PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA Édis Belini Júnior Determinantes genéticos, bioquímicos e clínicos na resposta ao uso de hidroxiureia na doença falciforme São José do Rio Preto - SP 2014 Édis Belini Júnior Determinantes genéticos, bioquímicos e clínicos na resposta ao uso de hidroxiureia na doença falciforme Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Genética, junto ao Programa de Pós-Graduação em Genética, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Orientadora: Dra. Claudia Regina Bonini Domingos São José do Rio Preto - SP 2014 Édis Belini Júnior Determinantes genéticos, bioquímicos e clínicos na resposta ao uso de hidroxiureia na doença falciforme Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Genética, junto ao Programa de Pós-Graduação em Genética, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Profª. Drª. Claudia Regina Bonini Domingos UNESP – São José do Rio Preto-SP Orientadora Prof. Dr. Luiz Carlos de Mattos FAMERP – São José do Rio Preto-SP Profª. Drª. Ana Elizabete Silva UNESP – São José do Rio Preto-SP Prof. Dr. Paulo Caleb Junior de Lima Santos InCor-HC/FMUSP – São Paulo-SP Profª. Drª. Isabeth da Fonseca Estevão UFSCAR – São Carlos-SP São José do Rio Preto 24 de fevereiro de 2014 Este trabalho foi realizado no Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas, Departamento de Biologia, e no Laboratório de Biomarcadores de Contaminação Aquática, Departamento de Química e Ciências Ambientais, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, UNESP de São José do Rio Preto, com auxílio financeiro do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Dedico este trabalho a minha amada e admirada família AGRADECIMENTOS Á Deus pela minha existência, por me amparar nos momentos difíceis, por ser responsável pela minha fé e por sempre ouvir minhas orações. Aos meus pais Édis Belini e Iris Maria dos Santos Belini, meus exemplos de vida, que dignamente me apresentaram à importância da família e o caminho da honestidade. Sou muito grato por todo o carinho e amor compartilhado. Aos meus irmãos Leonardo Belini e Glaucia C. Belini Chaves, pelo carinho, amor, respeito e admiração. Ao meu cunhado, Luis Adolfo Chaves, e a minha cunhada, Daniele Oliveira Belini, que sempre transmitiram forças, alegria e carinho. Aos meus tios, José Antonio Queiroz e Maria de Fátima Belini, que estiveram do meu lado desde o primeiro dia em São José do Rio Preto-SP. Agradeço pelo carinho e respeito mútuo. Sempre serei grato por tudo que fizeram por mim. À minha namorada Patrícia P. Nascimento pela companhia, momentos de alegria, amor e por ter segurado a “barra” nesse último semestre. Ao Paulo Nascimento, Vera Pereira, Carol Nascimento e Tiago Rastelli pelo carinho e atenção. Aos membros da minha grande e amada família, o qual tem muito orgulho e admiração, avô Miguel, avó Maria, Tia Rosária, Tio Reinado, Tia Mara, Tio Toninho, Tio Edilson, Tia Zulmira, Tia Lourdes, Tia Celinha, Tio Osmar, Tio Edson, Tia Elis, Tio José, Pedro, Nayara, Felipe, Rayane, Guilherme, Ana Carolina, Elisângela, Élder, Juliana, Léo e Lívia. Às minhas amadas sobrinhas Lívia e Ana Laura. São as princesas mais lindas que amo muito e foram responsáveis por muita alegria para nossa família. Aos meus amigos das antigas, Flávio C. Arantes e Renan Ap. Rodrigues, que não importa a distância geográfica, sempre estiveram ao meu lado transmitindo carinho, respeito e enriquecendo cada vez mais a nossa amizade. Aos meus grandes amigos Humer J. Santos, Danilo Grunig e Gisele C. S. Carrocini pela amizade valiosa, pelos momentos de alegria, discussões e respeito. Ao Luiz Henrique, Ana Luiza e Lucas, sempre que possível, foram responsáveis por muitas gargalhadas em momentos de alegria e descontração. Aos meus amigos e a treinadora do Handebol Unesp/Rio Preto, Paulo Galão, Elton Boina, Lucas Santos,Tiago Haruo, Wesley Oliveira, Natan Santos, Renan Ventura, Matheus Goyos, Fabrício Watanabe, Fernando Zilio, Yagor Carvalho, Luccas Amaral, Guilherme Morsoleto, Carlos Fossa, Rodolfo Pelinson, Danilo Grunig e Luciane Barcelos, que sem dúvidas, foram os responsáveis pelos pequenos momentos de lazer e por fazer do esporte momentos de alegria e vitórias. Aos amigos do Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas (LHGDH), que na verdade, são considerados como meus irmãos, Danilo, Gisele, Larissa, Tiago, Isabel, Vinicius, Lidiane, Wilian, Isabela, Jéssika, Jéssica, Lucas, Nathalia, Gabriela, Vanessa Urbinati, Vanessa Cardoso, Renan, Mariana, Luis Felipe, Edoardo, Dayane e àqueles que passaram pelo laboratório, pelos momentos de discussão, aprendizagem, amizade e diversão. Aos amigos de final de semana Guilherme Sabino, Tomás e Raduan pelos momentos de descontração e alegria. Aos professores e alunos da Unilago que me receberam de braços abertos nessa nova etapa. Principalmente o Prof. Marcus Belloto e Prof. Carlos Fábian. Ao Nelson Tukamoto Júnior pela amizade, pelos ensinamentos e por compartilhar a sua experiência de vida. A Camila Soccio pelo carinho e ensinamentos. Aos colegas do Laboratório de Biomarcadores de Contaminação Aquática pelos momentos de trabalho e por terem me aturado em alguns momentos. Ao Prof. Dr. Flávio Naoum e a Prof. Dra. Doroteia R. Souza pela valiosa colaboração durante o exame de qualificação. Ao Prof. Dr. Eduardo Alves de Almeida que gentilmente cedeu o seu laboratório para realizar as análises bioquímicas desse projeto, além disso, muito obrigado pelos ensinamentos, pelos artigos, pela parceria e pelas piadas que sempre quebraram a tensão no laboratório. À Paula J. A. Zamaro pela amizade e por ter contribuído significativamente na minha formação profissional. A Dra Clarice Lobo pela parceria, ensinamentos e oportunidade de trabalhar com uma pessoa que sempre lutou pela melhoria do sistema de saúde e pela vida das pessoas com doença falciforme. À equipe do HEMORIO, principalmente a Thais Oliveira e Elisabeth Pereira, pela contribuição preciosa nas coletas e todo o apoio. Às pessoas com doença falciforme que gentilmente aceitaram a participar do projeto de pesquisa cedendo as suas amostras e me mostraram o “outro lado da moeda”. Ao CNPq, Ministério da Saúde e a Fundarj pelos auxílios financeiros concedidos durante todos esses anos. Aos professores, técnicos e funcionários da Unesp e do Programa de Pós Graduação em Genética pela oportunidade de desenvolver o meu projeto. Aos membros da banca examinadora Dr. Luiz C. Mattos, Dra. Ana Elizabete Silva, Dr. Paulo C. J. Lima Santos e Dra. Isabeth da Fonseca Estevão, que nobremente aceitaram o convite para participar da minha banca e por avaliarem o meu trabalho. À Profa. Dra. Claudia Regina Bonini Domingos, o meu reconhecimento pela oportunidade de realizar este trabalho e por contribuir ativamente na minha formação profissional e pessoal. Agradeço pelos ensinamentos, amizade, confiança, paciência e pelo carinho durante todos esses anos. Levarei comigo sempre essa admiração como pessoa e pesquisadora. "Havia 15 anos que eu não sabia o que era dormir uma semana inteira sem acordar nas madrugadas com priapismo ou com dor. Nunca me tinha visto com olhos brancos e minha pele com coloração natural. Não tinha mais úlceras no tornozelo. Era incrível!” (Elvis Silva Magalhães, relato pós transplante de medula óssea) RESUMO A doença falciforme (DF) é caracterizada por heterogeneidade clínica variando de pessoas com relativamente poucas complicações clínicas e expectativa de vida normal, até aqueles com complicações graves, como hipertensão pulmonar, priapismo, acidente vascular cerebral (AVC), úlceras de perna, episódios de dor, síndrome torácica aguda (STA) e osteonecrose. O tratamento com a hidroxiureia (HU) tem conquistado espaço na terapia adotada pelos clínicos e sua experiência na DF vem sendo acumulada ao longo dos últimos 25 anos. Porém, muitos estudos têm sido elaborados para investigar as variações genéticas que possam explicar o porquê de alguns pacientes tolerarem e respondem ao uso de HU, enquanto, outros ainda precisam ser tratados por terapias alternativas. Diante disso, nosso objetivo foi avaliar a resposta ao tratamento com a HU considerando a influência dos polimorfismos genéticos envolvidos na fisiopatologia da DF. Para isso, usamos a calculadora de gravidade da DF (CGDF); rastreamos os polimorfismos -509C/T (TGFB1), -308G/A (TNFA), 313 A/G (GSTP1), -786T/C (NOS3), nulos (GSTM1 e GSTT1); e avaliamos os marcadores de estresse oxidativo (catalase, glutationa peroxidase-GPx, glutationa S-transferase-GST, glutationa redutase-GR e as espécies reativas ao ácido tiobarbitúrico-TBARS). O estudo envolveu 520 pacientes, acima de cinco anos de idade, provenientes do Instituto de Hematologia do Rio de Janeiro/RJ-HEMORIO. A CGDF foi validada para os pacientes brasileiros e os escores de gravidade foram relacionados com os marcadores de estresse oxidativo. Em relação aos polimorfismos, a presença do alelo nulo do gene GSTM1 aumentou a chance de ocorrência de priapismo em pacientes com a DF. A mutação do gene TGFB1 mostrou efeito protetor na ocorrência de STA e úlceras de perna, e à presença do alelo mutante para o gene NOS3 diminuiu a chance de ocorrência de retinopatia e priapismo. Para os marcadores bioquímicos, verificamos que a diminuição da atividade das enzimas: catalase, Gpx e GR e o aumento da GST, foram associadas com maior gravidade da DF. Além disso, os níveis de peroxidação lipídica foram maiores nos pacientes do que os valores de referência, sendo que, o aumento dos valores de TBARS é influenciado pela alta concentração de Hb S. Verificamos que as mutações nos genes GSTM1 e GSTP1 foram responsáveis pela diminuição da atividade da GST total, e as mutações nos genes das GSTs resultaram na elevada atividade da GR. Os pacientes não portadores dos polimorfismos -509C/T no gene TGFB1, -308G/A no gene TNFA e nulo para GSTM1 responderam melhor ao uso de HU quando comparados aos pacientes com os alelos mutantes dos mesmos genes. Os efeitos da HU no aumento da Hb F e do volume corpuscular médio (VCM), bem como, na diminuição da bilirrubina total foram independente dos polimorfismos estudados. Este estudo demonstra que a resposta diferenciada ao uso de HU tem a influência dos polimorfismos avaliados, o que garante , uma importante informação e direcionamento para o tratamento da DF. Palavras-chave: TNFA, TGFB1, óxido nítrico, glutationa s-transferase, TBARS Abstract Sickle cell disease (SCD) is characterized by a very heterogeneous clinical ranging from patients who have normal life expectancy with relatively few complications; others can have severe complications such as pulmonary hypertension, priapism, stroke, leg ulceration, recurrent painful episodes, acute chest syndrome (ACS) and avascular necrosis of bone (AVN). Treatment with hydroxyurea (HU) has become more adopted by medical and HU experience in DF has been accumulated over the last 25 years. However, many studies have been designed to investigate the genetic variations that may explain why some patients tolerate and respond to the use of HU, while others still need to be treated with alternative therapies. In view of this, we aimed to evaluate the response to HU treatment considering the genetic polymorphisms influence involved in the pathophysiology of SCD. For this, we used the calculator severity of DF (CGDF); detected the polymorphisms -509C/T (TGFB1), -308G/A (TNFA), 313 A/G (GSTP1), -786T/C (NOS3), null (GSTM1 and GSTT1), we assessed markers of oxidative stress (catalase, glutathione peroxidase-GPx, glutathione S-transferase-GST, glutathione reductase-GR and the thiobarbituric acid reactive species-TBARS). The study involved 520 patients older than 5 years, from the Instituto de Hematologia do Rio de Janeiro/RJ-HEMORIO. The CGDF was validated for Brazilian patients and severity scores were related to oxidative stress markers. The presence of the GSTM1 null allele increased the occurrence chance of priapism in SCD patients. TGFB1 gene mutation had a protective effect on the occurrence of STA and leg ulcers, and the presence of the mutant allele for the NOS3 gene decreased the occurrence chance of retinopathy and priapism. For biochemical markers, we found that the decreased of enzymes activity (catalase, Gpx and GR), and the increased in GST activity were associated with greater SCD severity. In addition, lipid peroxidation levels were higher in patients than the reference values and the TBARS values increase is influenced by high HbS concentration. We found that mutations in GSTM1 and GSTP1 genes decreased the GST activity and the GSTs gene mutations resulted in elevated GR activity. Patients without polymorphisms: -509C/T (TGFB1), -308G/A (TNFA) and GSTM1 null responded better to HU use compared to patients with mutant alleles of the same genes. The HU effects on HbF and mean corpuscular volume (MCV) increase, as well as in the total bilirubin reduction were independently of studied polymorphisms. This study shows that genetic polymorphisms evaluated influence the response to treatment with HU, and in some specific clinical complications DF. This study demonstrates that HU use response has influence of polymorphism evaluated and thus is an important information and guidance for the treatment of SCD. Key-words: TNFA gene, TGFB1 gene, nitric oxide, glutathione s-transferase. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 13 1.1 DOENÇA FALCIFORME 13 1.2 MODULADORES GENÉTICOS NA DOENÇA FALCIFORME 15 1.2 ESTRESSE OXIDATIVO NA DOENÇA FALCIFORME 19 1.3 TERAPIA FARMACOLÓGICA COM A HIDROXIUREIA 22 2. OBJETIVOS 26 3. MATERIAL E MÉTODOS 28 3.1 CASUÍSTICA 28 3.2 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS 29 3.3 ESTATÍSTICA 29 3.4 MÉTODOS 30 3.4.1 Diagnóstico da Doença falciforme 30 3.4.2 Detecção dos Polimorfismos 37 3.4.3 Avaliação da capacidade antioxidante e de marcador de dano oxidativo 41 3.4.4 Calculadora da gravidade da doença falciforme 42 4. RESULTADOS 45 4.1 GENÓTIPOS DA DOENÇA FALCIFORME E CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDO 45 4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS FENÓTIPOS DE ACORDO COM A CALCULADORA DE GRAVIDADE DA DOENÇA FALCIFORME 48 4.3 POLIMORFISMOS ENVOLVIDOS NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS, NA SÍNTESE DO ÓXIDO NÍTRICO E ESTRESSE OXIDATIVO DA DOENÇA FALCIFORME 56 4.4 AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE ANTIOXIDANTE (ATIVIDADE DAS ENZIMAS CATALASE, GPX, GST, GR) E O DANO OXIDATIVO (TBARS) 61 4.5 RESPOSTA AO USO DE HIDROXIUREIA PERANTE OS MARCADORES BIOQUÍMICOS E LABORATORIAIS, FENÓTIPO DA DOENÇA E OS POLIMORFISMOS GENÉTICOS AVALIADOS 66 6. DISCUSSÃO 74 7. CONCLUSÕES 90 8. REFERÊNCIAS 92 APÊNDICE A - PADRONIZAÇÃO DOS MÉTODOS DE COLETA E PROCESSAMENTO DAS AMOSTRAS PARA OS TESTES BIOQUÍMICOS 111 APÊNDICE B - PROTOCOLOS DE DIAGNÓSTICO DA DOENÇA FALCIFORME, IDENTIFICAÇÃO DOS POLIMORFISMOS E ANÁLISES BIOQUÍMICAS. 118 APÊNDICE C- ARTIGOS 144 Introdução 13 Introdução 1 INTRODUÇÃO 1.1 DOENÇA FALCIFORME A doença falciforme (DF) é uma das afecções monogênicas mais frequentes em todo o mundo; caracterizada pela presença de uma hemoglobina (Hb) com características diferentes da Hb normal, denominada de Hb S, acarreta aos portadores heterogeneidade clínica variando de pessoas com a expectativa de vida normal, com relativamente poucas complicações clínicas, até aqueles com complicações graves, como hipertensão pulmonar, priapismo, acidente vascular encefálico (AVE), úlceras de perna, episódios dolorosos recorrentes, síndrome torácica aguda (STA) e necrose óssea avascular (KLINGS; FARBER, 2001; WEATHERALL et al., 2005; FRENETTE; ATWEH, 2007b; STEINBERG, 2008; DRISS et al., 2009; AKINSHEYE; KLINGS, 2010) O termo DF denota todos os diferentes genótipos que causam as características clínicas da doença (STUART; NAGEL, 2004). A anemia falciforme (AF) refere-se aos homozigotos para a Hb S e representa a forma mais grave e comum da DF. Outros genótipos também são encontrados com menor frequência que incluem as interações com talassemias (Hb S/Beta talassemia) e associações com outras variantes de Hb formando os duplos heterozigotos, como a Hb SC, Hb SD, Hb SE e Hb SO Arab. (BONINI-DOMINGOS, 1993; STEINBERG, 2009). A Hb S é resultado de uma mutação pontual do tipo transversão, em que há a troca de uma base purínica (adenina) por uma pirimídica (timina) no códon do gene β globina que corresponde ao sexto aminoácido. Devido a esta mutação, o aminoácido ácido glutâmico é substituído por uma valina na cadeia beta globina, originando uma Hb com características físicas e bioquímicas alteradas (STEINBERG, 1998; REES; WILLIAMS; GLADWIN, 2010). Em condição de hipóxia, desidratação ou acidose, o motivo hidrofóbico presente nos tetrâmeros de Hb S se ligam formando polímeros rígidos e caracteriza o primeiro evento indispensável na patogênese molecular da DF (STEINBERG, 1999; FRENETTE; ATWEH, 2007a). Esse processo chamado de polimerização da Hb S, dentro dos eritrócitos, tem como consequência múltiplas alterações da célula: 14 Introdução efluxo de íons monovalentes como o potássio, desidratação celular, aumento da densidade dos eritrócitos, rompimento do citoesqueleto eritrocitário, formação de protrusões na membrana, exposição de epítopos proteicos e lipídicos, e por fim podendo ocorrer a hemólise (ZAGO; PINTO, 2007; FRENETTE; ATWEH, 2007a). Os eritrócitos alterados induzem a expressão de mediadores inflamatórios e de coagulação ativando o endotélio vascular, além disso, podem estimular as células endoteliais a recrutar leucócitos por expressarem quimiocinas e moléculas de adesão celular, tais como as selectinas e imunoglobulinas. Todas essas alterações podem desencadear processos vaso-oclusivos e isquemia, e quando é restabelecido o fluxo sanguíneo, promove ainda mais a lesão tissular mediada por reperfusão (EMBURY et al., 2004; WOOD; GRANGER, 2007; CONRAN; FRANCO-PENTEADO; COSTA, 2009; BELINI JUNIOR et al., 2011; MANWANI; FRENETTE, 2013). Outro evento envolvido na fisiopatologia da DF é a hemólise, também desencadeado pela polimerização da Hb S, contribui para o desenvolvimento de vasculopatia. Cerca de dois terços de toda hemólise na DF ocorre principalmente extravascularmente devido à fagocitose de eritrócitos falcizados por células reticuloendoteliais (HEBBEL; MILLER, 1984; KATO et al., 2006). Entretanto, a destruição dos eritrócitos pode ocorrer por via intravenosa. O resultado da hemólise intravascular libera o conteúdo intraeritrocitário como a Hb livre no plasma, espécies reativas de oxigênio (ERO), radicais hidroxil (•OH) e superóxido (O2 -•), que depletam o óxido nítrico (NO), o que acarreta a sua biodisponibilidade e também disfunção do endotélio vascular (REPKA; HEBBEL, 1991; REITER et al., 2002; GLADWIN, 2006). O fenômeno de vasoconstrição, por sua vez, retarda o fluxo sanguíneo e favorece a falcização dos eritrócitos falciformes. Em resposta a estímulos inflamatórios, de hipóxia e estresse oxidativo, as células endoteliais liberam endotelina- 1, um peptídeo pró-inflamatório e potente vasoconstritor de grandes e pequenas artérias e veias (ERGUL et al., 2004). Além da ação vasoconstritora, esse peptídeo aumenta as concentrações de molécula de adesão celular-vascular-1 (VCAM-1) e molécula 1 de adesão intercelular (ICAM-1) solúveis e também estimula monócitos a secretarem citocinas inflamatórias, como as interleucina (IL)-1, IL 6, IL 8, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e substâncias que aumentam a produção de superóxidos pelos neutrófilos (GRAIDO-GONZALEZ et al., 1998; KATO et al., 2009). 15 Introdução Os processos fisiopatológicos, assim como as consequências vasculares, presentes na DF podem ser visualizados na Figura 1. Figura 1. Processos fisiopatológicos na doença falciforme. Os eritrócitos falciformes são os principais responsáveis no desenvolvimento de vasculopatias como resultado da adesão anormal ao endotélio vascular (1) e hemólise (2). Esses fatores desencadeiam um estado pró-inflamatório que se manifesta, em parte, pela adesão de leucócitos (3) e agregação de plaquetas (6). O aumento da secreção de endotelina 1 (ET-1) e sequestro do óxido nítrico (NO) por dímeros de hemoglobina livre resulta no aumento do tônus vascular (4). O estreitamento do lúmen ocorre após a proliferação de células de músculo liso e fibroblastos no interior da camada da íntima (5). O resultado final é a vasculopatia (7) e a vaso-oclusão (8). (modificado de (SWITZER et al., 2006) 1.2 MODULADORES GENÉTICOS NA DOENÇA FALCIFORME A base molecular para a formação da Hb S, assim como, a origem dos alelos βS mutante, são conhecidos, mas apenas a mutação para a Hb S não é suficiente para explicar a heterogeneidade fenotípica encontrada nas pessoas com DF (STEINBERG, 2009; REES; WILLIAMS; GLADWIN, 2010). Diante disso, diferentes estudos têm sido propostos para a busca de moduladores genéticos associados aos fenótipos da DF. Com os resultados do Projeto Genoma Humano e a caracterização de elementos da variação genética humana, pelos projetos emblemáticos, tais como, o Projeto de Mapa de Haplótipos (Haplotype Map – HapMap) e o Projeto 1000 Genomas, foi possível estabelecer 16 Introdução associação das variantes genéticas com doenças humanas e características complexas pelos Estudos de Associação Genômica Ampla (genome-wide association studies – GWAS) (THE INTERNATIONAL HAPMAP PROJECT, 2003; LETTRE, 2012) A Hb F e a coerança da alfa talassemia são os dois moduladores genéticos mais conhecidos na DF. A variação na concentração de Hb F entre as pessoas com DF pode variar de 0,1% a 30% e altas concentrações, em geral, reduz a gravidade da doença (STEINBERG, 2005a). Estudos tem demonstrado efeito protetor da Hb F em eventos como episódios de dor (PLATT et al., 1991; BAILEY et al., 1992), retinopatia (FOX et al., 1990), úlceras de perna (KOSHY et al., 1989), AVE (OHENE- FREMPONG et al., 1998), função esplênica (WALI et al., 2002), entre outros. A expressão da Hb F envolve a atuação de três loci de característica quantitativa (quantitative trait locus-QTL): a região do cromossomo 2 no gene BCL11A, a região intergênica entre os genes HBS1L e MYB e o polimorfismo de nucleotídeo único (single nucleotide polymorphism-SNP) na posição - 158 do gene Gγ globina (GARNER et al., 2004; SANKARAN; ORKIN, 2013). Estudos recentes identificaram que as variantes genéticas nesses QTLs explicam 50% da variação dos níveis de Hb F em pessoas com DF (GALARNEAU et al., 2010). A alfa talassemia associada com a DF faz com que os portadores tenham menos hemólise, maior hematócrito, menor volume corpuscular médio (VCM), baixa contagem de reticulócitos, baixa concentração de Hb S e consequentemente menos processos de polimerização da Hb S (HIGGS et al., 1982; STEINBERG et al., 1984; HIGGS, 2013). Clinicamente, o efeito da alfa talassemia na DF tem mostrado efeito protetor para AVE (OHENE-FREMPONG et al., 1998; NEONATO et al., 2000), úlceras de perna (KOSHY et al., 1989), função esplênica (WALI et al., 2002), para cardiopatias (BRADEN; COVITZ; MILNER, 1996), albuminuria (GUASCH et al., 1999) e colelitíase (ADEKILE et al., 1996; HAIDER et al., 1998). Vários estudos foram publicados descrevendo associações genéticas entre polimorfismos de DNA e genes candidatos que potencialmente afetam a patogênese da DF (LETTRE, 2012). Estes genes, que incluem: mediadores da inflamação, lesão oxidante, biologia do NO, vasorregulação, interação célula-célula, coagulação do sangue, hemostasia, fatores de crescimento, citocinas e reguladores de transcrição, podem agir, por exemplo, independentemente da polimerização da Hb S e interferem no fenótipo do portador da DF (STEINBERG, 2005b; DRISS et al., 2009). 17 Introdução Em revisões atuais, vários SNPs nesses genes estão associados não só com o grau de anemia, mas também com crises de dor, prevalência de AVE, úlceras de perna, hipertensão pulmonar, osteonecrose, complicações hepatobiliares e priapismo, entre outros aspectos clínicos (FERTRIN; COSTA, 2010). Dentre os polimorfismos associados a DF, destacamos os que serão abordados nesse estudo, portanto, temos os envolvidos nos processos inflamatórios: o SNP -509C/T (rs1800469) no gene do fator de crescimento transformante – β1 (transforming growth factor β1 - TGFB1) e o SNP -308G/A (rs1800629) no gene do fator de necrose tumoral-α (tumor necrosis factor-α TNFA); no estresse oxidativo: o SNP 313A/G (rs1695) no gene da glutationa S-transferase pi1 (Glutathione S- transferase - GSTP1) e os polimorfismos da GST mu1 e theta 1(GSTM1 e GSTT1); e na biologia do ON: o SNP – 786T/C (rs2070744) no gene da enzima óxido nítrico sintase endotelial (endothelial nitric oxide synthase-eNOS ou nitric oxide synthase 3 - NOS3). TGF-β1 é considerada uma citocina principalmente pró-inflamatória, mas que também desempenha papel crucial na angiogênese, juntamente com outros moduladores, como o fator de crescimento vascular endotelial (Vascular Endothelial Growth Factor-VEGF) (CRIVELLATO, 2011). É derivado da família gênica TGFB: TGFB1, TGFB2 e TGFB3, que está localizada na região cromossômica 19q13.1- 13.3 e codifica três isoformas da citocina, sendo a TGF-β1 mais abundante na circulação (WATANABE et al., 2002). Polimorfismos no gene TGFB estão envolvidos no desenvolvimento de úlcera de perna (NOLAN et al., 2006), episódios de dor, ocorrência de infecção, infarto, priapismo, STA, hipertensão pulmonar e falência renal (FERTRIN; COSTA, 2010). A proteína TNF-α, descoberta em 1975, é uma molécula pró-inflamatória produzida principalmente por macrófagos e células T. O seu excesso na circulação pode produzir efeitos deletérios sobre as células endoteliais, como apoptose e supressão de reparação endotelial (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2007; RODRIGUEZ-RODRIGUEZ et al., 2011). O cluster de genes TNF está localizado na região cromossômica 6p21.3, dentro da região do complexo de histocompatibilidade (MHC) de classe III (HAJEER; HUTCHINSON, 2001). A presença do SNP -308G/A na região promotora do gene TNFA demonstrou, em estudos com portadores da DF, que o alelo mutante teve associação com a ocorrência do sequestro esplênico em 18 Introdução crianças (CAJADO et al., 2011), já o alelo selvagem teve um efeito protetor contra o AVE (HOPPE et al., 2007). A família de enzimas da óxido nítrico sintase consiste em três isoformas distintas, sendo que a eNOS é expressa em todas as células endoteliais e seus níveis variam em resposta a estímulos mecânicos, fator de crescimento e citocinas (QIAN; FULTON, 2013). O gene da eNOS está localizado na região cromossômica 7q36 e vários SNPs tem sido relacionado com alterações vasculares tais como AVC e doença renal em população sem DF (WANG; WANG, 2000; ENDRES et al., 2004). O SNP rs2070744 foi associado com a ocorrência de STA em crianças com DF do Mediterrâneo (CHAAR et al., 2006) e em mulheres afrodescendentes (SHARAN et al., 2004). Outro estudo indiano mostrou alta frequência do SNP em indivíduos com o fenótipo grave da doença, bem como, baixas concentrações de nitrito em 150 pacientes com DF (NISHANK et al., 2013). A família de enzimas da GSTs são codificadas por pelo menos oito loci distintos: alfa (GSTA), mu (GSTM), theta (GSTT), pi (GSTP), sigma (GSTS), kapa (GSTK), omega (GSTO) e zeta (GSTZ), cada qual composta por uma ou mais isoformas, homodimérica ou heterodimérica (TEW; TOWNSEND, 2012). Estão envolvidas nas reações de conjugação da glutationa (GSH) a uma variedade de compostos eletrofílicos potencialmente tóxicos e carcinogênicos (HAYES; FLANAGAN; JOWSEY, 2005). Os genes das classes GSTM1 e GSTT1, localizados respectivamente nas regiões 1q13.3 e 22q11.23, apresentam as deleções como as variantes mais comuns (genótipo nulo) o que leva a perda de atividade enzimática, impedindo a desintoxicação e, finalmente, aumenta o risco de várias doenças (HAYES; STRANGE, 2000). O gene da classe GSTP1, localizado na região cromossômica 11q13, tem o SNP rs1695 mais estudado e quando a mutação está presente a enzima codificada possui menor atividade catalítica e possivelmente, atua de forma diferente na metabolização de eletrólitos resultantes do estresse oxidativo e de outros processos de biotransformação (BERNARDINI et al., 2005; HUANG et al., 2013). Na literatura, as informações sobre a associação dos polimorfismos das GSTs com complicações clínicas da DF são escassas, o único trabalho existente demonstra que, em pacientes do Brasil, com a nulidade para os polimorfismos GSTM1 e GSTT1 há associação com AVE, úlceras maleolares e STA (DE OLIVEIRA FILHO et al., 2013). 19 Introdução 1.2 ESTRESSE OXIDATIVO NA DOENÇA FALCIFORME Com o surgimento de novos estudos, os processos de estresse oxidativo têm sido cada vez mais relacionados com a fisiopatologia da DF (REES; WILLIAMS; GLADWIN, 2010). O aumento da produção de elementos pró-oxidantes é causado por mecanismos intrínsecos da doença, como o aumento da atividade de várias oxidases (NADPH oxidase e xantina oxidase endotelial) (ASLAN et al., 2001; WOOD; HEBBEL; GRANGER, 2005), auto-oxidação da Hb S (HEBBEL et al., 1982), a liberação de ferro heme, aumento da dimetilarginina assimétrica (ADMA) (XIA et al., 1996; LANDBURG et al., 2010), desacoplamento de óxido nítrico sintase (NOS), e diminuição dos níveis de NO (MORRIS; KATO; POLJAKOVIC, 2005). À medida que os sistemas de defesa antioxidantes na DF são afetados e/ou não são eficientes o suficiente para neutralizar a produção excessiva de espécies oxidantes (SCHACTER et al., 1988; AMER et al., 2006), o estresse oxidativo crônico é estabelecido, sendo um fator crítico para a disfunção endotelial, inflamação e lesão de múltiplos órgãos (HEBBEL; OSAROGIAGBON; KAUL, 2004)[16]. Por outro lado, existem sistemas de defesa antioxidante que podem ser divididos em dois grupos, enzimáticos e não enzimáticos. Os sistemas enzimáticos envolvem as enzimas do ciclo redox da glutationa reduzida (GSH), a glutationa peroxidase (GPx), glutationa S-transferase (GST), glutationa redutase (GR) e glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD). Além da superóxido dismutase (SOD), que promove a dismutação do superóxido (O2-•) em peróxido de hidrogênio (H2O2) e oxigênio (O2), bem como a catalase (CAT), que converte o H2O2 em água (H2O) e oxigênio (O2), impossibilitando a formação do radical hidroxila (•OH). Há ainda a proteção não enzimática promovida, principalmente, pelas vitaminas E (α-tocoferol), C (ácido L-ascórbico) e glutationa reduzida (GSH) (STEVEN et al., 1998; HALLIWELL; GUTTERIDGE, 2007). Na DF foi demonstrado que a atividade da SOD eritrocitária, em alguns estudos, é aumentada e isso pode ser devido a resposta ao estresse oxidativo (DAS; NAIR, 1980; GIZI et al., 2011), porém outros trabalhos mostraram que a diminuição da atividade da SOD está relacionada com a gravidade da doença quando comparada com indivíduos sem a DF (SCHACTER et al., 1988; ALSULTAN et al., 2010). 20 Introdução A remoção do H2O2 eritrocitário é realizada por duas principais enzimas antioxidantes: a GPx e CAT. A CAT é geralmente mais importante do que a GPx porque degrada o H2O2 sem consumir redutores celulares como a GSH ou NADPH, ou seja, é uma maneira energeticamente eficiente de ação (MORRIS et al., 2008; PANDEY; RIZVI, 2011). A glutationa, um cofator para a GPx reduzir o H2O2, é facilmente oxidado em glutationa dissulfeto (GSSG) por compostos oxidantes. Para que ela volte na forma reduzida (GSH), uma enzima chave, a GR, regenera a GSH a partir de GSSG usando elétrons da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato reduzida (NADPH). A concentração de GSH e a atividade de GPx são significativamente reduzida em pacientes com DF (NATTA; CHEN; CHOW, 1990; REID et al., 2006; ALSULTAN et al., 2010), porém a atividade de GR não apresentam diferenças entre indivíduos com e sem a DF (GIZI et al., 2011). Na figura 2, é possível observar as principais vias de redução em eritrócitos. Além das que foram citadas, existe a via das glutaredoxinas que pode reduzir o ascorbato e proteínas oxidadas, as GPX que também atuam na redução dos peróxidos de lipídios/alquil (lado direito da figura) e as GSTs que atuam na detoxificação de xenobióticos (topo da figura). A GR, para ser ativa, recebe os NADPH por ação das tioredoxinas redutase (Trx) e com a participação da peroxiredoxina deixa o estado da Trx oxidado removendo H2O2 (abaixo da figura). Por sua vez, o NADPH é mantido sob a forma reduzida pelas enzimas glicose 6- fosfato desidrogenase (G6PH) e 6-fosfogliconato desidrogenase de (6PGD) por reações desencadeadas pela via das pentoses fosfatos (lado esquerdo da figura). Outros redutores, não enzimáticos, tais como a vitamina C hidrofílica e a vitamina E lipofílico, são absorvidos por eritrócitos e contribuem para a proteção contra danos na membrana (lado superior direito). (MCCORD; FRIDOVICH, 1969; SCHRODER; PONTING, 1998; MAY, 1998; JOHNSON et al., 2010; VAN; VERHOEVEN; ROOS, 2013) Altos níveis de peroxidação lipídica têm sido amplamente descritos na DF, seja pela dosagem das espécies reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) ou pela quantificação direta do malondialdeido (MDA). Esse aumento se deve aos eritrócitos falcêmicos aumentarem a produção endógena de lipídios oxidados e também aumentar a susceptibilidade de promover a peroxidação lipídica comparado a eritrócitos normais (KLINGS; FARBER, 2001; MANFREDINI et al., 2008; SHIMAUTI 21 Introdução et al., 2010; SILVA et al., 2011; TORRES et al., 2012). Além da peroxidação lipídica, o aumento do estresse oxidativo intra e extraeritrocitário induz a instabilidade da membrana com elevada exposição de fosfatidilserina (PS). Com isso, contribui para a hemólise intravascular impulsionando a geração de pró-oxidantes endotelial, e a externalização de PS induz a interação de vários fatores de coagulação com os eritrócitos resultando em estado de hipercoagulabilidade (REPKA; HEBBEL, 1991; WOOD; GRANGER, 2007; WALTER et al., 2008). Figura 2. Principais vias de proteção do eritrócito contra danos oxidativos. Os eritrócitos possuem uma série de enzimas de detoxificação contra as espécies reativas de oxigênio (ERO) e também de xenobióticos. Trx: tioredoxina redutase, TrxS2: tioredoxina redutase na forma oxidada, Trx(SH)2: tioredoxina redutase na forma oxidada, GrxS2: glutaredoxina reduzida, Grx(SH)2: glutaredoxina reduzida na forma oxidada (modificado de (VAN; VERHOEVEN; ROOS, 2013) O processo repetido de polimerização/despolimerização da Hb S pode conduzir a um ciclo vicioso incitando a adesão de células sanguíneas, hemólise, vaso-oclusão e a lesão por isquemia – reperfusão (CHIRICO; PIALOUX, 2012), em outras palavras, as várias fontes de processos pró-oxidantes levam ao estresse oxidativo crônico e sistêmico. Por este motivo, os novos agentes terapêuticos podem ter como alvo o estresse oxidativo e, assim, atuam na prevenção ou retardamento 6-fosfogliconato desidrogenase Glicose-6-fosfato desidrogenase Tioredoxina redutase Peroxiredoxina Catalase Superóxido dismutase Glutationa redutase Glutationa peroxidase Glutaredoxina Glutationa S-transferase Glutationa sintase Sintetase γ-Glutamil cisteína 22 Introdução do desenvolvimento de complicações em órgãos (WOOD; GRANGER, 2007; NUR et al., 2011). 1.3 TERAPIA FARMACOLÓGICA COM A HIDROXIUREIA A história natural da DF, em indivíduos com altos níveis basais de Hb F, é conhecida por ter um fenótipo mais brando e com menor comprometimento de órgãos associados às complicações da doença. Essa observação foi demonstrada pelo Estudo Cooperativo da Doença Falciforme em 1994 (PLATT et al., 1994), portanto, o fato de que o aumento da quantidade de Hb F inibe o processo de polimerização da Hb S, e, consequentemente, a falcização dos eritrócitos, levou à utilização de agentes que possam promover a síntese de Hb F nos pacientes com DF (SHETH; LICURSI; BHATIA, 2013). A hidroxiureia, um derivado do ácido hidroxâmico, é um medicamento de administração oral, cujo maior efeito associado ao tratamento de pacientes com DF é o aumento na síntese de Hb F, envolvida na redução da frequência de episódios vaso-oclusivos, crises de dor, transfusões e hospitalizações (LANZKRON et al., 2008; LIU et al., 2010). Por ser de fácil administração, baixa toxicidade, baixo custo e ter múltiplos efeitos, a HU tem ganhado espaço como terapia frequentemente adotada pelos clínicos, e sua experiência na AF vem sendo acumulada ao longo dos últimos 25 anos, sendo segura e bem tolerada pela maioria dos pacientes adultos (WARE; AYGUN, 2009; KOVACIC, 2011). Os mecanismos de atuação da HU ainda não são totalmente esclarecidos, mas sabe-se que é um agente que atua na fase S do ciclo celular, interrompendo o ciclo pela inibição da atividade da ribonucleotídeo redutase e, dessa forma, reduzindo a síntese de DNA. Essa interrupção não específica do ciclo celular é, provavelmente, a principal responsável pela promoção da síntese de Hb. Em cultura de células demonstrou-se que doses de HU em células progenitoras eritróides podem aumentar a quantidade de Hb intracelular total, mRNA de cadeias gama e os níveis de Hb F. Também há evidências de que a HU atue como um doador de NO, aumentando os níveis de cGMP (Guanosina Monofosfato cíclica), o que acelera a tradução dos genes gama (COKIC et al., 2003; COVAS et al., 2004; REES; 23 Introdução WILLIAMS; GLADWIN, 2010; ALMEIDA et al., 2012) (Figura 3). Estudos mostram que redução na gravidade das manifestações clínicas de pacientes tratados com HU ocorre concomitante à diminuição da contagem e da expressão de moléculas de adesão em leucócitos (KAUL; HEBBEL, 2000; FINNEGAN et al., 2007; LAURENCE et al., 2011). Os efeitos do uso de HU são dose – dependentes e, além do aumento nos níveis de Hb F, que pode chegar a cerca de 60% nos pacientes submetidos ao tratamento, também observaram aumento no volume do eritrócito e quantidade de Hb em seu interior, redução na contagem de reticulócitos (KINNEY et al., 1999; COVAS et al., 2004; CHO et al., 2010), maior hidratação dos eritrócitos e diminuição da adesividade celular ao endotélio (WILES; HOWARD, 2009; KOVACIC, 2011) e diminuição da peroxidação lipídica (BELINI JUNIOR et al., 2011). Figura 3. Múltiplos efeitos benéficos da hidroxiureia na doença falciforme. (1) Indução da Hb fetal por meio da ativação da guanilato ciclase alterando a cinética dos precursores eritróides; (2) baixos valores de neutrófilos e reticulócitos por inibição da ribonucleotídeo redutase e citoxicidade da medula; (3) diminuição da adesividade e melhora da reologia dos neutrófilos e reticulócitos circulantes; (4) redução da hemólise pela melhor hidratação dos eritrócitos, macrocitose, e redução da falcização; (5) o óxido nítrico (NO) é liberado e como potente vasodilatador local, melhora a resposta vascular (modificado de (WARE, 2010) Além de estudos envolvendo adolescentes e adultos, a HU tem demonstrado resultados positivos em crianças de 9 a 18 meses de idade. O ensaio clínico Hidroxiureia Célula Endotelial Óxido Nítrico Eritrócito Vaso sanguíneo Progenitor eritróide Megacariócito Precursor mieloide Medula óssea Neutrófilo Reticulócito 24 Introdução multicêntrico randomizado e controlado por placebo, chamado BABY HUG, avaliou 193 crianças de 9 a 18 meses e verificou que o grupo placebo teve o dobro de episódios de dor, cinco vezes o número de episódios de dactilite, e três vezes mais episódios de STA, e eram mais propensos a necessitar de transfusão em comparação com o grupo com HU (WANG et al., 2011). Além disso, os autores sugerem que os dados deste estudo devem tranquilizar hematologistas, pois o tratamento com a HU é seguro e eficaz quando iniciado precocemente (THORNBURG et al., 2012). O tratamento com a HU tem variações de eficácia tanto no aumento da Hb F quanto na melhora clínica e em outras evidências laboratoriais. Muitos estudos têm como objetivo investigar as variações genéticas que possam explicar o porquê de alguns pacientes tolerarem e respondem ao uso de HU, enquanto, outros ainda precisam ser tratados com estratégias baseadas em transfusão de sangue. (CHARACHE et al., 1995; STEINBERG et al., 1997; ZIMMERMAN et al., 2004; BAKANAY et al., 2005; MA et al., 2007) Devido à importância das complicações vasculares na fisiopatologia da AF, os polimorfismos genéticos associados com os processos inflamatórios e oxidativo são potenciais modificadores na manifestação fenotípica do paciente e podem apresentar resposta diferenciada ao uso de HU. A capacidade de prever eventos fenotípicos na AF permite direcionar procedimentos e antever um prognóstico como linha diretriz de decisão terapêutica. Fatores de risco individuais para complicações clínicas são conhecidos, mas insuficientes para uma precisão diagnóstica sem se conhecer o perfil genético e a influência ambiental sobre esses genes. Estudos genéticos de associação que consideram a ligação de polimorfismos gênicos com subfenótipos conhecidos, podem eventualmente fornecer caminhos para prevenção de eventos clínicos complicadores e permitem um tratamento mais individualizado aos pacientes, atendendo às suas características. Diante da reposta diferenciada ao tratamento com a HU na DF, da influência do processo inflamatório, da biologia do NO e do estresse oxidativo na manifestação clínica do paciente, a avaliação de genes e enzimas que atuam nestes processos é importante para conhecer a resposta individual dos pacientes e relacionar os diferentes aspectos, genéticos e ambientais, em uma vertente da farmacogenômica. Objetivos 26 Objetivos 2. OBJETIVOS OBJETIVO GERAL Em portadores da doença falciforme, avaliar a resposta ao tratamento com a hidroxiureia considerando a influência de polimorfismos genéticos envolvidos nos processos inflamatórios e oxidativo. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Caracterizar e separar os portadores da doença falciforme de acordo com a gravidade clínica da doença (moderada, intermediária ou grave) analisada por meio da “calculadora de gravidade da doença falciforme”; - Rastrear os polimorfismos envolvidos nos processos inflamatórios, na síntese do óxido nítrico e no estresse oxidativo: -509C/T no gene TGFB1, -308G/A no gene TNFA, 313A/G no gene GSTP1, -786T/C no gene NOS3 e os polimorfismos nos genes GSTM1 e GSTT1; e investigar a associação com as complicações clínicas da doença falciforme - Analisar a atividade das enzimas catalase, glutationa peroxidase, glutationa redutase e glutationa S-transferase e os marcador de peroxidação lipídica de cada paciente; - Avaliar a resposta ao uso de hidroxiureia perante os marcadores bioquímicos e laboratoriais, fenótipo da doença falciforme e os polimorfismos genéticos. Material e Métodos 28 Material e Métodos 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1 CASUÍSTICA O estudo envolveu 520 pessoas com a doença falciforme provenientes do Instituto Estadual de Hematologia “Arthur de Siqueira Cavalcanti” – Rio de Janeiro/RJ – HEMORIO, sendo 236 (45,4%) do gênero masculino e 284 (54,6%) do gênero feminino, com a média de idade de 25,2 ± 13,9 anos. Todos os pacientes estavam em acompanhamento clínico seguindo os Protocolos e Diretrizes Terapêuticas para pessoas com DF estabelecido pelo Ministério da Saúde (BRAZIL, 2010; BRAZIL, 2011). A seleção dos pacientes foi randomizada, porém, alguns critérios de exclusão foram: pacientes menores de cinco anos de idade, fumantes, pacientes que faziam o uso regular de bebidas alcoólicas e gestantes. Para a validação da calculadora de gravidade da DF foram utilizados 500 pacientes (440 Hb SS e 60 Hb SC) seguindo os mesmos critérios de exclusão. Para as análises dos marcadores de estresse oxidativo, além dos critérios de exclusão descritos acima, foram atribuídos critérios adicionais: pacientes que fizeram o uso de antibióticos, analgésicos e vitaminas, ingestão de álcool nas últimas 24 horas antecedentes a data de coleta e aqueles que tiveram AVE ou crises de dor dois meses antecedentes a data de coleta. Diante disso, o número amostral envolvendo esses marcadores foi reduzido para 490 pacientes. Um grupo com 100 doadores de sangue, sem hemoglobinopatias, com os mesmos critérios de exclusão para as pessoas com DF, foi criado para obtermos os valores de referência para os marcadores de estresse oxidativo avaliados nesse estudo. Esse grupo foi incluído devido a escassez de grupos de controle fidedignos para tais marcadores, com as mesmas técnicas e condições laboratoriais que utilizamos para o grupo de pacientes. Após consentimento livre e informado, as amostras de sangue foram colhidas por punção venosa, pela equipe do HEMORIO, em dois tubos contendo EDTA a 5%. Um tubo foi coletado e sob-refrigeração a - 4ºC trouxemos para o Laboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas, na UNESP 29 Material e Métodos de São José do Rio Preto-SP, para confirmar o diagnóstico da DF e para o rastreamento dos polimorfismos. As amostras do outro tubo passaram por três tipos de processamento (ver APÊNDICE A – Padronização dos métodos de coleta e preparo das amostras para os testes bioquímicos) e sob-refrigeração a – 80ºC trouxemos para o Laboratório de Biomarcadores de Contaminação Aquática para as análises dos marcadores de estresse oxidativo. Dados hematológicos e bioquímicos e informações sobre o uso de HU, eventos clínicos e transfusões sanguíneas, foram obtidos por meio de consulta aos prontuários médicos e também ao Sistema de Administração do Serviço de Hematologia (SASH). Os 212 pacientes, considerados como em uso de hidroxiureia, foram aqueles que estavam em uso de droga acima de 90 dias com média de 41,1 meses e a dose média por paciente era de 26 mg/kg/dia. 3.2 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Campus de São José do Rio Preto (UNESP/IBILCE) sob o protocolo número 006/11 e CAAE (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética) 0030.0.229.000-10, obedecendo aos princípios estabelecidos na Resolução 196/96 e 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). 3.3 ESTATÍSTICA As amostras foram avaliadas quanto à normalidade e a homoscedasticidade pelo teste Shapiro-Wilk e teste de Levene, respectivamente. Para os dados que atenderam as premissas para a utilização de testes paramétricos foram empregados: Teste t independente e a Análise de Variância (ANOVA) complementada pelo teste de comparações múltiplas de Newman-Kills; para os dados não paramétricos foram utilizados o teste Mann-Whitney e Kruskal-Wallis complementado pelo teste de Dunn. Para as análises de correlações foi utilizado o teste de correlação de Pearson; para dados paramétricos, e correlação de Sperman, para dados não paramétricos, 30 Material e Métodos com a seguinte classificação: correlação perfeita (=1), forte (>0,75), média (>0,5), fraca (<0,5) e inexistente (=0). As análises de frequência foram realizadas pelo teste do Qui-quadrado (para n amostras independentes dispostas em tabelas de contingências l x c) ou exato de Fisher (para duas amostras independentes dispostas em tabelas de contingências 2 x 2). O teste de proporção de Goodman foi utilizado quando os dados não obedeceram as premissas do Qui-quadrado. A análise da associação entre genótipos e predisposição aos eventos clínicos da DF foi realizado pelo cálculo de Odds Ratio (OR) obedecendo o intervalo de confiança (IC), além disso, os valores de OR acima de 1 indicam que o fator está associado a maior chance de desenvolver a característica em questão e valores abaixo de 1, menor chance. A ANOVA fatorial foi utilizada para as análises que incluíram mais de uma variável independente calculando os principais efeitos para cada variável dependente, bem como, a interação entre elas. O software utilizado nas análises estatísticas foi o Statistica, versão 10.0 e o alfa fixado foi de 5%. 3.4 MÉTODOS Os protocolos completos de cada metodologia utilizada para o diagnóstico da DF e para o rastreamento dos polimorfismos encontram-se no APÊNDICE B – Protocolos de diagnóstico da doença falciforme, identificação dos polimorfismos e análises bioquímicas. Entretanto, de forma resumida, as técnicas usadas estão abaixo descritas. 3.4.1 Diagnóstico da Doença falciforme O fluxo de metodologias para o diagnóstico da DF seguiu os seguintes passos: Análise da morfologia eritrocitária � Resistência globular osmótica em NaCl a 0,36% � Eletroforese de hemoglobina em pH alcalino � Eletroforese de hemoglobina em pH ácido � Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC) para avaliação dos valores de hemoglobina A2 e hemoglobina F � Extração de DNA � Reação em cadeia da polimerase (PCR) seguido por análise de polimorfismo do 31 Material e Métodos comprimento de fragmentos de restrição (RFLP) ou alelo específica (AE) para a identificação das mutações e definição dos genótipos da DF. Análise, a fresco, da morfologia eritrocitária Os esfregaços sanguíneos, a fresco, foram analisados ao microscópio de luz, quanto ao tamanho, forma e quantidade de Hb nos eritrócitos (BONINI- DOMINGOS, 2006). Resistência globular osmótica em solução de NaCl a 0,36 % A técnica foi utilizada como um dos testes de triagem para detectar a talassemia do tipo beta, pois nesses casos os eritrócitos microcíticos são mais resistentes à hemólise, nesta solução. No entanto, a resistência globular não é específica para talassemia beta, pois resultados positivos são encontrados também em anemias carenciais e em outras hemoglobinopatias, como nos heterozigotos para Hb C e esferocitose (SILVESTRONI; BIANCO, 1975) Eletroforese em pH alcalino As amostras de sangue, previamente hemolisadas por saponina a 1% (NAOUM, 1990), foram submetidas à eletroforese de Hb em tampão Tris-EDTA- Borato (TEB) em pH 8,6. A técnica foi utilizada para qualificação e quantificação de Hb normais e grande parte das Hb anormais (MARENGO-ROWE, 1965) Eletroforese em pH ácido As amostras de sangue, foram previamente hemolisadas por saponina a 1% (NAOUM, 1990) e submetidas à eletroforese de Hb em tampão fosfato em pH 6,2. Essa técnica foi específica para diferenciar alguns tipos de hemoglobinas mais lentas que a Hb A, como por exemplo: Hb S e Hb D; Hb C e Hb E que em eletroforese alcalina, migram em posições semelhantes, dificultando a correta identificação (VELLA, 1968). 32 Material e Métodos Cromatografia líquida de alta performance (HPLC) O equipamento utilizado foi o VARIANT (BIO-RAD) com Kit de análise Beta Talassemia Heterozigota. O equipamento consiste na cromatografia de troca iônica em um sistema fechado, no qual duas bombas de êmbolo duplo e uma mistura de tampões de diluição, com controles de gradientes pré-programados, passam pela coluna detectando as alterações de absorbância a 415 nm. O filtro secundário de 690 nm corrige a linha de base para efeitos provocados pela mistura de tampões com forças iônicas diferentes. As mudanças na absorbância são monitoradas e exibidas como um cromatograma da absorbância versus tempo e os dados de análise provenientes do detector são processados por um integrador embutido e impressos no relatório da amostra de acordo com o tempo de retenção. O tempo de retenção é o tempo transcorrido entre a injeção da amostra até o ápice do pico da Hb. Cada Hb tem um tempo de retenção e um pico característico favorecendo identificação e quantificação precisa das Hb normais e anormais (INSTRUCTION MANUAL OF BIO-RAD, 2006) Extração de DNA O DNA genômico foi extraído de leucócitos de sangue periférico, segundo o método de extração por fenol-clorofórmio e precipitação por etanol. O DNA obtido neste processo foi utilizado para a identificação dos genótipos da DF e também para o rastreamento dos polimorfismos envolvidos no estudo (SAMBROOK; FRITCSH; MANATIS, 1989) Análise molecular para Hb S por PCR-RFLP A detecção da mutação HBB:c.20A>T foi realizada por PCR seguido de análise de restrição. O fragmento obtido da PCR foi de 382 pb. A mutação no códon 6 (GAG → GTG) elimina um sítio de restrição da enzima DdeI, portanto, quando o fragmento amplificado foi submetido a digestão enzimática, o alelo normal gerou quatro fragmentos: 201 pb, 88 pb, 87 pb e 6 pb, e o alelo mutante gerou três fragmentos: 288 pb, 88 pb e 6pb, este último não é visualizado (SAIKI et al., 1985; BELINI; CANCADO; DOMINGOS, 2010). Os fragmentos gerados foram visualizados 33 Material e Métodos em gel de agarose a 2,0% sob luz UV e os padrões encontrados estão demonstrados na Figura 4. Figura 4. Interpretação da análise molecular para a Hb S por PCR-RFLP. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas esperado após a digestão da PCR pela enzima DdeI. Amostras 2, 3, 4, 6 e 7 – homozigotos para a mutação Hb S. Amostra 1- ausência da mutação Hb S. Amostra 5: heterozigoto para a Hb S. M = marcador molecular de 100 pb. MM: alelos mutantes. MN: alelo mutante e alelo normal. NN: alelos normais Análise molecular para Hb D – Los Angeles por PCR-RFLP A detecção da mutação HBB:c.364G>C foi realizada por PCR seguida de análise de restrição. O fragmento obtido da PCR foi de 564 pb. A mutação no códon 121 (GAA > CAA) elimina um sítio de restrição para a enzima EcoR I, portanto, quando o fragmento amplificado foi submetido a digestão enzimática, o alelo normal gerou dois fragmentos: 296 e 268 pb, e o alelo mutante gerou um fragmento: 564 pb. Os fragmentos gerados foram visualizados em gel de agarose a 2,0% sob luz UV e os padrões encontrados estão demonstrados na Figura 5 (BONINI-DOMINGOS, 2006). MM MN NN 288 pb 201 pb 87-88 pb 34 Material e Métodos Figura 5. Interpretação da análise molecular para a Hb D por PCR-RFLP. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas após a digestão da PCR pela enzima EcoR I. Amostras 2, 4 e 6 – ausência da mutação para a Hb D. Amostras 3 e 5 - heterozigotos para a Hb D. Amostra 1= branco. M = marcador molecular de 100 pb. MM: alelos mutantes. MN: alelo mutante e alelo normal. NN: alelos normais Análise molecular para Hb S e Hb C por PCR-AE As amostras que apresentaram perfil eletroforético e cromatográfico compatível com Hb SC foram submetidas à amplificação gênica alelo-específico (FISCHEL-GHODSIAN; HIRSCH; BOHLMAN, 1990). Nesta técnica foram utilizados 3 tubos para cada paciente. Em todos os tubos foram utilizados os iniciadores controles da reação gerando o fragmento de 660 pb, e especificamente, nos tubos 1, 2 e 3 foram utilizados os primers para os alelos Hb A, Hb S e Hb C, respectivamente, que geraram o fragmento de 216 pb O resultado das amplificações e os padrões de banda estão representados na Figura 6. Figura 6. Interpretação da análise molecular para Hb SC por PCR-AE. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas que possibilita a detecção dos genótipos pela técnica. Amostra 1: heterozigoto para Hb S e Amostra 2: duplo heterozigoto para Hb S e Hb C. Número 1 equivale ao tubo com alelo para Hb A, Número 2 equivale ao tubo com alelo para Hb S e Número 3 equivale ao tubo com alelo para Hb C. M = marcador molecular de 100 pb. AS SC AC SS 660 pb 216 pb 564 pb 296 pb 268 pb MM MN NN 35 Material e Métodos Análises moleculares para identificação das mutações nos alelos beta talassêmicos As amostras que apresentaram perfil eletroforético e cromatográfico compatível com Hb S/Beta talassemia foram investigadas para as mutações mais frequentes na população brasileira. Mutação no códon 39 por PCR-AE A detecção da mutação HBB:c.118C>T foi realizado por PCR-AE. Nesta técnica foram utilizados 2 tubos para cada paciente. Em todos os tubos foram utilizados os iniciadores controles da reação gerando um fragmento de 659 pb, e especificamente, no tubo 1 foram utilizados iniciadores para o alelo sem a mutação e no tubo 2 iniciadores para a mutação CD39 gerando um fragmento de 439 pb. O resultado das amplificações e os padrões de banda estão representados na Figura 7. Figura 7. Interpretação da análise molecular para a mutação CD39 por PCR-AE. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas que possibilita a detecção dos genótipos para a mutação CD39. Amostra 1: homozigoto normal para a mutação CD39, Amostra 2, 3 e 4: heterozigotos para a mutação CD39. Número 1 equivale ao tubo com alelo sem a mutação CD39 e Número 2 equivale ao tubo com alelo para a mutação CD39. M = marcador molecular de 100 pb. Mutação IVS-I-110 por PCR-AE A detecção da mutação HBB:c.93-21G>A foi realizado por PCR-AE. Nesta técnica foram utilizados 2 tubos para cada paciente. Em todos os tubos foram utilizados os iniciadores controles da reação gerando um fragmento de 659 pb, e especificamente, no tubo 1 foram utilizados iniciadores para o alelo sem a mutação e no tubo 2 iniciadores para a mutação IVS-I-110 gerando um fragmento de 337 pb. O Heterozigoto para CD39 Homozigoto Mutante Homozigoto Normal 659 pb 439 pb 36 Material e Métodos resultado das amplificações e os padrões de banda estão representados na Figura 8. Figura 8. Interpretação da análise molecular para a mutação IVS-I-110 por PCR-AE. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas que possibilita a detecção dos genótipos para a mutação IVS-I-110. Pacientes 1 e 3: homozigotos para a mutação IVS-I-110, Paciente 2: heterozigoto para a mutação IVS-I-110. Número 1 equivale ao tubo com alelo sem a mutação IVS-I-110 e Número 2 equivale ao tubo com alelo para a mutação IVS-I-110. M = marcador molecular de 100 pb. Mutação IVS-I-6 por PCR-AE A detecção da mutação HBB:c.92+6T>C IVS-I-6 foi realizado por PCR-AE. Nesta técnica foram utilizados 2 tubos para cada paciente. Em todos os tubos foram utilizados os iniciadores controles da reação gerando um fragmento de 659 pb, e especificamente, no tubo 1 foram utilizados iniciadores para o alelo sem a mutação e no tubo 2 iniciadores para a mutação IVS-I-6 gerando um fragmento de 337 pb. O resultado das amplificações e os padrões de banda estão representados na Figura 9. Figura 9. Interpretação da análise molecular para a mutação IVS-I-6 por PCR-AE. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas que possibilita a detecção dos genótipos para a mutação IVS-I-6. Amostras 1 e 3: ausência da mutação IVS-I-6, Amostra 2: heterozigoto para a mutação IVS-I-6. Número 1 equivale ao tubo com alelo sem a mutação IVS-I-6 e Número 2 equivale ao tubo com alelo para a mutação IVS-I-6. M = marcador molecular de 100 pb. Heterozigoto para IVS-I-110 Homozigoto Mutante Homozigoto Normal 659 pb 337 pb Heterozigoto para IVS-I-6 Homozigoto Mutante Homozigoto Normal 659 pb 337 pb 37 Material e Métodos Mutação IVS-I-1 por PCR-AE A detecção da mutação HBB:c.92+1G>A IVS-I-1 foi realizada por PCR-AE. Nesta técnica foram utilizados 2 tubos para cada paciente. Em todos os tubos foram utilizados os iniciadores controles da reação gerando um fragmento de 659 pb, e especificamente, no tubo 1 foram utilizados iniciadores para o alelo sem a mutação e no tubo 2 iniciadores para a mutação IVS-I-1 gerando um fragmento de 268 pb. O resultado das amplificações e os padrões de banda estão representados na Figura 10. Figura 10. Interpretação da análise molecular para a mutação IVS-I-1 por PCR-AE. À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas que possibilita a detecção dos genótipos para a mutação IVS-I-1. Amostras 1, 2 e 3: ausência da mutação IVS-I-1, Amostra 4: heterozigoto para a mutação IVS-I-1. Número 1 equivale ao tubo com alelo sem a mutação IVS-I-6 e Número 2 equivale ao tubo com alelo para a mutação IVS-I-1. M = marcador molecular de 100 pb. 3.4.2 Detecção dos Polimorfismos Polimorfismo -509C/T no gene TGFB1 A detecção da mutação -509C/T (rs1800469) foi realizada por PCR seguido de análise de restrição. O fragmento obtido da PCR foi de 406 pb. A mutação na região promotora -509C/T elimina o sítio de restrição da Enzima Bsu36I, portanto, quando o fragmento amplificado foi submetido a digestão enzimática, o alelo normal gerou dois fragmentos: 223pb e 183pb, e o alelo mutante apenas um fragmento: 406 pb. (SILVERMAN et al., 2004). Os fragmentos gerados foram visualizados em gel de agarose a 2,0% sob luz UV e os padrões encontrados estão demonstrados na Figura 11. Heterozigoto para IVS-I-1 Homozigoto Mutante Homozigoto Normal 659 pb 268 pb 38 Material e Métodos Figura 11. Interpretação da análise molecular para a mutação -509C/T por PCR-RFLP À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas após a digestão da PCR pela enzima Bsu36I. Amostras 2, 3, 5, 8, 9 e 10 – ausência da mutação -509C/T. Amostras 4, 6, 7 e 11 – heterozigotos para a mutação -509C/T. Amostra 1 – branco. M= marcador molecular de 100 pb. Polimorfismo -308G/A no gene TNFA A detecção da mutação -308G/A (rs1800629) foi realizada por PCR seguido de análise de restrição. O fragmento obtido da PCR foi de 117 pb. A mutação na região promotora -308G/A elimina o sítio de restrição da Enzima NcoI, portanto, quando o fragmento amplificado foi submetido a digestão enzimática, o alelo normal gerou dois fragmentos: 97 pb e 20 pb, e o alelo mutante apenas um fragmento: 117 pb. (WILSON et al., 1992). Os fragmentos gerados foram visualizados em gel de agarose a 4,0% sob luz UV e os padrões encontrados estão demonstrados na Figura 12. Figura 12. Interpretação da análise molecular para a mutação -308G/A por PCR-RFLP À esquerda, a foto de um gel de agarose a 4,0% e a direita o padrão de bandas após a digestão da PCR pela enzima NcoI. Amostras 1, 2, 3, 4, 5 e 7 – heterozigotos para a mutação -308G/A. Amostra 6 – homozigoto mutante para a mutação -308/G/A. O fragmentos de 20 pb não é possível visualizar na concentração desse gel. M= marcador molecular de 100 pb. 406 pb 223 pb 183 pb 406 pb 223 pb 183 pb TT CT CC 117 pb 97 pb 20 pb AA GA GG 39 Material e Métodos Polimorfismo -786T/C no gene NOS3 A detecção da mutação -786T/C (rs2070744) foi realizada por PCR seguido de análise de restrição. O fragmento obtido da PCR foi de 180 pb. A mutação na região promotora -786T/C elimina um sítio de restrição da Enzima MspI, portanto, quando o fragmento amplificado foi submetido a digestão enzimática, o alelo normal gerou dois fragmentos: 138 pb e 42 pb, e o alelo mutante três fragmentos: 92 pb, 46 pb e 42 pb. Os fragmentos gerados foram visualizados em gel de agarose a 2,5% sob luz UV e os padrões encontrados estão demonstrados na Figura 13. Figura 13. Interpretação da análise molecular para a mutação -786T/C por PCR-RFLP À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,5% e a direita o padrão de bandas após a digestão da PCR pela enzima MspI. Amostras 1, 2, 3, 4, e 8 – heterozigotos para a mutação -786T/C. Amostras 5, 6 e 7 – ausência da mutação -786T/C. M= marcador molecular de 100 pb. Polimorfismo 313A/G no gene da GSTP1 A detecção da mutação 313A/G (rs1695) foi realizada por PCR seguido de análise de restrição. O fragmento obtido da PCR foi de 176 pb. A mutação 313A/G cria o sítio de restrição da enzima BsmaI, portanto, quando o fragmento amplificado foi submetido a digestão enzimática, o alelo normal gerou um fragmento de 176 pb, e o alelo mutante dois fragmentos: 91 pb e 85 pb (ISHII et al., 1999). Os fragmentos gerados foram visualizados em gel de agarose a 3,5% sob luz UV e os padrões encontrados estão demonstrados na Figura 14. 138 pb 92 pb 46 pb 42 pb CC CT TT 40 Material e Métodos Figura 14. Interpretação da análise molecular para a mutação 313A/G por PCR-RFLP À esquerda, a foto de um gel de agarose a 3,5% e a direita o padrão de bandas após a digestão da PCR pela enzima BsmaI. Amostras 1, 3, 4, 5, 6 e 7 – ausência da mutação 313A/G. Amostra 2 – homozigoto para a mutação 313A/G. M= marcador molecular de 100 pb. Polimorfismos no gene da GSTM1 e GSTT1 A identificação das deleções para os genes GSTM1 e GSTT1 foi realizada por PCR Multiplex. Em todos os tubos foram utilizados os iniciadores controles da reação e também os iniciadores específicos (ARAND et al., 1996; PINHEL et al., 2008). O genótipo M/M (presença do alelo para GSTM1 e ausência do alelo para GSTT1) foi identificado pela presença do fragmento controle 310 pb e o específico 230 pb. O genótipo T/T (presença do alelo para GSTT1 e ausência do alelo para GSTM1) foi identificado pela presença do fragmento controle de 310 pb e o específico de 423 pb. O genótipo M/T (presença dos alelos para GSTM1 e GSTT1) foi identificado pela presença do fragmento controle de 310 pb e os dois específicos de 423 pb e 230pb. O genótipo nulo (ausência dos alelos para GSTM1 e GSTT1) foi identificado pela presença do fragmento controle de 310 pb. A foto do gel e o padrão dos fragmentos de DNA estão demonstrados na Figura 15. 176 pb 91 pb 85 pb GG AG AA 41 Material e Métodos Figura 15. Interpretação da análise molecular para as deleções dos genes GSTM1 e GSTT1 por PCR-MULTIPLEX À esquerda, a foto de um gel de agarose a 2,0% e a direita o padrão de bandas. Amostras 1, 3 e 5 – genótipo M/T. Amostra 2 e 6 – genótipo M/M. Amostra 4 – genótipo T/T e Amostra 4 – genótipo nulo. M= marcador molecular de 100 pb. 3.4.3 Avaliação da capacidade antioxidante e de marcador de dano oxidativo Determinação da atividade enzimática da Catalase Das amostras de sangue foi retirada a papa de eritrócitos e a mesma foi diluída 50 vezes em água destilada. A atividade da catalase foi quantificada pela velocidade de decomposição do peróxido de hidrogênio pela enzima sendo observada pelo decréscimo de absorbância em 240 nm. A atividade da catalase foi calculada e expressa em U/mL de hemolisado (BEUTLER, 1975). Determinação da atividade enzimática da Glutationa S-transferase As amostras de sangue total foram lavadas e a papa de eritrócito foi adicionada a solução hemolisante tornando a amostra diluída a 100 vezes. A atividade da GST foi avaliada pela reação envolvendo a amostra preparada, o 1- cloro-2,4-dinitrobenzeno (CDNB) e GSH. O aumento de absorbância foi acompanhado a 340 nm e a atividade da GST total foi calculada e expressa em U/mL de hemolisado (KEEN; HABIG; JAKOBY, 1976). 423 pb 310 pb 230 pb NULO M/M M/T T/T 42 Material e Métodos Determinação da atividade enzimática da Glutationa Peroxidase (GPx) As amostras de sangue total foram lavadas e a papa de eritrócito foi adicionada a solução hemolisante tornando a amostra diluída a 100 vezes. A atividade da GPx foi avaliada pelo decréscimo da absorbância a 340 nm promovido pela detoxificação do hidroperóxido de terc-butilo (tBOOH) e consequentemente oxidação da glutationa reduzida (GSH). Além disso, foi utilizado no meio de reação NADPH e glutationa redutase (GR) para aumentar a disponibilidade de GSH, pois é a GR que converte a glutationa oxidada (GSSG) em GSH. A atividade da GPx foi calculada e expressa em U/mL de hemolisado (SIES et al., 1979). Determinação da atividade enzimática da Glutationa Redutase (GR) As amostras de sangue total foram lavadas e a papa de eritrócitos foi adicionada a solução hemolisante tornando a amostra diluída a 100 vezes. A atividade da GR foi avaliada pelo aumento da absorbância a 340 nm em decorrência da conversão da GSSG a GSH. Portanto, a amostra de sangue preparada foi adicionada em meio de reação contendo GSSG e NADPH e a atividade foi expressa em U/mL de hemolisado (BEUTLER, 1969). Dosagem de Espécies Reativas ao Ácido Tiobarbitúrico (TBARS) A dosagem plasmática das espécies reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) foi utilizada para avaliar a peroxidação lipídica das amostras. O método é baseado na reação do malondialdeído e outros aldeídos com o ácido tiobarbitúrico (TBA) em pH baixo e temperatura elevada, para formar um complexo com absorção máxima em 535 nm (MIHARA; UCHIYAMA, 1978; SHIMAUTI et al., 2010). Valores até 440 ng/mL são considerados normais. 3.4.4 Calculadora da gravidade da doença falciforme Nós usamos a ferramenta "Calculadora da Gravidade da Doença Falciforme", disponível em http://www.bu.edu/sicklecell/downloads/Projects, para o cálculo dos escores de gravidade e classificação dos pacientes em categorias por 43 Material e Métodos fenótipo (leve, intermediária, grave). Esta ferramenta foi desenvolvida por meio de modelagem de rede Bayesiana usando 25 variáveis clínicas e laboratoriais para estimar a gravidade da DF em um estudo envolvendo 3.380 pacientes acompanhados no Estudo Cooperativo da Doença Falciforme (CSSCD). O modelo de rede calcula o risco de morte dentro de cinco anos e considera este risco como um escore de gravidade da doença, que varia de 0 (menos grave) a 1 (mais grave). O valor preditivo (ou seja, a precisão da previsão de morte com base em um perfil clínico e laboratorial) do modelo foi validado em dois conjuntos independentes de pacientes e mostrou alta especificidade e sensibilidade (SEBASTIANI et al., 2007). Os escores de gravidade calculados para este estudo incluiu as variáveis exigidas pela calculadora: idade, síndrome torácica aguda (STA), níveis de bilirrubina total, transfusão de sangue, níveis de lactato desidrogenase (LDH), volume corpuscular médio (VCM), crises de dor, priapismo, reticulócitos absoluto, gênero, acidente vascular encefálico (AVE), leucócitos totais, genótipo da doença falciforme e necrose avascular óssea. Dois parâmetros exigidos pela calculadora, sepse e pressão arterial sistólica, não foram utilizados nesse estudo porque esses dados não estavam disponíveis nos prontuários médicos. Resultados 45 Resultados 4. RESULTADOS 4.1 GENÓTIPOS DA DOENÇA FALCIFORME E CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDO A caracterização do genótipo da DF envolveu a análise de 520 pessoas com DF. Foram avaliados 1040 alelos não aparentados e encontramos 433 pacientes (83,3%) homozigotos para a Hb S, 60 (11,5%) com a dupla heterozigose Hb S e Hb C, 17 (3,3%) com a interação Hb S/Beta talassemia e 10 (1,9%) com a dupla heterozigose Hb S e Hb D. As amostras que apresentaram a interação Hb S/Beta talassemia foram submetidas a análises moleculares para a caracterização da mutação que corresponde ao alelo beta talassêmico. Avaliamos as quatro mutações para beta talassemia mais frequente no Brasil: IVS-I-6, IVS-I-110, IVS-I-1 e CD39. Após a avaliação dos 17 Hb S/Beta talassêmicos, encontramos quatro (23,5%) pacientes Hb S/Beta com a mutação CD39, dois (11,8%) com a mutação IVS-I-6, dois (11,8%) com a mutação IVS-I-110 e nove alelos não apresentaram nenhuma das quatro mutações e deverão ser sequenciadas para a identificação do alelo beta talassêmico. Após a identificação dos genótipos da DF, separamos os pacientes em três grupos de idade (5 a 17 anos, 18 a 40 anos e maiores que 40 anos) para melhor caracterização demográfica e clínica dos pacientes. Os limites de idade para cada grupo foram estabelecidos de acordo com os resultados que geraram a “calculadora de gravidade para a doença falciforme” e que serão discutidos no próximo item dos resultados. Na Tabela 1 é possível observar que, independente da idade, do total de 520 pacientes, 212 (41,0%) pessoas faziam o uso de HU, 225 (43,3%) pacientes estavam em regime transfusional sanguíneo, 84 (16,2%) tiveram AVE, 293 (56,3%) tiveram STA, 103 (19,8%) apresentavam úlceras de perna, 45 (8,7%) tinham necrose avascular óssea, 56 (11,0%) pacientes com complicações cardíacas e 118 (21,0%) com complicações renais. De 356 pacientes que foram avaliados pelo 46 Resultados oftalmologista, 49 (14,0%) tiveram retinopatia proliferativa e do total de 236 homens, 46 (19,5%) tiveram episódios de priapismo. Em relação às crises de dor, levantamos a quantidade de episódios de dor por paciente durante o ano que antecedeu a data de coleta. Consideramos as crises de dor naqueles pacientes que recorreram ao Hemorio e precisaram de cuidados médicos. Destacamos que 333 (64,0%) pacientes tiveram de 0 a 2 crises por ano, 135 (26,0%) tiveram de 3 a 5 crises de dor e 52 (10,0%) tiveram ≥ 6 crises por ano. O número de internações hospitalares também foi categorizado e, independente da idade, 467 (89,8%) foram internados de 0 a 2 vezes por ano, também, durante o ano que antecedeu a data de coleta. Além disso, 44 (8,5%) pacientes ficaram internados de 3 a 5 vezes e 9 (1,7%) ficaram internados seis ou mais vezes durante um ano. Quando comparados entre os grupos de idade, a quantidade de pacientes do gênero masculino foi menos frequente nos pacientes acima de 40 anos de idade do que os grupos de 5 a 17 anos e de 18 a 40 anos. O aumento da frequência de pacientes com retinopatia, úlceras de pernas, osteonecrose, complicações cardíacas e complicações renais acompanhou o aumento da idade, sendo que, os pacientes com idade >40 anos apresentaram maior frequência desses eventos quando comparados com os outros dois grupos de idade. 47 Resultados Tabela 1. Dados demográficos e clínicos das pessoas com DF separados de acordo com os grupos de idade Características Grupos de Idade Valor de p 5 – 17 anos (n=197) 18 - 40 anos (n=231) > 40 anos (n=92) Idade [média ± DP] 12,4 ± 3,3a 26,7 ± 6,8b 48,6 ± 6,4c p<0,001 Gênero Masculino [n (%)] 112 (56,8%)a 96 (41,6%)a 28 (30,4%)b p=0,02 Gênero Feminino [n (%)] 85 (43,2%) 135 (58,4%) 64 (69,6%) p=0,05 Genótipos da DF Hb SS [n (%)] 163 (82,7%) 184 (79,7%) 71 (77,2%) p=0,92 Hb SC [n (%)] 23 (11,7%) 25 (10,8%) 15 (16,3%) p=0,48 Hb SD [n (%)] 05 (2,5%) 06 (2,6%) 01 (1,1%) ------- Hb S/Beta talassemia [n (%)] 06 (3,1%) 06 (2,6%) 05 (5,4%) ------- Regime transfusional [n (%)] 86 (43,6%) 104 (45,0%) 35 (38,1%) p=0,76 Uso de Hidroxiureia [n (%)] 83 (42,1%) 83 (35,9%) 46 (50,0%) p=0,31 Complicações clínicas da DF AVE [n (%)] 39 (19,8%) 34 (14,7%) 11 (12,0%) p=0,17 Retinopatia [n/total avaliado (%)] 11/144 (7,6%)a 18/144 (12,5%)a 20/68 (29,4%)b p=0,01 STA [n (%)] 110 (55,8%) 143 (61,9%) 40 (43,5%) p=0,26 Priapismo [n/total masc. (%)] 14/112 (12,5%) 27/96 (28,1%) 5/28 (17,8%) p=0,06 Úlceras de perna [n (%)] 5 (2,5%)a 54 (23,4%)b 44 (47,8%)c p<0,001 Osteonecrose [n (%)] 3 (1,5%)a 19 (8,2%)b 23 (25,0%)c p<0,001 Complicações cardíacas [n (%)] 5 (2,5%)a 26 (11,2%)b 25 (27,2%)c p<0,001 Complicações renais [n (%)] 12 (6,1%)a 65 (28,1%)b 41 (44,6%)c p<0,001 Crises de dor (crises/ano por paciente no último ano) 0 a 2 episódios [n (%)] 134 (68,0%) 142 (61,5%) 57 (62,0%) p=0,89 3 a 5 episódios [n (%)] 50 (25,4%) 60 (26,0%) 25 (27,2%) p=0,88 ≥ a 6 episódios [n (%)] 13 (6,6%) 29 (12,6%) 10 (11,0%) p=0,11 Internações (número de internações/ano por paciente no último ano) 0 a 2 internações [n (%)] 176 (89,3%) 208 (90,1%) 83 (90,2%) p=0,80 3 a 5 internações [n (%)] 18 (9,1%) 19 (8,2%) 7 (7,6%) p=0,92 ≥ a 6 internações [n (%)] 3 (1,5%) 4 (1,7%) 2 (2,2%) ------------ Para as complicações cardíacas foram consideradas: cardiomegalia, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e insuficiência cardíaca aguda (ICA). Para complicações renais foram considerados: albuminuria, hematúria e proteinúria. AVE: acidente vascular encefálico, STA: síndrome torácica aguda. Letras diferentes indicam diferença estatística 48 Resultados 4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS FENÓTIPOS DE ACORDO COM A CALCULADORA DE GRAVIDADE DA DOENÇA FALCIFORME Antes da classificação de gravidade da doença, realizamos várias comparações para verificar se a calculadora de gravidade é indicada para o grupo de pacientes brasileiros. Analisamos a relação dos escores de gravidade com os grupos de idade, que a calculadora preconiza, genótipos da DF, HU e as faixas de escores que resultam na classificação de fenótipos, Inicialmente, avaliamos a influência da HU em 500 pacientes com a DF separados em três grupos de idade (5 a 17 anos, 18 a 40 anos e acima de 40 anos). Compilamos os dados hematológicos, bioquímicos, clínicos e escores de gravidade; cujos resultados das comparações podem ser verificados na Tabela 2. Em todos os grupos de idade, as diferenças encontradas foram no aumento do volume corpuscular médio (VCM) e concentração de Hb F nos pacientes que faziam o uso de HU (p<0,05). Além disso, nesse mesmo grupo observamos diminuição da quantidade de leucócitos e dos níveis de bilirrubina total (p<0,05). Nos grupos de 5 a 17 anos e 18 a 40 anos de idade, os pacientes em uso de HU apresentaram maior ocorrência de STA, maior frequência de pacientes em regime transfusional, maior quantidade de pacientes do gênero masculino com priapismo e maior número de pacientes com seis ou mais crises de dor (p<0,05). Por esse tipo de análise não encontramos diferença significativa nos valores médios dos escores de gravidade entre os pacientes que faziam ou não o uso de HU (p>0,05). Portanto, para verificar se realmente a HU interferiu nos escores de gravidade, avaliamos os escores de 72 pacientes randomizados (aderentes e respondedores ao uso de HU) antes e após o uso de HU e, pelo teste t pareado verificamos diminuição estatisticamente significante dos escores de gravidade [escores antes do uso de HU (0,641 ± 0,194) e escores após o uso de HU (0,601 ± 0,223), p=0,02]. 49 R es ul ta do s Ta be la 2 . D ad os d em og rá fic os , c lín ic os e la bo ra to ria is e m p ac ie nt es c om D F se pa ra do s em g ru po s de id ad e co m e s em o u so d e H U . C ar ac te rís tic as 5 – 17 a no s Va lo r p 18 – 4 0 an os Va lo r p > 40 a no s Va lo r p – H U (n =1 08 ) + H U (n =8 2) – H U (n =1 43 ) + H U (n =7 9) – H U (n =4 3) + H U (n =4 5) G en ót ip os D F (H b S S /H b S C ) 89 / 19 79 / 03 -- - 12 5 / 1 7 74 / 5 -- - 34 / 09 39 / 06 -- - G ên er o (F em in in o/ M as cu lin o) 48 / 60 34 / 48 -- - 87 / 56 42 / 37 -- - 33 / 10 29 / 16 -- - H em og lo bi na (g /d L) 9, 5 ± 6, 4 8, 6 ± 1, 4 0, 15 8, 8 ± 1, 8 9, 0 ± 1, 7 0, 24 8, 5 ± 1, 9 8, 7 ± 1, 9 0, 7 H em at óc rit o (% ) 25 ,9 ± 7 ,8 24 ,7 ± 4 ,4 0, 38 25 ,1 ± 5 ,5 25 ,7 ± 5 ,1 0, 31 24 ,5 ± 6 ,2 24 ,4 ± 5 ,8 0, 95 V C M (f L) 84 ,1 ± 9 ,0 94 ,0 ± 9 ,9 <0 ,0 01 87 ,8 ± 8 ,2 97 ,4 ± 1 2, 2 <0 ,0 01 87 ,6 ± 9 ,1 98 ,1 ± 2 2, 9 <0 ,0 01 Le uc óc ito s to ta l ( /m m 3 ) 10 ,7 ± 3 ,3 9, 9 ± 3, 2 0, 04 10 ,8 ± 3 ,4 9, 9 ± 5, 0 <0 ,0 01 10 ,9 ± 4 ,4 8, 2 ± 3, 4 0, 03 R et ic ul óc ito re la tiv o (% ) 9, 3 ± 3, 7 8, 8 ± 4, 6 0, 51 8, 9 ± 4, 1 9, 4 ± 4, 4 0, 38 7, 6 ± 4, 0 8, 1 ± 4, 6 0, 67 LD H (U /L ) 10 81 ,9 ± 5 67 ,3 95 3, 0 ± 34 3, 5 0, 12 94 0, 3 ± 48 2, 6 87 3, 3 ± 41 6, 5 0, 31 92 7, 7 ± 51 9, 1 75 0, 1 ± 79 ,2 0, 12 B ili rr ub in a to ta l ( m g/ dL ) 3, 4 ± 2, 2 2, 7 ± 1, 9 0, 01 3, 7 ± 2, 6 2, 8 ± 2, 2 0, 01 3, 1 ± 2, 2 2, 2 ± 1, 4 0, 03 A LT (U /L ) 23 ,1 ± 1 5, 3 22 ,6 ± 1 3, 5 0, 58 30 ,4 ± 2 9, 6 33 ,6 ± 2 5, 8 0, 93 25 ,2 ± 1 4, 3 26 ,1 ± 1 6, 3 0, 98 A S T (U /L ) 54 ,1 ± 2 2, 1 52 ,9 ± 2 2, 1 0, 66 54 ,7 ± 2 8, 4 56 ,9 ± 4 6, 0 0, 47 50 ,6 ± 2 1, 2 52 ,9 ± 3 0, 1 0, 65 C re at in in a (m g/ dL ) 0, 6 ± 0, 1 0, 6 ± 0, 1 0, 92 0, 7 ± 0, 2 0, 8 ± 0, 2 0, 12 1, 2 ± 1, 1 1, 1 ± 0, 5 0, 18 H b F (% ) 5, 6 ± 4, 8 9, 9 ± 5, 5 <0 ,0 01 4, 8 ± 4, 6 8, 8 ± 7, 1 <0 ,0 01 5, 7 ± 4, 8 11 ,7 ± 9 ,3 <0 ,0 01 R eg im e tra ns fu si on al [n ( % ) ] 39 (3 6, 1% ) 45 (5 4, 9% ) 0, 00 9 53 (3 7, 1% ) 47 (5 9, 5% ) 0, 01 3 14 (3 2, 5% ) 21 (4 7, 0% ) 0, 17 N úm er o de c ris es d e do r p or p ac ie nt e po r a no n o úl tim o an o an te s da c ol et a [n ( % ) ] 0 – 2 81 (7 5, 0% ) 50 (6 1, 0% ) 0, 07 10 1 (7 0, 6% ) 33 (4 1, 8) <0 ,0 01 25 (5 8, 1% ) 29 (6 4, 4% ) 0, 38 3 – 5 24 (2 2, 2% ) 22 (2 6, 8% ) 0, 62 29 (2 0, 3% ) 30 (3 8, 0% ) <0 ,0 01 13 (3 0, 2% ) 11 (2 4, 4% ) 0, 63 ≥ 6 03 (2 ,8 % ) 10 (1 2, 2% ) 0, 01 13 (9 ,1 % ) 16 (2 0, 2% ) 0, 02 05 (1 1, 6% ) 05 (1 1, 1% ) 0, 52 C om pl ic aç õe s da D F [n ( % ) ] A V E 22 (2 0, 4% ) 16 (1 9, 5% ) 0, 71 22 (1 5, 4% ) 12 (1 5, 2% ) 0, 92 07 (1 6, 3% ) 04 (8 ,9 % ) 0, 29 Ú lc er as d e pe rn a 04 (3 ,7 % ) 01 (1 ,2 % ) 0, 26 30 (2 1, 0% ) 22 (2 7, 8% ) 0, 28 19 (4 4, 2% ) 25 (5 5, 5% ) 0, 22 O st eo ne cr os e 02 (1 ,9 % ) 01 (1 ,2 % ) 0, 68 11 (7 ,7 % ) 08 (1 0, 1% ) 0, 56 12 (2 7, 3% ) 11 (2 4, 4% ) 0, 83 S TA 47 (4 3, 5% ) 58 (7 0, 3% ) <0 ,0 01 81 (5 6, 6% ) 61 (7 7, 2% ) <0 ,0 01 18 (4 1, 0% ) 21 (4 6, 7% ) 0, 51 C om pl ic aç õe s ca rd ía ca s 02 (1 ,9 % ) 03 (3 ,6 % ) 0, 48 15 (1 0, 5% ) 10 (1 2, 6% ) 0, 66 12 (2 7, 3% ) 12 (2 7, 1% ) 0, 99 P ria pi sm o 04 (7 ,0 % ) 10 (2 0, 8% ) 0, 03 12 (2 1, 4% ) 14 (3 7, 8% ) 0, 04 02 (2 0, 0% ) 03 (1 8, 7% ) 0, 64 E sc or e de g ra vi da de (m éd ia ) 0, 32 0 ± 0, 14 7 0, 32 4 ± 0, 14 4 0, 85 0, 54 9 ± 0, 14 5 0, 58 5 ± 0, 16 4 0, 09 0, 79 5 ± 0, 19 4 0, 76 2 ± 0, 16 1 0, 38 V C M ( vo lu m e co rp us cu la r m éd io ); LD H ( la ct at o de si dr og en as e) ; A LT ( al an in a am in ot ra ns fe ra se ); A S T (a sp ar ta to a m in ot ra ns fe ra se ); A V E ( ac id en te v as cu la r en ce fá lic o) ; S TA ( sí nd ro m e to rá ci ca a gu da ); -H U ( Pa ci en te s se m o u so d e H U ); +H U ( P ac ie nt es e m u so d e H U ). C om pl ic aç õe s ca rd ía ca s fo ra m co ns id er ad as : c ar di om eg al ia , i ns uf ic iê nc ia c ar dí ac a co ng es tiv a (IC C ) e in su fic iê nc ia c ar dí ac a ag ud a (IC A ) 50 Resultados Uma vez que não foi encontrada diferença entre os valores médios dos escores de gravidade para os pacientes que faziam ou não o uso de HU, avaliamos a distribuição desses escores nos três grupos de idade (Figura 16). Os histogramas demonstraram que 90,8% dos pacientes, do grupo maior do que 40 anos de idade, apresentaram escores acima de 0,5. No grupo entre 18 a 40 anos de idade, 60,8% dos pacientes apresentaram escores acima de 0,5 e no grupo entre 5 a 17 anos de idade apenas 13,2%. Figura 16. Distribuição dos escores de gravidade dos pacientes com DF. Os histogramas mostram a distribuição dos escores nas três grupos de idade. A frequência de pacientes com escores mais graves foi observada no grupo com idade maior do que 40 anos, seguido pelo grupo de 18 a 40 anos e por último no grupo de 5 a 17 anos. Outra demonstração do comportamento dos escores de gravidade nos diferentes grupos de idade, separados pelo uso de HU, estão representados na Figura 17-A. É possível observar que os valores médios dos escores não diferenciaram estatisticamente (ver Tabela 1) entre os pacientes que estavam ou não em uso de HU. Porém, quando retiramos a variável HU e comparamos os Idade entre 5 a 17 anos (n=190) Idade entre 18 a 40 anos (n=222) Idade maior de 40 anos (n=88) escore de gravidade escore de gravidade escore de gravidade 51 Resultados escores entre as idades, os pacientes com idade > 40 anos tiveram maior média de escore (0,778 ± 0,177), seguido por pacientes com idade entre 18 a 40 anos (0,562 ± 0,152) e, com a menor média, os pacientes entre 5 a 17 anos (0,322 ± 0,145) (p < 0,0001). Como foi descrito na casuística, a validação da calculadora de gravidade da DF envolveu somente pacientes com dois diferentes genótipos, portanto, quando separamos os genótipos e avaliamos os escores de gravidade, a média dos escores foi maior no grupo Hb SS do que no grupo Hb SC (p < 0,001) (Figura 17-B). Figura 17. Distribuição dos escores de gravidade em diferentes grupos (idade, hidroxiureia e genótipos da DF). A) Distribuição dos escores de gravidade em pacientes com DF separados por grupos de idade com e sem o uso de hidroxiureia. B) A média dos escores no grupo Hb SS (n=440) de 0,501 ± 0,218 foi aproximadamente 1,3 vezes maior do que no grupo Hb SC (n=60) 0,395 ± 0,223 (p < 0,001). -HU (Pacientes sem o uso de HU); +HU (Pacientes em uso de HU). De acordo com as observações da distribuição dos escores nos histogramas da Figura 16 e com as faixas de escores propostos pelo estudo de Sebastiani e colaboradores (2010), definiu-se as faixas para a caracterização dos fenótipos em leve, intermediário e grave que podem ser visualizados na Figura 18. Após essa determinação de faixas de escore, classificamos os pacientes e verificamos que 180 (36,0%) pacientes apresentavam fenótipo intermediário, 170 (34,0%) o fenótipo leve e 150 (30,0%) o fenótipo grave. A B 52 Resultados Pacientes > 40 anos de idade 0.1 0.2 0.3 0.4 0.401 0.5 0.6 0.7 0.8 0.801 0.9 1.0 escores de gravidade Pacientes ≤ 40 anos de idade 0.1 0.2 0.3 0.4 0.401 0.5 0.599 0,6 0.7 0.8 0.801 0.9 1.0 escores de gravidade Figura 18. Critérios de classificação fenotípica da doença falciforme. Para o fenótipo “grave” foram considerados os escores > 0,8 para pacientes com idades acima de 40 anos e escores ≥ 0,6 para pacientes com idades ≤ 40 anos. Para o fenótipo “leve” foram considerados os escores ≤ 0,4 para todos os pacientes, independente da idade. Os escores que não corresponderam aos fenótipos “grave” e “leve” foram classificados como fenótipo "intermediário". Em cada grupo de idade, verificamos as frequências de fenótipos e, nos pacientes entre 5 a 17 anos, o fenótipo leve (75,3%) foi o mais frequente, seguido pelo fenótipo intermediário (18,9%) e menos frequente o fenótipo grave (5,8%). Nos pacientes entre 18 a 40 anos, o fenótipo intermediário foi o mais frequente (48,6%), seguido pelo fenótipo grave (40,1%) e menos frequente o fenótipo leve (11,3%). Em pacientes maiores que 40 anos, o fenótipo grave foi o mais frequente (56,8%), seguido pelo fenótipo intermediário (41,0%) e o menos frequente o fenótipo leve (2,0%). Essas observações de gravidade foram consistentes com os dados apresentados na Tabela 3 em que há uma tendência no aumento de algumas complicações da doença (úlceras de perna, necrose avascular e complicações cardíacas) com o aumento da idade. Além disso, a ocorrência de priapismo em homens e o número de crise de dor foram menores em indivíduos entre 5 a 17 anos, em comparação com os outros grupos de idade. Outra forma de validar a calculadora de gravidade foi avaliar a associação das complicações da DF com as classes de fenótipos. Na Tabela 4 verificamos a associação do fenótipo grave com AVE, úlceras de perna, complicações cardíacas e transfusão de sangue. Crises de dor de 3 a 5 por ano e osteonecrose foram mais frequentes em fenótipos intermediários e graves quando comparadas com o fenótipo leve. LEVE INTERMEDIÁRIO GRAVE 53 Resultados Tabela 3. Complicações da DF separadas de acordo com os grupos de idade. Complicações da DF Grupos de idade p 5 – 17 anos (n=190) 18 - 40 anos (n=222) > 40 anos (n=88) AVE 38 (20,0%) 34 (15,3%) 11 (13,2%) 0,23 Úlceras de perna 5 (2,6%)a 52 (23,4%)b 44 (50,0%)c <0,001 Osteonecrose 3 (1,6%)a 19 (8,6%)b 23 (26,5%)c <0,001 STA 106 (55,8%) 142 (63,9%) 39 (44,3%) 0,107 Complicações cardíacas 5 (2,6%)a 25 (11,3%)b 24 (27,3%)c <0,001 Priapismo [n/total homem] 14/108 (12,9%)a 26/93 (27,9%)b 5/26 (19,2%)b 0,025 Regime transfusional 84 (44,2%) 100 (45,1%) 35 (39,8%) 0,065 *Crises de dor [0 – 2] 82 (43,2%)a 134 (60,4%)b 54 (61,4%)b <0,001 *Crises de dor [3 – 5] 24 (12,6%)a 59 (26,6%)b 24 (27,3%)b <0,001 *Crises de dor [ ≥ 6] 7 (3,7%)a 29 (13,1)b 10 (11,4%)b 0,003 *Número de crises de dor por pessoa no ano que antecedeu a coleta das amostras. AVE: acidente vascular encefálico, STA: síndrome torácica aguda. Letras diferentes indicam diferença estatística Tabela 4. Complicações da DF separadas de acordo com os fenótipos caracterizados pelas faixas de escores de gravidade Complicações da DF Fenótipos p Leve (n=170) Intermediário (n=180) Grave (n=150) AVE 21 (12,4%)a 25 (13,9%)a 37 (24,7%)b <0,01 Úlceras de perna 9 (5,3%)a 43 (23,9%)b 49 (32,7%)c <0,001 Osteonecrose 4 (2,3%)a 23 (12,8%)b 18 (12,0%)b 0,002 STA 97 (57,1%) 94 (52,2%) 95 (63,3%) 0,067 Complicações cardíacas 6 (3,5%)a 21 (11,7%)b 27 (18,0%)c 0,006 Priapismo [n/total homem] 11/88 (12,5%) 23/83 (27,7%) 11/54 (20,4%) 0,081 Regime transfusional 59 (34,7%)a 60 (33,3%)a 100 (66,7%) b <0,001 *Crises de dor [0 – 2] 117 (68,8%) 119 (66,1%) 83 (55,3%) 0,241 *Crises de dor [3 – 5] 40 (23,5%)a 48 (26,7%)b 41 (27,3%)b 0,001 *Crises de dor [ ≥ 6] 13 (7,7%)a 13 (7,2)a 26 (17,3%)b 0,122 *Número de crises de dor por pessoa no último ano que antecedeu a coleta das amostras. AVE: acidente vascular encefálico, STA: síndrome torácica aguda. Letras diferentes indicam diferença estatística 54 Resultados Avaliamos a relação dos escores de gravidade com os marcadores bioquímicos, utilizados pela calculadora, e também a concentração de Hb S e de Hb F para verificar se havia correlação entre essas variáveis. Assim, o grau de relação entre escores e hemoglobina (p = 0,004, r = -0,20), escores e hematócrito (p = 0,001, r = -0,21), escores e leucócitos (p = 0,02, r = 0,10), escores e reticulócitos (p = 0,009, r = 0,11) foram estatisticamente significativas. Como não existe validação da calculadora de gravidade para pacientes menores de 18 anos, fizemos outras análises de correlação e removemos o grupo entre 5 a 17 anos. Os resultados de correlações significativas foram: escores de gravidade e hemoglobina (p <0,001, r = - 0,32), escores e hematócrito (p < 0,001, r = -0,33), escores e leucócitos (p = 0,03, r = 0,26), escores e reticulócitos (p <0,001, r = 0,27), escores e LDH (p < 0,001, r = 0,28). Estes resultados mostram que quando os valores de LDH, leucócitos e reticulócitos aumentam os valores de escores de gravidade tendem a aumentar, e quando os valores de hemoglobina e hematócrito diminuem os valores de escores de gravidade tendem a aumentar. Além disso, analisamos o grau de correlação nas classes de fenótipo sem o grupo entre 5 a 17 anos e verificamos que quando os valores de hemoglobina e hematócrito diminuem os valores de escores de gravidade tendem a aumentar, e quando os valores de leucócitos, reticulócitos, LDH, bilirrubina total e Hb S aumentam os valores de escore de gravidade tendem a aumentar. Os resultados estão ilustrados na Figura 19. Os resultados desse item originaram o artigo “Severity of Brazilian sickle cell disease patients: severity scores and validation of Bayesian Network Model” que foi submetido à British Journal of Haematology conforme consta no Apêndice C. 55 R es ul ta do s Fi gu ra 1 9. A ná lis es d e co rr el aç ão e nt re e sc or es d e gr av id ad e e va riá ve is la bo ra to ria is s em o g ru po d e 5 a 17 a no s. A ) C or re la çõ es s ig ni fic at iv as n o fe nó tip o le ve . C or re la çõ es n eg at iv as e nt re o e sc or e de g ra vi da de e h em og lo bi na (p <0 ,0 01 , r = -0 ,6 5) , e sc or e de g ra vi da de e h em at óc rit o (p <0 ,0 01 , r = -0 ,6 8) . C or re la çõ es p os iti va s en tre e sc or e de g ra vi da de e le uc óc ito s (p <0 ,0 01 , r = 0, 54 ), es co re d e gr av id ad e e re tic ul óc ito s (p <0 ,0 1, r= 0 ,6 4) , e sc or e de g ra vi da de e LD H (p <0 ,0 01 , r = 0, 76 ), es co re d e gr av id ad e e bi lir ru bi na to ta l ( p < 0, 01 , r = 0 ,5 9) , e sc or e de g ra vi da de e H b S (p <0 ,0 01 , r = 0, 69 ). B ) C or re la çõ es n o fe nó tip o gr av e. C or re la çõ es n eg at iv as e nt re e sc or e de g ra vi da de e h em og lo bi na (p <0 ,0 1, r= -0 ,3 1) e e sc or e de g ra vi da de e h em at óc rit o (p =< 0, 01 , r = - 0 ,3 2) ; e p os iti va en tre o e sc or e de g ra vi da de e H b S (p <0 ,0 01 , r = 0, 34 ). 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 678910111213141516 es co re d e gr av id ad e Haemoglobina (g/dL) 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 20304050 es co re d e gr av id ad e Hematócrito (%) 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 2468101214 es co re d e gr av id ad e Leucócitos (/mm3) 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 -202468101214 es co re d e gr av id ad e Reticulócitos (%) 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 20 0 40 0 60 0 80 0 10 00 12 00 14 00 16 00 es co re d e gr av id ad e LDH (U/L) 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 051015 es co re d e gr av id ad e Bilirrubina total (mg/dL) 0. 2 0. 3 0. 4 0. 5 2040608010 0 es co re d e gr av id ad e Hb S (%) 0. 5 0. 6 0. 7 0. 8 0. 9 1. 0 68101214 es co re d e gr av id ad e Hemoglobina (g/dL) 0. 5 0. 6 0. 7 0. 8 0. 9 1. 0 10203040 es co re d e gr av id ad e Hematócrito (%) 0. 5 0. 6 0. 7 0. 8 0. 9 1. 0 2040608010 0 es co re d e gr av id ad e Hb S (%) A ) B ) 56 Resultados 4.3 POLIMORFISMOS ENVOLVIDOS NOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS, NA SÍNTESE DO ÓXIDO NÍTRICO E ESTRESSE OXIDATIVO DA DOENÇA FALCIFORME Os polimorfismos nos genes TNFA, TGFB1, NOS3, GSTP1, GSTM1 e GSTT1 foram avaliados em 520 pacientes do grupo de estudo. Para o polimorfismo - 308G/A no gene TNFA, seis (1,1%) indivíduos apresentaram o alelo mutante em homozigose (AA), 95 (18,3%) foram heterozigotos para a mutação investigada (GA) e 419 (80,6%) apresentaram genótipo normal (GG). O polimorfismo -509C/T no gene TGFB1 esteve presente em 50 (9,6%) indivíduos, em homozigose (TT), 199 (38,3%), em heterozigose (CT) e 271 (52,1%) pacientes apresentaram o genótipo normal (CC). Para o polimorfismo 313A/G no gene GSTP1, 82 (15,8%) pacientes apresentaram o genótipo mutante em homozigose (GG), 185 (35,6%) indivíduos foram heterozigotos para a mutação (AG) e 253 (48,6%) apresentaram o genótipo normal (AA). O polimorfismo -786T/C no gene NOS3 esteve em homozigose mutante (CC) para 21 (4,0%) dos pacientes, 188 (36,2%) pacientes em heterozigose (CT) e 311 (59,8%) indivíduos foram homozigotos normais (TT). A Tabela 5 detalha essas frequências genotípicas. Para os polimorfismos nos genes GSTT1 e GSTM1, encontramos 239 (46,0%) pacientes com o genótipo GSTM1/GSTT1 (presença dos alelos para GSTM1 e GSTT1), 121 (23,3%) indivíduos com o genótipo GSTT1/GS