UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento RENATO APARECIDO TEREZAN DE MOURA DIFUSÃO DE OBJETOS DE APRENDIZAGEM MULTIPLATAFORMA POR TRANSMISSÃO DE TELEVISÃO DIGITAL: UM ESTUDO DE VIABILIDADE TÉCNICA E PEDAGÓGICA BAURU/SP 2015 2 RENATO APARECIDO TEREZAN DE MOURA DIFUSÃO DE OBJETOS DE APRENDIZAGEM MULTIPLATAFORMA POR TRANSMISSÃO DE TELEVISÃO DIGITAL: UM ESTUDO DE VIABILIDADE TÉCNICA E PEDAGÓGICA Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento, da Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação - FAAC, Universidade Júlio de Mesquita Filho - UNESP, para obtenção do título de Mestre em Televisão Digital sob a orientação da Profa. Dra. Maria da Graça Mello Magnoni. BAURU/SP 2015 3 TEREZAN DE MOURA, Renato Aparecido. Difusão de objetos de aprendizagem multiplataforma por transmissão de televisão digital: Um estudo de viabilidade técnica e pedagógica / Renato Aparecido Terezan de Moura, 2015 145 f. Orientadora: Maria da Graça Mello Magnoni Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2015 1. Gestão do conhecimento. 2. TV digital interativa. 3. Objetos educacionais. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. 4 5 Dedico este trabalho a minha mulher Márcia Adriana Pierini, minha mãe Luzia Terezan de Moura, meu pai Lázaro Leite de Moura (in memorian), meu irmão Sergio Domingos de Oliveira e meu enteado Caio Pierini Coelho. 6 Agradecimentos A minha orientadora e amiga Maria da Graça Mello Magnoni pelo suporte acadêmico, paciência e apoio incondicional ao projeto. Muito obrigado ! Aos meus familiares a quem dedico este trabalho e especialmente minha companheira de todos os momentos, Adriana, sem a qual eu não teria obtido êxito. A todos que colaboraram, incentivando a pesquisa, especialmente aos professores Marcos Américo (Tuca), Francisco Magnoni (Dino), Maria Cristina Gobbi, Francisco Rolfsen Belda (Tico), João Pedro Albino e Ana Silvia Lopes Medola. Aos colegas da FAAC e especialmente aos amigos Shelley Navari, Matheus Monteiro e Cynthia Neves Blasques pelo apoio, conversas, cafés, piadas, risadas, caronas e todas as manifestações de amizade recebidas durante os dois anos de convivência. Aos professores Cosette Castro da UCB e André Barbosa da EBC pelo protagonismo no projeto Brasil 4D e a todos que acreditam e desenvolvem o Ginga no Brasil e em outros países do mundo. A UNESP na pessoa de todos os servidores e amigos que se dedicam a garantir boas condições de prestar serviços de ensino, pesquisa e extensão de qualidade e acessível aos cidadãos. 7 “Você não conseguirá ficar em casa, irmão. Você não conseguirá se plugar, ligar ou arregar. Você não será capaz de se perder em drogas ou passar reto durante os comerciais, Porque a revolução não será televisionada.” Gil Scott-Heron (tradução livre) 8 RESUMO Usando recursos do middleware Ginga (ABNT, NBR 15606-2, 2007) em um programa para televisão interativa, as emissoras educativas podem enviar metadados semânticos e objetos de ensino-aprendizagem diretamente no fluxo de transmissão de televisão digital. O alcance médio de um transmissor digital típico desse segmento pode atingir uma área de até quarenta quilômetros quadrados (FÓRUM SBTVD, 2008; SET, 2010) alcançando as periferias de macrozonas urbanas em regiões residenciais sem acesso à internet e escolas ainda não atendidas pelo PNBL (Plano Nacional de Banda Larga, Minicom, 2012). Desde janeiro de 2014, 90% dos aparelhos de televisão fabricados no Brasil têm o Ginga embarcado e são conectáveis às redes de dispositivos informacionais (PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 140, BRASIL, 2013) e se tornaram estratégicos diante desta nova realidade, ocasionada pela convergência digital e midiática. As emissoras educativas podem oferecer aplicativos, ontologias de objetos educacionais e jogos em conteúdos que permitem a comunicação bidirecional e oferta de conteúdos complementares ao fluxo televisivo como linguagem de representação de conhecimento. Esta pesquisa avalia a viabilidade técnica e pedagógica de formas inéditas de aprendizado e difusão científica através de um dispositivo midiático que alcança imensa capilaridade em todo território nacional, sendo utilizado por 97% dos brasileiros, todos os dias da semana em todas as faixas etárias e substratos sociais (BRASIL, 2015). Palavras-chave: TV digital interativa, objetos educacionais multiplataforma, ginga 9 ABSTRACT Using resources from Ginga (ABNT NBR 15606-2, 2007) in a program for interactive television, educational broadcasters can send semantic metadata and objects of teaching and learning directly in the stream digital television broadcasting. The average range of a typical digital transmitter that segment can achieve an area of up to twenty-four square miles (FORUM SBTVD, 2008; SET, 2010) reaching the outskirts of urban macro-zones in residential areas without internet access and schools unmet by PNBL ( National Broadband Plan, Minicom 2012). Since January 2014, 90% of television sets manufactured in Brazil have Ginga shipped and are connectable to networks of informational devices (Act No. 140, BRAZIL, 2013), and become strategic in this new reality brought about by digital and media convergence. Educational broadcasters can offer programming on demand applications, ontologies of learning objects content and games that allow two-way communication and offer additional content to television flow as knowledge representation language. This research evaluates the technical and educational viability of new ways of learning and scientific dissemination through a media device that achieves immense capillary nationwide and used by 97% of Brazilians every day of the week in all age groups and social stratum (BRAZIL , 2015). Keywords: interactive digital TV, learning objects, ginga 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Gráfico do ciclo de desenvolvimento de aplicações no laboratório 28 Figura 2 - Gráfico do ciclo espiral extendido ao ciclo em V de desenvolvimento Dados da pesquisa: O Novo Universo Multitelas (Google, Ipsos) 29 Figura 3 - Paradigma da aprendizagem significativa 52 Figura 4 - Gastos públicos federais com propaganda televisiva 59 Figura 5 – Televisão – Razões pelas quais assiste TV 63 Figura 6 – Internet – Ciclo horário de uso da internet 64 Figura 7 – Uso diário da internet 65 Figura 8 - Exemplos de receitas para TV digital terrestre 80 Figura 9 – Set top box híbrido Ginga para TV aberta, satélite, IPTV e banda larga com wifi 82 Figura 10 – Arquitetura Canal de interatividade 91 Figura 11 - Limiar da largura de banda adequada para TVDi 93 Figura 12 – Variações possíveis de canais em multiprogramação 94 Figura 13 - Variações possíveis de canais em multiprogramação sem one seg 95 Figura 14 – Pesquisa do uso de internet na escola 97 Figura 15 - Dados da pesquisa O Novo Universo Multitelas 103 Figura 16 – Forma simplificada da especificação do Ginga 107 Figura 17 - Mapa conceitual da arquitetura da informação e interações 108 Figura 18 - Mapa conceitual do fluxo de metadados e conteúdos em difusão híbrida 110 Figura 19 - Modulador de RF portátil do laboratório 113 Figura 20 - Tela de seleção de categoria de ontologias 118 Figura 21 - Tela do aplicativo para seleção dos objetos educacionais nas ontologias 119 Figura 22 – Interface do aplicativo mostrando dispositivos para interoperabilidade (HTML5) 120 Figura 23 – Aplicativo rodando em segunda tela num smatphone Android (Ginga Mobile) 121 Figura 24 – Aplicativo rodando em segunda tela num tablet Android (Ginga Mobile) 121 11 Figura 25 – Set top box Dlink Totvs, roteadores e NAS de armazenamento 122 Figura 26 – Objeto educacional pronto para execução no dispositivo 122 Figura 27 - Objeto Aplicativo interoperando na TVDi, no tablet, no celular 123 Figura 28 Aplicativo interoperando na TVDi, no tablet, no celular e notebook 123 12 LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS Quadro 1 - Construtivismo Freireano 43 Quadro 4 - Portaria nº 481, de 9 de julho de 2014 69 Quadro 5 – Requisitos mínimos para recepção do sinal digital 70 Quadro 6 – Normas Veiculação obrigatória de aviso do desligamento do sinal 71 Quadro 7 – Cronograma de inserções diárias 72 Quadro 8 – Constituição da EBC 75 Quadro 9 – Tempo de difusão e download de objetos educacionais 109 Quadro 10 – Ferramentas e normas de desenvolvimento 117 Quadro 11 – Cronograma de desenvolvimento do aplicativo em 2015 129 13 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Taxas de transmissão de dados por radiodifusão (UHF/VHF) 90 Tabela 2 – Características dos cenários 80 14 LISTA DE SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ADSL Asymmetric Digital Subscriber Line ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações APPS Aplicativos APL Arranjo Produtivo Local AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem BIT Binary Digit ATSC Advanced Television System Committee CD-ROM Compact Disc Read-Only Memory CD-RW Compact Disc ReWritable CPQd Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (anterior Telebrás) CPU Central Processing Unit DI Design Instrucional DI Design Instrucional DVB Digital Video Broadcasting DVD-ROM Digital Versatile Disc - Read Only Memory DVD-RW Digital Versatile Disc - ReWritable EAD Educação a Distância EBC Empresa Brasileira de Comunicação GIRED Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV HDTV High Definition Television HTML HyperText Markup Language (Linguagem de Marcação de Hipertexto) ISDB Serviço Integrado de Transmissão Digital ISDB-Tb Serviço Integrado de Transmissão Digital Terrestre Brasileiro IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ITU International Telecomunications Union (União Internacional das Telecomunicações) LAVID Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital MEC Ministério da Educação MINICON Ministério das Comunicações do Brasil MIT Instituto de Tecnologia de Massachusetts NCL Nested Context Language NHK Nippon Hoso Kyokai 15 PNBL Plano Nacional de Banda Larga PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro NBR Norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) RNP Rede Nacional de Ensino e Pesquisa RTV Retransmissora de televisão SBTVD Sistema Brasileiro de Televisão Digital SECOM Secretaria de Comunicação da Presidência da República SEED Secretaria de Educação a Distância SET Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão NTICs Novas Tecnologias de Informação e Comunicação TELEMÍDIA Laboratório de Sistemas Multimídia TIC Tecnologia da informação e comunicação TV Televisão TVDi Televisão Digital Interativa UFMT Universidade Federal do Mato Grosso UFPB Universidade Federal da Paraíba UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista USP Universidade de São Paulo UHF Ultra High Frequency VHF Very High Frequency WIFI Rede sem fio pessoal de curto alcance WIMAX Rede sem fio metropolitana de grande alcance 16 Sumário CAPÍTULO 1 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO 1 INTRODUÇÃO 18 1.1 Justificativa 20 1.2 Pergunta da pesquisa 21 1.3 Objetivos 22 1.4 Plano metodológico 22 1.4.1 A metodologia da pesquisa bibliográfica 23 1.4.2. Elementos e corpus 24 1.4.3 Metodologia para o desenvolvimento da aplicação 25 1.5 Ciclos de desenvolvimento 27 1.5.1 Set top boxes de desenvolvimento 28 1.5.2 Equipamentos da primeira fase da pesquisa 29 1.6 Estrutura do trabalho 30 CAPÍTULO 2 ESTUDO DA VIABILIDADE PEDAGÓGICA 2.1 A práxis tecnológica nas práticas educacionais 33 2.2 O Pensamento de Paulo Freire sobre a tecnologia 34 2.3 O construtivismo crítico 40 2.3.1 Transdisciplinaridade 43 2.3.2 Transcurricularidade 44 2.3.3 Interculturalidade 45 2.4 Gerações de ensino a distância 46 2.5 Design didático e instrucional 48 2.6 Acervos Digitais de Objetos Educacionais Abertos 49 2.7 Aprendizagem significativa e colaborativa 51 CAPÍTULO 3 ASPECTOS ESTRUTURANTES DA ECONOMIA POLÍTICA DO SBTVD 3.1 – Os monopólios de propriedade cruzada 56 3.2 As demandas de comunicação interativa 59 17 3.3 A freqüência de uso da TV e internet no Brasil 62 3.4 Os canais de cidadania em multiprogramação. 65 3.5 O cronograma de desligamento analógico e o receptor do Bolsa Família 67 3.4 As retransmissoras (RTVs) 71 3.5 A EBC e o projeto Brasil 4D 75 3.6 Cadeia de valores e modelo de negócios 77 3.7 O atual estágio de desenvolvimento do midlleware Ginga 80 3.8 Novas abordagens híbridas hipermídia 84 CAPÍTULO 4 VIABILIDADE TÉCNICA 4.1 Difusão de objetos educacionais via radiodifusão e redes de dados 89 4.2 Multiprogramação 92 4.3 Metadados semânticos e objetos de aprendizagem 95 4.4 Convergência digital e múltiplas telas 101 CAPÍTULO 5 DESENVOLVIMENTO ATUAL DA PESQUISA 5.1 Relatório Técnico do Aplicativo HbEduTV apresentado no concurso Inova Apps do Ministério das Comunicações 106 CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 125 REFERÊNCIAS 130 GLOSSÁRIO 139 ANEXOS 142 18 CAPÍTULO 1 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO 19 1 Introdução A crescente disponibilidade de novas tecnologias de ensino mediadas por interfaces digitais possibilita que alunos, professores, designers instrucionais e tutores desenvolvam seus próprios modelos interativos de ensino-aprendizagem (MORAN, 2013), onde as ferramentas de mediação tradicionais sejam harmonizadas com os recursos dos dispositivos multiplataforma, característicos da convergência comunicacional digital (BLACKMAN, 1998) e midiática (JENKINS, 2003), tais como celulares, tablets1, televisão digital e até mesmo videogames. Quando nos referimos aos recursos comuns aos nativos ou imigrantes digitais (PRENSKY, 2001) e usados em ambientes educacionais ou não, devemos questionar quais diferenças conceituais sobre tecnologia existem entre as diferentes gerações de usuários dos dispositivos informacionais. Aqui cabe a pergunta: O que pode ser considerada como tecnologia educacional inovadora? Para muitos dos que já nascem utilizando dispositivos touchscreen2 desde os primeiros anos de vida e crescem vendo isso com certa naturalidade (GOBBI, 2012) pode não ser nada inovador o uso de computadores no apoio ao processo de ensino e aprendizagem. Aliás, pode não ser um diferencial, mas apenas uma premissa, portanto esse questionamento é bastante pertinente e reflete a necessidade de objetivar a análise de um ambiente que integre várias tecnologias em um protocolo multiplataforma que permita a imersão no aprendizado com leituras diferenciadas em redes e dispositivos. Aqui cabe a importância de esclarecer que o diferencial adequado se aproxima das narrativas transmídia, que exigem um tratamento apropriado e específico para cada segmento, não se tratando de mera replicação de conteúdos adaptados às interfaces midiáticas. (SCOLARI, 2013; CANNITO, 2010). A aprendizagem significativa estabelece que o conhecimento prévio que o aprendiz articula para inferir, comparar, relativizar, criando novas leituras, conclusões e hipóteses, é tão significativo para o processo quanto à ancoragem do novo saber conectado (AUSUBEL, 1968). Podemos inferir que o arcabouço cultural e intelectual de um aluno incorpora o conhecimento ancorado pela significância3 do novo saber em suas estruturas mentais. A teoria de Ausubel foi concebida no campo 1 dispositivo móvel em forma de prancheta eletrônica, sem teclado externo e com tela sensível ao toque 2Touchscreen – Tela sensível ao toque que permite navegação por interface com os dedos e sem teclado físico. 3 Aquilo que possui relevância, importância, valor (fonte: dicionário informal) 20 das ciências cognitivas e da psicologia que relativiza o estudo ao comportamento individual, não contemplando o processo pedagógico ou sócio-histórico. No Brasil, desde 1962 as teorias pedagógicas de Paulo Freire, caracterizadas pela construção colaborativa com o aprendiz, valorizando sua cultura e senso crítico contextualizado ao seu momento histórico, atestam a pertinência do mesmo conceito central da aprendizagem significativa como referencial na construção de processos educacionais colaborativos (MOREIRA, 2002), que não por coincidência, são também típicos dos ambientes ciberculturais das redes hipermídia (SANTAELLA, 2009). Focar uma experiência de aprendizado mais participativa envolve manter e mediar vínculos afetivos e sociais na virtualidade e também na realidade empírica (MORAN, 2013). O aprendiz e o professor precisam ser fluentes na linguagem cibernética (WIENER, 1984; LEVY,1999) e uso das ferramentas informacionais, porém também devem entender como elas são úteis e indispensáveis porque permitem trabalhar e lidar com a grande complexidade do conhecimento humano, sistematizar os dados de seus estudos e se comunicar para difusão e construção do conhecimento pessoal ou coletivo. A convergência digital (BLACKMAN, 1998) acelerada pela convergência das mídias (JENKINS, 2003), indica a necessidade de mediação dinâmica da comunicação em caráter pessoal para a efetiva inclusão do individuo no mercado de trabalho ou no ambiente educacional, mesmo antes dele pertencer ao que chamamos de sociedade em rede (CASTELS, 2003). A realidade brasileira captada pelas pesquisas do Comitê Gestor da Internet (CGI, 2014) e Presidência da República (2015) mostram que metade da população não tem acesso à internet ou não acessa por diversos motivos, pois, embora haja disponibilidade de conexão, alguns segmentos populacionais não foram educados para o uso de interfaces de dispositivos conectados em redes informacionais. A pesquisa (BRASIL, 2015) também indica que além dos adultos e idosos, mais de 30% dos que não tem acesso são jovens que em sua maioria estudam sem o suporte das tecnologias educacionais interativas que possibilitam sua adaptação ao meio digital, encontrando dificuldades para exercer sua cidadania e usufruir da difusão e construção colaborativa de conhecimentos, típicas de sua geração de nativos digitais (PRENSKI, 2001). 21 1.1 Justificativa Os sistemas educacionais crescem exponencialmente de forma pouco ordenada quando pressionados pela explosão demográfica em suas demandas de crescimento em nível global (DELORS, 2007). Mesmo através de políticas públicas federais de educação, implantadas com intenção de descentralizar as decisões e municipalizar as diretrizes educacionais4, a baixa autonomia resultante da imposição de normas para massificação e burocratização do ensino também gera uma espécie de inchamento das estruturas do sistema. Essa realidade não favorece a qualidade no ensino que prepara o aluno ao profissionalismo adequado à exigência de novas competências típicas da era da comunicação digital referenciadas nos preceitos documentais da Unesco (DELORS et al, 2007). Surgiram novas formas de difundir conhecimento, seja através de ensino formal ou pelo entretenimento educativo5 e elas podem indicar tendências de exigir formação especializada e domínio de técnicas para gerenciar a flexibilização de tempo e espaço para trabalhadores em qualquer nível na atual economia informacional (CASTELS, 2003). Podemos afirmar que atualmente, o trabalhador do mercado formal urbano precisa estudar continuamente, desenvolver novas competências e aprender línguas estrangeiras, mesmo para manter o atual emprego. Levando em consideração a afirmação de que não existe uma tecnologia certa ou errada para a EAD, mas todas elas têm pontos fortes e fracos (MOORE, M e KEARSLEY, G, 2007), as mídias, digitais ou não, podem ser integradas às ferramentas de ensino, portanto se complementam e cumprem papel predominante na oferta de objetos de aprendizagem6. Pesquisas sobre a usabilidade na educação à distância (EAD) e suas diretivas (KENSKI, 2011) são, em sua maioria, desenvolvidas em função de características próprias do ciberespaço, como a descentralização, a colaboração e a flexibilização de horários. Estudar no nível superior, presencialmente ou à distância, 4 Resultantes do art 204 da Constituição de 1988, da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) e da Emenda Constitucional 14/96, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) 5 Tradução livre do termo edutainment, que significa entreter de forma educativa com conteúdos, geralmente audiovisuais, que tornam o processo de aprendizagem mais dinâmico e atraente (fonte própria – cap. 3) 6 Também chamados de objetos educacionais, é qualquer entidade, digital ou não digital, que possa ser utilizada, reutilizada ou referenciada durante o aprendizado suportado por tecnologias (fonte: Learning Objects Metadata Workgroup - https://ieee-sa.centraldesktop.com/ltsc/) 22 exige conhecimentos de informática e redes sociais, domínio de linguagem formal e informal, fluência na linguagem de representação do conhecimento e acesso aos recursos interativos da plataforma de apoio institucional. Os dispositivos que já são utilizados para o entretenimento e a comunicação pessoal, tais como tablets7, smartphones8 ou a televisão digital interativa9, possuem potencial de se tornarem canais de suporte a um novo processo de formação continuada, público e gratuito. Os meios formais presenciais disponíveis aos trabalhadores brasileiros não conseguem formar profissionais qualificados para a realidade extenuante e excludente da economia política globalizada, podendo ser constatado pela sinalização de que mercado de trabalho não consegue suprir a nem a metade das vagas de engenheiros e tecnólogos disponíveis hoje no Brasil (IBGE, 2013). Buscar uma nova concepção de ensino-aprendizagem mediada pelas tecnologias digitais convergentes10 sugere uma perspectiva transdisciplinar11 (NICOLESCU; MATURANA, 1999) em que dialogam tradicionais áreas da educação como pedagogia, didática e comunicação com ciências inovadoras, tais como a engenharia de TV, arquitetura de redes, design instrucional e desenvolvimento de software. Existem atualmente no Brasil, demandas educacionais e de inclusão digital que justificam o desenvolvimento de aplicações para a difusão de objetos educacionais utilizando a transmissão de televisão digital terrestre das emissoras educativas públicas, para atender as populações sem acesso à internet e oferecer a democratização dos meios em função dos fins sociais e educacionais. 1.2 Pergunta da pesquisa A difusão de objetos educacionais multiplataforma em transmissões de televisão digital é tecnicamente viável na mediação pedagógica12 ? 7 telefone com funcionalidades avançadas por meio de programas executados em seu sistema operacional 8 dispositivo móvel em forma de prancheta eletrônica, sem teclado externo e com tela sensível ao toque 9 Televisor que recebe transmissão digital de vídeo e áudio de alta definição e dados de interatividade 10 característica da economia informacional na interoperabilidade de sistemas por dispositivos multiplataforma de serviços integrados 11 Também no sentido de integração entre as disciplinas para articular o pensamento complexo de Morin 12 Se refere ao relacionamento professor-aluno na busca da aprendizagem como processo de construção de conhecimento, a partir da reflexão crítica das experiências e do processo de trabalho (fonte: Educa Brasil - http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=44) 23 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral: Desenvolver um protótipo de aplicação para a coleta e uso de metadados semânticos como linguagem de representação de conhecimento, definindo e instanciando ontologias de objetos educacionais disponíveis em acervos abertos, públicos (MEC, 2010) ou privados, com a finalidade de apoiar o processo de ensino e aprendizagem por meio de interfaces digitais. 1.3.2 Objetivos específicos Catalogar conteúdos complementares ao fluxo televisivo educacional, buscando uma solução de gerenciamento de ontologias de objetos educacionais que forneça ao aluno ou professor, a liberdade de gerenciar seu próprio acervo, com relevâncias que ele mesmo definiu. 1.4 Plano metodológico Embora no mundo todo a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico da TVDi avancem em várias direções (LEMOS, 2008), ainda predominam tentativas de adaptar realidades inerentes aos padrões da internet para a tela da TV, causando uma confusão conceitual que deverá ser evitada pela proposta de interoperabilidade entre dispositivos multipltaforma formulada nesta pesquisa. A mudança do conceito sobre o telespectador que passa a interagir através do controle remoto do televisor requer uma abordagem adequada quanto ao caráter bidirecional da televisão digital interativa, conforme preconiza o professor Guido Lemos da UFPB: No entanto, o ponto nevrálgico da questão a se pensar é o conceito de telespectador-receptor, que sofrerá grande mutação. Com o advento da interatividade, a audiência televisual deixará de ser pensada como uma massa receptora passiva, como estabelecem os primeiros conceitos da comunicação: o sistema de Lasswell, em 1948, que se pautava no estímulo e resposta (a Teoria Hipodérmica); e a Teoria Matemática (ou Teoria da Informação), de Shannon e Weaver, em 1949, que apresenta sistemas e não processos comunicacionais, onde a informação passa por um único viés, disposto de forma estática (LEMOS, BRENNAND, 2009). A natureza multidisciplinar deste trabalho justifica uma metodologia com duas abordagens diferentes, mas complementares, pois oferece suporte à revisão 24 bibliográfica do campo pedagógico/comunicacional relacionados à televisão digital e ao desenvolvimento de um protótipo de aplicativo na linguagem NCL/Lua como objetivo principal do estudo. 1.4.1 – A metodologia da pesquisa bibliográfica No plano metodológico desta pesquisa foram analisados elementos quantitativos e qualitativos mediante a revisão bibliográfica, a coleta indireta e análise de dados de pesquisas de campo do MEC (2010 e 2012), EBC (2013, 2014), IBGE (2013/2014), Minicom (2013), CETIC (2013) e da Presidência da República (2014/2015). As análises foram usadas como aporte quantitativo de dados empíricos para formular inferências estatísticas, mas não implicando necessariamente uma modelagem econométrica13. A metodologia adotada é a da pesquisa-ação (LEWIN, 1947), que tem como uma de suas principais características, a ausência inicial de todos os elementos necessários para a delimitação do objetivo e gradual formulação dos meios adequados para obter resultados satisfatórios. Associando os dados coletados aos conceitos articulados na observação do modelo experimental em suas dinâmicas, busca-se articular as seis fases específicas da metodologia (CHIZZOTTI, 2006), visando a superação gradativa e seqüencial daquilo que se pretende resolver. A aplicação da metodologia centrada no contexto, objetiva a resolução otimizada14 de problemas reais em que os atores sociais, que são responsáveis pelas políticas públicas, colaboram para uma mudança social positiva, mas sem nenhuma aproximação com o positivismo das ciências "puras" (CHIZZOTTI, 2006). Convém esclarecer que os atores sociais são divididos entre atores estatais que são aqueles que exercem funções públicas no Estado, eleitos pela sociedade para um cargo por tempo determinado ou como servidores públicos que operam a burocracia; e os atores privados, que embora não sejam vinculados ao poder público, são instituições, sindicatos, partidos políticos, imprensa, igrejas e 13 Econometria é um conjunto de ferramentas estatísticas com o objetivo de entender a relação entre variáveis econômicas através da aplicação de um modelo matemático (fonte: http://www.maxwell.vrac.puc- rio.br/12470/12470_4.PDF) Rowthorn e Ramaswamy (1999) 14 Melhorada, aprimorada, aperfeiçoada 25 associações da sociedade civil que influem na definição e implementação das políticas públicas.15 Referenciado pela escolha, definimos as fases metodológicas, que segundo CHIZZOTTI, são: a – Definição do problema: Nesta fase é determinado o problema ou questão que se deseja resolver ou superar, circunscrevendo suas causas e consequências nas informações inicialmente disponíveis b – Formulação do problema: A formulação consiste em coletar e analisar as informações levantadas na fase anterior, propondo ações que possibilitam encontrar os meios adequados de superação e resolução da demanda proposta. c – Implementação da ação: Todos os elementos, objetivos, recursos, pessoas, lugares, tempos e meios indicados na formulação como necessários são estrategicamente articulados para gerar um plano de execução e definir meios de avaliar os resultados d - Execução da ação: As ações implementadas são aplicadas e acompanhadas para a verificação dos resultados obtidos, realimentado a pesquisa e corrigindo possíveis concepções equivocadas. e - Avaliação da ação: Os resultados da execução são novamente avaliados para a redefinição do problema em toda a sua complexidade observada nas ações concretas da execução. f - Continuidade da ação: Os impasses e soluções são mapeados para ampliar a compreensão do problema e propor a continuidade da pesquisa. 1.4.2. Elementos e corpus O corpus da revisão bibliográfica foi referenciado pela produção científica e tecnológica pesquisada em bancos de dados acadêmicos, revistas científicas, pesquisas e documentos públicos, além de colaboração com outros pesquisadores e acervos digitais abertos, públicos ou privados que permitem o livre acesso e compartilhamento dos conteúdos. O desenvolvimento do aplicativo objeto desta 15http://www.agenda21comperj.com.br/sites/localhost/files/MANUAL%20DE%20POLITICAS%20P%C3%9A BLICAS.pdf 26 pesquisa terá como premissa o acesso aos bancos internacionais de objetos educacionais do MEC (BIOE) como acervos que compõem as ontologias dos alunos e professores, portanto o corpus também terá elementos multimidiáticos e informacionais. 1.4.3 - Metodologia para o desenvolvimento da aplicação Considerando a televisão digital um sistema com atributos como proposto pela Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFFY, 1973 apud SANTOS, P, 2014) os métodos e processos funcionais e operacionais aplicados aos protótipos em desenvolvimento devem ser compreendidos, documentados e compartilhados de forma coesa e virtualizada, favorecendo a convivência das metodologias de campos científicos diferenciados em abordagens multidisciplinares. Avaliando alguns modelos de fluxos de produção em TVDi (BELDA, 2009) (VEIGA, 2006) e de políticas estruturais (ZUFFO, 2011), optou-se pela abordagem sistêmica (SANTOS, P, 2014) dos ambientes de codificação e implementação de aplicativos para a televisão digital interativa, pois favorecem o gerenciamento das redes semânticas em documentos XML e arquivos SI que formatam os metadados multiplexados para a difusão e para o canal de retorno (LEMOS, 2008); (AZANA, 2010). Devido a complexidade de lidar com diferentes métodos e processos no laboratório de desenvolvimento do aplicativo objeto deste estudo, foi indispensável garantir a disponibilidade de ferramentas de desenvolvimento e acervos de bibliotecas de softwares bem dimensionados e atualizados, para usos diferenciados nas pesquisas. O ambiente de prototipagem e desenvolvimento de aplicativos nas linguagens NCL, Java (Ginga J) e XHTML permitiram realizar a codificação, multiplexação e remux de sinais de áudio e vídeo em alta definição, criar e manipular metadados nas tabelas SI, realizar a modulação e transmissão do fluxo MPEG2 TS multiplexado, realimentado pelo carrossel de dados e objetos (DSM-CC) e receber dados via canal de retorno, tudo em conformidade com as normas ABNT NBR 15606-1, 15606-2, 15606-3, 15606-4 e 15606-6. A primeira fase da pesquisa foi realizada entre os anos de 2013/2014 e visou desenvolver um protótipo da aplicação que atenda os requisitos básicos da demanda social objeto deste estudo. Foram realizados em laboratório próprio os estudos iniciais de requisitos técnicos e funcionais, avaliadas as premissas de 27 usabilidade e ergonomia de interfaces, a codificação de uma maquete do aplicativo em Ginga NCL/Lua e aplicativos multiplataforma em HTML5 para a interoperabilidade, modelo para análise da infraestrutura multidimensional e a realimentação do sistema através de testes de validação e verificação de conformidade. Com a consolidação das possibilidades interativas comprovadas através da conformação da interoperabilidade do Ginga (SOARES, 2010), que será a recomendação harmonizada com Arib/BML pelo ITU para o padrão híbrido unificando broadcast e broadband, torna-se estratégico referenciar na pesquisa o desenvolvimento do padrão H.762 Lime16, que deriva da norma do Ginga (h.761) para IPTV e Cabo, unificando broadcast e broadband, que já utiliza bibliotecas de detecção de dispositivos e de tratamento de metadados que foram utilizadas no estudo. Agregar suporte a mídias sociais isoladamente de outras mediações não foram consideradas atividades estruturantes da pesquisa científica, porém o repertório de ações e técnicas viabilizadas durante o desenvolvimento do estudo contemplam aspectos relevantes de ordem tecnológica que foram notadamente importantes ao usuário final, tal como o suporte às redes sociais como ambiente coletivo de relacionamento entre os usuários da aplicação. Também foram observados e referenciados serviços inovadores em TV digital desenvolvidos pela EBC em parceria publico-privada, onde testaram aplicativos para prestação de serviços do governo (E-gov) e que trouxeram informações úteis ao desenvolvimento da pesquisa, tanto no âmbito das aplicações em si, quanto para os conteúdos criados para essa finalidade. A segunda fase deste estudo que deverá ser objeto de pesquisa no doutorado, utilizará recursos do laboratório de testes de conteúdos e aplicações interativas de TV Digital Ginga BR Labs17 integrado às instalações da TV Unesp na cidade de Bauru. O caráter público do laboratório deverá atenderá as demandas dos testes de transmissão de fluxos de transporte TS com conteúdos e aplicações interativas em escalas maiores, inclusive na macrorregião da cidade de Bauru para validar a usabilidade e eficiência no tratamento dos metadados em campo. 16 http://www.itu.int/ITU-T/recommendations/rec.aspx?id=10642 17 http://www.mc.gov.br/ginga-brasil/ginga-br-labs 28 1.5 – Ciclos de desenvolvimento Figura 1 - Ciclo de desenvolvimento de aplicações - Fonte: Adaptado de CPQD (2009) O ciclo de desenvolvimento de aplicações em laboratório proposto nas figuras 3 e 4 referencia a recomendação de usar métodos complementares estendendo o ciclo em espiral (ISO 13407 - Concepção Centrada no Usuário) revisada pelo ISO 9241-210 (Ergonomia da interação humano-sistema. Parte 210: Projeto centrado no ser humano para sistemas interativos). Concluída em 2011, a atualização introduziu novos conceitos, revisou outros e possibilitou a abordagem do Gerenciamento Ágil de Projetos em ambientes de pesquisa científica agregado ao desenvolvimento de aplicativos. A proposição em 3 fases favorece simultaneamente os estudos de usabilidade, ergonomia, interatividade e design de interfaces, integrando equipes 29 multidisciplinares em ambientes de produção tecnológica e científica simultaneamente. Figura 2 - Etapas do desenvolvimento das aplicações Fonte:adaptado de LEMOS, BRENNAND (2008) 1.5.1 – Set top boxes de desenvolvimento Os testes iniciais de validação de código NCL/Lua foram realizados no ambiente de desenvolvimento com duas modalidades de carregamento das aplicações: 1) D-link DTB331 Stickercenter Totvs: através de uma loja de aplicativos, a gigante transnacional de software permite o carregamento de aplicações via internet para o set top box Dlink DTB331 com sua implementação do Ginga com a simples finalidade de testes. Para subir aplicações é necessário aderir ao programa de parcerias para a capacitação em TV Digital Astro DevNet oferecido pela TOTVS e TQTVD , submetendo gratuitamente suas aplicações aos analistas da 30 empresa, o que é altamente arriscado para quem desenvolve killer applications18 com possibilidades de monetização. A loja de aplicativos tem apenas 16 stickers NCL ou Java em 13 categorias que incluem serviços bancários, compras, jogos, notícias e utilitários. 2) EITV set-top box híbrido (ISDB-T e IPTV): Permite que teste de aplicações executem sem a necessidade dos mesmos serem transmitidos no sinal da emissora de TV digital e o carregamento de aplicações pelo ar, via Internet ou rede local com suporte simultâneo a canais ISDB-T e IPTV (via UDP e RTP). Compatível com os padrões declarativo (Ginga-NCL / Lua) e imperativo (Ginga-J / JavaDTV) atende múltiplos dispositivos no padrão e normas especificados para o SBTVDi. Embora os dois dispositivos sejam versões para desenvolvedores, ambos apresentaram inúmeras deficiências funcionais e de implementação da norma ABNT. Contatados através do serviço de suporte técnico, os fabricantes insistem em argumentar serem meros detalhes de revisão de firmware ou implementação, mas não apresentaram soluções efetivas, o que foi detalhado no relatório técnico da pesquisa. 1.5.2 – Equipamentos da primeira fase da pesquisa O desenvolvimento do estudo de viabilidade técnica, através do protótipo do aplicativo Ginga NLC/Lua permitirá a interoperabilidade entre o set top box e múltiplos dispositivos que se conectam pelo roteador da rede wireless em equipamentos de laboratório próprio, a seguir descritos: 1) Set top Box D-link DTB331 com conector de rede sem fio DWA131 2) Set top box híbrido EITV Developer Box 3) Codificador e modulador de RF H-264 Jiexiang DMB-9591 4) Smart TV HD Samsung 40” F6400 com Ginga embarcado 5) Tv Digital de Alta Definição 22” Samsung T220M 18 Um pacote de software que é novo e desejável o suficiente para convencer um consumidor a comprar hardware mais caro , a fim de executar o aplicativo. O termo " aplicativo matador " pode ser derivada do fato de que tal pedido é percebido como inovador o suficiente para superar a concorrência.Fonte: Investopedia - http://www.investopedia.com/terms/k/killerapplication.asp 31 6) TV Digital de Alta Definição 22” LG30R 7) TV Digital de Alta Definição 32” LG Time Machine 32LB9RTA 8) Roland Edirol FA101 audio Capture 10 in/out 9) PC Workstation AMD X6 e Nvidia GTX650 (Fermi) 10) Behringer MS40 Digital 24 bit audio monitor 11) Audio Mixer Yamaha MG82Cx 12) Roteadores Wifi Cisco Linksys, WRTU54G-TM, WRTP54G e E900 13) Powerbook Sony Vaio FW-PCG3J1L 14) Smartphone LG Scarlet II GM300 TVDi Ginga 15) Smartphone Android Motorola XT317 com Ginga Mobile 16) Tablet Android Intel Quad Core com Ginga Mobile 1.6 Estrutura do trabalho Introduzindo a pesquisa, são referenciadas demandas de acesso à conteúdos educacionais e ferramentas multiplataforma de mediação pedagógica para atender a educação formal ou informal no atual cenário da globalização, redes de cibercultura e convergência digital de meios e mídias. Também são relacionados na justificativa, os conceitos estruturantes da pesquisa que abordam a construção colaborativa de conteúdos, a aprendizagem significativa proposta por Ausubel e correlações possíveis com o conceito da aprendizagem participativa e crítica presente nas obras de Paulo Freire. Ainda no primeiro capítulo está formulada a pergunta da pesquisa, o objetivo geral e os específicos. A metodologia da pesquisa com duas abordagens diferentes, resultam da complexidade de lidar, ao mesmo tempo, com um ambiente de pesquisa científica referenciada por análise exploratória de pesquisas estatísticas e revisão bibliográfica, mas também gerir um ambiente de desenvolvimento de aplicativos multiplataforma interoperáveis entre televisão digital e internet. São definidos ainda o corpus e os laboratórios da primeira fase da pesquisa e os ciclos de desenvolvimento, difusão e validação da usabilidade do aplicativo. No capítulo 2 é analisada a viabilidade da mediação pedagógica pelos aparatos sócio-técnicos, onde são definidos e relacionados os conceitos e teorias pedagógicas de Paulo Freire com um recorte específico de seu pensamento sobre 32 as tecnologias aplicadas ao ensino e aprendizagem e sua concepção da proposta curricular adequada ao ideal de autonomia proposto por ele e Moacir Gadotti. Em seguida são debatidos os conceitos de abordagem democrática e conteúdos relevantes da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel e sua proposta de mudança paradigmática19. Ainda no mesmo bloco, temos um levantamento cronológico das gerações do ensino a distância, dos acervos educacionais abertos referenciados por metadados semânticos e as técnicas indicadas pelo design didático e instrucional referenciado algumas implicações possíveis desta abordagem adotada. No capítulo 3 temos os blocos que tratam do cenário político-institucional que influem decisivamente na implantação do Sistema Brasileiro de Televisão digital, tais como: o cronograma de desligamento do sinal analógico, a questão das retransmissoras e as municipalidades, a EBC, o projeto Brasil 4D, o atual desenvolvimento do midlleware Ginga, o estudo do CPQd sobre a cadeia de valores e modelo de negócios da televisão digital brasileira e finalizando, são debatidas novas abordagens híbridas hipermídia. A viabilidade técnica da difusão de metadados e objetos educacionais pela transmissão de televisão digital é tratada no capítulo 4 e consolida quais técnicas de multiprogramação, multiplexação e radiodifusão analisadas foram adotadas, quais recursos atendem o canal de retorno e como são tratados os metadados pertinentes aos conteúdos curriculares, aos aplicativos e também aos dados de controle dos dispositivos e da infraestrutura na qual o aplicativo interopera. No capítulo 5 são apresentados resultados preliminares dos métodos e processos aplicados ao desenvolvimento do aplicativo e o relatório técnico da aplicação que foi apresentada no concurso InovaAps. Também são apresentadas as ações que visam garantir a continuidade da pesquisa e desenvolvimento das técnicas aplicadas no desenvolvimento do aplicativo. As considerações finais encerram o estudo sintetizando a complexidade da pesquisa interdisciplinar, indicando a necessidade de instituir uma equipe de desenvolvimento e buscar financiamento para viabilizar o estudo. 19 Segundo Kuhn, seria uma mudança profunda num modelo fundamental ou na percepção de eventos 33 CAPÍTULO 2 ESTUDO DA VIABILIDADE PEDAGÓGICA 34 2.1 A práxis tecnológica nas práticas educacionais Ao introduzir neste estudo o conceito da práxis tecnológica na concepção de Paulo Freire, ficou evidente debater diferentes abordagens que referenciam o termo em algumas áreas do conhecimento. O termo indica, numa adaptação direta do latim, a prática tecnológica, porém o termo práxis está carregado de sentidos na concepção marxista da relação coerente entre teoria e prática como crítica ao idealismo de Hegel (JÚNIOR, 2000). Também indicava a atitude revolucionária de contrapor a alienação das massas trabalhadoras em relação às técnicas dos meios de produção e da mais-valia nos processos produtivos (MARX, 1999). Althusser distinguiu e estudou a segunda fase da produção literária de Marx que definiu como dialético-materialista, indicando essa diferença estrutural com a abordagem idealista que Hegel concebeu de uma articulação entre o real e o pensamento através da manifestação de uma razão absoluta externa às relações sociais. Porém Marx via a realidade empírica como algo transitório, que pode ser transformada pela ação humana: em Marx, há uma “desigualdade de origens” entre o processo de pensamento e o processo real, entre as contradições reais e a forma pela qual são apreendidas, não sendo o pensamento senão uma estrutura dentro da estrutura de um todo real articulado de maneira complexa. (ALTHUSSER, apud, TRIGUEIRO, 2009). No campo da filosofia temos em Heiddegger a visão ontológica da prática tecnológica, tida como auto-organização de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos ancorados em uma estrutura física, institucional e social que permitem, em sua prática, ser comparada a um processo evolucionário (TRIGUEIRO, 2009). Nesta concepção, as demandas e resultados das práticas não sendo fixas ou imutáveis, permitem a variação contínua da influência das forças políticas, sociais, econômicas e ideológicas, tornando o processo dinâmico e seletivo através da influência destes atores no processo de redução da complexidade tecnológica: ...uma combinação dinâmica entre variação e seleção, dentro de um conjunto amplo de possibilidades encontradas num dado ambiente. Este último significa o conjunto de todas as possibilidades tecnológicas, passíveis de serem selecionadas, num contexto histórico e social específico. Tratar a tecnologia como uma praxis implica considerá-la não como um dado ou um mero instrumento; mas como algo aberto a um sem número de direções e trajetórias possíveis, dentro de limites estruturais definidos (TRIGUEIRO, 2009) . 35 Para os educadores freireanos, a conotação sócio-política também é estruturante de sua concepção libertária ao se aproximar da práxis revolucionária marxista de transformar a realidade sócio-econômica injusta e alienante. (MARX, 1999). Esta é a práxis tecnológica a qual Paulo Freire se refere, do indivíduo consciente e valorizado pela sua cultura que se apropria das tecnologias e dos meétodos de produção de forma politizada, buscando obter os conhecimentos que lhe permitam evitar a alienação do trabalhador, conhecer e dominar as tecnologias inovadoras e tornar-se protagonista de sua própria história (FREIRE, 1976). A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser pedagogia dos homens em processo de permanente libertação. (FREIRE, 2005). A transformação resultante desta prática de permanente libertação resulta numa dinâmica semelhante à concepção filosófica da práxis anteriormente referenciada (HEIDEGGER, apud, TRIGUEIRO, 2009), de um sistema aberto e sem pré-definição de direções e trajetórias possíveis, onde os atores sociais e econômicos articulam suas forças produtivas e influências políticas, balizando as emergências tecnológicas que determinada sociedade considera essenciais ao desenvolvimento econômico e social. 2.2 O Pensamento de Paulo Freire sobre a tecnologia A amplitude do conceito sobre tecnologia na obra de Paulo Freire transcende a simples instrumentalização ou reprodução técnica ampliada das obras educacionais e artísticas no meio digital. Sua interpretação da realidade adjacente ao fenômeno tecnológico característico do final do século XX estimulou em seus métodos o surgimento da práxis tecnológica pelo engajamento político educacional, como um contraponto na “leitura de mundo” que tantos educadores e alunos adotam nos mais variados campos das ciências humanas (FREIRE, 1968, 1976, 1992, 2000). Nunca, talvez, a frase quase feita – exercer o controle sobre a tecnologia e pô-la a serviço dos seres humanos – teve tanta urgência de virar fato quanto hoje, em defesa da liberdade mesma, sem a qual o sonho da democracia se esvai (FREIRE, 1992). 36 Ele acreditava que a tecnologia surgiu para renovar o velho através da recriação de uma idéia ou estrutura anterior (FREIRE, 2000), e principalmente por serem inovadoras e democráticas estimulam o aprendiz a assumir seu protagonismo de indivíduo ativo no processo de ensino-aprendizagem. Esse pensamento fundamenta as premissas da práxis tecnológica, que consiste num arcabouço intelectual necessário ao processo de apropriação dos recursos de forma politizada e consciente. Inicialmente Freire se posiciona bem claramente contra o uso intencional e político da tecnologia para concretizar interesses de oligopólios dominantes políticos ou econômicos. Para ele não existe atitude isenta de ideologia na oferta de aparatos tecnológicos, pois as escolhas tecnológicas influenciam tanto o mercado de trabalho como a formação continuada exigida para acesso ou manutenção do emprego. Oferecer conteúdos adequados ao aprendiz e contextualizados com sua realidade permite uma dinâmica educacional mais natural e isenta de manipulação ideológica pela classe educacional dominante que cria e seleciona os conteúdos curriculares. Freire afirmava que se educa para os fins que interessam ao conjunto hegemônico da classe social dominante e seus interesses econômicos: “... as inovações tecnológicas têm sido impostas de cima para baixo ou de fora para dentro, caracterizando uma verdadeira invasão cultural” (FREIRE, 1976). Ao propor uma concepção crítica que concebe o direcionamento ideológico dos conteúdos no processo de ensino-aprendizagem, Freire apontava para a necessidade dos indivíduos em compreender, controlar e dominar o mesmo nível tecnológico da classe dirigente para não perderem o protagonsimo que alcançaram no processo sócio-econômico. Sua crítica era de que o modelo não estimulava a emancipação dos sujeitos e nem os estimulava a uma atitude crítica de conhecer melhor os arranjos sócio-técnicos que os levariam ao processo libertador do conhecimento que empodera o cidadão. Fazendo analogias ao uso de tecnologias massificadoras como formas de opressão típicas das ditaduras militares, Paulo Freire dizia que trocaram a liberdade do indivíduo pelo controle ideológico, tiram sua autonomia reprimindo sua identidade em nova forma de ditadura tecnológica, não mais armas ou fuzis, mas impõe sua sobrevivência pela necessidade de consumo de comunicação em alcance local e global simultaneamente. 37 Em seu livro Pedagogia da Autonomia, emerge na trajetória do educador a necessidade de superar o dualismo antagônico entre tecnologia e humanismo, conciliando as facetas concretas e lúdicas do conhecimento. Ao acreditar na viabilidade de humanizar a relação entre os aparatos tecnológicos de massificação e trabalhadores, Freire apresenta uma perspectiva mais filosófica, ao conciliar o pensamento libertador e o racionalismo dialético20 nas relações de consumo, aprendizado ou trabalho. O conceito pedagógico progressista devolve aos trabalhadores a autonomia do indivíduo em sua realidade empírica pela postura crítica ao ocupar espaços de construção do conhecimento coletivo. Esse posicionamento de Freire não seria apenas ideológico, mas também libertário, pois valoriza o homem através do resultado material e intelectual de seu trabalho e não em sua alienação calcada no mecanicismo das linhas de produção e aparatos tecnocratas (FREIRE, 1984). O contato de Paulo Freire com as tecnologias disponíveis em momentos diferenciados de trajetória confirma o fascínio exercido pelo assunto desde os primórdios de seus projetos educacionais, quando importou projetores de slides para aplicação de métodos e difusão de conteúdos, posteriormente adaptados também para o rádio, a televisão, gravadores e videocassete (ALENCAR, 2005; FREIRE, 2000). O audiovisual teve relevância na obra de Freire, mas o rádio foi o veículo de escolha pela capilaridade e alcance no vasto território brasileiro e pelo projeto nacional de alfabetização que idealizou, levando aos mais distantes rincões do Brasil o nacionalismo desenvolvimentista do governo João Goulart. No cerne dessa concepção da práxis tecnológica, o questionamento era centrado na pergunta simples e consciente: “Para mim os computadores são extraordinários, mas a quem servem as máquinas quando entram na escola?” (FREIRE, 1984). O protagonismo na mudança educacional é a premissa de que o aluno aprende quando o professor aprende ao se posicionar como mediador no processo de construção do conhecimento, em que os papéis se alternam por serem adequados ao fazeres que constroem os saberes. O aluno participa da redescoberta 20 Bachelard expôs um racionalismo dialético, ou o "diálogo" entre razão e experiência. Sua filosofia partia do ponto de vista da descoberta racional como um processo pelo qual um conhecimento novo é assimilado a um sistema que muda apenas na medida em que cresce. Ele rejeitou o conceito cartesiano de que as verdades científicas são partes imutáveis de uma "verdade total", que aos poucos são montadas como um quebra- cabeças. 38 daquilo que pesquisa com o professor, que redescobre no velho conhecimento o cerne do interesse pela inovação que precisa despertar no aprendiz (GADOTTI, 2007). Freire falava diretamente da “boniteza” na procura pelo saber, da alegria que desperta a indagação consciente do indivíduo crítico, mas que precisa manter a afetividade do ser que aprende e precisa mudar a própria realidade, valorizando a trajetória do aluno que conhece o processo histórico que o levou a cursar aquela formação específica, transformando a história e resgatando sua cidadania (FREIRE, 1996). Fundamental para ele é a postura dialógica21 e aberta da curiosidade que desperta o interesse pelo movimento do pensamento. Freire dizia que o bom professor é aquele cuja aula seja “um desafio e não uma cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas (FREIRE, 1996). Para ele a tecnologia não tinha finalidades divinizadoras ou demonizadoras, então não teve dificuldades em lidar com ela, aproveitando o potencial de estimular a curiosidade questionadora, principalmente entre as classes sociais menos favorecidas. Quando foi secretário municipal de educação de São Paulo, os computadores chegaram aos colégios22 paulistanos, inclusive da periferia e foram adotados com metodologias pedagógicas que, segundo ele, poderiam ajudar a promover a curiosidade espontânea em curiosidade epistemológica23 (FREIRE, 1996). A contextualização da realidade do indivíduo através de seu aprendizado o prepara para a atividade profissional tanto quanto para o exercício crítico da cidadania. O professor avaliza os conhecimentos construídos e válidos para toda a 21 Na concepção de Mikhail Bakhtin, é um contínuo diálogo em comunicação de várias obras e autores, se estendendo em ambos os sentidos. Na concepção de Freire, a teoria da ação dialógica está baseada na colaboração dos atores sociais e na síntese cultural alcançada através do diálogo entre os que aprendem e ensinam (FREIRE, 1968). 22 Como eram chamadas as escolas públicas ou privadas de ensino básico ou médio até quase o final do século XX 23 Freire dizia ser a uma aproximação da realidade em que a curiosidade ingênua supera seus limites através da criticidade. Mas ele expõe o conceito através de algumas outras concepções, tais como “A curiosidade de quem busca e quer conhecer” , ou “...uma curiosidade intelectual”, ou “... aquela que opera epistemologiacamente” e ainda “...como uma curiosidade desperta”. (FREIRE, 1976, 1996 e 2000). 39 trajetória de vida do aprendiz por estimular capacidades e competências variadas que o colocam no controle de sua vida em sociedade. Freire afirmava que ensinar exige comprometimento de desocultar a realidade de versões manipuladas da história, não apenas a compreensão mecanicista da história e sua materialidade histórica24, mas também um certo subjetivismo idealista ao qual estamos fadados por condicionamentos genéticos, culturais ou sociais; pelos embates de classe, gênero, grupo econômico ou político, enfim, todas as influências que mobilizam os grupos de representatividade na sociedade civil. O termo “leitura de mundo” usado para definir a abstração que cada indivíduo tem de sua realidade é profundamente respeitado, sendo de caráter indispensável ao processo de ensino-aprendizagem, tanto que ele a considerava como peça chave da educação estimulada para a cidadania. Ele dizia que a presença consciente no mundo não é a de quem se adapta, mas de quem nele se insere para ser sujeito da história e não apenas objeto. A educação, segundo ele, é um processo permanente, eterno e inacabado justamente pela incompletude do ser consciente que a renova pela curiosidade, realimentando o processo. A inquietude do aprendiz, dúvidas ou mesmo desconfianças devem ser estimuladas pelo professor que oferece abertura ao novo, ao conhecimento renovado pela recriação do conteúdo que dele se apropria, referenciado a concepção prévia que já desenvolvera sobre aquele tema ou objeto. Esse respeito à identidade e autonomia do educando precisa ser coerente com a prática libertária da dignidade alcançada com a postura ativa que ele desenvolve como protagonista de suas próprias escolhas. O ápice dessa dinâmica é alcançado quando o aprendiz participa ativamente do processo de sua avaliação de forma democrática e inclusiva, tornando-se também co-responsável pela mesma. “O educador já não é mais o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. [...] Os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” (FREIRE, 1978) 24 O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens em sociedade através da história. (PIRES, 1997) 40 Atribuir liberdades e direitos proporcionais aos compromissos de agenda, de adaptação às formas normatizadoras, dos conteúdos exigidos em norma culta, são cumprir etapas gradativas da prática pedagógica que também orientam o aluno a conhecer melhor a práxis tecnológica na qual está inserido. O aprendiz e o professor vão tomando conhecimento de sua importância na reconstrução da sociedade nos moldes que ele acredita ser adequado aos grupos que se identifica e pertence. A tecnologia não escolhe lado, seu uso e aplicação a torna objeto de emancipação ou alienação das classes. Somos capazes de intervir na realidade através de envolvimento com tarefas que são inúmeras vezes mais complexas e trabalhosas do que simplesmente se adaptar a imposição de outros grupos. A ação político-pedagógica pode mostrar aos grupos populares as injustiças que caracterizam sua realidade concreta e esclarecer que não se trata de vontade divina ou destino certo que não pode ou deva ser mudado. Ao afirmar que “ensinar exige saber escutar”, Freire se referia ao poder transformador que alcança a democratização do conhecimento quando se dá voz ao aprendiz e se ouve suas demandas e escolhas. O ato de escutar é não impor métodos rudimentares que não encontram respaldo entre os alunos por serem completamente distante dos eixos norteadores de sua formação menos erudita, mais popular e essencialmente prática. Mesmo para o mais imaginativo adolescente, fica difícil conhecer somente teorias escritas e abstrair conteúdos curriculares cada vez maiores, mais complexos e referenciados por metadados em redes de computadores. A linguagem formal do ensino consegue abstrair uma parcela significativa do conhecimento através de ações pedagógicas e seus métodos, porém precisa incorporar as novas modalidades tecnológicas que acessam e classificam redes hipermídia25, criam neologismos e ampliam as redes de cibercultura26 em aparatos que mediam a comunicação bidirecional, não somente porque o mercado de 25 Hipermídia, segundo Santaella é a junção do hipertexto com a multimídia, formada pela justaposição de textos, sons e imagens das mais diversas ordens e linguagens, sem lineariedade e de acesso hibrido 26 cibercultura para Levy é uma abstração sobre as culturas nacionais que se fundem a uma cultura globalizada e cibernética, envoltas no ciberespaço e orientadas por três princípios: interconexão, comunidades virtuais e inteligência coletiva. (LÉVY, 2010) 41 educação e trabalho determina, mas também porque os jovens se empoderam com sua fluência e dominação das tecnologias digitais convergentes. 2.3 O construtivismo crítico. Mais atores e papéis alternados são essenciais na nova dinâmica do processo de ensino-aprendizagem e devemos conhecer e descrever a sinergia27 deles nos novos caminhos da educação, como indicativos claros da nova dinâmica de compartilhamento dos saberes. Ao compartilhar a construção do conhecimento com os alunos, tutores, coordenadores e demais professores, instigam os atores a se reconhecerem nas inversões de papéis, aperfeiçoando os saberes relacionados às competências variadas exigidas no mundo do trabalho. O histórico das práticas educacionais dos homens gregos livres nas cidades- estado eram geralmente realizadas ao ar livre, em passeios que estimulavam a observação mais atenta das rotinas diárias das profissões até chegar ao conhecimento sistematizado. Articular conteúdo e método foi a primeira prática educacional (RIBEIRO DO VALE, 2012), e embora não fosse distinta como educação escolar sistemática, relacionava cultura, ensino e aprendizagem. A aura de superioridade cultural e filosófica dos mestres, na verdade era também uma preservação sistemática de exploração escravista, o que pode ser confirmada pela origem da palavra “pedagogo”: o escravo que conduzia o grego ilustre ao ensino e apenas observava o processo individual de humanização dos privilegiados (IDEM). Neste contexto prático do empirismo há uma clara valoração dos meios que dão forma ao objeto concebido através da técnica e da ciência. Mas o contraditório do sofismo também se aplica às técnicas de oratória que aportou recursos e politizou o discurso pela retórica do convencimento, tornando-o inseparável da prática política. A concepção da práxis tecnológica possui os elementos norteadores de promover a inclusão digital, termo que Paulo Freire desconhecia e que ainda nem existia de fato como o concebemos, mas que ele já vislumbrava pela sua capacidade visionária e seu caráter emancipador. Em sua visão de mundo, a educação não pode se nortear por parâmetros da economia industrial de produção de excedentes, muito pelo contrário, cada 27 Convergência das partes de um todo que concorrem para um mesmo resultado, cujo valor é superior ao conjunto desses agentes, se atuassem individualmente. (CORNING, 1998 in http://www.complexsystems.org/publications/synhypo.html 42 comunidade de aprendizado deve customizar o processo de ensino-aprendizagem ouvindo as demandas da comunidade e observando a realidade histórica e material dos indivíduos do seu grupo (GADOTTI, 1997). Mas não há nenhuma realidade senhora dela mesma. O neoliberalismo age como se a globalização fosse uma realidade definitiva e não uma categoria histórica (FREIRE, apud GADOTTI, 1997). O paradigma da máxima eficiência empresarial, característico da sociedade do consumo, não incrementa e nem melhora a dinâmica do processo educacional porque ele ignora o ser humano como fator essencial. A lógica do controle como estratégia de naturalizar a desigualdade incute aos trabalhadores a responsabilidade pela dificuldade de sua sustentabilidade pelas empresas que, notadamente, precarizam o máximo que podem as relações de trabalho, buscando a terceirização das atividades fins. Segundo Gadotti, desde os anos 60, no início das experiências de Freire no nordeste, ele fundamentou o processo de ensino-aprendizagem em ambientes interativos através de recursos audiovisuais, agregando em sua trajetória outros vetores de comunicação, tais como o vídeo, a televisão e a informática. Mas ele não aceitava que sua utilização fosse acrítica, sem conhecimento da realidade histórica e social e das possíveis conseqüências ao aderir determinada tecnologia e toda cultura e arranjos econômicos que inadvertidamente, trafegam atrelados a essas escolhas. Justamente na ação positiva da escolha consciente do ato político e social reside outra premissa essencial para Freire, a ética que compreende a qualidade nas relações sociais e econômicas, aceitando os desafios da modernidade, mas sem desumanizar as razões dela. A qualidade é proporcional ao empenho ético que inclui também a alegria de aprender, que para Freire complementava o suporte necessário ao desenvolvimento sócio econômico, porém sem hipervalorizar a competitividade. O conhecimento construído não pode ser reduzido ao conceito de apropriação, mas de interação entre os atores e integração dos conhecimentos ao coletivo, que dele se apropria para legitimar o empoderamento que a escola oferece ao construir o saber. Para Freire, a pobreza política produz a probreza econômica, então valorizando o saber cotidiano que está carregado de significados, valores e 43 riqueza epistemológica, o indivíduo consegue inverter os papéis e tirar proveito de seu próprio conhecimento para melhorar aspectos materiais e sociais. Esse arcabouço teórico-prático que Freire construiu e que Gadotti chama de construtivismo freireano (GADOTTI, 1997) teve três etapas: pesquisa, tematização e problematização, esta última suposta como ação transformadora que está compromissada com a mudança em favor dos excluídos. Cada ação define uma etapa da aquisição do conhecimento e que pode ser definida por: Quadro 1 - Construtivismo Freireano – Fonte: adaptado de Gadotti (2007) Em sua mais contemporânea concepção, quando preparava seu último livro (FREIRE, 1997), Freire reafirmou o compromisso de valor do currículo e indicou 3 eixos norteadores em sua concepção maia adequada à natureza do ato pedagógico orientado ao aluno e sua comunidade. Além do método libertário, a atitude do professor pode valorizar o saber cotidiano e o transformar em conhecimento sistematizado que retorna aos mesmos aprendizes através de suas histórias pessoais e experiências coletivas. Essa atitude que se consolida na cultura popular de alguns países em desenvolvimento nas últimas décadas, empodera as relações de trabalho e emprego e pode preparar em curto espaço de tempo de uma geração de trabalhadores, ou cerca de 50 anos, os futuros profissionais que podem romper com a alienação imposta pelos grupos transnacionais que cartelizam os processos gerenciais e industriais de alta tecnologia que permitam agregação ampliada de valores aos produtos ou serviços dessas nações. 44 Paulo Freire debateu muito sobre a influência da globalização no processo de assimilação cultural que são novamente impostos pelos dispositivos comunicacionais e suas tecnologias desenvolvidas nos países detentores das patentes tecnológicas, A globalização, que não é um processo histórico recente e nem sinônimo da era da internet, mas impõe ciclicamente novos conhecimentos técnicos e lingüísticos especializados que constantemente são revistos e tornados obsoletos de forma sistematizada pelas gerações da convergência digital, e a isso Freire já se adiantava ao observar que o currículo adequado ao desafio da era digital, deveria superar a mercantilização indiscriminada do saber, a massificação da língua inglesa e o aporte cultural a ela relacionado e nem sempre desejado. O currículo adequado ao desafio da práxis tecnológica seria fundamentado pelos 3 eixos curriculares estruturantes, que segundo Freire seriam as suas concepções de transdisciplinaridade, a transcurricularidade e a interculturalidade. 2.3.1 A transdisciplinaridade Para entender a natureza multidimensional da realidade, a educação fragmentada em disciplinas compartimentadas e que não dialogam entre si não atendem os requisitos da complexidade material e cultural do mundo globalizado (IANNI, 2008) e interconectado digitalmente. Dessa carência emerge o conceito transdisciplinar de compor os conteúdos curriculares de forma harmonizada entre as áreas tradicionais do conhecimento e as transversalidades das ciências humanas e sociais aplicadas e mediadas pelas tecnologias da informação e comunicação (TICs) (SCOCUGLIA, 2006). Freire considerava que os saberes são necessários e sistematicamente buscados por estímulos sensoriais mais abrangentes do que somente a leitura e escrita em norma culta para se apropriar da palavra. O aprendizado está entranhado no mais profundo desejo de se relacionar com o outro pela linguagem, que se traduz em inúmeras formas visuais, lúdicas, musicais, artísticas ou abstratas e que é parte do vasto repertório de conectores cognitivos que auxiliam e humanizam o processo educacional. Com inúmeras possibilidades de receber as informações de forma sistematizada e imediata pela internet, o estudante precisa dominar inúmeras ferramentas computacionais e aplicativos que são formatados em linguagem própria do ciberespaço e dos maneirismos lingüísticos de sua geração. Ao professor cabe 45 compreender, codificar e colaborar na construção de um acervo conceitual e científico que sintetize essa realidade complexa. Ao apresentar uma leitura concreta da subjetividade das relações humanas na realidade a que estamos expostos sistematicamente e dominada pelo capitalismo informacional que até nos impõe a vaidade de expor nossa identidade pessoal em redes sociais, o professor pode oferecer aos seus alunos um ar arejado de transversalidade cultural sempre oportuna no complexo mundo do trabalho multifacetado e tecnologicamente determinado. A visão de mundo do aluno adaptado aos novos arranjos produtivos e informacionais que se tornaram realidade para a população economicamente ativa das grandes e médias cidades, deve ser necessariamente transdisciplinar (NICOLESCU, 1999). 2.3.2 A transcurricularidade Os currículos podem ser entrelaçados e compor novas combinações que atendam as demandas de complexidade na formação continuada de profissionais para as profissões características do século XXI ou de um determinado momento sócio-histórico transnacional em que os arranjos produtivos locais sejam privilegiados por serem mais efetivos na aplicação desses recursos, que muitas vezes são públicos. Oc currículos tradicionais típicos das formações clássicas são muito rígidas e distantes da visão politizada que seu método questionador recomendava, então Freire trabalhava com aportes teóricos de várias disciplinas das ciências humanas, tais como a etnografia, a teoria literária, filosofia, política, economia, sociologia e não recortava os conteúdos por critérios de disciplinas ou currículos, mas pelo cunho epistemológico que envolvia teorias de muitas ciências, linguagens e formas alternativas de comunicação (GADOTTI, 2014). Segundo Gadotti, quando concebia um conceito e desenvolvia um artigo ou livro, Freire mostrava facetas diferentes de sua personalidade que iam do militante político ao filósofo da libertação, do cientista consagrado ao intelectual revolucionário, do professor engajado ao escritor solidário, com várias nuances que compunham a sua pessoa. 2.3.3 A interculturalidade Os movimentos de Cultura Popular surgiram por iniciativa de variados espaços e instituições nos anos 1960 e teve Freire como idealizador de ações de 46 educação popular de jovens e adultos que contrapunham a exclusão social dos migrantes surgidos com a industrialização da economia agrícola e mudanças na demanda de trabalho rural em todo Brasil. Esse movimento de luta pela democratização do ensino público criticava a falta de perspectiva dos segmentos populacionais excluídos da escola pela falta de vagas e pela chamada educação bancária, que consiste na transferência de conhecimentos previamente formatados e massificados em currículos que não estavam integrados aos saberes da cultura popular e que era apropriado apenas aos interesses da classe dominante (APOLUCENO DE OLIVEIRA, 2011). Para Freire, essa política educacional servia ao processo de alienação dos trabalhadores ao impor conteúdos que defendem não apenas a lógica capitalista de produção de excedentes e mais valia, mas também toda uma sofisticada rede de aparatos burocráticos que poderiam servir a essa lógica perversa ou revolucionar a maneira de lidar com os meios de produção intelectual e desenvolvimento tecnológico de maneira favorável aos próprios trabalhadores. Os estudos sobre a diferenciação dos saberes, forjada pela pesquisadora Ivanilde Apoluceno de Oliveira nos esclarece a importância da interculturalidade e suas formas simbólicas de expressão popular ou erudita que respeita a diversidade de sujeitos, a relação entre os saberes e as relações intersubjetivas solidárias e dialógicas entre eles. O saber científico apresenta-se como rigoroso e sistemático, estando vinculado ao processo de escolarização, e o saber popular, vinculado ao senso comum e à “tradição oral”, constitui-se na expressão do ser humano daquilo que é vivido concretamente, o seu fazer, as suas ações práticas e experiências cotidianas (APOLUCENO DE OLIVEIRA, 2011). A diversidade de sujeitos se concretiza positivamente quando as diferenças formam uma unidade que fortalece a coletividade na luta o oferece a oportunidade de trabalhar diferenças, promovendo o autoconhecimento do indivíduo que se relaciona melhor com sua identidade funcional no mercado de trabalho sem perder de vista sua identidade pessoal de ser humano e de seu lugar em sua comunidade. A distinção entre escolas formadoras de educação básica das de ensino superior é fundamental para que os fins e valores adequados a cada segmento sejam trabalhados efetivamente, pois existe a premissa de conteúdos intocáveis de grande relevância na formação geral do indivíduo. Em algumas áreas o tratamento crítico de conteúdos exige articular saberes de setores variados e torná-los 47 interessantes aos alunos, criando sínteses consistentes ao mesmo tempo em que ensina e recomenda a administração racional do tempo como capacitação para o trabalho. Diante da relevância dos conteúdos científicos e tecnológicos, a produção literária e artística se aproxima das ciências, oferecendo espaço para desenvolvimento de métodos de pesquisa em praticamente todos os segmentos do conhecimento humano (MORIN, 2010). As novas vertentes teóricas do método histórico-crítico já evidenciam a importância do desenvolvimento econômico e histórico-social na produção do conhecimento humano (GADOTTI, 2014). Novas competências são exigidas como instrumentos ou meios intelectuais necessários à solução de problemas enfrentados pela prática social e pela aproximação dos conteúdos curriculares à sua realidade sócio-histórica. O contexto nunca deixa de ser relevante como teorizam os adeptos do materialismo histórico, pois a instrumentalização do método de ensino através do estímulo dessas competências, sempre oferece a possibilidade da própria escola construir seu espaço metodológico. 2.4 - Gerações do ensino a distância Na primeira geração, a correspondência por carta era a forma disponível de formação intelectual, geralmente em forma de livros que orientavam os estudos com exercícios escritos e tarefas enviadas pelo correio. A interação era praticamente nula, pois atendia populações em condições remotas e lugares sem escolas ou professores, onde a única forma de comunicação com o mundo era bidirecional, mas muito demorada e difícil. Por muito tempo foi o único suporte de educação à distância no mundo e atravessou séculos formando desde senhoras e crianças até profissionais técnicos com bagagem teórica que conseguiam trabalhar e sustentar suas famílias (KENSKI, 2008; MOORE, KEARSLEY, 2010). Oferecer uma oportunidade de formação para adultos era a meta principal da segunda geração de EAD e atendia uma parcela significativa da população que não conseguiu cursar as aulas presenciais no período infanto-juvenil. Conhecida como fase analógica, (MOORE, KEARSLEY, 2010) teve origem na Inglaterra com o surgimento da Universidade Aberta, focando o trabalho sistêmico que incluía, além do material impresso, o envio de fitas de vídeo, acompanhamento tutorial, transmissões de rádio e tv e encontros presenciais. A universidade aberta obteve 48 ótimos resultados como meio eficaz de educação massiva e de qualidade, certificada pelo estado e democrática em suas diversas formas de suporte físico disponível em todos os formatos possíveis em comunicação uni e bidirecional. Essa iniciativa em EAD trouxe a chamada “economia de escala”, onde o “custo médio diminui com o aumento do número de alunos que fazem o curso, porque os custos fixos de criação e implementação do mesmo são divididos por um número maior deles” (MOORE, KEARSLEY, 2010) Finalmente na terceira geração, a EAD vem conseguindo superar a distância física, oferecer gestão de tempo flexível e atingir a demanda social da economia globalizada e informacional com o uso intensivo das novas tecnologias de informação e comunicação. Os computadores em rede local conectados à internet permitem a comunicação síncrona e assíncrona e oferecem ferramentas mais adequadas às finalidades essenciais da educação de qualidade (MORAN, 2011) . A concepção de um projeto para o EAD, seja educação formal ou informal, tem como premissa essencial a participação de inúmeros profissionais de diversas áreas do conhecimento, que se complementam na execução das atividades pertinentes ao curso projetado pela equipe. Atualmente as equipes trabalham em um ambiente de produção compartilhado e segmentado pela harmonização entre as técnicas econométricas industriais da engenharia de produção e as ciências humanas e sociais aplicadas na gestão do conhecimento. Os recursos tecnológicos já foram considerados, equivocadamente, como os instrumentos que revolucionariam a educação à distância, porém confirmou-se a que amplitude de recursos hipermídia não realiza isoladamente a complexa tarefa da construção do conhecimento através da mediação dos objetos de ensino- aprendizagem (MORAN, 2013). Com a redução de preços dos dispositivos conectáveis em todo o mundo devido ao nível de escalabilidade28 alcançado, principalmente nos países emergentes como o Brasil, onde houve crescimento na oferta de novas modalidades de conexão à internet baseadas nesses dispositivos móveis (BRASIL, 2015) que, de certo modo, incluíram parcela significativa da população nas redes informacionais e ainda os preparam informalmente ao uso de interfaces variadas e adaptadas ao meio ao qual se conecta. 28 No sentido de nível eficaz de produção que permite considerável diminuição dos custos industriais em razão direta à quantidade fabricada e vendida massivamente. fonte própria 49 2.5 - Design didático e instrucional Confirmando outra premissa nas dinâmicas de ensino-aprendizagem que permitam a construção coletiva do conhecimento, a sensação de pertencimento ao grupo que articula e o consolida através da mediação de recursos hipermídia é indispensável ao processo de socialização do conhecimento e necessário ao modelo EAD (KENSKI, 2011; MORIN, 2010). As ofertas de aprendizagem significatica através das redes informacionais refletem a nova abordagem metodológica de colaboração em ambiente participativo de comunicação bidirecional construídos para essa finalidade, além do relacionamento formal entre o aluno e o modelo burocrático, metodológico e legal das Instituições de Ensino Superior (IES). O entusiasmo inicial com a previsão de vantagens em alcances inimagináveis que seriam obtidos com os recursos da EAD, deu lugar ao desenvolvimento de modelos mais eficientes e regulamentados pelo estado, mas também balizado pelo mercado corporativo. Após uma profusão de oportunidades em todos os segmentos possíveis, a oferta de educação à distância formal, principalmente na pós- graduação, se torna cada dia mais concentrada em formação diferenciada, concreta e atualizada com as demandas de mercado em seus mais variados níveis, mas sempre procurando uma estratégia de inovação para alcançar um diferencial de qualificação profissional. Nos conteúdos virtualizados, mídias variadas e combinadas ofereceram estímulos diferenciados que reflitam os valores estratégicos da orientação pedagógica, buscando sempre obter máxima eficiência e resultados na prática educacional, seja ele formal ou não (MORIN, 2010). Essa nova abordagem também alcançou a educação e traz ao debate, a importância da divergência consciente como valor que deve ser reconhecido e estrategicamente utilizado para melhorar a dinâmica dos sistemas educacionais, (GOBBI et al., 2012). Há pouco tempo atrás, isso seria o oposto do recomendado ou exigido de pais, familiares e empresas, mas agora está se tornando fonte da energia criativa aos inovadores. No atual estágio da comunicação digital, somos inundados (LEVY, 1999) com uma quantidade infindável de fontes de informação em circulação nas redes, obtivemos novas liberdades individuais e fontes de ensino e de educação formal, mas também por outro lado surge uma queda na qualidade das escolhas 50 responsáveis, na criatividade e na autonomia do individuo em obter conhecimento que mude positivamente a sua realidade e não apenas o insira no mercado de consumo (FREIRE, 2001).Na educação pública, oferecer maiores possibilidades de inclusão social ao mesmo tempo em que reduzimos os ciclos escolares à simples transmissão de conhecimento meramente quantitativo, geridos através de avaliações burocráticas e estatísticas sistematizadas em torno de uma obsessão por eficiência questionável. (FREIRE, 2000). As gerações dos nativos digitais (PRENSKI, 1999) são críticas ao uso de interfaces em que praticamente não há harmonização entre as mídias contextualizadas através dos conteúdos oferecidos. O design didático está posicionado nos limites de abrangência de cada segmento das ciências humanas, informacionais e administrativas, tornando inevitável a concepção interdisciplinar de suas diretivas e premissas essenciais. A criatividade como principal estratégia no design didático, na medida em que ela realimenta o processo de ensino- aprendizagem, oferece formas abertas e intuitivas de construção de conhecimento (MOORE, KEARSLEY, 2010). Através da articulação entre saberes já adquiridos e os propostos na interação oferecida pelo material instrucional é que se torna indispensável o envolvimento do designer com a necessidade de contemplar todos os segmentos sociais das camadas populacionais que se pretende formar e incluir na sociedade de consumo, mas também da informação e do conhecimento 2.6 - Acervos Digitais de Objetos Educacionais Abertos Os acervos digitais de objetos educacionais e científicos abertos29 vão além do recorte histórico-cultural de documentações dos conteúdos científicos difundidos pelas universidades em mídias digitais e comunicação bidirecional. Essa abrangência extendida requer grande atenção dos desenvolvedores e gestores de 29 Recursos educacionais digitais de livre acesso compartilhado, elaborados em diferentes formatos - como áudio, vídeo, animação, simulação, software educacional, imagem, mapa ou hipertexto considerados relevantes e adequados à realidade da comunidade educacional local, respeitando-se as diferenças de língua e culturas regionais – fonte : MEC http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/staticspages?t=0 51 acervos, pois são os metadados semânticos30 que permitem desde rotinas data- mining31 por sites de análise de rankings internacionais em bases de dados e revistas científicas, bem como para atender um cidadão interessado em educação inclusiva e conteúdos educacionais. Outra característica aberta do acervo é a oferta de envio de conteúdos pelos usuários, bastando um cadastro prévio e submissão do conteúdo para análise de relevância para a comunidade. Um fator interessante é o compartilhamento de objetos com o acervo do MEC que está integrado ao Banco Internacional de Objetos Educacionais, com rotinas avançadas e recursos sofisticados de busca de dados relacionais de seus acervos públicos em nível global. A oferta de conteúdos educacionais e científicos diretamente ao usuário final em acervo aberto, gratuito e colaborativo consolida a premissa de difusão do conhecimento e das pesquisas científicas diretamente ao cidadão interagente em suas novas demandas de formação continuada, seja ela formal ou não. A produção científica brasileira ocorre essencialmente nas universidades e instituições públicas e quase totalmente com recursos federais e estaduais, portanto é indispensável o investimento em infraestrutura e recursos humanos que potencializam a busca, acesso, aplicação e reuso de objetos, teses, dissertações, pesquisas, recursos audiovisuais, textos, multimidiáticos, imagens, softwares, mapas e artigos que atendam as demandas sociais e tecnológicas dos contribuintes. A possibilidade de oferecer recursos que ampliam a capacidade de inserção do indivíduo no fluxo midiático, tornando-o parte ativa do processo, deve possibilitar que o novo modelo seja acessível o suficiente para que os usuários passem a ser atores do processo de construção dos conteúdos juntamente com os professores (MORAN, 2012). A comunidade escolar pode pensar, desenvolver e gerir suas próprias unidades educacionais, criando um ambiente aberto à participação de todos os atores na construção coletiva do conhecimento, característica indiscutível dos novos caminhos da educação. 30 Neste contexto, metadados semânticos refere-se a uma estrutura descritiva da informação sobre outros dados quando tratados pela interoperação da TV Digital, de forma a descrever detalhes sobre os dados que serão processados - fonte própria 31 No campo da administração, a mineração de dados é o uso da tecnologia da informação para descobrir regras, identificar fatores e tendências-chave, descobrir padrões e relacionamentos ocultos em grandes bancos de dados para auxiliar a tomada de decisões sobre estratégia e vantagens competitivas - fonte O'brien, James A.. Sistemas de Informação e as decisões gerenciais na era da internet. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2005 52 As instituições de ensino presencial são as que mais investem e desenvolvem tecnologias de mediação da educação pelas mídias digitais (DELORS, 2007). Essa constatação mostra que os recursos oferecidos pelas universidades no âmbito da comunicação são muitos semelhantes em ambientes variados, indicando também que essa mesma infraestrutura possa ser utilizada para finalidades diferentes, atendendo públicos distintos em um ambiente tecnológico compartilhado para jovens e adultos em todas as suas demandas de ensino continuado. 2.7 - Aprendizagem significativa e colaborativa Estudos e pesquisas científicas que tratam metadados para conteúdos educacionais têm como premissa a aprendizagem significativa (MOREIRA, 1999), teoria proposta por Ausubel e que define, resumidamente, que os novos conhecimentos que se adquirem relacionam-se com o conhecimento prévio que o aprendiz possui (NOVAK, J.D. GOWIN, D. B., 1996); (MOREIRA, M.A. e MASINE, E.F.S., 2002), e alterando o paradigma do modelo para o modelo Figura 3 – Paradigma da aprendizagem significativa - fonte: adaptado de NOVAK (1996) É oportuna a possibilidade de enriquecer o aprendizado e tornar o processo de construção coletiva como premissa educacional, onde os professores também aprendem a compartilhar a responsabilidade da dinâmica do processo juntamente com os alunos e aprendendo com eles. Todos, inicialmente como alunos e depois como professores ou profissionais, somos impelidos a burocratizar uma dinâmica que tem função mais elevada e importante na trajetória do indivíduo como ser autônomo e reflexivo (GOMEZ, 2011). estímulo resposta reforço positivo aprendizagem significativa mudança conceitual construtivismo 53 Somos avaliados por provas, exames e vestibulares e nos esquecemos que o tempo em que estudamos é mais importante do que passamos na aula em si, e o estudo ultrapassa os limites dos muros da escola, expandindo os horizontes do indivíduo. Cabe salientar as inúmeras críticas das formas tradicionais de avaliação e de sistemática de estudos pautados por exames classificatórios, seletivos e excludentes, nos moldes dos vestibulares (MORAN, 2013, GOMEZ, 2011). Os educadores e avaliadores ainda não desenvolveram um senso comum, da avaliação como um elemento que integra os processos de ensino e aprendizagem. A avaliação não é um fim em si mesmo, o que acaba relegando a cifras e estatísticas um dos melhores instrumento de análise e autonomia da atividade docente (MORAN, 2011). Os conteúdos adquiridos que o aprendiz articula para inferir, comparar, relativizar, criando novas leituras, conclusões e hipóteses, são tão significativos para o processo quanto à ancoragem do novo saber conectado. Neste aspecto, as teorias pedagógicas consagradas pela atitude de certa cumplicidade com o aprendiz e senso crítico contextualizado ao momento histórico do indivíduo, são as que estão consolidando as metodologias que atestam a pertinência do conceito central da aprendizagem significativa como referencial na construção de métodos construtivistas em processos colaborativos e de hieraquia horizontal (MOREIRA, 2002). Unanimidade em citações acadêmicas, mencionar a obra de Paulo Freire como referência pode parecer óbvio e redundante, porém a realidade das mudanças operadas pela aplicação prática de suas metodologias harmonizadas com as teorias tradicionais, e que podem ser observadas em todo o Brasil, nos diferentes níveis de formação e modalidades diferenciadas, tanto modelo presencial quanto no remoto, ou híbrido. Vale citar o Telecurso 2000, que completou, em 2014, 35 anos de prestação de serviços de boa qualidade e formação continuada desde o ensino fundamental, médio e profissionalizante. O telecurso também está desenvolvendo modelos de ensino técnico mediado em tele salas com material didático que precisa ser comprado pelo estudante em bancas de revistas. No ano de 2014 o Telecurso passou a ser acessível pela internet, conforme publicidade a respeito e veiculada no site globo.com que passou a hospedar os conteúdos em seu site globo.com, onde também estão os conteúdos comerciais da emissora. 54 Embora a emissora se apresente como colaboradora na produção dos programas televisivos que integram os conteúdos do telecurso e que inclusive tem aporte de verbas do “sistema S”, que tem origem pública e deveriam ser totalmente gratuitas, na verdade faturam muito dinheiro com a impressão, venda e distribuição de fascículos e do material didático que são vendidos em bancas de jornais e pela internet. Programas de qualificação profissional com materiais didáticos interativos podem oferecer uma nova modalidade na entrega de objetos de aprendizagem e entretenimento educativo através da difusão híbrida entre televisão e internet, com acesso on-line aos conteúdos digitais em qualquer local de cobertura do sinal da emissora ou quando conectado à internet. As emissoras educativas podem dispor de um excelente recurso de difusão de dados e aplicativos relacionados aos seus conteúdos produzidos e também complementares aos cidadãos através da radiodifusão de metadados semânticos e objetos educacionais acessíveis em acervos abertos, de educação formal ou infomal. A emissora que mais desenvolveu conteúdos interativos educacionais para a TV, a BBC Inglesa, possui um centro de produção em parceria com a Universidade Aberta do Reino Unido, onde desenvolvem soluções que integram mídias tradicionais como o rádio e a TV com interatividade via canal de retorno, numa solução classificada como TV expandida. A eficiência, o alcance e acessibilidade do modelo inglês estão diretamente relacionados à facilidade de uso e disponibilidade plena de todas as mídias ao mesmo tempo ou apenas em qualquer uma delas. Segundo dados de pesquisas de 2004 (MOORE, M e KEARSLEY, G, 2007, pag. 294), aproximadamente 40% dos cursos da UA do Reino Unido adotam novas tecnologias da informação para orientação on-line, grupos de discussão em salas de bate-papo, envio e recebimento de atividades por via eletrônica, disponibilização de material multimídia e conferência mediada por computador. Não se trata apenas de “repaginar” um modelo de sucesso em EAD, nem de oferecer apenas suporte a múltiplos dispositivos, porque a velocidade estonteante de renovação das possibilidades que cada inovação apresenta, torna impraticável o empilhamento de mídias que não sejam complementares e eficientes em agregar valor ao conteúdo. O atual modelo de EAD via web e centrado na relação do aluno com Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), embora ofereça um canal de relacionamento simples, confiável e muito dinâmico na gestão de tempo flexível, 55 ainda não atende os requisitos de educação permanente por comunicação bidirecional massiva e autônoma, como preconizados pelos estudos da UNESCO sobre educação para o século XXI (DELORS, 2007) A escola em sua forma material de cimento e telhas sempre existirá como modelo eficiente, porém será transpassada por todos os meios e formas de interação digital humana tornando a necessidade de se comunicar, inclusive em grupo, direito básico e garantido pelo estado à sociedade. 56 CAPÍTULO 3 ASPECTOS ESTRUTURANTES DA ECONOMIA POLÍTICA DO SBTVD 57 3.1 – Os monopólios de propriedade cruzada A cultura da convergência, amplamente difundida entre teóricos da comunicação como fenômeno resultante do período de transição das mídias analógicas para a tecnologia digital, define os meios como complementares e não excludentes para a realização efetiva da comunicação transmídia (JENKINS, 2009). O próprio conceito de convergência ainda causa polêmica quando nos referimos à televisão brasileira, não somente pelo aspecto tecnológico, mas principalmente pelo viés político da gestão dos espectros radiofônicos pelos estados nações (BRITTOS, 2010) em tempos de desterritorialização sistemática em nível global (IANNI, 2008) (CASTELLS, 2000). Uma clara evidência desse fenômeno globalizante é a influência política da União Internacional de Telecomunicações (ITU), agência especializada das Nações Unidas para as tecnologias de informação e comunicação (TICs). Sendo a única da ONU que tem a participação do setor público e privado, congrega 193 países membros, suas agências reguladoras de TICs, instituições acadêmicas e cerca de 700 empresas privadas; alocam espectros globais de frequências e desenvolvem normas técnicas que garantam redes e tecnologias interconectadas. 32 Em suas ações também gerenciam redes de satélites interoperando com servidores computacionais virtualizados através da internet, onde trafegam dados e conteúdos de povos de todas as nações se entrelaçando aos fluxos locais das emissoras no espectro regional, num contexto que podemos chamar de hipermídia (SANTAELLA, 2007). Embora o espectro radioelétrico seja regulado pelos estados nacionais, seus contornos imateriais estão em constantes transformações ocasionadas pela ubiqüidade das tecnologias convergentes que transpassam as limitações impostas pelas concessões de faixas de freqüência. No Brasil, a política pública de comunicações está cindida entre o poder governamental do Ministério das Comunicações no plano da radiodifusão e pela regulação da ANATEL nas telecomunicações, embora seus clusters33 de negócios e 32 fonte: www.itu.org 33 Porter