INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, LETRAS E CIÊNCIAS EXATAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA Guilherme Afonso de Campos Avanzi Avaliação do Perfil Energético do Carvão Hidrotérmico de Lodo de Esgoto São José do Rio Preto 2021 Guilherme Afonso de Campos Avanzi Avaliação do Perfil Energético do Carvão Hidrotérmico de Lodo de Esgoto Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Química, junto ao Programa de Pós-Graduação em Química, Área de Concentração – Química Analítica Ambiental, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES Orientador: Prof. Dr. Altair Benedito Moreira Coorientador: Prof. Dr. Odair Pastor Ferreira São José do Rio Preto 2021 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. A946a Avanzi, Guilherme Afonso de Campos Avaliação do Perfil Energético do Carvão Hidrotérmico de Lodo de Esgoto / Guilherme Afonso de Campos Avanzi. -- São José do Rio Preto, 2021 75 p. : il., tabs., fotos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientador: Altair Benedito Moreira Coorientador: Odair Pastor Ferreira 1. Lodo de esgoto. 2. Biomassa. 3. Carbonização hidrotérmica. 4. Poder calorífico superior. I. Título. Guilherme Afonso de Campos Avanzi Avaliação do Perfil Energético do Carvão Hidrotérmico de Lodo de Esgoto Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Química, junto ao Programa de Pós-Graduação em Química, Área de Concentração – Química Analítica Ambiental, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES Banca Examinadora ____________________________________ Prof. Dr. Altair Benedito Moreira (Orientador) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” ____________________________________ Prof. Dr. César Ricardo Teixeira Tarley Universidade Estadual de Londrina ____________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Alexsandra de Sousa Rios Universidade Federal do Ceará São José do Rio Preto 09 de novembro de 2021 Dedico este trabalho Aos meus pais, Flávia e Marcos, pilares de minha formação como ser humano e profissional, pelo incentivo constante e amor incondicional. AGRADECIMENTOS - A Deus, por me conceder a vida e suas bênçãos durante a minha caminhada. - Ao meu orientador, Prof. Dr. Altair Benedito Moreira, por toda confiança depositada em minha pessoa e trabalho. Em especial, por todo ensinamento e suporte a este trabalho. - À Prof.ª Dr.ª Márcia Cristina Bisinoti, pela confiança, apoio e ter me aberto às portas ao grupo de pesquisas. - Aos meus amados pais, Flávia e Marcos, que nunca mediram esforços para me dar uma vida digna e apoio para alcançar meus objetivos. Muito obrigado, vocês são a minha base. - A minha querida namorada, Fernanda. Minha amiga, companheira e parceira de todos os momentos. Deu-me suporte emocional indispensável para iniciar e concluir o mestrado, sempre ao meu lado e me ajudando com as tomadas de decisão. Meu coração é com o seu. Obrigado. - Aos meus irmãos, Murilo e Ana Flávia, pelo amor fraternal e companhia de todos os dias. - Em especial aos meus avós, Joanir, Nelson, Vera e Elsi, que sempre foram alicerces e fonte de carinho e amor inesgotável. - Aos pais de minha namorada, Reinaldo e Fátima, pelo apoio e convivência parental. - Ao grupo de pesquisa do LECA, em especial aos amigos Márcio, Gabriela, Vinícius, Bernardo, Lucas e João Vitor, pela parceria e união em todos os momentos do mestrado. - Aos colegas de casa e amigos, Didico e Barretos, por compartilharem ótimos momentos, conversas e risadas, além de toda responsabilidade com nossa moradia. - À UNESP, ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), ao programa de pós- graduação em Química e ao Departamento de Química e Ciências Ambientais, bem como todos os seus professores e funcionários. Em especial, aos professores Diogo Volanti e Fernando Fertonani, pela contribuição nas disciplinas que realizei; ao professor Luís Octávio, pela coordenação do programa e amizade; e ao professor Maurício Boscolo, pela contribuição em minha qualificação. - Ao meu coorientador, Prof. Dr. Odair Pastor Ferreira, por todo o ensinamento e suporte. - À técnica Daniela, por todo o excelente suporte e ótimas conversas durante um café. - Aos professores do curso de Engenharia Ambiental da UNESP de Presidente Prudente, que contribuíram grandemente para minha formação. Em especial, para a professora Rosane Freire, pela contribuição na minha qualificação. - Aos meus amigos de Marília/SP, em especial ao Boy, Vitinho, Camila, Heloísa, Eduardo, Giorgio, Didiu, Danilo, Felipe, Marcus, Fhe, Rafael, Henrique, Daniel e Julia. Agradeço por poder ter contado com vocês em inúmeros momentos. - O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 88882.434454/2019-01, à qual agradeço por ter me concedido bolsa de estudos durante o mestrado. - À FAPESP e CNPq, por todo financiamento e apoio para com os recursos dos laboratórios. - À equipe abençoada do Colégio Água Viva de Marília/SP, que me deu a oportunidade de lecionar aulas de Química durante o mestrado. - Por fim, agradeço a todos que de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram e me deram forças para concluir este trabalho. “Mestre não é sempre quem ensina, mas quem de repente aprende.” João Guimarães Rosa (1956, p. 310) RESUMO As estações de tratamento de esgoto (ETE) são responsáveis pela geração de grandes quantidades de lodo. A demanda pelo processo de tratamento é devido à preocupação recorrente com o meio ambiente e às condições de saneamento básico para a população. O município de São José do Rio Preto/SP registrou o montante de 14.832 toneladas de resíduo centrifugado em 2018, com gastos onerosos para seu tratamento e disposição. O lodo de esgoto é uma biomassa constituída por alto teor de matéria orgânica e outros compostos de acordo com a sua localidade. Esse material rico em carbono pode ser utilizado para reaproveitamento energético, desde que realizado seu tratamento adequado. Estudos têm demonstrado que a carbonização hidrotérmica (CHT) do lodo de esgoto produz um material denominado carvão hidrotérmico (do inglês, hydrochar) com poder calorífico superior (PCS) da ordem de 20 MJ/kg. Face ao exposto o objetivo deste trabalho é avaliar o potencial energético dos carvões hidrotérmicos (CH) produzidos a partir da CHT do lodo de esgoto doméstico da estação de tratamento de São José do Rio Preto/SP, bem como investigar essa possível via em prol de seu tratamento. Os parâmetros estudados foram temperatura (200, 240 e 280 o C) e tempo de reação (30, 75 e 120 min), com ou sem aditivo ácido sulfúrico. Temperatura e tempos maiores indicaram respostas mais efetivas. O lodo seco (LS) e os CH foram caracterizados por espectroscopia FTIR e análises elementar e termogravimétrica. O PCS foi calculado a partir da análise elementar e os valores aumentaram até 7% em relação à biomassa. Da água de processo (subproduto líquido) foi aferido o carbono orgânico total. Os resultados apontaram eficiência de rendimento energético próximo a 60% calculado a partir do rendimento e PCS do CH. A CHT causou o aparecimento de grupos alifáticos e aromáticos no produto final e alterou a natureza química dos grupos oxigenados. A adição de ácido na mistura promoveu o incremento de carbono elementar no produto e facilitou a separação de fases. Os dados tratados foram determinantes para avaliar os indicadores do balanço energético. Palavras-chave: Lodo de esgoto, Biomassa, Carbonização hidrotérmica, Poder calorífico superior. ABSTRACT Sewage treatment plants (STP) are responsible for generating large amounts of sludge. The demand for the treatment process is due to the recurrent concern with the environment and the sanitation conditions for the population. The city of São José do Rio Preto/SP recorded the amount of 14,832 tons of centrifuged waste in 2018, with expensive costs for its treatment and disposal. Sewage sludge is a biomass consisting of a high content of organic matter and other compounds according to its location. This carbon-rich material can be used for energy reuse, as long as it is properly treated. Studies have shown that hydrothermal carbonization (HTC) of sewage sludge produces a material called hydrochar (HC) with higher heating value (HHV) of about 20 MJ/kg. In view of the above, the objective of this study is to evaluate the energy potential of HC produced from HTC of domestic sewage sludge from the treatment plant of São José do Rio Preto/SP, as well as to investigate this possible path in favor of your treatment. The parameters studied were temperature (200, 240 and 280 ºC) and reaction time (30, 75 and 120 minutes), with or without sulfuric acid additive. Higher temperature and time indicated more effective responses. Dry sludge (DS) and HC were characterized by FTIR spectroscopy and elemental and thermogravimetric analyses. The HHV was calculated from the elemental analysis and the values increased up to 7% compared to biomass. From the process water (liquid by- product) the total organic carbon was measured. The results showed energy efficiency close to 60% calculated from the yield and HHV of HC. HTC caused the appearance of aliphatic and aromatic groups in the final product and changed the chemical character of the oxygen groups. The addition of acid to the mixture promoted the increment of elemental carbon and facilitated phase separation. The treated data were decisive for evaluating the energy balance indicators. Keywords: Sewage sludge, Biomass, Hydrothermal carbonization, Higher heating value. LISTA DE EQUAÇÕES Equação 1 – Equação de Buswell 30 Equação 2 – Rendimento de massa do carvão hidrotérmico 36 Equação 3 – Correlação entre PCS e composição elementar dos CH 38 Equação 4 – Adensamento energético do carvão hidrotérmico 38 Equação 5 – Eficiência do rendimento energético do carvão hidrotérmico 38 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Fluxograma do tratamento na ETE de São José do Rio Preto/SP. 17 Figura 2 – Fluxograma esquemático do processo de CHT. 26 Figura 3 – Lodo in natura desaguado (torta) em caçambas na ETE. 32 Figura 4 – Amostragem em laboratório do lodo in natura desaguado (torta). 33 Figura 5 – Reator Parr utilizado para os experimentos. 34 Figura 6 – Resumo gráfico do procedimento experimental. 35 Figura 7 – Gráfico de Pareto obtido para o planejamento experimental da CHT do lodo de esgoto para avaliação do poder calorífico superior (PCS). 41 Figura 8 – Gráfico de efeitos principais de cada parâmetro avaliado no PCS do CH de lodo de esgoto. 42 Figura 9 – Gráfico de interação dos efeitos de segunda e terceira ordens dos parâmetros avaliados no PCS do CH de lodo de esgoto. 43 Figura 10 – Gráfico de superfície de resposta de PCS obtido para os parâmetros de temperatura e tempo. 44 Figura 11 – Meio reacional contendo carvão hidrotérmico logo após a CHT, das amostras CH280 – 120 e CH280 – 120A, respectivamente, da esquerda para a direita. 49 Figura 12 – Curvas TG e DTG dos CH. 52 Figura 13 – Curvas TG e DTG dos CH e LS. 53 Figura 14 – Espectros FTIR dos CH e do LS. 57 Figura 15 – Diagrama de Van Krevelen adaptado contendo informações dos CH produzidos, LS e outras biomassas. 60 Figura 16 – Adensamento energético dos CH em relação ao LS em função de PCS/MO. 63 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Poder calorífico de biomassas e de seus carvões hidrotérmicos (CH) obtidos por diferentes metodologias. 25 Tabela 2 – Níveis dos fatores do planejamento experimental fatorial completo utilizado para as CHT. 36 Tabela 3 – Resposta aos níveis codificados dos fatores adotados para o experimento. 40 Tabela 4 – Dados de rendimento (R), umidade, cinzas e matéria orgânica (MO) dos carvões hidrotérmicos e carbono orgânico total (TOC) das amostras de água de processo dos CH. Testes F e T de Student para os mesmos dados. 46 Tabela 5 – Temperaturas características ao comportamento na queima de CH e LS. 55 Tabela 6 – Dados de análise elementar dos carvões hidrotérmicos (CH) e lodo seco (LS). 58 Tabela 7 – Dados de poder calorífico superior (PCS) por unidade de massa total de amostra e por unidade de matéria orgânica (PCS/MO), adensamento energético (AE) e eficiência de rendimento energético (ERE). 62 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas CF Carbono Fixo CH Carvão Hidrotérmico CHT Carbonização Hidrotérmica CO2 Dióxido de Carbono COD Carbono Orgânico Dissolvido CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio EPS Exopolissacarídeos EPT Elementos Potencialmente Tóxicos ETE Estação de Tratamento de Esgoto H2O Água H2SO4 Ácido Sulfúrico HPA Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LS Lodo de Esgoto Seco MO Matéria Orgânica MV Matéria Volátil NBR Norma Técnica Brasileira PCB Polychlorinated Biphenyl/Bifenilos Policlorados PCS/HHV Poder Calorífico Superior/Higher Heating Value Sabesp Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SeMAE Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto TOC Total Organic Carbon/Carbono Orgânico Total UASB Upflow Anaerobic Sludge Blanket/Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente de Alta Efiiência SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 16 2.1. Geração e disposição de lodo de esgoto 16 2.2. Legislação para disposição e uso do lodo de esgoto 20 2.3. Poder calorífico e caracterizações químicas 23 2.4. Carbonização hidrotérmica 26 2.5. Processo de CHT para geração de energia com biomassas 27 3. OBJETIVOS 31 3.1. Objetivos específicos 31 4. MATERIAIS E MÉTODOS 32 4.1. Coleta e armazenamento do material 32 4.2. Síntese dos carvões hidrotérmicos 33 4.3. Caracterização físico-química 37 4.4. Determinação do poder calorífico 37 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 39 5.1. Planejamento experimental da síntese dos carvões hidrotérmicos 39 5.2. Análise química do lodo de esgoto, carvões hidrotérmicos e subproduto líquido 44 5.2.1. Análise Imediata do Lodo de Esgoto 44 5.2.2. Análise Imediata dos Carvões Hidrotérmicos e TOC da Água de Processo 45 5.3. Análise termogravimétrica 50 5.4. Caracterização estrutural por FTIR 55 5.5. Análise elementar e poder calorífico 58 6. CONCLUSÕES 65 REFERÊNCIAS 66 14 1. INTRODUÇÃO O lodo de esgoto urbano é alvo de grande preocupação para o meio ambiente e à saúde humana. A incessante cadeia de produção econômica exige atividades geradoras de impacto, o que demanda crescentemente a manutenção e melhoria das condições ambientais, a fim de compatibilizar o desenvolvimento às limitações dos recursos naturais, bem como o tratamento e destinação adequados para os resíduos e outros subprodutos potencialmente tóxicos e/ou poluentes. Os lodos de esgoto são subprodutos do tratamento das águas residuais, ricas em matéria orgânica e nutrientes, tais como potássio, nitrogênio e fósforo, embora essas composições variem de acordo com a época do ano e, principalmente, seu local de origem, predominando sua característica típica como residencial e/ou industrial (BETTIOL; CAMARGO, 2006; ESCALA et al. 2013; KORBOULEWSKY; DUPOUYET; BONIN, 2002). Sua composição em base seca pode chegar a até 60% de carbono orgânico não tóxico e outros compostos inorgânicos, como silicatos, aluminatos, cálcio e magnésio (RULKENS; BIEN, 2004). O grupo de nutrientes presentes no lodo tem justificado sua aplicação como fertilizantes agrícolas, devido às propriedades agronômicas incorporadas nessas substâncias (ESCALA et al., 2013). Em contrapartida, estudos também tem demonstrado que o uso do lodo para esta finalidade deve ser realizado com cautela, devido à presença de elementos potencialmente tóxicos (EPT), tais como Zn, Pb, Cu, Cr, Ni, Cd, Hg e As (variando de 1000 ppm a menos de 1 ppm), patógenos e poluentes orgânicos (KORBOULEWSKY; DUPOUYET; BONIN, 2002; RULKENS; BIEN, 2004). No entanto, no que se referem aos EPT, a combustão do lodo de esgoto promove uma maior estabilidade dos metais tóxicos nas cinzas, pois estão fortemente ligados em sua matriz quando comparado com o lodo original (PARSHETTI et al., 2013). Esta adequada caracterização físico-química das cinzas sugere que este material pode ser utilizado como matéria-prima para a fabricação de tijolos, defensores agrícolas (OTERO et al., 2002) ou até mesmo adsorventes (FAKKAEW; KOOTTATEP; POLPRASERT, 2018). Portanto, as sobras da combustão de lodo de esgoto não devem ser necessariamente consideradas um resíduo, mas sim um subproduto reutilizável. 15 Devido à elevada quantidade de carbono presente naturalmente no lodo de esgoto, além do uso na agricultura, outras tecnologias para geração de energia, tratamento e investigação de intermediários têm sido propostas, tal como a geração/conversão de gases metano e nitrogênio (CHEN et al., 2019; DANSO-BOATENG et al., 2015; HAN et al., 2015; LIU; CAI, 2014; TIAN et al., 2013). O lodo ainda pode ser submetido a processos térmicos em diferentes faixas de temperaturas, com a finalidade de geração de biocombustíveis por diferentes vias, como na pirólise (VIEIRA et al., 2011) ou na carbonização hidrotérmica (ESCALA et al., 2013; GIEVERS; LOEWEN; NELLES, 2019; HE; GIANNIS; WANG, 2013; PARSHETTI et al., 2013; YU et al., 2018; ZHAO et al., 2014). O processo de carbonização hidrotérmica (CHT) é vantajoso em relação à pirólise, uma vez que no processo de CHT se utiliza a biomassa ainda úmida, não sendo necessários gastos energéticos para secagem, além do uso de temperaturas mais baixas (LIBRA et al., 2011). Além disso, devido às menores temperaturas utilizadas na CHT comparadas à pirólise, é possível que haja menos formação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), problema já investigado para a formação do biochar – via pirólise (KAMBO; DUTTA, 2015). Diante disso, este trabalho propõe o uso da carbonização hidrotérmica (CHT) para investigar a produção de combustível viável e uma alternativa às tecnologias de secagem a partir do lodo de esgoto estabilizado. O estudo também procura fornecer dados abrangentes sobre a composição e propriedades dos produtos obtidos (carvão hidrotérmico e água de processo). Os processos de carbonização submetem as diferentes biomassas às transformações químicas, o que torna necessário investigar compostos possivelmente prejudiciais ao meio ambiente formados no produto sólido, além de outros compostos no subproduto líquido, como fenol e derivados, fósforo e nitrogênio totais, ácidos graxos voláteis, entre outros (CHANG et al., 2013; FAKKAEW; KOOTTATEP; POLPRASERT, 2018; PENG et al., 2017). Entretanto, a técnica ainda se mostra como uma abordagem estratégica no que se refere à disposição sustentável dos resíduos de biomassa, uma vez que se pode imobilizar, por exemplo, EPT de carvão hidrotérmico produzido a partir de lodo de esgoto (CHANAKA UDAYANGA et al., 2018). No que tange a essa perspectiva é que surgem os desafios para a mitigação deste problema socioambiental e econômico, acarretando a contribuição deste estudo junto aos trabalhos relacionados da academia, aos interesses públicos e, consequentemente, a toda população. 16 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. Geração e disposição de lodo de esgoto Devido ao constante aumento populacional, urbano e industrial nas cidades, a demanda por recursos naturais é crescente, em especial, para a água. No entanto, o uso deste recurso, tanto em termos qualitativos como quantitativos, traz como consequências à descarga de efluentes, que necessitam de tratamento adequado para a mitigação dos potenciais impactos sobre o meio ambiente. Para tanto, tal diligência deve ser alcançada com o aumento do número de domicílios ligados às estações de tratamento de esgoto. Junto a isto, deve-se acompanhar uma eficiente metodologia de tratamento, conjuntamente à disponibilidade de tecnologias capazes de aumentar tal eficiência. A coleta de esgotos é fundamental para a garantia da qualidade de vida da população e do desenvolvimento socioeconômico e sustentável, uma vez que é considerada uma demanda de saneamento básico. Em todo o mundo, no ano de 2015, cerca de 60% das pessoas estariam vivendo sem saneamento adequado (OMS; UNICEF, 2017). Em um contexto global é esperado que a quantidade de lodo de esgoto aumente gradativamente, considerando o extensivo crescimento populacional, urbano e industrial no decorrer dos anos, bem como a exigência dos padrões ambientais e de saúde pública para a melhoria dos sistemas sanitários. Consequentemente, a demanda por estações de tratamento de águas residuais cresce em todo o mundo, juntamente ao volume de lodo gerado. Na Europa foi estimado um aumento na geração de lodo desaguado de 11,5 milhões de toneladas (Mt) em 2010 para cerca de 13 Mt em 2020; na China foi estimada uma produção anual do resíduo em torno de 30 Mt em 2017, sendo que neste mesmo ano, a taxa de geração global de lodo foi registrada como 45 Mt/ano (DANISH et al., 2016; GAO et al., 2020; VERLICCHI; ZAMBELLO, 2015). Dados do Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto (SeMAE) do município de São José do Rio Preto revelaram a geração de 14.832 toneladas de lodo centrifugado na estação de tratamento de esgoto (ETE) em 2018, com uma média de 108.171 m³/dia de esgoto bruto coletado pela rede. Atualmente, a capacidade média diária de tratamento de efluente na estação é de 1.050 L/s, o que corresponde a um volume médio de efluente tratado de 90.720 m³/dia. A Figura 1 ilustra a trajetória do efluente na ETE. 17 Figura 1. Fluxograma do tratamento na ETE de São José do Rio Preto/SP. Fonte: SeMAE, 2019. Nesse contexto, surge a problemática em cima deste cenário, por se tratar de um município que, de acordo com o IBGE, possui uma população estimada em 2020 de 464.983 habitantes, e contribui com a geração de carga bruta de efluentes com alta Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). Devido essas características, os custos operacionais para tratamento e disposição do resíduo são relativamente elevados. Em 2017 o SeMAE computou gastos de R$ 2.779.293,58 com transporte/disposição dos resíduos da ETE e R$ 4.429.532,74 para insumos e gastos energéticos do tratamento que, somados, equivalem próximos a 43% do custo total de operação e manutenção anual da estação. O lodo de esgoto é gerado a partir da biomassa microbiana que decanta durante o processo de tratamento do esgoto bruto, no qual os microrganismos decompositores e a própria matéria orgânica digerida do esgoto se acumulam no fundo dos tanques das ETE (BETEMPS, 2018). Sua composição é descrita ser constituída por elevado teor de matéria orgânica (alto teor carbonáceo) e vários nutrientes, como potássio, cálcio, magnésio, cobre, zinco, molibdênio, boro e ferro, que são identificados no lodo de esgoto e podem apresentar benefícios químicos, físicos e 18 biológicos nas propriedades do solo, por exemplo (PATHAK; DASTIDAR; SREEKRISHNAN, 2009). Ainda apresentam micronutrientes tais como, fósforo, nitrogênio, enxofre, sódio e outras espécies químicas, como o selênio e possíveis metais tóxicos indesejados: arsênio, cádmio, cobre, chumbo, mercúrio e níquel (BETTIOL; CAMARGO, 2006). Outros estudos ainda detectaram no lodo de esgoto compostos de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), bifenilas policloradas (PCB), furanos, dioxinas, pesticidas, hidrocarbonetos alifáticos, fármacos, ftalatos, plastificantes, desreguladores endócrinos, retardante de chamas, dentre outros diversos, o que nos indica a complexa composição deste resíduo (ERIKSSON et al., 2008; RULKENS; BIEN, 2004). O lodo ainda pode apresentar composição variada de metais tóxicos, e considerando suas diferentes vias de processos térmicos que este pode ser submetido, como a incineração (> 800 ºC) e a gaseificação (> 900 ºC), compostos metálicos voláteis podem ser emitidos na forma gasosa e, eventualmente, resultar em poluição secundária; ao contrário de operações em temperaturas medianas, como a pirólise (400 ≤ 800 ºC) e processos hidrotérmicos (180 ≤ 400 ºC), nos quais foi observado o enriquecimento desses metais no carvão (CHANAKA UDAYANGA et al., 2018; TIAN et al., 2014). Pesquisas sobre a produção mundial de lodo apontam um fato importante relacionado à geração de lodo de esgoto e a economia: países com rendas mais altas possuem maiores infraestruturas e tecnologias para a coleta e tratamento de esgoto, por isto, a tendência é que a produção de lodo aumente de forma proporcional (LEBLANC; MATTHEWS; RICHARD, 2008). Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS de 2018, no Brasil, 53% dos brasileiros tem acesso à rede coletora de esgoto e deste total, apenas 46% é tratado. O restante é descartado in natura em rios ou armazenado em fossa séptica. As estatísticas ainda apontam que somente 21 municípios nas 100 maiores cidades do país tratam mais de 80% dos esgotos. A região Centro-Oeste aparece com o maior índice de tratamento do país, com 53,88%, enquanto a região Norte aparece como a pior neste quesito, com apenas 21,70% do esgoto tratado. Em relação à acessibilidade de rede coletora, os dados apontam que a região Sudeste é a mais garantida quanto a este atendimento, ao contrário da região Norte, com 79,21% e 10,49%, respectivamente (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2019). Segundo dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), no ano de 2017, a geração de esgoto no município de São Paulo foi de 1,5 milhão de m³/dia, considerando os domicílios, 19 comércios, repartições públicas e indústrias. Dessa geração, é estimado pela Sabesp que 86% deste esgoto são coletados e 70% do total gerado é tratado. As alternativas estudadas para a destinação final do lodo de esgoto de uma ETE devem ser selecionadas de acordo com a legislação pertinente em cada localidade, bem como se considerar um meio seguro e ambientalmente aceitável. No Brasil, o Conselho Nacional do Meio Ambiente concebe resoluções a fim de regulamentar a destinação final do lodo de esgoto e outros resíduos sólidos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece que a disposição final ambientalmente adequada de rejeitos é a distribuição ordenada em aterros, observando normas operacionais específicas. De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – NBR 8419/1992), o aterro sanitário é uma técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos à saúde pública e a sua segurança, minimizando os impactos ambientais e confinando os resíduos sólidos à menor área e volume possível, utilizando-se dos princípios da engenharia. A Norma define critérios básicos para seleção do local de construção, identificação de resíduos e informações geográficas. Como elementos do projeto, a Norma ainda preconiza que o aterro deve ser munido de sistema de drenagem superficial, drenagem e remoção de percolado (líquido que passa através de material poroso – dos resíduos dispostos), impermeabilização inferior e/ou superior e sistema de drenagem para os gases emitidos. Os aterros sanitários apresentam muitos avanços na sua implantação para destinação dos resíduos sólidos urbanos em relação aos lixões, uma vez que estes últimos são considerados grandes vazadouros a céu aberto, dispondo inadequadamente os resíduos e gerando até bolsões de favelas ao redor destes locais. Os lixões ainda provocam sérios problemas de saúde pública, causando a exposição de gases oriundos da decomposição do lixo orgânico sem nenhum controle e tratamento, podendo se considerar, ambiental e socialmente, uma das piores situações quando se fala na destinação de lixo. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos previu meta para a extinção dos lixões até 2014. A categoria de aterros denominados como controlados, no ponto de vista socioambiental, possui impactos semelhantes aos lixões, sendo ambos tratados como formas inadequadas de destinação de resíduos, uma vez que estes aterros constituem áreas de antigos lixões que passaram por processo de isolamento do entorno para minimizar os impactos de um lixão (VITAL; INGOUVILLE; PINTO, 2014). Embora o aterro sanitário seja uma prática de estrutura segura e muito utilizada, não se devem preterir os riscos de impactos ambientais. Em possíveis casos de vazamento na 20 impermeabilização e/ou negligências nos projetos, os volumes de chorume podem ser cruciais para a poluição das águas subterrâneas, lixiviação e contaminação do solo; falhas nos drenos de gases podem desencadear grandes volumes na emissão de metano e; possíveis desabamentos de partes do aterro devido à decomposição da carga orgânica (CAMARGO; WAGNER, 2006; VIEIRA et al., 2011). Os aterros também apresentam desvantagens quanto ao seu tempo de vida útil consideravelmente curto, a necessidade de uma extensa área para sua implantação, altos custos de manutenção, concorrência do lodo de esgoto com os resíduos sólidos urbanos, a poluição visual, o descontentamento de populações vizinhas e a série de restrições de uso dessas áreas após serem utilizadas para este fim (ANDREOLI; FERNANDES; DOMASZAK, 1997; KARAYILDIRIM et al., 2006; MONSALVO; MOHEDANO; RODRIGUEZ, 2011; PEDROZA et al., 2005). Os custos somados de pré-implantação e implantação de um aterro sanitário de grande porte – 2000 t/dia – podem chegar a R$ 34,76 milhões, enquanto que um de pequeno porte – 100 t/dia – as cifras alcançam R$ 5,135 milhões. Essa base de dados foi estimada em função de valores nominais de 2007 e atualizada com base na evolução do Índice Nacional da Construção Civil (INCC – DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) entre 2008 – 2014 (VITAL; INGOUVILLE; PINTO, 2014). O aumento da geração do lodo de esgoto no Brasil e no mundo se deve muito em virtude do desenvolvimento do saneamento básico e dos processos de tratamento do esgoto, fomentando os desafios para a disposição adequada deste resíduo. Por isso, atualmente sua destinação final tem sido incentivada para o reuso em outras atividades, principalmente como fonte de energia renovável e na agricultura, encorajando o Brasil e outros países a seguirem este direcionamento (MELO et al., 2019; WANG; CHANG; LI, 2019). 2.2. Legislação para disposição e uso do lodo de esgoto A disposição do lodo de esgoto vem sendo amplamente discutida e estudada devido à crescente demanda da sociedade pelo manejo ambientalmente correto desse resíduo, principalmente exigido pelas autoridades, empresas públicas e privadas, compatibilizando o desenvolvimento às limitações da exploração de recursos naturais (BETTIOL; CAMARGO, 2006). Após o tratamento do esgoto doméstico nas Estações de Tratamento de Esgoto – ETE tem-se a geração do lodo do esgoto, que é um resíduo rico em matéria orgânica e dependendo da 21 fonte que o originou, ele pode conter além da matéria orgânica, elevadas concentrações de compostos orgânicos tóxicos e principalmente metais tóxicos, e caso seja disposto de forma inadequada, pode trazer danos irreversíveis ao meio ambiente (ERIKSSON et al., 2008; CHANAKA UDAYANGA et al., 2018). As principais destinações do lodo, a depender de suas características químicas e em atendimento ao preconizado pela legislação, as possibilidades de tratamento deste resíduo podem ser por meio de incineração, reuso industrial, pirólise, “landfarming” e uso agrícola/florestal, na aplicação direta no solo ou após a compostagem (BETTIOL; CAMARGO, 2006; CABALLERO et al., 1997). A lei federal nº 12.305/2010 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, define que os resíduos sólidos contemplam àqueles que estão nos estados sólido e semissólido, que é o caso dos lodos de esgoto sanitários, os quais mesmo após o processo de desaguamento ainda contém cerca de 80% de água na sua composição. A NBR 10004/2010 da Associação Brasileira de Normas Técnicas define os critérios e concentrações limites de compostos orgânicos e inorgânicos para classificação de resíduos perigosos (Classe I) e não perigosos (Classe II). É importante ressaltar que caso o lodo de esgoto seja enquadrado como um resíduo perigoso fica proibido o seu uso na agricultura. Além disso, a sua disposição deve ser feita em aterro sanitário Classe I, o que culmina no aumento de custo para o seu tratamento. A regulação para uso do lodo de esgoto na agricultura gerado na ETE sanitário e seus produtos derivados, considerando esses resíduos como fonte de matéria orgânica e de nutrientes para as plantas, também foi concebida pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 375 de 29 de agosto de 2006. Ela estabelece que a “estação de tratamento de esgoto (ETE) é responsável pelo recebimento, processamento, caracterização, transporte, destinação do lodo de esgoto produzido por uma ou mais estações de tratamento de esgoto sanitário e monitoramento dos efeitos ambientais, agronômicos e sanitários e sua aplicação em área agrícola”. Além disso, a Resolução estabelece limites máximos de concentração de substâncias inorgânicas, orgânicas e patógenos para que possa ser usado na agricultura. Em estudo realizado na disposição do lodo de esgoto bruto no solo, observaram-se mudanças nas suas propriedades físicas, com resultados satisfatórios para o melhor rendimento de matérias verde e seca de braquiárias, além de promover o maior crescimento das plantas de eucaliptos. Foram 22 considerados como indicadores de avaliação: o crescimento vegetal, a macroporosidade e a porosidade total do solo (DE CAMPOS; ALVES, 2008). A incineração do lodo de esgoto também é considerada como via de gerenciamento do resíduo, uma vez que não exige tratamento prévio biológico ou químico e reduz drasticamente o volume. No entanto, apresenta alto custo devido ao processo de secagem prévia do lodo, geração de gases poluentes e a necessidade do manejo com as cinzas formadas no processo, uma vez que este subproduto sólido é comumente utilizado e avaliado como matéria-prima de concreto, por exemplo (ANDREOLI; VON SPERLING; FERNANDES, 2001; WU et al., 2021). A Resolução CONAMA nº 316 de 29 de outubro de 2002 dispõe sobre os procedimentos e critérios para o funcionamento de sistemas de tratamento térmico de resíduos, cujo processo ocorre acima da temperatura mínima de 800 ºC. O Artigo 1º estabelece “Disciplinar os processos de tratamento térmico de resíduos e cadáveres, estabelecendo procedimentos operacionais, limites de emissão e critérios de desempenho, controle, tratamento e disposição final de efluentes, de modo a minimizar os impactos ao meio ambiente e à saúde pública, resultantes destas atividades”. A Resolução ainda abrange que os sistemas devem atender aos critérios técnicos fixados na publicação, além do estudo dos resíduos de acordo com sua composição, origem e processo produtivo do gerador e quantidade, poder calorífico, cinzas, metais, halogênios, composição e caracterização físico-química. Chama-se atenção de casos quando há a presença de bifenilas policloradas (PCB), onde se especifica que a taxa de eficiência de destruição e remoção desta substância deve ser de 99,99%. A Resolução ainda excetua de sua disciplina os rejeitos radioativos, o coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de produção de clínquer (componente básico do cimento) e, salvo a disposição de dioxinas e furanos, que deve obedecer aos parâmetros anexados no documento. Recentemente, a Resolução CONAMA nº 499 de 06 de outubro de 2020 regulamentou uma alternativa para a destinação final do lodo de esgoto, principalmente no que diz respeito aos critérios analisados neste trabalho. A publicação aplica-se ao licenciamento de atividades de coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de produção de clínquer. Ela estabelece que “os resíduos sólidos urbanos, os resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços e os resíduos dos serviços públicos de saneamento básico podem ser destinados para coprocessamento, desde que sejam previamente submetidos à triagem, classificação ou tratamento”. O Artigo 11 destaca que “são permitidos, para fins de coprocessamento em fornos 23 de produção de clínquer, resíduos ou misturas de resíduos passíveis de serem utilizados como substituto de matéria-prima e/ou de combustível, desde que as condições do processo assegurem o atendimento às exigências técnicas e aos parâmetros fixados na presente Resolução, comprovados a partir dos resultados práticos do Plano do Teste de Queima proposto”. Os parágrafos subsequentes, do mesmo artigo, determinam que os resíduos possam ser utilizados como substitutos de matéria-prima e combustível para fins de coprocessamento, desde que apresentem características similares aos componentes da produção de clínquer (mineralizadores ou fundentes) e que o ganho energético seja comprovado. 2.3. Poder calorífico e caracterizações químicas O poder calorífico é um ótimo parâmetro para avaliação da potencialidade energética de combustíveis a partir de biomassa. Trata-se de uma importante característica de biomassas e carvões, principalmente quando estes são utilizados em sistemas para conversão de energia, instalações de conversão térmica, cálculos de projetos e rendimento térmico de caldeiras, planejamento e operação de usinas termelétricas e para orçamentos, servindo como alicerce para atingir a eficiência destes processos (RAM NHUCHHEN; ABDUL SALAM, 2012; POSOM; SIRISOMBOON, 2017; VERGNHANINI FILHO, 2018). O poder calorífico pode ser definido como uma medida termodinâmica que representa o conteúdo de energia liberado na forma de calor, durante uma queima em combustão completa e na presença de ar, expressa em relação a uma unidade de massa, quantidade de matéria ou volume de substância a temperatura e pressão constantes (RUSSEL, 1994; WYLEN; SONNTAG, 1993). Sua unidade de medida mais usual na literatura é MJ/kg, embora também seja comumente utilizadas cal/g, kcal/kg e kJ/kg. Para a avaliação de combustíveis, o poder calorífico pode ser dividido em poder calorífico superior (PCS) ou poder calorífico bruto (PCB) e poder calorífico inferior (PCI) ou poder calorífico líquido (PCL) (POSOM; SIRISOMBOON, 2017). O poder calorífico superior de um combustível pode ser definido como a quantidade de calor liberado quando uma quantidade de combustível é submetida a uma combustão, considerando seu teor de água e supondo que esta retorna ao estado líquido no final de uma medição, considerando seu calor latente de vaporização como produto de combustão e recuperando o calor derivado deste processo (SHI et al., 2016). Quanto maior o valor de PCS, 24 maior será o conteúdo energético do combustível (XU; YUAN, 2015). Este valor pode ser considerado uma propriedade importante para avaliação de um sistema de combustão, definido como calor termodinâmico de combustão (SHENG; AZEVEDO, 2005). O PCS de um combustível pode ser medido experimentalmente utilizando uma bomba calorimétrica de oxigênio (ou calorímetro) adiabática, avaliado por uma medida simples e precisa, através das transformações ocorridas e da entalpia envolvida no processo (UZUN et al., 2017). No entanto, existem correlações de acordo com a análise elementar do material que permitem encontrar o valor de PCS de maneira eficaz. Estudos com análise elementar de biomassa lignocelulósica evidenciaram uma correlação bastante significativa do valor de poder calorífico com os conteúdos de carbono, oxigênio e hidrogênio, atribuindo erro relativo de até 3% para a maioria das biomassas e com relevância de aplicação até para outros combustíveis fósseis e matérias orgânicas, inclusive lodos de esgoto (HUANG; LO, 2020). Porém, devido ao custo mais elevado desta última análise, também foram determinados modelos de correlação para análises imediatas, baseados nos valores de carbono fixo (CF), matéria volátil (MV) e teor de cinzas como componentes sólidos (RAM NHUCHHEN; ABDUL SALAM, 2012). Ram Nhuchhen e Abdul Salam (2012) apresentaram metodologia também embasada na minimização de erros, a partir de dados de poder calorífico de 250 biomassas diferentes. A Tabela 1 apresenta alguns resultados e suas respectivas metodologias adotadas para determinação do PCS: 25 Tabela 1. Poder calorífico de biomassas e de seus carvões hidrotérmicos (CH) obtidos por diferentes metodologias. Autores PCS (MJ/kg) – Biomassa PCS (MJ/kg) – CH Metodologia Costa et al. (2019) – Farelo de babaçu 22,15 27,99 (160 ºC, 48 h e pH = 3 a ) Bomba calorimétrica Gaur et al. (2020) – Lodo de esgoto 18,0 ± 0,1 20,4 ± 0,2 (250 ºC e 30 min) Análise elementar Parikh; Channiwala; Ghosal (2005); Ram Nhuchhen; Abdul Salam (2012) b – Espiga de milho 18,77 – Bomba calorimétrica 19,03 Análise imediata a Condições adotadas para carbonização hidrotérmica da biomassa referida. b Estudo para estimativa do poder calorífico superior de biomassas a partir da análise imediata. A matéria volátil (VM) consiste basicamente de gases e vapores que são transformados durante a pirólise, sendo perdida a temperaturas de até 900 ºC em atmosfera de nitrogênio gasoso. Já o carbono fixo (CF) é a fração não volátil residual do combustível sólido, que pode ser mensurado quando o material é submetido à combustão em oxigênio, deixando cinzas como resíduo (ASTM, 2020; KIM, LEE, PARK, 2014). Tais parâmetros são indicadores significativos para incremento do PCS. Por sua vez, o poder calorífico inferior (PCI) é definido por Shi et al. (2016) como o derivado do PCS, sob condições em que a água ainda está no seu estado de vapor e seu calor latente de vaporização não é recuperado. Estes autores ainda estimaram que o PCI pudesse ser obtido teoricamente subtraindo o calor de vaporização da água do PCS. Portanto, o poder calorífico inferior pode ser considerado o real conteúdo de energia de um combustível, sendo uma importante medida para estimar parâmetros do processo de combustão, ainda que o PCS seja relatado com maior frequência na literatura (POSOM; SIRISOMBOON, 2017). 26 2.4. Carbonização hidrotérmica A carbonização hidrotérmica (CHT) é uma tecnologia termoquímica promissora e de grande destaque que recentemente tem sido estudada para fins de manejo sustentável, principalmente para o aproveitamento energético e recuperação de nutrientes de biomassas resultante das atividades agrícolas, dentre outras geradoras de algum tipo de bio-resíduo. A Figura 2 esquematiza um resumo gráfico do processo de CHT. Figura 2. Fluxograma esquemático do processo de CHT. Fonte: Próprio autor, 2021. O processo de CHT tem como fundamento produzir um material com elevado teor de carbono a partir de resíduos de biomassa, onde este é aquecido em meio aquoso e em sistema fechado, permitindo o acúmulo de pressão saturada (BERGE et al., 2011). A decomposição desta biomassa ocorre através de um processo exotérmico global, por sucessivas reações químicas, que incluem hidrólise, desidratação, descarboxilação, polimerização e aromatização, embora vias detalhadas destas reações não sejam conhecidas todas as biomassas estudadas (BERGE et al., 2011; FUNKE; ZIEGLER, 2010). É possível ainda a geração de produtos ricos em nutrientes (potássio, cálcio, magnésio, ferro etc.), a depender do tipo de matéria-prima utilizada. A CHT 27 ocorre em temperaturas relativamente baixas (180 – 260 °C) e permite ser feita numa ampla faixa de umidade (FUNKE; ZIEGLER, 2010; WIKBERG et al., 2015). Além das baixas temperaturas empregadas, por dispensar a etapa de secagem do material, o consumo energético no tratamento desses resíduos é menor do que em outras técnicas utilizadas dessa natureza, como a pirólise, por exemplo (LIBRA et al., 2011; MUMME et al., 2011). A vantagem ainda, nesse contexto, é a possibilidade de aplicar a técnica para diferentes biomassas e outros resíduos que apresentam alto teor de umidade, como os efluentes líquidos, diferindo a CHT de outros processos de termoconversão (KAMBO; DUTTA, 2015). Os produtos obtidos a partir da CHT são denominados comumente na literatura como carvão hidrotérmico (CH), carbono hidrotérmico ou ainda, do inglês, hydrochar (produto sólido); e uma fração líquida, denominada como água de processo. Adicionalmente, também poderá ter a presença de bio-óleo na água de processo e/ou na fração sólida (LENG et al., 2015). O CH tem sido também amplamente utilizado para fixação de carbono, melhoria do solo (BENTO et al., 2020), produção de bioenergia e remediação na poluição de efluentes (SAIDUR et al., 2011). 2.5. Processo de CHT para geração de energia com biomassas Biomassas são materiais orgânicos de origem vegetal e/ou animal, não fósseis e biodegradáveis, sendo considerada uma das principais fontes de recurso sustentável. Trata-se de uma importante fonte de energia, principalmente devido à possibilidade de reduções nas emissões de gases estufa e estar diretamente relacionada às estratégias de consumo sustentável, atuando como fontes de alimentos e matérias-primas renováveis bioenergéticas (DAI et al., 2017; PARSHETTI et al., 2013). Neste contexto, muitos trabalhos têm sido desenvolvidos com objetivo de estudar métodos para recuperação de energia limpa e que sejam economicamente viáveis (CHEN et al., 2019; COSTA et al., 2019; MISSAOUI et al., 2017; SAIDUR et al., 2011; WANG et al., 2018). Estudos recentes demonstraram uma grande viabilidade para a produção de combustível sólido a partir da carbonização hidrotérmica de vários resíduos de biomassa. Costa et al. (2019) apresentaram em suas pesquisas com carvões hidrotérmicos de mesocarpo e farelo de babaçu, uma eficiência de rendimento energético em até 69% e 89%, respectivamente, sendo ambas as biomassas derivadas do coco de babaçu, fruto comum nas regiões norte e nordeste do Brasil. 28 Outras pesquisas com carvão hidrotérmico da biomassa de cama de frango (do inglês, poultry litter), cuja composição é a base de excretas, penas e material de cama de aves de corte, apontaram um balanço energético favorável, atingindo um valor calorífico de 24,4 MJ/kg, semelhante ao de um carvão sub-betuminoso (MAU et al., 2016). Estudos com carvão hidrotérmico produzido a partir de serragem de madeira também apresentaram resultados visando sua aplicação como combustível sólido, analisando o efeito do pH no meio reacional da CHT. Os autores observaram que ajustando com ácido acético o pH para valores mais baixos da água de alimentação, os valores de poder calorífico e carbono fixo acusaram incremento, principalmente devido ao tamanho e os componentes das partículas do carvão (WANG et al., 2017b). Resultados satisfatórios também foram indicados pelos estudos dos carvões hidrotérmicos a partir da biomassa de algas filamentosas H. reticulatum e microalgas Chlorella vulgaris, apresentando aumento nos valores caloríficos que se comparam com um carvão típico de lignito, a partir de suas razões H/C e O/C no diagrama de Van Krevelen (PARK; LEE; KIM, 2018). O conteúdo carbonáceo também indicou um crescimento com a CHT das biomassas de batata-doce e de bagaço de azeitona seco, bem como seus potenciais energéticos (CHEN et al., 2018; MISSAOUI et al., 2017). Além disso, a utilização desses materiais ricos em carbono é investigada como importante forma sustentável de mitigar o CO2 antropogênico de balanço virtualmente neutro, devido ao seu rápido uso no ciclo de produção e ser caracterizado como material energético denso, como propriedade de carvão mineral (ESCALA et al., 2013). Através do processo de CHT, o CO2 é ligado à estrutura carbonácea do carvão hidrotérmico, reduzindo esses gases do ciclo do carbono (TITIRICI et al., 2012). Diante disso, grandes quantidades de biomassa originadas de resíduos humanos (lodo de esgoto doméstico, fezes, resíduos sólidos urbanos etc) estão sendo avaliadas para ser convertidas em carvão hidrotérmico, uma vez que este produto aponta um fortalecimento na imobilização de CO2, recalcitrando o transporte de carbono no seu ciclo ecológico (WANG et al., 2018). A carbonização hidrotérmica apresenta um grande potencial para ser um processo eficiente e sustentável para o tratamento, recuperação de energia e recursos do lodo de esgoto, cujo processo de desvolatilização resulta na imobilização de metais tóxicos e aumento no poder calorífico proporcional à temperatura, embora com um menor rendimento de massa e energia 29 líquida, tornando este parâmetro crucial para as características das vias de reação e dos produtos (WANG; CHANG; LI, 2019). Estudos demonstraram que o tratamento das águas residuárias podem chegar em até 50% do custo operacional total de uma ETE (BETTIOL; CAMARGO, 2006; RULKENS, 2008), o que torna sugestivo o desenvolvimento de novas tecnologias para o gerenciamento estratégico e sustentável do lodo de esgoto nas estações de tratamento, seja para minimizar a geração, a reciclagem e recuperação de nutrientes e/ou ainda o reaproveitamento energético do resíduo da biomassa (CHANAKA UDAYANGA et al., 2018). De acordo com He, Giannis e Wang (2013), o carvão hidrotérmico convertido a partir de lodo de esgoto a 200 ºC são combustíveis sólidos resultantes com até 60% menos nitrogênio e enxofre, com carbono retido em 88% e com valores mais altos de aquecimento em até 0,98 e 1,03 vezes de lodo bruto. A diminuição das razões atômicas O/C e H/C indicou que as reações de desidratação e descarboxilação foram as principais vias de reação (HE; GIANNIS; WANG, 2013; YU et al., 2018). Outros resultados indicaram que o carvão hidrotérmico de lodo tem razões H/C e O/C comparáveis às de um carvão natural e próximo de valores típicos da celulose e, até mesmo, de um carvão de baixa qualidade; mas ambos os resultados manifestaram um valor calorífico maior para o carvão hidrotérmico do que esses carvões, podendo servir, portanto, como uma fonte potencial de combustível (DEMIR CAKAN et al., 2008; ESCALA et al., 2013). Zhao et al. (2014) sugeriram a temperatura como fator determinante na propriedade de geração de biocombustível, apontando no balanço energético uma taxa de recuperação de energia em até 50% em condições a 200 ºC e 30 minutos para tratamento de carbonização hidrotérmica a partir de lodo de esgoto. Estudos anteriores também apontaram um aumento de carbono retido nos produtos da CHT de lodo de esgoto e no seu poder calorífico, concomitantemente a maiores temperaturas e tempo de tratamento, mas também foram identificados resultados com menor liquidez energética nessas condições (DANSO-BOATENG et al., 2015; YU et al., 2018). Outras pesquisas atestam que uma elevação da temperatura de 180 para 300 ºC no tratamento hidrotérmico do lodo de esgoto, diminui o rendimento de sólidos na ordem de 92,04% para 54,65% e também os teores de Cu, Zn e Pb sob estados trocáveis (XU; JIANG, 2017). A CHT também se mostrou eficiente para a conversão de lodo desidratado em bio-óleo e carvão hidrotérmico no que tange à investigação das composições orgânicas e rendimento dos produtos em diferentes temperaturas e tempo de reação, além dos seus potenciais de uso para 30 produção de gás metano através de digestão anaeróbia. (CHEN et al., 2019). Ainda de acordo com Chen et al. (2019), os principais produtos do tratamento do lodo desidratado foram proteínas e ácidos graxos voláteis, além de compostos degradáveis mais recalcitrantes, tais como ácido húmico, melanoidinas, nitrogênio heterocíclico e fenóis, o que influenciou na menor quantidade de metano produzido em temperaturas elevadas e maiores tempos de residência. Outras pesquisas apontaram que a fase líquida da CHT possui concentrações de carbono orgânico dissolvido (COD) e carbono orgânico total (TOC) consideráveis para estimar rendimentos teóricos na produção de metano, de acordo com a equação de Buswell (BUSWELL; NEAVE, 1930 apud DANSO-BOATENG et al., 2015), representada pela Equação 1: ( ) ( ) ( ) (1) que se enuncia pela composição química do material. Também foi aplicada uma correlação baseada nas concentrações de TOC e COD do líquido, segundo Franco et al. (2007). Os resultados teóricos de metano estimados por Danso-Boateng et al. (2015) foram significativamente afetados pela temperatura e tempo de reação, diminuindo com o aumento da temperatura e do tempo. Os resultados pela equação de Buswell neste estudo foram embasados nas composições dos sólidos carbonizados secos, para simular o rendimento teórico atingível dos líquidos; também apontaram que quanto maior a concentração de ácidos graxos voláteis na água de processo, maior a produção de metano alcançada. É notório que atualmente o lodo de esgoto tem atraído grande atenção como matéria- prima promissora na produção de biocombustíveis renováveis através da CHT, bem como seu tratamento. 31 3. OBJETIVOS O principal objetivo deste trabalho é avaliar o potencial energético dos carvões hidrotérmicos produzidos a partir da carbonização hidrotérmica de lodo de esgoto doméstico da estação de tratamento autônoma de São José do Rio Preto – SP, bem como investigar possível via em prol de seu tratamento para disposição e viabilidade na geração de energia como combustível. 3.1. Objetivos específicos a) Sintetizar os carvões hidrotérmicos em diferentes parâmetros (temperatura, tempo e aditivo ácido) e caracterizá-los quanto a sua composição química; b) Caracterizar e determinar o poder calorífico superior (PCS) da biomassa seca a fim de avaliar suas propriedades energéticas; c) Determinar o PCS dos carvões hidrotérmicos produzidos e indicar modelo de correlação desta propriedade, de acordo com sua caracterização e; d) Estruturar o balanço energético do processo e propor medidas mitigadoras para maior eficiência na disposição do resíduo. 32 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1. Coleta e armazenamento do material As amostras de lodo de esgoto in natura desaguado (torta) foram coletadas na ETE do Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto (SeMAE) de São José do Rio Preto/SP, localizada na Rodovia Délcio Custódio da Silva, no quilômetro 4,5. O lodo in natura desaguado é obtido após o lodo bruto (≈ 98% de água) passar pelos reatores anaeróbios de fluxo ascendente (UASB), seguido com adição de polímero catiônico para etapa de centrifugação. Em seguida, é armazenado em caçambas (Figura 3) para transporte até seu destino final. Todo o lodo coletado foi fracionado em pequenos sacos plásticos, de mesmo tamanho e volume (Figura 4), e em seguida submetidos a congelamento, armazenados em freezer comum. Figura 3. Lodo in natura desaguado (torta) em caçambas na ETE. Fonte: Próprio autor, 2019. 33 Figura 4. Amostragem em laboratório do lodo in natura desaguado (torta). Fonte: Próprio autor, 2019. 4.2. Síntese dos carvões hidrotérmicos O preparo dos carvões hidrotérmicos foi realizado em reator sob pressão Parr 4590 series com controlador de reator Parr 4848 (Figura 5), em agitação constante de 120 RPM em copo de aço inoxidável com volume de 100 mL, sendo somente 3/5 do volume total utilizado, como medida de segurança. A amostragem foi realizada aleatoriamente para as carbonizações, com lodo desaguado de frações distintas – sacos plásticos – do armazenamento. 34 Figura 5. Reator Parr utilizado para os experimentos. Fonte: Próprio autor, 2021. O lodo in natura (torta) foi colocado no copo do reator e diluído em água destilada. Essa biomassa desaguada possui aproximadamente 82% de água e com aspecto físico consistente. Por este motivo foi realizada a dispersão da torta em laboratório e adotado a concentração de 95% em água, sendo, aproximadamente, duas partes de água para uma de lodo (2:1), de maneira a obter a melhor proporção para a carbonização hidrotérmica. Como aditivo foi utilizado o ácido sulfúrico (H2SO4) concentrado (98%) Synth, nas porcentagens de 0,5 e 1% (v/v) em função do volume de 60 mL do reator Parr utilizado para a carbonização. As temperaturas de carbonização foram avaliadas em 200, 240 e 280 °C e os tempos de reação foram avaliados em 30, 75 e 120 min (CHEN et al., 2019; DANSO-BOATENG et al., 2015; KIM; LEE; PARK, 2014). O tempo de cada reação foi contado a partir do momento em que as temperaturas foram atingidas e estabilizadas no controlador do reator Parr. Depois de transcorrido o tempo de reação, o processo foi imediatamente cessado em banho de gelo. As amostras sólidas foram separadas da fase líquida por centrifugação, filtração à pressão reduzida e depois seca em estufa a 65 °C por 24 horas. As amostras líquidas (água de processo) foram devidamente armazenadas em frasco âmbar, identificadas e acondicionadas em geladeira para análises de carbono orgânico total e 35 destinação final adequada. A Figura 6 ilustra a sequência de ações para a obtenção do carvão hidrotérmico a partir do lodo de esgoto. Figura 6. Resumo gráfico do procedimento experimental. Fonte: Próprio autor, 2021. Os ensaios em reator Parr foram submetidos a planejamento experimental do tipo fatorial completo, a fim de viabilizar e orientar os experimentos, além de verificar a influência de cada parâmetro utilizado na carbonização. O planejamento foi aplicado do tipo 2³ + 1, no qual três parâmetros de carbonização (temperatura, tempo de reação e concentração de aditivo ácido) foram variados em dois níveis (−1, +1), com adição de um ponto central (nível zero, em triplicata). Correlacionando todos esses parâmetros, sucedeu-se a produção de 11 carvões hidrotérmicos (LARANJA et al., 2020). O software Minitab executou o design dos experimentos a serem realizados. As carbonizações foram executadas de modo aleatório, a fim de reduzir efeitos de outros fatores não estudados e erros sistemáticos. Os níveis dos fatores adotados para a CHT do lodo in natura são descritos na Tabela 2. 36 Tabela 2. Níveis dos fatores do planejamento experimental fatorial completo utilizado para as CHT. Temperatura (°C) Tempo (min) Ácido (%v/v) Identificação da Amostra Ordem de Ensaio 200 30 - CH200 – 30 3 200 120 - CH200 – 120 4 280 30 - CH280 – 30 9 280 120 - CH280 – 120 1 240 75 0,5 CH240 – 75a' 6 b 240 75 0,5 CH240 – 75a'' 10 240 75 0,5 CH240 – 75a''' 11 200 30 1 CH200 – 30A a 5 200 120 1 CH200 – 120A 7 280 30 1 CH280 – 30A 8 280 120 1 CH280 – 120A 2 a Nomeação da amostra CH200 – 120A: o número 200 remete à temperatura a qual foi submetida a CHT; o número 120 equivale ao tempo de reação, em minutos; e a letra “A” indica a concentração de 1% (v/v) de ácido na mistura. b Condição realizada em triplicata como ponto central, de acordo com planejamento fatorial. A letra “a” em CH240 – 75a' indica a concentração de 0,5% (v/v) de ácido na mistura; os apóstrofos indicam as replicações. Fonte: Próprio autor, 2020. O rendimento do carvão hidrotérmico (R) foi calculado utilizando a Equação 2: ( ) (2) Os testes de hipóteses F e T de Student também foram aplicados para analisar a diferença das variâncias e médias, respectivamente, entre o grupo de amostras do ponto central (triplicata) e o grupo restante, avaliando a homogeneidade da amostragem por meio do rendimento dos carvões. O nível de significância adotado foi de 0,05 (ou α = 5%) para determinação do intervalo de confiança dos dados. O software Microsoft Excel foi utilizado para estruturação dos testes. Este tratamento estatístico foi aplicado para todos os dados apresentados de análise imediata dos CH, adotando a mesma metodologia entre os mesmos grupos de amostras. 37 4.3. Caracterização físico-química Os carvões hidrotérmicos (CH) e o lodo de esgoto seco (LS) foram caracterizados quanto a suas propriedades composicionais, estruturais e térmicas. O LS foi obtido pela secagem do lodo in natura (82% de água) em estufa, por 105 ºC, até massa constante. A análise termogravimétrica foi empregada para obter informações sobre o comportamento da perda de massa e análise imediata (umidade, matéria orgânica e cinzas) dos carvões e da biomassa seca. Foi utilizado um analisador termogravimétrico TGA 4000, Perkin Elmer, baseado em parâmetros modificados do método D2974 – 20e1 (ASTM, 2020). A massa utilizada de cada amostra foi entre 10 a 15 mg, com intervalo de temperatura de 30 a 800 ºC e rampa de aquecimento a 10 ºC ∙ min -1 , em atmosfera de ar estático. As determinações de carbono, hidrogênio, nitrogênio e enxofre foram realizadas por analisador elementar EA 1108 CHNS, Fisons. O oxigênio foi avaliado pela diferença das cinzas, carbono, hidrogênio, nitrogênio e enxofre: O (%) = 100 – (cinzas + %C + %H + %N + %S). A espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) foi executada para o lodo seco (LS) e os carvões hidrotérmicos. Os espectros foram obtidos por espectrômetro modelo Spectrum Two – UART Two, PerkinElmer. A faixa espectral aplicada foi de 4000 – 400 cm -1 com 30 varreduras por amostras. Já para o subproduto líquido, foi mensurado o carbono orgânico total (TOC) das amostras de água de processo de todas as condições de carbonização, obtido por meio de um analisador de carbono orgânico total (Shimadzu, TOC – VCSN). 4.4. Determinação do poder calorífico O poder calorífico superior (PCS) dos carvões hidrotérmicos e do lodo seco (LS) foram estimados pela Equação de Dulong (Equação 3), a qual correlaciona de forma unificada a previsão do poder calorífico superior de combustível sólido, expresso em função da composição elementar do material (AKALIN; TEKIN; KARAGÖZ, 2012; GAUR et al., 2020): 38 ( ) (3) Sendo C, H, O e S as porcentagens de massa atômica em base seca dos teores de carbono, hidrogênio, oxigênio e enxofre, respectivamente. O poder calorífico superior por unidade de matéria orgânica (PCS/MO) foi calculado com a mesma Equação 3, considerando os valores elementares de C, H, O e S em base livre de cinzas. O adensamento energético (AE) e a eficiência do rendimento energético (ERE) dos carvões foram calculados utilizando as Equações 4 e 5. (4) ( ) (5) Também foi avaliada a interação entre os parâmetros adotados nos experimentos com o PCS. Isso permitiu a elaboração do gráfico de superfície de resposta e a avaliação dos fatores mais importantes que contribuíram para a variação de PCS como resposta. O software Minitab executou estes dados. 39 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1. Planejamento experimental da síntese dos carvões hidrotérmicos Os carvões foram sintetizados a partir de 11 experimentos de CHT propostos pelo planejamento experimental do tipo fatorial. Os experimentos foram processados em reator Parr, e o PCS foi o parâmetro escolhido como resposta no tratamento dos dados. Os valores calculados de PCS e os níveis dos fatores codificados encontram-se descritos na Tabela 3. Foram avaliados estatisticamente os efeitos individuais dos parâmetros da carbonização (temperatura – A, tempo – B, ácido – C) e a interação entre estes efeitos (temperatura X tempo – AB, temperatura X ácido – AC, tempo X ácido – BC, temperatura X tempo X ácido – ABC). A análise estatística destes efeitos foi avaliada com o diagrama de Pareto, gráficos de efeitos principais, gráfico de interação de efeitos e a superfície de resposta. 40 Tabela 3. Resposta aos níveis codificados dos fatores adotados para o experimento. Temperatura (°C) Tempo (min) Ácido (% v/v) −1 0 +1 −1 0 +1 −1 0 +1 200 240 280 30 75 120 0 0,5 1 Níveis Codificados Temperatura Tempo Ácido Resposta – PCS (MJ/kg) −1 −1 −1 15,59 −1 −1 +1 14,89 −1 +1 −1 14,98 −1 +1 +1 13,65 +1 +1 +1 16,90 +1 +1 −1 15,59 +1 −1 +1 14,34 +1 −1 −1 14,77 0 0 0 17,66 ± 2,20 0 0 0 13,78 ± 2,20 0 0 0 15,74± 2,20 Fonte: Próprio autor, 2021. O diagrama de Pareto é utilizado para identificar os parâmetros que apresentam maior significância estatística para a resposta escolhida. Na Figura 7 é ilustrado o diagrama de Pareto para os experimentos realizados. É possível verificar que os parâmetros selecionados (temperatura, tempo e ácido) não apresentaram grau elevado de significância, uma vez que apresenta Efeito < 4,303. Isso pode indicar que os níveis utilizados para os parâmetros não foram determinantes para a variabilidade da resposta do poder calorífico. Embora nenhum parâmetro tenha influenciado de modo estatisticamente significativo na resposta, se verifica pelo diagrama que os parâmetros combinados temperatura X tempo – AB e temperatura X ácido – AC demonstram os maiores efeitos para o processo. Em seguida, aparece o fator temperatura individualmente, o que nos indica a influência deste parâmetro como o principal para a resposta que se deseja obter. 41 Figura 7. Gráfico de Pareto obtido para o planejamento experimental da CHT do lodo de esgoto para avaliação do poder calorífico superior (PCS). Fonte: Próprio autor, 2021. Na Figura 8 são apresentados os gráficos de efeitos principais individuais de cada parâmetro da CHT sobre o valor de PCS calculado. Os níveis menores dos parâmetros temperatura (200 ºC) e tempo (30 min) resultaram em efeitos negativos sobre a resposta, bem como o maior nível do aditivo ácido (1%), ou seja, resultaram em um menor valor de poder calorífico para os carvões produzidos. Logo, as melhores condições foram correlacionadas próximas ao ponto central do planejamento experimental, com nível de temperatura em 240 ºC, tempo de 75 min e adição de 0,5% de ácido sulfúrico. 42 Figura 8. Gráfico de efeitos principais de cada parâmetro avaliado no PCS do CH de lodo de esgoto. Fonte: Próprio autor, 2021. Também foram analisadas as interações dos parâmetros de segunda ordem (temperatura X tempo, temperatura X ácido e tempo X ácido) e os de terceira ordem (temperatura X tempo X ácido), quanto ao efeito provocado sobre o poder calorífico calculado, conforme ilustrado pela Figura 9. A interação dos parâmetros temperatura X tempo provocou respostas distintas quanto à variação dos níveis extremos. Isto é, a temperatura em 280 ºC influencia positivamente na resposta quando se aumenta o tempo, da mesma forma que o tempo em 120 min contribui para a resposta à medida que se aumenta a temperatura. Já a temperatura e tempo combinados em seus menores níveis (200 ºC e 30 min, respectivamente) provocam resposta positiva, comportamento contrário quando se combinam em níveis extremos contrários. Já em relação ao aditivo ácido, a interação com os outros parâmetros provoca resposta positiva em seu ponto central, para todos os outros níveis de temperatura e tempo. 43 Figura 9. Gráfico de interação dos efeitos de segunda e terceira ordens dos parâmetros avaliados no PCS do CH de lodo de esgoto. Fonte: Próprio autor, 2021. A Figura 10 apresenta o gráfico de superfície de resposta da CHT para os parâmetros que mais contribuíram significativamente para o PCS dos carvões. Nesse gráfico são mostradas as regiões onde são obtidas as melhores respostas, ou seja, o maior valor de poder calorífico para a interação dos parâmetros que mais influenciaram para a resposta positiva. A temperatura e o tempo foram esses parâmetros, como já observados no diagrama de Pareto e nos gráficos de efeitos e interação. O eixo z é representado pela resposta, onde os valores de PCS resultam para cada ajuste combinado entre os eixos x (tempo) e o eixo y (temperatura). A partir do gráfico, se verifica que a região onde se observa maior valor no eixo z está na condição de 280 ºC e 120 min, cujos níveis são os extremos máximos para cada parâmetro. Em suma, a condição que aparece como ótima para este experimento, de acordo com a análise estatística do planejamento fatorial, seria a de temperatura em 280 ºC, por 120 min e com 0,5% (v/v) de aditivo ácido, onde os níveis aparecem com respostas mais significativamente positivas para o PCS. 44 Figura 10. Gráfico de superfície de resposta de PCS obtido para os parâmetros de temperatura e tempo. Fonte: Próprio autor, 2021. 5.2. Análise química do lodo de esgoto, carvões hidrotérmicos e subproduto líquido 5.2.1. Análise Imediata do Lodo de Esgoto A análise imediata consiste em trazer dados da biomassa separadamente da sua fração de umidade, determinando teores de cinzas, matéria volátil e carbono fixo. Para tanto, as características do lodo in natura foram investigadas de forma abrangente para caracterização do material sólido, determinando seus teores de umidade, de matéria orgânica (matéria volátil + carbono fixo) e de componentes inorgânicos (cinzas), conforme apresentado na Tabela 4. A análise imediata do lodo in natura apresentou um elevado teor de umidade no material, com aproximadamente 82%, ainda após o desaguamento do lodo bruto na centrífuga. Em base seca apontou conteúdo de matéria orgânica em cerca de 66%. Já o teor de cinzas da biomassa foi em torno de 34%. 45 Kim, Lee e Park (2014) obtiveram resultados semelhantes em estudos realizados com lodo de esgoto da cidade de Ilsan, Coréia do Sul, com valores de cinza em torno de 26,06% e matéria orgânica em 73,94% (sendo 66,87% em material volátil e 7,07% em carbono fixo). Pesquisas também apontaram outros números semelhantes, cujos valores foram de 68,82% de matéria orgânica (62,70% de material volátil e 6,12% em carbono fixo) e 24,80% de cinzas, a partir de lodo de esgoto oriundo da ETE de Ulu Pandan, Singapura (PARSHETTI et al., 2013). Estes valores relativamente próximos, porém diferentes, admitem a composição distinta desta biomassa, considerando sua localidade e o período sazonal. 5.2.2. Análise Imediata dos Carvões Hidrotérmicos e TOC da Água de Processo A Tabela 4 ilustra os resultados da análise imediata realizada para determinação do teor de umidade, matéria orgânica e teor de cinzas contido nos CH e de carbono orgânico total na água de processo. Também foram avaliadas as variâncias e médias do ponto central em relação às demais amostras. O teste F demonstrou que não houve diferença significativa entre as variâncias dos valores mensurados de rendimento (R), umidade, cinzas, matéria orgânica e TOC, já que em todos os casos o Fcalc < ftab e o valor-p > 0,05. O teste T também foi avaliado para as médias, e apresentou mais uma vez em todos os casos Tcalc < ttab e valor-p > 0,05. Esses resultados conferem que a hipótese nula H0 não é rejeitada, e o teste não é significativo ao nível de confiança de 5%. Sendo assim, é possível argumentar que os efeitos do tratamento não diferem o valor médio do ponto central dos demais experimentos. Portanto, os erros intermediários foram ao acaso, devido à amostragem realizada de modo preciso e aleatório, validando a metodologia proposta. Os fatores não apresentaram efeito significativo por conta da variação do desvio padrão do ponto central. O erro experimental estimado apenas neste ponto, com variação relativamente alta, diminui o efeito das variáveis. Porém, analisando o perfil dos efeitos no ponto de vista físico-químico, é possível verificar que a interpretação dos dados no domínio experimental estudado corrobora com os dados da literatura. Um número maior de repetições dos experimentos tenderia a diminuir o erro e os efeitos seriam significativos. 46 Tabela 4. Dados de rendimento (R), umidade, cinzas e matéria orgânica (MO) dos carvões hidrotérmicos e carbono orgânico total (TOC) das amostras de água de processo dos CH. Testes F e T de Student para os mesmos dados. Amostra R (%) Umidade (%) Cinzas (%) a MO (%) a TOC (g/L) CH280 – 120 57,81 1,66 53,68 46,32 5,52 CH280 – 120A 46,36 1,82 51,52 48,48 4,82 CH200 – 30 57,39 3,65 48,82 51,18 4,81 CH200 – 120 46,06 2,61 48,93 51,07 3,96 CH200 – 30A 48,79 2,80 45,40 54,60 6,06 CH240 – 75a 50,28 ± 7,08 1,66 ± 0,52 50,78 ± 3,62 49,22 ± 3,62 4,82 ± 0,78 CH200 – 120A 44,39 1,75 50,22 49,78 5,21 CH280 – 30A 50,40 1,85 49,69 50,31 5,41 CH280 – 30 50,98 1,94 57,85 42,15 2,74 LS 100 2,41 ± 1,43 34,20 ± 1,43 65,80 ± 1,43 – σ 6,25 0,46 3,20 3,20 0,69 Fcalc 1,54 2,32 1,35 1,35 2,31 valor-p 0,28 0,33 0,49 0,49 0,34 ftab 4,74 19,35 19,35 19,35 19,35 Tcalc 0 1,36 0,01 0,01 0,01 valor-p 0,50 0,10 0,50 0,50 0,50 ttab 1,83 1,83 1,83 1,83 1,83 Símbolos e abreviações: σ, desvio padrão; Fcalc, valor de F calculado; valor-p, probabilidade de significância; ftab, F crítico da distribuição uni-caudal; Tcalc, valor de T calculado; ttab, T crítico da distribuição uni-caudal. a Cinzas + MO = 100%, ajustados em base seca. Fonte: Próprio autor, 2021. A carbonização da amostra CH280 – 30 resultou no maior teor de cinzas, em aproximadamente 57,8%, na condição de temperatura mais severa deste estudo. Consequentemente, essa amostra também apresentou o menor valor de matéria orgânica. De acordo com Tasca et al. (2019), o alto teor relativo de cinzas é característica de carvões hidrotérmicos em relação à biomassa de partida, devido à perda de matéria volátil, dissolução de compostos orgânicos na fase líquida e precipitação de sais na superfície do carvão hidrotérmico. 47 Os valores de rendimento (R) oscilam em torno de 43 a 58%, cuja variação pode ser justificada somente por erros de amostragem ao acaso, como já discutido em relação aos testes estatísticos F e T. No mais, é importante ressaltar que as perdas de massa foram controladas para serem as menores possíveis. Autores mostram resultados em que os valores de rendimento são afetados diretamente pela temperatura, na medida em que esta aumenta e o rendimento do carvão tende a diminuir (DANSO-BOATENG et al., 2015; GAUR et al., 2020; KIM; LEE; PARK; 2014; WANG et al., 2019). Geralmente, os resultados apresentados na literatura aferem que as carbonizações em temperaturas mais altas aumentam os teores de carbono fixo em relação à biomassa de partida, mesmo com esta última possuindo maior teor de matéria orgânica (matéria volátil + carbono fixo) em relação às amostras carbonizadas (TASCA et al., 2019). Outras pesquisas descritas na literatura atribuem que a fixação do carbono no carvão hidrotérmico é diretamente afetada pela temperatura e tempo de reação (BERGE et al., 2011), sendo que o teor de carbono fixo aumenta conforme a interação temperatura e tempo de reação também aumenta, como demonstrado por Danso-Boateng et al. (2015). Estes últimos autores mostraram que um carvão processado a 140 ºC e 240 min chegou a um valor de carbono fixo de 1,14%; esse valor decresceu para 1,00% quando a CHT é processada em 200 ºC e 15 min; e cresceu para 5,73% quando a CHT se processou a 200 ºC e 240 min. A relação entre os parâmetros de temperatura e tempo é indispensável para caracterizar as condições de operação da CHT e comparar seus produtos. Para tanto, Funke e Ziegler (2010) introduziram uma equação em função destes dois parâmetros para mensurar um fator f de severidade do processo, cujo valor é um indicador do tempo e demandas energéticas do produto final, fornecendo recurso para escolha das condições operacionais necessárias de acordo com a aplicação desejada. É importante ressaltar que na metodologia adotada neste estudo não foi possível mensurar isoladamente a matéria volátil e o carbono fixo, pois é necessário realizar a TGA em fluxo gasoso de nitrogênio e em seguida com ar sintético. Porém, diante da correlação dos dados e da literatura consultada é possível observar que as maiores temperaturas e tempos de reação promovem uma maior fixação de carbono e eliminação de matéria volátil (KIM; LEE; PARK, 2014; PARSHETTI et al., 2013; WANG et al., 2019; ZHAO et al., 2014), onde podemos encontrar esta evidência em amostras das condições CH280 – 30 e CH280 – 120. Estes carvões 48 apontaram os menores teores de matéria orgânica promovidos, sobretudo, por reações de gaseificação, onde a matéria volátil diminui com a severidade do processo e se converte em CO2 e outros produtos solúveis, compensando pelo aumento de carbono fixo no CH (HE; GIANNIS; WANG, 2013). Gaur et al. (2020) também relataram em seus estudos dados de matéria orgânica conjunta (matéria volátil + carbono fixo), cujos valores diminuíram na medida em que os tempos de reação e temperatura aumentaram. Dentre todas as condições estudadas neste trabalho, a amostra CH280 – 30 apresentou o menor percentual de matéria orgânica no carvão hidrotérmico (42,2%), menor valor relativo de TOC na água de processo (2,7 g/L) e o maior para as cinzas (57,9%). Estes dados indicam uma transformação acentuada de matéria volátil (MV) – compensada pela fixação de carbono – e a conversão da fração inorgânica em cinzas, graças à perda de MV e retenção de minerais (TASCA et al., 2019; WANG; CHANG; LI, 2019), devido à temperatura mais severa da amostra estudada neste trabalho. O baixo tempo de reação também pode influenciar na transferência de carbono para todas as fases do produto (sólido, líquido e gases), considerando que há um período para a volatilização em geral e a fixação de carbono, embora a temperatura seja fator mais decisivo para as conversões químicas na CHT (PANEQUE et al., 2017). As reações de descarboxilação e desidratação que ocorrem na CHT resultam em estruturas com maior aromaticidade e, consequentemente, mais hidrofóbicas (BERGE et al., 2011), o que induz a diminuição do valor de TOC na água de processo. Além disso, o baixo teor de matéria orgânica do carvão e a alta concentração de carbono orgânico na água de processo corroboram com a informação de que a matéria volátil não se transformou em carvão; isso de acordo com estudos que apresentaram valores relativamente mais altos de TOC no subproduto líquido, de 8,5 g/L e 6,5 g/L, para carbonizações à 200 e 250 °C, respectivamente (WANG et al., 2019). Wang et al. (2019) atribuíram essas concentrações mais altas de carbono orgânico no filtrado às moléculas orgânicas que se decompõem da matriz sólida e ficam retidas, principalmente no líquido, devido às reações limitadas de gaseificação às temperaturas mais baixas⁠. Wang et al. (2019) ainda conferiram em seus resultados que o valor de TOC diminuiu em condições de CHT com temperaturas mais severas, como relatado, semelhantemente, com a amostra CH280 – 30 deste presente estudo. A Figura 11 ilustra como o aditivo ácido também contribuiu para a separação sólido- líquido após a CHT. O subproduto líquido da CHT na presença de ácido demonstrou aspecto 49 oleoso, de cor alaranjada, enquanto que em condições sem ácido, a água aparente é menos viscosa, de coloração preta. Além disso, as condições processadas sem ácido despenderam de maior tempo na etapa de filtração, em relação às condições similares, com ácido. Pesquisas acusaram resultados que a CHT em pH altamente ácido ou básico levam a um aumento na plasticidade da partícula, o que consiste numa menor energia para compressão e tamanho das partículas, quando comparados com pH = 7 (WANG et al., 2017b). Com base nestes dados, é possível atribuir que a etapa de filtração é facilitada, devido às partículas maiores. O alto poder desidratante e oxidante do H2SO4 também indica contribuição para este fenômeno. Figura 11. Meio reacional contendo carvão hidrotérmico logo após a CHT, das amostras CH280 – 120 e CH280 – 120A, respectivamente, da esquerda para a direita. Fonte: Próprio autor, 2019. Ainda em relação ao aditivo ácido, é relatado em estudos que o carvão sintetizado em condições com pH mais baixos promovem uma carbonização mais efetiva, relacionada com uma maior fixação de carbono na estrutura sólida. Os resultados com a biomassa do mesocarpo de babaçu sugerem esta hipótese, pois apresentou maiores valores de carbono fixo quando a CHT se processou em pH = 3 em relação ao pH = 6, comparados esses parâmetros na mesma temperatura (COSTA et al., 2019). É importante ressaltar que os valores de MO não são conclusivos em relação ao carbono fixo e pH para os dados apresentados nesta seção, uma vez que a matéria volátil é contabilizada na MO. Porém, essa discussão será abordada novamente na seção de análise elementar. 50 Em suma, podemos atribuir que um alto teor relativo de cinzas e baixo teor relativo de carbono fixo (no entanto, CF aumentado em relação à biomassa de partida) são características de produtos carbonizados de lodo de esgoto, como já foi relatado em outros trabalhos, chegando a valores de até 70% de cinzas na composição do carvão hidrotérmico (DANSO-BOATENG et al., 2015; FAKKAEW; KOOTTATEP; POLPRASERT, 2018; PENG et al., 2016). Os valores percentuais de cinzas variam em torno de 45 a 58% devido à concentração progressiva de minerais e às reações dos componentes do lodo, de acordo com o aumento da temperatura de reação (PARSHETTI et al., 2013). Os resultados de Kim, Lee e Park (2014) também se apresentaram semelhantes ao deste estudo, apontando uma CHT bem-sucedida com aumento do teor de cinzas e carbono fixo dos carvões hidrotérmicos, devido à perda excessiva de matéria volátil durante as carbonizações. 5.3. Análise termogravimétrica A investigação dos diferentes comportamentos de perda de massa foi realizada a partir das curvas de termogravimetria (TG) e respectiva derivada (DTG), conforme mostrado nas Figuras 12 e 13. Basicamente, o processo que ocorre com a biomassa é dividido em três etapas A, B e C, que corresponde à fase de eliminação de água adsorvida, fase de volatilização da matéria orgânica e fase de combustão/oxidação, respectivamente (LU; CHEN, 2015; LOPES; PEREIRA; TANNOUS, 2018). A fase de pirólise/desvolatilização não se encontra nessa atmosfera analisada. Os resultados aqui obtidos foram em atmosfera de ar ambiente, considerando um processo de combustão em ar estático. A literatura trata de maneira similar a decomposição de carvões de diferentes biomassas em três etapas, sendo que o perfil térmico estudado seguiu o perfil de outras biomassas e as referidas etapas. De modo semelhante para o lodo e os CH, na primeira fase A ocorreu a liberação de umidade e uma pequena perda de massa, devido à liberação de alguns voláteis de baixa massa molecular, em média numa faixa de temperatura entre 30 – 200 ºC (LOPES; PEREIRA; TANNOUS, 2018). Já na segunda etapa B, quando obtido por biomassa vegetal, ocorre a decomposição de hemicelulose e da celulose, com início da decomposição da lignina, apresentando perda significativa de massa (RUEDA-ÓRDÓÑEZ; TANNOUS, 2016). Para os lodos de esgoto, 51 autores identificaram também esta segunda etapa como uma decomposição e despolimerização de matéria volátil iniciando em 150 ºC, com degradação de hidrocarbonetos menos complexos e o início de uma evolução de gases CH4 e CO2 até 350 ºC (MAGDZIARZ; WERLE, 2014; PENG et al., 2016). A CHT aumenta a taxa de decomposição de hemicelulose por conta do meio aquoso, degradando-a e formando 5-hidroximetilfurfural, composto este que se deposita na estrutura porosa do CH e aumenta seu poder calorífico (GARCÉS et al., 2017 apud TASCA et al., 2019). Já a terceira etapa C (350 – 600 ºC) consiste em reações de oxidação que ocorre nos materiais formados na segunda etapa e decomposição de estruturas complexas, alifáticas e/ou aromáticas, tais como a lignina restante e açúcares (GAO et al., 2020; RUEDA-ÓRDÓÑEZ; TANNOUS, 2016). O LS mostrou picos intensos da DTG em B e C, indicando reações de decomposição, despolimerização e oxidação de matéria orgânica, com seus eventos térmicos terminando próximos a 600 ºC. O lodo apresentou volatilização com pico máximo da DTG entre 179 – 382 ºC, fenômeno diferente para os carvões, cujo intervalo foi entre 187 – 349 ºC. O final deste evento térmico em uma temperatura mais baixa para os carvões sugere um menor conteúdo de matéria volátil nos produtos carbonizados, com maior fixação de carbono na estrutura, semelhante aos resultados de Peng et al. (2016). As amostras de CH280 – 30A e CH280 – 120A apresentaram seus picos mais intensos da DTG na fase C de combustão, entre 348 – 545 ºC e 345 – 576 ºC, respectivamente, indicando uma maior degradação oxidativa. Comportamento contrário aos carvões processados a 200 ºC, que mostraram maiores perdas de massa na fase B ou com perda muito próxima em B e C. Esses dados ratificam que os parâmetros de alta temperatura e adição de ácido foram predominantes para uma carbonização mais eficaz com fixação de carbono. 52 Figura 12. Curvas TG e DTG dos CH. Fonte: Próprio autor, 2021. 53 Figura 13. Curvas TG e DTG dos CH e LS. Fonte: Próprio autor, 2021. 54 A temperatura de ignição (Ti) corresponde àquela que o combustível começa a queimar, ou seja, sofre ignição de maneira espontânea sem a necessidade de uma fonte externa. Estudos apontam que a Ti de uma biomassa está relacionada à segurança no armazenamento e logística quando utilizada como combustível na indústria (LU; CHEN, 2015). A Ti pode ser obtida através do método da intersecção, proposto por Lu e Chen (2015). É preciso demarcar três pontos: o ponto I será o cruzamento da curva TG e uma linha vertical passando pelo primeiro pico máximo do DTG. Neste ponto I, é traçado uma reta tangente à TG. O ponto II é o início da eliminação de matéria volátil de maior massa. A interseção entre as retas que passa por I e II é ponto de temperatura de ignição. A temperatura de pico Tp é obtida a partir da identificação dos pontos máximos de perda de massa na curva DTG. A temperatura de queima ou burnout Tq se refere à temperatura inicial quando a taxa da perda de massa (dm/dt) é menor que 1%/min (PENG et al., 2016). As Ti, Tp, Tq e a taxa máxima de perda de massa Rmax são exibidas na Tabela 5. A ignição começa em temperatura de 236 ºC no LS, a menor se comparada a Ti de todos os CH, devido ao início da combustão de matéria volátil. Uma vez que Ti é considerada indicador para risco de incêndio, então o manuseio, transporte e armazenamento dos CH produzidos neste trabalho são mais seguros em relação ao LS, devido às menores Ti. Este parâmetro indica que o tratamento é viável à biomassa por fatores de segurança. A Tp mais alta foi medida para o CH200 – 120A em 463 ºC, o que indica uma maior reatividade e combustão deste CH em relação aos demais e o LS, que ficaram abaixo dos 461 ºC. Magdziarz e Werle (2014) correlacionam essa maior perda de massa na etapa de desvolatilização, entre 200 – 540 ºC, associada à degradação de proteínas e polissacarídeos solúveis. As temperaturas de queima Tq em todas as condições de CHT foram obtidas próximas a 550 ºC, indicando uma perda de massa relativa menor no processo. É possível observar a curva TG praticamente constante a partir desta temperatura. O comportamento é diferente para o LS, cuja temperatura observada para a curva TG constante é em torno de 600 ºC, associado a um alto teor de MV e baixo teor de CF. Gao et al. (2020) associam a perda de material orgânico até 600 ºC, e entre 600 – 700 ºC é observado uma pequena perda de massa relativa devido ao material inorgânico presente nos carvões e no lodo, tais como carbonato de cálcio, por exemplo. 55 Tabela 5. Temperaturas características ao comportamento na queima de CH e LS. Amostra Ti (ºC) Tp (ºC) Tq (ºC) Rmax (%/s) CH280 – 120 246 310 555 0,21 CH280 – 120A 288 407 576 0,23 CH200 – 30 263 296 561 0,34 CH200 – 120 261 299 543 0,34 CH200 – 30A 275 461 550 0,23 CH240 – 75a 271 ± 12,75 367 ± 55,84 548 ± 10,30 0,26 ± 0,02 CH200 – 120A 283 463 538 0,22 CH280 – 30A 300 415 545 0,26 CH280 – 30 255 303 547 0,20 LS 236 288 574 0,30 Abreviações: Ti, temperatura de ignição; Tp, temperatura de pico máximo da DTG; Tq, temperatura de queima; Rmax, taxa máxima de perda de massa. Fonte: Próprio autor, 2021. 5.4. Caracterização estrutural por FTIR O lodo de esgoto possui em sua composição, principalmente, material inorgânico e exopolissacarídeos (EPS), sendo este último composto principalmente de proteínas e polissacarídeos na forma de flocos e tecidos celulares no LS, contribuindo para a agregação de partículas de lodo floculado (PARSHETTI et al., 2013). Estes mesmos autores observaram nas imagens MEV que as partículas de carvão podem estar associadas às partículas do material inorgânico via sinterização devido ao tratamento térmico e alta pressão, levando a formação de partículas de diferentes tamanhos e distintas morfologias. A Figura 14 mostra os espectros FTIR dos carvões hidrotérmicos produzidos e do lodo seco. A caracterização foi realizada para identificar os grupos funcionais presente nos CH e interpretar possíveis transformações que possam ter ocorrido durante o tratamento hidrotérmico em diferentes parâmetros. O intervalo de temperatura estudado, em termos qualitativos, pareceu ter pouca influência nas transformações do processo de CHT. Em todos, os espectros foi possível identificar bandas nas regiões de hidrocarbonetos alifático e aromáticos, grupos carboxílicos e hidroxilas e compostos inorgânicos tais como sílica. 56 No espectro da amostra LS a banda de baixa intensidade centrada em 3400 cm -1 pode ser atribuída à vibração do tipo estiramento de grupos O─H (hidroxilas). Tal banda diminui significativamente a intensidade nos espectros das amostras obtidas a qualquer condição de carbonização realizada (PENG et al., 2016), o que sugere a ocorrência de reações de desidratação da biomassa de partida com os tratamentos hidrotérmicos. No espectro FTIR da matéria-prima (LS) também observa bandas de baixa intensidade na região entre 3000 e 2800 cm -1 . Tais bandas foram atribuídas às ligações C─H dos grupos metil e metileno e grupos CHn alifáticos (PENG et al., 2016). Além disso, tais bandas também foram observadas em todos os espectros dos carvões hidrotérmicos. Uma terceira banda de média intensidade foi identificada na região entre 1400 – 1700 cm -1 , atribuída ao alongamento de alcenos C═C em 1640 – 1670 cm -1 (PARK; JANG, 2011), além de outro pico em 1455 cm -1 , atribuído ao alongamento ─C═C em carvões contendo anéis aromáticos, que tendem a aumentar com as reações do processo CHT (HE; GIANNIS; WANG, 2013). Exceção faz-se à CH280 – 30, sugerindo que não houve reações de condensação e aromatização nesta condição, além de seu alto teor de cinzas. Também foi possível identificar um estiramento localizado próximo a 1540 cm -1 , atribuído ao alongamento assimétrico de ligações ─C═O em grupos carboxílicos no LS, diminuindo sua intensidade conforme as carbonizações ocorreram. Isso indica como as reações de descarboxilação ocorreram, o que verifica a alteração do conteúdo de carbono e oxigênio elementar, diferindo as cadeias carbonáceas dos carvões (HE; GIANNIS; WANG, 2013; YU et al., 2018). Também é importante ressaltar que a intensidade da banda dos alcenos diminuiu nos carvões, sugerindo reações de aromatização e aumentando seu caráter hidrofóbico. As bandas entre 800 – 1200 cm -1 poderiam ser atribuídas aos compostos inorgânicos presentes no material (PARSHETTI et al., 2013), principalmente as bandas em 1000 cm -1 , que podem ser atribuídos à vibrações Si─O, o que sugere a presença de sílicas (SiO2) no LS e incrementada no seu carvão (PENG et al., 2016). Também houve aumento relativo na intensidade de bandas em 1030 – 1100 cm -1 , sugerindo também grupos ─C─O─R de éteres alifáticos e ao alongamento de álcool ─C─OH (LI; LI; LIU, 2014; HE; GIANNIS; WANG, 2013). 57 Figura 14. Espectros FTIR dos CH e do LS. Fonte: Próprio autor, 2021. 58 5.5. Análise elementar e poder calorífico A Tabela 6 mostra os valores da análise elementar dos CH e lodo seco. O teor de carbono elementar apresentou maior valor para o LS, devido ao menor teor de cinzas na biomassa. Se considerada a matriz livre de cinzas para os carvões, todos os valores absolutos de C % são aumentados, uma vez que a CHT atua na fração orgânica do sólido. Quando as condições são similares em temperatura e tempo, e com adição de ácido, os carvões apresentam um maior teor de carbono em relação à amostra sem o aditivo. Esses resultados indicam maior fixação de carbono no CH quando processado em um pH mais baixo, como já obtido por Costa et al. (2019), favorecendo a carbonização com maior incidência das reações de desidratação e descarboxilação (YU et al., 2018). Tabela 6. Dados de análise elementar dos carvões hidrotérmicos (CH) e lodo seco (LS). Amostra C (%) H (%) N (%) S (%) O (%) CH280 – 120 30,19 4,73 2,04 1,1 8,26 CH280 – 120A 31,12 4,96 1,71 4,42 6,27 CH200 – 30 32,23 4,49 2,44 1,58 10,44 CH200 – 120 30,88 4,61 2,02 1,37 12,19 CH200 – 30A 32,64 4,41 3,88 0 13,67 CH240 – 75a 33,96 ± 2,84 3,54 ± 0,82 1,40 ± 1,40 3,67 ± 0,31 6,62 ± 0,97 CH200 – 120A 33,21 2,61 2,39 2,79 8,78 CH280 – 30A 34,24 2,84 0 3,91 9,32 CH280 – 30 31,58 3,36 0 2,13 5,08 LS 39,47 4,13 0 2,03 20,61 Fonte: Próprio autor, 2021. 59 Estes valores aumentados de carbono quando o CH é processado em meio ácido, sugerem que o teor de carbono fixo pode ter sido incrementado com a metodologia, contribuindo diretamente para os valores de poder calorífico. Além disso, o processo de carbonização reduziu os teores de oxigênio (% O) dos CH, fenômeno contrário observado para os valores de nitrogênio (% N), que aumentou. A tendência é que o nitrogênio tenha seu valor reduzido na medida em que se processa a CHT. De acordo com outros trabalhos publicados na literatura a respeito da carbonização hidrotérmica de lodo de esgoto, essa redução de N % foi atribuída às reações de gaseificação ou transferência para a fase líquida, a partir da hidrólise dos aminoácidos estruturais de proteínas presentes no lodo, sendo este processo preferível em condições de água subcrítica (WANG et al., 2019). Outros estudos concluíram que processos térmicos transferem o nitrogênio semelhante a um peptídeo contido no lodo para um nitrogênio aromático e heterocíclico, com diferentes resultados em CHT e pirólise (PANEQUE et al., 2017). Estes autores ainda concluíram que carbonizações a 200 ºC e 30 min são mais apropriados para utilização como fertilizante, devido ao maior teor de nitrogênio inorgânico. Os valores de oxigênio reduzem à medida que a carbonização em temperaturas mais altas decompõe a estrutura físico-química do lodo e a fração orgânica da biomassa é rearranjada em um produto sólido carbonáceo com menor teor de oxigênio e/ou perda funções oxigenadas (descarboxilação e desidratação), se convertendo, consequentemente, em uma estrutura menos hidrofílica (HE; GIANNIS; WANG; 2013; PENG et al., 2106). Esse comportamento do oxigênio é notável em todas as condições trabalhadas. Os valores de oxigênio decrescem de 20,61% no LS para valores em até 5,08% em temperatura de 280 ºC, o que corrobora a investigação dos autores supramencionados. Em relação ao enxofre (% S), geralmente as amostras com o aditivo ácido H2SO4 apresentaram um ligeiro aumento no teor de S %, devido à possibilidade de precipitação de alguns sais contendo o íon sulfato como ânion. Para as condições sem aditivo, se verifica a diminuição do teor de enxofre, principalmente quando processada em 280 ºC e 120 min, que o valor diminui de 2,03% do LS para 1,1% do CH. Estes resultados são semelhantes aos estudos de He, Giannis e Wang (2013) que encontraram menores teores de enxofre e nitrogênio nos carvões. A Figura 15 apresenta o diagrama de Van Krevelen adaptado para a comparação das relações atômicas H/C e O/C do LS, dos CH produzidos e também em relação a carvões típicos, 60 tais como antracito, betuminoso e sub-betuminoso e lignita. Também foram plotados no diagrama outras biomassas utilizadas na literatura para estudos de CHT. Figura 15. Diagrama de Van Krevelen adaptado contendo informações dos CH produzidos, LS e outras biomassas. Fonte: Próprio autor, 2021 – adaptado de D. W. Van Krevelen (1950). Os carvões apresentaram razões atômicas H/C entre 0,93 para CH200 – 120 e 1,89 para CH280 – 120A, enquanto o LS teve 1,25, o que indica uma variação crescente e decrescente, quando se trata do parâmetro de aditivo ácido presente ou ausente na carbonização. Já a razão atômica O/C diminui para todos os CH em relação ao LS, cujos valores para os carvões foram entre 0,12 para CH280 – 30 e 0,31 para CH200 – 30A, enquanto o LS apresentou resultado de 0,39. De acordo com o observado no diagrama de Van Krevelen, fica claro que as principais vias de reação essenciais representadas para os carvões foram de descarboxilação. Além disso, Tasca et al. (2019) verificaram que altas raz