UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ELLEN FRANCINNE DE OLIVEIRA ROSSETTO SILVA A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA NA PERSPECTIVA DA CIDADANIA FRANCA 2019 ELLEN FRANCINNE DE OLIVEIRA ROSSETTO SILVA A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA NA PERSPECTIVA DA CIDADANIA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", como requisito para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Área de Concentração Serviço Social: Trabalho e Sociedade. Linha de Pesquisa: Estado, Sociedade e Políticas Sociais. Orientadora: Profª. Drª. Andréia Aparecida Reis de Carvalho Liporoni. FRANCA 2019 ELLEN FRANCINNE DE OLIVEIRA ROSSETTO SILVA A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA NA PERSPECTIVA DA CIDADANIA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", como requisito para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social: Trabalho e Sociedade. BANCA EXAMINADORA Presidente: _________________________________________________________ Profª. Drª. Andréia Aparecida Reis de Carvalho Liporoni 1º Examinador: _____________________________________________________ Profª. Drª. Regina Célia de Souza Beretta 2º Examinador: ______________________________________________________ Profª. Drª. Maria José de Oliveira Lima Franca, 31 de Maio de 2019. Dedico este trabalho a minha família, Meu esposo Willian, Meus filhos Leandro e Heitor, Minha mãe Fátima. AGRADECIMENTOS Antes de agradecer, quero dizer que os anos do mestrado foram de muitas provações, fé, luta e conquistas, por isso não poderia deixar de agradecer em primeiro lugar a Deus, por ter realizado meus sonhos e, em seu amor infinito, por ter me sustentado em todos os momentos. Aos meus queridos pais, Fátima e Nelson, que sempre me ensinaram a gostar de estudar e fizeram de tudo para a concretização da minha formação pessoal e profissional. Obrigada em especial a minha mãe, por suas orações e por ter me ensinado a ser forte, confiar em Deus e jamais desistir. Ao meu esposo Willian, meu parceiro de todas as horas, sempre presente em todos os momentos, sempre me encorajando e acreditando que o sonho do mestrado seria possível. Obrigada por cuidar dos nossos filhos com tanto amor e dedicação nos momentos da minha ausência. Aos meus filhos gêmeos, Leandro e Heitor, que nasceram durante o mestrado e fizeram, mesmo que tão pequeninos e sem intenção, um dos motivos para eu prosseguir, acreditar que Deus é fiel e nada é por acaso. As minhas irmãs que sempre alegraram a minha vida e meus dias e que, para mim, nunca irão crescer, o meu amor sempre será de irmã mais velha. Aos meus sogros, Maria e Narciso, por me acolherem como filha e por terem colaborado principalmente nos momentos finais e mais difíceis do mestrado. A toda minha família que dividiu comigo os desafios e conquistas dessa caminhada, compreendendo minha ausência nos momentos de dedicação a este trabalho. Agradeço demais a minha orientadora Drª. Andréia, que sempre me incentivou, não permitindo que eu desistisse. Obrigada por todo ensinamento, gentileza e paciência. Às professoras do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e colaboradores da UNESP Franca. À amiga Érika do mestrado, que sempre me ajudou e incentivou em momentos nada fáceis. Obrigada pelas longas horas de conversa até Franca. Às amigas da vida e do coração: Alessandra, Aline, Eliana, Elâine (Nani), Fátima, Neoci, Thais e Valneci, sempre aparecendo no momento exato, como bênçãos enviadas por Deus. Às Assistentes Sociais participantes da pesquisa que, mesmo com tantos desafios, demonstram compromisso e comprometimento com a profissão. As minhas gestoras Edivan e Eliana, e ainda minha coordenadora Livre Docente Lilia, agradeço imensamente pelo apoio, incentivo e por compreenderem minhas dificuldades. Para hoje, somente gratidão! “Não temas, porque estou contigo; não te assuste, porque sou o teu Deus; eu te fortaleço, ajudo e sustento com a minha mão direita fiel”. (ISAÍAS 41:10). SILVA, Ellen Francinne de Oliveira Rossetto. A dimensão educativa no trabalho do assistente social na proteção social básica na perspectiva da cidadania. 2019. 132 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2019. RESUMO O presente estudo busca analisar a dimensão educativa no trabalho do assistente social na proteção social básica na perspectiva da cidadania, tendo como lócus de investigação o município de Cerqueira Cesar, cidade do interior do Estado de São Paulo com 18.716 habitantes. O estudo ocorreu por meio de pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo, com uma base teórica pautada no materialismo histórico dialético. A abordagem utilizada é a qualitativa, utilizando-se também a técnica do grupo focal, seguindo um roteiro de entrevistas com a participação de 8 (oito) profissionais do Serviço Social, trabalhadores da Política de Assistência Social no município, o que permitiu aos participantes utilizar linguagem própria e emitir opiniões. O trabalho contempla algumas reflexões sobre o trabalho do assistente social e a dimensão educativa da profissão, a Política de Assistência Social, seu contexto histórico, a organização do SUAS e a proteção social básica. Traz a análise dos dados a partir das categorias de análise: a) a Política Municipal de Assistência Social no Município de Cerqueira Cesar; b) a dimensão educativa na ótica dos assistentes sociais; c) a dimensão educativa realizada pelo Serviço Social nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e d) a materialização da dimensão educativa na perspectiva da emancipação. Observa-se que há conhecimento da dimensão educativa, mas dificuldades na conceituação e insegurança na análise se a dimensão educativa é realizada de maneira emancipatória e na efetivação da cidadania. A pesquisa reflete sobre a importância do fortalecimento do trabalho profissional na Política de Assistência Social, bem como acerca do desenvolvimento da dimensão educativa nas ações dos assistentes sociais. Palavras-Chave: Dimensão Educativa. Serviço Social. Trabalho Profissional. Assistência Social. SILVA, Ellen Francinne de Oliveira Rossetto. The educational dimension in the work of the social worker in basic social protection from the perspective of citizenship. 2019. 132 f. Dissertation (Master in Social Work) - Faculty of Human and Social Sciences, Paulista State University “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2019. ABSTRACT This study aims to analyze the educational dimension in the work of the social worker in basic social protection from the perspective of citizenship, having as its research locus the municipality of Cerqueira Cesar, a city in the interior of the state of São Paulo with 18,716 inhabitants. The study took place through bibliographic, documentary and field research, with a theoretical base based on dialectical historical materialism. The approach used is qualitative, also using the focus group technique, following a script of interviews with the participation of 8 (eight) Social Work professionals, workers of the Social Assistance Policy in the municipality, which allowed participants to use own language and express opinions. The work contemplates some reflections on the work of the social worker and the educational dimension of the profession, the Social Assistance Policy, its historical context, the organization of SUAS and the basic social protection. It brings the analysis of the data from the categories of analysis: a) the Municipal Policy of Social Assistance in the Municipality of Cerqueira Cesar; b) the educational dimension from the perspective of social workers; c) the educational dimension carried out by the Social Work in the Reference Centers for Social Assistance - CRAS and d) the materialization of the educational dimension in the perspective of emancipation. It is observed that there is knowledge of the educational dimension, but difficulties in conceptualization and insecurity in the analysis if the educational dimension is carried out in an emancipatory manner and in the implementation of citizenship. The research reflects on the importance of strengthening professional work in the Social Assistance Policy, as well as on the development of the educational dimension in the actions of social workers. Keywords: Educational dimension. Social service. Professional work. Social Assistance. LISTA DE QUADROS Quadro 1 Equipe mínima da Proteção Social Básica – CRAS ................ 92 Quadro 2 Perfil Profissional das Assistentes Sociais ............................. 93 Quadro 3 Serviços da Proteção Social Básica no CRAS I - “Recanto dos Pássaros”............................................................ 94 Quadro 4 Serviços da Proteção Social Básica no CRAS II - “Denise Barreto – Nossa Senhora de Fátima”......................... 94 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABAS Associação Brasileira de Assistentes Sociais ACERVI Associação Cerqueirense da Vital Idade APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais APAIC Associação de Proteção e Assistência à Infância de Cerqueira César BPC Benefício de Prestação Continuada CADÚNICO Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CCI Centro de Convivência do Idoso CF/1988 Constituição Federal CFESS Conselho Federal de Assistentes Sociais CMAS Conselho Municipal de Assistência Social CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CNSS Conselho Nacional de Serviço Social CRAS Centro de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRESS Conselho Regional de Assistentes Sociais DRADS Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social DRU Desvinculação de Recursos da União IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LA Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida LBA Legião Brasileira de Assistência LOAS Lei Orgânica de Assistência Social NOB/RH Norma Operacional Básica/Recursos Humanos NOB/SUAS Norma Operacional Básica PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família PBF Programa Bolsa Família PEPSS Projeto Ético-Político do Serviço Social PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIB Produto Interno Bruto PMAS Plano Municipal de Assistência Social PME Pesquisa Mensal do Emprego PNAS Política Nacional de Assistência Social PSB Proteção Social Básica PSC Prestação de Serviços à Comunidade PSE Proteção Social Especial RMA Registro Mensal de Atendimento SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SUAS Sistema Único de Assistência Social UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 CAPÍTULO 1 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL E A DIMENSÃO EDUCATIVA..............................................................................................................21 1.1 A categoria trabalho e a lógica do capitalismo...............................................21 1.2 Apontamentos sobre os fundamentos do Serviço Social no Brasil.............34 1.3 Referenciais teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos do trabalho profissional do Assistente Social............................................................41 1.4 Pedagogia na perspectiva Emancipatória frente às expressões da questão social.........................................................................................................................48 CAPÍTULO 2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL..........................................57 2.1 Trajetória histórica da Política de Assistência Social no Brasil....................58 2.2 O trabalho do Assistente Social no Sistema Único de Assistência Social na perspectiva da cidadania....................................................................................70 2.3 O CRAS como espaço educativo......................................................................76 CAPÍTULO 3 A DIMENSÃO EDUCATIVA E SUA CONTRIBUIÇÃO À CIDADANIA...............................................................................................................89 3.1 A Política Municipal de Assistência Social no município de Cerqueira César..........................................................................................................................89 3.2 A dimensão educativa na ótica dos assistentes sociais..............................96 3.3 A dimensão educativa realizada pelo Serviço Social nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS...........................................................103 3.4 A materialização da dimensão educativa na perspectiva da emancipação...........................................................................................................113 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................118 REFERÊNCIAS........................................................................................................121 APÊNDICES.............................................................................................................128 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.........128 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA GRUPO FOCAL..............................129 APÊNDICE C – AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA............130 14 INTRODUÇÃO A presente pesquisa tem como objeto de análise a dimensão educativa do trabalho do assistente social na proteção social básica na perspectiva da cidadania. O interesse pelo tema da pesquisa surgiu a partir das inquietações do cotidiano profissional desta pesquisadora no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) no município de Cerqueira César/SP, sendo esta a unidade estatal que realiza ações da proteção social básica junto à população usuária da Política de Assistência Social, e um campo de trabalho oportuno e de possibilidades para se desenvolver a dimensão educativa na perspectiva da emancipação, buscando alcançar a cidadania, por meio de ações interventivas que podem iniciar-se desde o atendimento individualizado e, principalmente, em ações coletivas. A partir da experiência vivenciada durante oito anos na função de coordenadora do CRAS, atribuição junto à gestão do território e dos serviços socioassistenciais, ficando distante do trabalho direto com a população, os questionamentos foram aumentado, surgindo hipóteses, de como os assistentes sociais materializavam a dimensão educativa no cotidiano profissional do CRAS. Essas hipóteses surgiram a partir de uma visão empírica e sem embasamento teórico, surgindo o anseio de pesquisar de maneira mais sistematizada em uma apreensão crítica quanto às ações desenvolvidas pelos assistentes sociais. Com a inserção no Programa de Pós-graduação, como aluna do mestrado, foi possível a aproximação com as teorias das ciências sociais e humanas e a concretização da delimitação do objeto de estudo. Assim, esta pesquisa teve como objetivo geral analisar a dimensão educativa no trabalho do assistente social na proteção social básica na perspectiva da cidadania, no município de Cerqueira César, cidade do interior do Estado de São Paulo e traçou três objetivos específicos: a) investigar o entendimento do assistente social acerca da dimensão educativa e se esse entende como arte da sua formação e do trabalho pedagógico emancipatório em uma perspectiva crítica; b) conhecer as ações desenvolvidas com a população usuária em uma perspectiva emancipatória da dimensão educativa; c) identificar as dificuldades e facilidades da dimensão educativa na perspectiva emancipatória. 15 A princípio, a pesquisa foi traçada para ser realizada envolvendo os 22 municípios de pequeno porte I da região administrativa da Diretoria Regional de Assistência Social de Avaré/SP – DRADS. Todos os municípios foram contatados via e-mail com o convite para participação na pesquisa, mas houve adesão ao convite apenas do município de Cerqueira César/SP, o qual sinalizou positivamente para a participação na mesma. A DRADS é um órgão descentralizado que atua por regiões administrativas dentro do Estado de São Paulo, entre suas atribuições está a orientação que deve ser realizada juntos aos municípios, acompanhando os serviços, benefícios, programas da Assistência Social. Especificamente, a DRADS localizada no município de Avaré é responsável por 29 (vinte e nove) municípios, distribuídos em: Pequeno Porte I, um total de 23 (vinte e três) municípios; Pequeno Porte II, um total de 4 (quatro) municípios; Médio Porte, total de 1 (um) município e Grande Porte, também 1 (um) município. Ela é dividida por núcleos, denominados Avaliação e Supervisão, Administrativo, Convênios e Diretoria Técnica e é composta por 9 servidores estatutários. Para a pesquisa, foram convidadas todas as 9 (nove) assistentes sociais que trabalham na Política de Assistência Social do município de Cerqueira César. Entretanto, participaram 08 (oito), tendo em vista que uma das profissionais encontrava-se afastada por licença maternidade. Assim, a amostra intencional definida foi de um total de 8 participantes, sendo: 4 (quatro) assistentes sociais da proteção social básica, 2 (duas) assistentes sociais da área da gestão dos serviços e 2 (duas) da proteção social especial. As participantes são todas do sexo feminino, com idade entre 32 e 49 anos, formação em Serviço Social entre os anos de 1997 e 2017, experiência profissional na política púbica de Assistência Social entre 03 (três) e 24 (vinte e quatro) anos. Optou-se pela participação dos profissionais que compõem não somente a atenção básica (objeto de interesse dessa pesquisa), mas também a proteção especial e as que compõem a gestão, justificando que os demais serviços são fundamentais para avaliação das ações desenvolvidas no CRAS, já que este deve ser um órgão articulador da Política de Assistência Social no território de abrangência das vulnerabilidades sociais dentro do município e deve estar em constante comunicação e parceria junto aos demais serviços ofertados dentro da 16 Assistência Social, realizando a referência e contrarreferência (encaminhamentos, acompanhamentos e atendimentos) para população usuária. O método aplicado na pesquisa foi o materialismo histórico dialético, tendo como ponto de partida a análise dos fatos e a reflexão sobre a realidade apresentada, o qual considera que tudo está sujeito a transformações numa perspectiva de totalidade. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo, cuja abordagem da pesquisa de campo escolhida foi a qualitativa, que propiciou o aprofundamento nas concepções dos participantes, oportunizando maior compreensão dos dados coletados, possibilitando expressar o que sabem, bem como seus sentimentos e emoções, permitindo interação entre o pesquisador e os participantes. O levantamento bibliográfico, através de consultas em livros, sites seguros, revistas e artigos especializados, foi realizado a fim de garantir a base da fundamentação teórica e os procedimentos para a análise dos dados. Os referenciais teóricos utilizados e que proporcionaram a discussão deste tema foram: José Paulo Netto (2005, 2009 e 2008), Marilda Iamamoto (2009, 2013 e 2014), Ivanete Boschetti (2003, 2006 e 2016), Elaine Behring (2003 e 2006), Ivo Tonet (2009 e 2016), Marina Maciel Abreu (2004, 2009 e 2011), bem como outros referenciais, como a Política Nacional de Assistência Social (2004), a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2014) e a Lei Orgânica de Assistência Social (1993 e 2011). A pesquisa documental foi realizada por meio do acesso ao Plano Municipal de Assistência Social do município de Cerqueira César/SP, com a finalidade de compreender as expressões da questão social e a organização dos serviços na rede socioassistencial ofertados à população usuária. O PMAS é dividido em blocos de informações, sendo observados os blocos referentes ao diagnóstico socioterritorial, quanto as situações de vulnerabilidade e risco social existente no município. Outro bloco analisado foi o que contempla a rede de Proteção Social, o qual disponibiliza os serviços socioassistenciais e benefícios do município. A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”/UNESP-Franca. 17 Para a coleta de dados junto às participantes, foi utilizada a técnica de grupo focal, por meio de um roteiro de perguntas e com o auxílio do gravador. Gaskell (2002, p. 79) considera que: os grupos focais propiciam um debate aberto e acessível em torno de um tema de interesse comum aos participantes. Um debate que se fundamenta numa discussão racional na qual as diferenças de status entre os participantes não são levadas em consideração. Anteriormente à realização do grupo focal, as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sinalizando que concordavam com o conteúdo da pesquisa. Salienta-se que a identidade das participantes foi preservada, utilizando-se de letras do alfabeto como: A, B, C, D, E, F, G e H, inserindo as falas das participantes no corpo do texto da dissertação, garantindo e respeitando os procedimentos éticos, mantendo-se o sigilo das identidades de acordo com o Código de Ética da profissão. Para a análise e interpretação dos dados, pautou-se no materialismo histórico, utilizando o método hermenêutico - dialético, pois a fala dos participantes é situada em seu contexto para melhor ser compreendida (MINAYO, 1992). A autora define também três momentos para a pesquisa: exploratória, trabalho de campo e tratamento do material, a qual define alguns passos para sua operacionalização: ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final. Para a ordenação dos dados, fora realizada a transcrição das gravações, a releitura do material e a organização dos relatos. A classificação dos dados partiu do questionamento quanto ao objeto de estudo, a fim de responder a hipótese, com base na fundamentação teórica. E por último a análise final, articulando os dados com os referenciais, observando se as respostas respondem aos objetivos propostos na pesquisa. A interpretação dos dados foi dividida em quatro categorias de análise, sendo elas: a) a Política Municipal de Assistência Social no Município de Cerqueira Cesar; b) a dimensão educativa na ótica dos assistentes sociais; c) a dimensão educativa realizada pelo Serviço Social nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e d) a materialização da dimensão educativa na perspectiva da emancipação. Este trabalho está constituído de 03 capítulos, sendo que no primeiro capítulo intitulado o trabalho do assistente social e a dimensão educativa, trouxe a discussão 18 sobre como o assistente social utiliza de algumas possibilidades para realizar essa dimensão na perspectiva da emancipação, pautando-se no Projeto Ético-Político, por meio de um trabalho crítico da realidade, compreendendo a categoria trabalho na ótica da ordem societária pautada no capitalismo, excludente e de exploração da força de trabalho. Pautou-se em uma discussão da necessidade do trabalho na vida do homem, reconhecendo historicamente as condições de existência e reprodução social dos indivíduos e ainda a atuação do Serviço Social no rompimento de práticas assistencialistas, fortalecido pela teoria marxiana, e compreendendo o Serviço Social enquanto profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, fazendo parte da classe trabalhadora. Entende-se ser de fundamental importância a busca dos aportes teóricos acerca do processo histórico do Serviço Social que perpassou períodos de influência da igreja católica, a fim de garantir a exploração da força de trabalho e a manutenção do capital, períodos de início ao cientificismo da profissão, saindo da influência católica, sem perder o positivismo, mas pautando no discurso desenvolvimentista. Discute-se a importância do Movimento de Reconceituação, que se concretiza finalmente nos anos 1980 com o rompimento com a ação conservadora da profissão, partindo da necessária compreensão da realidade em uma perspectiva de totalidade e adotando a pedagogia da perspectiva emancipatória frente às expressões da questão social, buscando espaços democráticos para concretizar ações que fortaleçam a participação popular, lutando pela garantia da democracia e defesa da cidadania. O trabalho do assistente social, ao realizar a dimensão educativa na perspectiva da emancipação, está atrelado aos referenciais teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos da profissão, sendo importante abordá-los para compreender a base de uma formação profissional crítica, propositiva e interventiva na realidade social, considerando o sujeito em sua totalidade. Os assistentes sociais utilizam da dimensão educativa, em grande parte de suas ações, mas é no campo da emancipação política que se acredita no rompimento da exploração pelo capital, no acesso e garantia dos direitos, no protagonismo enquanto cidadania, conseguindo fortalecer laços coletivos, buscando resultados de esfera individual para o coletivo. 19 O segundo capítulo traz a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), definindo a importância da Assistência Social que surge como uma proposta de política pública de direito, de universalização dos acessos e da responsabilidade estatal, onde as demandas devem ser entendidas a superar a visão reducionista, buscando trabalhar as potencialidades e não as fragilidades da população usuária, em prol da cidadania. A Assistência social surge com um discurso de parceria junto ao Estado, nos aspectos da execução dos serviços, benefícios e programas sociais, por meio de uma participação ativa dos sujeitos, em espaços como as conferências e os conselhos, fortalecendo o controle social e a cidadania. Explica-se nesse capítulo que essa perspectiva nem sempre foi assim, pois sua história é carregada de conservadorismo e de uma doutrina de ajuda aos mais necessitados. Conforme demonstra Faleiros (1997, p.4): [...] conceito de assistência social é carregado de interpretações as mais diversas configurando, por um lado, distribuição de favores, e por outro exercício de direitos, só para destacar uma oposição comum nesse campo. Envolve ainda a denotação de bondade, de piedade, de caridade, de filantropia, de ação voluntária, e hoje, de cidadania. Ao discutir a organização do SUAS e, em respeito às especificidades dos territórios, o capítulo também traz que os assistentes sociais como profissionais de referência do CRAS/SUAS devem influir ações que possibilitem o exercício dos direitos garantidos, mas também propor uma organização da sociedade civil para novas lutas e conquistas. Segundo Potyara (2003), uma das dificuldades da Assistência Social em consolidar a cidadania social, é afiançar direitos num contexto capitalista neoliberal, devido ao seu legado vinculado à pobreza, o qual assegura uma política pobre para os pobres, pois não há lugar garantido para pobres na filosofia do capital. O terceiro capítulo traz os resultados da pesquisa, demonstrando a contextualização da dimensão educativa, a qual está intrínseca ao trabalho do assistente social, pois este exerce uma função pedagógica junto com a população usuária, sendo o CRAS um espaço propício e educativo para tal ação, por meio dos serviços ofertados. Um dos pontos a ser refletido está posto se os usuários dessa política pública conseguem se sentir fortalecidos nesses espaços de participação democrática e se 20 efetivam sua cidadania em tais espaços, percebendo além do acesso ao direito, um processo de empoderamento e autonomia nas decisões que refletem em sua vida cotidiana. Analisando as falas das participantes, pode-se observar como essas materializam as ações e intervenções, a fim de promover uma educação libertadora, de efetivação da cidadania e da autonomia dos sujeitos, bem como a compreensão sobre o tema dimensão educativa. Para findar a pesquisa, realizou-se o levantamento das dificuldades e facilidades, bem como os desafios postos ao cotidiano dos assistentes sociais, dentro da política pública de assistência social do município de Cerqueira César. Com as considerações finais, é possível concluir que a pesquisa contribuiu de maneira satisfatória. 21 1 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL E A DIMENSÃO EDUCATIVA Neste capítulo, é realizada reflexão sobre elementos que possibilitam a compreensão e elucidação da dimensão educativa, fundamental na atuação do Serviço Social enquanto profissão. Destaca-se o Serviço Social enquanto profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, nos mais diversos espaços sócio- ocupacionais. Para isso, são considerados os referenciais teórico-metodológicos, ético- políticos e técnico-operativos, que são as três dimensões inseparáveis e interconectadas que devem permear e orientar o trabalho profissional crítico e comprometido do assistente social, ou seja, a intervenção profissional devidamente orientada pelo projeto ético-político da profissão. Como profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, é necessário pontuar a princípio a categoria trabalho no capitalismo, a contradição capital e trabalho e as manifestações da questão social e a necessidade histórica dessa profissão. 1.1 A categoria trabalho e a lógica do capitalismo O trabalho possui dimensão central na discussão sobre as diversas manifestações da questão social e, portanto, sobre a própria lógica que rege o modo de produção capitalista (IANNI, 1989). Não é uma novidade que o trabalho é central nesta análise, considerando que parte intrínseca ao capitalismo se baseia na exploração capital-trabalho e, portanto, a força de trabalho “livre” é indispensável para a produção da mais valia e da ampliação dos lucros das classes dominantes. Por outro lado, a classe trabalhadora tem papel fundamental na luta por melhores condições de trabalho desde o século XIX na Europa, sendo essa a engrenagem fundamental da luta de classes do capitalismo em suas mais diferentes fases e etapas. Não se trata, assim, de analisar separadamente as categorias trabalho, 22 questão social e capitalismo, mas compreendê-las imbricadas e conectadas para assim obter uma maior aproximação da realidade social desta ordem societária, na qual o Serviço Social está inserido enquanto profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, que não só assume uma postura e conduta profissional de luta a favor dos direitos da classe trabalhadora, mas como também faz parte desta mesma classe trabalhadora assalariada, que necessita vender sua força de trabalho para as classes dominantes, uma vez que não faz parte da elite que detém os meios de produção e se apropria da riqueza produzida socialmente nesse modo de produção. No trabalho, o homem desenvolve capacidades, que passam a mediar sua relação com outros homens. Desenvolve também mediações, tais como a consciência, a linguagem, o intercâmbio, o conhecimento, mediações estas em nível da reprodução do ser social como ser histórico, e, portanto, postas pela práxis. Isso porque, o desenvolvimento do trabalho exige o desenvolvimento das próprias relações sociais e o processo de reprodução social, como um todo, requer mediações de complexos sociais tais como: a ideologia, a teoria, a filosofia, a política, a arte, o direito, o Estado, a racionalidade, a ciência e a técnica (LESSA, 1999; GUERRA, 2000). Tais complexos sociais (que Lukács chama de mediações de “segunda ordem”, já que as de primeira ordem referem-se ao trabalho) têm como objetivo proporcionar uma dada organização das relações entre os homens e localiza-se no âmbito da reprodução social (GUERRA, 2000, p. 8). É fundamental pensar sob o prisma da exploração, categoria importantíssima para analisar as questões do trabalho sob uma ótica marxista. Ao tratar da categoria exploração à luz do pensamento marxiano, é necessário responder alguns questionamentos: o que é o trabalho? Segundo o pensamento marxista, o ser humano tem uma competência diferente dos outros animais, a habilidade de pensar em transformar a natureza para consentir as suas precisões, e com esse trabalho constroem suas relações sociais, portanto o ser social surge através do trabalho. O ser humano extrai da natureza recursos para sobreviver, ou seja, o homem não sobrevive sem natureza. Ao explicar a definição de trabalho, é necessário entender também o conceito de teleologia, pois um está diretamente ligado ao outro, a teleologia é definida como a aptidão do homem em pensar na finalidade do que vai construir, assim, antes de construir, é possível planejar e idealizar sua ação (BONETTI et al., 2012). Por meio do trabalho, é possível a transformação da realidade, pois os 23 homens podem desenvolver as suas potencialidades (MARX, 2017; NETTO & BRAZ, 2008). O trabalho constrói o ser social, visto que o homem ao transformar a natureza também transforma a si próprio e constrói sua comunicação, escrita e as relações sociais. Antes do capitalismo, o homem tirava da natureza apenas o necessário para sobreviver, e o crescimento do capital intensifica também a exploração da natureza. O capitalismo, no entanto, limita e impede a emancipação do homem pelo trabalho, pois o objetivo central deste modo de produção é o acúmulo de riqueza das classes dominantes, em detrimento da satisfação das necessidades humanas (NETTO & BRAZ, 2008). Para Faleiros (2009), antes o trabalho era livre e criativo e, com o capitalismo, o trabalho passa a ser alienado, a produção é em massa, desenfreada e o trabalhador não se reconhece no produto final. Tudo no capital vira mercadoria, inclusive o trabalhador. A palavra “trabalho” possui diversos significados na linguagem cotidiana. Embora seja compreendida frequentemente como uma das formas essenciais da ação dos homens sobre a natureza, o seu conteúdo sofre variações. Segundo Albornoz (1994), o trabalho é, diversas vezes, acionado como um conceito carregado de emoção: similar à dor, à tortura e à fadiga. Em outras ocasiões, mais do que um fardo, o trabalho faz referência à matéria da natureza que é modificada pela ação do homem, tornando-se assim um objeto de cultura. Esta análise baseia- se na noção de que o diferencial do homem para os outros animais é justamente a intencionalidade do seu trabalho: o entendimento de que o homem é um ser social, diferente dos outros animais, que embora trabalhem, o fazem unicamente guiados por seus instintos. Segundo as definições que constam nos dicionários, o trabalho pode ser: aplicação das forças e intelecto humanos para alcançar determinado objetivo. Assim, pode ser uma atividade de caráter físico ou intelectual. A categoria trabalho carrega em si esta ambivalência: atividade e incômodo/realização e esforço. O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem - quaisquer que sejam as formas de sociedade - é necessidade natural de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana (MARX, 2017, p. 50). Embora alguns trabalhos sejam preponderantemente intelectuais, enquanto outros são preponderantemente físicos, essa divisão não é assim tão rígida. Isto, 24 porque, um pedreiro precisará usar sua inteligência para planejar suas ações, enquanto o intelectual precisará usar seu corpo e seus músculos para escrever um texto. O trabalho será sempre mais nítido quanto mais explícita for a intenção e a direção do esforço. O trabalho aparece e possui significado ativo de um esforço afirmado para a realização de determinados objetivos. Para ela, o objetivo realizado pode ser denominado trabalho: “trabalho é o esforço e também o seu resultado: a construção enquanto processo e ação, e o edifício pronto.” (ALBORNOZ, 1994, p.12). Os homens trabalham guiados por sua consciência, que se sobrepõe aos instintos, planejando suas ações para alcançar o objetivo almejado, é possível afirmar que esse trabalho é realizado “com intenção e instrumento” (ALBORNOZ, 1994). A utilização dos instrumentos e divisão social do trabalho na humanidade são mais complexos que os encontrados entre outros animais. Embora, para todos os animais, a motivação de suas ações primeiramente possa ser a sobrevivência. Posso parar de fazer o que estou fazendo, embora seja um servo, embora não me seja reconhecido o direito de greve, ou embora venha a sofrer por causa deste meu gesto. Posso também fazer meu trabalho de muitas maneiras diferentes, se a máquina não o programar assim como o instinto faz com os outros animais. (ALBORNOZ, 1994, p.12) Para Albornoz (1994), há um significado social muito forte a ser identificado na categoria “trabalho” que diz respeito à noção de que o mesmo deve ser compreendido como a realização de uma obra que expresse o sujeito que o planeja e executa, e proporcione uma espécie de realização social que permaneça para além da própria vida desse homem. Essa análise deve ser compreendida à luz da noção que identifica o trabalho como algo que deve estar atrelado à emancipação humana. Por outro lado, também remete à noção de esforço rotineiro e repetitivo: sem liberdade, e concebido como um incômodo inevitável. O trabalho é considerado categoria central para a análise do fenômeno humano-social (NETTO & BRAZ, 2008, p. 29). A categoria trabalho é necessária e fundamental para uma compreensão do processo de constituição do ser social. Para Marx (2017, p. 211), o trabalho pode ser definido como “um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a 25 natureza”. E, conforme Netto e Braz (2008, p. 32), “o trabalho é uma atividade projetada, teleologicamente direcionada, ou seja: conduzida a partir do fim que foi proposto pelo sujeito”. Para Frigotto (2001), o trabalho pode ser identificado como a práxis humana e, através da centralidade dessa categoria, é possível analisar fenômenos sociais preocupantes como o subemprego, exclusão social, desemprego e trabalho informal – temas que serão tratados nos próximos tópicos deste trabalho. A centralidade do trabalho na vida social foi longamente debatida por estudiosos ao longo do tempo. Hannah Arendt (2009) elabora algumas críticas sobre a noção de trabalho definida por Marx e reflete sobre a lógica da emancipação humana via trabalho. Sua tese é de que houve uma vitória do homo laborans na modernidade, assim o primado do trabalho teria sido concretizado sobre as outras formas de atividade humana. No entanto, Arendt afirma que na era moderna, essa centralidade do trabalho não alcançou uma emancipação humana. A emancipação do trabalho não apenas não criou uma espécie de “liberdade para todos”, “mas acabou por submeter à necessidade, pela primeira vez, toda a humanidade” (ARENDT, 2009, p.113). Assim, as concepções de trabalho estão permeadas por análises que o afirmam enquanto via para a emancipação dos sujeitos, ao mesmo tempo em que ocorrem limitações impostas pelo lugar que o trabalho ocupa nas sociedades contemporâneas, sobretudo capitalistas, como serão tratados posteriormente. Nos últimos 200 (duzentos) anos, o capital produtivo passou por profundas transformações no que diz respeito ao modelo de produção e acumulação e, consequentemente, a esfera denominada como mercado de trabalho também sofreu modificações. Relação aprofundada a partir da discussão iniciada por Frederick Hegel e Karl Marx no seu renomado livro “O Capital” de 1867, considerada leitura obrigatória dentro da contextualização sobre os meios de produção, a mão de obra e o Estado, sendo este último criticado pelos filósofos por defender e proteger os interesses das classes dominantes (VAISMAN, 2006). Nas primeiras décadas do século XX, o tema trabalho volta a ser o centro das discussões globais, devido à Depressão Econômica de 1929 que levou a taxas elevadas de desemprego e à queda do Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países. Tal situação levou muitos trabalhadores à exclusão do exercício laboral, que 26 só se estancou durante a Segunda Guerra Mundial que fomentou a indústria bélica gerando postos de trabalho. É relevante ressaltar que a crise de 1929 se configura como a primeira grande crise do modo de produção capitalista. As crises no capitalismo são estruturais e cíclicas, sendo assim, é possível compreendê-las como inerentes ao próprio processo de acumulação capitalista. Diversas outras crises se instauraram no mundo capitalista após a década de 1920, sendo a mais recente a crise de 2008, desencadeada nos Estados Unidos e que causou impactos em diversos países, inclusive no Brasil. A partir da pós-industrialização, a história contemporânea do trabalho ganha novos enredos, sobretudo a brasileira que passou por profundas transformações no seu capital produtivo, que se intensificou na Terceira Revolução Industrial em meados da década de 1970. Nessa época, havia uma força de trabalho muito grande, ávida pelo consumismo de bens duráveis como casas e veículos. Esse momento marca a mudança global no mundo do trabalho, trazendo inovações radicais para a sociedade. Varela e Pereira (2018) colocam que “o mundo virou-se de alguma forma de pernas para o ar. Há uma mudança política, econômica, geográfica, laboral e consequentemente social como não acontecia desde o final da II Guerra Mundial, em 1945”. Concomitantemente, havia em curso o avanço do Neoliberalismo, que se sedimenta no Brasil nos anos 1990. O ideário neoliberal carrega consigo um modelo de contrarreforma, que impacta fortemente o campo da proteção social, agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade daqueles que sofrem com o desemprego (BEHRING & BOSCHETTI, 2006). A década de 1980 é marcada por um salto tecnológico que causa impactos profundos no mundo do trabalho (ANTUNES, 2006): a automação, robótica e microeletrônica são incorporadas à produção fabril e causam intensas transformações nas relações de trabalho e na produção do capital. O fordismo e o taylorismo – modelos de produção em massa marcados pelo trabalho rotineiro e cronometrado pelas esteiras fabris – já não são os únicos e entrelaçam-se com novos modelos de produção: neofordismo, neotaylorismo, pós-fordismo. (ANTUNES, 2006). 27 A tendência da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto é apontada por pesquisadores como um elemento a ser destacado: as capacidades intelectuais estão cada vez mais sendo deslocadas para os equipamentos tecnológicos. Além disso, há uma expansão do trabalho no setor de serviços, que são esferas não diretamente produtivas, e remetem a uma “noção ampliada de trabalho”. Para Antunes (2000), a “classe-que-vive-do-trabalho”, forma como ele denomina a classe trabalhadora contemporânea, é hoje formada por trabalhadores produtivos e improdutivos. Os improdutivos são aqueles que atuam no setor de serviços que atendem aos capitalistas ou mesmo ao uso público, e são assim denominados pelo autor por não constituírem “elemento vivo do processo de valorização do capital e de criação de mais-valia”. Este trabalho é consumido como valor de uso, embora não crie valor de troca. Além da transformação do trabalho vivo em trabalho morto, há ainda outra tendência caracterizada pela crescente imbricação entre trabalho material e imaterial, uma vez que se presencia, no mundo contemporâneo, em seus setores mais avançados, a expansão do trabalho dotado de maior dimensão “intelectual” (no sentido dado pela produção capitalista), quer nas atividades industriais mais informatizadas, quer nas esferas compreendidas pelo setor de serviços ou nas comunicações, entre tantas outras. A expansão do trabalho em serviços, em esferas não diretamente produtivas, mas que muitas vezes desempenham atividades imbricadas com o trabalho produtivo, mostra-se como outra característica importante da noção ampliada de trabalho, quando se quer compreender o seu significado no mundo contemporâneo. (ANTUNES, p.13, 2006) Os novos processos de trabalho e de acumulação capitalista pautados na lógica da flexibilização do trabalho e da produção impactam de forma contundente o mundo do trabalho. Esses novos processos de trabalho emergem, aliados às novas formas de acumulação capitalista, onde a produção em massa cronometrada pelas esteiras fabris dá lugar a novos padrões de produtividade. A flexibilização da produção surge como uma nova forma de atender a lógica capitalista e traz consigo uma série de transformações nas relações entre capital e trabalho (ANTUNES, 2006; BEHRING & BOSCHETTI, 2006). O toyotismo surge como um dos mais significativos exemplos de um modelo de flexibilização da produção. Assim, têm-se novos padrões de gestão da força de trabalho – a “gestão participativa” e o “trabalhador polivalente” – e uma busca pela 28 “qualidade total”. A produção em massa cede lugar à produção de acordo com a demanda – “Just in time”. O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se a sua nova fase (ANTUNES, p. 43, 2006). Essa nova fase do capitalismo demanda um novo tipo de trabalhador, forjando, dessa forma, uma lógica de participação “dentro da ordem e do universo da empresa” e, gradativamente, substitui e/ou retira os direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora. Como diversos pesquisadores apontam, o desemprego estrutural favorece esta lógica de retirada/redução dos direitos dos trabalhadores: frente à crise financeira e do mundo do trabalho, o poder de negociação da classe que necessita vender sua força de trabalho para sobreviver, sofre impactos negativos significativos, favorecendo a classe minoritária dominante que detém os meios de produção. O processo de incorporação de novas tecnologias associado às novas formas de gestão da produção constituem uma tendência global irreversível no mundo capitalista. Diversos países vivenciam essa realidade, inclusive o Brasil, onde também é possível identificar as características do processo de “modernização produtiva” com todas as suas consequências e desdobramentos (FERRETTI; ZIBAS; MADEIRA & FRANCO, 1994). No campo das relações de trabalho, sob os signos do neoliberalismo e pós- modernismo, assume-se aquilo que diversos autores vêm dominando como “novlangue” (uma nova língua). Têm-se as origens das teses que apontam para o fim do trabalho, a não centralidade do trabalho, sociedade pós-industrial, sociedade do conhecimento, empregabilidade, laborabilidade (FRIGOTTO, 2001). No Brasil, essas alterações foram desde a utilização de novas tecnologias desconhecidas pelos trabalhadores acostumados com equipamentos rudimentares, às vezes utilizados até como experimentais, às lutas por mudanças na legislação trabalhista, garantindo mais direitos e deveres aos trabalhadores. Porém, a exigência por profissionais mais capacitados e com formação educacional básica foi 29 o desenvolvimento que mais exigiu desanuviamento por parte da sociedade. Sousa Júnior e Lima (2016, p. 123) colocam que: [...] as mudanças trouxeram reflexos não só para as empresas e trabalhadores, mas também para o sistema educacional, que buscou meios de oferecer formação escolar e profissional para os trabalhadores que retornavam ao ambiente escolar. Nesse movimento que alterou tantas estruturas no mercado de trabalho, a exigência para se conseguir uma vaga de emprego se transformou e aquele empregado que ficava anos em uma companhia, galgava cargos de liderança sem mesmo ter o ensino fundamental (competências básicas de matemática e leitura), pautado apenas na experiência profissional, teve que lidar com um modelo chamado de plano de cargos e salários que determinava que cada cargo ofertado exige níveis de escolaridade. Na contemporaneidade, o mercado de trabalho traz maiores exigências no que diz respeito àquilo que se convencionou chamar de “qualificação” do trabalhador. Para Machado (1996), é problemático que tantas vezes este termo – qualificação – apareça sem embasamento teórico que o defina, evidenciando, assim, uma visão taylorista-fordista da produção. Essa falta de explicitação teórico- conceitual da categoria “qualificação” evidencia uma visão “reificada e essencialista”, que não leva em conta os processos históricos inerentes ao mundo do trabalho. É preciso realizar uma análise para além da dicotomia qualificação/desqualificação, que não dá conta das especificações internas dos processos produtivos. Como destacado anteriormente, as desigualdades sociais e o desemprego são oriundos do modo de produção capitalista. No entanto, na medida em que o emprego passa a ser concebido como um “direito de integrar-se ao consumo, à vida e ao futuro, firma-se a ideia de que se o mercado privado não oferece emprego, o Estado tem a obrigação de fazê-lo” (FRIGOTTO, 2001, p. 76). Diante de um cenário de crise e desemprego, os governos precisam elaborar estratégias para auxiliar no desenvolvimento do mercado, criando ações e programas de capacitação profissional que incentivem e possibilitem que os trabalhadores retornem ao ambiente escolar. Nas últimas décadas, essas formações se expandiram pelo Brasil, chegando inclusive às zonas rurais, indígenas e quilombolas. 30 A pesquisa mensal do emprego (PME), produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013), mostrou o panorama da população economicamente ativa, sobretudo dos trabalhadores formais, e revelou uma melhora tímida na escolaridade dos profissionais do setor privado com 11 anos ou mais de estudo, que aumentou 1,4% em comparação com 2011, mas com um aumento de 15,2% com relação ao primeiro ano da pesquisa 2003. Esse crescimento reflete os esforços governamentais (mesmo com a eficácia sendo discutida entre pesquisadores) e da exigência do próprio mercado que fez com que a população geral melhorasse a escolaridade. Esse crescimento da seletividade e exigências sobre os trabalhadores aumentou a competitividade no mercado, onde o trabalho deixou de ser uma questão de sobrevivência ou apenas o direito de trabalhar e passou a ser visto como status social, devido ao aumento do consumo das famílias. Isto remete à noção de “sociedade salarial” de Castel (1997), segundo a qual o trabalho/emprego possui uma função que está para além da mera sobrevivência, contribuindo e definido uma determinada inserção social na escala salarial. Compreende-se assim, que o trabalho atrelado à ideia de emprego e principalmente à de salário, possui função determinante no que diz respeito ao lugar social que o sujeito ocupa na sociedade salarial. O salário deixa de ser uma simples remuneração da força de trabalho na sociedade capitalista para dar lugar a um elemento que é formador da identidade social desse trabalhador. Para alguns teóricos, essa ideia explicaria, inclusive, a desmobilização da categoria “classe trabalhadora” que, cada vez mais segmentada e pulverizada, não só não se reconhece como classe única como, de fato, não se constitui como tal devido à significativa heterogeneidade interna. Para Teixeira (2003), o Brasil não tem registro de mudanças tão significativas na gestão do trabalho como as ocorridas nas últimas três décadas. O amplo processo de transformações que hoje caracteriza o mundo do trabalho tem contribuído para redefinir o perfil profissional dos trabalhadores e, assim, tem exercido fortes impactos sobre o campo educacional, traduzindo-se em novas diretrizes para a formação profissional, em consonância com requisitos que passaram a ser exigidos dos trabalhadores (TEIXEIRA, 2003, p. 55). 31 Essa busca pelo conhecimento centralizado voltado para que as pessoas encontrem melhores condições de trabalho, convencionou-se de chamar de “empregabilidade”: termo definido pelo dicionário Aurélio como a “capacidade para arranjar um emprego ou para se adequar profissionalmente a um emprego” (FERREIRA, 2009). Na mesma linha de entendimento, De Masi (2006) assevera que “são os trabalhadores que investem todas as suas energias na carreira”, e foi fundamentado neste contexto - que é, sobretudo, neoliberal - que os governos passaram a negar a ideia de que o Estado é responsável por disponibilizar vagas de emprego, relegando, muitas vezes, essa questão a uma esfera individual. No contexto de desemprego estrutural, a função da escola passa a ser, cada vez mais, garantir “a empregabilidade ou a formação para o desemprego” (FRIGOTTO, 2001, p. 81). Observa-se que já não há mais política de emprego e cada vez menos perspectivas de carreira. Ao tratar a questão do trabalho/emprego na esfera individualizante, a noção de indivíduos empregáveis ou não empregáveis ganha força e novos contornos. Há, cada vez mais, uma educação voltada para a nova divisão do trabalho, em detrimento de uma educação que atue numa perspectiva de emancipação da classe trabalhadora (FRIGOTTO, 2001). Especificamente sobre o Serviço Social, torna-se fundamental destacar e acentuar que se trata de uma profissão inscrita socialmente na divisão do trabalho e, uma vez se configurando enquanto um profissional liberal e assalariado, possui especificidades em sua atuação em decorrência dessa natureza. Para compreender essa questão, algumas reflexões sobre o processo de trabalho do assistente social são fundamentais, pois através desse se pode alcançar a finalidade do trabalho executado e disso depende uma diversidade de condições objetivas e também subjetivas. Neste âmbito, o processo de trabalho é compreendido como um conjunto de atividades prático-reflexivas voltadas para o alcance de finalidades, as quais dependem da existência, da adequação e da criação dos meios e das condições objetivas e subjetivas. Os homens utilizam ou transformam os meios e as condições sob as quais o trabalho se realiza modificando-os, adaptando-os e utilizando-os em seu próprio benefício, para o alcance de suas finalidades. Este processo implica, pois, em manipulação, domínio e controle de uma matéria natural que resulte na sua transformação. Este movimento de transformar a natureza é trabalho. Mas ao transformar a natureza, os homens transformam-se a si próprios. Produzem um mundo 32 material e espiritual (a consciência, a linguagem, os hábitos, os costumes, os modos de operar, os valores morais, éticos, civilizatórios), necessários à realização da práxis (GUERRA, 2000, p. 2). Assim, compreendendo a dimensão de centralidade que o trabalho assume na humanidade e suas particularidades diante do modo de produção capitalista, que não permite a emancipação humana em sua abrangência e totalidade, é possível refletir acerca do trabalho específico do Serviço Social. Por isso é importante, na reflexão do significado sócio-histórico da instrumentalidade como condição de possibilidade do exercício profissional, resgatar a natureza e a configuração das políticas sociais que, como espaços de intervenção profissional, atribuem determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao exercício profissional. A este respeito, considerando a natureza (compensatória e residual) e o modo de se expressar das políticas sociais (como questão de natureza técnica, fragmentada, focalista, abstraída de conteúdos econômico-políticos) estas obedecem e produzem uma dinâmica que se reflete no exercício profissional através de dois movimentos: 1) interditam aos profissionais a concreta apreensão das políticas sociais como totalidade, síntese da articulação de diversas esferas e determinações (econômica, cultural, social, política, psicológica), o que os limita a uma intervenção microscópica, nos fragmentos, nas refrações, nas singularidades; 2) exigem dos profissionais a adoção de procedimentos instrumentais, de manipulação de variáveis, de resolução pontual e imediata. (GUERRA, 2000, p. 8) Assim, compreende-se que para esta reflexão sobre o trabalho do Serviço Social é fundamental levar em consideração a práxis e o trabalho socialmente construído pela categoria profissional ao longo das últimas décadas no Brasil. A noção de instrumentalidade é fundamental para compreender não só o trabalho em si, mas também as diversas dimensões da prática profissional do assistente social. Conforme aponta Iamamoto (2009), não se pode deixar de considerar como um elemento indispensável para a análise da prática profissional no Serviço Social a dimensão de trabalhador assalariado que a profissão assume. Isso revela uma condição de relativa autonomia e reafirma a necessidade de que haja estatutos legais e também éticos que possam regulamentar socialmente a atividade profissional. A autonomia do profissional de Serviço Social é sempre tensionada pela compra e venda da força de trabalho. O significado social do trabalho profissional do assistente social depende das relações que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os quais personificam funções diferenciadas na sociedade. Ainda que a natureza qualitativa da especialização do trabalho se preserva nas várias inserções ocupacionais, o significado social de seu processamento não é 33 idêntico nas diferenciadas condições em que se realiza esse trabalho porquanto envolvido em reações sociais distintas (IAMAMOTO, 2009, p. 215). Como mencionado anteriormente, as profissões contemporâneas dependem, necessariamente, de uma formação anterior que o sujeito adquire para exercer determinadas atividades e funções, no entanto, o mercado de trabalho, tal como é conhecido na contemporaneidade no modo de produção capitalista, trata de desenhar o perfil profissional que julga necessitar para ter seus interesses atendidos. É dessa forma que o mercado de trabalho promove processos de seleção acirrados, onde os mais “aptos” são identificados para atender às necessidades do empregador. O processo acima descrito se configura no mundo do trabalho contemporâneo, conectado aos princípios do modo de produção capitalista e a reestruturação produtiva se encontram em uma dimensão de fragmentação do saber. Esta fragmentação do saber serviu para atender as expectativas e necessidades do modo de produção capitalista em certa medida. As relações sociais voltadas, sobretudo, para as relações de produção, deram conta de produzir sujeitos cada vez mais especializados. No entanto, diversas complexidades da produção não podiam ser atendidas completamente por esses profissionais. Embora durante um longo período tenha-se acreditado que o conhecimento dos trabalhadores deveria ser exclusivamente desenvolvido no âmbito da produção e para atender as necessidades capitalistas, a ordem societária acabou por revelar complexidades que justificaram a necessidade de um intenso aprofundamento de estudos sobre essa sociedade. O mercado contemporâneo reconhece a necessidade do trabalhador multifuncional e com capacidade para trabalhar em equipe. Muito se discute na área do Serviço Social sobre a precarização do emprego como uma das facetas da questão social, e a polivalência ou flexibilização do trabalho, como uma das consequências dessa precarização. Contudo, é do conhecimento dos profissionais do Serviço Social que para intervir em uma realidade, antes de tudo é necessário conhecê-la. A competência para o pensamento diversificado, bem como para o exercício de diversas funções, além da capacidade para o inter-relacionamento, constitui-se em uma possibilidade para a construção do conhecimento sobre a realidade do trabalho (FRIGOTTO, 2001, p. 44). Tom Dwyer realizou um estudo sobre o trabalho, na década de 1990, onde pretendeu realizar uma “anatomia do trabalho”. Tal Grupo de Trabalho tinha como 34 objetivo trabalhar atrelado a uma lógica interdisciplinar para, dessa forma, atender diferentes disciplinas que visassem dissecar o trabalho, possibilitando uma interpretação completa e multifacetada. Dwyer notou que a lógica que rege a reestruturação produtiva provocava uma significativa desordem nas disciplinas clássicas de “anatomia do trabalho”, onde “a premissa principal que apoia este esforço de construção teórica, é que o isolamento entre as disciplinas está impedindo o amplo entendimento do mundo do trabalho” (FRIGOTTO, 2001, p. 44). A reestruturação produtiva transforma as relações sociais de trabalho e exige profissionais capacitados para atuarem nessas novas relações. Nesse sentido, tanto podem transformar-se as grades curriculares das escolas e universidades, na busca de melhor preparar o profissional demandado pelo mercado de trabalho como também transformam-se a construção de equipes de departamentos nas instituições, a fim de que tais equipes atuem de forma a responder as questões apresentadas nas relações sociais contemporâneas (FRIGOTTO, 2001, p. 155). A reestruturação produtiva transforma as relações sociais de trabalho baseada na busca frequente pela ampliação das margens de lucro do capital. Dessa forma, exige também profissionais cada vez mais capacitados e especializados para atuarem nessas novas relações. A especialização aqui adquire um sentido que não mais é estrito a uma atuação específica em determinada atividade ou função, uma vez que o trabalhador pós-reestruturação produtiva é justamente aquele considerado “polivalente”, e que adquire múltiplas faces e pode dar conta das mais diversas demandas no seu espaço sócio-ocupacional (ANTUNES, 2000). 1.2 Apontamentos sobre os fundamentos do Serviço Social no Brasil Como visto anteriormente, há relação intrínseca entre trabalho, manifestações da questão social e capitalismo sendo discutido, entre outras questões, que as desigualdades sociais e o desemprego são oriundos do modo de produção capitalista. E o Serviço Social, historicamente, trabalha com a população usuária nas diversas refrações da questão social. Como e quando nasce a profissão de Serviço Social no Brasil? Em que contexto social, político e histórico? A quem serve? 35 O Serviço Social, no Brasil, nasce na década de 1930, em resposta à evolução do capitalismo e seus desdobramentos, sob a influência europeia e fortemente respaldado pela igreja católica. Em 1940, período das protoformas do Serviço Social, que diz respeito ao período que antecede a regulamentação da profissão, quando a mesma ainda estava intimamente ligada à Igreja Católica e à lógica da caridade, a pobreza era criminalizada e vista como caso de polícia. O código de menores de 1927 conformou um dos primeiros espaços de trabalho para as Assistentes Sociais, que atuavam como auxiliares dos comissários de menores. Assim, o Serviço Social até a década de 1940 possuía um caráter de assistencialismo com bases na filantropia e caridade. Ao tornar-se uma profissão de interesse da Burguesia e do Estado, o Serviço Social se institucionaliza e deixa o caráter missionário para ir ao encontro dos ideais burgueses, a favor do capital. O profissional era chamado para controlar a força de trabalho, por meio da mediação, como forma de garantir a exploração dessa força de trabalho e manutenção do capital, porém esse processo de acúmulo de capital agravou a questão social, havendo assim a necessidade de novas técnicas para a prática do Assistente Social. Neste período – entre as décadas de 1940 e 1950 – o Serviço Social brasileiro recebeu grande influência norte-americana e do positivismo. A visão hegemônica era de que era necessário desenvolver métodos e técnicas para a consolidação da categoria enquanto profissão, deixando para trás o passado marcado pela caridade. Assim, sob influência de Mary Richmond, o Serviço Social brasileiro passa a trabalhar com as noções de grupos, casos e comunidades, extremamente marcados por um pensamento que individualizava as expressões da questão social (CASTRO, 2003). Nos anos 40, surgem os métodos importados dos Estados Unidos, Serviço Social de Caso e, ainda que este predomine, também há espaço para a abordagem grupal, com o Serviço Social de Grupo, cujo enfoque de ambos é a recurso das dificuldades pessoais, de relacionamento e de socialização. Só nos anos 60, o Serviço Social no Brasil amplia seu campo de atuação para o chamado Serviço Social de Comunidade, legitimando com esta forma de intervenção o atendimento do projeto de influência norte- americano. (PIANA, 2009, p. 91) 36 Com a influência dos Estados Unidos, o Serviço Social começa a ter uma parte cientifica, o foco passa a ser alinhar os desajustados. Nessa época estava no governo do presidente Juscelino Kubitschek, com propostas de grandes investimentos na estrutura e desenvolvimento, financiado pelos Estados Unidos. O destaque para o Serviço Social estava na influência da escola norte americana, Mary Ellen Richmond, do neotomismo junto ao positivismo e a prática profissional era baseada na experiência sem uma teoria científica. Nesse período, os Estados Unidos ofereceram bolsas de estudos para capacitação profissional com o intuito de operacionalizar as ações (racionalização profissional), de forma mecânica, alienada e sem questionamento (BONETTI et al., 2012). Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a (re)construção mundial em favor da socialdemocracia. No que se refere à profissão, é possível apontar o Serviço Social de Comunidade, início da base científica, passando os limites do bloco católico, porém ainda com o caráter positivista, incorporando o discurso desenvolvimentista: “se o Estado cresce, a população também cresce”. Nessa época, o Serviço Social também começa a frequentar os congressos, o que o aproximou de uma posição mais crítica, mesmo que a neutralidade ganhasse como posicionamento (FREITAS & RIBEIRO, 2014, p.43). Em 1947, houve a aprovação do primeiro código de ética do Serviço Social pela Associação Brasileira de Assistentes Sociais (ABAS) no qual dizia “moral ou ética caracterizada como a ciência dos princípios e das normas que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal” (BONETTI et al., 2012, p.28). Na década de 1960, houve o aumento das lutas das classes trabalhadoras e, em 1964, ocorre o golpe contrarrevolucionário, no Brasil e toda América Latina, uma das maiores expressões do comando dos Estados Unidos no Brasil, contra a mobilização dos trabalhadores para um levante dos partidos de esquerda. Este período chamado de contrarrevolução preventiva por José Paulo Netto (2005) desencadeou para a ditadura militar no Brasil e disseminou a ideia de “Anos Dourados” necessária para o desenvolvimento do país, com o apoio da mídia que teve um papel fundamental para implantação das ideias ditatoriais. Nesse período, o Estado manteve os interesses a favor da burguesia, e as expressões da questão social continuavam a serem vistas como caso de polícia (NETTO, 2005). A tomada de poder pelos militares, em abril de 1964, teve como objetivo prevenir a disseminação de ideias comunistas, e garantir a hegemonia do poder 37 capitalista, como uma forma de controle, disciplina, repressão. O governo comandado por militares procurou adequar o capitalismo nacional aos padrões internacionais, com a concentração do poder nas mãos da burocracia civil e militar e acabou minando as tendências ou os movimentos revolucionários pela força. O Serviço Social ainda trabalhava de forma conservadora e não reflexiva. Entretanto, a pressão conservadora não impediu o começo da reformulação do Serviço Social e o questionamento à questão social (NETTO, 2009). O lado positivo foi a aproximação do Serviço Social com a classe trabalhadora, início do questionamento profissional. A visão de comunidade começa a ser questionada. Entre o final de 1950 e começo de 1960, inicia-se o Movimento de Reconceituação em toda América Latina. José Paulo Netto (2005) descreve o Movimento de Reconceituação a partir de três eixos: a modernização do Serviço Social, a reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura. O Serviço Social, nesse momento, rompe com a visão de separar a teoria da prática, liberta uma prática reflexiva e questionadora, compreende a história da profissão e questiona seu posicionamento. Entende que o Estado está a favor do Capital, e começa a exigir que o Estado atenda às necessidades da população. Apesar do caráter repressor do período ditatorial, ela possibilitou caminhos para a classe subalterna lutar pelas suas condições, fortalecendo a organização de luta de classes (IAMAMOTO, 2009). As décadas de 1960 e 1970 foram marcos para manifestações políticas revolucionárias e os assistentes sociais voltaram a revisar suas bases teóricas e referenciais éticos (NETTO, 2009). Em 1957, é aprovada a Lei de Regulamentação da profissão no Brasil e seu decreto em 1962. Logo em seguida, foram organizados os conselhos (Conselho Federal de Assistentes Sociais - CFESS e os Conselhos Regionais de Assistentes Sociais - CRESS) responsáveis por fiscalizar o exercício profissional. Os conselhos seguiram o mesmo conservadorismo profissional da época, eram responsáveis por inspecionar e cobrar as taxas dos profissionais inscritos e tal conservadorismo também estava presente nos Códigos de Ética de 1965 e 1975, apesar de ter havido mudanças e já trazerem em seu bojo uma modernização do conservadorismo (BONETTI et al., 2012). 38 Em meio a toda essa repressão da ditadura, acontece este momento importante para o Serviço Social ao potencializar o movimento de Reconceituação Latino Americano, início da articulação das bases para revisão das teorias. As Vertentes “modernizadora conservadora” e “renovação do conservadorismo”, modernização das técnicas e métodos sem o questionamento, mas já a vertente “intenção de ruptura” foi o marco do Serviço Social no contato com a teoria marxista, fundamental para o amadurecimento teórico-metodológico da profissão, e um novo posicionamento crítico sobre a questão social (CASTRO, 2003). A vertente modernizadora tem seu auge na segunda metade dos anos 1960, expressa nos documentos de Araxá e Teresópolis, constituindo-se o esforço para adequar o Serviço Social à autocracia burguesa, às exigências do capital, defendendo a manutenção da ordem societária (CASTRO, 2003). O Serviço Social deveria se envolver de maneira a fortalecer o processo de desenvolvimento e com seus referenciais e instrumentos deveria contribuir com a ordem sociopolítica instituída com a Ditadura Militar. Essa perspectiva incorpora a teoria e continua a sustentar o modelo conservador. A partir de meados dos anos 1970, a hegemonia dessa perspectiva se enfraquece junto com a crise da autocracia burguesa (NETTO, 2008). A vertente de reatualização do conservadorismo ocorreu na segunda metade dos anos 1970, buscou a vinculação da prática do Serviço Social às dimensões da subjetividade, com intervenção individualista, o Serviço Social no psicossocial (YAZBEK, 2009). Segundo Bastos (2013) esse foi um período marcado pelo pensamento ligado à fenomenologia, que é pautado em uma compreensão dos problemas sociais como meramente individuais e sem qualquer vinculação com a realidade macrossocial. Ou seja, não enxerga o indivíduo como um produto do meio, analisando as expressões da questão social como problemas individuais. No Brasil, o questionamento da ética tradicional não foi objeto de todas as vertentes que emergiam desse processo, visto que ele só se expressou em 1986 na formulação do Código de Ética, impulsionado pela corrente que procurou romper com o tradicionalismo do Serviço Social. (BARROCO, 2008, p. 40) A autora afirma que tanto a vertente “modernizadora conservadora” como a vertente “renovação do conservadorismo” não tratavam a ética como assunto 39 relevante e importante para a profissão, pois em ambas não havia o rompimento do conservador, não relacionava a ética ao antagonismo do sistema capitalista e suas expressões nas desigualdades sociais, não havia um posicionamento a favor da classe trabalhadora. A década de 1970 para 1980 marca um importante momento na evolução do Serviço Social, na luta contra o conservadorismo, que servira de base para a formulação do projeto ético-político. Os anos 1980 e 1990 foram essenciais para o Serviço Social crítico brasileiro com a adoção do referencial marxista e ruptura do conservadorismo, marcado pela produção teórica, reconhecimento da pesquisa e inserção do espaço interdisciplinar (NETTO, 2009). A vertente caracterizada pela intenção de ruptura teve seu marco nos anos 1980, e o Serviço Social propôs romper com a herança teórica metodológica do pensamento conservador para uma compreensão histórica da realidade social, abrindo espaço para a crítica e o questionamento da profissão contra o conservadorismo. Mesmo com essa inserção na perspectiva marxista, ainda não ocorre a ruptura total das vertentes anteriores, que permeiam a profissão até os dias de hoje (IAMAMOTO, 2009). Em 1975, ocorre a reformulação do Código de Ética do Serviço Social mantendo a herança moral do Código de Ética de 1947, e não houve mudanças significativas. Em 1979, o “Congresso da Virada” possibilitou o questionamento das bases do Serviço Social e a necessidade da construção de um novo projeto ético- político, com a mobilização de profissionais e estudantes de Serviço Social (NETTO, 1996). A partir da década de 1980, ocorreu a abertura política do Brasil, avanços da democracia, da compreensão da teoria marxista, a favor da classe trabalhadora. Em 1986, houve a construção de um novo Código de Ética do Serviço Social que colocava a profissão a favor da classe trabalhadora, focada no conhecimento crítico para superação da questão social, porém ainda existia o problema da ética subordinada à política, ou seja, o Código de 1986 era insuficiente e apresentava dificuldades no cotidiano profissional (BONETTI et al., 2012). Na década de 1990, o tema da ética surge em publicações, debates e na mídia. A promulgação de documentos normativos garantiu os direitos e os deveres profissionais, sendo que os principais documentos que validaram a profissão contra o assistencialismo, o clientelismo e o conservadorismo foram a Lei de 40 Regulamentação da Profissão de 1993, o Código de Ética Profissional de 1993 e as Novas diretrizes Curriculares de 1996 (FREITAS & RIBEIRO, 2014). A intervenção profissional adquire novas formas para combater o desrespeito, violência, perda de direitos, privatização do público e desemprego e constrói novo projeto ético-político preocupado com a classe trabalhadora em uma sociedade que seja justa e igualitária (NETTO, 2005). Em 1993, foi aprovado o Código de Ética do Serviço Social que sofreu as influências da Constituição Federal de 1988 por meio do comprometimento com os usuários. Um instrumento importante para o amadurecimento político diante dos desafios de uma sociedade capitalista, e também um mecanismo de defesa dos Assistentes Sociais com o respaldo jurídico (BARROCO, 2008). O desafio está em distinguir as contradições da lógica do capital e o Código de Ética, pois ambos disputam os mesmos espaços dentro de uma realidade que o Assistente Social atua diariamente. [...] necessário um conhecimento sobre a validade histórica e atualidade do projeto ético-político profissional e refletir eticamente sobre o cotidiano profissional e sobre quais situações nos convocam à resistência e à luta nos dias atuais [...] (BARROCO, 2008, p.15). A profissão é conduzida pela democracia, ética, política, cidadania, competência (teórica e prática) e apropriação dos instrumentos, além das rotinas profissionais. Assim, o Serviço Social passa a ser visto como profissional que realiza o planejamento e a gestão de programas e políticas, mesmo com as dificuldades impostas pelo Estado mínimo (projetado pós década de 1990 com o advento do neoliberalismo). O compromisso da profissão com base no seu Projeto Ético Político, Código de Ética e seus onze princípios fundamentais está na busca da construção de uma nova ordem societária. Assim, a necessidade de profissionais voltados aos interesses reais da população para a concretização da democracia e justiça de direitos, que elimina as formas autoritárias e tradicionais de gestão pública com participação da sociedade, estimulando o diálogo de sociedade civil e Estado. (YAZBEK, 2009). A dimensão educativa está relacionada a todas as outras dimensões do Serviço Social, teórico-metodológica, técnico-operativa, ético-política, 41 caracterizando-se como uma profissão de caráter político, mas também pedagógico e que possui uma intencionalidade. 1.3 Referenciais teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos do trabalho profissional do Assistente Social Os referenciais teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos da profissão de Serviço Social devem ser compreendidos e analisados sempre de forma conectada e entrelaçada. Ou seja, não é possível compreendê-los isoladamente, mas sim intrinsecamente ligados para a garantia de um trabalho crítico e comprometido. O saber técnico deve estar todo o tempo em consonância com os princípios ético-políticos da categoria profissional, para desta forma alcançar a qualidade dos serviços prestados de forma a atender as demandas antagônicas que são inerentes à atuação profissional dos assistentes sociais. Essas dimensões articuladas entre elas compõem o corpo material do projeto ético político profissional que, como foi dito, deve ser compreendido como uma construção coletiva que, como tal, tem uma determinada direção social que envolve valores, compromissos sociais e princípios que estão em permanente discussão exatamente porque participante que é do movimento vivo e contraditório das classes na sociedade. O sucesso do projeto depende de análises precisas das condições subjetivas e objetivas da realidade para sua realização bem como de ações políticas coerentes com seus compromissos e iluminadas pelas mesmas análises (REIS, 2013, p. 55). Algumas constatações devem ser salientadas quando se trata das dimensões do trabalho profissional do assistente social. Não se pode perder de vista que a intervenção profissional do Serviço Social é constituída de diversas dimensões que, conectadas, estão entrelaçadas – teórico-metodológica, ético-política e técnico- operativa - que compreendem uma “relação de unidade na diversidade” (SANTOS, 2013, p. 2). A dimensão técnico-operativa é aquela através da qual se expressam as demais dimensões. Ou seja, é na dimensão da prática – onde os instrumentos e 42 técnicas interventivas são constitutivos - que irão se materializar as demais dimensões. Destacamos três dimensões da intervenção profissional as quais são confluentes aos autores no debate do campo profissional: a teórico- metodológica; a ético-política e a técnico-operativa. Essas dimensões encontram-se presentes nas diferentes expressões do exercício profissional: formativa, investigativa, organizativa e interventiva (SANTOS, 2013, p. 3). A partir da década de 1980 e as novas condições sociais e históricas que estão em processo no decorrer do século XIX, uma análise da profissão inscrita na divisão sócio técnica do trabalho foi amplamente incorporada pela categoria profissional. Dessa forma, o foco privilegiado no trabalho e também na sociabilidade no modo de produção capitalista serve como subsídio para uma reflexão mais aprofundada sobre o exercício profissional dos assistentes sociais (IAMAMOTO, 2009). Torna-se relevante assinalar e reconhecer que a hegemonia das análises de caráter histórico-crítico ganha novos contornos e progressivamente assume a liderança no debate acadêmico, intelectual e profissional no campo do Serviço Social a partir da década de 1980. Tal percurso é socialmente tributário das lutas acumuladas pela conquista do Estado de Direito e do aprofundamento do processo de democratização da vida social da sociedade e do Estado -, capitaneada pelos movimentos das classes trabalhadoras sob liderança do operariado industrial, que abarca a economia, a política e a cultura. Encontra-se aí o alicerce sociopolítico que tornou socialmente possível e viável o deslocamento das interpretações de cunho estrutural-funcionalista da cena principal do debate profissional, alargando espaços para vertentes histórico-críticas no universo do Serviço Social (IAMAMOTO, 2009, p. 2012). É imprescindível, conforme aponta Iamamoto (2009), propor um diálogo no campo político-profissional buscando o fortalecimento e o aprimoramento do projeto profissionalmente compartilhado. Para tal, é necessário recorrer ao amplo campo da tradição marxista que perpassa os escritos de autores como Marx, Lukács e Gramsci, inspirando-se assim nessa teoria social crítica para compreender e analisar a atuação do profissional de Serviço Social de forma crítica e historicamente situada. Compreende-se que a renovação crítica pela qual passou o Serviço Social voltada aos fundamentos da profissão em suas dimensões “históricas, teórico- 43 metodológicas e éticas” são fundamentais para uma compreensão sob diferentes ângulos da profissão na divisão social e técnica do trabalho e, sobretudo, em sua dimensão ética (IAMAMOTO, 2009, p.213). Outra questão a ser considerada diz respeito à literatura que busca sedimentar a lógica que rege o trabalho do Serviço Social enquanto um trabalho concreto, e isso se dá baseado em focos distintos que remontam à própria origem da profissão que se situa historicamente conectada à expansão do capitalismo monopolista e o “sincretismo” (NETTO, 2005). Cabe ao Assistente Social buscar sempre agir politicamente no intuito de conquistar espaços para participação e controle social democrático em prol da conquista de direitos, visando romper com a ideia do profissional conservador meramente executivo. É fundamental que adote uma práxis propositiva, crítica e transformadora da realidade, concretizada mediante a denúncia constante das desigualdades, buscando assegurar direitos e ampliar espaços que permitam à classe trabalhadora movimentar-se rumo à emancipação (FREITAS & RIBEIRO, 2014, p. 12). O assistente social é um profissional de nível superior, regulado por Código de Ética próprio, tendo um conselho nacional - CFESS e CRESS, regulamentados pela Lei 8.662/93. Ainda de acordo com Almeida e Alencar (2011, p. 142) os profissionais de Serviço Social independente do campo ou área em que estejam inseridos têm como base para sua atuação seu conhecimento teórico-metodológico, ético-político e técnico-operacional, assim dando suporte ao seu exercício profissional. Por essa razão continuam os mesmos autores: As ações profissionais são determinadas pelas dinâmicas do mundo do trabalho, do Estado e da sociedade civil que impactam sobre as formas de regulação do mercado de trabalho profissional, já que o Estado, além de ser seu maior empregador, tem uma função destacada nos processos de formulação e operacionalização das políticas públicas (ALMEIDA & ALENCAR, 2011, p. 142). O Estado utiliza as políticas públicas como forma de enfrentamento sobre as expressões da questão social. O assistente social tem como uma das suas funções mediar as necessidades advindas do Estado e a sociedade. Desse modo, esse profissional utiliza as políticas públicas como espaço profissional, atuando na garantia dos direitos sociais, conforme previsto em seu Código de Ética. Há um discurso que o Serviço Social se configura em caráter contraditório, pois ao mesmo tempo em que trabalha junto à sociedade na luta pela garantia dos 44 direitos sociais previstos na Constituição Federal, por outro lado, sendo o Estado seu maior empregador, o profissional atende as suas exigências. A autonomia do assistente social, expressa em seu Código, torna-se relativa a esta contradição. De acordo com Almeida e Alencar (2011, p. 147), dentro do campo profissional, em alguns contextos, os assistentes sociais participam de equipes multiprofissionais, realizando atendimento interpessoal e interdisciplinar com o usuário. Assim, a visão e avaliação sobre aquele indivíduo tornam-se integral e ampla, contemplando e compreendendo de maneira mais qualificada a demanda trazida. Os atendimentos aos usuários necessitam estar permanentemente pautados nos onze princípios fundamentais da profissão, que estão enumerados e desenvolvidos no Código de Ética de 1993. Esses são os princípios norteadores do ponto de vista ético-político da profissão de Serviço Social e devem ser concretizados e materializados na dimensão técnico-operativa, ou seja, no trabalho profissional dos assistentes sociais. A liberdade como valor ético central deve pautar toda a intervenção profissional da categoria, servindo como apoio para que todos os outros princípios fundamentais sejam de fato colocados em prática no cotidiano dos espaços sócio ocupacionais onde os assistentes sociais estão inseridos. Pode-se afirmar que cabe aos assistentes sociais, no desempenho do seu exercício profissional, eliminar todas as formas de preconceito, sendo ele de cor, raça, gênero, religião, orientação sexual, etnia, entre outros. Entretanto, este movimento deve estar integrado também juntamente com a participação dos demais profissionais e com foco na população atendida. Dessa forma, a articulação entre as categorias culmina no progresso sobre a garantia dos mais diversos direitos sociais, na qualidade do serviço prestado e no avanço de uma nova ordem societária. Diante destas considerações, estão expressos no Código de Ética do assistente social, os onze princípios fundamentais, dentre eles, foram destacados, como dever do profissional de Serviço Social, no desenvolvimento da sua atuação profissional: I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; IV. Defesa do 45 aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; VII. Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; IX. Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos/as trabalhadores/as; X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física (BRASIL, 2012, p. 23-24). Compete ao Serviço Social, articulado com outras categorias, promover ações e estratégias que fortaleçam as políticas sociais e públicas, demarcando o posicionamento de luta a favor da classe trabalhadora em todos os âmbitos em que atua e em todos os espaços sócio-ocupacionais, enquanto profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho. Cabe relembrar que tais princípios estão voltados para universalidade e integralidades dos serviços sociais prestados, sendo eles ofertados em caráter gratuito e de forma igualitária. De igual modo, tais lutas dessa categoria devem estar de acordo com projeto ético-político profissional e os princípios destacados acima. A Lei de Regulamentação da Profissão estabelece, no art. 4º, como competência ao assistente social: “V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos” e “VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais” (BRASIL, 2012, p.41). Sob o mesmo ponto de vista, cabe ao profissional de Serviço Social no pleno exercício do seu trabalho realizar entrevistas, visitas domiciliares ou outras formas de conhecer o local em que esteja inserido para conhecer a sua população usuária. Igualmente, o assistente social após ter explorado seu território irá trabalhar de maneira mais efetiva e com resultados naquele local, considerando as reais necessidades do seu campo. Logo, atuará nos movimentos juntos aos trabalhadores sobre a garantia de direitos, sendo eles sociais, dentre outros. 46 Compreende-se como atendimento direto no Serviço Social as ações socioassistenciais, ações de articulação interdisciplinar e ações socioeducativas. Nesse sentido, as ações não ocorrem de maneira isolada, elas integram o processo do trabalho coletivo do assistente social nos mais diversos espaços sócio- ocupacionais, sendo ambas complementares e indissociáveis (CFESS, 2010, p. 42). Um ponto fundamental a ser considerado diz respeito à dimensão da interdisciplinaridade como exigência no mundo do trabalho contemporâneo e isto, evidentemente, atinge o Serviço Social, assim como todas as outras categorias profissionais inseridas na divisão sociotécnica do trabalho. A lógica da ampliação dos lucros do modo de produção capitalista já colocou como exigência não apenas especialização, mas também a chamada superespecialização dos trabalhadores. [...] O conhecimento não tem como ser produzido de forma neutra tendo em vista que as relações que ele tenta apreender não são neutras (GOMES, 2006, p. 12). É neste âmbito que se torna possível perceber que a dimensão da interdisciplinaridade no que concerne à produção do conhecimento se configura como uma necessidade imposta a todos, no entanto, por outro lado, se configura enquanto um problema, pois se pauta na materialidade das relações próprias do modo de produção capitalista. As profissões contemporâneas inseridas na divisão sociotécnica do trabalho, historicamente construídas no âmbito do modo de produção capitalista são essencialmente pré-determinadas por saberes diversos e que são necessariamente disciplinares, ou seja, são previamente adquiridos através da formação que antecede a inserção profissional, sendo portanto, um saber formal necessário à execução de determinadas tarefas e funções atribuídas socialmente àquelas profissões. No sentido mencionado anteriormente, o conhecimento e o trabalho, tanto possuem potencial de transformar as grades curriculares das escolas e universidades, para que a busca por um “melhor profissional” do ponto de vista do mercado de trabalho seja construído. Frigotto (2008) afirma que o trabalho interdisciplinar é, de um lado, uma necessidade, mas por outro também pode ser considerado como também um problema. Do ponto de vista dialético trata-se sem dúvida de uma vantagem e algo positivo, pois se conecta com o caráter dialético da realidade social que é, por sua vez, ao mesmo tempo singular e variável no que 47 concerne à natureza intersubjetiva com que essa realidade é apreendida e interpretada pelos sujeitos que estão nela inseridos e também intervindo nessa realidade com o intuito de transformá-la de alguma forma, como é o caso dos assistentes sociais. Em relação à inserção do assistente social em equipes multiprofissionais, o profissional de Serviço Social poderá atuar como um mediador entre os usuários e a equipe em relação aos determinantes sociais. Visto que o respeito à diversidade está expresso no princípio IV do Código de 1993. O assistente social, através de uma abordagem socioeducativa com o usuário e/ou a família, poderá “socializar as informações em relação aos recursos sociais existentes e viabilizar os encaminhamentos necessários”. Desse modo, o mesmo poderá articular junto à equipe multidisciplinar, promovendo assim, o desenvolvimento da humanização dos serviços, pautado na centralidade dos usuários na construção coletiva dos serviços ofertados (CFESS, 2010, p. 49-52). É atribuição do assistente social, destacado acima, atuar em ações de caráter socioeducativo, como maneira de informar os usuários acerca dos direitos sociais. Sendo assim, a ação pode se dar em caráter explicativo, elucidativo onde, a partir das atividades com materiais como folhetos, vídeos, cartilhas e outros, propicie ao usuário compreender seus direitos sociais. O assistente social tem seu maior empregador no Estado e, atualmente, nos diversos equipamentos públicos e na rede socioassistencial da Política de Assistência Social. Assim, entende-se que é necessário discutir a proteção social a partir da elaboração/aprovação da Política de Assistência Social, como marco referencial no Brasil (situando histórica, política e economicamente) e como se dá o trabalho do assistente social. Destaca-se que ainda há a preocupação no trabalho do Serviço Social com a emancipação dos sujeitos sociais atendidos. Entretanto, é necessário questionar: é possível a emancipação? Qual emancipação? O Serviço Social sempre exerceu uma ação eminentemente educativa, destacando assim a dimensão socioeducativa da profissão. 48 1.4 Pedagogia na perspectiva Emancipatória frente às expressões da questão social Como já descrito anteriormente, na década de 1960, o Serviço Social contrapunha dois projetos profissionais distintos, um voltado ao conservadorismo, com um discurso de industrialização e com influências internacionais e outro com caráter emancipatório dos sujeitos, preocupado e pautado nas necessidades dos indivíduos. De acordo com Abreu (2011), a chamada “função pedagógica” é caracterizada principalmente “por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nos processos da prática” (ABREU, 2011, p. 17). Dessa forma, pode-se compreender que a intervenção e a prática profissional do assistente social necessariamente se dão a partir de um determinado papel de mediador que se materializa no contato direto com a subjetividade dos usuários. Por isso, é possível afirmar que esse contato direto se configura enquanto o campo privilegiado onde é possível situar “função pedagógica” da intervenção profissional e possibilitar a aproximação e o reconhecimento das mais diversas demandas da população usuária. De acordo com a análise realizada por Gomes (2009), ao longo da história, essa função pedagógica dos profissionais de Serviço Social é demandada pelo capital e pelos contratantes da força de trabalho do Serviço Social justamente em busca de controle e consentimento da sociedade no que se refere à produção e reprodução social no âmbito do modo de produção capitalista e a exploração capital- trabalho, qualificada por Abreu (2011) como a pedagogia da ajuda e pedagogia da participação. Aqui se pode destacar as pedagogias distintas e utilizadas durante o período de construção do trabalho do Serviço Social, para uma melhor compreensão do título apresentado, bem como uma nota explicativa de como a função pedagógica se desenhou para atender as necessidades da classe hegemônica. Inicia-se com a pedagogia da ajuda1, que consiste em práticas paternalist