Flávio dos Santos Cerqueira A Escultura no Flagrante da Ação UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE SÃO PAULO – INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES MESTRADO EM ARTES VISUAIS Flávio dos Santos Cerqueira A Escultura no Flagrante da Ação Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre na área de Artes Visuais. Orientador: Prof. Dr. Sergio Mauro Romagnolo São Paulo 2019 4 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio, convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP C416e Cerqueira, Flávio dos Santos, 1983- A escultura no flagrante da ação / Flávio dos Santos Cerqueira. - São Paulo, 2019. 162 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Sergio Mauro Romagnolo Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Escultura em bronze. 2. Escultores. 3. Arte moderna. I. Romagnolo, Sergio Mauro. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 730 (Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666) 6 CERTIFICADO DE APROVAÇÃO Câmpus de São Paulo UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA A escultura no flagrante da açãoTÍTULO DA DISSERTAÇÃO: AUTOR: FLAVIO DOS SANTOS CERQUEIRA ORIENTADOR: SERGIO MAURO ROMAGNOLO Aprovado como parte das exigências para obtenção do Título de Mestre em ARTES, área: Artes Visuais pela Comissão Examinadora: Prof. Dr. SERGIO MAURO ROMAGNOLO Departamento de Artes Plásticas / Instituto de Artes de São Paulo Prof. Dr. JOSÉ PAIANI SPANIOL Departamento de Artes Plásticas / Instituto de Artes de São Paulo Prof. Dr. DANIEL ALBERNAZ ACOSTA Colegiado em Artes Visuais / Universidade Federal de Pelotas São Paulo, 04 de junho de 2019 Instituto de Artes - Câmpus de São Paulo - Rua Dr Bento Theobaldo Ferraz, 271, 01140070 http://www.ia.unesp.br/#!/pos-graduacao/stricto---artes/CNPJ: 48031918001791. AGRADECIMENTOS Se a leitura dessa dissertação lhe for de alguma forma utilidade, isso não se deve apenas a mim, mas à interação com todas as pessoas e experiências que marcaram a minha vida. Sou muito grato a: À CAPES, pelo suporte e financiamento desta pesquisa, sem este apoio a conclusão deste trabalho seria muito mais difícil. À Universidade Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e a equipe de Pós-Graduação do Instituto de Artes, pelo apoio e amparo fundamental à pesquisa. Ao meu orientador Sergio Romagnolo, pela contribuição fundamental, generosidade e intensa capacidade de diálogo para a formulação dessa dissertação. Aos Professores José Spaniol e Daniel Acosta, pelas sábias contribuições no momento do Exame de Qualificação deste trabalho. À Professora Rosangela Leote, por me ajudar na escrita e por suas leituras que sempre enxergaram questões que potencializaram o texto. Ao Professor Omar Khouri, pela generosidade e por dividir seu vasto conhecimento em sala de aula. Ao Ding Musa, Edouard Fraipont, Fernando Piçarra e Romulo Fialdini, pelo cuidado com os registros fotográficos dos meus trabalhos e das minhas exposições. Ao Sr. Euclides e toda equipe da Fundiart, por esses 10 anos de parceria, pelo cuidado na fundição dos meus trabalhos e por ser o meu segundo ateliê. À Thais Waldman, por nossas conversas sobre os Bandeirantes e pela leitura generosa do texto. À Lúcia Rosa pela leitura e revisão cuidadosa do texto. Ao Caio Raposo pelo design e diagramação deste volume. Aos meus país Floriano Cerqueira (In memoria), Floricélia Cerqueira e meu irmão Fernando Cerqueira, que sempre me apoiaram e sabem quanto custou chegar até aqui. À minha eterna companheira Katia Fiera, sem ela nada disso teria acontecido, por me incentivar a ingressar na Pós-Graduação, pela paciência, mesmo em meus dias de extremo mau-humor, por me acompanhar nesse mundão afora na construção da minha história, pelo amor, companheirismo, cumplicidade e por realizarmos juntos a mais bela e linda obra de arte que já imaginei ter feito, nosso filho Martin. RESUMO A escultura no flagrante da ação, consiste no processo de produção de uma série de esculturas em bronze focadas na construção de narrativas e na representação de ações que problematizam a relação entre tempo/espaço/obra/ ação, entrelaçadas às minhas preocupações conceituais, meus processos e procedimentos artísticos relacionados a pontos de convergência na produção de outros artistas. Palavras Chave: Arte Contemporânea, Escultura, Bronze, Narrativas, Ação ABSTRACT The thesis “A escultura no flagrante da ação” [The Sculpture at the Moment of the Action] concerns the production process of a series of bronze sculptures focused on the construction of narratives and on the representation of actions that problematize the relation between time/ space/artwork/action, interlinked with my conceptual concerns, my processes and artistic procedures related to points of convergence with the production of other artists. Key words: contemporary art, sculpture, bronze, narratives, action 12 Figura 1. Georg Baselitz, Model for a Sculpture, 1979/1980. Disponível em: https://www.boumbang.com/georg-baselitz/. Acesso em 14 de novembro de 2018. Figura 2. Flávio Cerqueira, Ex-Corde, 2010. Foto © Romulo Fialdini. Figura 3. Flávio Cerqueira, Tudo entre nós, 2010. Foto © Romulo Fialdini. Figura 4. Alberto Giacometti, L’Objet Invisible, 1934. Disponível em: https://www. fondation-giacometti.fr/fr/database/173557/ lobjet-invisible.. Acesso em 07 de novembro de 2018. Figura 5. Flávio Cerqueira, O invisível, 2010. Foto © Romulo Fialdini. Figura 6. Flávio Cerqueira, Foi assim que me ensinaram, 2011. Foto © Fernando Piçarra. Figura 7. Antigo Castigo Escolar, autor desconhecido. Disponível em: https://www. topsimages.com/images/desk-fidget-dunce- hat-18.html. Acesso em 10 de janeiro de 2018. Figura 8. Vista Geral da Exposição Ensimesmados, 2013. Foto © Edouard Fraipont. Figura 9. Flávio Cerqueira, Antes que eu me esqueça, 2013. Foto © Edouard Fraipont. Figura 10. Juan Muñoz, Cinco Figuras Sentadas. Disponível em: https://www. museoreinasofia.es/en/collection/artwork/ five-seated-figures. Acesso em 12 de março de 2018. Figura 11. Flávio Cerqueira, Horizonte Infinito, 2013. Foto © Edouard Fraipont. Figura 12. Vista Geral da Exposição Ensimesmados, 2013. Foto © Edouard Fraipont. LISTA DE IMAGENS Figura 13. Flávio Cerqueira, Passarinho, 2013. Foto © Edouard Fraipont. Figura 14. Flávio Cerqueira, Avua!, 2013. Foto © Romulo Fialdini Figura 15. Flávio Cerqueira, Pretexto para te encontrar, 2013. Foto © Edouard Fraipont. Figura 16. Gian Lorenzo Bernini, O Rapto de Proséspina, 1621-1622. Foto © Laurance Norah. Disponível em : https:// independenttravelcats.com/exploring-art- borghese-gallery-in-rome/ Acesso em 8 de Abril de 2019. Figura 17. Umberto Boccioni, Formas únicas da continuidade do espaço, 1913 Disponível em: https://www.metmuseum. org/art/collection/search/485540. Acesso em : 09 de dezembro de 2018. Figura 18. David Alan Harvey, USA Norfolk, VA 1967 Disponível em : https://www. davidalanharvey.com/tell-it-like-it-is. Acesso em 19 de Fevereiro de 2019. Figura 19. Sigudur Gudsmundsson, Triangle, 1980. Disponível em: https://www. stedelijk.nl/en/collection/7699-sigurdur- gudmundsson-triangle. Acesso em: 3 de maio de 2018. Figura 20. Bas Jan Ader, Broken Fall (organic) Disponível em: http:// revistacarbono.com/artigos/05-bas-jan-ader- glaucis-de-morais/ Acesso em 3 de maio de 2018. Figura 21. Charles Ray, Untitled, 1973 Disponível em: https://www.metmuseum. org/art/collection/search/485540 acesso em 29 de dezembro de 2018. Figura 22. Flávio Cerqueira, Ninguém nunca esquece, 2014 Foto © Ding Musa. Figura 23. Flávio Cerqueira, Na medida do Impossível, 2015 Foto © Ding Musa. Figura 24. Edouard Manet, Soap Bubbles, 1867 Disponível em: https://gulbenkian. pt/museu/en/works_museu/boy-blowing- bubbles/ Acesso em: 10 de março de 2018. Figura 25. Jean-Siméon Chardin, Soap Bubbles, 1733/1734 Disponível em: https:// www.nga.gov/collection/art-object-page.994. html. Acesso em: 10 de março de 2018 Figura 26. Bruce Nauman, Fonte Refluxo, 1966. Disponível em: http://lounge. obviousmag.org/da_ponte_para_o_ miradouro/2012/05/bruce-nauman--a- complexidade-da-mente.html Acesso em 8 de Abril de 2019. Figura 27. Tatiana Trouvé, Waterfall, 2013. Disponível em: https://www.perrotin.com/ artists/Tatiana_Trouve/28/waterfall/26454 Acesso em : 12 de janeiro de 2019. Figura 28. Tatiana Trouvé, Waterfall, 2013 (Detalhe). Disponível em: https://www. perrotin.com/artists/Tatiana_Trouve/28/ waterfall/26454 Acesso em : 12 de janeiro de 2019. Figura 29. Cicero Dias, Eu vi o mundo... Ele começava em Recife, 1926/1929. Disponível em: https://www.revistamuseu. com.br/site/br/galeria/3436-ccbb-rio-de- janeiro-recebe-a-exposicao-cicero-dias-um- percurso-poetico.html Acesso dia 20 de janeiro de 2019. Figura 30. Flávio Cerqueira, Eu vi o mundo e ele começa dentro de mim, 2015 Foto © Edouard Fraipont. Figura 31. Flávio Cerqueira, Eu vi o mundo e ele começa dentro de mim, 2015 Foto © Edouard Fraipont. Figura 32. Flávio Cerqueira, Vista da Exposição Se precisar conto outra vez, 2016 Foto © Romulo Fialdini Figura 33. Flávio Cerqueira, Amnésia, 2015. Foto © Romulo Fialdini Figura 34. Spoek Mathambo, Frame do vídeo clipe da música Control, 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=78CAhnGWoEQ Acesso em 20 de janeiro de 2019. Figura 35. Modesto Brocos y Gómez, A redenção de Cam, 1895. Disponível em: http://mnba.gov.br/portal/component/k2/ item/192-redenção-de-cã.html Acesso em 8 de abril de 2019. Figura 36. Página da prova do Vestibular Fuvest 2018.Disponível em: https://www. fuvest.br/wp-content/uploads/Fuvest-2019- 2-Fase-1º-DIA.pdf. Acesso em 07 de janeiro de 2019. Figura 37. Autor Desconhecido, Ação de Pichadores na cidade de São Paulo Disponível em: https://medium.com/@ liskuroki/pixo-arte-e-pseudo-criptografias- 42ac7c9ee9d8 Acesso em: 8 de abril de 2018. Figura 38. Autor Desconhecido, Manifestação Estudantil em atos contra a ditadura civil-militar no Brasil. Disponível em: www.band.uol.com.br/m/conteudo. asp?id=100000835261&programa=cidades Acesso em 22 de Agosto de 2018. Figura 39. Flávio Cerqueira, Sobre tudo, mas não sobre qualquer coisa, 2015. Foto © Romulo Fialdini. Figura 40. Flávio Cerqueira, Eu te disse... (Versão Brasileira). Foto © Romulo Fialdini. 14 Figura 41. Eugene Delacroix, Liberdade Guiando o Povo, 1830 Disponível em: https://santhatela.com.br/eugene-delacroix/ delacroix-a-liberdade-guiando-o-povo/ Acesso em 15 de fevereiro de 2019. Figura 42. Flávio Cerqueira, Eu te disse... ( Versão Africana ). Foto © Goodman Gallery. Figura 43A. Victor Brecheret, Monumento às Bandeiras em 1953, (ano de sua inauguração). Disponível em: https://spcity. com.br/monumento-as-bandeiras-historia- pichacao-eleicao/ Acesso em 10 de fevereiro de 2019. Figura 43B. 3NÓS3, Ensacamento do Monumento às bandeiras, 1979 Foto © Mario Ramiro Figura 44. Flávio Cerqueira, Tinha que acontecer ( Cabeça de Bandeirante), 2016 Foto © Romulo Fialdini Figura 45. Andrea Brustolon, Pote, Vase and Boxwood. Disponível em: http:// www.arthurtaussig.com/ca-rezzonico- venice-italy-ethiopian-warrior-by-andrea- brustolon-0121201723/. Acesso em 05 de julho de 2018. Figura 46. Flávio Cerqueira, Em memória de mim, 2017. Foto © Romulo Fialdini Figura 47. Par de Tocheiros Backmoor. Disponível em: https://www.antiquetrader. com/blackamoor-torcheres/ Acesso em 05 de julho de 2018. Figura 48. Par de Tocheiros Backmoor. Disponível em: https://www.invaluable. com/auction-lot/pair-of-painted-and-parcel- gilt-blackamoor-torche-656-c-a6082372ff#. Acesso em 05 de julho de 2018. Figura 49. Flávio Cerqueira, Tião, 2017. Foto © Romulo Fialdini Figura 50. Pietro Perugino, São Sebastião |na Coluna, 1500/1510. Foto © João Musa Disponível em: https://masp.org.br/acervo/ obra/sao-sebastiao-na-coluna Acesso em 08 de abril de 2019. Figura 51. Capa da Revista Esquire. Disponível em: https://theundefeated.com/ features/muhammad-ali-1968-esquire-cover/. Acesso em: 08 de abril de 2019. Figura 52. Igreja do Bom Jesus do Matosinhos Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=kJNNs8NlS98. Acesso o8 de Abril de 2019. Figura 53. Vista da Exposição Galeria São Paulo 1993 Foto © Sergio Romagnolo Figura 54. Sergio Romagnolo, São Sebastião Sentado, 1993. Foto © Sergio Romagnolo Figura 55. Flávio Cerqueira, A traição do Olhar, 2017. Foto © Romulo Fialdini Figura 56. Elmgreen e Dragset, The Experiment, 2012. Disponível em: https:// www.anitaiannacchione.com/exhibitions- projects/#jp-carousel-981 Acesso em: 13 de Julho de 2018. Figura 57. Ruby Bridges sendo escoltada na entrada da escola. Disponível em: https://rarehistoricalphotos.com/ruby- bridges-1960/. Acesso em: 19 de dezembro de 2018 Figura 58. Ruby Bridges sendo escoltada na saída da escola. Disponível em: https://rarehistoricalphotos.com/ruby- bridges-1960/. Acesso em: 19 de dezembro de 2018 Figura 59. Norman Rockwell, The problem we all live with, 1963. Disponível em : https://www.nrm.org/2010/10/looking-back- the-problem-we-all-live-with/problem_web1- 300x185/ Acesso em: 15 de outubro de 2018. Figura 60. Registro da modelo ao lado da pintura de Rockwell. Disponível em: https://soapboxie.com/social-issues/ The-Problem-We-All-Live-With---Norman- Rockwell-the-truth-about-his-famous- painting. Acesso em: 15 de dezembro de 2018. Figura 61. Flávio Cerqueira, Uma palavra que não seja esperar, 2018. Foto © E. G. Schempf. Figura 62. Flávio Cerqueira, Uma palavra que não seja esperar, 2018. Foto © E. G. Schempf. Figura 63. Mulher carregando Lata de água na cabeça. Foto © Autor Desconhecido Disponível em: http://climainfo.org. br/2018/12/09/mulheres-sao-mais-afetadas- pelo-clima/mulher-carrega-agua-no- nordeste-brasileiro/. Acesso em : 20 de Janeiro de 2019. Figura 64. Aula de Etiqueta. Autor desconhecido. Disponível em : http://sofistetiqueta.blogspot.com/2016/03/ aula-etiqueta-moderna.html Acesso em 28 de janeiro de 2018. SUMÁRIO 1. Introdução 20 2. O silencio que precede o ato 22 3. No flagrante da ação 58 3.1 Ninguém nunca esquece 68 3.2 Na medida do impossível 78 3.3 Eu vi o mundo e ele começa dentro de mim 81 4. Se precisar conto outra vez 92 4.1 Amnésia 96 4.2 Sobre tudo mas não sobre qualquer coisa 104 4.3 Eu te disse... 110 4.4 Tinha que acontecer (Cabeça de Bandeirante) 116 5. Além da ação 124 5.1 Em memória de mim 126 5.2 Tião 131 5.3 A traição do olhar 138 5.4 Um apalavra que não seja esperar 146 6. Considerações finais 158 7. Referências Bibliográficas 160 18 A ESCULTURA NO FLAGRANTE DA AÇÃO Flávio dos Santos Cerqueira 20 1 INTRODUÇÃO Durante o meu percurso como artista, que teve seu início no ano de 2009, produzi esculturas figurativas em bronze. Em um primeiro momento tinham uma escala reduzida e os personagens apresentavam-se em situações ensimesmadas e contemplativas que precediam um ato. Já em um segundo momento, o trabalho ganha maior escala para uma melhor interação com espaços expositivos, e apresento narrativas focadas na associação de ações relacionadas à produção de artistas que envolvem ações e espaço como problemática em suas práticas. A pesquisa que resultou neste trabalho se concentra em minha produção artística dos últimos 10 anos que se concretiza nesta dissertação de mestrado. Farei considerações acerca das ações nas narrativas por mim propostas para a criação de um corpo de trabalho associado à produção de artistas contemporâneos que identifico pontos de convergência com a minha produção escultórica, objeto deste estudo. 22 2 O SILÊNCIO QUE PRECEDE O ATO Grande parte da história da escultura foi dedicada à representação do corpo humano que ao longo dos séculos foi usado para expressar assuntos abstratos, tais como narrativas pessoais e emoções, a serviço da religião ou da mitologia. Nos anos de 1960 o corpo humano perde seu protagonismo, dando espaço a esculturas geométricas, à redução formal e à produção de objetos em série, negando qualquer tipo de influência na tradição clássica europeia. Entre as décadas de 1980 e 1990, surge um retorno da figuração na produção de esculturas, principalmente na Inglaterra e Estados Unidos da América. Sem um olhar nos assuntos abordados no passado, os artistas estavam interessados nas mídias de massa, na cultura popular, ao mesmo tempo em que começaram a incorporar novos materiais a esta prática, tais como borracha, cimento, cerâmica, cera, gesso e madeira. 24 Um dos pontos marcantes deste retorno foi quando o artista alemão Georg Baselitz (1938 - ) apresenta no ano de 1980, na Bienal de Veneza, Model for a Sculpture (figura 1), um nu esculpido em madeira de forma grosseira e pintado com pinceladas agressivas. A figura parece precária, e se encontra em uma pose não habitual dentro da tradição escultórica do período. Minha inclinação pessoal para as artes está voltada para essa geração de artistas e suas abordagens, com um olhar revigorado acerca da produção de cânones clássicos da escultura e é o campo onde minha atuação como artista fica mais evidente. Figura 1 Georg Baselitz Model for a Sculpture, 1979/1980 Madeira entalhada e pintada 178 x 147 x 244 cm Museu Ludwig, Colônia Foto © Frank Olesk 26 1 Pintura eletrostática é um processo que utiliza o princípio elétrico de atração e repulsão de cargas elétricas. A peça é pintada com um pó químico, e recebe uma carga elétrica oposta à peça, fazendo com que o pó se fixe na peça. Desde o início, a minha produção artística está focada na representação da figura humana fundida em bronze, por acreditar ser esta a melhor forma e material para expressar minhas ideias, meus anseios e minhas histórias. Logo senti o desejo de explorar novas possibilidades estéticas com este material, o de fragilidade e leveza foram alguns deles, já que os trabalhos produzidos naquele momento convergiam conceitualmente para tais assuntos. Simular a aparência de porcelana, revestindo o bronze com uma pintura industrial conhecida como pintura eletrostática1, técnica usada pela primeira vez na escultura Ex-Corde (figura 2), a meu ver daria o caráter de fragilidade e vulnerabilidade aos trabalhos, potencializando os significados impregnados no material simulado. [ao lado] Figura 2 Flávio Cerqueira Ex-Corde, 2010 pintura eletrostática sobre bronze, 56 x 18 x 18 cm Foto © Romulo Fialdini 28 [ao lado] Figura 3 Flávio Cerqueira Tudo entre nós, 2010 Pintura eletrostática sobre bronze, 59 x 24 x 17 cm Coleção Museu de Arte de Ribeirão Preto Foto © Romulo Fialdini A escala diminuída foi pensada de maneira contrária a da figuração de homens públicos na forma de bustos comemorativos e para contrapor a escala monumental das esculturas erguidas em praça pública a fim de registrar algum feito heroico ou histórico. Meu interesse era o de trazer um novo olhar sobre os temas abordados na tradição clássica da escultura, apresentando narrativas que tratassem de questões humanas universais, situações do dia-a-dia, de modo que, ao se confrontar com os trabalhos, o espectador pudesse estar diante de situações familiares, uma tentativa de reconhecimento imediato e de fácil interação. O trabalho Tudo entre nós (figura 3) encena um monólogo e representa um jovem com um dos braços estendidos fazendo alusão a um abraço no vazio, pressupondo um outro corpo presente, interagindo com o personagem. A escultura se mostra em um momento de total introspecção. 30 Em um trecho do texto publicado no catálogo da exposição Formas Biográficas – construção e mitologia individual, apresentada no Museu Reina Sofia na Espanha no ano de 2014, o historiador de arte Jean –François Chevrier (1954 - ), buscando refletir sobre como os artistas pensam e criam usando como ferramenta suas próprias histórias, diz: A ausência de representação e de indeterminação de um objeto não é necessariamente o estigma de uma experiência defeituosa ou debilitada. De maneira geral, a ausência pode ser uma maneira de superar a presença cativada. É a condição de toda representação que permite a imaginação superar a atualidade perceptiva. Assim mesmo, o invisível é uma reserva e uma abertura do visível. 2 Pensar o vazio e o invisível me remete ao trabalho L’Objet Invisible (O objeto invisível) (figura 4) do artista suíço Alberto Giacometti (1901 – 1966), um trabalho que marca a transição de seu trabalho surrealista para uma produção figurativa. Pode-se claramente notar o mistério do invisível, o que me fez perceber que além de fragilidade e vulnerabilidade eu também estava tratando sobre questões ligadas ao vazio e invisibilidade nos trabalhos Ex Corde (figura 1) e Tudo entre nós (figura 3). 2 CHEVRIER, Jean –François. Formas Biográficas, Construcción y Mitología Individual, Siruela, Madrid, 2014. p 138. [acima] Figura 3 Alberto Giacometti L’Objet Invisible, 1934 152x 32,5x36cm 32 [ao lado] Figura 5 Flávio Cerqueira O invisível, 2010 Pintura eletrostática sobre bronze, 55 x 18 x 13 cm Coleção Museu Nacional de Brasília Foto © Romulo Fialdini Em seu ensaio sobre a estética, Hegel declara que: A renúncia à individualidade, como indício de um estado superior de consciência, valida a realização de obras de valor universal que possuem uma vida intrínseca, separada de seu criador. O abandono do afeto participa da mesma busca: “O pior quadro é aquele em que o pintor mostra a si mesmo”. “Quiseram fazer da arte um estudo dos sentimentos e se interrogaram quais são os sentimentos que a arte é suscetível de evocar”, ao passo que “A busca relativa à natureza dos sentimentos que devem ser evocados não leva muito longe”, “o sentimento é subjetivo, mas a obra de arte deve ter um caráter de universalidade, de objetividade”. Se quisermos estabelecer uma meta final para arte, esta só pode ser a de revelar a verdade, de representar de maneira concreta e figurada o que se agita na alma humana.3 No trabalho O invisível (figura 5), abordo outras possibilidades de perspectivas e leituras sobre o tema da invisibilidade. A escultura pintada de preto, com a modelagem de um corpo fora dos padrões de beleza e com um saco na cabeça cobrindo o rosto do personagem, traz para debate a invisibilidade na forma de exclusão social, cultural e estética, de indivíduos que não são vistos ou são ignorados pela sociedade, provocando sentimentos de desprezo e humilhação em indivíduos que com ela convivem. 3 GEORG W. F. Hegel. Esthétique, tradução. Fr. Jankelevitch. Paris: Flammarion, Tomo I p. 62, 63, 83. 34 Em entrevista 4 sobre o seu livro Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação social, o professor e psicólogo social Fernando Braga da Costa (1975 - ) diz que: Para que a pessoa se torne invisível basta que tenha sua individualidade negada em alguma medida. É o que quero dizer com o conceito de invisibilidade pública. Pessoas que estão no chão de fábrica, pessoas que lidam com lixo, pessoas uniformizadas de forma geral. De alguma forma, foram cristalizadas em uma função profissional ou condição de classe e excluídas do diálogo social e da organização das instituições. São invisíveis porque são substituíveis para quem está em posição superior. Por outro lado, se essas pessoas existem, se são de carne e osso, não são elas as invisíveis. Nós é que somos cegos. Essa cegueira preenche o quê? É uma negação da existência de outro ser humano em condição inferior por duas razões: para não notar o que fazemos com outro ser humano e para que ele não ameace o estado das coisas.”5 4 Entrevista cedida no dia 20 de Julho de 2015 ao Jornal O Estado de São Paulo pelo professor Fernando Braga da Costa. 5 Idem item 4 Percebendo o diálogo que começa a se estabelecer entre meu trabalho e outros campos de conhecimento, como literatura, teatro e até mesmo com a produção de outros artistas, tentei estreitar essas relações com produções que tivessem pontos de convergência com aquilo que eu estava desenvolvendo, para ter um melhor entendimento sobre valores que vão além das questões estéticas e tornar mais inteligível a construção do meu repertório artístico. Para a crítica e historiadora de arte Rosalind Krauss (1941 - ): O trabalho de qualquer artista pode ser considerado a partir de duas perspectivas possivelmente incompatíveis. O primeiro considera o trabalho de acordo com a totalidade do indivíduo. O segundo coloca, de maneira mais impessoal, uma dimensão histórica - ou seja, de forma comparativa, ao trabalho de outros artistas e à evolução coletiva de um dado meio. Muitas vezes essas duas perspectivas se sobrepõem. A primeira abordagem é semelhante à adotada pelos escritores, e a segunda é a adotada por especialistas - historiadores e críticos de arte. 6 6 KRAUSS, Rosalind. Passages in Modern Sculpture. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1981. 36 Entre os anos de 2010 e 2011, participo de uma residência artística em um espaço independente de arte chamado Carpe Dien Arte e Pesquisa na cidade de Lisboa em Portugal. O prédio em que se localizava, havia sido parte da casa onde morou Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699 – 1782). Um edifício datado do século XVIII, composto por tetos e janelas rebuscadas, paredes com afrescos, chão de mármore de diversas cores em algumas acomodações e em outras, rica marchetaria. Muito diferente do cubo branco, lugar habitual para se apresentar arte contemporânea. Não tem como se pensar a escultura sem associá-la ao lugar onde ela será instalada e a influência que ela exerce sobre este espaço. A partir dessa experiência começo a pensar o trabalho feito para um lugar específico, e em como o espaço conduz a forma que o trabalho será produzido no que diz respeito à escala e as narrativas que o próprio lugar pede. Durante os seis meses de estada em Portugal, tive contato com as técnicas de faiança e cerâmica portuguesa. Como a matéria-prima para o início da produção do meu trabalho era a mesma, a argila, decidi me aventurar e produzir neste período um trabalho com estas técnicas, já que até então eu simulava no bronze a aparência destes materiais. Foi assim que me ensinaram (figura 6), é a alegoria de um garoto em um antigo castigo escolar, um método utilizado como punição por algum ato algo reprovável O aluno transgressor era obrigado a usar um chapéu em formato cônico onde às vezes estava escrita a letra D ou a palavra Dunce Cap, fazendo referência ao nome do castigo em inglês que quer dizer Chapéu de burro (figura 7). O personagem se confunde com um ator em uma cena congelada e todos os elementos ao redor são ativados, funcionando como uma grande ambientação/cenário. A escultura disposta de costas faz com que o observador, ao se aproximar do trabalho, assuma uma interação participativa na trama, colocando-se na posição de objeto. É a partir desse trabalho que começo a inserir objetos reais e do cotidiano, como livros, galhos e troncos de árvore, bancos e escadas de madeira nas esculturas, muitas vezes fazendo as vezes da base, problemática para muitos escultores modernos. Narrativas pessoais e teatralidade se tornam cada vez mais presentes nos trabalhos. O desenvolvimento de tais narrativas é sugerido por meio de uma ação enquanto experiência, ação que induza o espectador a interagir de forma ativa com o trabalho. 38 [ao lado] Figura 6 Flávio Cerqueira Foi assim que me ensinaram, 2011 faiança e Livros, 104 x 30 x 40 cm Coleção MAC USP Foto © Fernando Piçarra [acima] Figura 7 Antigo Castigo Escolar Autor Desconhecido 40 As narrativas estão concentradas em um personagem central que se encontra em estado de single image, em pausa. São atores em cenas congeladas, como se estivessem de alguma maneira confabulando consigo mesmos uma próxima trama, em um silêncio que precede o ato. O historiador inglês Alex Potts (1943 - ) defende que: A teatralidade anula o equilíbrio e a serenidade sugerida, ou o recolhimento da figura clássica e perturba fácil a interação, postulada pela estética escultórica tradicional, entre a atitude do observador que olha a escultura como um objeto e a daquele que a identifica ou cria empatia com ela enquanto “ser” ou “presença”.7 7 POTTS, Alex, Juan Muñoz uma Retrospectiva, Porto: Museu Serralves, 2008. p. 113. [na próxima página] Figura 8 Vista Geral da Exposição Ensimesmados Galeria Casa Triângulo, 2013 Foto © Edouard Fraipont Refletindo sobre a fala de Potts, começo a buscar dentro da minha produção maneiras que possibilitem uma maior interação com o espectador, investigando e explorando questões referentes ao espaço e as tais narrativas propostas. Em 2013 apresento a minha primeira exposição individual na galeria Casa Triângulo na cidade de São Paulo. Eu decidi dividir a exposição em duas partes. A primeira, no mezanino, apresento figuras masculinas em escala reduzida, personagens contemporâneos solitários que se mostram na harmonia dos movimentos corporais relacionados entre espaço e tempo de suas narrativas (figura 8). 42 44 Enquanto dei continuidade à produção das esculturas com o acabamento que simula a porcelana, os objetos do cotidiano tornaram-se mais presentes. O espelho é um deles. O uso desse objeto como desestabilizador do espaço e da percepção ótica se deu em contato com o trabalho do artista espanhol Juan Muñoz (1953 – 2001) em visita ao museu Reina Sofia, na cidade de Madri, Espanha em 2011. Sua primeira aparição em minha produção foi no trabalho Antes que eu me esqueça (figura 9). [ao lado] Figura 9 Flávio Cerqueira Antes que eu me esqueça, 2013 pintura eletrostática sobre bronze, 123 x 35 x 20 cm Coleção Pinacoteca do Estado Foto © Edouard Fraipont 46 Este trabalho encena o monólogo de um jovem negro que, indo ao encontro de sua imagem refletida no espelho, busca respostas às interrogações sobre a complexidade do auto-reconhecimento. O argumento de Muñoz para o uso do espelho é o seguinte: “Os meus personagens portam-se às vezes como um espelho que não consegue se refletir. Estão ali para dizer alguma coisa sobre o nosso olhar mas não, porque não nos permitem vermo-nos a nós próprios”. As obras de Muñoz suscitam um encontro semelhante ao confronto com um espelho que constantemente alterna entre auto reconhecimento e o reflexo do outro. Como um truque, criam um espaço em que o mesmo e o outro podem se encontrar no território não expresso do significado. O que pode ser visto como uma metáfora irresistível de um espelho de nossa consciência é a elusiva, alusiva e sedutora reapresentação da representação, traduzida por Muñoz em forma escultórica (figura 10). 8 WAGSTAFF, Sheena, Juan Muñoz uma Retrospectiva, Porto: Museu Serralves, 2008 p. 103 Figura 10 Juan Muñoz Cinco Figuras Sentadas espelho e resina de Poliéster, 110 x 60 x 60 cm (cada figura ) Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid Foto © Joaquin Cortes and Roman Lores Museu 48 O trabalho Horizonte Infinito (figura 11), serve como uma espécie de ponte de ligação com o mezanino e a sala principal. A escultura foi cuidadosamente instalada em uma linha paralela com outro trabalho que estava fixado no teto da sala principal da exposição. O personagem, em cima de um banquinho, ganha altura. Suas mãos simulam um binóculo que amplifica o olhar, em busca do que jamais poderia ser verificado de perto. Este trabalho é sobre o dilema de fazer uma exposição individual e depois ver o ateliê vazio, esperando o próximo passo, os novos trabalhos que irão surgir, os novos desafios, as próximas escolhas, uma alegoria ao futuro. Na sala principal (figura 12), o conjunto de esculturas apresentadas expressa o desejo de voar. A estratégia dos personagens não parece convencer, mas é a contundência da vontade que se ocupa disso. O bronze se mostra aparente e a base já não é apenas uma base, mas um elemento essencial na escultura, neste caso, por meio de objetos do cotidiano, como rampas, escadas, troncos de árvores e bancos de madeira. [ao lado] Figura 11 Flávio Cerqueira Horizonte Infinito, 2013 Pintura eletrostática sobre bronze, 101 x 35 x 20 cm Foto © Edouard Fraipont 50 52 O silêncio parece se ocupar de todas as narrativas individuais. Galhos fazem as vezes de asas, os joelhos dobrados e os lábios cerrados, tudo parece perfeito para o momento decisivo deste personagem pular do tronco de árvore e alçar seu voo. Mas este momento é trocado pela eternidade oferecida pelo material, a resistência e a permanência do bronze que congela a trajetória anunciada na escultura Passarinho (figura 13). [ao lado] Figura 13 Flávio Cerqueira Passarinho, 2013 Bronze e tronco de árvore, 165 x 73 x 40 cm Coleção Museu Afro Brasil Foto © Edouard Fraipont [na página anterior] Figura 12 Vista Geral da Exposição Ensimesmados Galeria Casa Triângulo, 2013 Foto © Edouard Fraipont 54 Em Avua! (figura 14), a estratégia do personagem parece não convencer, toda a preparação na qual o título se refere está em cena: a rampa, as asas de madeira amarradas aos braços, o gorro e óculos de natação, tudo pronto para um ambicioso voo, que, quanto mais se obceca pelo sucesso, mais se vê desatento ao sublime que reside no interior dos mais patéticos fracassos. [ao lado] Figura 14 Flávio Cerqueira Avua!, 2013 Bronze, madeira e cordão de couro, 95 x 105 x 70 cm Foto © Romulo Fialdini 56 No trabalho Pretexto para te encontrar (figura 15), o objetivo parece ter sido alcançado e por fim um dos personagens parece alçar seu voo, mas os balões encontram o limite do teto e a figura por eles carregada, apesar de estática, segue em outros voos ao fechar os olhos e assim como todos os outros personagens, em situações ensimesmadas. Da produção do primeiro trabalho até a exposição Ensimesmados, pude notar que o que eu estava evidenciando em todas as narrativas era a história que antecedia cada ação, que ainda não tinha sido concretizada. E todos os personagens se encontravam em momentos contemplativos, de introspecção em um silêncio que precede uma ação. E estava em busca de registrar o momento mais fecundo da ação, aquele que é mais sugestivo do que ocorreu anteriormente e do que deverá ocorrer na sequência. [ao lado] Figura 15 Flávio Cerqueira Pretexto para te encontrar, 2013 Pintura automotiva sobre bronze e cabos de aço, 209 x 50 x 50 cm Foto © Edouard Fraipont 58 A preocupação neste capítulo é a de associar minha produção dos últimos anos com imagens relacionadas com o tempo da ação dos registros fotográficos e atos performáticos. É importante ressaltar que essas associações acontecem como fonte de reflexão textual acerca dos trabalhos plásticos, sem a pretensão de criar teorias profundas acerca dos temas e assuntos abordados de modo a trazer para o debate um ponto de vista e motivações para os meus processos e procedimentos artísticos. É muito comum, dentro da prática tradicional do fazer escultórico figurativo, a busca por movimentos corporais, contrapostos, volumetria, questões relacionadas à pose de um modelo e à idealização de um corpo perfeito, desde as esculturas gregas até a era moderna, como no caso dos bronzes do escultor Francês Auguste Rodin (1840 – 1917). Em 2007, tive minha primeira experiência visual com as esculturas de Gian Lorenzo Bernini (1598 – 1680), o que mudou a maneira como passei a perceber e buscar novas possibilidades dentro da minha prática escultórica. Bernini enfatiza a representação de uma ação e apresenta ao espectador suas esculturas, como se estivessem em um palco em pleno espetáculo. 3 NO FLAGRANTE DA AÇÃO 60 Na escultura O Rapto de Proserpina (figura 16), situada na Galeria Borghese, as mãos de Plutão se afundam nas coxas de Proserpina, que por sua vez tenta com grande esforço sair de seu abraço, o detalhe das lágrimas caindo de seus olhos aponta para um trabalho com emoções violentas carregadas de dramaticidade. A dramaticidade e a teatralidade barroca impregnadas na obra de Bernini me despertam o desejo de tensionar ações cotidianas utilizando a imobilidade própria do bronze. À primeira vista, não entendia muito bem o que se passava diante dos meus olhos, mas esse repertório imagético se tornou cada vez mais presente na construção dos meus trabalhos. [acima] Figura 16 Gian Lorenzo Bernini O Rapto de Proséspina, 1621-1622 Mármore Galeria Borghese, Roma Foto © Laurence Norah 62 Um dos gatilhos disparados para a escrita desta dissertação foi a leitura do texto Instante Decisivo de Henri Cartier-Bresson (1908 – 1994). A certa altura, questionado sobre se era capaz de definir o momento em que aperta o disparador, Bresson diz: - Ah, sim. É uma questão de concentração. Concentre- se, pense, observe, olhe e, de repente, você está pronto. Mas você nunca sabe onde está o ponto culminante das coisas. Por isso continua fazendo fotos. Você pensa: “Sim, sim, talvez sim”. Mas nunca deve metralhar. É como ficar superaquecido ou beber em excesso. Você precisa comer, beber, mas demais é demais. Porque depois que você dispara, precisa recarregar, e talvez uma boa foto estivesse nesse intervalo. A diferença entre uma boa foto e uma foto medíocre é uma questão de milímetros, uma diferença minúscula, mas ela é primordial.9 9 BRESSON-CARTIER, HENRI, Ver é um todo, entrevistas e conversas 1951-1998, 1.ed. São Paulo: Gustavo Gili, 2015 p.46 A fala de Bresson vai ao encontro de como eu penso e organizo o sentido da minha produção artística e de quando é um bom momento de fazer um trabalho e quando é o momento de se recolher e ficar estudando e pesquisando no ateliê, até porque não se consegue ser criativo 100% do tempo. Um trabalho acaba me levando a descobrir novas possibilidades a serem exploradas em um próximo. A fotografia passou a ser usada com mais frequência como referência e a escultura, como ferramenta para imobilizar o instante, o instante do fragmento de uma narrativa, onde o espectador se torna coautor na produção de sentido, em que a história não tem fim, mas finais diferentes. 64 “Dentro do movimento existe um instante no qual todos os elementos que se movem ficam em equilíbrio. A fotografia deve intervir neste instante, tornando o equilíbrio imóvel.”10 O escultor italiano Umberto Boccioni (1882 – 1916), produziu a mais célebre escultura e um marco para o movimento Futurista, Formas únicas da continuidade do espaço (figura 17). O trabalho explora uma nítida impressão de caminhar e se movimentar. Embora seja um objeto tridimensional, esse corpo em movimento sugere uma quarta dimensão, o tempo. O artista se mostra interessado em registrar a velocidade descrita pelas figuras em movimento no espaço. Nesta escultura Boccioni parece ter captado o momento exato em que o vento bate na figura e notamos partes dela esvoaçantes. Esse aspecto me remete a movimentos de dança ou até mesmo quando ando de skate e sinto o vento batendo no meu rosto, em uma sensação de liberdade e de não ter limite entre corpo e espaço. 8 CARTIER-BRESSON, Henri. The Decisive Moment. New York, Verve and Simon and Schuste, 1952. [acima] Figura 17 Umberto Boccioni Formas únicas da continuidade do espaço, 1913 Bronze, 121.3 x 88.9 x 40 cm Coleção MAC USP 66 Em um de seus ensaios da série intitulada Tell it like it is [Me diga como é] (figura 18), dos anos de 1960, o fotógrafo americano David Alan Harvey (1944 - ) capta o momento em que um jovem em Norfolk Virginia, Virginia USA, dá passadas em seu skate, durante os movimentos negros pelos direitos civis. Esta imagem muito se assemelha à escultura de Boccioni, por sua ênfase no movimento congelado da ação. São essas semelhanças e referências as que mais se aproximam de meu processo criativo, onde uma imagem, uma música ou uma experiência são disparadores para o início da produção de uma série ou um trabalho. [ao lado] Figura 18 David Alan Harvey USA Norfolk, VA 1967 Da Série Tell it like it is 21,59 x 27,95 cm 68 A produção de esculturas focadas nas experiências humanas através de suas ações, e o conflito de suas interpretações por meio de narrativas construídas e a ressignificação de cânones da escultura, foram os principais objetivos dos últimos anos da minha produção. A pesquisa e a execução dos trabalhos me fizeram criar novas realidades, narrar um fragmento de história, uma anedota de comportamentos, que muitas vezes se assemelham àquelas histórias dos desenhos animados em que os personagens estão sempre na iminência de fracassar. Em 2012, em visita à 30º Bienal de São Paulo, tive meu primeiro contato com dois artistas cujas obras iam ao encontro do que estava buscando e produzindo. Tratava- se do islandês Sigudur Gudmundsson (1942 - ), com sua produção fotográfica de registros performáticos, principalmente os da década de 1970 intitulados Situations, como em Triangle (figura 19), onde o artista estabelece relações de equilíbrio e justaposições entre seu corpo e os mais variados objetos e contextos. 3.1 NINGUÉM NUNCA ESQUECE [acima] Figura 19 Sigudur Gudsmundsson, Triangle, 1980 Fotografia, 110 x 130 cm 70 O outro artista foi o holandês Bas Jan Ader (1942 – 1975) com seus registros fotográficos e seus filmes de ações e performances como Broken Fall (figura 20). No filme, o artista protagoniza uma ação em que se encontra pendurado em um galho de árvore, tentando resistir à ação da gravidade e se manter suspenso, mas cede ao cansaço e se deixa cair em um córrego. O termo “performatividade” foi introduzido e utilizado pelo linguista John Langshaw Austin (1911-1960) em uma série de palestras intituladas How to Do Things with Words, ministradas na Universidade de Harvard em 1955. Austin propunha o termo performatividade para designar o caráter de ação e atividade. 11 11 Austin, J.L. How to do things with words. In: JAWORSKI, Adam; COUPLAND, Nikolas (org.). The Discourse Reader. Londres: Routledge, 2006. p.55 [acima] Figura 20 Bas Jan Ader Broken Fall (organic) Filme 16 mm, duração: 1 min 44 sec. 72 Na produção das minhas esculturas, busco encontrar a melhor maneira de evidenciar tais ações e atividades, congelando o momento que seja mais importante para a compreensão da narrativa proposta. O humor, a sátira e temas autobiográficos, como a memória, foram muito explorados e bastante presentes na arte performática desde o início da década de 1960, e muito evidentes na produção de ambos artistas. Artistas que se utilizam da prática da performance em suas produções se tornaram cada vez mais presentes em minha pesquisa, a fim de buscar compreender quais são e como se dão as relações das ações com os espectadores e como utilizar esses recursos para explicitar tais ações nas narrativas propostas com os meus trabalhos. Em seu livro A Arte da Performance, o professor e artista conceitual Jorge Glusberg (1932 – 2012) me esclarece alguns conceitos sobre este desejo de flagrar determinadas ações, dizendo que: Tempo e movimento são chaves, matérias-primas da performance, embora o primeiro adquira uma proeminência relativa sobre o segundo: uma performance pode ser estática, mas nunca atemporal. Ou, se quiser, pode ser diacrônica, mas não sincrônica. Mas ainda a estaticidade ou o dinamismo constituem elementos que podem conjugar-se com o desenrolar temporal de uma performance. 12 12 GLUSBERG, Jorge, A arte da Performance, Editora Perspectiva, 2006 p. 67 74 O artista norte americano Charles Ray (1953 - ) é dos artistas que instintivamente sabia que a primeira preocupação do artista ao trabalhar em três dimensões é o corpo humano - como campo de experiência. No início de sua trajetória Ray fez uma série de fotografias encenando situações em que o seu próprio corpo é usado como suporte. Na fotografia Untitled (figura 21), o artista se amarra a um galho de árvore durante o seu período escolar, uma crítica a um período de grande produção de arte abstrata nos EUA e uma campanha para o retorno do uso do corpo humano para a arte. Em sua produção nota-se uma perfeição formal da imagem que está a serviço de um “acontecimento”, um gesto de ativismo estético. [acima] Figura 21 Charles Ray Untitled, 1973 Fotografia, 76.2 x 109.2 cm Coleção The Metropolitan Museum of Art 76 O trabalho Ninguém nunca esquece (figura 22), é o primeiro desta série em que busco por uma escultura em equilíbrio e harmonia com o espaço, subvertendo tanto a forma de apresentação/instalação quanto a lógica da verticalidade da escultura figurativa convencional, me apropriando da gravidade e do tempo da ação representado pelo personagem para criar a sensação de instabilidade ao observador. Retiro a função da base ou pedestais usualmente utilizados na apresentação de esculturas figurativas, colocando todo o peso e tensão da escultura na parede onde ela é instalada. [ao lado] Figura 22 Flávio Cerqueira Ninguém nunca esquece, 2014 Bronze, 80 x 125 x 35 cm Foto © Ding Musa 78 O peso do bronze dialogando com as bolas de vidro, que faz as vezes das bolhas de sabão que o personagem encena soprar, é um desejo de unir materiais de natureza tão diferentes a fim de criar uma relação de harmonia entre eles. Neste trabalho o ar é o principal elemento para elucidar uma ação efêmera. A base da escultura é fundida a partir e uma caixa de papelão, suas dobras, seus vincos, são mantidos a fim de manter o caráter de fragilidade e os vidros soprados se encarregam de passar a impressão de medir o tempo e de registrar a efemeridade de um instante, como no simples ato de soprar e deixar esse tempo se encarregar de estourar bolhas de sabão, uma alusão a transitoriedade da vida. Na medida do impossível, (figura 23) é um trabalho em que aumento a escala que normalmente costumo trabalhar a fim de depositar uma carga de maior importância ao gesto encenado. A busca pelo registro da efemeridade pode ser encontrada também em pinturas do francês Edouard Manet (1832 – 1883) em Soap Bubbles (figura 24) e do também francês Jean-Siméon Chardin (1699 -1779), na pintura com o mesmo título Soap Bubbles (figura 25). 3.2 NA MEDIDA DO IMPOSSÍVEL [ao lado] Figura 23 Flávio Cerqueira Na medida do impossível, 2015 Bronze e Vidro, escultura 210 x 60 x 55 cm Bolas de vidros medidas variáveis 80 [acima] Figura 24 Edouard Manet Soap Bubbles, 1867 100, 5 x 81,4 cm Coleção Museu Calouste Gulbenkian [acima] Figura 25 Jean-Siméon Chardin Soap Bubbles, 1733/1734 61 x 62,3 cm Coleção The Metropolitan Museum These are really the thoughts of all men in all ages and lands, they are not original with me; If they are not yours as much as mine they are nothing, or next to nothing; If they are not the riddle and the untying of the riddle they are nothing; If they are not just as close as they are distant they are nothing; This is the grass that grows wherever the land is and the water is; This is the common air that bathes the globe. “Estes são realmente os pensamentos de todos os homens em todas as idades e terras, eles não são originais comigo; Se eles não são tanto seus quanto meus, eles não são nada, ou quase nada; Se não são o enigma e a desvinculação do enigma, não são nada; Se eles não estão tão perto quanto estão distantes, não são nada; Esta é a grama que cresce onde quer que a terra esteja e a água esteja; Este é o ar comum que banha o globo.” Walt Whitman 3.3 EU VI O MUNDO E ELE COMEÇA DENTRO DE MIM No decorrer da minha trajetória, sempre que possível tento resgatar práticas muito utilizadas na produção de escultura, mas que hoje em dia caíram em desuso, como é o caso das fontes ornamentais que com frequência eram instaladas em praças públicas, pátios e jardins. 82 Pesquisando sobre artistas contemporâneos que se utilizam desta prática ou que a ideia de fonte esteja no conceito proposto pelo trabalho, chego no registro da performance Fonte Refluxo (figura 26), do artista norte americano Bruce Nauman (1941- ). O trabalho se baseava em um gesto repetitivo de esguichar um jato d’água pela boca, aludindo ao ideal de fonte que se materializa no corpo de Nauman, por meio de uma ação performática, e é seu registro fotográfico que nos permite ter acesso a ele. Outro trabalho em que o conceito de fonte está presente é a escultura Waterfall (figura 27 e 28), da artista Italiana Tatiana Trouvé (1958 - ). Para um primeiro olhar despercebido, a escultura é apenas um colchão apoiado em uma parede de concreto, mas, de perto, percebe-se que é um colchão de bronze. Em uma entrevista Trouvé diz que “Não é uma cachoeira por qualquer extensão da imaginação - a água está saindo dela em minúsculas gotas”...”Eu estou interessada em colchões porque eu penso neles mais como um lugar do que como um objeto, mas eles são ambos”.13 13 Entrevista concedida para o jornal americano The New York Times no dia 2 de março de 2015. [acima] Figura 26 Bruce Nauman Fonte Refluxo, 1966 Performance 84 [acima] Figura 27 Tatiana Trouvé Waterfall, 2013 Concreto, Bronze e Água, 170 x 87 x 260 Foto © Galeria Perrotin [abaixo] Figura 28 Tatiana Trouvé (detalhe) Waterfall, 2013 Foto © Galeria Perrotin Motivado por um quadrado no meio da sala de exposição do Paço das Artes, que tinha seu o piso inferior ao nível do todo, começo e enxergar sua potencialidade e logo pensei em criar uma fonte, daquelas com um espelho d’água para este espaço. Tinha pela frente a difícil tarefa de fazer as adaptações necessárias para que o trabalho funcionasse, sem causar danos à estrutura física do edifício. Iniciado o período de montagem do trabalho, o primeiro passo foi o de elevar o piso deste quadrado, deixando-o no mesmo nível do prédio, pois isso faria com que ele ficasse melhor integrado aos demais espaços. O tal quadrado era cercado por uma parede a uma altura de 1,5 metro, o que dava a impressão de uma cercado de praça. O segundo passo foi o de produzir um tanque de aço inoxidável para armazenar água e implantar um sistema hidráulico que fizesse o bombeamento da água e a sua circulação pela escultura. 86 A escultura Eu vi o mundo e ele começa dentro de mim (figuras 30 e 31), faz referência ao título de um painel pintado pelo artista pernambucano Cícero Dias (1907 – 2003), chamado Eu vi o mundo, ele começa em Recife (figura 29). Quando decidi fazer o trocadilho com a obra de Dias, substituindo o dado geográfico e acrescentando um dado pessoal, talvez tenha sido a tentativa de retratar uma fase de mudança nas minhas próprias ações para com o outro e o mundo. [acima] Figura 29 Cicero Dias Eu vi o mundo... Ele começava em Recife, 1926/1929 Guache e técnica mista sobre papel, colado em tela, 198 x 1200 cm Eu tinha voltado recentemente de um período de 30 dias no Japão onde participei de um programa de residência artística no C.A.J. Artist in Residency Program 2015 , e talvez essa escultura fosse reflexo das experiências e aprendizados dessa residência. [nas duas próximas páginas] Figuras 30 e 31 Flávio Cerqueira Eu vi o mundo e ele começa dentro de mim, 2015 Bronze, aço inox, sistema de bombeamento hidráulico, plantas aquáticas, bonsai e água 165 x 200 x 200 cm Foto © Edouard Fraipont 88 90 92 Devido às tensões sociais e políticas no Brasil, decidi me posicionar enquanto artista e cidadão durante a minha segunda exposição individual agendada na galeria Casa Triângulo, no segundo semestre do ano de 2016, na cidade de São Paulo. O principal foco não foi o de produzir trabalhos panfletários ou que abordassem de maneira literal o momento no qual estávamos presenciando, mas sim o de trazer uma reflexão de quais foram os pilares em que a sociedade brasileira havia sido construída. Intitulada Se precisar, conto outra vez (figura 32), a exposição é um conjunto de trabalhos que exploram aspectos para outras leituras e novas versões para as narrativas da história oficial do país, trazendo histórias que a história não conta e deixando claro, no próprio título, que tais narrativas criadas por mim ilustram um pensamento aberto e suscetível a ser revisto em trabalhos futuros, explorando outro viés de leitura. 4 SE PRECISAR CONTO OUTRA VEZ [na próxima página] Figura 32 Flávio Cerqueira Vista da Exposição Se precisar conto outra vez, 2016 Casa Triângulo – SP Foto © Romulo Fialdini 94 96 O trabalho Amnésia (figura 33) traz para o debate narrativas acerca do processo de embranquecimento da população negra brasileira: a representação de um jovem negro derramando uma lata de tinta branca em sua cabeça em um ato violento de alteração da cor da sua própria pele. Narra um ato de denúncia e questionamento sobre o apagamento da existência e das tradições negras. O título do trabalho faz alusão a uma lenda, na qual homens escravizados deveriam dar nove voltas em redor do Baobá, também conhecida como a árvore do esquecimento e as mulheres, sete. Um rito para que abandonassem seu passado e recebessem um nome cristão. A tinta escorre pela escultura não impregnando totalmente a sua superfície; a lata está quase vazia do seu conteúdo, como que se depois de gerações este personagem fosse o último a sofrer tal processo. 4.1 AMNÉSIA [ao lado] Flávio Cerqueira Amnésia, 2015 Tinta Látex sobre bronze, 137 x 30 x 26 cm Coleção MASP 98 O trabalho foi criado para o contexto da minha segunda exposição individual na galeria Casa Triângulo, intitulada Se precisar conto outra vez (figura 32). Após a produção do trabalho, começo a me deparar com narrativas muito semelhantes às propostas por mim, como é o caso do vídeo clipe da música Control (figura 34) do cantor, produtor e DJ sul-africano Nhato Mokgata, mais conhecido como Spoek Mathambo (1985 - ). Assim como em Amnésia, Control narra a tentativa de controle das tradições e costumes dos povos negros por povos europeus. Seja no Brasil ou na África do Sul, sempre há o intuito de apagamento dos mesmos. ... Não mexa com o sonho de uma menina Porque ela é responsável por crescer, entende! Surpreendeu você ao descobrir que estou rindo Você pensou que me encontraria em lágrimas Você pensou que eu estaria rastejando pelas paredes Como um pequeno mosquito e tremendo de medo Você pensou que poderia me impedir de amar Você pensou que poderia se alimentar da minha alma Mas enquanto você estava ocupado destruindo minha vida O que foi metade em mim tornou-se todo Enquanto você estava olhando para o outro lado Enquanto você estava com os olhos fechados Enquanto você lambia seus lábios Porque eu estava infeliz Enquanto você estava vendendo sua alma Enquanto você estava rasgando um buraco em mim Eu estava tomando o controle Agora eu tomei o controle Agora eu tomei o controle...15 [ao lado] Figura 34 Spoek Mathambo Frame do vídeo clipe da música Control, 2010 Direção Pieter Hugo e Michael Clearly Duração 4:40 min 15 Trecho traduzido da Música Control do cantor, produtor e DJ sul-africano Spoek Mathambo. 100 Em 1911 o quadro A redenção de Cam (figura 35) do pintor espanhol Modesto Brocos y Gómez (1852-1936) serviu para ilustrar a tese que João Batista de Lacerda (1846 – 1915), médico, antropólogo e diretor do Museu Nacional, levou ao I Congresso Internacional das Raças, em Londres. Segundo o cientista, a tela mostrava que, em três gerações, uma “seleção sexual” permitiria alcançar o branqueamento da raça negra em solo nacional. Desse modo, a pintura ajudava a refutar a imagem do Brasil como “um exemplo do cruzamento extremado de raças”, afirmando que “a mestiçagem brasileira seria (apenas) transitória e benéfica, uma vez que não deixaria rastros ou pistas” A pintura de Modesto Brocos ilustra um projeto de branqueamento da população brasileira, ação que atravessa os séculos e que permanece nos dias de hoje quando é vendida a imagem do Brasil miscigenado, mas onde essa miscigenação só é tomada como bem-sucedida quando o resultado é o matiz claro de pele. Amnésia é uma confirmação de que a tese de Lacerda não foi bem-sucedida e mesmo com todos os esforços os negros seguem resistindo e insistindo com sua existência e ocupando espaços de destaque na sociedade brasileira. [acima] Figura 35 Modesto Brocos y Gómez A redenção de Cam, 1895 Óleo sobre tela, 199 x 166 cm 102 No ano de 2018 o trabalho integra a exposição Histórias Afro-Atlânticas no Museu Assis Chateaubriand – MASP, em São Paulo. A exposição foi um marco entre as exposições apresentadas e a mais visitada do ano, o que contribuiu para que o trabalho tivesse sua visibilidade ampliada, promovendo sua circulação para além do universo das artes plásticas. No ano de 2019 Amnésia figura na prova vestibular da Fuvest no caderno da Redação (figura 36), onde os alunos tinham como proposição desenvolver uma dissertação sobre o tema: De que maneira o passado contribui para a compreensão do presente? Em resposta a perguntas como esta, no Carnaval de 2019 a escola de samba Estação Primeira de Mangueira traz como título de seu enredo Histórias de ninar gente grande, que conta histórias de personagens importantes do período de escravidão no Brasil (1550 – 1888), como a da guerreira negra Dandara (data desconhecida – 1694), do líder jangadeiro Chico da Matilde (1839 – 1914) conhecido como Dragão do Mar e da vereadora Marielle Franco (1979 – 2018), que tem suas histórias ocultadas pelos livros de história oficial. [acima] Figura 36 Página da prova do Vestibular Fuvest 2018. Disponível em: https://www.fuvest.br/wp-content/uploads/Fuvest-2019-2-Fase-1º-DIA.pdf 104 A pequena escultura seguida da escrita com grafia de pichação com a frase Sobre tudo, mas não sobre qualquer coisa (figura 39), que também dá nome ao trabalho, faz referência às ações dos pichadores em suas performances de escrita e apropriação do espaço público (figura 37). Embora a pichação esteja associada à cultura Hip- Hop, no Brasil ela tem origem ligada aos atos políticos estudantis no país, durante a ditadura civil-militar (1964- 1985) (figura 38). O trabalho faz questionamentos sobre a edição e manipulação das informações reproduzidas pela história oficial presente nos livros de história e na contemporaneidade com as “Fake News”17 que se tornaram uma ferramenta de manipulação das grandes massas por meio das redes sociais da internet. 4.2 SOBRE TUDO, MAS NÃO SOBRE QUALQUER COISA 17 Fake News é o termo em inglês para “notícias falsas”, que consiste em uma forma deliberada de boatos via impressa em jornais, revistas, ou online por meio das redes sociais, a fim de obter ganhos políticos ou financeiros. [acima] Figura 37 Autor desconhecido Ação de pichadores na cidade de São Paulo [abaixo] Figura 38 Autor desconhecido Manifestação Estudantil em atos contra a ditadura militar no Brasil. 106 108 Inúmeras manifestações visuais em muros e fachadas subvertem a arquitetura das cidades ao mesmo tempo em que ajudam a compor o contexto urbano atual. São imprevisíveis ocupações visuais que se espalham pelos mais diversos cantos da cidade e que podem facilmente ser vistas por qualquer transeunte. A dificuldade em classificar essas manifestações – se arte, escrita, intervenção, ou protesto – e a própria variedade de estilos gráficos fazem do assunto um campo fértil para desentendimentos. 18 18 LASSALA, Gustavo, Pichação não é Pixação, São Paulo Altamira Editorial, 2017 [na página anterior] Figura 39 Flávio Cerqueira Sobre tudo, mas não sobre qualquer coisa, 2015 Marcador sobre parede e bronze, 96 x 30 x 41 cm [ escultura ] Texto [ Dimensões variáveis] Embora não classificada como arte, a pichação é objeto de estudo e atrai muitos pesquisadores para o Brasil, principalmente para a cidade de São Paulo, a fim de classificar e colher informações sobre tais manifestações. Por ter nascido em São Paulo e crescido durante os anos 90, conheci muitos escritores de rua e por afinidade estética comecei a desenvolver minha própria caligrafia com base no que via nos muros e prédios da cidade. Decidi unir essas duas técnicas artísticas, a escultura e a pichação neste trabalho, com o intuito de causar um estranhamento nesta junção de meios e de potencializar a ideia de protesto no trabalho. Como jovem artista e por ser contaminado por diversas culturas, seja ela Pop, urbana ou musical, sinto a vontade de experimentar, combinar todas elas em busca de uma nova maneira de fazer e trabalhar com escultura figurativa em bronze, sem deixar de lado a tradição, mas contribuindo para trazer novas abordagens, novas narrativas e percepções a esta prática. 110 Até o presente momento, o meu trabalho consistia em modelar uma figura humana de corpo inteiro, mas para realizar o trabalho Eu te disse... (figura 40), me coloquei o desafio de o fazer por outro processo escultórico, o processo de moldagem do meu próprio corpo. O trabalho ocupa no espaço o volume do meu corpo soterrado por uma pilha de livros, e narra um sufocamento simbólico pela carga histórica que carregamos por meio das histórias oficiais publicadas nos livros de história e didáticos de formação nas escolas. A educação escolar inicia-se de forma equivocada, narrando a descoberta de uma terra já ocupada, desprezando todo um passado indígena antes da invasão portuguesa e a dificuldade do povo de ganhar sua liberdade. 4.3 EU TE DISSE... [ao lado] Figura 40 Flávio Cerqueira Eu te disse... (Versão Brasileira ) Bronze e Livros, Dimensões Variáveis Foto © Romulo Fialdini 112 A primeira versão deste trabalho foi apresentada em 2016, na galeria Casa Triângulo na minha exposição individual intitulada Se precisar conto outra vez. No ano seguinte fui convidado a apresentar este trabalho na exposição South South Let me Begin Again, na galeria Goodman na Cidade do Cabo na África do Sul pelos curadores Renato Silva e Lara Koseff que haviam tido contato com este trabalho na ocasião da minha individual. Ao chegar na cidade do Cabo, percebo a forte relação cultural entre o Brasil e a África do Sul e é notável a semelhança com problemas e desigualdades socioeconômicas. Esta percepção me fez criar uma nova versão para este trabalho (figura 42). A fim de me comunicar diretamente com o público local, eu substitui os livros de história e política brasileira por livros com os mesmos temas, mas de registro de acontecimentos históricos que se passaram na África do Sul, como o Apartheid. Pensar em Eu te disse... e as minhas intenções em atribuir símbolos que agregam na sua leitura, me faz pensar na pintura A liberdade Guiando o Povo (figura 41), de Eugene Delacroix (1798 – 1863), concebida como comemoração da Revolução de Julho de 1830, com a queda de Carlos X. A pintura é carregada de ícones, como um homem negro com uma espada representando a classe operária, a imagem de um garoto empunhando duas pistolas representando a classe estudante, e uma mulher carregando uma bandeira e um fuzil sobre corpos caídos ao chão, simbolizando a vitória da liberdade. Ao contrário da pintura de Delacroix, o trabalho Eu te disse... aponta para um final ainda em construção e para o sofrimento do povo em busca de uma falsa liberdade. [acima] Figura 41 Eugene Delacroix Liberdade Guiando o Povo, 1830 Óleo sobre tela, 260 x 325 cm Museu do Louvre - Paris [na próxima página] Figura 42 Flávio Cerqueira Eu te disse... ( Versão Africana ) Bronze e Livros, Dimensões Variáveis Foto © Goodman Gallery 114 116 “Os bandeirantes ainda estão entre nós e não são apenas estátuas que amanhecem pixadas em protesto” (Comitê Paulista de Solidariedade aos Tapajós, 2016) Dos monumentos erguidos na cidade de São Paulo, talvez o que mais seja lembrado e que esteja no inconsciente coletivo, seja o Monumento aos Bandeirantes (figura 43A) de autoria do escultor Victor Brecheret (1894 – 1955). 4.4 TINHA QUE ACONTECER (CABEÇA DE BANDEIRANTE) [acima] Figura 43A Victor Brecheret Monumento às Bandeiras em 1953, (ano de sua inauguração). Autor desconhecido Disponível em: https://spcity.com.br/monumento-as-bandeiras-historia-pichacao-eleicao/ Incentivado por artistas e intelectuais da cidade, Brecheret apresentou a primeira maquete do monumento no início da década de 1920 e só foi inaugurado no ano de 1953. É importante entender que a imagem do Bandeirante estava diretamente ligada à imagem do Paulista no início do século XX. O assunto é tão perturbador e controverso que foi tema da exposição Metrópoles: Experiência Paulistana, na Estação Pinacoteca, organizada pelo então diretor da instituição e Professor Tadeu Chiarelli (1956- ) e da tese de doutorado do ano de 2018, da Antropóloga e pesquisadora Tais Chang Waldman (1981 - ). Para Chiarelli, alguns fatos precisam ser levados em consideração para entender melhor o monumento de Brecheret. De início é importante sublinhar que no começo dos anos de 1920 em São Paulo, a relação direta que se fazia entre os antigos bandeirantes e os paulistas de então não era prerrogativa apenas dos setores mais conservadores da elite local. Muitos modernistas também já haviam naturalizado a ideia que o bandeirante simbolizava melhor que qualquer outro o suposto caráter aguerrido do paulista do início do século XX, o principal responsável pelo fato de ser São Paulo – a cidade e o estado – a “Locomotiva” do país. Brecheret era italiano e sem conhecimentos sobre a história do Brasil.19 19 CHIARELLI, Tadeu, Metrópole: Experiência Paulistana, São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2017 p.20 118 No trabalho de Waldman ela discorre sobre a gênese da palavra, a origem do termo, suas ações e seus percursos pela cidade. Depois de procurar o vocábulo bandeirante em diferentes dicionários de língua portuguesa, Maria Isaura de Queiroz (1992) explica que é somente no início da primeira década do século XX que o termo é dicionarizado, inicialmente despido de qualquer conotação simbólica. Bandeirante, portanto, nem sempre foi sinônimo de paulista. E é durante o processo de associação entre esses dois vocábulos, que o bandeirante se torna uma das presenças mais notáveis da capital paulista. A autora afirma que é em 1913 que o vocábulo ganha sua primeira acepção, quando o dicionário de Antônio Candido de Figueiredo, ao incluir em sua publicação brasileirismos nunca dicionarizados, o define como um “indivíduo que, no Brasil, faz parte dos bandos, destinados a explorar sertões, atacar selvagens, etc.”. Devemos, no entanto, antecipar essa data em pelo menos quatro décadas, quando o termo é dicionarizado por frei Domingos Vieira, ainda no século XIX.20 20 WALDMAN Chang, Thais, Entre batismos e degolas: (des)caminhos bandeirantes em São Paulo, Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2018. Tanto o monumento quanto a imagem dos Bandeirantes sofreram um processo de ressignificação desde a época de sua concepção até os dias atuais e muitos artistas já se utilizaram desse ícone para criar trabalhos que levantam questões que põem em cheque a ideia de os manterem erguidos ainda hoje. Mas afinal, quem são esses personagem que foram inseridos em frente a espaços e ramos tão diversos? Desbravador do Brasil, assassino, herói, genocida e mártir? (Des)povoador do sertão, caçador de índios, destruidor de quilombos e soldado pacificador do gentil inimigo? Ou capitão do mato, sertanista e pioneiro no garimpo do ouro e das pedras preciosas? Inimigo dos espanhóis e dos jesuítas, defensor dos interesses da Coroa portuguesa e ao mesmo tempo insubmisso vassalo do rei de Portugal? E ainda aristocrata, bruto, milionário, despojado e self-made man? Mameluco, português, indígena? Caipira, monçoeiro, tropeiro, cafeicultor? Quatrocentão, modernista, imigrante, migrante, negro e mulher paulista? 21 21 Idem 18 a Nota 19 120 O coletivo de artistas paulista 3NÓS3 (1979-1982), formado por Hudinilson Júnior (1957-2013), Mario Ramiro (1957- ) e Rafael França (1957-1991) teve grande visibilidade no final da década de 70 pelas suas intervenções urbanas intituladas Ensacamentos (1979) nas quais cobriam com saco de lixo e cordas a cabeça de uma série de esculturas e monumentos públicos na cidade de São Paulo, dentre eles o Monumento aos Bandeirantes (figura 43B) . O que me motivou a produzir o trabalho Tinha que acontecer (cabeça de bandeirante) um dos trabalhos apresentados na exposição Se precisar, conto outra vez na galeria Casa Triângulo, foi o esgotamento da imagem heroica desses personagens e expor sua imagem desgastada. Quando decido fazer apenas sua cabeça em escala monumental e apresentá-la tombada ao chão, de certa maneira questiono a ideia que construímos de um herói. A narrativa por mim proposta para este trabalho é a de pôr um fim nesses personagens e dizer adeus a este herói. [acima] Figura 43B 3NÓS3 Ensacamento do Monumento às bandeiras, 1979 Foto © Mario Ramiro [na próxima página] figura 44 Flávio Cerqueira Tinha que acontecer (Cabeça de Bandeirante), 2016 Vista da Instalação na Exposição: Metrópoles Experiência Paulistana na Estação Pinacoteca Foto © Isabella Matheus 122 124 “Observar é em grande parte, imaginar o que esperamos ver”. Paul Valéry Os trabalhos apresentados nas próximas páginas são os últimos produzidos durante o processo de escrita da dissertação do mestrado. Me deparar com referências textuais e diferentes produções artísticas tem um papel importante na construção desses novos trabalhos, que estão congelados em suas atitudes, propondo o espectador a fixar o olhar em atitudes. Em um ensaio a respeito das obras do Artista Edgar Degas (1834 – 1917), o filósofo e poeta francês Paul Valéry (1817 – 1945), afirma que: A maior parte de nossos movimentos voluntários tem uma ação exterior como fim: alcançar um lugar ou um objeto, ou modificar alguma percepção ou sensação em um ponto determinado. Não se pode nem imaginar ação exterior terminada, sem que certo mínimo se imponha a mente. 22 Questões não visíveis começam a fazer parte do meu repertório e disparadores para criação de trabalhos que vão além das ações propostas até o presente momento. 5 ALÉM DA AÇÃO 22 VALÉRY Paul, Degas Dança e Desenho, Casac & Naify, 2003 p 33. 126 “ The Little black child who holds the candelabrum is the candelabrum. The Little black child who holds the basket is the basket”. [ A criancinha negra que segura o candelabro é o candelabro. A criancinha negra que segura o cesto é o cesto]. - Dark side of the slavery and French Enlightenment Louis Sala- Molins23 O cruzamento entre a iconografia dos “Negros” [ the Black ] e dos “Mouros” [the Moor] dá origem a esta fantasmagórica figura. A servidão dos Blackmoor24 (figura 45), tanto no conteúdo narrativo ( retratado carregando bandejas, ou segurando outros objetos funcionais como caixas, relógios e lâmpadas) quanto em sua forma artística (ornamento decorativo doméstico) marca sua presença nos espaços da corte como um corpo estrangeiro redimido apenas pela submissão implícita de uma postura servil. De muitas formas, é uma ficção do silencioso Blackmoor que serve alegremente e testemunha as negações da África ocidental e a contribuição da Ásia para as próprias realizações culturais e científicas da Europa.25 5.1 EM MEMÓRIA DE MIM 23 Louis Sala- Molins, Dark Side of the Light: Slavery and the French Enlightenment, trans. John Conteh-Morgan (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006), pg. 822018 24 Blackmoor é um estilo de arte europeia datada entre os séculos XVIII e XVIX. Retrata figuras masculinas negras estilizadas e exotizadas . É encontrado frequentemente em esculturas, joias, móveis e arte decorativa. 25 Shohat, Ella, Significations European Blackmoors, Africana Readings, Postcard, Italy, 2016 p. 97. [acima] Figura 45 Andrea Brustolon Porte, Vase and Boxwood Museu del Settecento Veneziano Foto © Arthur Taiussig 128 Em 2015, a convite do professor, dramaturgo e curador nigeriano Awan Amkpa (1959 - ), participo de uma exposição em Florença na Itália, intitulada Resignifications – European Blackmoors. A exposição ocupou o Museu Stefano Bardini e a Villa La Pietra, edifício que serviu de moradia ao arquiteto e comerciante de arte que atuava em Florença, Arthur Acton (1873- 1953) e em seguida de seu filho Harold Acton (1904 – 1994) que após sua morte deixou em testamento o edifício para a Universidade de Nova York, a NYU, junto com sua coleção de aproximadamente 6000 itens, incluído um acervo significativo de esculturas de Blackmoor. Até então desconhecia e não havia tido nenhum contado com esta prática escultórica. O que mais me deixou intrigado foi o fato das minhas esculturas terem o mesmo fenótipo e dimensões semelhantes, despertando o meu interesse por essas esculturas. Quando volto a trabalhar no ateliê começo a produzir uma nova escultura, pensando em uma produção alinhada ao objeto de estudo do meu mestrado e que será apresentada junto com a dissertação na galeria de arte do Instituto de Arte da UNESP. Em memória de mim (figura 46), me utilizo de referências visuais e conceitualmente da tradição da escultura decorativa dos Blackmoors. [ao lado] Figura 46 Flávio Cerqueira Em memória de mim, 2017 Bronze e velas derretidas, 118 x 40 x 45 cm 130 A intenção principal é a ressignificar as narrativas criadas pelas situações de trabalhos domésticos em que se encontram esses personagens, trabalhando com a ideia de transe ou um momento de sonambulismo. Como em sua maioria os Blackmoors estão carregando tocheiros ou algum objeto que remeta a luz (figura 47 e 48), optei por usar velas derretidas na ponta de todos os seus dedos para simbolicamente representar a efêmera passagem de tempo, como se a ação estivesse em constante acontecimento. [acima] Figura 47 Par de Tocheiros Backmoor Foto © Autor desconhecido [acima] Figura 48 Par de Tocheiros Backmoor Foto © Autor desconhecido Meu interesse pelo ser humano, suas histórias e por imagens sacras me fez produzir o trabalho Tião (figura 49). Como uma figuração quase jornalística, carregada de um olhar fotográfico. Esta figura faz alusão ao mártir da mitologia cristã de São Sebastião, baseado na pintura São Sebastião na coluna (figura 50) do pintor italiano Pietro Perugino (1446-1523) que se encontra no acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e na emblemática capa da revista Esquire edição de Abril do ano de 1968 (figura 51), estampada com a foto do pugilista Muhammad Ali (1942-2016) caracterizado como a imagem do Santo. Tião está na mesma pose, as mesmas características, mas substituí as flechas por marcas de tiros, aproximando – o das imagens que vemos nas páginas policiais dos jornais das grandes metrópoles. 5.2 TIÃO [na próxima página] Figura 49 Flávio Cerqueira Tião, 2017 Bronze, 120 x 35 x 35 cm Foto © Romulo Fialdini 132 134 [acima] Figura 50 Pietro Perugino São Sebastião na Coluna, 1500/1510 Óleo sobre tela, 181 x 115 cm Coleção Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand MASP [acima] Figura 51 Capa da Revista Esquire Abril de 1968 A ideia de cobrir o rosto da escultura foi de deixar mais evidente a sua relação com os adolescentes que trabalham com o tráfico de drogas, conhecidos como “vapor”, que acabam sendo os mais vulneráveis em ações policiais por não portarem armas de fogo e o título, uma abreviação do nome Sebastião, faz referência a trabalhadores como porteiros ou faxineiros que muitas vezes têm suas identidades ocultadas e substituídas por Zé, Tião ou Mané, pelo fato de serem, em grande parte, nordestinos oriundos do êxodo rural. Durante os períodos Colonial e Barroco houve grandes escultores que se dedicaram a retratar imagens de santos. Um dos mais importantes foi Antônio Francisco Lisboa (1730- 1814), mais conhecido como Aleijadinho, que dedicou grande parte de sua vida construindo igrejas e esculturas sacras, as mais conhecidas são os Profetas da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos na cidade de Congonhas do Campo - MG, um conjunto de 12 estátuas de profetas produzidas em pedra sabão entre os anos de 1757 e 1875 (figura 52). O Santuário tornou-se um ícone do Barroco brasileiro e do estado de Minas Gerais, e uma grande atração turística. Devido à sua superior importância histórica, social e artística, o conjunto foi tombado em 1939 como patrimônio histórico nacional pelo SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e foi declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1985. Em 26 de julho de 1957 o papa Pio XII elevou a igreja à dignidade de basílica menor. 136 [acima] Figura 52 Igreja do Bom Jesus do Matosinhos Foto © Toca Produções Na década de 1990 o artista paulistano Sergio Romagnolo (1957 - ) produziu uma série de profetas modelados com plástico, baseando-se nos profetas de Aleijadinho. Os trabalhos apresentam grandes semelhanças, mas a opção do artista pelo uso do material industrializado, com durabilidade incerta, traz questionamentos sobre a permanência do passado e uma reflexão sobre a ressignificação dessas imagens com frescor contemporâneo. Romagnolo apresentou a série completa no ano de 1993, na galeria São Paulo (figura 53). [acima] Figura 53 Vista da Exposição Galeria São Paulo 1993 Foto © Sergio Romagnolo 138 Esses dois exemplos são apresentados para dizer que dentro da prática da escultura figurativa brasileira é muito comum que artistas se apropriem de imagens sacras para desenvolver suas poéticas pessoais. No caso da produção de Romagnolo, tenho uma predileção ao São Sebastião Sentado (figura 54), pelos diversos significados atribuídos a esse santo, como o de ser padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e de ser o santo protetor da comunidade LGBT. [acima] Figura 54 Sergio Romagnolo São Sebastião Sentado, 1993 Bronze, 178 x 85 x 148 cm Foto © Sergio Romagnolo Para o dramaturgo Francês Jean-Pierre Sarrazac (1946 - ), o que passa a determinar o trabalho de construção da cena é o princípio de literalidade, responsável por colocar em confronto a materialidade dos elementos que constituem a realidade específica do teatro. Ao colocar em cena um objeto literal, que não tem por função dramatúrgica e cênica simbolizar, mas simplesmente estar presente e produzir situações de linguagem, teatros da literalidade, como os de Tadeusz Kantor e Bob Wilson, aciona-se um gigantesco efeito de estranhamento, posto a serviço da intensificação e da densidade extremas da matéria teatral. Essa exigência de manifestação literal produz uma teatralidade que deixa de fundar-se na obra acabada, para instaurar-se enquanto processo construtivo, cujo sentido nunca é global, mas local e fragmentário, já que o espectador torna-se um parceiro ativo de sua criação.26 5.3 A TRAIÇÃO DO OLHAR 26 SARRAZAC, Jean Pierre, Critique du théâtre: de l’utopie au désenchantement. Belval: Circé, 2000 p. 62 140 Em A traição do olhar (figura 55), o personagem revela aspectos de sedução e desejo. O espelho revela o cenário e coloca o espectador como componente ativo da ação. Não é imediatamente acessível seu caráter conceitual, como acredita ser em um primeiro olhar. O personagem está em uma situação difícil de decodificar e o trabalho aponta para os significados mais complicados das experiências humanas, complexidade e condições contemporâneas, que ao ver sua imagem refletida no espelho, parece se interrogar sobre a complexidade do reconhecimento. Em 1919 o psicanalista Sigmund Freud (1856 - 1939) escreve um ensaio com o nome de “Dasunheimlich” palavra que em português tem o significado de “Estranho”, porém este ensaio foi publicado no Brasil com o título “O inquietante”, devido aos muitos significados da palavra em alemão. Para Freud, Umheimlich ou O Inquietante, seria tudo o que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu. [ao lado] Figura 55 Flávio Cerqueira A traição do Olhar, 2017 acrílica sobre bronze, espelho e madeira, espelho 113 x 70 x 3 cm | escultura 117 x 41 x 32 cm 142 Este ensaio serve muito bem para tentar apontar possíveis leituras para o trabalho A traição do olhar, se é que um trabalho de arte precisa de explicação. Prefiro acreditar que somos nós na função de espectador que criamos significados para cada trabalho que experienciarmos. Um garoto segurando um limão siciliano em cada uma de suas mãos na altura do peito, tem esse fator “estranho”, objeto de estudo deste ensaio de Freud. Tanto por sua construção estética, de apenas os limões terem sido pintados e se tornar o foco principal do olhar no trabalho, ou pela angústia e curiosidade de entender o real motivo de aquela figura representar algo que foge dos cânones de representações ligadas à prática da produção de escultura em bronze. Se a teoria psicanalítica está correta ao dizer que todo afeto de um impulso emocional, não importando sua espécie, é transformado em angústia pela repressão, tem de haver um grupo, entre os casos angustiantes, em que se pode mostrar que o elemento angustiante é algo reprimido que retorna. Tal espécie de coisa angustiante seria justamente o inquietante.27 27 FREUD, Sigmund, Obras Completas Volume 14, Histórias de Uma Neurose Infantil ( O homem dos Lobos), Além do Princípio do Prazer e Outros Textos (1917-1920), São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 360 Elementos de aproximação com as teorias freudianas também são encontrados na obra The Experiment (figura 56) da dupla de artistas Michael Elmgreen (1961 - ) e Ingar Dragset ( 1969 -). Nela, flagramos um menino de pé em frente ao espelho, vestido de cuecas, usando sapatos de salto e batom que provavelmente são de sua mãe, que segundo Freud remeteriam ao complexo de castração. [acima] figura 56 Elmgreen e Dragset The Experiment, 2012 resina de poliéster, fibra de vidro, tinta acrílica, olhos de vidro, cabelo humano, madeira, laca, espelho, peças de metal, couro Foto de Steven Probert; Cortesia dos artistas e FLAG Art Foundation 144 O efeito inquietante é fácil e frequentemente atingido quando a fronteira entre fantasia e realidade é apagada, quando nos vem ao encontro algo real que até então víamos como fantástico, quando um símbolo toma a função e o significado plenos do simbolizado, e assim por diante”. 28 Isso nos convida a estabelecer uma distinção entre o que é inquietante que é vivenciado e o que é apenas imaginado. “O inquietante da ficção – da fantasia, da literatura, merece, na verdade, uma discussão à parte. Ele é, sobretudo, bem mais amplo que o inquietante das vivências, abrange todo este e ainda outras coisas que não sucedem nas condições do vivenciar. O contraste entre o reprimido e o superado não pode ser transposto para o inquietante da literatura sem uma profunda modificação, pois o reino da fantasia tem, como premissa de sua validade, o fato de seu conteúdo não estar sujeito à prova da realidade. O resultado que soa paradoxal é que na literatura não é inquietante muita coisa que o seria se ocorresse na vida real, e que nela existem para obter efeitos inquietantes, muitas possibilidades que não se acham na vida.”. 29 28 Idem Item 27 p. 364 29 Idem Item 28 p. 371 A proposta deste trabalho é por meio da experiência estética abordar assuntos ligados à sexualidade que muitas vezes geram conflitos e polarizações em seu debate. 146 “Living a feminist life does not mean adopting a set of ideals or norms of conduct, although it might mean asking ethical questions about how to live better in a unjust and unequal world... how to create relationships with other that are more equal; how to support those who are not supported or are less supported by social systems.” [ Viver uma vida feminista não significa adotar um conjunto de ideais ou normas de conduta, embora possa significar fazer perguntas éticas como sobre viver melhor em um mundo injusto e desigual… Como criar relacionamentos com outros mais iguais, como apoiar aqueles que não são apoiados ou são menos apoiados por sistemas sociais ] - Sara Ahmed “Em seu livro Living a Feminist Life [Vivendo uma vida feminista], Sarah Ahmed questiona o que significa “manter a promessa” de um mundo feminista. Para Ahmed há muitos feminismos e muitos movimentos feministas; que não são sempre visíveis ou públicos”.30 5.4 UMA PALAVRA QUE NÃO SEJA ESPERAR 30 WHITE, Charles, A retrospective, Museum of Modern Art, New York. p. 69 Ruby Nell Bridges (1954 - ), é uma ativista estadunidense que ficou conhecida por ser a primeira criança negra a frequentar uma escola primária no estado da Louisiana. Quando Ruby estava no jardim de infância ela era uma entre tantas crianças negras que foram convidadas a fazer um teste para determinar ou não se ela poderia frequentar uma escola que até então era somente para crianças brancas. Acredita-se que este teste seria muito difícil para impedir o ingresso de negros e a escola continuasse segregada. No ano de 1960, os pais da garota recebem uma notificação informando que a garota havia passado no teste e que iria iniciar os estudos na Willian Frantz que ficava apenas alguns quarteirões de sua residência. No dia 14 de novembro de 1960, oficiais federais acompanham a garota em seu primeiro dia de aula, e esta imagem vira um ícone pala lutas dos direitos civis nos Estados Unidos (figuras 57 e 58). 148 [acima] Figura 57 Ruby Bridges sendo escoltada na entrada da escola Foto © autor desconhecido [abaixo] Figura 58 Ruby Bridges sendo escoltada na saída da escola Foto © autor desconhecido Este fato foi tão marcante na história recente dos Estados Unidos que anos depois do pintor americano Norman Perceval Rockwell (1894 – 1978) ter realizado sua obra The problem we all live with [O problema com qual todos vivemos] (figura 59), decidi fazer um trabalho, inspirado no emblemático dia. Uso este exemplo para mostrar que não é de hoje que artistas se apropriam de imagens ou fatos históricos para criar suas obras e suas narrativas. Esta pintura além de retratar um dos grandes problemas do nossos tempos, o racismo, é também uma das primeiras pinturas onde o negro é o protagonista da cena. Rockwell narra uma história de maneira dura e crua, descrevendo a segregação e o preconceito da forma mais horrível que é quando é aplicado em uma criança, ele deixa de lado as imagens de uma América perfeita que era veiculada nas propagandas, nos filmes e revistas. 150 [acima] Figura 59 Norman Rockwell The problem we all live with, 1963 91,5 x 147,3 cm Coleção Museu Rockwell Nas próximas imagens, podemos entender um pouco do processo de Rockwell (figura 60), que se assemelha muito ao meu processo criativo, onde os modelos vivos presentes nos ateliês dos escultores durante boa parte da produção tridimensional do último século foram substituídos por imagens e referências fotográficas. [acima] Imagem 60 Registro da modelo ao lado da pintura de Rockwell Foto © autor desconhecido. 152 No ano de 2018, a convite do professor e curador de arte norte americano Dan Cameron (1953 - ) para a exposição Open Spaces a ser realizada na cidade do Kansas no Estado do Missouri, fui recebido pelo Instituto de Arte do Universidade do Kansas ( KCAI ) para produzir o trabalho que seria exposto na cidade, com local definido apenas semanas mais tarde. Entre minhas andanças, descobri uma parte da cidade que parece abandonada, com prédios fechados, casas sem manutenção, lixos pela calçadas, com seus moradores em sua totalidade negros e latinos; mas ao cruzar para o lados oeste da Avenida Troost essa realidade muda completamente, as casas são grandes, com amplas varandas, carros caros estacionados na garagem e todos os moradores são brancos. Eu me deparei com duas realidades completamente distintas na mesma cidade e em conversa com pessoas locais e acesso a algumas informações cheguei ao fato de que Kansas City é a cidade mais segregada dos Estados Unidos. Quando fui fazer uma visita técnica junto com o curador e a equipe de produção da exposição para conhecer o local em que o meu trabalho seria instalado, tive a surpresa de que seria no campus da Universidade do Missouri Kansas City - UMKC que, por acaso do destino, ficava próximo da Avenida Troost, do seu lado Oeste. Quando iniciei a modelagem, pensei em como poderia fazer um trabalho que fosse gerar algum tipo de questionamento na população local. Por estar nos EUA, a história da pequena Ruby e a pintura de Rockwell não saíam da minha cabeça. Foi quando surgiu a ideia de produzir a escultura Uma palavra que não seja esperar (figuras 61 e 62). [nas próximas páginas] Figuras 61 e 62 Flávio Cerqueira Uma palavra que não seja esperar, 2018 Bronze, 175 x 40 x 30 cm Foto © E. G. Schempf 154 156 A escultura Uma palavra que não seja esperar retrata a imagem de uma jovem negra carregando uma pilha de livros sobre sua cabeça. O trabalho explora uma nítida impressão de caminhar e se movimentar. Embora seja um objeto tridimensional, esse corpo em movimento sugere uma quarta dimensão, o tempo, tempo esse que o título deixa claro que carece de urgência, onde não podemos mais esperar. O trabalho é uma reflexão sobre a representação do corpo feminino, em especial o corpo da mulher negra, deixando o seu caráter secundário e a colocando como protagonista e eixo central da narrativa. A obra faz referência às mulheres do nordeste brasileiro que durante o período das secas carregavam latas de água em suas cabeças a fim de alimentar sua família (figura 63), e das aulas de etiqueta que tiveram início no século XVII na corte de Luís XIV, onde as mulheres, para corrigir sua postura e melhor se apresentar na sociedade, caminhavam com livros na cabeça para manter a cabeça erguida (figura 64). [acima] Figura 63 Mulher carregando Lata de água na cabeça Foto © Autor Desconhecido [abaixo] Figura 64 Aula de Etiqueta Foto © Autor desconhecido 158 Ao longo dos capítulos que compõem esta dissertação, busquei explorar o meu percurso artístico, que completa 10 anos em 2019. No capítulo O silêncio que precede o ato, abordo o início da minha produção. Percebi que naturalmente os trabalhos já tinham uma inclinação em enfatizar as ações propostas nas narrativas, mas que ainda estavam a serviço de um momento de reflexão anterior à consumação de tais ações. No flagrante da ação, tracei relações estéticas entre a minha produção e a de artistas de diversas gerações, mas notei a falta de um diálogo com escultores figurativos brasileiros. Como o mestrado é um período bastante curto para o aprofundamento dessa questão, irei explorar essa vertente da arte brasileira em uma futura tese de doutorado. E em Além da ação, constatei que dentro da minha pesquisa e produção artística existe um vasto leque de possibilidades, em que posso explorar novos meios de narrativas e novas formas de ressignificar e expandir o entendimento para questões formais e estéticas no campo da escultura figurativa. O processo da escrita e produção dos trabalhos durante o período do mestrado me fez enxergar melhor a contribuição que posso oferecer para o enriquecimento desta área de conhecimento, considerando minha área de atuação dentro do cenário artístico contemporâneo brasileiro, que transita entre a academia e as salas de exposições de museus e galerias. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 160 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUSTIN, J.L. How to do things with words. In: JAWORSKI, Adam: COUPLAND, Nikolas (org.). The Discourse Reader. Londres: Routledge, 2006. p. 55 BURNHAM, Jack, Beyond Modern Sculpture: The Effects of Science and Technology on the Sculpture of This Century, New York: George Braziller, 1968. CARTIER-BRESSON, Henri, The Decisive Moment, New York: Verve and Simon and Schuste, 1952. CHIARELLI, Tadeu, Metrópole: Experiência Paulistana, São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2017 p.20 DEWEY, JOHN, Arte como experiência, São Paulo: Martins Fontes, 2010. 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