UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "Julio de Mesquita Filho" Instituto de Artes – Campus São Paulo VICTORIA LOPES REIS VISUALIDADES ENCADERNADAS: UM OLHAR SOBRE A CULTURA VISUAL DOS LIVROS DIDÁTICOS DE ARTE São Paulo 2022 VICTORIA LOPES REIS VISUALIDADES ENCADERNADAS: UM OLHAR SOBRE A CULTURA VISUAL DOS LIVROS DIDÁTICOS DE ARTE Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” (UNESP) como requisito para obtenção de grau de Licenciada em Artes Visuais, sob orientação da Professora Doutora Rejane Galvão Coutinho São Paulo 2022 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. R375v Reis, Victoria Lopes, 1995- Visualidades encadernadas : um olhar sobre a cultura visual dos livros didáticos de arte / Victoria Lopes Reis. -- São Paulo, 2022. 45 f. : il. color. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rejane Galvão Coutinho. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Artes Visuais) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Arte na educação. 2. Ilustração de livros. 3. Livros didáticos. I. Coutinho, Rejane Galvão. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 741.64 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 VICTORIA LOPES REIS VISUALIDADES ENCADERNADAS: um olhar sobre a cultura visual dos livros didáticos de arte Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” (UNESP) como requisito para obtenção de grau de Licenciada em Artes Visuais, sob orientação da Professora Doutora Rejane Galvão Coutinho. Trabalho de conclusão aprovado em: 01/12/2022 Banca Examinadora Profª. Drª. Rejane Galvão Coutinho Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – Orientadora Me. Camila de Castro Castilho IEL – Universidade Estadual de Campinas AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, à Prof.ª Dr.ª Rejane Coutinho, por aceitar me orientar e por todo acolhimento durante o curso de Licenciatura de Artes Visuais no IA-Unesp. Suas disciplinas, tanto de Práticas de Ensino de Artes Visuais quanto de Histórias de Vida transformaram completamente a minha relação sobre como vejo a arte e o mundo e como me vejo nele também. Agradeço também todo o corpo docente do curso de Artes Visuais e funcionários do IA, que nos acolhem e lutam sempre por uma educação transformadora e de qualidade. À Camila, todo meu agradecimento pela amizade, paciência e ensinamentos, por me incentivar academicamente e por aceitar ser parte dessa banca avaliadora. Às minhas amigas Marina, Amanda, Isabela, Amelia e Isabella, que sempre me acompanham e apoiaram e seguem apoiando. À Thiely, pela amizade e incentivo, e também pela revisão deste trabalho. Aos meus colegas e amigos da Unesp, em especial, Tchoe e Fernanda, que partilharam comigo todo seu conhecimento e carinho, e tornaram a jornada da graduação plena e afetuosa. Aos meus colegas, chefes e ex-chefes de trabalho, tanto durante meus anos em editora quanto freelancer, que me ensinaram tanto, me incentivaram, e proporcionaram a possibilidade de estudar quanto trabalho. Aos meus professores do Ensino Médio e Técnico: Ana Rosa, Mena, Iara, Luís e Zaize. Por mais que não tenhamos mais tanto contato, é graças a eles que tenho prazer em estudar Arte e a isso serei eternamente grata. Aos meus pais que sempre me incentivaram a seguir estudando Arte. RESUMO A pesquisa busca contribuir à discussão sobre Cultura Visual na Educação, focando em Livros Didáticos, analisando suas imagens e visualidades. Foram escolhidas duas coleções de livros didáticos de Arte designadas aos anos finais do Ensino Fundamental, publicadas em 2018, para análise documental a partir da perspectiva das teorias da Cultura Visual; sendo uma coleção aprovada no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2020, Coleção “Teláris – Arte”, destinada a escolas públicas; e outra uma coleção de Sistema de Ensino, “Arte: Ensino Fundamental”, destinada a escolas privadas que adotam este método. Ambas pertencem ao mesmo grupo comercial, mas são de editoriais diferentes, sendo uma coleção da Editora Ática e uma da Somos Educação, respectivamente. O levantamento bibliográfico se deu com foco nos livros já publicados no Brasil sobre Cultura Visual e em publicações acadêmicas sobre Cultura Visual e LDs, e em especial, LDs de Arte. As observações feitas aos elementos visuais e seus contextos nos livros são fundamentadas em livros, publicações, dissertações, teses, ensaios e artigos sobre Cultura Visual, Educação e Livros Didáticos, levantando questionamentos em relação ao uso das imagens nos materiais analisados. Palavras-chave: Arte; Educação; Livros Didáticos; Cultura Visual. ABSTRACT This research seeks to contribute with the discussion about Visual Culture in Education, focusing on schoolbooks, analyzing their images and visualities. Two collections of schoolbooks about Art were selected, both of them designated to students from middle school, published in 2018, for documental analysis from the perspective of Visual Culture theories; one collection was approved on Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2020, Coleção “Teláris – Arte”, aimed to public schools; and the other, a collection of Sistema de Ensino, “Arte: Ensino Fundamental”, aimed to private schools that adopt this method. Both belong to the same commercial group, but are from different publishers, one is a collection from Editora Ática and the other is from Somos Educação, respectively. The bibliographic survey is focused on books about Visual Culture already published in Brazil and in academic publications about Visual Culture and schoolbooks, and in particular, Art schoolbooks. The observations made to the visual elements and their contexts in the books are substantiated in publications, dissertations, theses, essays and articles about Visual Culture, Education and Schoolbooks, raising questions in relation to the use of images in the analyzed materials. Keywords: Art; Education; Schoolbook; Textbook; Visual Culture. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS Figura 1 – Competências Específicas de Arte para o Ensino Fundamental na BNCC. Figura 2 – Guia do PNLD 2020 com as coleções de Arte aprovadas Figura 3 – Capas de dois dos exemplares analisados nesta pesquisa. Figura 4 – Imagem retirada do próprio site da Somos Educação, mostrando a abrangência do conglomerado Figura 5 – Página XXII do Manual do Professor da Coleção “Teláris – Arte 6ºano”. Figura 6 – Exemplo do projeto gráfico da Coleção “Teláris – Arte” Figura 7 – Exemplo do projeto gráfico da Coleção SE Ensino Fundamental 2: Arte Figura 8 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano” na seção “Um Pouco de História da Arte”, pág 72. Figura 9 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano” box “Saiba Mais”, pág. 65. Figura 10 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano” abertura do Capítulo 1, págs. 14-15 Figura 11 – Miolo do caderno de SE “Arte – 9º ano” com gravura de Theodore de Bry. Pág. 42 Figura 12 – Miolo do caderno de SE “Arte – 9º ano”, págs. 47 e 48. Figura 13 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano”, pág. 47 Figura 14 – Miolo do caderno de SE “Arte – 9º ano” com litografia colorida “Mercado da Rua do Valongo” de Jean-Baptiste Debret, Pág. 18 Figura 15 – Miolo do caderno de SE “Arte – 8º ano”, pág. 13 Figura 16 – Miolo do livro “Teláris – Arte 6ºano”, págs. 136-137. Figura 17 – Miolo do livro “Teláris – Arte 6ºano”, págs. 164-165. LISTA DE ABREVIAÇÕES BNCC – Base Nacional Comum Curricular FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação LD – Livro Didático LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PNE – Plano Nacional de Educação PNLD – Programa Nacional do Livro e do Material Didático SE – Sistema de Ensino SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9 2 Cultura Visual e Educação ............................................................... 12 3 BNCC, PNLD E LIVROS DIDÁTICOS .............................................. 17 3.1 BNCC .............................................................................................. 17 3.2 PNLD, LIVROS DIDÁTICOS E SISTEMAS DE ENSINO ................ 19 3.3 PROCESSOS EDITORIAIS E PESQUISA ICONOGRÁFICA ......... 21 4 Análise dos livros escolhidos ......................................................... 24 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 42 REFERÊNCIAS: .................................................................................... 44 9 1 INTRODUÇÃO Exerço a profissão de pesquisadora iconográfica para livros e publicações didáticas desde 2014. Essa pesquisa foi uma oportunidade para olhar para estes objetos não só como profissional do livro, mas também como educadora. Tomar distância da própria realidade cotidiana, explorar as posições próprias e as de outros, faz parte de um processo de descentralização necessário, especialmente para colocar em questão os próprios supostos e afastar-se dos dogmas (HERNÁNDEZ, F., 2011, pág. 37) O tema desta pesquisa foi sugerido pela Profª. Drª. Rejane Coutinho, considerando o interesse da orientanda por estudos da Cultura Visual e a familiaridade com os objetos a serem analisados, os Livros Didáticos, (doravante LDs) da mesma. É necessário fornecer novos olhares e perspectivas sobre o livro didático, que é um objeto formador de cultura e subjetividades constantemente presente na vida escolar brasileira. Os LDs são também uma forma de autoridade, parte do ritual escolar, portadores de uma representação, também visual, da sociedade pelos olhos do autor e pelo rigor do mercado e dos órgãos governamentais que os distribuem. O livro didático não é um simples espelho: ele modifica a realidade para educar as novas gerações, fornecendo uma imagem deformada, esquematizada, modelada, frequentemente de forma favorável: as ações contrárias à moral são quase sempre punidas exemplarmente; os conflitos sociais, os atos delituosos ou a violência cotidiana são sistematicamente silenciados (CHOPPIN, 2004, pág. 557) Portanto, trazê-los à luz da discussão, principalmente enquanto educadores, é necessário para que possamos observar, analisar e construir novos materiais didáticos que não só contemplem a sociedade atual e suas tribulações, mas que façam o aluno leitor questionar os valores do poder hegemônico da classe dominante que a regem. Como abordagem de estudo e pesquisa, a cultura visual trata os processos do ‘ver’ como práticas sociais que acontecem em contextos particulares/específicos alicerçados em experiências vividas que se situam histórica e culturalmente. (MARTINS, 2018, pág. 3) 10 É nesse diálogo sobre como formular novos materiais didáticos que os estudos da Cultura Visual entram. Para fornecer um deslocamento do olhar, como propõe Hernández (2011), em relação as visualidades dos LDs, seus impactos e suas possibilidades, enxergando a imagem como um objeto cultural. (...) a contribuição principal da perspectiva da cultura visual é propor (argumentando seu sentido) uma mudança de foco do olhar e do lugar de quem vê. (HERNÁNDEZ, F., 2011, pág. 35) A proposta desta pesquisa é, então, avaliar o estado de LDs de Arte da atualidade em relação às suas culturas visuais, ou seja, quais, como e em quais perspectivas os livros utilizam imagens em seu conteúdo, levantando questionamentos e contrapropostas evidenciando o potencial de construir e desconstruir universalidades, narrativas e percepções do aluno leitor. O caminho desse trabalho é percorrido através de um resumo sobre os estudos de Cultura Visual e seu papel na educação, passando por um breve panorama sobre os livros e materiais didáticos no Brasil, e por fim, uma análise, por meio da perspectiva da Cultura Visual, dos materiais escolhidos, seguida das considerações finais. As fontes de pesquisa foram múltiplas, entretanto, encontrei o respaldo teórico necessário principalmente na coleção “Cultura Visual e Educação”, organizada por Raimundo Martins e Irene Tourinho, contando com textos dos organizadores, de Paul Duncum, Fernando Hernández, Imanol Aguirre e outros pesquisadores e teóricos da Cultura Visual; e no livro “As imagens nas configurações educativas contemporâneas: A perspectiva da Cultura Visual” de Antenor Rita Gomes. A análise foi feita em livros provindos de duas coleções para os anos finais do Ensino Fundamental, publicadas em 2018, sendo uma aprovada pelo PNLD 2020, destinada a escolas públicas, e outra componente de um Sistema de Ensino para escolas particulares. Na trilha da pesquisa fui encontrando outras análises de imagens em LDs, e materiais didáticos, e, embora alguns dos textos não necessariamente se atenham especificamente aos estudos de Cultura Visual, são críticas às 11 visualidades encontradas nesses materiais didáticos e que considerei pertinentes à minha pesquisa. Usando as páginas do miolo dos LDs escolhidos, levanto observações sobre suas visualidades e questões sobre o uso delas nesse contexto do material didático, considerando que “as imagens e outras representações visuais são portadoras e mediadoras de significado e posições discursivas que contribuem para pensar o mundo e para pensarmos a nós mesmos como sujeitos” (HERNÁNDEZ, 2011). Convido todos a olhar, refletir, olhar novamente, e repensar os caminhos imagéticos dos LDs de Arte, suas possibilidades e caminhos futuros. Espero que essa pesquisa possa contribuir um pouco à discussão sobre os materiais didáticos da atualidade e também às formas como os estudos da Cultura Visual pode contribuir a esse debate. 12 2 CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO Sendo um campo de estudo transdisciplinar e que considera a pluralidade de interpretações e vivências, a Cultura Visual tem raízes nos estudos culturais, como exposto por Ana Mae Barbosa (2011), somando contribuições, discussões e perspectivas de diferentes áreas, como história da arte, sociologia, filosofia, antropologia, semiótica, estética, psicologia, etc. A Cultura Visual se entrecruza, também, com os Estudos Visuais, cujo objeto de estudo são as Visualidades, “que enfatiza o sentido cultural de todo o olhar ao mesmo tempo em que subjetiva a operação cultural do olhar” (HERNÁNDEZ, 2011). Não é um método de leitura da imagem, mas uma forma de desafiar o olhar a compreender imagens e artefatos visuais como produtos culturais, considerando seus processos, os meios aonde se construíram e os meios onde serão aplicados, seus propósitos, seus encadeamentos. (...) imagens e outras representações visuais são portadoras e mediadoras de significados e posições discursivas que contribuem para pensar o mundo e para pensarmos a nós mesmos como sujeitos. Em suma, fixam a realidade de como olhar e nos efeitos que têm em cada um ao ser visto por essas imagens. (HERNÁNDEZ, 2011, pág. 33) Não é somente o fenômeno da percepção – esta que também é uma construção sociocultural, como dito por Benjamin (1936) “A maneira pela qual a percepção humana se organiza – o meio em que ocorre – não é apenas naturalmente, mas também historicamente determinado”, e, portanto, é passível de desconstrução, crítica, e reflexão uma vez dada a consciência dessas condições. Segundo Martins (2018) “a experiência visual se caracteriza como um processo gradual e dinâmico, em constante transformação e, portanto, mais demorado e, também, mais abrangente do que a instantaneidade que é atribuída à experiência de ‘ver’”, sendo assim, a Cultura Visual coloca em evidência a imagem e tudo que ela engloba, sendo possível a construção de novas percepções em relação a ela. A partir desses focos e direcionamentos, a cultura visual aborda e discute a imagem a partir de outra perspectiva, considerando-a não apenas em termos do seu valor estético, mas, também, buscando compreender o papel social 13 da imagem e dos artefatos artísticos na vida da cultura. (MARTINS, 2018, pág. 9) Por mais que a imagem esteja no cerne dos estudos da Cultura Visual, as discussões não se esgotam nela, mas contemplam também seus contextos, sendo que “o ato de ver não acontece num vazio cultural; ao contrário, sempre acontece em contexto, e o contexto orienta, influencia e/ou transforma o que vemos” (MARTINS, R., TOURINHO, I., 2011) e por isso como e onde é usada e suas associações, sendo que “uma imagem não é afetada penas por outra, mas tudo que se diz sobre ela” e que seu “estatuto ontológico depende mais da situação contextual em que é apresentada do que sua natureza definida a priori” (Gomes, 2020). Portanto, uma imagem não se acaba apenas no que nela contem, somente como uma forma de comunicação não-verbal, ela é produto cultural contendo identidades, histórias, e perspectivas carregadas de subjetividades que estão sujeitas a formas e aplicações diversas para atribuição de significados que também variam dependendo do contexto e de seus receptores. As formas de interação ocorridas pela mediação visual diferem da interação meramente verbal porque impõem para o recebedor interactante uma representação já materializada daquilo que no plano da comunicação visualidade oferece algo a mais nas interações humanas na medida em que oferece visualmente uma representação dada. Desse modo, interfere na autonomia construtora de sentido do recebedor e na construção das representações mentais que que a comunicação verbal necessariamente evocaria e deixaria a cardo do interprete. É claro que o interactante pode reagir e refutar a representação dada, mas isso não elimina o fato de que nela está inscrita uma reação e uma concepção, mesmo que subjetiva, acatada ou não (GOMES, 2020, pág. 24). Portanto, olhar novamente, por outra perspectiva, outros olhares, imagens já presentes no nosso cotidiano, cânones, e que passam por um processo de banalização, é essencial como exercício do pensamento crítico e construção de novas percepções. A Cultura Visual também olha para o aquilo que não se vê. Ou seja, para o conjunto de fatores socioculturais e históricos que resultaram naquela imagem, e também tudo que faz parte do repertório, cultura e vivências de quem as olha. 14 Se denomina Cultura Visual porque trata-se de uma cultura do visual, que não é simplesmente a soma de tudo que tem sido criado para ser visto, mas a relação entre o visível e os nomes que damos ao que foi visto, como também tudo aquilo que se oculta à vista. Isso quer dizer que não vemos simplesmente aquilo que está à simples vista, mas acoplamos uma visão de mundo que resulta coerente com aquilo que sabemos e já experimentamos alguma vez. (SARDELICH, M., SANTOS, A. M. dos; BRUSTOLIN, J. G,2017, pág.180) A sociedade ocidental contemporânea é saturada por imagens, físicas e virtuais. Nos trajetos e espaços públicos, até nos ambientes mais íntimos de nossas vidas, sejamos conscientes ou não deste fato, imagens permeiam nosso cotidiano. Seja no Estado de Vigilância ou no Capitalismo Cultural, as imagens, em movimento ou estáticas, são produzidas e introduzidas em nossas vidas constantemente, controlando opiniões, hábitos, posicionamentos ético- políticos, inclusive moldando personalidades, com o intuito de controlar as massas, petrificando-nos como consumidores. Como Duncum (2011) coloca, “Imbricadas com a mensagem do consumo, estão representações que corroboram posições sociais existentes, as quais são comumente sexistas, racistas, xenófobas e homófobas, bem como marginalizam e objetificam os deficientes mentais e físicos”. A velocidade da criação, transformação e reprodução de imagens pelas novas tecnologias torna cada vez mais necessário uma compreensão mais ampla da posição e uso desses artefatos na sociedade principalmente enquanto ferramentas da manutenção do poder hegemônico. A dependência em relação à cultura comercial caminha lado a lado com o desgaste e/ou colapso de fontes de autoridade mais tradicionais, tais como a Igreja, os governos, os sindicatos, a classe social e a família. As pessoas que outrora recorriam a essas instituições e formações em busca de uma noção de sujeito voltam-se, cada vez mais, para a mídia (...) Tal veículo conta-nos o que é o bem e o mal, quem é bom e quem é mau, em quem devemos ou não confiar, como é possível ser feliz e assim por diante (DUNCUM, 2011, pág. 19) Uma das finalidades da Cultura Visual é, portanto, tornar consciente o olhar e a percepção das imagens e suas implicações, buscando transformar a relação automatizada e quase entorpecida diante da quantidade avassaladora de conteúdo visual presente em nossas vidas na contemporaneidade. É através da compreensão “do potencial das imagens e dos artefatos visuais para nos fazer pensar e sentir sobre nós mesmos, sobre a vida que vivemos e que 15 queremos viver” (MARTINS, R., TOURINHO, I., 2011). que podemos buscar reconfigurar e ressignificar o universo visual não só como espectadores, mas também como criadores, autores e educadores. Propiciadas pelas condições, modos e circunstancias de comunicação predominantes nas sociedades contemporâneas, essas transformações revelam também a emergência de uma diversidade de experiencias artísticas, culturais e sociais decorrentes de um processo geopolítico de globalização que exige cautela, e sobretudo, atitude crítica (MARTINS, R., TOURINHO, I., 2011, pág. 51). Dadas as múltiplas possibilidades de temas e perspectivas a serem explorados a partir das imagens, elas, que já são presentes no ambiente escolar como e no material didático, devem ser ponto de partida para uma abordagem que permite explorar e refletir sobre como podem enriquecer o conteúdo, de forma significativa, diversa, e emancipatória, fazendo uso da interdisciplinaridade presente nesses materiais. O currículo deveria, pois, basear-se na natureza da cultura visual, especificamente nas experiências dos alunos relativas a ela e integradas ao conhecimento do professor (...) um currículo que espelha a estrutura rizomática da cultura visual começará a partir de qualquer ponto, com uma imagem ou gênero, a representação de um tema, uma polemica ou uma pergunta (DUNCUM, 2011, pág. 22) A inserção da Cultura Visual, tanto na escola quanto na formação de professores é necessária para exercitar o pensamento crítico e descontruir universalidades, preconceitos, o colonialismo, o racismo, a homofobia e a misoginia, para realocar o olhar sobre todo o conteúdo visual presente na educação em busca de uma mudança radical sobre o modo como vemos e nos relacionamos com as imagens, principalmente quando as usamos para uma finalidade educativa. Os estudos da Cultura Visual, com ênfase na deriva cultural de tal regime de visualidade, respondem perfeitamente ao desmoronamento das grandes narrativas universalizantes, abrindo espaços para um estudo muito mais detalhado que dê conta das especificidades circunstanciais e contextuais de seu objeto de estudo (AGUIRRE, I. 2011, pág. 70) O intuito é transformar a passividade diante as imagens em pensamento crítico, proporcionando exercícios que oferecem reflexão sobre as imagens já presentes no contexto educacional, evidenciando sua relação com as imagens 16 e o mundo, permitindo que o aluno questione, e dando autonomia para que o aluno seja também ator e autor, reinventando também, a nós mesmos, como educadores (HERNÁNDEZ, 2011). O objetivo de uma pedagogia dialógica que amalgama diversão e critica não consiste em fornecer respostas definitivas, mas sim em levantar questionamentos, revelar dilemas e dar continuidade e uma conversa. Tal pedagogia crê no poder dos alunos e em sua capacidade de tomar decisões éticas (DUNCUM, 2011, pág. 26) Os estudos de Cultura Visual não são apenas uma ferramenta pedagógica, mas um modo de reestruturar nossa relação com as imagens, seus significados, narrativas e usos, que pode moldar e compor novas pedagogias emancipatórias, possibilitando uma educação transformadora para educadores e alunos. 17 3 BNCC, PNLD E LIVROS DIDÁTICOS 3.1 BNCC Com origem no Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014 – PNE), foi iniciado o processo para a criação de uma Base Nacional Comum Curricular (doravante BNCC). A BNCC é um documento normativo do governo brasileiro homologado em 2018 com função de regulamentar os currículos de escolas públicas e privadas do Ensino Básico, sendo um agente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996 – LDB). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que, diferente da BNCC, não são obrigatórios, ainda são amplamente usados, e constam em bibliografias de LDs e outros materiais didáticos, inclusive os analisados no Capítulo 3 desta pesquisa. A BNCC divide a Educação Básica em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Os componentes curriculares do Ensino Fundamental são separados pelas grandes áreas de Linguagens (Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa), Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas (Geografia e História) e Ensino Religioso. Cada componente apresenta unidades temáticas, com objetos de conhecimento em comum, mas habilidades específicas para serem tratadas em cada tema. Arte continua sendo uma disciplina polivalente, englobando Artes Visuais, Dança, Música, Teatro, que constitui cada uma unidade temática cada, acrescentando a “Artes Integradas” como uma última unidade. Há uma lista de competências específicas a serem desenvolvidas. Figura 1 – Competências Específicas de Arte para o Ensino Fundamental na BNCC. 18 Fonte: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em 02/11/2022. No site oficial da BNCC, há o histórico de desenvolvimento do documento, relatando que foram realizadas audiências públicas em 2017 para a Educação Infantil e Ensino Fundamental, e em 2018 para o Ensino Médio (devido a Reforma do Ensino Médio: Lei nº 13.415/2017 que altera a estrutura do Ensino Médio na LDB) pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). É importante destacar que a versão final da BNCC, de 2017 e 2018, foi consolidada durante um cenário de ruptura política e austeridade promovido pela PEC do Teto de Gastos (Proposta de Emenda à Constituição n° 55/ 2016) que congelou, dentre muitos outros, o orçamento da Educação. Os frutos de um golpismo que não respeitou o plano de governo eleito, seguido de uma http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ 19 ascensão do fascismo e de uma perseguição ideológica que ainda precisam ser enfrentados. A BNCC é mais uma peça na intensa produção de políticas públicas em educação pós-LDB e enfatiza, uma vez mais, seu perfil democrático, quando a página do MEC, bem como as diferentes versões do documento, salienta que ela é fruto de processo coletivo com grande participação da comunidade. Mas vemos que não importa o quanto haja de participação: um grupo político impõe sua visão de educação e define os rumos daquilo que se faz na área. (GALLO, S., 2017) 3.2 PNLD, LIVROS DIDÁTICOS E SISTEMAS DE ENSINO Estabelecido em 1985, o Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) é um programa do governo brasileiro, organizado pelo FNDE e pelo MEC, para a submissão, através de um edital público, de obras didáticas, pedagógicas, literárias e outros materiais educacionais para avaliação – etapa que foi introduzida ao edital nos anos 1990. A partir de 2001 o edital passou a contemplar obras para alunos com deficiência, com aquisição de livros em braile, materiais auxiliares em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), incluindo materiais digitais com acessibilidade para deficientes visuais (Mecdaisy). Os materiais submetidos pelas editoras passavam por uma triagem feita pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo e depois é feita uma avaliação Pedagógica pela Secretaria de Educação Básica do MEC. Atualmente, a entrega das obras é feita diretamente na plataforma online do PNLD. A avaliação pedagógica classifica as obras aprovadas e é feita por comissões técnicas específicas de especialistas, contando com professores de universidades públicas e da rede pública de ensino, e devem firmar que não estão associados às obras inscritas ou as editoras de qualquer modo. As obras aprovadas são divulgadas em escolas públicas inscritas no programa, através do Guia do PNLD, que selecionam quais coleções vão adotar, podendo optar por duas opções, por ordem de preferência, que posteriormente são adquiridas através do FNDE, diretamente com as editoras, que distribuem os livros às escolas. 20 Figura 2 – Guia do PNLD 2020 com as coleções de Arte aprovadas . Fonte: https://pnld.nees.ufal.br/pnld_2020/componente-curricular/pnld2020-arte. Acesso em 02/11/2022. O PNLD promove editais por ciclos que contemplam a Educação Infantil, Anos Inicias e Finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, além de editais específicos para Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os livros destinados as etapas da Educação Básica são atendidas pelo PNLD de forma alternada, ou seja, as reedições e inscrições de obras novas ocorrem num intervalo de três a quatro anos. O edital do PNLD passou e ainda passa por várias formatações ao longo dos anos de vigência e, desde o PNLD 2019 (que ocorreu no ano de 2017), é subordinado à BNCC, portanto as publicações devem trabalhar as competências e habilidades conforme estipulado por esse documento, considerando fator excludente obras que não atendam os requisitos deste documento. Além disso, também podem ser reprovadas obras que tenham erros conceituais e falhas recorrentes presentes em números superiores a 10% (dez por cento) do total de páginas do livro. Obras com falhas pontuais podem ser aprovadas e sua correção deve ser submetida à aprovação posteriormente. Editoras de obras reprovadas podem entrar com recurso solicitando uma reavaliação, que será feita pela mesma equipe técnica, mas por integrantes que não a avaliaram anteriormente. 21 Os livros de Arte só foram incluídos no PNLD a partir de 2011 para editais que se destinavam ao EJA e no PNLD para Ensino Médio em 2015, adentrando o PNLD 2016 para o Fundamental I apenas para 4º e 5º anos, seguindo o ciclo comum de todos os editais a partir do PNLD 2017. Na última versão da BNCC não há uma menção direta aos estudos da Cultura Visual, porém há um parágrafo que contempla o conceito de vivenciar a arte como prática social e não somente como uma linguagem. Nesse sentido, as manifestações artísticas não podem ser reduzidas às produções legitimadas pelas instituições culturais e veiculadas pela mídia, tampouco a prática artística pode ser vista como mera aquisição de códigos e técnicas. A aprendizagem de Arte precisa alcançar a experiência e a vivência artísticas como prática social, permitindo que os alunos sejam protagonistas e criadores. (BRASIL, 2018) Embora a BNCC seja obrigatória e tenha, de certa forma, uniformizado os livros didáticos, já que ela sistematiza a forma como os conteúdos devem ser trabalhados, os Sistemas de Ensino, diferentes dos LDs para PNLD, não são avaliados oficialmente e, portanto, podem conter falhas conceituais. Além disso, muitos SE se orientam para preparação para vestibular, fazendo com que o objetivo do ensino seja aprovação em um exame e não uma formação intelectual. Muitos SE foram criados dentro de escolas particulares, como o Anglo (que pertence a Somos Educação atualmente), e acabam sendo transformados em produtos, licenciados e vendidos a outras escolas, inclusive públicas, como escolas municipais. Nesse caso, quem patrocina a compra destes materiais é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Outra crítica à adoção dos sistemas apostilados diz respeito à interferência na autonomia dos professores, que não são consultados sobre o material que deverão utilizar em sala de aula e passam a ficar presos a um rígido roteiro, transformando-se em meros aplicadores do material didático. Do ponto de vista dos gestores e das famílias, contudo, a estrutura do material apostilado, com sequências didáticas claras e a explicitação dos objetivos de aprendizagem de cada aula, apresenta maiores possibilidades de controle e acompanhamento do trabalho docente. (de Britto, T. F., 2011) 3.3 PROCESSOS EDITORIAIS E PESQUISA ICONOGRÁFICA 22 É de interesse deste estudo destacar também o processo editorial para a publicação de um LD. O processo inicia-se com a contratação de autores pela editora e a criação do que no ramo editorial é chamado de Original Autoral. Ele é entregue, usualmente por capítulo, aos editores responsáveis pelo material, que fazem a primeira edição deste texto e entregam ao departamento ou estúdio responsável pela diagramação. Em paralelo, o estúdio produz o projeto gráfico e o aprova com a Editora. Com a aprovação deste e a entrega do Original Editado, é produzido a primeira prova do livro. Com a entrega do Original Editado, também é formulada uma pauta com a relação de imagens pedidas para compor este capítulo. As imagens são indicadas pelo(s) autor(es) ou editor(es) do material e a pauta com todos os pedidos é enviada ao(s) pesquisador(es) iconográficos(s) responsável(s) por aquela obra. Na maioria das editoras, o departamento ou estúdio responsável pelo projeto gráfico é quem contrata os ilustradores, e o departamento da iconografia cuida das fotografias e licenciamentos de imagens de terceiros, como tirinhas, cartuns e obras de arte. É feita também uma pauta de texto, que é enviada a um departamento ou profissionais terceirizados responsáveis pelos direitos autorais. A pesquisa iconográfica consiste não só em localizar a imagem, mas verificar os aspectos técnicos e legais, como tamanho, resolução, direito autoral e direito de imagem das pessoas retratadas. Caso haja algum impedimento relativo a esses aspectos, como, por exemplo, uma foto de rua onde aparecem pessoas e não há autorização destas para republicação (o que é comum em fotojornalismo), o pesquisador retorna ao editor com uma sugestão de troca. Na grande maioria dos casos também é enviado o Original Editado juntamente com a pauta iconográfica, para poder auxiliar na pesquisa, já que as imagens dos LDs estão ligadas ao contexto. O processo de pesquisa e licenciamento tanto de imagens quanto de textos é longo e dispendioso, sendo o pagamento de royalties uma das despesas mais onerosas para a produção de um livro. Após todos os trâmites de licenciamento serem finalizados, a imagem é enviada para tratamento e aplicada na diagramação, nas provas posteriores, que passam por edição e revisão de texto, até que seja concluída a finalização do livro. Quando se trata de uma publicação inscrita no PNLD, o livro ainda 23 passa por leitura crítica de profissionais especialmente atentos as especificidades dos editais. Após a edição ser finalizada, o livro é conferido por profissionais técnicos, que cuidam da pré-impressão e montam um “boneco” do livro, que é a prova final impressa do livro. Atualmente um arquivo digital do livro é enviado a uma gráfica para impressão, ou, no caso do PNLD, para fazer o upload na plataforma do programa. Importante ressaltar que, na última década, com o aumento de empregos informais (geralmente contratações de MEI – Micro Empresário Individual), resultado das reformas trabalhistas neoliberais, muitos trabalhadores do mercado editorial são terceirizados, ou seja, o vínculo deles acaba sendo com o projeto editorial e não com a editora responsável. Desde a pandemia do Coronavírus (Covid-19), iniciada em 2020, o home office (trabalho feito diretamente de casa) passou a ser um modelo de trabalho mais frequente, consequentemente, o trabalho editorial passou a ser ainda mais desmembrado, tal qual uma linha de produção industrial. Portanto, o contato direto com a obra é ainda menor, sendo que o processo é fragmentado e não há convivência em um espaço físico, o que proporcionava um diálogo maior entre editores e iconógrafos. 24 3 ANÁLISE DOS LIVROS ESCOLHIDOS Os livros escolhidos para análise provêm de duas coleções publicadas em 2018 para os Anos Finas do Ensino Fundamental: Cadernos “Arte: Ensino Fundamental” de autoria de Beá Meira, Silvia Soter, Ricardo Elia e Rafael Presto, publicado pelo Sistema de Ensino Somos Educação, destinado a escolas privadas; e a Coleção “Teláris – Arte” de autoria de Eliana Pougy e André Vilela, publicada pela Editora Ática, aprovada no PNLD 2020 e distribuída em escolas públicas que escolheram adotar essa coleção. Os autores dos cadernos de SE também são autores de livros de outras coleções aprovadas no PNLD. Os critérios para escolha foram: serem obras atuais, de preferência publicadas no mesmo ano, e atenderem a BNCC. Foram escolhidos materiais publicados pelo mesmo grupo editorial para evidenciar as diferenças entre obras destinadas ao ensino público e privado. Figura 3 – Capas de dois dos exemplares analisados nesta pesquisa. Fontes (esq. p/ dir.): Reprodução/Somos Educação, Reprodução/Editora Ática. A quantidade de exemplares da Coleção “Teláris” Adquiridos pelo FNDE em 2020 foi de quase um milhão e meio de exemplares (1.433.852 exemplares), de acordo com a planilha disponibilizada no próprio site do FNDE. 25 Não há dados disponíveis especificamente sobre a tiragem ou distribuição dos cadernos de Arte do SE, porém, considerando que a Somos Educação faz parte do grupo Cogna, um conglomerado (holding) de empresas de capital aberto do setor da educação, que possui, além de editoras, escolas e faculdades, é possível ter uma dimensão do poder de alcance desse material. Figura 4 – Imagem retirada do próprio site da Somos Educação, mostrando a abrangência do conglomerado Fonte: www.somoseducacao.com.br Acesso em 01/11/2022. Os livros da Coleção “Teláris - Arte” são também exemplares com o Manual do Professor. O material do professor é uma orientação ao docente que utilizará este material e podem ser também vistos como uma extensão à formação desse docente, junto com o Material Digital que acompanha os livros de PNLD, fornece atividades, planos de aula, leituras complementares etc., http://www.somoseducacao.com.br/ 26 considerando, inclusive, a polivalência dessa disciplina tanto na BNCC quanto nas publicações. O livro físico do professor possui um guia da coleção, somente com texto corrido e esquemas, contando também com quadros explicativos sobre as competências específicas e quadros com a estrutura de habilidades exigidas pela BNCC. O Manual do Professor é em U, com anotações na margem do livro, indicando quais competências estão sendo tratadas em cada capítulo. Há também uma seção sobre os fundamentos teórico-metodológicos da arte-educação, e consta, nessa coleção, um pequeno trecho denominado “A Arte-educação baseada na cultura visual”, explicando que esta coleção (Teláris – Arte) “busca seu referencial teórico na Arte-educação baseada na cultura visual” (POUGY, E., VILELA, A., 2018). Figura 5 – Página XXII do Manual do Professor da Coleção “Teláris – Arte 6ºano”. Fonte: POUGY, E., VILELA, A., pág. XXII Em relação à estrutura, ambas coleções já não possuem uma linearidade na apresentação das obras de arte, abandonando o modelo baseado em uma suposta evolução na História da Arte, substituindo por uma apresentação dos artefatos artísticos de acordo com os temas propostos em 27 cada unidade, trabalhando assim a interdisciplinaridade, como proposta pela BNCC. Apesar de perder o protagonismo, é interessante notar que, na coleção “Teláris”, há um adendo sobre História da Arte ao final de cada capítulo, também não-linear, mas resgatando objetos e práticas artísticas históricas contextualizando-as. Figura 6 – Exemplo do Projeto gráfico da Coleção “Teláris – Arte” Fonte: POUGY, E., VILELA, A., pág. 112-113 Figura 7 – Exemplo do projeto gráfico da Coleção SE Ensino Fundamental 2: Arte 28 Fonte: ELIA, R., MEIRA, B., PRESTO, R., SOTER, S., pág. 32-33 Quanto a diagramação, a Coleção “Teláris – Arte” na maioria das páginas não prioriza as imagens. As fotos são pequenas (1/8 e 1/4 de página) e algumas páginas são carregadas de imagens, não sendo possível observar detalhes, e são usadas mais para ilustrar o texto do que como um elemento que contém informações próprias. Seu projeto gráfico é bem simples, geométrico e monocromático, provavelmente para não pesar mais visualmente as páginas que já são repletas de informação, tanto visual quanto textual. As ilustrações são poucas e seu uso se resume a ilustrar textos ou atividades propostas aos alunos. Relativo à diagramação da Coleção de SE “Arte: Ensino Fundamental” nota-se mais protagonismo das imagens, elas aparecem maiores (até 1/2 página) e são muitas vezes o tópico de discussão do texto. O projeto gráfico é mais colorido e fluído, porém as marcações de seções e temas do livro se perdem ao longo dos capítulos. Não há ilustrações nestes cadernos, as obras de arte compõem a maioria das imagens aplicadas. Figura 8 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano” na seção “Um Pouco de História da Arte”, pág 72. Fonte: POUGY, E., VILELA, A., pág. 72 Rejeitando a linearidade, mas não a História, a seção “História da Arte” da Coleção “Teláris – Arte” adiciona artefatos da história da arte para posicionar 29 o aluno historicamente com obras relacionadas ao capítulo. Algumas das fotos presentes já são visualidades petrificadas no currículo, como fotos de cavernas com desenhos pré-históricos rupestres e a trajetória da arte europeia e seus movimentos, como a arte moderna. Figura 9 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano” box “Saiba Mais”, pág. 65. Fonte: POUGY, E., VILELA, A., pág. 65 Mas outros percursos históricos e artefatos, que ainda estão em seu processo de canonização e reconhecimento, como arte e artefatos de culturas não-europeias, principalmente africanas e asiáticas, necessitam uma abordagem mais ampla e íntegra do que apenas categoriza-los como fósseis da história e/ou influencias à artistas modernistas europeus (como na figura 9, relacionando a obra do Picasso com uma possível influência de máscara Fang do Gabão), e sem o fetiche do exotismo advindos de perspectivas brancas e europeias. Lembrando que “a imagem é construída historicamente. Ela não é um objeto naturalmente dado. Antes, é filha da cultura e da experiência social” (SCHIAVINATTO, I., ZERWES, E., 2018). Figura 10 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano” abertura do Capítulo 1, págs. 14-15 30 Fonte: POUGY, E., VILELA, A., págs. 14-15 A representação das artes, dança, música e cultura indígena está presente nas duas coleções analisadas, porém, no caso da Coleção Teláris, há um capítulo exclusivo para trabalhar essas manifestações culturais (que foram transformados em um tema). Não há questionamento quanto a necessidade do protagonismo dos povos originários em materiais didáticos, no entanto, essa delimitação de separar um capítulo exclusivo acaba separando a realidade das etnias indígenas da realidade do aluno. Em relação as imagens, a grande maioria são de manifestações culturais, portanto, os indígenas retratados estão caracterizados. Trabalhar com Patrimônio Cultural está previsto nas habilidades da BNCC, porém, a falta de fotografias de indígenas com vestimentas, objetos e cenários do cotidiano acaba contribuindo para o distanciamento de realidades e a mistificação de povos que são ativos e presentes. Também não há retratos de lideranças indígenas na política, nem do passado, nem do presente, alienando o aluno da luta constante pela resistência dos povos originários. 31 Essa ausência da discussão sobre o indígena na atualidade contribui para que a nossa visão sobre esse povo seja realmente de um índio tradicional, aprisionado no passado, sem acesso ao uso das tecnologias, como máquina fotográfica, internet, celular, entre outros. (NASCIMENTO, E. A., DA SILVA, F. P., 2022) Quanto as práticas editoriais, as imagens retratando indígenas recebem um tratamento especial, considerando a Portaria FUNAI nº 177 de 16/02/2006 “Que a proteção do direito de imagem indígena e do direito autoral coletivo é uma das formas de proteger o patrimônio e a cultura indígena; que se baseia no Art. 5º, inciso X da Constituição Federal de 1988: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”, sendo assim, todas as fotografias e obras indígenas são devidamente licenciadas e sua reprodução é autorizada. Entretanto, a maioria das fotografias de etnias indígenas são de fotógrafos não-indígenas – e, por mais que sejam profissionais e que tenham autorização para entrar em territórios indígenas para fotografá-los, ainda é uma perspectiva exterior, “as fotografias e os filmes expressam aqueles que estão diante das câmeras tanto quanto os que estão por detrás delas” (GOMES, 2020). “A partir do momento em que compreende as múltiplas possibilidades em uma imagem e seu uso em instrumentos didáticos, um ponto passa a ser relevante: a obrigatoriedade da temática indígena em sala de aula com a implantação da Lei 11.645/08, que busca a valorização da identidade dos povos indígenas, o reconhecimento de seu papel na história. Se por um lado estas imagens poderiam ser vistas como apoio, por outro lado, a forma como são apresentadas nos livros acabam por dar vazão a preconceitos e reforço de estereótipos. O que se concluiu é que talvez estas imagens já não respondam mais às mudanças que se buscam quanto a valorização destes povos, a partir do momento em que se compreende o momento histórico em que foram elaboradas e como os povos indígenas eram vistos, em contrapartida com os novos aspectos apresentados pela historiografia indígena, algumas imagens já não correspondem mais se apresentadas sem uma devida análise.” (LESSA, A. M., 2016) No miolo do caderno do Arte 9º ano do SE, as imagens escolhidas reforçam estereótipos negativos provindos de uma visão colonizadora desumanizante. Em uma das páginas (abaixo), há uma gravura do artista e editor belga Theodore de Bry, intitulada “Preparo de carne humana no moquém” (1592). Essa imagem é relacionada ao Manifesto Antropófago (1928) de Oswald de Andrade. 32 Figura 11 – Miolo do caderno de SE “Arte – 9º ano” com gravura de Theodore de Bry. Pág. 42 Fonte: ELIA, R., MEIRA, B., PRESTO, R., SOTER, S., pág. 42. Lê-se, acima da imagem: “Esta gravura, de 1562, de Theodore de Bry (1528-1598) com base nos relatos de viajantes que estiveram em território colonial durante as primeiras viagens de exploração, mostra como os europeus daquela época imaginavam o ritual antropofágico”. Embora o texto use a o termo “imaginar”, ele não situa o aluno sobre a intenção da criação e uso desta imagem naquele período e usa termos românticos para se referir ao período da colonização do Brasil. Usar essa gravura, que retrata indígenas sob uma perspectiva racista e colonial apenas para “ilustrar” uma associação livre com o Manifesto Antropófago não apenas descontextualiza o uso da imagem e dos “relatos” dos colonizadores, mistificando os povos originários, como faz uma associação ao texto de Oswald de Andrade para explicar o significado do termo “metáfora” (o verbete se encontra no canto inferior direito da página, que na imagem foi grifado pelo(a) detentor anterior deste volume). Diante a passividade das informações fornecidas, a presença desta imagem está mais perto de uma dessensibilização e normatização dos discursos colonizadores 33 do que instigar uma reflexão no aluno, principalmente uma que não seja só ligada a imagem em si, mas todas as relações histórico-sociais que ela evoca. (...) uma proposta educativa a partir da cultura visual pode ajudar a contextualizar os efeitos do olhar mediante praticas críticas (anticolonizadoras), explorar experiencias (efeitos, relações) de como o que vemos no conforma, nos faz ser o que os outros querem que sejamos e poder elaborar resposta não reprodutivas frente ao efeito desses olhares (HERNÁNDEZ, 2011, pág. 44) Figura 12 – Miolo do caderno de SE “Arte – 9º ano”, págs. 47 e 48. Fonte: ELIA, R., MEIRA, B., PRESTO, R., SOTER, S., págs. 47-48. Em contraponto, no mesmo caderno e tema, algumas páginas a frente, encontra-se a seção “Visões da História”, que aborda de forma comparativa as obras “A primeira missa no Brasil” (1861), de Victor Meirelles, e a obra homônima de 2014 por Luiz Zerbini, instigando o debate sobre historicidade e a ressignificação de relatos sobre a História do Brasil. Trabalhar o pensamento crítico através das imagens, utilizando obras de arte que já constam no imaginário social e são parte componente da identidade nacional, como Hernández (2011) coloca “pensar de forma crítica o momento histórico no qual vivemos e revisar os olhares com os quais viemos construindo os relatos sobre outras épocas a partir de suas representações visuais”. A Cultura Visual permite, então, incorporar a problemática que esteve fora da esfera da arte na educação (...) não existe uma opção única do que é 34 denominado como cultura visual – é a consideração das práticas artísticas como práticas discursivas – culturais que têm efeitos nas maneiras de ver e de ver-se. Reconhecer esses efeitos para gerar relatos alternativos ou em diálogo com os existentes é uma das maneiras de expandir o sentido da educação das artes visuais. O que leva a colocar as políticas de subjetividade como um espaço central para explorar, debater e gerar relatos visuais e performativos que dialoguem e contestem os hegemônicos. (HERNÁNDEZ, 2011, pág. 43) Figura 13 – Miolo do livro “Teláris – Arte 8ºano”, pág. 47 Fonte: POUGY, E., VILELA, A., pág. 47 Ao final do capítulo que coloca os povos originários como tema central, estão colocadas sugestões de atividades para os alunos. Na página 47 encontra-se um exercício de cópia de padrões de pintura corporal indígena dos indígenas Kadiwéu. O enunciado deixa a “escolha” entre um padrão orgânico e um geométrico ao aluno. Atividade mimética que se assemelha aos livros de educação artística tecnicistas reduz um patrimônio cultural (conforme a já citada Portaria FUNAI nº 177 de 16/02/2006 que protege o direito autoral coletivo dos povos indígenas) a uma simples atividade de cópia. Qual é o intuito dessa cópia? Por que não um exercício para que o aluno crie seu próprio 35 padrão ao invés de se apropriar de uma identidade cultural? Por que não uma questão para que ele investigue sua própria ancestralidade e que possa discutir com a sala sobre suas diferentes origens como também, quem tem direito a ancestralidade e memória? No manual do professor há apenas a seguinte explicação: “promovemos a pesquisa, a apreciação e a análise de formas distintas das artes visuais tradicionais e contemporâneas de matrizes indígenas, de modo a ampliar a experiencia com diferentes contextos e práticas artístico-visuais”. Mas ao olhar esse contexto, vem a seguinte indagação: Por que a experiência deve acontecer pela cópia e não pela criação a partir do que foi aprendido nesse capítulo? De acordo com Hernández (2011) “A tradição do olhar ocidental sobre a arte e as imagens se construiu em direção ao objeto ou ao sujeito que a produz. Neste marco, o foco do olhar se dirige para o que é visto com a vontade de possuí-lo”. Não seria o momento então de rompermos com essa prática de cópia e incentivar a imaginação e criação do aluno? Figura 14 – Miolo do caderno de SE “Arte – 9º ano” com litografia colorida “Mercado da Rua do Valongo” de Jean-Baptiste Debret, Pág. 18 36 Fonte: ELIA, R., MEIRA, B., PRESTO, R., SOTER, S., pág. 18. Acima vemos uma gravura do artista francês Jean Baptiste Debret no miolo do caderno de SE DO 9º ano, em um capítulo sobre narrativas visuais. Apesar do texto situar o aluno historicamente em relação a Missão Artística Francesa no Brasil, não há questionamentos levantados sobre essa gravura, como por exemplo, qual seria o uso dela, como narrativa visual, que é o tema deste capítulo, para aquela época, apenas um pedido para que o aluno a descreva. Não há uma crítica anticolonial, nem antirracista, ou uma perspectiva diferente para que o aluno possa criticá-la ele mesmo ou discutir com colegas. Assim, para a utilização de um pintor tão vinculado à história política daquele momento, como foi Debret, não se pode ignorar o contexto social e político em que suas obras foram construídas (SOUZA, 2014). Para Manuel (2001, p. 90): “aquilo que lemos em um quadro varia conforme a pessoa que somos e conforme aquilo que aprendemos”. O problema é que os livros didáticos não trazem esse resgate histórico da obra. Os estudantes apenas observam as composições e tiram suas próprias conclusões. Sendo assim, o sentimento manifestado pelo aluno é favorável a repulsa, vergonha, caracterizando a não identificação com essa identidade. (de FREITAS, P.C.O, de JESUS A. F., 2022, pág. 18) Figura 15 – Miolo do caderno de SE “Arte – 8º ano”, pág. 13 Fonte: ELIA, R., MEIRA, B., PRESTO, R., SOTER, S., pág. 13. 37 Acima vemos uma imagem de um desenho animado norte-americano tomando quase a página inteira, com cores vibrantes e traço fluído. Entretanto, no texto há apenas uma breve sinopse, relacionando a obra ao tema “fim do mundo”, perguntando no final se os alunos leitores “não acham que narrativas como essa nos fazem pensar que, enquanto pudermos sonhar com mundos melhores, haverá um futuro”. Essa coleção faz uso de verbetes e boxes, porém, onde seria útil explicar a animação como um médium artístico e cultural do século XXI, não é aproveitado esse recurso. Não há nem exercícios de leitura, recomendações, ou questões para que os alunos tenham a oportunidade de pensar eles mesmos sobre obras que refletem o tema abordado, sobre outras animações, inclusive brasileiras, as quais tenham um significado para si e por quê. Ou seja, a imagem aqui é usada como uma mera tática de se aproximar do universo visual do aluno, porém sem explorá-lo em todo o seu potencial. “(...) muitas vezes os produtos da cultura contemporânea só são incorporados na/pela escola de modo superficial, periférico e ilustrativo. As tecnologias e as imagens (imagens mais ainda) são bons exemplos disso: são largamente utilizadas pela escola como recurso pedagógico, mas não como produto cultural que tem constituição e modo próprio de se organizar; e que inspira novos modos de ver, de ser, de compreender e se posicionar sobre o mundo”. (GOMES, A. 2020) Figura 16 – Miolo do livro “Teláris – Arte 6ºano”, págs. 136-137. 38 Fonte: POUGY, E., VILELA, A., págs. 136-137. Com exceção desta animação norte-americana, a cultura de massa é pouco encontrada nos LDs. Na coleção “Teláris – Arte” há menções mais à música popular – com um capítulo inteiro dedicado a cantora baiana Pitty – mas pouco há sobre produções visuais e audiovisuais da cultura de massa. Celebrar artistas mulheres – e principalmente, brasileiras – é essencial para a construção de um repertório mais amplo e diverso. Porém, temas que fazem parte da própria obra e trajetória da artista escolhida (Pitty), como feminismo, não são mencionados, apenas os preconceitos que ela sofreu ao longo da carreira, mas sem guiar para uma perspectiva crítica. As imagens escolhidas a mostram como uma figura imponente e expressiva, mas não são puxados fios a partir da perspectiva visual, com exceção de uma pergunta sobre as cores das fotos de um videoclipe, as quais se encontram escuras demais na imagem impressa para uma boa análise. O manual do professor indica discussões para abordagem do tema como “a arte pode expressar nossas relações?”, instigando uma reflexão tocante a subjetividade do aluno, mas o capitulo acaba não se aproximando ao aspecto político da música como uma arte transformadora. 39 Figura 17 – Miolo do livro “Teláris – Arte 6ºano”, págs. 164-165. Fonte: POUGY, E., VILELA, A., págs. 164-165. A música popular utiliza, também, imagens para captar espectadores, com videoclipes, figurinos, etc. Na seção de “História da Arte” há uma pequena linha do tempo da música popular estrangeira, principalmente norte-americana, no livro, partindo do rock, passando pelo pop e chegando à cantora islandesa Björk. Entretanto, por mais relevantes que essas referências sejam as gerações pertencentes e também dignas de memória e contemplação pelas gerações mais jovens, elas não pertencem ao seu universo atual. Esse capítulo parece estar mais próximo à relação dos autores com música e suas memórias afetivas, do que próximo a cultura popular, inclusive brasileira, dos últimos 25 anos. Sobre música brasileira há muito pouco. Na seção “ampliando o repertório cultural” são mencionados a Jovem Guarda, os Mutantes, o Tropicalismo, mas para por aí, deixando a Pitty, que aparece no início do capítulo, como artista mais contemporânea presente neste volume. Ou seja, manifestações culturais brasileiras dos últimos 15 anos, principalmente relacionadas a grupos periféricos, como Funk e Rap, não são exploradas. 40 Ignorar a pluralidade cultural não apaga a sua presença estética na vida do estudante, mas acaba retirando a chance de analisá-las também. “A cultura visual, além do interesse de pesquisa pela produção artística do passado, concentra atenção especial nos fenômenos visuais que estão acontecendo hoje, no uso social, afetivo e político-ideológico das imagens e nas práticas culturais que emergem do uso dessas imagens” (MARTINS, R., TOURINHO, I., 2011) Paul Duncum (2011), sugere em seu texto na coletânea organizada por Raimundo Martins e Irene Tourinho, uma análise da cultura popular que seja ao mesmo tempo crítica e prazerosa que pode ser feita através de um debate entre professor e alunos, proporcionando um espaço seguro para que os alunos manifestem seus pensamentos e ideias. “O objetivo de uma pedagogia dialógica que amalgama diversão e crítica, não consiste em fornecer respostas definitivas, mas sim em levantar questionamentos, revelar dilemas e dar continuidade a uma conversa” (DUNCUM, 2011). O livro fica, mais uma vez, distante da realidade do aluno. O que há de interessante nesse capítulo e deve ser reconhecido, é o exercício que sugere aos alunos que criem um roteiro para videoclipe de sua música preferida. Sabemos que escolas públicas muitas vezes não dispõe de aparelhos tecnológicos como câmeras e filmadoras, mas, podendo-se aproveitar das novas tecnologias e da popularidade do celular, poderia ser incluída a criação do próprio videoclipe, com as ferramentas que os alunos dispõem, ou até um storyboard, adicionando um pensamento visual à sua criação. Figura 18 – Miolo do caderno de SE “Arte – 8º ano”, págs. 24-25. 41 Fonte: ELIA, R., MEIRA, B., PRESTO, R., SOTER, S., págs. 24-25. Nas páginas 24 e 25 do caderno de SE, vemos duas obras; uma da artista plástica brasileira Leda Catunda e outra do pintor metafísico italiano Giorgio de Chirico, porém elas estão nas páginas apenas ilustrando a técnica usada para criá-las. O texto trata sobre tipos de tinta e outros aspectos técnicos sobre as obras, todavia, não há mais nada acerca delas. Fica exposto como o papel da imagem nos LDs fica a cargo apenas de ilustrar o texto ou, como no caso anterior, servir de apoio para se comunicar com alunos de uma geração mais jovem, sem explorar o potencial dialético latente dessas visualidades. Não seria um problema usar obras para falar também sobre mediums e técnicas, porém não se faz uso nem de avanços tecnológicos como zoom ou macros para poder capturar a plasticidade dos materiais, por exemplo. O uso de obras para ilustrações simples acaba banalizando sua presença e dessensibilizando o aluno cada vez mais distante de vê-las como artefatos culturais complexos. Benjamin (2018 [1936]) diz que a aura é o fator de unicidade da obra, a existência dela no aqui e agora que é perdida a partir da massificação proporcionada pela reprodutibilidade técnica. A Obra de arte como utilizada nessas páginas do SE, não só perde sua aura através da reprodução, mas é esvaziada de toda sua essência. Ela não serve ao propósito de aproximar ou alterar a relação das massas da arte como proposto por Benjamin, porque aqui elas deixam de ser arte, são apenas figuras coloridas. Ainda é preciso “entender que imagens não são meros recursos, e sim, um produto cultural estruturante dos modos de ver e pensar o mundo” (GOMES, 2020). Através dessas páginas vemos como os LDs de Arte ainda são mais próximos de uma revista de Arte ilustrada do que de um material que utiliza as imagens para além disso, inclusive nas capas dos materiais. Algumas exceções se aproximam do caráter crítico que a perspectiva da Cultura Visual proporciona. Porém, ainda é necessário repensar o uso do restante das imagens, que ainda são completamente subordinadas ao texto. 42 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos estudos da Cultura Visual constatamos todo o potencial das imagens como elementos complexos e transformadores, se guiadas pelo pensamento crítico ao mesmo tempo que proporciona diferentes experiências quando presentes em contextos didáticos. Entretanto, o que se considera desta pesquisa acerca das coleções de LDs de Arte analisadas, é que a maioria das imagens ainda são usadas para ilustrar, e não como objeto de fruição, análise e crítica em si, tanto sobre a própria imagem apresentada, quanto seu contexto de produção e as noções culturais que evocam. É importante frisar que, mesmo sendo um material didático, tanto os LDs distribuídos através de programas governamentais quanto os comercializados diretamente em escolas particulares, são produtos de um aparato mercadológico da burguesia produtora de objetos culturais visando, primeiramente, o lucro. Isso não é um julgamento aos profissionais participantes da elaboração do objeto, porque estes estão sujeitos a regras pré- determinadas de várias entidades, tanto privadas quanto governamentais, que regem o conteúdo desses materiais acima de qualquer experiência e repertório, mas é uma crítica as estruturas tanto ao mercado editorial quanto aos editais e órgãos públicos que pautam suas condições de existência. Portanto, há também de se repensar as estruturas as quais esses materiais didáticos são demandados, elaborados e distribuídos. E quais papéis possíveis dos educadores na participação em políticas públicas voltadas para educação e na formulação destes objetos. O caminho que a produção de materiais didáticos segue evidencia a importância de uma discussão, que deve ser coletiva, participativa e colaborativa, entre os diferentes agentes educacionais sobre a necessidade de políticas públicas adequadas e relacionadas às solicitações de novos formatos (CASTILHO, C. 2018, pág. 30) Este estudo não é uma crítica estática e definitiva, mas uma forma de colocar em evidencia as visualidades contidas em um objeto tão importante e presente na vida escolar brasileira. As observações inferidas, como por exemplo, da questão de a fotografia indígena ser feita por não indígenas, não 43 são uma crítica aos fotógrafos que se dedicam e respeitam os povos originários, e nem às fotos produzidas por eles, mas uma análise sobre o uso delas no contexto em questão, lembrando que imagens são objetos culturais formadores de conhecimento. São várias as possibilidades para enriquecer os LDs, e é importante manter aberto esse espaço para discussão e contribuição dos mais diversos pontos de vista e áreas do conhecimento. O debate sobre as visualidades no ambiente escolar é essencial e precisa ser constante para a elaboração de materiais didático-pedagógicos atuais, anticoloniais, antirracistas, feministas e emancipatórios, que instiguem o pensamento crítico a fim de quebrar o controle do poder hegemônico, fazendo uso do forte potencial dialético das imagens para nos aproximar ainda mais de uma educação transgressora. 44 REFERÊNCIAS BARBOSA, A. M. T. B. A Cultura Visual Antes da Cultura Visual. Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 3, p. 293-301, set./dez. 2011 BENJAMIN, W. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. L&PM, 2018 [1936]. BITTENCOURT, C. F. A História do Livro Didático Brasileiro. ABRELIVROS, 2020. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): educação é a base. Brasília, DF: MEC/CONSED/UNDIME, 2018. 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