616 Hortic. bras., v. 20, n. 4, dez. 2002. A cultura de feijão-vagem no Brasil é conduzida tradicionalmente por produtores familiares, utilizando-se pe- queno número de cultivares de cresci- mento indeterminado no sistema tutorado (Peixoto et al., 1993). Tais cul- tivares estão sendo utilizadas em diver- sas regiões, sem se considerar as possí- veis diferenças de comportamento nos diversos ambientes. A expressão fenotípica de caracteres variáveis depende da carga genética da cultivar, bem como do ambiente onde é plantada. Algumas cultivares podem apresentar produções estáveis, altas ou baixas, em uma ampla faixa de ambien- tes, enquanto outras apresentam varia- ções, à medida que as condições ambientais são modificadas (Comstock & Moll, 1963). Assim, o estudo da interação genótipos x ambientes torna- se necessário nos programas de melho- ramento, desde a escolha de progenito- res à indicação e liberação de novas cul- tivares (Finlay & Wilkinson, 1963; Eberhart & Russell, 1966; Banzatto, 1994; Cruz & Regazzi, 1994). PEIXOTO, N.; BRAZ, L.T.; BANZATTO, D.A.; OLIVEIRA, A.P. Adaptabilidade e estabilidade em feijão-vagem de crescimento indeterminado. Horticultura Brasileira, Brasília. v. 20, n. 4, p. 616-618, dezembro 2002. Adaptabilidade e estabilidade em feijão-vagem de crescimento indeterminado Nei Peixoto1; Leila T. Braz2; David A. Banzatto2; Ademar P. Oliveira3 1AGENCIARURAL, EE Anápolis, C. Postal 608, 75.001-970 Anápolis-GO; 2UNESP-FCAV Depto. Produção Vegetal, 14.870-000 Jaboticabal-SP; 3UFPB -CCA Depto. Fitotecnia, C. Postal 02, 58.397-000 Areia-PB. As empresas produtoras de semen- tes estão interessadas na obtenção de cultivares estáveis, que possam ser cul- tivadas em diferentes ambientes, en- quanto que para o produtor seria dese- jável a utilização de cultivares adapta- das às suas condições edafoclimáticas e à tecnologia específica de produção. Diversos métodos visando estudar a interação genótipo x ambiente têm sido propostos, destacando-se aqueles que se baseiam nas análises de variância, na regressão linear e na regressão segmen- tada (Duarte, 1988; Cruz & Regazzi, 1994). Atualmente, os métodos de Finlay & Wilkinson e de Eberhart & Russell são os mais utilizados para o estudo de adaptabilidade e estabilidade, ambos eficientes para descrever o com- portamento dos genótipos frente às va- riações ambientais, sendo que o segun- do método, por utilizar escala aritméti- ca, facilita a interpretação biológica dos resultados (Duarte 1988). Este trabalho teve como objetivo avaliar, em cultura tutorada, a adaptabi- lidade e estabilidade de linhagens pro- missoras de feijão-vagem, comparadas à cultivar Favorito Ag 480, atualmente mais plantada no Brasil. MATERIAL E MÉTODOS Estudaram-se, em cultura tutorada, a adaptabilidade e estabilidade, de fei- jão vagem de crescimento indeterminado, envolvendo quatorze li- nhagens (Hav 13, Hav 14, Hav 21, Hav 22, Hav 25, Hav 38, Hav 40, Hav 41, Hav 49, Hav 53, Hav 56, Hav 65, Hav 67 e Hav 68), selecionadas a partir de material genético introduzido do Cen- tro Internacional de Agricultura Tropi- cal (CIAT) e a cultivar Favorito Ag 480, produzida pela Horticeres. Esses genótipos foram avaliados em oito am- bientes (Anápolis-GO 1996, Morrinhos- GO 1996, Urutaí-GO 1996, Anápolis 1996/97, Anápolis 1997, Jaboticabal-SP 1997, Anápolis 1998 e Areia-PB 1999). Os experimentos foram conduzidos no período de outono/inverno, exceto no ambiente Anápolis 1996/97, conduzido no período de primavera/verão. RESUMO Estudaram-se a adaptabilidade e estabilidade de 15 genótipos de feijão-vagem de crescimento indeterminado em relação a oito ambientes. Houve diferenças significativas entre genótipos em ape- nas três ambientes. As linhagens Hav 13, Hav 14, Hav 53 e Hav 56 igualaram-se aos genótipos mais produtivos em todos ambientes. As linhagens Hav 13, Hav 21, Hav 25, Hav 38, Hav 40, Hav 56, Hav 65 e a cultivar Favorito Ag 480 foram estáveis e as demais imprevisíveis, de acordo com a metodologia de Eberhart & Russell. Os genótipos apresentaram ampla adaptabilidade, exceto Hav 67 adaptável a ambientes desfavoráveis. A linhagem Hav 13, de vagens cilíndricas e sementes brancas, foi a alternativa mais vantajosa à cultivar Favorito Ag 480, utilizada como testemunha. Palavras-chave: Phaseolus vulgaris, genótipos, ambiente, produti- vidade. ABSTRACT Adaptability and stability in pole beans The adaptability and stability of fifteen pole beans genotypes were evaluated in relation to eight environments. There were statistical differences among genotypes only in three environments. The breeding lines Hav 13, Hav 14, Hav 53 and Hav 56 were among the higher yielding genotypes in all environments. The breeding lines Hav 13, Hav 21, Hav 25, Hav 38, Hav 40, Hav 56, Hav 65 and the cultivar Favorito Ag 480 were stable, while the other ones were unforeseeable according to the Eberhart & Russell method. Genotypes showed a wide adaptation in relation to yield of marketable pods, except Hav 67 adapted to unfavorable environments. The breeding line Hav 13, with cylindrical pods and white seeds was the most advantageous alternative to the standard cultivar Favorito Ag 480. Keywords: Phaseolus vulgaris, genotypes, environment, yield. (Recebido para publicação em 16 de maio de 2001 e aceito em 03 de julho de 2002) 617Hortic. bras., v. 20, n. 4, dez. 2002. As adubações de plantio e de cober- tura foram realizadas, conforme resul- tados da análise de solo e as recomen- dações para cada local. Foram realiza- dos controles fitossanitários e os tratos culturais normais para a cultura, inclu- indo irrigação por aspersão, procuran- do-se manter o nível de disponibilidade de água acima de 80% da capacidade de campo. O delineamento experimental utili- zado foi em blocos casualizados com três repetições. As parcelas foram cons- tituídas de 20 plantas, dispostas em duas fileiras, espaçadas de um metro, ocupan- do área de 4 m2, todas úteis, exceto em Areia (PB), onde apenas 10 plantas fo- ram consideradas. O espaçamento en- tre covas na fileira foi de 20 cm, com uma planta por cova, exceto em Jaboticabal (SP), onde foi de 40 cm, com duas plantas por cova. Os dados de produtividade de vagens comerciáveis foram submetidos à aná- lise de interação genótipo x ambiente pelo método de Eberhart & Russell (1966), utilizando-se o programa IGA, desenvolvido por Banzatto (1994). Este programa realiza a análise conjunta dos dados dos diversos ambientes dentro de cada grupo de ensaios e, dentro de cada ambiente, a análise de variância e teste de médias. A metodologia de Eberhart & Russell (1966) baseia-se numa equação de regressão linear, representada pelo modelo matemático: Yij = mi + biIj + dij +eij i = 1, 2,.. ,I j = 1, 2,..., J no qual i representa os genótipos, j os ambientes, sendo os termos assim definidos: Yij média do genótipo i no ambien- te j; mi média do genótipo i, conside- rando todos os ambientes; bi: coeficiente de regressão linear, que mede a resposta do i-ésino genótipo à variação ambiental (adaptabilidade); Ij: índice ambiental do j-ésimo am- biente, obtido pela diferença entre a média de todos os genótipos neste am- biente e a média geral de todos os genótipos em todos os ambientes; dij: desvio da regressão linear, do i- ésimo genótipo no j-ésimo ambiente; mede a resposta do genótipo às flutuações que podem ocorrer nos am- bientes (estabilidade). RESULTADOS E DISCUSSÃO Houve diferenças significativas en- tre genótipos em Urutaí 1996, Jaboticabal 1997 e Anápolis 1998. As linhagens Hav 13, Hav 14, Hav 53 e Hav 56 igualaram-se aos genótipos mais pro- dutivos em todos os ambientes. Diferi- ram-se dos genótipos mais produtivos, as linhagens Hav 21, Hav 22 e Hav 40, em Jaboticabal 1997 e Anápolis 1998; Hav 25 e Hav 41, em Urutaí 1996, Jaboticabal 1997 e Anápolis 1998; Hav 49, em Urutaí 1996 e Anápolis 1998 (Tabela 1). As linhagens Hav 13, Hav 21, Hav 25, Hav 38, Hav 40, Hav 56, Hav 65 e a cultivar Favorito Ag 480 fo- ram estáveis, como pode ser constatado Adaptabilidade e estabilidade em feijão-vagem de crescimento indeterminado Tabela 1. Produtividade de vagens comerciáveis (t/ha) de quinze genótipos de feijão-vagem em oito ambientes. Anápolis, AGENCIARURAL, 1996-1999. Genótipos Locais/anos Anápolis 1996 Morrinhos 1996 Urutaí 1996 Anápolis 1997 Anápolis 1996/97 Jabotica- bal 1997 Anápolis 1998 Areia 1999 Produtividade (t/ha) Hav 13 12,83 a1 12,30a 15,83 abc 15,26 a 9,08 a 24,27 a 23,03 ab 25,58 a Hav 14 10,89 a 14,56a 14,13 abc 11,85 a 10,03 a 21,24 ab 22,20 ab 20,79 a Hav 21 12,83 a 13,12a 18,13 ab 13,78 a 9,41 a 19,05 bc 18,16 bc 27,63 a Hav 22 11,75 a 12,78a 14,32 abc 17,17 a 10,76 a 12,70 e 19,31 bc 31,60 a Hav 25 13,17 a 10,92a 12,38 bc 17,64 a 9,44 a 14,27 de 20,03 bc 26,51 a Hav 38 12,14 a 14,09a 15,96 abc 16,77 a 8,16 a 19,96 ab 19,32 bc 35,03 a Hav 40 15,43 a 14,40a 19,83 a 14,21 a 9,37 a 18,39 bcd 19,02 bc 24,19 a Hav 41 12,83 a 17,43a 9,13 c 11,46 a 10,49 a 12,83 e 15,53 c 31,58 a Hav 49 12,63 a 13,68a 9,38 c 17,31 a 10,06 a 19,93 ab 20,79 bc 35,74 a Hav 53 13,04 a 12,06a 16,13 abc 17,76 a 8,09 a 21,90 ab 21,99 ab 20,86 a Hav 56 12,61 a 11,09a 14,88 abc 15,71 a 9,43 a 20,11 ab 21,85 abc 22,68 a Hav 65 14,12 a 12,62a 13,97 abc 14,20 a 8,94 a 22,30 ab 19,84 bc 20,47 a Hav 67 13,17 a 12,86a 13,83 abc 16,83 a 9,42a 19,81 ab 20,51 bc 15,92 a Hav 68 12,36 a 13,28a 9,08 c 15,25 a 10,15 a 20,78 ab 27,60 a 30,50 a Favorito Ag 480 13,42 a 15,27a 14,50 abc 16,30 a 10,49 a 14,97 cde 24,20 ab 30,28 a Média 12,88 DE2 13,36D 14,08 D 15,30 CD 9,55 E 18,84 BC 20,89 B 26,62 A CV (%) 12,63 17,50 16,95 13,38 16,83 8,38 10,06 25,02 Médias seguidas da mesma letra minúscula, na coluna1, e maiúscula na linha2, não diferem entre si pelo teste de Tukey (P>0,05). 618 Hortic. bras., v. 20, n. 4, dez. 2002. pela não significância do teste F para os desvios de regressão (dij @ 0), enquanto que as demais mostraram-se imprevisíveis (dij ? 0). Os genótipos apresentaram ampla adaptabilidade (com bi @1), exceto Hav 67, que revelou-se adaptável a ambien- tes desfavoráveis (com bi <1). O modelo de regressão linear foi adequado, tendo em vistas a significância dos coeficien- tes de determinação (R2) , exceto para Hav 41 (Tabela 2). O desvio da regressão linear dij indica o grau de confiabilidade da resposta linear estimada. Um genótipo com baixo valor de dij deverá apresentar comportamento uniforme, quando cultivado em condições ambientais semelhantes, enquanto que um genótipo com alto valor de dij dificilmen- te repetirá esse desempenho. Adicional- mente, o coeficiente de determinação R2 i mede a adequação do modelo. Uma culti- var ideal deverá apresentar alto rendimen- to médio (mi ), resposta positiva à melhoria do ambiente, isto é com bi@1 e o com- portamento altamente previsível, ou seja dij @ 0 (Bonato, 1978), além do coeficiente de determinação R2 i @ 1 (Banzatto, 1994). N. Peixoto et al. 1Médias seguidas da mesma letra, na coluna, não diferem entre si pelo teste de Tukey (P>0,05); 2Teste t; 3Teste F. Níveis de significância: ns= não significativo (P>0,05); *= significativo (P>0,05); **= significativo (P>0,01). Genótipos Produtividade (t/ha) Coeficientes de regressão linear Desvios de regressão Coeficientes de determinação mi bi t(bi dij R2i Hav 13 17,27 a1 1,07 0,43 ns² 2,52 ns³ 0,88 ** Hav 14 15,71 a 0,79 -1,11 ns 4,59 * 0,74 ** Hav 21 16,51 a 0,96 -0,24 ns 1,49 ns 0,88 ** Hav 22 16,30 a 1,12 0,49 ns 8,43 ** 0,79 ** Hav 25 15,55 a 0,97 -0,23 ns 1,89 ns 0,87 ** Hav 38 17,68 a 1,41 2,45 ns 2,92 ns 0,92 ** Hav 40 16,86 a 0,72 -1,69 ns 2,63 ns 0,76 ** Hav 41 15,16 a 1,05 0,14 ns 19,10 ** 0,63 * Hav 49 17,44 a 1,49 2,33 ns 6,02 * 0,89 ** Hav 53 16,22 a 0,81 -0,99 ns 4,38 * 0,75 ** Hav 56 16,04 a 0,87 -1,02 ns 0,26 ns 0,89 ** Hav 65 15,78 a 0,73 -1,55 ns 3,11 ns 0,75 ** Hav 67 15,29 a 0,48 -2,58 * 5,53 * 0,48 ns Hav 68 17,37 a 1,41 2,06 ns 5,07 * 0,89 ** Favorito Ag 480 17,44 a 1,13 0,77 ns 2,69 ns 0,88 ** População 16,44 1,00 Tabela 2. Desempenho de quinze genótipos de feijão-vagem quanto à produtividade média de vagens comerciáveis, em relação a oito ambientes. Anápolis, AGENCIARURAL, 1996-1999. As linhagens Hav 38, Hav 56 e Hav 65, todas de vagens achatadas de semen- tes pretas, podem ser utilizadas como al- ternativas para o mercado, onde esse tipo de vagem é bem aceito. Vagens cilíndri- cas são preferidas na maioria dos merca- dos brasileiros, visto que vagens achata- das são associadas por consumidores ao feijão comum, de vagens fibrosas, o que nem sempre é verdadeiro, conforme de- monstrado por Hamasaki et al. (1998). Já cultivares com sementes coloridas expres- sam essa cor após o preparo, tanto como conserva quanto para o consumo imedia- to, principalmente se as vagens forem co- lhidas no máximo tamanho comercial. A linhagem Hav 13, de vagens ci- líndricas e sementes brancas, revelou- se a alternativa vantajosa à cultivar Fa- vorito Ag 480, utilizada como testemu- nha, pois além de estável, igualou-se aos genótipos mais produtivos em todos os ambientes, o que não ocorreu com esta. LITERATURA CITADA BANZATTO, D.A. 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