UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARTES, ARQUITETURA, COMUNICAÇÃO E DESIGN MILENA CAROLINA DE ALMEIDA COMUNICAÇÃO POLÍTICA, VISIBILIDADE E NEOPOPULISMO: UM ESTUDO SOBRE CAMPANHAS ELEITORAIS DO BRASIL, DA COLÔMBIA E DO MÉXICO BAURU 2022 MILENA CAROLINA DE ALMEIDA COMUNICAÇÃO POLÍTICA, VISIBILIDADE E NEOPOPULISMO: UM ESTUDO SOBRE CAMPANHAS ELEITORAIS DO BRASIL, DA COLÔMBIA E DO MÉXICO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação Mestrado em Comunicação da Faculdade de Artes, Arquitetura, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob a orientação da Prof. Dra. Caroline Kraus Luvizotto. BAURU 2022 Almeida, Milena Carolina. Comunicação Política, Visibilidade e Neopopulismo: Um Estudo sobre Campanhas Eleitorais do Brasil, da Colômbia e do México/ Milena Carolina de Almeida, 2022 111 f. : il. Orientadora: Caroline Kraus Luvizotto Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista (Unesp). Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru, 2022 1. Comunicação. 2.Participação Política. 3. Mídias Sociais. 4. Neopopulismo. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design. II. Título. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho, acima de tudo, a todos os brasileiros que lutam por um país mais justo, democrático e igualitário, que buscam contribuir com a comunidade através – principalmente - da Educação e da Saúde e que não deixam de acreditar no potencial do nosso Brasil, apesar dos percalços que temos atravessado e do egoísmo de muitos que aqui vivem. Minha experiência em todos esses anos de Unesp, sem dúvida me fez uma dessas pessoas, que não deixa de acreditar no Brasil e que jamais deixará de defender o direto de todos a uma vida digna, e acima de tudo, ao acesso ao ambiente universitário em que cresci e que faz desse país um lugar melhor. Dedico este trabalho também aos meus pais que estiveram ao meu lado todos os dias, me ajudando a construir minhas asas e impedindo que me fizessem parar de voar. Eu continuo buscando ser o melhor de mim todos os dias por vocês. AGRADECIMENTO Agradecimento se tornou a palavra mais presente no meu vocabulário nestes anos de Unesp e eu a resgato aqui mais uma vez com orgulho em poder citar todos que amo e que me inspiraram em uma obra que, sem nenhuma dúvida, marca a minha história. Agradeço aos meus pais que lutaram para me oferecer a oportunidade de estudar em um lugar tão distante de casa e que me deram todo o suporte a cada segundo dessa jornada. Eles nunca deixaram de acreditar em mim e me salvaram tantas vezes até de mim mesma. Nem que eu viva mil anos terei tempo de agradecer como vocês merecem, sou apaixonada por ser sua filha. Agradeço a Deus pela força em todos os momentos em que só Ele e eu sabemos o quanto não foi fácil manter a cabeça erguida. Agradeço a meus professores e sobretudo à minha orientadora, Caroline Kraus Luvizotto, que é uma mulher extraordinária e que nunca soltou minha mão desde o primeiro ano de faculdade, me inspirando e me dando suporte em cada passo. Agradeço ao Max, ao Juliano, ao Zeca, ao Carlo e à Sueli, profissionais que fazem arte em sala de aula e que me inspiram a ser a professora que eu sou hoje. Agradeço aos meus amigos do COMMOV, um grupo maravilhoso que se tornou minha casa e que está cheio de cientista brilhantes que inspiraram cada fase da minha jornada acadêmica. Agradeço também aos profissionais da Rádio Unesp e da Agência Unesp de Inovação que tanto me ensinaram e me ajudaram a ter a experiência do mercado de trabalho ainda dentro de casa, me mostrando o que é a experiência única de uma universidade pública de qualidade. Agradeço também a minha professora, colega de trabalho e amiga do fundo do coração, Gisleine Durigan, que sem saber me salvou em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Gi, para mim, você é um símbolo da Unesp, foi minha professora, minha colega de COMMOV, minha colega de pós e hoje é minha colega de trabalho. A Unesp é exatamente isso, ela te apoia, te conforta, te oferece mil caminhos e um ombro amigo quando você precisa. A Unesp é Gisleine, é Caroline, é Juliano, é Max, é Carlo, é Sueli, é Douglas Galan, é Lucas Zanetti, é Alana Volpato, é Daniele Seriodóro, é Ana Carolina Trindade, é Mariana Datrino, é Carla Negrini, é Marcelo Orlandi, é Saulo Guerra. A Unesp é minha casa e o lugar que eu amarei para sempre. “Eu quero ver Quando Zumbi chegar O que vai acontecer Zumbi é senhor das guerras É senhor das demandas Quando Zumbi chega é Zumbi É quem manda Eu quero ver” – Jorge Ben Jor “A praça é do povo como o céu é do condor” – Castro Alves. RESUMO Assim como na década de 1930, desde meados da década de 1990, a América Latina foi palco de experimentações políticas de ordem populista. A região tem se apresentado como cenário propício à atualização dessa corrente, que defende a valorização do povo como protagonista das dinâmicas sociais: o Neopopulismo. Atribui-se a adjetivação “neo” à vertente política por fatores como o uso característico de mídias sociais para promover contato amplo e direto com o eleitorado. No panorama atual de midiatização, porém, não só os políticos têm ampliadas suas potencialidades comunicacionais, mas ao defendido “povo” também se estendem possibilidades de participar ativamente e se envolver em processos políticos, como campanhas eleitorais. Nesse contexto, candidatos representantes do Neopopulismo, como Jair Messias Bolsonaro do Brasil, Iván Duque Marquéz da Colômbia e Andrés Manuel López Obrador do México, fizeram uso das mídias sociais, em especial no Twitter, para contatar os eleitores durante os respectivos processos eleitorais dos quais participaram e venceram em 2018. A Comunicação Política decorrente destas experimentações figura como um quadro de análise que permite a compreensão sobre as formas de participação comunicacional de diferentes atores sociais em campanhas online. Assim, esta pesquisa teve como objetivo refletir sobre como se dá o processo de Comunicação Política Eleitoral envolvendo diferentes atores sociais em campanhas eleitorais neopopulistas realizadas no Twitter. Especificamente, pretendeu-se: compreender o conceito de Neopopulismo e os casos de ascensão de presidenciáveis neopopulistas no Brasil, na Colômbia e no México; assimilar o conceito de Comunicação Política, especificamente em sua vertente eleitoral, e de que forma ela pode ser realizada por diferentes atores sociais, nomeadamente eleitores e candidatos; apreender a dinâmica comunicacional do Twitter, que possibilitou a participação de atores sociais nas campanhas neopopulistas de Bolsonaro, Duque e Obrador; compreender como se efetivou a Comunicação Política Eleitoral nos contextos eleitorais de 2018. Para atingir tais objetivos, a pesquisa foi constituída a partir da combinação entre as vertentes exploratória, descritiva e analítica, e como metodologia analítica a Análise de Conteúdo proposta por Laurence Bardin. Os resultados apreendidos pelo trabalho revelam que o Neopopulismo figura enquanto uma estratégia de liderança política em que personagens carismáticos promovem uma extrema concentração de poder e se apresentam como restituidores de uma ordem perdida. Neste cenário, os políticos que promoveram a ascensão do movimento neopopulista no Brasil, na Colômbia e no México, fizeram uso de crises de credibilidade institucionais para se lançarem como opções externas ao sistema político tido como tradicional. Respondendo a outro objetivo teórico, compreendemos o conceito de Comunicação Política como um plano comunicacional em que estratégias de persuasão, compartilhamento e competição se interseccionam e disputam espaço em cada um dos discursos dos atores sociais; dentro dela, a Comunicação Política Eleitoral se consolida através da interação, direta e indireta, entre os atores sociais envolvidos em campanhas eleitorais, seja para apoiá-las ou para rivalizar com elas. Apreendemos também que as participações dos políticos analisados, seguiram as mesmas estratégias dentro do Twitter, embora Bolsonaro tenha investido mais em interação e no uso de todos os espaços disponíveis, Duque tenha apostado no alto volume de postagens e Obrador tenha adotado uma comunicação mais tradicional, semelhante à realizada em canais de mídia massiva como o Rádio e a Televisão. Quanto à participação do público averiguamos que a figura do eleitor foi muito citada, representada, instigada a participar, mas ainda assim respondeu da forma mais passiva e restrita possível dentre os espaços disponibilizados pelo Twitter. Palavras-chave: Neopopulismo; Mídias Sociais; Comunicação Política Eleitoral; Participação. ABSTRACT As in the 1930s, since the mid-1990s, Latin America has been the scene of populist political experimentation. The region has presented itself as a favorable scenario for the updating of this current, which defends the valorization of the people as protagonists of social dynamics: Neopopulism. The adjective “neo” is attributed to the political aspect due to factors such as the characteristic use of social media to promote broad and direct contact with the electorate. In the current scenario of mediatization, however, not only do politicians have their communicational potential expanded, but the defended “people” also extend possibilities to actively participate and get involved in political processes, such as electoral campaigns. In this context, candidates representing Neopopulism, such as Jair Messias Bolsonaro from Brazil, Iván Duque Marquéz from Colombia and Andrés Manuel López Obrador from Mexico, made use of social media, especially on Twitter, to contact voters during the respective electoral processes of which participated and won in 2018. The Political Communication resulting from these experiments appears as an analysis framework that allows for an understanding of the forms of communicational participation of different social actors in online campaigns. Thus, this research aims to reflect on the process of Electoral Political Communication involving different social actors in neopopulist electoral campaigns carried out on Twitter. Specifically, it is intended to: understand the concept of Neopopulism and the rise of neopopulist presidential candidates in Brazil, Colombia and Mexico; assimilate the concept of Political Communication, specifically in its electoral aspect, and how it can be carried out by different social actors, namely voters and candidates; analyze the communicational dynamics of Twitter, which enabled the participation of social actors in the neopopulist campaigns of Bolsonaro, Duque and Obrador; understand how Electoral Political Communication took place in the electoral contexts of 2018. To achieve these objectives, the research was constituted from the combination of exploratory, descriptive and analytical aspects, and as an analytical methodology the Content Analysis proposed by Laurence Bardin. The results obtained by the work reveal that Neopopulism appears as a political leadership strategy in which charismatic characters promote an extreme concentration of power and present themselves as restorers of a lost order. In this scenario, the politicians who promoted the rise of the neopopulist movement in Brazil, Colombia and Mexico made use of institutional credibility crises to launch themselves as options external to the traditional political system. Responding to another theoretical objective, we understand the concept of Political Communication as a communicational plan in which strategies of persuasion, sharing and competition intersect and compete for space in each of the discourses of social actors; within it, Electoral Political Communication is consolidated through direct and indirect interaction between the social actors involved in electoral campaigns, whether to support them or to compete with them. We also learned that the participation of the analyzed politicians followed the same strategies within Twitter, although Bolsonaro has invested more in interaction and in the use of all available spaces, Duque has bet on the high volume of posts and Obrador has adopted a more traditional communication, similar to that carried out in mass media channels such as Radio and Television. As for public participation, we found that the figure of the voter was often mentioned, represented, instigated to participate, but still responded in the most passive and restricted way possible among the spaces provided by Twitter. Keywords: Neopopulism; Social media; Electoral Political Communication; Participation. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Visão inicial do perfil no Twitter............................................................................................ 39 Figura 2: Post com destaque a falas de Jair Bolsonaro e seus pontos de vista sobre ações que salvariam o Brasil.................................................................................................................................................... 73 Figura 3:Post de rivalização ao PT, seus membros e suas propostas.....................................................74 Figura 4: Inclusão do eleitorado na rotina e no backstage da campanha................................................75 Figura 5: Postagem de vídeo feito por apoiador de Bolsonaro............................................................... 76 Figura 6: Postagem de vídeo feito por equipe de Fernando Haddad, candidato de oposição à Bolsonaro................................................................................................................................................ 76 Figura 7: Representação do apoio popular dado a Bolsonaro em manifestações de rua........................ 77 Figura 8: Interação em resposta ao “bom dia” dado por um usuário......................................................77 Figura 9: Apresentação de proposta para redução de impostos.............................................................. 78 Figura 10: Post de exploração das características de Iván Duque........................................................ . 83 Figura 11: Post de inclusão dos eleitores na rotina de campanha de Duque........................................ . 84 Figura 12: Post de rivalização de Duque contra elementos da oposição.............................................. . 85 Figura 13: Post de representação do apoio à campanha de Duque....................................................... . 86 Figura 14: Post de propostas de campanha de Ivan Duque.................................................................. . 87 Figura 15: Post com espaço para inserção de falas do eleitorado.......................................................... 88 Figura 16: Post de resposta ao eleitorado............................................................................................. . 88 Figura 17: Post de representação do apoio recebido por Obrador........................................................ . 93 Figura 18: Post de inclusão do público às rotinas de campanha........................................................... 94 Figura 19: Rivalização de AMLO contra “la riqueza mal habida”....................................................... 94 Figura 20:Postagem de um vídeo de Obrador que propõe uma reflexão............................................. .95 Figura 21:Post com propostas de Obrador apresentadas na TV e replicadas no Twitter..................... . 96 Figura 22: Post com jovem cantando música de apoio a Obrador........................................................ 97 Figura 23:Post com cientista declarando apoio a Obrador................................................................... . 97 LISTA DE TABELAS Tabela 1:Relação entre a participação e os espaços em que ela ocorreu na campanha de Bolsonaro................................................................................................................................................ 71 Tabela 2: Estratégias de Comunicação utilizadas por Bolsonaro e as impressões do eleitorado sobre elas.......................................................................................................................................................... 72 Tabela 3: Relação entre a participação e os espaços em que ela ocorreu na campanha de Duque.........81 Tabela 4: Estratégias de Comunicação utilizadas por Duque e as impressões do eleitorado sobre elas.......................................................................................................................................................... 81 Tabela 5: Relação entre a participação e os espaços em que ela ocorreu na campanha de Obrador................................................................................................................................................. . 91 Tabela 6: Estratégias de Comunicação utilizadas por Obrador e as impressões do eleitorado sobre elas........................................................................................................................................................ . 91 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1:Volume de impressões por categoria de estratégia.................................................................79 Gráfico 2: Tipos e quantidades de impressões na campanha de Bolsonaro........................................... 79 Gráfico 3: Volume de impressões por categoria de estratégia de Duque............................................. . 89 Gráfico 4: Tipos e quantidades de impressões na campanha de Duque............................................... . 89 Gráfico 5: Volume de impressões por categoria de estratégia de Obrador.......................................... . 98 Gráfico 6: Tipos e quantidades de impressões na campanha de Obrador........................................... . 98 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13 2 COMUNICAÇÃO POLÍTICA ......................................................................................... 23 2.1 Comunicação Política Eleitoral ..................................................................................... 25 2.1.1 Comunicação Política Eleitoral Propagandística ................................................. 28 2.1.2 Comunicação Política Eleitoral Propagandística na Internet ............................... 32 2.2 Comunicação Política Eleitoral no Twitter ................................................................... 38 3 O FENÔMENO NEOPOPULISTA NA AMÉRICA LATINA ...................................... 42 3.1 Uma retrospectiva histórica ........................................................................................... 42 3.2 O Neopopulismo ........................................................................................................... 48 3.1.1 O Caso do Brasil .................................................................................................... 52 3.2.2 O Caso da Colômbia .............................................................................................. 56 3.1.3 O Caso do México .................................................................................................. 62 4 ANÁLISE DOS ESPAÇOS E DA PARTICIPAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NAS CAMPANHAS ....................................................................................................................... 67 4.1 O Caso de Jair Messias Bolsonaro ................................................................................ 70 4.2 O Caso de Iván Duque .................................................................................................. 80 4.3 O Caso de Andrés Manuel López Obrador ................................................................... 90 4.4 Análise dos resultados ................................................................................................... 99 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 107 13 1 INTRODUÇÃO Desde o início dos anos de 1990, a esfera acadêmica mundial trata de uma suposta evolução da corrente política populista na América Latina, a que se conveio chamar de Neopopulismo (PANIZZA, 2000; KNIGHT,1998; WEYLAND, 1996; VIGUEIRA, 1993). Dentro desta própria atualização, observa-se contradições de cunho ideológico, polarizações de planos de governo e a pluralização de estratégias de comunicação para atingir aquele que foi protagonista dos discursos populistas e que segue como alvo dos discursos e das ações dos representantes da nova vertente, o povo (LACLAU, 2005). Mesmo com controvérsias internas ao conceito, há uma série de pesquisas que buscam uma definição mais específica sobre o Neopopulismo, dentre as quais destacamos a de Aristizábal El neopopulismo es un fenómeno de primer orden en el escenario político de América Latina. Se instaura como una “nueva” forma de representación e identificación política, gracias a la paulatina deslegitimación de las instituciones políticas tradicionales1 (ARISTIZÁBAL, 2020, s.p.) Conforme ressalta Aristizábal, na América Latina, o Neopopulismo assume o papel de um fenômeno de primeira ordem que transforma as características de representação política, utilizando para isso estratégias singulares de comunicação, que envolvem o carisma e os projetos de campanha dos líderes, mas sobretudo o emprego de mídias que promovem um contato mais amplo e direto com o público. Ao longo dos anos, tanto políticos populistas quanto neopopulistas viveram uma relação de amor e ódio com os meios de comunicação de massa, entre aproveitamentos de espaço em canais apoiadores e rivalizações públicas com veículos que lhes faziam oposição. Esse contexto teve espaço principalmente durante o século XX, no que Santos Júnior e Albuquerque chamam de “controle hegemônico do jornalismo e das empresas midiáticas nacionais sobre a comunicação política” (SANTOS JÚNIOR; ALBUQUERQUE, 2019, p.8). A hegemonia midiática, no entanto, foi abalada pela popularização das mídias sociais digitais, canais que oferecem espaço para a efetivação de uma Comunicação Política menos hegemonizada no sentido de controle jornalístico, mas que não deixam de se submeter a interesses econômicos de grupos empresariais. Aderindo a estes novos canais, o Neopopulismo latino-americano se integra ao fenômeno de midiatização da sociedade, no qual, segundo Bucy e Holbert (2014), verifica-se o crescimento da influência midiática sobre as demais esferas sociais e passa-se a 1 O neopopulismo é um fenômeno de primeira ordem no cenário político da América Latina. Se instaura como uma nova forma de representação e identificação política graças à paulatina deslegitimação das instituições políticas tradicionais. Tradução nossa. 14 compreender as mídias enquanto sistemas socioculturais onipresentes de “production and dissemination of symbols, signs, messages, meanings and values”2 (BUCY; HOLBERT, 2014, p.368). Este processo de referenciação das lógicas midiáticas se insere sobre interações sociais (BRAGA, 2012) e faz crescer a importância das mídias digitais no cotidiano das sociedades. Inserindo-se neste cenário, portanto, os neopopulistas fogem da mídia massiva que criticam por ser hegemônica, se posicionam em um espaço moderno de debate e podem contar com recursos que propiciam contato direto e amplo com o eleitorado, conforme ressaltam Sangirardi e Sanglard: está em foco a passagem da comunicação invasiva e unilateral dos meios massivos para aquela distribuída por processos interativos nas redes sociotécnicas, isto é, trata-se da transição de um modelo de distribuição de mensagens one to many para outro, many to many, no qual um padrão comunicacional top-down é afetado pelo alargamento de canais de comunicação estruturados segundo uma lógica bottom-up (SANGIRARDI; SANGLARD, 2014, p.390) O uso das mídias sociais, no entanto, além de oferecer aos candidatos formas diferenciadas de angariar capital político, oferecereria também aos cidadãos formas de participar mais ativamente de campanhas políticas, complexificando a dinâmica eleitoral. Isso ocorre devido ao espaço aberto nas mídias sociais para que a voz daqueles que não fazem parte da equipe de assessoria de comunicação da campanha possa ser ouvida, o que John B. Thompson chama de nova visibilidade (THOMPSON, 2005). Em sua obra, Thompson menciona que essa nova visibilidade, mediada pelas mídias sociais, promove uma transformação das relações entre visibilidade e poder para os atores sociais envolvidos com o fazer político, e, especificamente sobre os integrantes da classe política, adiciona: Thanks to mediated visibility, political rulers are able to appear before their subjects in ways and on a scale that never existed previously. Skilful politicians exploit this to their advantage; with the help of their PR consultants and communications advisers, they seek to create and sustain a basis of support by managing their visibility in the mediated arena of modern politics. But mediated visibility is a double-edged sword: it also creates new risks for political leaders, who find themselves exposed to new kinds of dangers (...) However much political leaders try to manage their visibility, they cannot completely control it: mediated visibility can slip out of their grasp and can, on occasion, work against them (THOMPSON, 2005, p.1).3 2 Produção e disseminação de símbolos, signos, mensagens, significados e valores. Tradução nossa. 3 Devido à visibilidade mediada, líderes políticos estão aptos a aparecer diante de seus eleitores em formas e escala inéditas. Políticos habilidosos exploram isso como uma vantagem; com a ajuda de consultores de Ralações Públicas e de conselheiros de comunicação, eles buscam criar e sustentar uma base de suporte para gerir a visibilidade em uma arena mediada da política moderna. Mas a visibilidade mediada é uma faca de dois gumes: ela também cria novos riscos para os líderes políticos, que encontram a si mesmos expostos a novos tipos perigo (...) Embora muitos líderes políticos tentem gerir sua visibilidade, eles não podem controla-la totalmente: a visibilidade mediada pode escapar de suas mãos e, ocasionalmente, trabalhar contra eles. Tradução nossa. 15 No contexto do Neopopulismo, essa visibilidade ganha destaque pelo fato de que pela primeira vez, o povo - comumente colocado pelos representantes dessa vertente como vítima - pode apoiar, responder ou questionar aqueles que prometem defender seus interesses, efetivando uma forma singular de Comunicação Política Eleitoral. Nesse formato inaugural de comunicação entre elegíveis e eleitores, a conceitualização usual, em que se tem a Comunicação Política Eleitoral basicamente como “planejamentos de campanhas eleitorais e construção de imagens públicas vitoriosas” (MACEDO; ROSA, 2014, p.3), ganha uma gama de ramificações imprevisíveis e frequentemente mutáveis. Assim, neste cenário inédito e atual, crescem as dúvidas e a necessidade de pesquisas que realizem uma explanação mais ampla acerca do Neopopulismo e de sua relação com as mídias sociais e com os atores sociais - sendo estes compreendidos enquanto indivíduos, grupos ou classes que representam ideais, reivindicações ou projetos para uma sociedade (SOUZA, 1991), nomeadamente: eleitores e integrantes da classe política. Tendo isso em vista, esta pesquisa se propôs a realizar um estudo dinamizado no contexto da América Latina, abordando a realidade de três países que coincidentemente elegeram representantes neopopulistas para cargos presidenciais em 2018, são eles: Jair Messias Bolsonaro no Brasil, Iván Duque na Colômbia e Andrés Manuel López Obrador no México. Tem-se estes por neopopulistas pelo fato de terem apresentado, em suas candidaturas presidenciais, retóricas convergentes à conceituação proposta por Aristizábal e outros teóricos do tema (VIGUEIRA, 1993; SALAS-PORRAS, 2002; KRAUSE & HOFFMANN, 2010), incluindo: defesa do povo vitimizado, combate à corrupção, rivalização com a imprensa, nacionalismo, tentativa de diferenciação dos demais políticos (caráter outsider) e resgate do crescimento do país. No caso do Brasil, a eleição do ex-deputado Jair Messias Bolsonaro ocorreu em um contexto herdeiro de seguidas crises políticas consequentes de episódios como as Jornadas de 2013, o desenvolvimento da operação investigativa Lava-Jato e o Impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, os quais permearam a opinião pública de insatisfação com a classe política nacional. Para ingressar na disputa, Bolsonaro se filiou, no início do ano eleitoral, à sigla Partido Social Liberal (PSL) que, em congruência ao discurso do candidato, representava ideais de direita, como a defesa da economia neoliberal e de normas culturais conservadoras (PSL NACIONAL, 2019). 16 Tendo como base de campanha as propostas neopopulistas relacionadas à proteção dos interesses populares, Bolsonaro foi eleito no segundo turno realizado em 28 de outubro de 2018, com 55,13% dos votos contra 44,87% de seu adversário, Fernando Haddad, representante do centro-esquerdista Partido dos Trabalhadores. Entre as estratégias de campanha empregadas para alcançar tal vitória, destaca-se a Comunicação Política Eleitoral realizada pela equipe de Bolsonaro em seu perfil no Twitter https://twitter.com/jairbolsonaro. Na Colômbia, o ex-senador Iván Duque Márquez foi eleito em 2018 assumindo a postura neopopulista de recuperador da esperança do povo colombiano (MARQUÉZ, 2018). Duque é considerado o herdeiro ideológico do também neopopulista, Álvaro Uribe, e integra o partido fundado por ele, o centro-direitista Centro Democrático, desde 2014. O Centro Democrático se apresenta como defensor da “convicción de que el país debe avanzar por la senda de la Seguridad Democrática, la confianza inversionista, la cohesión social, la austeridad estatal y el diálogo popular”4 (CENTRO DEMOCRATICO, 2019, s.p.) e, durante a campanha de Duque, se apresentou como uma opção de transformação político-econômica para o povo colombiano (CENTRO DEMOCRATICO, 2018). A campanha de Duque rendeu a ele 53,98% dos votos contra 41,81% de Gustavo Petro, candidato do Partido Colombia Humana, consagrando sua vitória no segundo turno realizado em 17 de junho de 2018. Ao longo do período eleitoral, Duque também apostou nas redes sociais como canais de contato com o eleitorado, lançando mão de posts interativos em seu perfil no Twitter: https://twitter.com/IvanDuque. Por fim, no México, a eleição de Andrés Manuel López Obrador, fundador e representante do partido de esquerda Movimento Regeneração Nacional (MORENA), também se deu em 2018, num cenário de extrema violência e insegurança para a população mexicana. Obrador ingressou na vida política na década de 1980, sendo candidato à presidência em dois momentos anteriores (2006 e 2012), mas em 2018 apresentou-se como um candidato outsider em relação à classe política mexicana, atrelando seu discurso aos ideais do partido que criou para si, o MORENA. Ao longo da campanha eleitoral, Obrador defendeu que faria uma revolução histórica para retirar o México do atraso (OBRADOR, 2018) e, em 2 de julho, atingiu maioria absoluta de votos ainda no primeiro turno, derrotando o segundo colocado Ricardo Anaya por 53,8% a 22,8%. Entre suas estratégias de comunicação, além da adoção do slogan “Juntos Haremos Historia” destaca-se a utilização de seu perfil no Twitter: https://twitter.com/lopezobrador_. 4 Convicção de que o país deve avançar pelo caminho da Segurança Democrática, a confiança intervencionista, a coesão social, a austeridade estatal e o diálogo popular. https://twitter.com/jairbolsonaro https://twitter.com/IvanDuque https://twitter.com/lopezobrador_ 17 Além da congruência entre os momentos históricos e as linhas políticas, consonantemente os três neopopulistas fizeram amplo uso de redes sociais enquanto candidatos, permitindo que diferentes atores sociais se envolvessem no desenvolvimento de suas campanhas eleitorais. Nos três casos, o Twitter foi a mídia social mais utilizada pelos candidatos e cedeu espaço para a realização da Comunicação Política Eleitoral de diferentes atores sociais. Cabe então destacar que o Twitter, se apresenta como uma rede em que “amigos, familiares e colegas de trabalho podem se comunicar e se manter conectados, trocando mensagens rápidas e frequentes. As pessoas publicam Tweets, que podem conter fotos, vídeos, links e texto” (TWITTER, 2006) com mais de 1,3 bilhões de contas ativas pelo mundo. Optamos, então, pelo Twitter como espaço de análise neste trabalho. Apesar de não ser a única plataforma escolhida pelos políticos para a realização de campanhas - competindo com o Facebook, com o Youtube e com sites institucionais, por exemplo - o Twitter se destaca por apresentar um maior número de posts e interações dos políticos com o público, chegando a ser utilizado como canal de Comunicação Política oficial, mesmo nos contexto pós-eleitorais, e servindo até mesmo como fonte para veículos jornalísticos, conforme averiguamos em pesquisas anteriores (ALMEIDA, 2020). Soma-se a isso a percepção de outros acadêmicos, como Zago e Bastos, que com base em uma análise dos dados coletados nas principais redes sociais utilizadas pelo meio político, concluíram que o Twitter é majoritariamente empregado para abordar pautas políticas, econômicas e sociais, enquanto o Facebook e o Instagram seriam mais utilizados para entretenimento (ZAGO; BASTOS, 2013). Ressalta-se também a crise econômica e de credibilidade pela qual o grupo Meta - dono do Facebook e do Instagram - tem passado, com a recente desvalorização de mais de US$230 bilhões em valor agregado, o que poderia prejudicar a análise por fatores externos aos que interessam a esta pesquisa. A eleição de políticos com plataformas eleitorais sustentadas pelo Neopopulismo, nomeadamente Jair Messias Bolsonaro no Brasil, Iván Duque Márquez na Colômbia e Andres Manuel López Obrador no México, no ano de 2018, podemos observar uma consequente intensificação no uso de linhas discursivas referentes à corrente neopopulista em políticos da América Latina – a exemplo Luis Lacalle Poe eleito presidente do Uruguai em 2019 – bem como uma ampliação no uso de mídias sociais para Comunicação Política, tanto de ordem eleitoral por candidatos, quanto de ordem oficial pelos eleitos. Assim, o questionamento lançado como base desta pesquisa é: Qual seria a dinâmica comunicacional no Twitter, de que 18 forma essa dinâmica permitiu que atores sociais participassem de campanhas neopopulistas latino-americanas e como se efetivou a Comunicação Política Eleitoral nos contextos eleitorais de 2018? A partir da contextualização exposta, a presente pesquisa se propôs a refletir sobre como se dá o processo de Comunicação Política Eleitoral envolvendo diferentes atores sociais em campanhas eleitorais neopopulistas realizadas no Twitter. Especificamente, a pesquisa pretendeu: a) compreender o conceito de Neopopulismo e os casos de ascensão de presidenciáveis neopopulistas no Brasil, na Colômbia e no México; b) assimilar o conceito de Comunicação Política, especificamente em sua vertente eleitoral, e de que forma ela pode ser realizada por diferentes atores sociais, nomeadamente eleitores e candidatos; c) apreender a dinâmica comunicacional do Twitter, que possibilitou a participação de atores sociais nas campanhas neopopulistas de Bolsonaro, Duque e Obrador; e d) compreender como se efetivou a Comunicação Política nos contextos eleitorais de 2018. Considerando-se a diminuta abordagem acerca da articulação do movimento político Neopopulista ao uso de mídias sociais para Comunicação Política Eleitoral, e principalmente do papel que diferentes atores sociais possuem nesse processo comunicacional em um contexto latino-americano, a relevância desta pesquisa se condensa no fato de que ela se propôs a registrar um fenômeno atual, abrangente e que pode contribuir para o preenchimento de uma lacuna pouco explorada pela pesquisa científica nacional em Comunicação. Destaca- se, finalmente, que a pesquisa também se ateve a contrapontos, como por exemplo a desigualdade de acesso a plataformas digitais que na situação explorada pode contribuir para intensificar a desigualdade no exercício dos direitos democráticos, a necessidade cada vez mais crescente de que haja um letramento para as mídias - principalmente no que diz respeito à participação política online - e os jogos de poder que envolvem disputas eleitorais e que promovem a utilização de recursos como bots como a compra de impulsionamentos. O embasamento teórico do trabalho se dá ao longo dos dois primeiros capítulos, em que abordamos as dinâmicas da Comunicação Política e a trajetória da corrente neopopulista na América Latina. Nesta etapa concluímos os objetivos de compreender o conceito de Neopopulismo e os casos de ascensão de presidenciáveis neopopulistas, bem como de assimilar o conceito de Comunicação Política, especificamente em sua vertente eleitoral, e de que forma ela pode ser realizada por diferentes atores sociais, nomeadamente eleitores e candidatos. Na fase empírica, os resultados obtidos cumprem os objetivos de entender a 19 dinâmica comunicacional do Twitter e de compreender como se efetivou a Comunicação Política nos contextos eleitorais de 2018. A pesquisa fez uso de uma combinação entre as vertentes exploratória, descritiva e analítica. A escolha metodológica plural teve como objetivo contemplar tanto aspectos da fundamentação teórica quanto de desenvolvimento da seção empírica. Desta forma, as definições das vertentes de pesquisa que adotamos para o estudo pertencem à abordagem de Fontelles et al (2009, p. 06): Pesquisa descritiva – É aquela que visa apenas a observar, registrar e descrever as características de um determinado fenômeno (...) sem, no entanto, analisar o mérito de seu conteúdo(...) Pesquisa analítica – É o tipo de pesquisa quantitativa que envolve uma avaliação mais aprofundada das informações coletadas em um determinado estudo, observacional ou experimental (...) Pesquisa exploratória – Este tipo de pesquisa visa a uma primeira aproximação do pesquisador com o tema, para torná-lo mais familiarizado com os fatos e fenômenos relacionados ao problema a ser estudado. A primeira parte da pesquisa consiste na fase exploratória, na qual buscamos assimilar o conceito de Comunicação Política Eleitoral e de que forma ela pode ser realizada por diferentes atores sociais, bem como compreender o conceito de Neopopulismo e os casos de ascensão de presidenciáveis neopopulistas no Brasil, na Colômbia e no México. Para isso, realizamos a leitura de obras relacionadas à temática e disponibilizadas em plataformas virtuais acadêmicas, como o Google Scholar. Na seção analítica da pesquisa, realizamos a investigação dos espaços disponibilizados no Twitter para que os atores sociais envolvidos nas campanhas eleitorais de Jair Messias Bolsonaro, Iván Duque Marquéz e Andrés Manuel López Obrador em 2018 pudessem compartilhar conteúdo. Para tal, adotamos o método analítico quali-quantitativo de Análise de Conteúdo proposto por Laurence Bardin (1991). Tendo em vista que métodos qualitativos, segundo Tenny et al (2020) se baseiam na reunião de experiências, percepções e comportamento dos objetos sociais para garantir resposta aos “hows and whys instead of how many or how much” 5(TENNY et al, 2020, p.1) e métodos quantitativos se baseiam em “measure one objective truth by collecting and aggregate of measurable data”6 (PITNEY, 2004, p. 26), nosso objetivo com a junção de ambos foi agregar à pesquisa um caráter mais completo, conforme ressalta Santos, “a combinação de diversas técnicas de pesquisa possibilita o desenvolvimento de pesquisas sociais mais precisas e interessantes. O desenho multimétodo, com a combinação de 5 Comos e porquês ao invés de quantos. Tradução nossa. 6 Medir uma verdade objetiva através de coleta e agregação de dados mensuráveis. Tradução nossa. 20 estratégias quali-quanti parece ser mais completo e efetivo” (SANTOS, 2009, p.13). Nesse sentido, destacamos ainda que o método de Análise de Conteúdo de Bardin consiste no tratamento de materiais através de fases de organização, codificação, classificação e inferência, para que se compreenda quais foram as abordagens, os contextos e outras variáveis de escolha dos desenvolvedores conteudísticos (BARDIN, 1991). A opção por tal método de análise se justifica por sua amplitude, cujos critérios envolvem desde a natureza do código e do suporte da mensagem até os integrantes do processo comunicacional (BARDIN, 1991). Os materiais investigados consistem, portanto, aos perfis oficiais de Jair Messias Bolsonaro (Brasil), Iván Duque Marquéz (Colômbia) e Andrés Manuel López Obrador (México) no Twitter, ao longo do período que vai do dia em que tiveram início as campanhas, a partir da legislação dos tribunais eleitorais dos respectivos países, até o dia da realização do primeiro turno eleitoral em cada um dos casos. - Brasil: Jair Messias Bolsonaro - Período de análise: 16 de agosto a 28 de outubro de 2018. Twitter: https://twitter.com/jairbolsonaro - Colômbia: Ivan Duque - Período de análise: 27 de janeiro a 17 de junho de 2018. Twitter: https://twitter.com/IvanDuque - México: Andrés Manuel López Obrador - Período de análise: 29 de março a 1 de julho de 2018. Twitter: https://twitter.com/lopezobrador_ Com base na exposição dos materiais, ressaltamos os subtipos de Análise de Conteúdo empregados para o cumprimento dos objetivos da pesquisa: Etapa 1: Para que possamos indicar os espaços disponíveis para participação de eleitores e elegíveis no Twitter de cada candidato, fizemos uso da Análise de Conteúdo Relacional, na qual as unidades de registro (impressões dos atores) são demarcadas e relacionadas a unidades de contexto (espaços em que houve essas interações). Etapa 2: Conhecendo os espaços, passamos à análise da Comunicação Política para que possamos compreender quais estratégias cada um dos atores utilizou dentro do perfil do político para participar da campanha. Neste momento, utilizamos a Análise de Conteúdo Categorial em que demarcamos unidades de registros para agrupá-las posteriormente em categorias. No caso dos políticos, identificamos estratégias de comunicação através da demarcação de índices em posts, repostas e compartilhamentos (únicas formas de participação nas redes). Já, no caso dos https://twitter.com/jairbolsonaro https://twitter.com/IvanDuque https://twitter.com/lopezobrador_ 21 eleitores, identificamos tipos de participação através de reações na campanha, tendo em vista que a participação desses atores poderia ser curtir, compartilhar o conteúdo em sua própria rede ou comentar a publicação. Destacamos que em nossa análise sobre o papel dos atores sociais, elegíveis e eleitores, não houve como nos apoiarmos no contrafactual em stricto sensu, pois os políticos e os cidadãos possuem espaços, estratégias e interesses diferenciados neste contexto, além do fato de que, estando em maior número, as reações do eleitorado ultrapassam a casa do milhão apenas quando consideramos comentários, que dirá levando em conta todos os formatos. Cabe destaque também ao fato de que entendemos os perfis de Twitter como ambientes digitais em que é possível exibir informações e “compartilhar publicamente, assim como todos os Tweets que você publicou. Seu perfil, com seu nome de usuário, identifica você no Twitter” (TWITTER, 2021). Tem-se, portanto, que o perfil de Jair Bolsonaro é nomeado @jairbolsonaro e possui cerca de 6,7 milhões de seguidores, enquanto o de Iván Duque, @IvanDuque, possui cerca de 2,1 milhões e o de López Obrador, @lopezobrador_, 7,9 milhões. Salientamos, por fim, que além das obras acadêmicas sobre a temática, buscamos livros e cartas (escritos pelos próprios atores sociais envolvidos com o Populismo latino- americano), além de consultar jornais para averiguar contextos da época. Os resultados apreendidos pelo trabalho revelam que o Neopopulismo figura enquanto uma estratégia de liderança política em que personagens carismáticos promovem uma extrema concentração de poder e se apresentam como restituidores de uma ordem perdida. Neste cenário, os políticos que promoveram a ascensão do movimento neopopulista no Brasil, na Colômbia e no México, fizeram uso de crises de credibilidade institucionais para se lançarem como opções externas ao sistema político tido como tradicional. Respondendo a outro objetivo teórico, compreendemos o conceito de Comunicação Política como um plano comunicacional em que estratégias de persuasão, compartilhamento e competição se interseccionam e disputam espaço em cada um dos discursos dos atores sociais; dentro dela, a Comunicação Política Eleitoral se consolida através da interação, direta e indireta, entre os atores sociais envolvidos em campanhas eleitorais, seja para apoiá-las ou para rivalizar com elas. Apreendemos também que as participações dos políticos analisados, seguiram as mesmas estratégias dentro do Twitter, embora Bolsonaro tenha investido mais em interação e no uso de todos os espaços disponíveis, Duque tenha apostado no alto volume de postagens e 22 Obrador tenha adotado uma comunicação mais tradicional, semelhante à realizada em canais de mídia massiva como o Rádio e a Televisão. Quanto à participação do público averiguamos que a figura do eleitor foi muito citada, representada, instigada a participar, mas ainda assim respondeu da forma mais passiva e restrita possível dentre os espaços disponibilizados pelo Twitter. 23 2 COMUNICAÇÃO POLÍTICA O ímpeto que leva ao estabelecimento de contato entre governantes e governados, nasceu junto às primeiras formas de hierarquia da humanidade. Informar sobre a tomada de decisões, estabelecer regras e debater medidas adequadas a determinadas situações, figuram como alguns pontos de interesse comum que levaram à construção de um canal de contato que sobrevive através dos séculos, ganhando diferentes meios de concretização (desde o código de Hamurabi em uma pedra até às mídias sociais) e o envolvimento de diversos atores, que agem desde a mediação (como os jornalistas) até a manifestação direta (como os movimentos sociais). A este canal de contato são atribuídas diversas nomenclaturas, dentre as quais duas ganham destaque: a Comunicação Pública e a Comunicação Política, conceitos muitas vezes confundidos e utilizados como sinônimos. Conforme destaca Matos (2006), os estudiosos de comunicação têm reiteradamente usado o conceito de Comunicação Pública sem muita clareza em seu significado, o que muitas vezes o faz assumir uma posição de similitude à Comunicação Política. Assim, para que não haja equívocos sobre nossa abordagem, ressaltamos que o conceito de Comunicação Pública adotado vai ao encontro do que propõe Duarte: A Comunicação Pública ocorre no espaço formado pelos fluxos de informação e de interação entre agentes públicos e atores sociais (governo, Estado e sociedade civil – inclusive partidos, empresas, terceiro setor e cada cidadão individualmente) em temas de interesse público. Ela trata de compartilhamento, negociações, conflitos e acordos na busca do atendimento de interesses referentes a temas de relevância coletiva. A Comunicação Pública ocupa-se da viabilização do direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e à expressão. Assim, fazer comunicação pública é assumir a perspectiva cidadã na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo. (DUARTE, 2007) Esta esfera comunicacional, conforme defendem diversos autores (MATOS, 2006; BRANDÃO, 2007), engloba e influencia a Comunicação Política, por representar uma gama de relações mais extensa do que aqueles referentes aos processos que envolvem os governos e as instituições partidárias. Internamente à dimensão pública, a Comunicação Política também engloba uma série de vertentes comunicacionais que, de acordo com Gerstlé (2005), se dividem em instrumental, ecumênica e competitiva. Segundo o autor, o conceito de Comunicação Política remete a um campo de interação e internamente a ele existem ramos comunicacionais que utilizam estratégias de persuasão (formato instrumental), estratégias para compartilhamento informacional (formato ecumênico), e estratégias para conquistar a atenção do público em detrimento a outros atores sociais (formato competitivo) (GERSTLÉ, 24 2005). Neste trabalho adotamos a definição de Comunicação Política proposta por Gerstlé, a qual contempla a ação dos três atores sociais que fazem parte do nosso foco de estudo - nomeadamente os candidatos, o eleitorado e as siglas partidárias. Consideramos, portanto, a Comunicação Política como um plano comunicacional em que estratégias de persuasão, compartilhamento e competição se interseccionam e disputam espaço em cada um dos discursos dos atores sociais. Cabe destacar ainda que estratégias instrumentais e competitivas encontram raiz nas concepções mercadológicas concebidas sob o ponto de vista das instituições que atuam especificamente na área, como partidos políticos e candidatos a cargos públicos, para quem a Comunicação Política “trata do discurso e ação de governos, partidos e seus agentes na conquista da opinião pública” (DUARTE, 2007, p.3). Neste viés, o conceito de Comunicação Política é utilizado para representar um setor de caráter técnico, que propicia contato com os cidadãos, com órgãos estatais e com representantes do poder econômico, a partir de metas pré-estabelecidas e estratégias para atingi-las. Pelo caráter que campo técnico tem adotado, em grande parte das vezes, a efetivação da Comunicação Política eficaz necessita de profissionais especializados em assessoria, para tratar tanto a temática quanto o formato de exprimi-la. Já a definição das estratégias ecumênicas encontra respaldo na concepção proposta pela vertente acadêmica internacional das Ciências Sociais Aplicadas, composta por autores racionalistas como Habermas, para quem o conceito de Comunicação Política refere-se à deliberação realizada em esferas públicas, ou seja, em espaços nos quais o poder público, os movimentos sociais e os cidadãos se reúnem para debater sobre pautas que afetam a sociedade (HABERMAS, 1978), neste caso, com foco em temáticas governamentais. Nesta pesquisa, englobamos tanto os aspectos teóricos dos acadêmicos racionalistas quanto os aspectos práticos do exercício comunicacional político, de forma a não ignorar que na interação realizada na esfera pública, alguns setores (em especial os políticos) fazem uso de técnicas profissionais de comunicação persuasiva ao expor seus pontos. Com base na explanação inicial, ao longo deste capítulo damos início à nossa exploração sobre a Comunicação Política contextualizada em períodos eleitorais. Tal cenário foi escolhido por representar um período de duração demarcada, no qual a frequência de contatos entre políticos e a sociedade se intensifica, fazendo com que o caráter de abordagem de cada emissor possa ser visível por sua repetição. Assim, abordamos nesta seção as características da Comunicação Política Eleitoral, o conceito CPE Propagandística como a ação política, o uso das mídias e a participação político-social como ação da sociedade neste 25 contexto. Antes disso, destacamos que, por vezes, contextualizamos fenômenos à realidade latino-americana, tendo em vista que a análise da dinâmica política da América Latina é o foco deste trabalho. 2.1 Comunicação Política Eleitoral Em regimes democráticos, eleições consistem na forma com a qual os cidadãos escolhem aqueles que farão parte das esferas de poder que compõem o Estado, mais comumente a esfera Executiva e a Legislativa. De modo geral, nestes contextos, as eleições podem ser realizadas por um sistema de voto direto, em que o povo vai às urnas para eleger os candidatos, ou por um sistema de voto indireto, em que membros de instituições previamente eleitos - como parlamentares - são responsáveis pela eleição de candidatos a cargos de outras esferas de poder. Em ambos os casos, os candidatos a cargos públicos devem interagir com a oposição, com o eleitorado e com organizações que representam os mais diversos setores da sociedade, como a imprensa e os movimentos sociais. A esse processo de interação entre diferentes atores, que ocorre especificamente em períodos eleitorais e que tem como objetivo a discussão de campanhas políticas (seja para enaltecê-las ou para rivalizar com elas), atribuímos o título de Comunicação Política Eleitoral (CPE). Para demonstrar as características dessa vertente comunicativa, nós nos apoiamos na produção de Luciana Panke (2020), para quem a Comunicação Política Eleitoral extravasa a visão propagandística de diversos autores que tratam da temática (GOMES, 2004; FIGUEIREDO, et al. 1997) e se concentra em todas as esferas que circundam o processo eleitoral durante o período de campanha, compreendido aqui como o intervalo - pré- estabelecido por órgãos legislativos - em que candidatos se dedicam a determinadas ações, com o objetivo de serem eleitos. Segundo Panke, ao tratar de Comunicação Política Eleitoral, nos referimos “não apenas às ações de marketing de uma campanha para uma candidatura específica, mas também jornalismo, ativismo de grupos políticos, declarações e posicionamentos de influenciadores potenciais” (PANKE, 2020, p. 178). Com base na proposição de Panke, o conceito que adotamos para abordar a Comunicação Política Eleitoral consiste na interação, direta e indireta, entre os atores sociais envolvidos em campanhas eleitorais, seja para apoiá-las ou para rivalizar com elas. Esse tipo de Comunicação Política se difere das demais porque ocorre em um período pré-estabelecido, tem caráter persuasivo em busca da conquista de votos e possui regras de realização estabelecidas pelos tribunais eleitorais de cada país. Cabe destacar, no entanto, que as 26 restrições legislativas não impedem que muitos atores discutam opções de voto ou promessas de campanha fora do período eleitoral. Especificamente ao longo desta pesquisa, tratamos de dois atores sociais envolvidos em processos de Comunicação Política Eleitoral, são eles os cidadãos e os candidatos a cargos públicos. Ressaltamos que a nossa compreensão acerca do conceito de atores sociais refere-se a indivíduos, a grupos ou a classes que representam ideais, reivindicações ou projetos para uma sociedade (SOUZA, 1991). Esses atores agem de diferentes formas na dinâmica eleitoral, comunicando-se por canais diversos, com diferentes estratégias e apresentando diferentes objetivos. Segundo Dallari (1984), a concepção de cidadão pode ser compreendida como elemento integrante de determinada sociedade, que tenha ligações jurídicas com o Estado que o governa e que goza de direitos políticos. Em períodos eleitorais de regimes democráticos ideais, esses direitos políticos se exprimem, majoritariamente, na participação em debates públicos, na manifestação de ideias em espaços públicos e, de forma conclusiva, no voto. O ímpeto da participação eleitoral cidadã é uma das heranças deixadas pela Revolução Francesa ao Ocidente e é vista como caminho adequado para a consolidação de regimes democráticos, em especial os de raízes republicanas. A valorização deste formato participativo, porém, não impede que a desconfiança pública nas instituições democráticas (HAIME, 2017) exerça influência decisiva sobre as eleições realizadas nas últimas décadas. No caso dos políticos, compreendemos estes atores enquanto aqueles que atuam como candidatos aos cargos públicos do poder Legislativo e Executivo, realizando campanhas ao longo de períodos eleitorais, sob registro prévio nos tribunais responsáveis pela legislação eleitoral em âmbito nacional, e sendo ou não eleitos. Em grande parte dos países, para ser candidato a um cargo, os políticos devem ser filiados a alguma instituição partidária, também reconhecida pelos tribunais eleitorais, o que promove uma estreita ligação entre os candidatos e as instituições que representam, embora de forma frequente um ator subjugue o outro. No panorama atual, por exemplo, em que as democracias engatinham e as mídias sociais correm a passadas largas, a participação dos atores sociais da esfera cidadã nos processos eleitorais se complexifica em um emaranhado de possibilidades e cerceamentos digitais, conforme objetivamos explorar ao longo deste trabalho. Neste cenário, a descredibilidade institucional dos partidos é intensificada por um distanciamento entre representantes e representados, motivado pela forma como os governantes atuaram em uma série de crises que, de certa forma, atingiram todos os países do mundo (CASTELLS, 2018). Manuel Castells destaca três 27 dentre essas múltiplas crises - a crise econômico-financeira dos subprimes em 2008; a crise provocada por episódios de terrorismo e de guerra ao terror a partir de 2001; e a crise de sustentabilidade ambiental. Castells também afirma que o panorama mundial decorrente dessas crises é o responsável não apenas pela descredibilização, mas pela deslegitimação institucional das democracias liberais (CASTELLS, 2018). As instituições partidárias, também figuram como um ator político, embora não sejam analisadas neste trabalho, e podem ser definidas como estruturas de representação de demandas que nascem entre os atores sociais presentes na esfera cidadã e as suas organizações, conforme destaca Norberto Bobbio: En términos generales puede decirse que el nacimiento y el desarrollo de los p. está vinculado al problema de la participación, es decir al progresivo aumento de la demanda de participar en el proceso de formación de las decisiones políticas por parte de clases y estratos diversos de la sociedad. 7(BOBBIO, 1981, s.p.) Em regimes democráticos, estes órgãos têm como função essencial a apresentação de candidaturas às eleições de âmbitos variáveis, pertencentes aos poderes Legislativo e Executivo, com a ressalva de que tais candidaturas - idealmente - devem representar as convicções partidárias, que por sua vez representariam ideais de determinados setores sociais. Cabe destacar que mesmo tendo como principal função a apresentação de elegíveis, os partidos políticos não são formados apenas por candidatos a cargos públicos, mas sim por uma série de filiados com diferentes papéis, como gestão partidária e organização de eventos. A estruturação interna destas instituições é variável em questões de tamanho e hierarquia, mas em grande parte dos casos, elas são regulamentadas pela legislação eleitoral do país a que pertencem. Segundo Silva (2021), no entanto, a mencionada desvalorização da esfera partidária provoca o protagonismo de alguns indivíduos que atuam na política, o que ficou conhecido como Personalismo, fenômeno que prevê a influência decisiva de determinados personagens sobre os votos do eleitorado (SILVA, 2021). Além desses atores, embora não faça parte de nosso objeto de análise, destacamos também o papel da mídia, mais especificamente do jornalismo midiático, na conjuntura eleitoral. O Jornalismo pode ser definido como “the constant background and accompaniment to everyday life”8 (MCNAIR, 2006, p.1), ou seja, o setor social responsável por democratizar informações atuais de interesse público com frequência. Em organizações jornalísticas, de 7 Em termos gerais pode-se dizer o nascimento e o desenvolvimento dos partidos estão vinculados ao problema da participação, pelo progressivo aumento da demanda por participação do processo de formação das decisões políticas por parte das classes e dos estratos diversos da sociedade. Tradução nossa. 8 O constante backgroung e o acompanhamento da vida cotidiana. Tradução nossa. 28 forma geral, há repórteres para cobrir os diferentes assuntos que fazem parte do mencionado interesse, mas em períodos eleitorais - tendo a Política um alto valor-notícia - comumente formam-se forças-tarefas para cobrir diferentes campanhas, realizar pesquisas de opinião e transmitir fatos sobre o dia de eleição. As práticas jornalísticas podem ser desempenhadas em diferentes meios de comunicação; ao longo dos anos 1920-1990, os chamados meios massivos tomaram esta prática para si e popularizaram um Jornalismo com fortes gatekeepers, a ponto de se tornar alvo de críticas de “politicians, philosophers, the general public and even form journalists themselves”9 (HARGREAVES, 2013, p.2) pelo que chamam de hegemonia sobre a informação, ou seja, domínio sobre o que será passado ao grande público ou não. Com o advento das mídias sociais nos anos 2000, o Jornalismo perdeu essa hegemonia sobre a informação, ainda que os meios de comunicação massivos continuem a desempenhar um poderio para pautar a opinião pública, pelo fato de que agora não representar o único canal mediador possível entre o público e setores como a classe política. Essa realidade coloca o Jornalismo em um momento de crise, como destaca Hargreaves, e em um caminho de reinvenção no qual há inserções nas mídias sociais e dinamização nas mídias tradicionais. Cabe ressaltar, que embora tenha a objetividade e a imparcialidade como pilares, o Jornalismo também é alvo de críticas por não ser isento de interesses pessoais dos repórteres, de interesses da cultura da organização e de interesses financeiros da empresa que lucra por trás das publicações. Os atores mencionados aqui, se reúnem em diversos espaços para debater, persuadir e manifestar seus pontos de concordância e dissuasão, segundo o que Gerstlé aborda quando trata a CP como um campo de compartilhamento, disputa e persuasão. Neste cenário, os envolvidos adotam diferentes estratégias comunicacionais, que variam desde o marketing eleitoral até a participação social em manifestações de diferentes âmbitos. Para que possamos compreender a ação dos políticos e de suas instituições, bem como a ação da sociedade em contextos eleitorais, a seguir tratamos da Comunicação Política Eleitoral Propagandística. 2.1.1 Comunicação Política Eleitoral Propagandística Os atores sociais possuem diferentes estratégias de CPE, a depender de fatores como interesses, meios de concretização, nível de envolvimento com a causa e etc. A Comunicação Política elaborada pelos candidatos e pelos partidos nos períodos eleitorais de regimes 9 Políticos, filósofos, o público em geral e mesmo os próprios jornalistas. Tradução nossa. 29 democráticos, por exemplo, se assemelha às propagandas de produtos e marcas desenvolvidas pelo setor corporativo de fins comerciais, conforme apontam os autores Butler e Collins (1994). Essa semelhança se dá devido à posição que os candidatos a cargos públicos ocupam ao longo de competições eleitorais, tornando as promessas de campanha um produto a ser comprado com o capital social do voto. À CPE propagandística, mais do que apenas o que é dito pelos políticos em discursos publicizados, interessa o que não é dito, ou seja, aquilo que compõe a imagem dos candidatos de modo adicional às falas que eles apresentam. Uma análise focada neste formato de propaganda se ateria, por exemplo, a detalhes como os espaços de participação que os eleitores possuem em uma campanha, de modo a estabelecer se estes espaços podem ou não validar o arquétipo que determinado político quer apresentar ao público. Para demarcar a que a terminologia de Comunicação Política Eleitoral Propagandística se refere, tomamos como base a definição proposta por Manhanelli (1988) quando trata das ações de marketing eleitoral: a arte de impetrar ações com o intuito de destacar um nome e suas qualidades junto aos eleitores da forma mais clara e definitiva possível, levando, nestas ações, informações de conteúdo que façam o eleitorado assimilá-las com o objetivo de, no primeiro instante, eleger o dono do nome a um cargo eletivo, e posteriormente alimentar este conceito e defendê-lo (MANHANELLI, 1988, p.15). Cabe aqui destacar que a atribuição do caráter de propaganda às estratégias eleitorais dos atores sociais se deve também, dentre diversos outros fatores, à profissionalização dos envolvidos na elaboração de campanhas e ao uso de plataformas midiáticas de contato com o eleitorado. Segundo Dan Nimmo (2020), a partir de 1970, uma série de mudanças fez nascer uma nova forma de fazer política apoiada, principalmente, no uso de meios de comunicação para embasamento das campanhas. Estas tornaram-se mais caras, incisivas e compensatórias a partir da contratação de profissionais especializados que transformaram os partidos em elementos de apoio a propagandas de candidatos e deram uma guinada em direção à nova política (NIMMO, 2020), fazendo uso dos meios de comunicação como aliados. Esses profissionais que ainda prestam assessoria aos candidatos, sob a nomenclatura de assessores de comunicação política, importaram práticas comuns da área do Marketing, como a formulação de planos estratégicos para o alcance de objetivos tangíveis, análises de mercado e pesquisas de público. 30 Entre as estratégias empregadas, ganha destaque também a utilização de meios de comunicação midiáticos como plataformas que permitem a viabilização da propaganda eleitoral em escalas variáveis. Cabe ressaltar que neste trabalho a definição adotada sobre conceito de mídia tem como base a união entre as teorias de Cluver (2007), especialista em comunicação midiática, e Miguel (2004), cientista político. O setor midiático representaria, portanto, um conjunto de estruturas corporativas que sustentam plataformas - meios de comunicação - utilizadas para transmissão de mensagens de longo e amplo alcance, como exemplo dessas plataformas temos a televisão e as mídias sociais. Essas estruturas de sustentação podem ser públicas ou privadas, monopolistas ou com ampla concorrência, conglomerados ou independentes, suas características variam de acordo com o país em que estão sediadas, a legislação a que correspondem e o público a que servem, dentre outros fatores. Para ilustrar estas organizações, destacamos emissoras de televisão como a brasileira Globo (um conglomerado midiático) e a mídia social estadunidense Twitter. Apesar da alta variabilidade, a relação das mencionadas estruturas com o ecossistema político é uma constante em democracias, seja por sua utilização, pelas mensagens transmitidas através das plataformas gerenciadas, pelos pontos defendidos pelos gestores das plataformas, ou por sua atuação ligada a algum movimento político-social. Segundo Miguel (2004), o jogo de influências entre a mídia e a política é complexo, não é unilateral. Mas fica o reconhecimento de que a mídia tornou-se um fator central da vida política contemporânea e que não é possível mudar esse fato. Ou seja, não adianta alimentar a nostalgia de “tempos áureos” da política, quando imperava o verdadeiro debate de idéias, sem a preocupação com a imagem, sem a contaminação pelas técnicas de marketing, sem a influência nociva das sondagens de opinião. (MIGUEL, 2004) Os meios de comunicação são empregados no ambiente político democrático como espaço para fala e divulgação de políticos em campanhas eleitorais, espaço para a realização e a publicização de debates envolvendo diversos atores sociais, cobertura de fatos sobre campanhas, exposição de diferentes opiniões sobre determinados atores sociais e etc.10 Em períodos eleitorais, diferentes ramos midiáticos encontram diferentes situações de contato com o público e com os elegíveis. Antes do invento do rádio, primeira mídia que abriu espaço oficial para campanhas político-eleitorais, a plataforma mais utilizada para as propagandas políticas e para o debate público era o palanque. Numa dinâmica de promessas e perguntas, os 10 Não ignoramos que muitas destas práticas são reféns, atualmente, de fenômenos como fake news, polarização e suborno. 31 palanques eram utilizados para reunir eleitores de determinada região para ouvir discursos de políticos em campanhas eleitorais. Esse método era utilizado em diferentes escalas (desde candidatos à presidência até candidatos a cargos legislativos em âmbito municipal) e dependia da cobertura feita por repórteres de jornais impressos para atingir grande parte do público- alvo, fator sujeito a diversas condições desfavoráveis. Nos primeiros anos do século XX, com o surgimento do rádio, um meio de comunicação capaz de transmitir ondas sonoras de longo alcance e de permear diversos setores sociais (popularizado especificamente nos anos 1920, na América Latina), os políticos encontraram um novo modo de contactar o público. Conforme destaca Calabre, o rádio foi “ícone de modernidade até a década de 1950, ele cumpriu um destacado papel social tanto na vida privada como na vida pública, promovendo um processo de integração que suplantava os limites físicos e os altos índices de analfabetismo [da América Latina]” (CALABRE, 2002, p.1). Aos políticos, este meio de comunicação contribuiu para superar as limitações da comunicação realizada em palanques. A partir do rádio, os discursos, os singles e os slogans de campanha poderiam ser entregues com frequência a um grande público e não seriam mais tão suscetíveis à interpretação da mídia antes de chegar ao eleitorado. Domenach (1963) destaca a importância do referido meio de comunicação para o contexto político do início do século XX, no trecho: o rádio libertou definitivamente a palavra de toda limitação (...) O constante aumento do número de estações de rádio tende a devolver à palavra o predomínio por ela perdido, momentaneamente, em favor da imprensa. Nem Hitler nem o General de Gaulle teriam tido, sem o rádio, o papel histórico que lhes coube. (DOMENACH, 1963, p.6) A utilização do rádio ganhou caráter oficial com o passar dos anos, sendo empregado por políticos para propaganda governamental, além da demarcação do horário de propaganda eleitoral obrigatório em países como o Brasil e o México. Apesar de suas potencialidades, cabe destaque ao fato de que o rádio como meio de comunicação utilizado para propaganda política, estabelece um contato indireto com o eleitorado e muitas vezes torna a campanha dos políticos refém das aspirações dos grupos de mídia que gerenciam os canais. Na década de 1950, nasceu uma futura aliada das campanhas políticas, a televisão. Este meio de comunicação, capaz de transmitir imagens e sons, foi recebido pelos candidatos como uma espécie de palanque eletrônico, tendo em vista que as campanhas eleitorais televisionadas proporcionam “à maioria das pessoas uma espécie de inclusão no campo da política porque dão visibilidade aos fatos político-partidários” (OLIVEIRA, 2005, p.6). Esta 32 inclusão, no entanto, assim como no caso do rádio, não envolve participação direta do público e as aparições de políticos continuam suscetíveis à interpretação jornalística realizada no mesmo meio. Na TV latino-americana, desde meados dos anos 1970 - quando o meio de comunicação se popularizou entre diversas camadas sociais - os políticos possuem acesso a espaços para transmissão de falas pré-gravadas e ao vivo, com diferentes propósitos, dentre eles a propaganda política eleitoral. De acordo com Domenach, a televisão “proporciona à propaganda um maravilhoso instrumento de persuasão: a visão do orador confere a esse uma presença completa, e o espetáculo torna-se visível a todos” (DOMENACH, 1963, p.20). Em seu artigo, Os meios de comunicação e a prática política, Miguel discute os efeitos da televisão sobre os atos dos candidatos e conclui que a televisão contribuiu para que a política passasse a ser influenciada por lógicas midiáticas, como a importância da imagem de um político para construção de uma publicidade favorável a ele (MIGUEL, 2002). Embora fossem amplamente adotadas para campanhas, esta tríade midiática de jornal impresso, rádio e televisão ficou conhecida por sua hegemonia sobre a esfera política, no sentido de poder bloquear e abrir espaço, com a mesma facilidade, para a promoção de contato entre público e políticos, consolidando sua influência nos contextos eleitorais. Este fenômeno de influência midiática se intensificou com o surgimento do mais recente meio de comunicação empregado para campanhas eleitorais mais abertas, a Internet. 2.1.2 Comunicação Política Eleitoral Propagandística na Internet Popularizada na primeira década do século XXI, a Internet consiste em “um sistema de comunicação produtivo que alcança milhões de pessoas em todos os países povoados do mundo” (COMER, 2016, p.3). Dentro deste sistema, algumas plataformas ganham destaque por seu poder de conexão ágil e ampla. Estas plataformas são chamadas de mídias sociais e têm sido utilizadas por políticos de diversos países, de forma a contactar o público através de um meio de comunicação que permite a interação direta com o eleitorado. O primeiro e mais famoso uso de mídias sociais para campanhas eleitorais aconteceu em 2008, com a campanha do presidenciável estadunidense Barack Obama (DEMOCRATS). De acordo com Canavilhas, Obama utilizou quase todas as aplicações online disponíveis na época da eleição e criou espaços para discussão de pautas em várias redes sociais, através do programa Obama Everywhere, chegando a superar 320 mil seguidores no Facebook (CANAVILHAS, 2009). Com a vitória de Obama, a estratégia ganhou notoriedade e passou a ser adotada por vários políticos ao redor do mundo. Neste contexto, em conformidade com o que aponta Jesus 33 Martín-Barbero, ao afirmar que os meios de comunicação desencadeiam apropriações imprevisíveis nos mais diversos setores sociais (MARTIN-BARBERO, 2001), as mídias sociais passaram a influenciar o modo de fazer política, dentro e fora do cenário eleitoral, em um processo que os cientistas sociais chamam de midiatização, ou seja, o processo em que a cultura de produção das mídias “se converte na referência sobre a qual a estrutura sócio- técnica-discursiva se estabelece, produzindo zonas de afetação em vários níveis da organização e da dinâmica da própria sociedade” (FAUSTO NETO, 2008, p.93). Segundo Thompson, a principal motivação para o uso das mídias sociais por setores como a política, é o fato de que estes meios de comunicação proporcionam o surgimento de novas formas de visibilidade, devido ao fato de que, dentro delas, todos têm o poder de emitir mensagens, o que antes era atribuído apenas ao setor midiático (THOMPSON, 2005). Especificamente à esfera política, Thompson destaca que graças à visibilidade mediada, políticos podem aparecer diante do público em modos e escalas inéditas: Skilful politicians exploit this to their advantage; with the help of their PR consultants and communications advisers, they seek to create and sustain a basis of support by managing their visibility in the mediated arena of modern politics. But mediated visibility is a double-edged sword: it also creates new risks for political leaders, who find themselves exposed to new kinds of dangers (...) However much political leaders try to manage their visibility, they cannot completely control it: mediated visibility can slip out of their grasp and can, on occasion, work against them11 (THOMPSON, 2005, p.1). Thompson ressalta também que, com o desenvolvimento das mídias – mesmo no caso da mídia impressa – os políticos deixaram de depender de sua aparição física diante dos eleitores e passaram a se beneficiar da ampliação de seu público interlocutor, que antes estava restrito a círculos de assembleia e Côrtes (THOMPSON, 2008). Ainda de acordo com o autor, a partir do desenvolvimento da imprensa e de outras mídias, os elegíveis e os eleitos aproveitam os meios de comunicação não só como espaços para divulgação de falas oficiais, mas também como meio de construir uma imagem de si que poderia chegar a pessoas em regiões afastadas. (THOMPSON, 2008) O uso das mídias sociais levou à formação de novas práticas de Comunicação Política Eleitoral e transformou até mesmo o modo de fazer política, suscitando fenômenos como a 11 Políticos habilidosos exploram isso como uma vantagem; com a ajuda de consultores de Relações Públicas e conselheiros de Comunicação, eles procuram criar e sustentar uma base de suporte para gerir sua visibilidade em uma arena mediada da política moderna. Mas a visibilidade mediada é uma faca de dois gumes: ela também pode criar novos riscos para líderes políticos, que se encontram expostos a novos tipos de perigos (...) Embora muitos líderes políticos tentem gerir sua visibilidade, eles não podem controlá-la completamente: a visibilidade mediada pode escapar de suas mãos e, ocasionalmente, trabalhar contra eles. Tradução nossa. 34 Política 2.0. Nesse contexto, os acadêmicos que tratam de temáticas políticas se dividem entre aqueles que compreendem o CPE Propagandística via mídias sociais como uma oportunidade de renovação democrática, devido à ampliação dos meios de participação do eleitorado em campanhas políticas (BATTEZINNI; REGINATO, 2016), e aqueles que defendem que a propaganda eleitoral quando levada às plataformas digitais, é corrompida pelos recursos presentes nelas e torna-se nociva ao ambiente democrático (ITASSU; et al, 2019). De modo a não ignorar o mencionado debate e não nos postarmos de forma ingênua ao longo da presente pesquisa, salientamos que a posição do trabalho nessa esfera dicotômica é considerar que ambos os caminhos possuem pontos coerentes, tendo em vista as mídias sociais podem ser vistas como espaços viáveis ao exercício do debate eleitoral, mas não estão livres de práticas corruptas que envolvem fake news, uso de bots como disseminadores de discurso de ódio, apropriação inadequada de Big Data e etc. Ao tratar das potencialidades das plataformas digitais para ampliação de ações participativas, salientamos que o conceito de participação é um dos mais evocados em caracterizações do modelo ideal de Democracia. Conforme aponta Gomes (2005), a garantia de “meios e oportunidades de participação em instituições democráticas ou em grupos de pressão”, deve estar presente em uma Democracia capaz de satisfazer a requisitos básicos, assim como: um volume adequado de conhecimento político estrutural e circunstancial (...) a possibilidade, dada aos cidadãos, de acesso a debates públicos já começados e possibilidade de iniciar novos debates desta natureza (...) habilitação para e oportunidades eficazes de comunicação da esfera civil com os seus representantes. (GOMES, 2005, 59) Por sua relevância no cenário democrático, o uso desta palavra pode ser visto em discursos políticos, críticas midiáticas e manifestações populares, como uma demanda pública para que a representação dos mais diversos setores sociais seja contemplada pela composição dos poderes estatais. A abrangência da ação participativa na dinâmica política, no entanto, vai além da demanda por atuação pública em debates, e afeta os diferentes atores sociais envolvidos em processos políticos, como as eleições. Para desenvolver a discussão sobre este conceito e suas vertentes na atualidade, adotamos a definição de Juan Díaz Bordenave, comunicólogo para o qual a participação é uma necessidade universal que consiste em fazer parte, tomar parte ou ter parte, de forma ativa ou passiva, em processos que, no caso político, possuem impacto social (BORDENAVE, 1983). No caso da política, a participação ativa exige que o cidadão aja, enquanto a participação passiva representa apenas sua 35 conscientização. Bordenave destaca também que o processo participativo em âmbito democrático implica na “aquisição de poder (...) que ocasiona uma descentralização e distribuição do poder antes concentrado em uma autoridade ou em um grupo pequeno” (BORDENAVE, 1983, p. 77). No contexto eleitoral, a ação participativa assume diferentes contornos, a depender do ator social que a realiza. No caso dos candidatos, a participação pode indicar o espaço de ação efetiva que eles possuem frente ao eleitorado ou dentro das instituições partidárias que eles representam; exemplos destes espaços seriam, respectivamente, o debate midiatizado com adversários e a tomada de decisões sobre a formação de coligações. Na esfera cidadã a participação ganha contornos mais amplos devido à pluralidade de possibilidades de efetivação. Os cidadãos participam de processos eleitorais, por exemplo, ao votar, ao se manifestar em protestos de rua, ao debater com outros cidadãos, ao fazer parte de comícios, ao fazer campanha em prol de um candidato, ao debater com um eleitor, dentre outros atos. Embora seja mais diversificada, a participação cidadã também é a mais frequentemente afetada por impedimentos de diversas naturezas, mesmo em regimes democráticos. Repressão a manifestações de rua, censura e restrições à entrada em determinados eventos relacionados à dinâmica eleitoral, ilustram alguns dos tipos de impedimentos que são impostos à participação política dos cidadãos e que têm sido combatidos à exaustão por diversos movimentos sociais em vários países através dos séculos, como por exemplo o movimento sufragista que percorreu os países do ocidente entre os anos de 1800 e 1900. Segundo Michels e De Graaf, a participação política dos cidadãos induz a um aumento no sentimento de responsabilidade por pautas públicas e uma ampliação do engajamento popular na conquista por direitos (MICHELS; DE GRAAF, 2017), o que pode assustar alguns setores institucionais que, conforme afirma Bordenave (1983), mantém o poder centralizado. Mesmo com os persistentes casos de repressão e com a alta frequência de ataques censuradores, a sociedade civil tem conquistado espaços de participação política cada vez maiores, apoiada, entre outros fatores, pela evolução das Tecnologias de Informação e Comunicação. O jornal impresso, o rádio e a televisão, apesar de não permitirem a participação direta do eleitorado na discussão de pautas, ofereceram informações (transmitindo ou cobrindo campanhas políticas) a um maior número de pessoas do que a anterior política de palanque, o que abriu margem para a conscientização social sobre propostas, feitos e características da classe governante. Além disso, cabe destacar o papel 36 midiático na formação da opinião política pública e influência sobre a participação. De acordo com Rothberg (2007) os meios de comunicação massivos, nomeadamente o jornal impresso, o rádio e a TV, oferecem pacotes interpretativos - nem sempre abordando posições políticas claras - para o público, de modo que “as mídias preparariam o campo das idéias, presumivelmente no ponto em que elas tendem a ser compartilhadas por certas camadas de receptores, de maneira a torná-lo mais propício ao florescimento de certas visões dos fatos e processos políticos” (ROTHBERG, 2007, s.p.). No caso das mídias sociais virtuais, a superação de barreiras espaço-temporais, o contato direto e a possibilidade de resposta transformaram a participação ativa de membros da sociedade em algo frequente. Nas mídias sociais, diferentes indivíduos representando organizações ou interesses próprios encontram espaço para expressar opiniões, compartilhar conteúdos e interagir com outros usuários. Por isso, a dinâmica da nova visibilidade, teorizada por Thompson, serve também ao setor social, que encontra lugar de atuação e autopromoção nestas plataformas. De acordo com o teórico, com a evolução das mídias, o eleitorado passou a ter cada vez mais acesso a informações sobre os políticos e as instituições que os cercam, o que abriu espaço para a transformação do modus operandi social em períodos eleitorais (THOMPSON, 2008). Neste contexto, podemos observar, por exemplo, “um declínio gradual da «política ideológica» e o aumento da importância das «políticas de confiança»” (THOMPSON, 2008), na qual o político mais próximo ao eleitorado sai na frente. E com o uso da expressão “próximo”, pretendemos representar aquele que compartilha mais informações, busca mais interações e se expõe mais nas mídias. As mídias sociais contribuem para possibilitar a participação do eleitorado na construção de campanhas políticas, um exercício antigo, mas que ganha novos contornos com as potencialidades das redes. Conforme mencionamos, a construção de campanhas conta com o envolvimento de cada vez mais atores, como profissionais de mídia e até mesmo de empresas de comunicação de massa. Eleitores fiéis a algum ideal, partido ou candidato também se inserem neste contexto ao fazer propaganda dentro e fora das mídias, convencendo amigos, participando da organização de comícios, contribuindo financeiramente ou enviando vídeos de apoio, por exemplo. De acordo com Santos, essas ações consistem em um tipo de campanha não oficial, na qual podemos observar “dinâmicas de criação de conteúdo por atores que não fazem parte da aliança eleitoral e usam as mídias sociais para se expressar e disputar a influência do debate público” (SANTOS, 2017, p.103). Além de contribuir para a elaboração de campanhas, as ações do eleitorado ocorrem também para 37 minar a candidatura de políticos de oposição ao que estes grupos de eleitores defendem. Em situações como esta, comentários de rivalização em postagens virtuais do candidato da oposição e manifestações contrárias em protestos de rua cobertos pelas mídias, estão entre os casos mais frequentes. Os meios de comunicação representam, portanto, plataformas para consolidação participativa - passiva e ativa - do público, ao oferecer informações sobre pautas políticas e espaço para interação. A participação política virtual da sociedade civil, no entanto, não exclui os demais formatos participativos e, mais do que isso, se alia, convive e é complementada por participações políticas fora dos ambientes online, como por exemplo o voto. Inserida no contexto de Comunicação Política Eleitoral, a participação do setor civil dinamiza o processo político ao interagir com o marketing eleitoral e com o exercício profissional do setor midiático, criando um cenário inédito potencializado pela utilização de novas mídias. Este cenário tem sido abordado, inclusive, como uma esfera pública digital ampliada (MAINIERI; RIBEIRO, 2013), palco de debates políticos, cenário de propagandas e lugar de mobilizações. Segundo Luque, Internet, refundando el paradigma comunicativo que vincula directamente el potencial participativo de la ciudadanía con los avances de las tecnologías sociales de la información, supone la existencia de un público igualitario y la configuración del usuario como nuevo sujeto activo12 (LUQUE, 2012, p. 20). Apesar destas potencialidades, cabe destaque ao fato de que ao contar com as mídias sociais, os civis que buscam participar de processos políticos se tornam suscetíveis a fenômenos que ameaçam a consolidação democrática, como o caso de uso ilegal de dados de usuários do Facebook para manipulação da opinião pública durante as eleições presidenciais estadunidenses de 2016. Além disso, cabe destacar que quando tratamos tanto da participação social quanto da ação propagandística, uma mídia social assume protagonismo: o Twitter. Em regimes republicanos presidencialistas ou semipresidencialistas, como os analisados por esta pesquisa, as propagandas eleitorais no Twitter são regulamentadas por vias constitucionais e fiscalizadas por tribunais eleitorais, respectivos a cada país. O uso das redes em campanhas latino-americanas data do início da década de 2010, em especial, nas eleições realizadas em 2014 no Brasil e na Colômbia, quando o Facebook foi utilizado em escalas nacionais para campanhas, seguindo a tendência inaugurada por Barack Obama em 2008 e 12 Internet, refundando o paradigma comunicativo que vincula diretamente o potencial participativo da cidadania com os avanços das tecnologias sociais de informação, supõe a existência de um público de um público igualitário e a configuração de usuário como novo sujeito ativo. Tradução nossa. 38 2012. Assim, os candidatos aos cargos do executivo possuem períodos pré-determinados para divulgação de suas campanhas, devem apresentar planos prévios de governo e têm espaço reservado nos meios de comunicação radio difusores, nomeadamente emissoras de rádio e de televisão. Devemos reforçar, no entanto, que a Comunicação Política realizada em períodos eleitorais não ocorre apenas por parte dos candidatos e dos partidos, mas também por parte da população em geral, especialmente dentro das plataformas midiáticas, como o Twitter. 2.2 Comunicação Política Eleitoral no Twitter O Twitter está entre as mídias sociais mais utilizadas desde o início da Web 3.0, acumulando mais de 1 bilhão de usuários e cerca de 200 milhões de acessos por dia. Nesta mídia, os usuários podem criar perfis próprios e, através de posts nestes ambientes, se comunicar com sua rede de contatos por meio de mensagens curtas, rápidas e frequentes, contendo fotos, vídeos, links e texto (TWITTER, 2006), numa espécie de micro blog pessoal de amplitude pública. Além de seus próprios perfis, os usuários têm acesso a perfis alheios, a um feed de notícias (Página Inicial) em que são exibidos os posts mais recentes da rede seguida e à seção #Explorar, em que são exibidas notícias em alta em todo o mundo - selecionadas de acordo com a análise de algoritmos feita pela plataforma. O caráter informal da plataforma é um dos responsáveis por sua popularização, que ocorreu principalmente na primeira metade da década de 2010, com aumento médio anual de 20% em número de usuários (EXAME, 2014). Para compreender em que espaços é possível que os atores alvos desta pesquisa participem, se posicionem, interajam, deem seu testemunho, reajam a falas alheias e acessem informações dos perfis, realizamos uma Análise de Conteúdo Relacional, na qual demarcarmos unidades de registro (impressões dos atores: políticos e público) e as relacionamos com unidades de contextos (espaços em que essas impressões foram feitas). A Análise de Conteúdo Relacional foi aplicada sobre a seção “perfil do Twitter” que é padronizada para todos os usuários, inclusive aos três políticos cujas estratégias de comunicação são analisadas por esta pesquisa. Analisamos o perfil dos três políticos e demarcamos locais em que foram captadas impressões, realizadas por parte deles ou do público. Relacionamos, então, estas impressões ao contexto em que elas se apresentavam e assim, pudemos demarcar os espaços abertos nos perfis do Twitter para que houvesse participação. Para representar os espaços, tanto de participação quanto de acesso, inseridos em 39 todos os perfis do Twitter, coletamos um printscreen do perfil da pesquisadora, que conta na figura 1. Fonte: Elaboração própria com base na página: https://twitter.com/home Legenda: Perfil do Twitter, com principais acessos e ambientes de interação. Como podemos observar pelo printscreen, o perfil é uma seção do Twitter em que os usuários podem acessar e interagir com materiais publicados ou compartilhados pelo dono da área. Os espaços em que conteúdos podem ser inseridos tanto por donos quanto por usuários são: seção para curtir, comentar e compartilhar - aberta para todos os usuários e quando ações do dono da área são praticadas nesta seção, os materiais são incluídos automaticamente no registro do perfil; seção twettar - cujos conteúdos podem ser inseridos apenas pelo dono do Figura 1: Visão inicial do perfil no Twitter https://twitter.com/home 40 perfil, mas são essenciais para gerar as demais interações no ambiente, afinal sem post não há resposta. No Twitter, além de compartilharem frequentes atualizações sobre os mais diversos assuntos - o que chamaremos de postar ou tweetar - os usuários se mobilizam em torno de “trend topics” (assuntos em alta) para compartilhar suas opiniões, muitas vezes em movimentos de mobilização virtual que podem se transferir para as ruas, como o caso do #OccupyWallStreet. Outra singularidade a que cabe destaque é o uso de hashtags para demarcar palavras-chave em posts e categorizá-los de acordo com os tópicos levantados pelos usuários. No Twitter, as hashtags ajudam a pautar os temas tratados servindo como atualizações de caráter noticioso que instigam o usuário a tomar parte em determinado processo, de modo que suas opiniões sejam representadas e apresentadas aos demais envolvidos, conforme ressaltam Alves Filho, Castro e Alexandre, No Twitter, também existem recursos para organização da informação, evidenciada pelo uso das hashtags, etiquetas usadas pelos tuiteiros para marcar postagens, que, ao serem precedidas do símbolo “#”, tornam-se links que conduzem a uma lista de postagens contendo a mesma hashtag. No entanto, o que diferencia as hashtags do Twitter das usadas, por exemplo, em blogs ou sites é o seu caráter condensador de opiniões, de informações e de conhecimento compartilhado, relacionado a funções sociais mais diversificadas do que a simples organização ou marcação de conteúdo. (ALVES FILHO; CASTRO; ALEXANDRE, 2013, p.86) Trazer pautas em alta para espaços de acesso facilitado figura como uma estratégia do Twitter em se posicionar como uma plataforma também de cunho jornalístico, tendo em vista a apresentação de notícias recentes e que possuem declarado interesse do público, embora não tenham trabalho textual de profissionais da rede e sim dos próprios usuários. Essa mobilização cidadã no Twitter atraiu o olhar da esfera política também no início da década de 2010, segundo Parlamee e Bichard (2012), com a percepção de que a plataforma representaria um meio de comunicação ágil, com menos filtros, mais participativo e possivelmente influenciador de pautas jornalísticas. A partir daí, os políticos passaram a se engajar com o eleitorado por meio da plataforma, fazendo postagem dentro e fora dos períodos de campanha; de forma que, em casos como o do ex-presidente estadunidense Donald Trump, o perfil do político no Twitter passe a ser considerado como canal oficial do governo. Cabe destacar, no entanto, que assim como as demais redes sociais, o Twitter não escapa de fenômenos corruptivos de campanha políticas, principalmente no que tange às fake news. Ainda assim, por sua amplitude e por suas potencialidades internas, a rede é utilizada não somente para Comunicação Política Eleitoral por parte dos candidatos, mas também, 41 como aponta a coleta de dados realizada por Zago e Bastos, “majoritariamente empregado para cobertura [acompanhamento midiático] de eventos políticos, econômicos e sociais (hard news)” (ZAGO; BASTOS, 2013, p.130). Ressalta-se também que a mídia social não está livre de fenômenos como a censura, tanto por parte de donos de perfis quanto por parte dos gestores da rede, e que a participação social na interação com postagens, bem como o marketing político na criação de conteúdo, é submetida à disputa de forças econômicas que permeiam a rede social assim como as sociedades em que ela se insere. Para que possamos compreender empiricamente o formato da participação eleitoral da sociedade e as características da CPE Propagandística, ambos no contexto do Twitter, optamos pela análise de um fenômeno político que engloba tanto a valorização da participação popular quanto o personalismo dos candidatos, o Neopopulismo. Assim, ao longo do próximo capítulo abordaremos as principais características deste fenômeno, de modo a embasar a análise posterior. 42 3 O FENÔMENO NEOPOPULISTA NA AMÉRICA LATINA Desde a década de 1990, o Neopopulismo tem sido suscitado pela academia mundial (WEYLAND, 1996; ARMONY, 2005; MAYORGA, 2006; ARISTIZÁBAL, 2020) como um fenômeno político recorrente e cada vez mais assíduo, principalmente em países América Latina. De 1990 a 2020, este fenômeno atravessou uma série de crises políticas, além da evolução midiática e da globalização; por isso, é importante destacar que apesar de sua recorrência, o Neopopulismo não se deu de forma isolada em relação a outras manifestações políticas, em nenhum dos países em que foi adotado. Neste contexto de instabilidades, próprio do que Bauman (2004) chama de realidade líquida, casos díspares como o do ex-presidente neoliberal Fernando Collor de Mello (governou o Brasil entre 1990-1992), o do ex-presidente progressista Luis Inácio Lula da Silva (governou o Brasil entre 2003 e 2010) e o do atual presidente de extrema-direita Jair Messias Bolsonaro (governa o Brasil desde 2018 com fim do mandato estimado para 2022), têm sido abordados academicamente sob a mesma nomenclatura neopopulista, o que complexifica o conceito e gera uma contradição entre os acadêmicos que tratam do tema. É difícil, portanto, encontrar uma definição rigorosa sobre o Neopopulismo em sua completude, por isso, neste trabalho adotamos a estratégia de Ioris (2010), que defende a elaboração de uma retrospectiva histórica e a adoção de criticidade para abordar os usos do conceito, como elementos essenciais para uma conceitualiza