodutiva dos peixes passa necessariamente pela compreensão da dinâmica do epitélio germinativo nos machos e nas fêmeas dos peixes. A terminologia e os esquemas utilizados sejam na descrição dos ciclos testiculares e ovarianos anuais e/ou da evolução da espermatogênese e da oogênese nos peixes diferentemente do que ocorre com os mamíferos não é uniforme. Esta falta de unicidade gera controvérsias que muitas vezes atrapalham o entendimento mais amplo destes processos. Grier e colaboradores (2009) numa extensa revisão sobre o assunto propõem uma terminologia e um esquema que contemplam tanto os aspectos morfológicos quanto fisiológicos do ciclo ovariano anual e da oogênese. Grier e Uribe- Aranzábal (2009) fazem uma proposta semelhante para os machos. Esses autores sugerem que a despeito da proposta ser oriunda de estudos provenientes principalmente de espécies marinhas, pertencentes a ordem Perciformes, ela seria aplicável também aos demais taxa dentro de Teleostei. Também Brown-Peterson e colaboradores (2007, 2009) na tentativa de facilitar a comunicação e comparação dos estudos sobre a biologia reprodutiva dos peixes vem trabalhando no sentido de aprimorar sua proposta que inclui os conceitos de epitélio germinativo difundidos por Grier (2000). A maior dificuldade no uso de ambas as 6 propostas deve-se, no entanto, ao fato de que as mesmas foram desenvolvidas primariamente para as espécies marinhas e notadamente para os Perciformes. Principalmente no que diz respeito à oogênese nos Teleostei, as informações mais divulgadas são, principalmente, oriundas dos estudos com Perciformes marinhos e as existentes sobre grupos mais basais como os Ostariophysi apesar de localmente conhecidas, permanecem ainda hoje mais restritas às publicações regionais. Estudos recentes têm exposto, no entanto, diferenças significativas no padrão de desenvolvimento oocitário entre espécies marinhas e as de água doce, ou entre os taxa mais basais em relação àqueles mais derivados (ver Le Menn et al., 2007; Grier et al., 2009, para revisão). Neste sentido, considerando as novas proposições para a caracterização das classes reprodutivas, traçou-se um paralelo entre a classificação macroscópica das gônadas, o índice gonadal e o status histológico das mesmas (suas alterações morfológicas), com ênfase nos processos de proliferação celular ao longo do ciclo reprodutivo, visando a construção de um esquema do desenvolvimento oocitário que possa vir a ser utilizado como um modelo para Ostariophysi (notadamente os Characiformes com desova parcelada) e para os Perciformes de água doce, respectivamente. 7 RRevisão Bibliográfica 8 1. Os peixes Teleostei Os peixes constituem aproximadamente 50% dos vertebrados, ocupando os mais diversos ambientes aquáticos, sendo que, destes, 96% correspondem aos peixes Teleostei (Nelson, 2006). Os Teleostei compreendem os grupos Ostariophysi, Protacanthopterygii e Neoteleostei. A superordem Ostariophysi compreende as ordens Cypriniformes, Gymnotiformes, Siluriformes e Characiformes. Considerado basal em Teleostei, este grupo de peixes, com cerca de 4.500 espécies válidas, e com alguns poucos representantes marinhos, predomina nas águas continentais das regiões centro e sul americanas (Reis et al. 2003). Dentre os Neoteleostei, destaca-se a superordem Acanthopterygii, mais derivada, com mais da metade de todas as famílias de peixes e dividida em Atherinomorpha, Mugilomorpha e Percomorpha. A ordem Perciformes, pertencente à Percomorpha, incluem cerca de 40% de todos os peixes e constituem a maior ordem de vertebrados. Nesta ordem estão classificados cerca de 10000 espécies diferentes, presentes em quase todos os ambientes aquáticos (Nelson, 2006). Os Teleostei ocorrem em uma grande diversidade de habitat constituindo um grupo extremamente heterogêneo em termos de anatomia, comportamento e ecologia (Nakatani et al. 2001), além de apresentarem várias estratégias reprodutivas (Vazzoler, 1996; Nakatani et al. 2001), incluindo mecanismos como a liberação dos gametas no ambiente aquático, no caso de fertilização externa, até estratégias mais complexas, como o desenvolvimento de órgãos especializados para introdução de esperma no trato reprodutor feminino, com inseminação interna e fertilização, seguida de liberação dos ovos fertilizados ou gestação interna de embriões (Le Gac e Loir, 1999). Os Teleostei são predominantemente dióicos e a maioria deles apresenta reprodução cíclica e sazonal, ou seja, o desenvolvimento gonadal e a maturação dos gametas ocorrem principalmente em uma determinada época do ano, estando frequentemente associada a uma estação do ano (Vazzoler, 1996). Sob condições favoráveis, ocorre liberação dos gametas, de forma total ou parcelada, e consequente reprodução da espécie (Vazzoler, 1996). 2. O epitélio germinativo O epitélio germinativo, permanentemente ativo, que reveste os túbulos seminíferos e margeia as lamelas ovígeras é a fonte de renovação das células 9 germinativas que asseguram e mantém a continuidade da gametogênese nos peixes. Na última década, Grier e colaboradores redefiniram o conceito de epitélio germinativo tanto para os machos (Grier e Taylor, 1998; Grier e Lo Nostro, 2000; Grier, 2002) quanto para as fêmeas (Grier, 2000, 2002; Parenti e Grier, 2004; Grier et al., 2005; 2007) dos peixes. A redefinição do epitélio germinativo na sua base celular tem sido crucial para o entendimento dos eventos cíclicos que regem o desenvolvimento gonadal e ocorrem anualmente ao longo da vida reprodutiva dos Teleostei. O epitélio germinativo nos vertebrados é definido pelos mesmos conceitos histológicos que definem os epitélios somáticos, mas diferentemente dos demais contém as células germinativas (Grier e Lo Nostro, 2000; Grier, 2002). 3. As Classes Reprodutivas – As Fases dos Machos Uma nova proposta de classificação, com base na continuidade e descontinuidade do epitélio germinativo e nos tipos celulares presentes nas gônadas, define 5 classes reprodutivas durante o ciclo reprodutivo anual dos machos sexualmente aptos dos Teleostei. Os indivíduos virgens e, portanto, sexualmente imaturos não são considerados para efeito desta classificação. A classificação do epitélio germinativo em contínuo e descontínuo está relacionada à distribuição dos cistos ao longo da membrana basal que suporta o epitélio. A distribuição dos cistos varia de contínua à descontínua durante o ciclo reprodutivo. A espermiação, acoplada ao esgotamento das espermatogônias primárias é a base das alterações do epitélio germinativo durante o ciclo reprodutivo anual. As 5 classes reprodutivas: regredida, maturação inicial, maturação intermediária, maturação final e em Regressão (Grier e Taylor, 1998; Grier, 2002; Lo Nostro et al., 2003), como inicialmente descritas nos Perciformes, podem ser encontradas a seguir. - Regredida: Na classificação tradicional esta classe corresponde ao estádio de repouso. Na classe regredida, o epitélio germinativo é contínuo, sendo formado por espermatogônias e células de Sertoli. Nesta classe, ocorre a reorganização e o crescimento testicular, devido ao repovoamento pelas espermatogônias e a divisão mitótica das células de Sertoli. Portanto, a classe regredida é marcada por intensa atividade mitótica das células germinativas (espermatogônias) e das células somáticas (células de Sertoli), sendo, desta forma, o uso do termo “repouso” inadequado para designá-la (Brown-Peterson et al., 2002). 10 - Maturação Inicial: Na maturação inicial, o epitélio germinativo é contínuo e caracteriza-se por já possuir cistos de espermatócitos e de espermátides, indicando que a espermatogênese teve início. Devido ao desenvolvimento dos espermatocistos (cistos), o epitélio torna-se alto, e o lúmen dos lóbulos em geral é parcialmente obliterado. Com a espermiação tendo início, os espermatozóides vão sendo liberados dos espermatocistos, e o lúmen dos lóbulos torna-se dilatado e contínuo. O testículo como um todo se torna maior. - Maturação Intermediária: A maturação intermediária é caracterizada pela presença de um epitélio germinativo descontínuo na região próxima ao ducto, enquanto na periferia o epitélio ainda é contínuo. Conforme a espermiação progride, o componente germinativo do epitélio germinativo vai sendo perdido. As espermatogônias e os espermatocistos contendo células germinativas tornam-se dispersos ao longo da membrana basal do lóbulo e são separados por células de Sertoli. - Maturação Final: A maturação final inicia-se quando pelo menos um lóbulo, em sua porção distal, apresenta epitélio descontínuo. Com o progresso da maturação, o epitélio descontínuo torna-se predominante em toda a extensão do lóbulo, e o esgotamento das células germinativas nos lóbulos se estende para a periferia testicular. O testículo sofre uma transformação de produção para estocagem dos espermatozóides, tendo início na região do ducto testicular. Mas, as espermatogônias já começam a surgir dispersas ao longo dos lóbulos e iniciam o repovoamento. - Regressão: A regressão é marcada por uma queda brusca do IGS, epitélio germinativo descontínuo, presença de cistos dispersos e em degeneração, espermatozóides residuais na luz e sendo fagocitados pelas células de Sertoli e proliferação das espermatogônias. Uma grande quantidade de centros melanomacrofágicos pode estar presente nessa classe. 4. As Classes Reprodutivas das Fêmeas Em comparação com os machos o epitélio germinativo que margeia as lamelas ovígeras é sempre descontínuo ao longo do ciclo reprodutivo das fêmeas. Por esta razão, a caracterização das classes reprodutivas nas fêmeas não pode utilizar os mesmos critérios aplicados aos machos. Consequentemente as classes reprodutivas nas fêmeas são definidas com base no desenvolvimento oocitário (Taylor et al., 1998). Por definição, e em correspondência com os machos (Taylor et al., 1998), são nominadas 5 classes reprodutivas nas fêmeas: 11 - Regredida: Na classificação tradicional esta classe corresponde ao estádio de repouso. Na classe regredida as lamelas ovígeras contêm somente oócitos pré-vitelogênicos em diferentes faixas de tamanho. São os oócitos do estoque de reserva das classificações tradicionais. - Maturação inicial: Na classe de maturação inicial as lamelas ovígeras contêm oócitos com deposição de lipídio próximo ao núcleo, alvéolos corticais em formação e em início de deposição de vitelo. - Maturação intermediária: Na classe de maturação intermediária as lamelas ovígeras contêm oócitos em vitelogênese, mas principalmente aqueles já com grande quantidade de vitelo. - Maturação final: Na classe de maturação final as lamelas ovígeras contêm oócitos com citoplasma totalmente preenchido pelos grânulos de vitelo e núcleo migrando para o pólo animal. A fusão e a hidratação do vitelo ocorrem e são seguidas pela ovulação. A ovulação é detectada pela presença dos folículos vazios. - Regressão: Na classe de Regressão as lamelas ovígeras já não contêm oócitos maduros, aqueles não ovulados entram em atresia e os folículos vazios regridem. 5. Uma terminologia simplificada para a classificação reprodutiva dos peixes Na tentativa de facilitar a comunicação e comparação dos estudos sobre a biologia reprodutiva dos peixes, Brow-Peterson, Lowerre-Barbieri, Macewicz, Saborido-Rey, Tomkiewicz e Wyanski (2007; 2009) vem se empenhando nos últimos anos no desenvolvimento de uma terminologia que pretendem seja mais simples, e aplicável a fêmeas e machos. Estes autores reconhecem ao longo do ciclo reprodutivo dos indivíduos aptos à reprodução fases que se iniciam com a gônada Em Desenvolvimento, progride para Apto para Extrusão/Desova, Extrusão/Desova Ativa, entra Regressão e Em Regeneração. Gônadas Imaturas seriam conforme esses critérios aquelas dos indivíduos que ainda não estão aptos para a reprodução, isto é, ainda fora do ciclo reprodutivo porque jovens. As correspondências dessas denominações para as anteriores e a caracterização histológica das mesmas, podem ser apreciadas na tabela apresentada pelos autores (aqui traduzida e transcrita). 12 Fase Terminologia anterior Fêmeas Machos Imaturo Nunca desovado Imaturo, virgem Apenas oogônias e oócitos em crescimento primário, incluindo cromatina nucleolar e perinucleolar. Usualmente não ocorre atresia. Testículos pequenos, apenas espermatogônias primárias, sem lúmen nos lóbulos. Desenvolvimento Gônadas em início de desenvolvimento, não irá desovar logo Maturando, desenvolvimento inicial, maturação inicial, pré- vitelogênese Os oócitos nesse estágio podem apresentar: crescimento primário, alvéolos corticais e/ou início de vitelogênese. Não há evidência de POFs. Alguns em atresia podem estar presentes. Peixes com fecundidade indeterminada: presença de oócitos em vitelogênese intermediária. Início da espermatogênese e formação de cistos. Espermatogônias secundárias, espermatócitos primários, espermatócitos secundários, espermátides e espermatozóides podem estar presentes nos cistos. Espermatozóides não estão presentes no lúmen dos lóbulos ou ductos espermáticos. O epitélio germinativo é contínuo. Apto a Desovar O peixe irá desovar neste ciclo (ou estação) Desenvolvimento final, maturação final, grávida e vitelogênese Presença de oócitos vitelogênicos. Algumas atresias e POF tardio podem estar presentes. Fecundidade determinada: Predominância de oócitos vitelogênicos finais, a estimativa da fecundidade potencial foi feita na sub-fase sem POF. Fecundidade indeterminada: Prevalência de oócitos vitelogênicos intermediários e finais (com ou sem evidência de desova anterior, POFs); ou oócitos vitelogênicos iniciais com evidência de desova anterior (POFs). Oócitos menos desenvolvidos estão frequentemente presentes. Espermatozóides no lúmen dos lóbulos e/ou ductos espermáticos. Todos os estágios da espermatogênese (espermatogônias, espermatócitos, espermátides) podem estar presentes. Cistos ao longo do testículo. O epitélio germinativo contínuo ou descontínuo. Macroscopicamente, testículos grandes mas o esperma não é liberado com uma pressão suave. Histologicamente indistinguível da fase de Desova Ativa. Desova Ativa Iminente, desova recente ou ativa Maduro, FOM, desova Ovulando (desovando) ou aproximadamente 12 h antes ou depois da desova como indicado tanto por GVM, GVBD/oócitos hidratados, ou POFs < ~12 h de idade. Atresia de oócitos vitelogênicos finais/hidratados podem estar presentes. Fecundidade indeterminada: oócitos menos desenvolvidos estão frequentemente presentes. A estimativa de Espermatozóides no lúmen dos lóbulos e/ou ductos espermáticos. Todos os estágios da espermatogênese (espermatogônias, espermatócitos, espemátides) podem estar presentes. Cistos ao longo do testículo. O epitélio germinativo contínuo ou descontínuo. Macroscopicamente, o esperma flui livremente com uma pressão suave. Histologicamente indistinguível da 13 fecundidade e frequência de desova feita em 12h antes e depois das sub- fases de desova. fase Apta a desova. Regressão Cessa a desova Esgotado, regressão, pós desova, recuperação Presença de atresia (em qualquer estágio). A maioria dos oócitos vitelogênicos sofre atresia alpha ou beta comum. Oócitos menos desenvolvidos estão frequentemente presentes. POFs podem estar presentes. Presença de espermatozóides residuais no lúmen dos lóbulos e ductos espermáticos. Cistos amplamente espalhados próximos à periferia contendo espermátides. Proliferação e regeneração espermatogonial do epitélio germinativo comum na periferia do testículo. Macroscopicamente, testículos pequenos e esperma não liberado com pressão. Em Regeneração Maduro sexualmente, reprodutivamente inativo Repouso, regredido, em recuperação Presença apenas de oogônias e oócitos em crescimento primário, incluindo oócitos profásicos e oócitos pré-vitelogênicos. Feixes musculares, amplos vasos sanguíneos, parede ovariana espessa e/ou atresia gama, delta podem estar presentes. Testículos pequenos. Sem cistos. Lúmen dos lóbulos pequenos ou inexistentes. Proliferação de espermatogônias primárias, ocasionalmente secundárias, por todo testículo. Espermatozóides residuais estão ocasionalmente presentes no lúmen dos lóbulos e ducto espermático. Legenda: Descrição geral das fases dos ciclos reprodutivos em peixes. O tempo de cada fase é espécie-dependente. Anteriormente, esquemas da classificação histológica desenvolvida de espécies individuais podem ser adicionados como subfases dentro de cada fase definida. Alguns critérios listados para as fases podem variar dependendo da espécie, estratégia reprodutiva ou temperatura da água. Fonte: Gulf Cost Research Laboratory- http://www.usm.edu/gcrl/research/gonadal_terminology.php by N.J. Brown-Peterson1*, S.K. Lowerre-Barbieri2, B.J. Macewicz3, F.Saborido-Rey4, J. Tomkiewicz5, and D.M. Wyanski6. 1Department of Coastal Sciences, University of Southern Mississippi, Ocean Springs, MS 39564; 2Fish and Wildlife Research Institute, Florida Fish and Wildlife Conservation Commission, St. Petersburg, FL 33701;3Southwest Fisheries Science Center, National Marine Fisheries Service, La Jolla, CA 92037; 4Instituto de Investigaciones Marinas, c/Educado Cabello, Vigo, Spain; 5Technical University of Denmark, Danish Institute for Fisheries Research, Charlottenlund, Denmark; 6Marine Resources Research Institute, South Carolina Department of Natural Resources, Charleston, SC 29422; *Order of authorship is alphabetical. Presented at JMIH (ASIH) conference July 2007 and AFS conference, September 2007and at FRESH conference June 2009. 6. A caracterização histológica das classes/fases reprodutivas A caracterização das classes/fases reprodutivas tem por base os estágios do desenvolvimento oocitário e da espermatogênese. Nos últimos anos com a adição 14 sistemática de novas informações a visão tanto da oogênese como da espermatogênese tem se ampliado consideravelmente. 6.1. A oogênese No epitélio germinativo, a proliferação das oogônias dá origem a ninhos de células germinativas que se projetam em direção ao estroma ovariano. Ninhos e epitélio são suportados pela mesma membrana basal que os separa do estroma (Grier, 2000). Células somáticas derivadas do epitélio invadem os ninhos e envolvem as oogônias separando-as umas das outras e formando estruturas fechadas, os cistos. Dentro dos cistos as oogônias dividem-se por mitose e entram em meiose (Mazzoni et al., 2010; Quagio-Grassiotto et al., aceito). A formação de cistos, contendo células conectadas por pontes citoplasmáticas em desenvolvimento sincrônico, nas etapas iniciais do desenvolvimento das células germinativas iniciais nas fêmeas, vem sendo relatada em várias espécies animais desde insetos até mamíferos (veja revisão em Spradling, 1993; Pepling et al., 1999; Pepling, 2006). Cistos contendo oogônias e cistos contendo oócitos, em geral co-ocorrem num mesmo ninho (Mazzoni et al., 2010; Quagio- Grassiotto et al., aceito). Ao final do paquíteno, processos citoplasmáticos das células somáticas que envolvem os cistos, denominadas de células pré-foliculares, avançam por entre os oócitos, individualizando-os (Matova e Cooley, 2001; Quagio-Grassiotto et al., aceito). Coincidindo com a paralisação da meiose, os oócitos diplotênicos recém individualizados, ainda nos ninhos, entram em crescimento primário (ver revisão em Grier et al., 2009). Ao mesmo tempo as células pré-foliculares sintetizam a membrana basal que as suporta e que é contínua com a membrana basal do epitélio (França et al., in press). Conforme a membrana basal é sintetizada os folículos ovarianos em formação deixam os ninhos (Grier et al., 2009; França et al., in press; Mazzoni et al., 2010; Quagio-Grassiotto et al., aceito). O folículo permanece conectado ao epitélio germinativo uma vez que ambos compartilham uma porção comum da membrana basal. Ao término da foliculogênese, o folículo ovariano recém formado é constituído pelo oócito circundado pelas células foliculares que se apoiam na membrana basal. Células oriundas do estroma circundam o folículo ovariano exceto na região de compartilhamento da membrana basal formando a teca. O oócito envolto pelas células foliculares, a membrana basal e a teca formam o complexo folicular (Grier et al., 2009; França et al., in press; Mazzoni et al., 2010; Quagio-Grassiotto et al., aceito). Estes 15 eventos em seu conjunto compreendem a foliculogênese (veja revisão em Le Menn et al., 2007; Grier et al., 2009). O desenvolvimento do oócito ocorre dentro do complexo folicular e compreende os estágios de crescimento primário e secundário, maturação e ovulação (Grier et al., 2009). Os crescimentos primário e secundário são também conhecidos como estágios pré-vitelogênico e vitelogênico (Tyler e Sumpter, 1996; Patiño e Sullivan, 2002; Grier et al., 2009). Durante o período pré-vitelogênico, uma grande quantidade de RNA acumula-se no citoplasma, as organelas membranosas proliferam, a zona pelúcida é formada e em muitas espécies, principalmente aquelas que liberam os ovos na água salgada, aparecem gotas de lipídio ao redor do núcleo. Os precursores dos alvéolos corticais iniciam sua formação que se completa ao final do período pré-vitelogênico (Selman e Wallace, 1989). A progressiva deposição de vitelo e o espessamento da zona pelúcida caracterizam a vitelogênese ou crescimento secundário (Selman e Wallace, 1989; Wallace e Selman, 1990). Durante o crescimento secundário, a vitelogenina sintetizada pelo fígado e liberada na circulação sanguínea, é incorporada pelo oócito e dá origem aos glóbulos de vitelo (veja revisão em Patiño e Sullivan, 2002; Le Menn et al., 2007; Grier et al., 2009). A vitelogênese progride até que o oócito esteja completamente desenvolvido e o ooplasma preenchido pelos glóbulos de vitelo. Ao término do desenvolvimento secundário o oócito entra em maturação. A maturação é caracterizada pela migração do núcleo ou vesícula germinativa em direção ao pólo animal, onde a micrópila está localizada, pela quebra da vesícula germinativa, ou seja, pela fragmentação do envoltório nuclear e, retomada da meiose. Durante a maturação na maioria das espécies marinhas, as gotas de lipídio formadas durante os crescimentos primário e secundário fundem-se progressivamente em um único e grande glóbulo. Nas espécies com ovos pelágicos os glóbulos de vitelo também fundem-se precedendo a ovulação, o vitelo é hidrolisado e devido a força osmótica dos aminoácidos livres, hidrata (veja revisão em Patiño e Sullivan, 2002; Le Menn et al., 2007; Grier et al., 2009). Nas espécies com ovos bentônicos a hidrólise do vitelo é limitada e consequentemente a hidratação do vitelo é mais discreta (LaFleur et al., 2005). A ovulação pode então ocorrer, com o oócito sendo liberado do interior do complexo folicular para o lúmen ovariano (ver Patiño e Sullivan, 2002; Grier et al., 2009). 16 6.2. A espermatogênese A espermatogênese compreende uma sequência de eventos morfo-funcionais através dos quais as espermatogônias transformam-se em espermatozóides aptos para a fertilização. Nos peixes Teleostei as espermatogônias destinadas à espermatogênese são envoltas individualmente por processos citoplasmáticos das células de Sertoli. A produção das células gaméticas masculinas ocorre, portanto, no interior dos cistos, no epitélio germinativo que reveste o compartimento seminífero dos testículos. Dentro de um mesmo cisto o desenvolvimento é sincrônico (veja revisão em Grier e Uribe- Aranzábal, 2009; Nóbrega et al., 2009; Schultz et al., 2010). Nos cistos as espermatogônias proliferam, e ao entrarem em meiose dão origem aos espermatócitos I os quais por sua vez, com a progressão da meiose, dão origem aos espermatócitos II. O término da meiose resulta na formação das espermátides que em geral completam a sua diferenciação no interior dos cistos. Ao final da espermiogênese os cistos abrem-se e os espermatozóides são liberados no compartimento luminal dos testículos (veja revisão em Grier e Uribe-Aranzábal, 2009; Nóbrega et al., 2009; Schultz et al., 2010). A espermatogênese pode, no entanto, ser semi-cística, com as células germinativas sendo liberadas dos cistos ainda em meiose ou o final da sua segunda divisão. Nesse caso a espermiogênese se completa no compartimento luminal dos testículos (Lahnsteiner e Patzner, 1990; Mattei et al., 1993; Munõz et al., 2002; Burns et al., 2009). Embora os espermatozóides intratesticulares sejam células terminais quanto à forma, em algumas espécies eles ainda não são capazes de fertilizar os ovos. A aquisição de motilidade e da capacidade fecundante, em geral, ocorre na passagem pelo ducto espermático e envolve alterações de natureza fisiológicas e não morfológicas, transformando os gametas não funcionais em espermatozóides maduros com capacidade fecundante (Miura e Miura, 2003). 7. Os modelos biológicos Como representante dos Ostariophysi e para efeitos comparativos tomou-se no presente estudo uma espécie de Characiformes pertencentes à família Anostomidae, Schizodon nasutus (o ximborê) e como modelo dos Perciformes uma espécie pertencente à família Sciaenidae, Plagioscion squamosissimus (a curvina branca). 17 Schizodon nasutus, é relatado como tendo desova parcelada concentrada no período chuvoso, não realiza migrações (Nakatani et al., 2001), alimenta-se principalmente de material vegetal (Teixeira e Bennemann, 2007) e vive em ambientes bento pelágicos (Riede, 2004). Plagioscion squamosissimus é uma espécie de ambientes lênticos, endêmicas de água doce da América do Sul (Reis et al., 2003), tem desova parcelada e período reprodutivo concentrado no período chuvoso, apesar de seus ovos e larvas serem encontrados ao logo de todo o ano, não é migradora e não apresenta cuidado parental, são piscívoras, comercialmente importantes e exploradas na pesca esportiva (Reis et al., 2003; Lowe-McConnel, 1999). 18 OObjetivos 19 Decorrente do aqui exposto e numa diferente abordagem do ciclo reprodutivo dos Ostariophysi, principalmente comparados aos Perciformes, alguns questionamentos afloram. Que tipo de informações adicionais a microscopia de luz de alta resolução pode nos oferecer além daquelas decorrentes dos estudos sobre a dinâmica da reprodução das espécies? Qual o período do ciclo em a reposição efetiva das células germinativas ocorre? Considerando o epitélio germinativo, como evolui a produção de gametas nos machos e nas fêmeas dos Ostariophysi pertencentes à diferentes ordens e com diferentes táticas reprodutivas quando comparados aos Perciformes? Como entender o ciclo reprodutivo dos machos nem sempre consonantes aos das fêmeas? Com base nas proposições expostas e, na tentativa de responder algumas dessas intrigantes questões, pretende-se aqui: (1) analisar as características histológicas das gônadas durante o ciclo reprodutivo de fêmeas e machos de Schizodon nasutus e Plagioscion squamosissimus, sua correlação com o Indíce Gonadossomático, na tentativa de compatibilizar as dissonâncias sempre existentes entre as classificações macroscópicas e a verificação microscópica do estado de desenvolvimento seja dos ovários ou dos testículos; (2) tecer um paralelo entre a classificação de Vazzoler (1996) para as fases reprodutivas das fêmeas e machos e as classificações propostas por Grier e colaboradores (Taylor et al., 1998; Brown Peterson et al., 2002; Grier, 2002) e também para a proposta de Brown-Peterson e seus colaboradores (2007, 2009); (3) descrever à microscopia de luz os eventos iniciais da foliculogênese; (4) determinar ao longo do ciclo reprodutivo, a fase em que a proliferação das células somáticas e germinativas e consequentemente a foliculogênese, é mais intensa; (5) analisar o desenvolvimento oocitário de Schizodon nasutus e Plagioscion squamosissimus com intuito de se obter um esquema representativo da oogênese nos Teleostei mais basais que permita a sua distinção em relação aos esquemas hoje existentes para os grupos mais derivados, como os Perciformes, notadamente os Neotropicais. 20 MMaterial e Métodos 21 1. Os espécimes analisados Foram analisadas gônadas de espécimes adultos de Schizodon nasutus e Plagioscion squamosissimus num total de 50 fêmeas e 30 machos de cada espécie, coletadas mensalmente durante 12 meses consecutivos no período compreendido entre aos anos de 1996 e 1997 para os animais da espécie Plagioscion squamosissimus e indivíduos coletados entre os anos 1997 e 1998 para a espécie Schizodon nasutus. Este material já foi objeto de análise segundo os moldes tradicionais e constam do acervo de réplicas existente no Laboratório de Biologia da Reprodução em Peixes Neotropicais do Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências de Botucatu/UNESP. Portanto, dispõe-se da classificação macroscópica das gônadas, bem como do registro dos dados biométricos. Os procedimentos realizados estão de acordo com o Comitê de Ética Animal do Instituto de Biociências de Botucatu (anexo 1). 2. Obtenção de dados biométricos Para cada animal foram registrados o comprimento-total (Lt), que é a distância, em centímetros, entre o focinho e o pedúnculo caudal, o peso total (Wt), e o peso da gônada (Wg) em gramas. O comprimento-total, em centímetros, foi obtido com auxílio de ictiometro. O peso foi determinado em balança de precisão com sensibilidade de 0,01g. Os dados biométricos obtidos foram utilizados para calcular o índice gonadossomático (IGS). O índice gonadossomático (percentagem que as gônadas representam do peso total do indivíduo), assim como o índice gonadal (que expressa a relação entre o peso das gônadas e o comprimento total do indivíduo elevado à potência b), é utilizado como um indicador do estado funcional das gônadas (Vazzoler, 1996). O índice gonadossomático é calculado pela fórmula IGS = Wg/ Wt x 100, onde: IGS= índice gonadossomático; Wg = peso da gônada; Wt = peso total Os dados obtidos ao longo de todo o período reprodutivo foram analisados pelo método de ANOVA one-way (análise de variância), e as comparações multipareadas pelo teste t de Student. 3. Contagem de células e Área ovariana A contagem de células, bem como a área ovariana ocupada pelos diferentes tipos de células germinativas femininas foi realizada por área histológica de tecido gonadal. Para todos os animais analisados, padronizou-se uma área ovariana de 0,25cm2. A área 22 ocupada pelas células germinativas foi calculada a partir do software Image J. (NIH Image - Machintoch) e convertida em frequência. Os dados obtidos para as frequências foram analisados através do método estatístico de Kruskal-Wallis, e as comparações multipareadas pelo teste de Dunn’s. A análise estatística foi feita através do programa estatístico R, sendo considerada significativa a diferença, para valores de p menor ou igual a 5% (p≤0,05). 4. Preparação do material para a microscopia de luz Para microscopia de luz, as gônadas dos animais fixadas em solução de glutaraldeído 2% e paraformaldeído 4% em tampão Sorensen (0,1M a pH 7,2) por pelo menos 24 horas, foram desidratadas em uma série crescente de álcool (70% por 2 horas; 95% por no máximo 4 horas), infiltradas e incluídas em resina Leica. Cortes longitudinais com 3μm de espessura, obtidos com navalhas de vidro foram corados com Hematoxilina Férrica/Eosina, Azul de Toluidina-Bórax e PAS+Hematoxilina+Metanil Yellow (Quintero-Hunter et al., 1991). 5. Correspondências das denominações utilizadas para as fases reprodutivas As tabelas abaixo foram utilizadas comparativamente, constituindo um recurso para o entendimento da construção de cada etapa do ciclo reprodutivo propostos pelos diferentes autores, permitindo assim sua aplicação nos animais aqui analisados. Assim, a partir da classificação proposta por Brown-Peterson e colaboradores (2009), determinou-se as fases reprodutivas para os ovários e testículos de Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus. As tabelas foram aqui transcritas para facilitar a compreensão das propostas feitas pelos diferentes autores, em caráter comparativo: 23 Propostas das etapas do ciclo reprodutivo para as fêmeas de Teleostei: Vazzoler (1996) Taylor et al. (1998) Brown-Peterson et al. (2009) ESTÁDIOS caracterização histológica CLASSES caracterização histológica FASES caracterização histológica Imaturo Ninhos e oócitos pré- vitelogênicos (estoque de reserva) Regredida oócitos pré- vitelogênicos Imaturo Oogônias, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário Repouso Células germinativas jovens e oócitos do estoque de reserva Maturação inicial Oócitos com deposição de lipídio, alvéolos corticais e início de vitelogênese Em desenvolvimento Oócitos em crescimento primário, alvéolos corticais e início de vitelogênese Em maturação Oócitos do estoque de reserva e oócitos em vitelogênese Maturação intermediária Oócitos em vitelogênese, com grande quantidade de vitelo Apto a Desovar Oócitos em vitelogênese intermediária e final, folículos atrésicos e POCs Maduro Oócitos com vitelogênese completa Maturação final Oócitos com vitelogênese completa e núcleo migrando, e POCs Desova Ativa Oócitos hidratados, folículos atrésicos e POCs recentes Esgotado Folículos atrésicos, POCs, ninhos e oócitos do estoque de reserva Regressão Folículos atrésicos e POCs Regressão Folículos atrésicos, oócitos menos desenvolvidos, POCs - - - - Em Regeneração Oogônias, oócitos profásicos e em crescimento primário, folículos atrésicos 24 Propostas das etapas do ciclo reprodutivo para os machos de Teleostei: Classificações tradicionais Grier & Taylor (1998) Brown-Peterson et al. (2009) ESTÁDIOS caracterização histológica CLASSES caracterização histológica FASES caracterização histológica Repouso Espermatogônias e células de Sertoli Regredida Epitélio germinativo contínuo, formado por espermatogônias e células de Sertoli Imaturo espermatogônias primárias; sem lúmen Em maturação Cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides; pequena quantidade de espermatozóides Maturação inicial Epitélio germinativo contínuo com cistos de espermatócitos e de espermátides; início da espermiação Em desenvolvimento Epitélio germinativo contínuo; cistos de espermatogônias, espermatócitos, espermátides; Ausência de espermatozóides no lúmen Maduro Grande quantidade de espermatozóides; ausência de cistos de espermatócitos e espermátides; espermatogônias isoladas Maturação intermediária Epitélio germinativo varia de contínuo (na periferia) a descontínuo (próximo ao ducto) Apto a Desovar Epitélio germinativo contínuo ou descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Esgotado Espermatozóides residuais; lúmen vazio e espermatogônias primárias Maturação final Predominância do epitélio descontínuo; estocagem de espermatozóides Desova Ativa Epitélio germinativo contínuo ou descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo - - Regressão Epitélio germinativo descontínuo, cistos dispersos e em degeneração, espermatozóides residuais na luz, proliferação de espermatogônias e presença de centros melanomacrofágicos Regressão Espermatozóides residuais no lúmen; cistos de espermátides amplamente espalhados; proliferação e regeneração espermatogonial - - - - Em Regeneração Ausência de cistos; lúmen pequeno ou inexistente; proliferação de espermatogônias 25 RResultados 26 1. Fêmeas 1.1. Estrutura ovariana em Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus Os ovários das espécies estudadas são órgãos pares, de formato alongado, localizados dorsalmente na cavidade abdominal. Estão presos à parede dorsal desta cavidade por uma fina membrana de tecido conjuntivo – o mesovário. São revestidos pela túnica albugínea, constituída de tecido conjuntivo. A túnica albugínea emite septos para o lúmen ovariano, delimitando as lamelas ovígeras. Cada um dos ovários apresenta um lúmen ovariano. As extremidades caudais dos ovários afilam-se gradativamente constituindo o gonoducto ovariano, contínuo ao lúmen, que se comunica com o exterior através da papila urogenital, caracterizando um ovário do tipo cisto-ovário. Durante o ciclo reprodutivo, os ovários sofrem notáveis alterações na coloração, tamanho, volume e irrigação sanguínea. Mostrando-se reduzidos e translúcidos, quando imaturos, e esbranquiçados ou amarelados de acordo com a fase reprodutiva na qual se encontram. 1.2. Foliculogênese em Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus Tanto em Schizodon nasutus como em Plagioscion squamosissimus o epitélio germinativo feminino ao longo das lamelas ovígeras é formado por células somáticas e germinativas dispostas de forma descontínua, sobre uma membrana basal (Fig. 2a). As células germinativas, oogônias, sofrem mitose, auto renovam-se e permanecem como células da linhagem tronco, sendo as precursoras de todas as células germinativas do ovário. Existem dois tipos de oogônias, as indiferenciadas, com núcleo ovalado, cromatina moderadamente condensada, nucléolo discreto e pouca nuage. Essas células sofrem mitose e formam ninhos (Fig. 2b), delimitados pelas células pré-foliculares. As oogônias presentes nos ninhos diferenciam-se ficando maiores, com núcleo esférico e volumoso, nucléolo distinto e aumento na presença de nuage. Processos citoplasmáticos das células pré-foliculares envolvem as oogônias, individualizando-as (Fig. 1a; 2c). Essas oogônias, individualizadas, passam a ser chamadas de oogônias diferenciadas. Sofrem mitose (Fig. 2d) e originam aglomerados de oogônias diferenciadas, chamados de cistos. No interior dos cistos as oogônias entram em meiose e passam a ser chamadas de oócitos. 27 Os oócitos iniciais, profásicos, têm núcleos com padrões distintos de organização da cromatina, dependendo em que etapa da prófase meiótica se encontram, sendo que no cisto, o desenvolvimento ocorre de forma sincrônica, ou seja, todas as células de um mesmo cisto estão na mesma fase. Os oócitos podem ser distinguidos por seus padrões de organização da cromatina. Oócitos leptotênicos têm núcleo fortemente basofílico, com nucléolo evidente (Fig. 1b; 2e). Com o avanço da prófase, a basofilia nuclear é progressivamente perdida. Com a formação inicial dos complexos sinaptonêmicos e o pareamento dos cromossomos homólogos, a cromatina nuclear torna-se granular, caracterizando o oócito zigotênico (Fig. 1c-d; 2f). Os complexos sinaptonêmicos estão completamente formados no paquíteno, quando os cromossomos bivalentes podem ser distinguidos (Fig. 2g). No paquíteno tardio a desmontagem do complexo sinaptonêmico é iniciada e os cromossomos retraem-se dentro do envelope nuclear (Fig. 1e). A entrada em diplóteno inicial, e a parada meiótica subsequente, é detectada pela desmontagem dos complexos sinaptonêmicos (Fig. 1f), a aparência de um nucléolo distinto (Fig. 2h) e o aparecimento posterior de uma condensação perinuclear de rRNA, que forma um anel basofílico associado com o envelope nuclear (Fig. 2i). As células epiteliais pré- foliculares invadem os cistos contendo oócitos em paquíteno tardio, individualizando-os e assim, iniciando a formação de folículos (Fig. 1g). O folículo formado é constituído pelo oócito diplotênico inicial envolto pela zona pelúcida (em formação), células foliculares e membrana basal. Uma vez organizada a teca, ao redor da membrana basal do folículo, tem-se o final da formação do complexo folicular. 1.3. Desenvolvimento folicular 1.3.1. Desenvolvimento folicular em Schizodon nasutus A entrada do oócito em crescimento primário é sinalizada pelo aumento da basofilia citoplasmática, e pode ser iniciada ainda dentro dos ninhos. Os oócitos interrompem a meiose, permanecendo em diplóteno da prófase I e deixam os ninhos. Os folículos ovarianos estão formados, compostos pelo oócito diplotênico rodeado por células foliculares que repousam sobre a membrana basal. Esta os mantêm ligados ao epitélio germinativo. Durante o crescimento primário ocorre a produção de múltiplos nucléolos (Fig. 3a) que gradativamente orientam-se em posição perinuclear (Fig. 3b), o citoplasma torna-se gradativamente mais basofílico e o núcleo, que possuía contorno regular, torna- 28 se irregular e cheio de reentrâncias (Fig. 3c). Células mesenquimais envolvem os folículos constituindo a teca. Ao fim do crescimento primário, a zona pelúcida, camada acelular, é sintetizada entre o oócito e as células foliculares. De natureza química polissacarídica, a zona pelúcida, nesta etapa do desenvolvimento folicular, responde positivamente ao PAS e apresenta-se em uma única camada (Fig. 3c). O complexo folicular está formado. O oócito encontra-se agora envolto pela zona pelúcida, células foliculares pavimentosas, membrana basal e células da teca, oriundas do estroma ovariano. Como último evento do crescimento primário, tem-se a formação dos alvéolos corticais (Fig. 3d), inicialmente dispersos pelo citoplasma do oócito como pequenas vesículas que ao longo do desenvolvimento oocitário tornam-se maiores e passam a se localizar perifericamente. Os alvéolos corticais não respondem ao PAS e coram-se fracamente com Azul de Toluidina, indicando a presença de polissacarídeos ácidos. Inicia-se o crescimento secundário, caracterizado pelo início da vitelogênese (Fig. 3e). Nesta etapa o oócito incorpora vitelogenina, que será utilizada na formação dos grânulos de vitelo. Assim o oócito aumenta bruscamente de tamanho e os alvéolos corticais são deslocados para a sua periferia (Fig. 3f). Concomitantemente a membrana basal vai se espessando e torna-se visível a microscopia de luz, apresentando resposta positiva ao PAS, dado sua natureza glicoprotéica. A deposição de grânulos de vitelo é gradual. Inicialmente o oócito apresenta pouca quantidade de grânulos de vitelo, encontrando-se numa etapa de vitelogênese inicial (Fig. 3e). Com o aumento de grânulos de vitelo, o oócito em vitelogênese intermediária (Fig. 3f) apresenta metade da área citoplasmática preenchida por grânulos de vitelo. Ao final da vitelogênese, os grânulos de vitelo passam a ocupar completamente todo o citoplasma, caracterizando o oócito em vitelogênese final (Fig. 3g). Os grânulos de vitelo coram-se pela eosina, comprovando sua natureza protéica. Durante o crescimento secundário, as células foliculares tornam-se cúbicas e a zona pelúcida, mais espessa, diferencia-se em duas camadas. A camada mais interna, junto ao oócito, apresenta coloração alaranjada quando corada com Metanil Yellow, sendo, portanto, constituída por glicoproteínas. A camada mais externa, rica em polissacarídeos neutros, é PAS positiva e é formada por estruturas globulares (Fig. 3h). Com o término da vitelogênese, na qual o vitelo é totalmente incorporado, tem- se a maturação do oócito. O núcleo, até então central, retoma a meiose e migra para a periferia do oócito (Fig. 3i), localizando-se próximo à micrópila (Fig. 3j). Após a 29 maturação, o oócito envolto pela zona pelúcida é liberado do ovário, porém as células foliculares e tecais, bem como a membrana basal, permanecem conectadas ao epitélio germinativo, numa estrutura conhecida como complexo pós-ovulatório (Fig. 3k). Não há evidências de que ocorra fusão dos grânulos do vitelo em nenhuma das etapas do desenvolvimento folicular. 1.3.2. Desenvolvimento folicular em Plagioscion squamosissimus O desenvolvimento folicular em Plagioscion squamosissimus é bastante semelhante à Schizodon nasutus. As células germinativas sofrem os mesmos processos de proliferação e diferenciação celular até a entrada do oócito em crescimento primário. Inicialmente o oócito em crescimento primário apresenta um único nucléolo (Fig. 3a’), então passa a ter múltiplos nucléolos (Fig. 3b’), que gradativamente orientam-se em posição perinuclear (Fig. 3c’). A incorporação e acúmulo de substâncias no citoplasma, durante o crescimento primário e secundário dá-se da mesma forma. Porém, tem-se o acúmulo gradual de gotículas de gordura no citoplasma do oócito, próximo ao núcleo, que pode ser iniciado anteriormente (Fig. 3d’), posteriormente (Fig. 3e’) ou concomitantemente (Fig. 3f’) à formação dos alvéolos corticais. Durante a vitelogênese (Fig. 3g’-i’), as gotículas de gordura permanecem individualizadas e distribuem-se por todo o citoplasma, colocando-se entre os grânulos de vitelo. Os alvéolos corticais permanecem na periferia do oócito como vesículas citoplasmáticas que não se coram com PAS. Ao longo de todo o desenvolvimento folicular, a zona pelúcida mostra-se em uma única camada bastante delgada, PAS positiva (Fig. 3j’). As células foliculares mantêm-se pavimentosas até o final do crescimento secundário (Fig. 3j’). Ocorre a maturação do oócito, o núcleo migra para a periferia (Fig. 3k´; m’), próximo a micrópila (Fig. 3l’). Em Plagioscion squamosissimus, não foram observados complexos pós-ovulatórios. Em alguns animais, foram obervados folículos atrésicos, que se apresentavam em estágio de degeneração, com formato irregular, deformação da zona pelúcida e desorganização dos grânulos de vitelo. As células foliculares, muitas vezes, apresentavam-se hipertrofiadas. Ao redor desses folículos, há uma grande quantidade de macrófagos, constituindo os centros melanomacrofágicos. 30 Uma proposta comparativa entre o desenvolvimento oocitário de Schizodon nasutus e Plagioscion squamossisimus pode ser observado na figura 4. 1.4. Análise macroscópica das gônadas e sua equivalência nas fases reprodutivas As gônadas femininas de Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus foram classificadas macroscopicamente, no momento da dissecção, em quatro estádios, correspondentes aos propostos por Vazzoler (1996). Estádio I – Imaturo-Repouso: as gônadas são pequenas, filamentosas, translúcidas e não se observam oócitos a olho nu. Não há sinais de vascularização ou estas são reduzidas. Estádio II – em Maturação: os ovários são maiores e vascularizados. A olho nu notam-se pequenos e médios oócitos. Estádio III – Maduro: os ovários apresentam-se túrgidos e ocupam grande parte da cavidade abdominal. São opacos ou amarelados, sendo possível observar a olho nu um grande número de oócitos. Estádio IV – Esgotado: os ovários são flácidos, de tamanho relativamente grande, mas pouco volumosos. Os poucos oócitos observados são esbranquiçados estando em estado de absorção. É caracterizado principalmente pela presença de zonas hemorrágicas. Os ovários assim classificados macroscopicamente foram analisados à microscopia de luz para detecção das fases reprodutivas a partir de dados histológicos (Tabela I e II). Para determinar as fases reprodutivas, os ovários das fêmeas de Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus foram classificados histologicamente segundo a proposta de Brown-Peterson e colaboradores (2009) de acordo com as frequências dos tipos de oócitos presentes nas lamelas ovígeras. 1.5. Análise macroscópica versus análise microscópica para Schizodon nasutus Para Schizodon nasutus, a associação dos dados obtidos a partir das análises macroscópicas e microscópicas (Tabela I, Fig. I) mostrou que todas as gônadas classificadas macroscopicamente como Imaturas e Repouso, apresentavam características histológicas correspondentes às gônadas imaturas (100%). Das gônadas consideradas macroscopicamente Em maturação, 65,21% correspondiam à gônadas imaturas, 21,76% à gônadas em fase de Desenvolvimento e 13,03% à fase Apto a 31 Desovar. Já os ovários considerados Maduros, foram classificados histologicamente como Apto a Desovar (66,66%) e Desova Ativa (33,34%). Ovários em estádio Esgotado mostraram-se em fase de Desenvolvimento (80,07%) e Apto a Desovar (19,93%) Tabela I: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal. Análise comparativa dos dados macroscópicos e microscópicos das gônadas femininas de Schizodon nasutus. Análise Macroscópica Fase Reprodutiva Análise Histológica Imaturo - Repouso Imaturo (100%) Oogônias, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário Em maturação Imaturo (65,21%) Oogônias, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário Desenvolvimento (21,76%) Oócitos em crescimento primário, alvéolos corticais e início de vitelogênese Apto a Desovar (13,03%) Oócitos em vitelogênese intermediária e final, folículos atrésicos e POCs Maduro Apto a Desovar (66,66%) Oócitos em vitelogênese intermediária e final, folículos atrésicos e POCs Desova Ativa (33,34%) Oócitos hidratados, folículos atrésicos e POCs recentes Esgotado Desenvolvimento (80,07%) Oócitos em crescimento primário, alvéolos corticais e início de vitelogênese Apto a Desovar (19,93%) Oócitos em vitelogênese intermediária e final, folículos atrésicos e POCs 32 Figura I: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal ao longo do ciclo reprodutivo de Schizodon nasutus. 1.6. Análise macroscópica versus análise microscópica para Plagioscion squamosissimus Em Plagioscion squamosissimus, os ovários foram classificados macroscopicamente como Imaturo–Repouso, Em Maturação e Maduro. Porém, as análises histológicas mostraram que esses três tipos de estádios gonadais correspondiam à gônadas imaturas ou à gônadas em fase Em Regeneração (Tabela II, Fig. II). 0% 20% 40% 60% 80% 100% Imaturo / Repouso Em maturação Maduro Esgotado Análise macroscópica Fa se re pr od ut iv a Desova ativa Apto a desovar Em desenvolvimento Imaturo 33 Tabela II: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal. Análise comparativa dos dados macroscópicos e microscópicos das gônadas femininas de Plagioscion squamosissimus. Análise Macroscópica Fase Reprodutiva Análise Histológica Imaturo - Repouso Imaturo (70%) Oogônias, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário Em Regeneração (30%) Oogônias, oócitos profásicos, oócitos em crescimento primário, folículos atrésicos, cápsula espessa e macrófagos Em maturação Imaturo (40%) Oogônias, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário Em Regeneração (60%) Oogônias, oócitos profásicos, oócitos em crescimento primário, folículos atrésicos, cápsula espessa e macrófagos Maduro Imaturo (10%) Oogônias, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário Em Regeneração (90%) Oogônias, oócitos profásicos, oócitos em crescimento primário, folículos atrésicos, cápsula espessa e macrófagos Figura II: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal ao longo do ciclo reprodutivo de Plagioscion squamosissimus. 0% 20% 40% 60% 80% 100% Imaturo / Repouso Em maturação Maduro Análise macroscópica Fa se re pr od ut iv a Em degeneração Imaturo Em regeneração Imaturo 34 1.7. Caracterização morfológica das fases reprodutivas 1.7.1. Plagioscion squamosissimus Para a espécie Plagioscion squamosissimus, foram analisados 51 indivíduos, no período de agosto de 1996 a junho de 1997. Durante esse período, foram encontrados apenas ovários Imaturos e ovários correspondentes à fase reprodutiva Em Regeneração. Por este motivo, o ciclo reprodutivo de Plagioscion squamosissimus não pode ser descrito no período estudado. Os ovários imaturos (Fig. 5a) de Plagioscion squamosissimus apresentam grande quantidade de ninhos de oogônias (Fig. 5c) e ninhos de oócitos profásicos, principalmente oócitos leptotênicos. Os ninhos de oogônias ocupam uma área ovariana equivalente à 2,12% da área total analisada (0,25cm2), enquanto que os ninhos de oócitos profásicos, 1,79% (Fig. III). Além desses, todas as outras células germinativas encontradas são oócitos em crescimento primário (Fig. 5b), que ocupam 96,09%. Não há oócitos em crescimento secundário, folículos atrésicos ou complexos pós- ovulatórios. Os ovários Em Regeneração (Fig. 5d) são histologicamente bastante semelhantes aos ovários Imaturos, porém apresentam aglomerados de macrófagos (Fig. 5e), alguns folículos atrésicos (Fig. 5g) e a cápsula ovariana, formada pela túnica albugínea, é bastante espessa, quando comparada às cápsulas dos ovários Imaturos (Fig. 5f). Além disso, esses ovários apresentam grande quantidade de ninhos de oogônias (1,98% da área ovariana) e ninhos de oócitos profásicos (2,31%) (Fig. III), sendo que os oócitos leptotênicos, zigotênicos e paquitênicos estão em maior quantidade do que nos ovários Imaturos (Fig. V). Dos ninhos analisados em ambos os ovários, os ninhos de oogônias nos ovários Imaturos correspondem a 54,55% dos ninhos totais, enquanto os ninhos de oócitos profásicos correspondem a 45,45%. Em contrapartida, nos ovários Em Regeneração, a frequência dos ninhos de oogônias e de oócitos profásicos correspondem a 42,31% e 57,69%, respectivamente (Fig. IV). 35 Figura III: Porcentagem de área ocupada por ninhos de oogônias, ninhos de oócitos profásicos, oócitos em crescimento primário e folículos atrésicos nos ovários Imaturos e Em Regeneração de Plagioscion squamosissimus, em uma área ovariana de 0,25cm2. IMATURO cresc. primário 96,09% ninhos de oócitos 1,79% ninhos de oogônias 2,12% EM REGENERAÇÃO ninhos de oogônias 1,98% folículos atrésicos 1,28% ninhos de oócitos 2,31% cresc. primário 94,43% 36 Figura IV: Análise comparativa entre as frequências de ninhos de oogônias e ninhos de oócitos nos ovários Imaturos e Em Regeneração de Plagioscion squamosissimus. Os ninho de oócitos (*) apresentam diferença significativa para p<0,05. Figura V: Frequência de ninhos de células germinativas (oogônias e oócitos profásicos) nos ovários Imaturos e Em Regeneração de Plagioscion squamosissimus. * Diferença significativa para p<0,05. 1.7.2. Schizodon nasutus Em Schizodon nasutus, nos 40 indivíduos analisados durante o período de maio de 1997 a abril de 1998, determinou-se três fases reprodutivas – Desenvolvimento; Apto a Desovar e Desova Ativa – além de animais que apresentavam gônadas imaturas. Animais nas fases Regressão e Em Regeneração não foram encontrados durante o período de coleta. 0% 20% 40% 60% 80% 100% Imaturo Em regeneração fase reprodutiva ni nh os ninhos de oócitos ninhos de oogônias * * 0 20 40 60 80 oogônias oócitos leptotênicos oócitos zigotênicos oócitos paquitênicos oócitos diplotênicos iniciais células germinativas fr eq uê nc ia de n in ho s (% ) Ovário Imaturo Ovário em Regeneração * 37 Fase – Imaturo Foram coletados indivíduos nessa fase durante todo o ano. Nesta fase, o ovário está repleto de ninhos de oogônias, resultantes da intensa proliferação de células germinativas e somáticas, oócitos profásicos e oócitos em crescimento primário, não sendo possível observar oócitos com alvéolos corticais, oócitos em vitelogênese, folículos atrésicos ou complexos pós-ovulatórios (Fig. 6a-b). Nos ovários, os ninhos de oogônias e de oócitos profásicos ocupam uma área correspondente a 1,24%, enquanto que oócitos em crescimento primário, 98,76% (Fig. VI). Cada ninho apresenta uma grande quantidade de oogônias e/ou oócitos profásicos. Fase – Desenvolvimento (outono e inverno) Nesta fase, o ovário apresenta a maior variedade de desenvolvimento folicular (Fig. 6c- d), apresentando oócitos em crescimento primário (59,10%), com ou sem alvéolos corticais e oócitos em crescimento secundário, em vitelogênese inicial e intermediária (40,52%). O epitélio germinativo apresenta, em menor número, ninhos de oogônias e de oócitos profásicos, ocupando apenas 0,38% da área ovariana analisada (Fig. VI). Fase – Apto a Desovar (inverno e primavera) Nesta fase, a maioria dos oócitos em crescimento secundário está em vitelogênese final (97,93%). É a primeira fase na qual estes oócitos podem ser observados (Fig. 6e). Aqui, já incorporaram em sua totalidade o vitelo, porém ainda apresentam núcleo central (Fig. 6f). No entanto ainda é possível observar alguns oócitos em vitelogênese inicial e intermediária (0,91%) e oócitos em crescimento primário (1,16%). Os ninhos tornam-se escassos (0,01%), compostos principalmente por oogônias isoladas (Fig. VI). Fase - Desova Ativa (primavera e verão) Nesta fase, podem ser observados, principalmente, oócitos em vitelogênese final (51,04%) e oócitos em maturação (45,49%), sendo que as outras etapas de desenvolvimento folicular ainda são encontradas, em menor número (1,85%). Nos oócitos em maturação, os núcleos estão migrando para a periferia do oócito, em direção à micrópila (Fig. 6g-h). São encontrados, pela primeira vez no ciclo reprodutivo, os complexos pós-ovulatórios (POCs), estruturas resultantes da liberação dos oócitos maduros de seus folículos (1,60%). Os ninhos mantêm-se escassos (0,01%), sendo compostos ainda por oogônias isoladas (Fig. VI). 38 Figura VI: porcentagem de área ocupada pelos diferentes tipos de células germinativas, ao longo das fases reprodutivas encontradas para Schizodon nasutus, em uma área ovariana de 0,25cm2. DESENVOLVIMENTO vit. inicial e intermed. 40,52% ninhos 0,38% cresc. primário 59,10% IMATURO ninhos 1,24% cresc. primário 98,76% DESOVA ATIVA POCs 1,60% vit. inicial e intermed. 0,75% ninhos 0,01% vit. final 51,04% cresc. primário 1,10% em maturação 45,49% APTO A DESOVAR vit. inicial e intermed. 0,91% cresc. primário 1,16% ninhos 0,01% vit. final 97,93% 39 1.8. Distribuição de ninhos de células germinativas ao longo do ciclo reprodutivo de Schizodon nasutus Em Schizodon nasutus há uma maior quantidade de ninhos de células germinativas em animais sexualmente Imaturos e durante a fase de Desenvolvimento (Fig. VII). Nos animais Imaturos, os ninhos formados por oogônias indiferenciadas e diferenciadas são mais numerosos que ninhos formados por oócitos profásicos. Durante a fase reprodutiva de Desenvolvimento, os ninhos de oogônias e oócitos profásicos aparecem em quantidades semelhantes. Já nas fases Apto a Desovar e Desova Ativa, existem poucos ninhos de células, sendo possível observar somente ninhos formados por oogônias. Os ninhos nas fases iniciais do ciclo reprodutivo apresentam um maior número de células por ninho, sejam eles compostos por oogônias ou oócitos. Já os ninhos presentes nas fases Apto a Desovar e Desova Ativa são menores, sendo formados, na maioria das vezes, por uma ou duas oogônias. Figura VII: Número ninhos de oogônias e ninhos de oócitos profásicos por área ovariana (0,25cm2) ao longo das fases reprodutivas em Schizodon nasutus. Para p<0,05 os grupos a, b e c são diferentes estatisticamente, enquanto os grupos a’ não apresentam diferenças entre si. 0 20 40 60 80 100 im atu ro de se nv olv im ento ap to a d es ov ar de so va at iva fases reprodutivas nú m er o de n in ho s ninhos de oogônias ninhos de oócitosa a’ b a’ c c 40 1.9. Índice gonadossomático de Schizodon nasutus O índice gonadossomático (IGS) expressa a porcentagem que as gônadas representam do peso total do indivíduo e, de acordo com os dados obtidos, está diretamente relacionado com o desenvolvimento ovariano no ciclo reprodutivo, ou seja, quanto mais avançada é a fase reprodutiva, maior o índice gonadossomático (Fig. VIII). Assim, o menor valor de IGS registrado para Schizodon nasutus corresponde a fase de ovário Imaturo (0,74%), seguida das fases Desenvolvimento (0,93%) e Apto a Desovar (6,57%), na fase seguinte, Desova Ativa, como o ovário inicia a desova esse valor decai (5,55%), mas continua bastante elevado se comparado com as fases iniciais. Para calcular o IGS durante as estações do ano os animais classificados como Imaturos foram descartados, já que estão presentes o ano todo e representam os indivíduos jovens da população, ou seja, ainda não estão sexualmente maduros. Comparando-se os valores do IGS em relação às estações do ano (Fig. IX), tem-se a época do ano na qual o animal está reproduzindo. Os maiores valores de IGS ocorreram na Primavera (6,33%) e no Verão (6,17%), nas quais há predominância das fases Apto a Desovar e Desova Ativa. Os menores valores foram encontrados no Outono (0,78%) e no Inverno (3,49%), estações nas quais ocorre apenas a fase Desenvolvimento. Figura VIII – Relação entre o índice gonadossomático com a fase do ciclo reprodutivo em que o animal se encontra. Letras diferentes significam diferenças estatísticas p˂0,05. a b b 41 Figura IX – Relação entre o índice gonadossomático e a estação do ano em que o animal foi coletado. *Não houve diferença significativa entre nenhuma das estações. 1.10. Análises Estatísticas para fêmeas de Schizodon nasutus 1.10.1. Análise de Variância – ANOVA ao longo do ciclo reprodutivo Fase reprodutiva S. nasutus Desenvolvimento 0,078494 Apto a Desovar 15,35518 Desova Ativa 3,293824 Espécie valor-P S. nasutus 0,000905 * * valor-P < 0,05 = diferença significativa dentro do grupo 1.10.2. Test t: Teste t S. nasutus Apto a Desovar / Desenvolvimento -4,423 * Apto a Desovar / Desova Ativa 0,350 Desenvolvimento / Desova Ativa -2,442 * t crítico 2,423 * módulo de t calculado > t crítico = diferença significativa entre os grupos 42 1.10.3. Análise de Variância – ANOVA ao longo das estações do ano Estação do ano S. nasutus Primavera 18,20741 Verão 8,71661 Outono 0,014566 Inverno 12,59144 Espécie valor-P S. nasutus 0,1368 * * valor-P > 0,05 = diferença não significativa dentro do grupo 2. Machos 2.1. Estrutura testicular em Schizodon Nasutus e Plagioscion squamosissimus Os testículos de ambas as espécies são órgãos pares, alongados, localizados longitudinalmente na região dorsal da cavidade celomática. Estão presos à parede dorsal desta cavidade por uma fina membrana de tecido conjuntivo – o mesórquio. Cada testículo apresenta um ducto espermático que, na região caudal, confluem em um gonoducto único, o qual desemboca na papila urogenital. São envoltos por uma túnica albugínea de natureza conjuntiva, que emite septos para o interior do tecido gonadal. Conforme a fase reprodutiva em que se encontram ao longo do ciclo reprodutivo, os testículos podem apresentar volume e coloração variados, sendo mais translúcidos durante o início do ciclo, tornando-se mais volumosos e esbranquiçados, durante o período reprodutivo. 2.2. Organização testicular e o epitélio germinativo em Schizodon Nasutus Em Schizodon Nasutus, os testículos são formados por dois compartimentos: o intersticial e o germinativo separados entre si por uma membrana basal. O compartimento germinativo é organizado em alças e túbulos interconectados entre si, formando anastomoses em diferentes regiões do testículo, desde a região periférica até, e principalmente, próximo ao ducto espermático, caracterizando um testículo do tipo tubular anastomosado (Fig. 7a). Os túbulos seminíferos delimitam um lúmen no interior dos testículos, o qual é revestido pelo epitélio germinativo. O epitélio germinativo é composto pelas células germinativas (oogônias, espermatócitos e espermátides) e pelas células somáticas (células de Sertoli), que se organizam formando cistos, a partir de prolongamentos citoplasmáticos das células de Sertoli, que envolvem as células germinativas. No 43 interior desses cistos ocorre a espermatogênese para a produção de gametas masculinos (espermatozóides), de forma sincrônica, ou seja, células de um mesmo cisto sempre estão na mesma fase da espermatogênese. O epitélio dos túbulos seminíferos pode variar de contínuo a descontínuo, dependendo da fase do ciclo reprodutivo em que o animal se encontra, sendo que o epitélio contínuo caracteriza-se pela presença contínua de cistos e o descontínuo pela ausência destes. Os cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides encontram-se distribuídos aleatoriamente pelos túbulos seminíferos. Com o término da espermiogênese, os cistos se rompem e liberam os espermatozóides para o lúmen dos túbulos seminíferos. 2.3. Organização testicular e o epitélio germinativo em Plagioscion squamosissimus Assim como em Schizodon Nasutus, os testículos de Plagioscion squamosissimus são formados por dois compartimentos: o intersticial e o germinativo separados entre si por uma membrana basal. O compartimento germinativo em Plagioscion squamosissimus é formado por estruturas digitiformes, os lóbulos testiculares, que terminam em fundo cego na região periférica do testículo, caracterizando uma organização testicular do tipo lobular (Fig. 7b). Os cistos de espermatogônias, bem como os cistos de outras células germinativas, distribuem-se de forma aleatória e irrestrita ao longo do lóbulo testicular, caracterizando um testículo do tipo lobular irrestrito. Os lóbulos também podem sofrer anastomoses principalmente na região do ducto espermático. A espermatogênese em Plagioscion squamosissimus ocorre no interior dos cistos, de forma sincrônica, como em Schizodon Nasutus. Ao término da espermatogênese os espermatozóides são liberados na luz dos lóbulos, principalmente na região do ducto espermático, o que torna o epitélio germinativo na região descontínuo. Em ambas as espécies, o compartimento intersticial, composto de células do tecido conjuntivo, fibroblastos, fibras colágenas, células mióides, vasos sanguíneos e células de Leydig, também sofre alterações ao longo do ciclo reprodutivo, apresentando 44 variações na espessura de fibras colágenas, na quantidade de vasos sanguíneos e no número de células intersticiais. 2.4. Espermatogênese em Schizodon Nasutus e Plagioscion squamosissimus Tanto em Plagioscion squamosissimus como em Schizodon nasutus, após a organização das células germinativas em cistos no epitélio germinativo, inicia-se a espermatogênese. O processo no interior de cada cisto ocorre de forma sincrônica, ou seja, em cada cisto, as células germinativas encontram-se em uma mesma fase de desenvolvimento. As espermatogônias primárias são as maiores células da linhagem germinativa masculina, com núcleo volumoso, nucléolo evidente, cromatina finamente granulada, citoplasma acidófilo e rico em nuage (Fig. 8a-b). Estas células dividem-se por mitose, no interior dos cistos, dando origem às espermatogônias secundárias, com características semelhantes às espermatogônias primárias, porém com menor tamanho (Fig. 8c). As espermatogônias podem proliferar por mitose, mantendo um estoque de células no testículo ou podem entrar em meiose, dando origem aos espermatócitos. Os espermatócitos são ainda menores que as espermatogônias, têm núcleo basofílico com cromatina em diferentes graus de compactação e não possuem nucléolo (Fig. 8d). Durante as etapas da espermatogênese, são facilmente identificados pelas figuras de divisão celular (Fig. 8e). Seguindo a meiose, os espermatócitos dão origem às espermátides, as quais se apresentam como pequenas células esféricas com citoplasma bastante reduzido e flagelo em formação (Fig. 8f). Seu núcleo, com cromatina em compactação, decresce gradualmente em diâmetro ao longo da espermiogênese. Em ambas as espécies, observam-se espermátides iniciais, que ocupam todo o espaço delimitado pelo cisto notando-se somente seus núcleos (Fig. 8f), e espermátides finais com flagelos visíveis e núcleos organizados junto à parede dos cistos (Fig. 8g). Ao término da espermiogênese, os cistos de rompem e os espermatozóides são liberados para o lúmen testicular (Fig. 8h) dos túbulos de Schizodon nasutus ou dos lóbulos de Plagioscion squamosissimus. Os espermatozóides são as menores células da linhagem germinativa, caracterizam-se por apresentar um longo flagelo e núcleo arredondado, com cromatina bastante compacta, a qual se cora intensamente pela Hematoxilina (Fig. 8h) e Azul de 45 Toluidina. Conforme os cistos de rompem, o epitélio germinativo deixa de ser contínuo, tornando-se descontínuo. 2.5. Análise macroscópica das gônadas e sua equivalência nas fases reprodutivas As gônadas masculinas de Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus foram classificadas macroscopicamente, no momento da dissecção, em quatro estádios, correspondentes às classificações tradicionais e em analogia à proposta de Vazzoler (1996) para fêmeas. Estádio I – Imaturo-Repouso: as gônadas são pequenas, filamentosas, translúcidas e sem vascularização. Estádio II – em Maturação: os testículos são maiores, opacos e a vascularização torna-se visível. Estádio III – Maduro: os testículos apresentam-se esbranquiçados, vascularizados e ocupam grande parte da cavidade abdominal. Estádio IV – Esgotado: os testículos são flácidos, de tamanho relativamente grande, mas pouco volumosos. É caracterizado principalmente pela presença de zonas hemorrágicas. Os testículos assim classificados macroscopicamente foram analisados à microscopia de luz para detecção das fases reprodutivas a partir de dados histológicos (Tabela III e IV). Para determinar as fases reprodutivas, os testículos dos machos de Plagioscion squamosissimus e Schizodon nasutus foram classificados histologicamente segundo a proposta de Brown-Peterson e colaboradores (2009) de acordo com as frequências dos tipos de espermatocistos no epitélio germinativo. 2.6. Análise macroscópica versus análise microscópica para Schizodon nasutus Em Schizodon nasutus, a associação dos dados obtidos a partir das análises macroscópicas e microscópicas (Tabela III, Fig. X) mostrou que 1/3 das gônadas classificadas macroscopicamente como Imaturas e Repouso, apresentavam características histológicas correspondentes à gônadas imaturas; 1/3 às gônadas em fase de Desenvolvimento e 1/3 às gônadas em fase de Apto a Desovar. Das gônadas consideradas macroscopicamente Em maturação, 55,57% correspondiam à gônadas em Desenvolvimento, 33,32% à gônadas em fase de Apto a Desovar e 11,11% à fase Em Regeneração. Já os testículos considerados Maduros, foram classificados 46 histologicamente como em Desenvolvimento (19,99%), Apto a Desovar (19,99%) e Desova Ativa (60,02%). Tabela III: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal. Análise comparativa dos dados macroscópicos e microscópicos das gônadas masculinas de Schizodon nasutus. Análise Macroscópica Fase Reprodutiva Análise Histológica Imaturo / Repouso Imaturo (33,33%) espermatogônias primárias; sem lúmen Desenvolvimento (33,33%) epitélio germinativo contínuo; cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides; ausência de espermatozóides no lúmen Apto a Desovar (33,33%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Em maturação Desenvolvimento (55,57%) epitélio germinativo contínuo; cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides; ausência de espermatozóides no lúmen Apto a Desovar (33,32%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Em Regeneração (11,11%) ausência de cistos; lúmen pequeno ou inexistente; proliferação de espermatogônias Maduro Desenvolvimento (19,99%) epitélio germinativo contínuo; cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides; ausência de espermatozóides no lúmen Apto a Desovar (19,99%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Desova Ativa (60,02%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo 47 Figura X: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal ao longo do ciclo reprodutivo de Schizodon nasutus. 2.7. Análise macroscópica versus análise microscópica para Plagioscion squamosissimus Em Plagioscion squamosissimus, a associação dos dados obtidos a partir das análises macroscópicas e microscópicas (Tabela IV, Fig. XI) mostrou que 25% das gônadas classificadas macroscopicamente como Imaturas e Repouso apresentavam características histológicas correspondentes à gônadas em fase de Desova Ativa; 25% às gônadas em fase de Regressão e 50% às gônadas em fase Em Regeneração. As gônadas consideradas macroscopicamente Em maturação foram classificadas histologicamente como em Desenvolvimento (13,33%), Apto a Desovar (33,33%), Desova Ativa (20%), Regressão (20%) e Em Regeneração (13,33%). Já os testículos considerados Maduros, foram classificados histologicamente como em Desenvolvimento (20%), Apto a Desovar (40%), Desova Ativa (20%) e Regressão (20%). 0% 20% 40% 60% 80% 100% Imaturo / Repouso Em maturação Maduro Análise macroscópica Fa se re pr od ut iv a Em regeneração Desova ativa Apto a desovar Em desenvolvimento Imaturo 48 Tabela IV: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal. Análise comparativa dos dados macroscópicos e microscópicos das gônadas masculinas de Plagioscion squamosissimus. Análise Macroscópica Fase Reprodutiva Análise Histológica Imaturo / Repouso Desova Ativa (25%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Regressão (25%) Espermatozóides residuais no lúmen; cistos de espermátides amplamente espalhados; proliferação e regeneração espermatogonial Em Regeneração (50%) ausência de cistos; lúmen pequeno ou inexistente; proliferação de espermatogônias Em maturação Desenvolvimento (13,33%) epitélio germinativo contínuo; cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides; ausência de espermatozóides no lúmen Apto a Desovar (33,33%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Desova Ativa (20%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Regressão (20%) Espermatozóides residuais no lúmen; cistos de espermátides amplamente espalhados; proliferação e regeneração espermatogonial Em Regeneração (13,33%) ausência de cistos; lúmen pequeno ou inexistente; proliferação de espermatogônias Maduro Desenvolvimento (20%) epitélio germinativo contínuo; cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides; ausência de espermatozóides no lúmen Apto a Desovar (40%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Desova Ativa (20%) epitélio germinativo variando de contínuo a descontínuo; espermatozóides no lúmen; cistos de todos os estágios da espermatogênese ao longo do testículo Regressão (20%) Espermatozóides residuais no lúmen; cistos de espermátides amplamente espalhados; proliferação e regeneração espermatogonial 49 Figura XI: Frequência das fases reprodutivas por estádio de desenvolvimento gonadal ao longo do ciclo reprodutivo de Plagioscion squamosissimus. 2.8. Caracterização morfológica das fases reprodutivas 2.8.1. Schizodon nasutus Em Schizodon nasutus, nos 17 indivíduos analisados de maio de 1997 a abril de 1998, determinou-se quatro fases reprodutivas – Desenvolvimento; Apto a Desovar; Desova Ativa e Em Regeneração – além de animais que apresentavam gônadas imaturas. Fase – Imaturo (outono) Os indivíduos dessa fase possuem o testículo repleto de cistos de espermatogônias e ainda não se pode observar o lúmen dos túbulos testiculares (Fig. 9a). No interstício pode-se observar apenas fibras colágenas, fibroblastos e vasos sanguíneos. Fase – Desenvolvimento (inverno e demais estações) Os animais dessa fase foram coletados principalmente no inverno, podendo também ser encontrados em todas as demais estações do ano. É nessa fase que a espermatogênese tem início. Podem ser encontrados cistos com células em todas as fases da espermatogênese (espermatogônias, espermatócitos, espermátides), com exceção de espermatozóides (Fig. 9b). O lúmen dos túbulos testiculares, se presente, é pequeno e vazio. O epitélio germinativo em todo o testículo é contínuo. 0% 20% 40% 60% 80% 100% Imaturo / Repouso Em maturação Maduro Análise macroscópica Fa se re pr od ut iv a Em regeneração Regressão Desova ativa Apto a desovar Em desenvolvimento Imaturo 50 Fase – Apto a Desovar (primavera) Nessa fase observou-se cistos de espermatogônias, espermatócitos e espermátides, sendo que os dois últimos ocorrem em número crescente. Inicia-se a produção de espermatozóides, que podem ser encontrados no lúmen dos túbulos testiculares (Fig. 9c- d). Conforme os espermatozóides são liberados para o lúmen, o epitélio germinativo torna-se progressivamente descontínuo, principalmente nas regiões próximas ao ducto espermático. Fase – Desova Ativa (primavera) Os túbulos testiculares, totalmente preenchidos por espermatozóides, sofrem anastomoses (Fig. 9e) culminan