UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE COMPOSTOS ANTI- HELMÍNTICOS COM FORMULAÇÃO PALATÁVEL EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS POR HELMINTOS Eduarda Toniello Guidugli Médica Veterinária 2021 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE COMPOSTOS ANTI- HELMÍNTICOS COM FORMULAÇÃO PALATÁVEL EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS POR HELMINTOS Eduarda Toniello Guidugli Orientador: Prof Drº Estevam G. Lux Hoppe Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina Veterinária – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Medicina Veterinária, área: Medicina Veterinária Preventiva 2021 DADOS CURRICULARES DO AUTOR Eduarda Toniello Guidugli, nascida em Sertãozinho, São Paulo, em 04 de abril de 1988, é filha de Vagner José Guidugli e Olinda Tereza Toniello Guidugli. Ingressou na graduação em Medicina Veterinária pelo Centro Universitário Moura Lacerda em fevereiro de 2006. De 2007 a 2010 efetuou trancamento da matrícula da faculdade por motivos pessoais, retornando às atividades no ano de 2011, finalizando a graduação em novembro de 2017. Em 2010, foi estagiária na Clínica Veterinária “4 Patas” em Pontal, São Paulo, durante 10 anos. Ingressou no programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, nível de mestrado, na área de concentração – Medicina Veterinária Preventiva, na Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Campus Jaboticabal, em março de 2019, com bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa Nível Superior- CAPES de 18 meses. AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida e pelas oportunidades que sempre me proporcionou. Ao Miguel, meu filho. Ele que veio quando Deus quis, mudando todos os planos da minha vida e do mestrado, e que me proporcionou mais força ainda para dar continuidade em mais essa etapa de minha vida. Ao Arthur, meu marido e companheiro do dia a dia. Sempre ao meu lado, me apoiando, principalmente nos dias de muito estresse. À minha família que nunca desistiu de mim, sempre me apoiou em todas as decisões da minha vida. Às minhas amigas e amigos do departamento, Marcela Moraes, Gabriela Pala, Paula Pilotto, Talita Mendonça, Andressa Pollo e José Tebaldi, por todo suporte, tanto de incentivo quanto de ajuda em algumas etapas deste trabalho. A companhia de vocês por todo meu período em Jaboticabal foi essencial. À dona Valmira, dona do canil onde o estudo foi realizado. Por todo amor, carinho e cuidado com os cães. Por sempre nos receber de braços abertos. À Ipanema Indústria de Produtos Veterinários Ltda. pelo apoio financeiro e técnico (Projeto FUNEP nº 3287). Ao Lucas Shigaki de Matos por todo apoio por parte da Ipanema Saúde Animal Ltda e por todo auxílio e atenção que sempre nos ofereceu. Ao Prof. Estevam Hoppe, por toda orientação para que este trabalho acontecesse. Em especial, também, ao Prof. Dr. Luís Antônio Mathias, por todo auxílio. À Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – FCAV /UNESP. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. i SUMÁRIO Página CERTIFICADO DE COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS...........iii RESUMO.....................................................................................................iv ABSTRACT..................................................................................................v LISTA DE TABELAS...................................................................................vi LISTA DE FIGURAS...................................................................................vii CAPÍTULO I – Considerações gerais sobre os principais parasitos....01 de cães no Brasil e o controle químico desses patógenos 1.INTRODUÇÃO........................................................................................01 2.REVISÃO DE LITERATURA...................................................................03 2.1 Principais parasitas gastrointestinais de cães..................................03 2.2 Terapia anti-helmíntica em cães.......................................................06 2.2.1 Principais moléculas com ação anti-helmíntica com uso 09 registrado em cães................................................................................ 2.2.1.1 Praziquantel................................................................................09 2.2.1.2 Pamoato de Pirantel...................................................................09 2.2.1.3 Derivados benzimidazólicos.......................................................10 2.2.1.3.1 Fenbendazol.......................................................................10 2.2.1.3.2 Febantel...............................................................................11 2.2.1.4 Lactonas macrocícilias...............................................................11 2.2.1.4.1 Ivermectina..........................................................................11 REFERÊNCIAS.........................................................................................14 CAPÍTULO II – Avaliação da eficácia de três compostos anti- helmínticos em formulação palatável (Fenbendazol + Praziquantel e Febantel + Pamoato de pirantel + Praziquantel ) e Ivermectina em cães naturalmente infectados por helmintos.................................................21 RESUMO...................................................................................................21 ABSTRACT................................................................................................23 1.INTRODUÇÃO........................................................................................24 ii 2.MATERIAL E MÉTODOS........................................................................25 2.1 Aspectos éticos................................................................................25 2.2 Animais............................................................................................26 2.3 Levantamento parasitológico inicial.................................................26 2.4 Testes de eficácia............................................................................26 2.5 Análise estatística............................................................................27 3.RESULTADOS........................................................................................27 3.1 Perfil parasitológico dos cães do canil.............................................27 3.2 Testes de eficácia............................................................................28 3.2.1 Etapa I (Compostos A e B, dose única).......................................28 3.2.2 Etapa II (Compostos A e B, três doses)........................................30 3.2.3 Etapa III (Composto C, dose única)..............................................31 4 DISCUSSÃO...........................................................................................33 5 CONCLUSÃO..........................................................................................38 REFERÊNCIAS..........................................................................................39 CAPÍTULO III – CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................44 iii CERTIFICADO DE COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS iv AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE COMPOSTOS ANTI-HELMÍNTICOS COM FORMULAÇÃO PALATÁVEL EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS POR HELMINTOS RESUMO - As infecções parasitárias são responsáveis por algumas das doenças de maior importância, principalmente em regiões com baixo índice de desenvolvimento humano. Apesar dos avanços no tratamento, elas continuam representando risco para cães e, consequentemente, para seus tutores devido ao potencial zoonótico de alguns parasitas. O presente trabalho teve por objetivo testar a eficácia de três compostos anti-helmínticos em formulação palatável, em diferentes posologias, em cães naturalmente infectados por helmintos. O estudo foi dividido em três etapas, sendo inclusos nos experimentos apenas cães com contagem de ovos acima de 200 OPG (ovos por grama de fezes), sem comorbidades aparentes. Como critérios de exclusão, foram considerados aparecimento de doença clínica não relacionada às parasitoses e falha no tratamento decorrente de regurgitação ou vômito. Na primeira etapa (G1), 56 animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos homogêneos para avaliação da eficácia dos compostos A e B (composto A: Fenbendazol + Praziquantel; Composto B: Febantel + Pamoato de Pirantel + Praziquantel), administrados em dose única no D0, nas dosagens de 1 comprimido a cada 5 kg e 1 comprimido a cada 10 kg respectivamente. Na segunda etapa (G2), 40 animais foram divididos aleatoriamente em dois novos grupos para avaliação dos mesmos compostos A e B, nas mesmas dosagens, porém com tratamento nos dias D0, D+1 e D+2. Na terceira etapa (G3), por sua vez, avaliou-se a eficácia do composto C (Ivermectina), em duas doses, D0 e D+7, na dose de 0,2 mg/kg em um grupo com 31 animais. Nas três etapas, as amostras de fezes foram colhidas por enema nos dias D0 e D+14 para o cálculo da eficácia com base na redução de ovos por grama de fezes por meio do método de Gordon e Whitlock. Os compostos A e B apresentaram eficácia de 89,35% e 90,27% na primeira etapa, respectivamente. Na segunda etapa, os compostos A e B apresentaram eficácia de 100% e 99,16%, respectivamente. Na terceira etapa, o composto C apresentou eficácia de 98,87%. Assim, concluiu-se que os compostos avaliados têm eficácia adequada para o uso pretendido,quando administrados por três dias consecutivos, atendendo às normativas vigentes para medicamentos de uso animal. Palavras- chave: infecções parasitárias, caráter zoonótico, parasitas v Evaluation of the efficacy of anthelmintic compounds with palatable formulation in dogs naturally infected by helminths ABSTRACT - Parasitic infections are responsible for some of the most important diseases, especially in regions with a low human development index. Despite advances in treatment, they continue to pose a risk to dogs and, consequently, to their guardians due to the zoonotic potential of some parasites. The present work aimed to test the efficacy of three anthelmintic compounds in a palatable formulation, at different dosages, in dogs naturally infected by helminths. The study was divided into three stages, with only dogs with egg counts above 200 opg being included in the experiments, with no apparent comorbidities. As exclusion criteria, the onset of clinical disease unrelated to parasitosis and treatment failure due to regurgitation or vomiting were considered. In the first stage (G1), 56 animals were randomly divided into two homogeneous groups to evaluate the efficacy of compounds A and B (compound A: Fenbendazol + Praziquantel; Compound B: Febantel + Pyrantel Pamoate + Praziquantel), administered in a single dose in the D0, in dosages of 1 tablet every 5kg and 1 tablet every 10kg. In the second stage (G2), 40 animals were randomly divided into two new groups to evaluate the same compounds A and B, at the same dosages, but with treatment on days D0, D+1 and D+2. In the third stage (G3), in turn, the efficacy of compound C (Ivermectin) was evaluated, in two doses, D0 and D+7, at a dose of 0.2mg/kg in a group of 31 animals. In the three stages, stool samples were collected by enema on days D0 and D+14 to calculate the effectiveness based on the reduction of eggs per gram of stool using the Gordon and Whitlock test. Compounds A and B showed efficacy of 89.35% and 90.27% in the first step, respectively. In the second stage, compounds A and B showed 100% and 99.16% efficacy, respectively. In the third stage, compound C showed 98.87% efficacy. Thus, it was concluded that the evaluated compounds have adequate efficacy for the intended use, in compliance with current regulations for medicines for animal use. Keywords: parasitic infections, zoonotic character, parasites vi LISTA DE TABELAS Páginas Tabela 1 - Indicadores de infecção observados em cães de canil particular naturalmente infectados por helmintos. 28 Tabela 2 - Indicadores de infecção observados nos animais tratados no D0com o Composto A (Praziquantel + Fenbendazol em 29 apresentação palatável) na primeira etapa. Tabela 3 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados no D0 com o Composto B (Febantel + Pamoato de pirantel 29 + Praziquantel em apresentação palatável) na primeira etapa. Tabela 4 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados no D0, D+1 e D+2 com o Composto A (Praziquantel + 30 Fenbendazol em apresentação palatável) na segunda etapa. Tabela 5 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados nos dias D0, D+1 e D+2 com o Composto B (Febantel + Pamoato de 30 pirantel + Praziquantel em apresentação palatável) na segunda etapa Tabela 6 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados nos dias D0 e D+7 com o Composto C (Ivermectina) na terceira etapa. 31 vii LISTA DE FIGURAS Páginas Figura 1 - Ovos de helmintos observados nos cães estudados (A) 28 Trichuris vulpis; (B) Ancylostoma spp; (C) Toxocara canis. Figura 2 - Eficácia dos compostos A, B e C nos Experimentos 1, 2 e 3 32 Figura 3 – Eficácias (em %) dos compostos A, B e C para cada gênero e/ou espécie de parasito, em cães naturalmente infectados nas 32 três etapas experimentais. 1 CAPÍTULO I – Considerações gerais sobre os principais parasitas de cães no Brasil e o controle químico desses patógenos 1 INTRODUÇÃO A procura por animais de companhia, principalmente os cães, tem sido cada dia maior e mais frequente. Além de exercerem uma importante função junto à sociedade, sendo considerados membros da família, os cães estão relacionados a importantes benefícios à saúde e bem-estar de humanos. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação, existem aproximadamente 55,9 milhões de cães no Brasil (Abinpet, 2019). Embora a convivência do homem com os cães ofereça diversas vantagens, também pode trazer riscos a saúde humana. Os cães são importantes reservatórios de vários agentes patogênicos que causam várias doenças, algumas de caráter zoonótico e classificadas como negligenciadas pela OMS. Para a saúde pública, as enfermidades parasitárias são responsáveis por algumas das doenças mais significativas em todo o mundo, tanto em animais como em humanos, e são de grande importância socioeconômica. A alta prevalência de infecções parasitárias intestinais nesses animais, associada a fatores ambientais favoráveis e a falta de manejo adequados, incluindo tratamento antiparasitário, aumentam os riscos de transmissão zoonótica. Por isso, grande parte das parasitoses merecem destaque em saúde animal e humana, pois, além de afetar diretamente o bem-estar dos animais, representam ameaça à saúde pública, afetando até 25% da população mundial. Em um relatório publicado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, estima-se que mais de 75% das doenças emergentes do último século são de origem animal, e ao menos 14 dessas doenças são de origem infecciosa ou parasitária (Santos, 2013). Desse modo, uma abordagem multidisciplinar e um correto tratamento com medicamentos antiparasitários eficazes são de extrema importância. Por isso, a avaliação da eficácia de medicamentos antiparasitários para registro ou 2 renovação de licença é imprescindível para garantia de sucesso terapêutico, consequentemente reduzindo o número de formas infectantes no ambiente e minimizando os riscos de infecção de outros animais e humanos. O mercado de antiparasitários representa 23% do mercado global de saúde animal. No ano de 2018 o mercado global de antiparasitários cresceu o equivalente a 7,8%, 7 bilhões de euros em relação ao ano de 2017 (Abinpet, 2019). O desenvolvimento de antiparasitários para animais de companhia tem desafios únicos, como a busca de agentes de amplo espectro, com boa margem de segurança, com excelente eficácia contra os principais parasitas e que facilite a administração do medicamento pelos tutores. Formulações pour-on ou de uso oral, preferencialmente com palatabilizantes associados a estas últimas, reduzem os erros de aplicação, garantindo que a dose completa seja fornecida ao animal. A avaliação da eficácia de um medicamento antiparasitário é baseada nas diretrizes aprovadas pela World Association for the Advancement of Veterinary Parasitology (W.A.A.V.P) e pelo Guia de Boas Práticas Clínicas (GL9/VICH, GL7/VICH) e para obter o registro para comercialização, é necessário seguir as diretrizes que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) apresenta, devendo ser realizada por meio de testes controlados no campo ou em ensaios experimentais, permitindo registro de antiparasitários quando a eficácia for superior a 90% (Brasil, 2015). Com isso, o objetivo do presente estudo foi avaliar a eficácia dos compostos A (Fenbendazol + Praziquantel, em apresentação palatável), B (Febantel + Pamoato de Pirantel + Praziquantel, em apresentação palatável) e C (Ivermectina), em diferentes posologias, em cães naturalmente infectados por helmintos. 3 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Principais parasitas gastrointestinais de cães Helmintos são um dos grupos de patógenos mais frequentemente diagnosticados em cães no Brasil, causando, entre outras alterações clínicas, diarreia. Em dependência da intensidade parasitária, a infecção por helmintos pode causar doença grave, retardando ou limitando o crescimento do animal e inclusive resultando em morte do hospedeiro. Adicionalmente, algumas espécies de parasitas de cães têm potencial zoonótico, com destaque para Toxocara canis e Ancylostoma braziliense, relacionados a larva migrans visceral e cutânea, respectivamente (Santos et al., 2013; Grellet et al., 2014; Heidemann et al., 2018). Apesar disso, um contraponto da infecção por helmintos é que eles servem como importantes bioindicadores, permitindo inferir características ambientais dos hospedeiros (Prates, 2009). Das helmintoses que afetam cães, a ancilostomose, relacionada a Ancylostoma caninum, Ancylostoma braziliense e Uncinaria stenocephala, está relacionada a problemas respiratórios e intestinais nos hospedeiros, além de anemia. Os parasitas da família Ancylostomatidae são altamente hematófagos, resultando em perdas diárias de sangue entre 0,1 a 0,4 ml por verme adulto, causando anemia hemorrágica aguda ou crônica em seus hospedeiros. As perdas de sangue são grandes pois os ancilostomídeos liberam uma proteína anticoagulante que resulta em hemorragias mesmo após o parasita ter se deslocado do ponto de fixação (Bamanikar et al., 2014). O desenvolvimento das formas pré-parasitárias dos ancilostomídeos ocorre no solo, e as larvas de terceiro estágio infectam seus hospedeiros por penetração ativa da pele, principalmente, apesar de também poderem ser ingeridas (Anderson, 2000). No caso específico de A. caninum, o parasita também pode passar da mãe para os filhotes por via transmamária, resultando na infecção de cãezinhos em até nove dias após o parto (Anderson, 2000). As larvas infectivas presentes no ambiente, em especial de A. braziliense, podem penetrar acidentalmente na pele de humanos, e sem atingir o estádio adulto, resultando em infecção auto-limitante. Apesar disso, as larvas desse parasita 4 permanecerão migrando entre epiderme e derme, resultando em dermatite serpiginosa zoonótica denominada larva migrans cutânea (Katagiri; Oliveira- Siqueira, 2007). O segundo parasita mais comum em cães, o nematódeo ascarídeo Toxocara canis, é causador da toxocariose nos cães, e está, entre um dos principais parasitas com potencial zoonótico. Levantamentos epidemiológicos realizados com cães de idades variadas podem subestimar a prevalência desse helminto, uma vez que animais a partir de um ano desenvolvem imunidade protetora e raramente desenvolvem a forma intestinal da doença, mantendo apenas larvas dormentes em seus tecidos (Anderson, 2000). A toxocariose é registrada no mundo todo, porém é mais comum em regiões tropicais e subtropicais, acometendo com maior frequência animais que vivem em áreas rurais (Azam et al., 2012). Nos cães, além da transmissão horizontal por meio da ingestão de ovos embrionados do ambiente e ingestão de larvas em hospedeiros paratênicos, o parasita também é capaz de perfazer transmissão transplacentária e transmamária (Anderson, 2000; Overgaauw & Knapen,2013; McGuinness; Leder, 2014). Acidentalmente, humanos são envolvidos no ciclo de desenvolvimento de Toxocara canis, atuando como hospedeiros paratênicos, nos quais as larvas de terceiro estágio se mantêm em desenvolvimento suspenso. A síndrome larva migrans visceral é caracterizada pela migração das larvas por meio dos principais órgãos e tecidos, com destaque para sistema nervoso central, incluindo os olhos, pulmões e fígado, resultando em alterações hepáticas e pulmonares, retinopatias e sinais clínicos neurológicos, além de manifestações cutâneas e alterações hematológicas inespecíficas (McGuinness & Leder, 2014). A larva migrans ocular, especificamente, é caracterizada por uma resposta imune eosinofílica, que ocorre devido a migração das larvas nos tecidos dos olhos. As manifestações clínicas podem ser uni ou bilaterais, com perda progressiva da visão, estrabismo, leucocoria e formação de faixas fibrosas que podem resultar em descolamento da retina e perda da visão . A síndrome neurológica associada à larva migrans visceral é resultante de pequenas áreas de necrose e lesões cerebrais principalmente na substância branca (Strube et al.,2013), resultando 5 em meningite, encefalite e/ou vasculite (Jarosz et al.,2010; Walsh et al., 2012). O outro nematódeo mais comum em cães no Brasil é Trichuris vulpis, parasita do intestino grosso desses animais. As infecções por esse helminto são, em sua maioria, leves e assintomáticas, porém os ovos desse parasita permanecem viáveis por longos períodos de tempo no ambiente, possibilitando sucessivas reinfecções e, consequentemente, intensidades parasitárias elevadas, inclusive dificultando o controle do parasita (Epe, 2009; Bowman et al. 2014). Infecções severas causam inflamação aguda ou crônica da mucosa do intestino grosso, com desenvolvimento de diarreia aquosa com sangue, anemia e perda de peso (Taylor et al., 2010). Em humanos infectados acidentalmente, o parasita desencadeia infecções intestinais náuseas, vômitos, dores abdominais e diarréia crônica mucosa e sanguinolenta (Leite et al., 2007). O cestódeo Dipylidium caninum, como os demais representantes desse grupo de parasitas, tem ciclo biológico heteroxeno, necessitando de hospedeiros intermediários para completar seu desenvolvimento larval e tornar-se infectivo para cães, seu principal hospedeiro definitivo. Os principais hospedeiros intermediários no Brasil são pulgas Ctenocephalides canis e Ctenocephalides felis e o piolho da subordem Ischnocera, Trichodectes canis e Heterodoxus spiniger (Robertson et al., 2000). A infecção dos cães acontece quando eles ingerem os hospedeiros intermediários infectados pelas larvas cisticercóides do parasita durante seu grooming. A própria infestação por esses ectoparasitos aumenta a frequência do grooming, aumentando a chance de ingestão dos artrópodes. Os sinais clínicos mais comuns da dipilidiose são o prurido anal, caracterizado pela fricção da região posterior no chão ou em objetos, ou pelo aumento da frequência de lambedura da região. A presença de proglotes nas fezes, no ambiente ou na pelagem próxima à região perianal também podem sinalizar infecção por esse cestódeo (Nelson; Couto, 2015). Humanos, em especial crianças, podem ingerir acidentalmente pulgas ou piolhos infectados com a larva cisticercóide, infectando-se pelo cestódeo. Nesses casos, podem ser observados dor abdominal, desconforto, diarreia e prurido anal (Robertson et al., 2000). 6 No Brasil, a ocorrência de parasitas gastrintestinais ocorre em todo território nacional. Nas regiões Sul, em Pelotas/RS, 420 amostras de fezes de cães na orla das praias foram analizadas, com prevalência de 63,3% para parasitas intestinais, sendo a maior ocorrência de Ancylostoma spp. e Trichuris sp (Bricarello et al., 2018). Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, maior prevalência de parasitas se da pelo gênero Ancylostoma spp (Zanetti et al., 2019; Bricarello et al., 2018; Ferreira et al., 2016; Bricarello et al., 2018). Na região Sudeste, na cidade de São Paulo, em um estudo feito com 3.099 amostras de fezes de cães, 20,9% foram positivas para Ancylostoma spp., 0,7% Toxocara spp., e 0,5% Trichuris spp (Ferreira et al., 2016).Na região Centro-Oeste, em um estudo realizado em vias púbicas com 120 amostras de fezes de cães analisadas,foi encontrada uma prevalência de 34,16% para Ancylostoma spp.,(Rosales e Malheiros, 2017). 2.2. Terapia antiparasitária em cães Antes do desenvolvimento da medicina moderna, o tratamento antiparasitário de animais em sua grande maioria era feito por meio de metais e extratos de plantas que promoviam a remoção mecânica dos parasitas (McKellar & Jackson, 2004). A partir da medicina popular, remédios para a remoção de vermes intestinais foram desenvolvidos, incluindo muitos produtos naturais e químicos inorgânicos, como tabaco, absinto e cloreto de mercúrio, todos com efeitos colaterais e segurança inaceitáveis para os padrões de hoje (Woods et al., 2007). No primeiro terço do século 20, a primeira triagem de um acervo de produtos químicos sintéticos para atividade biológica foi realizada por Paul Erlich que buscou por meio dessa, substâncias ativas úteis para o tratamento da tripanossomose bovina, vindo a descobrir várias outras substâncias de uma coleção de produtos químicos sintéticos (Woods et al., 2007). Desde esse período, uma série de moléculas antiparasitárias foram descobertas por acaso, sendo a fenotiazina a primeira delas, com sua ação revelada em 1938. Logo em seguida, em 1940, a piperazina, um fármaco usado para o tratamento de doenças reumáticas em humanos, apresentou atividade contra Ascaris Usuario Realce 7 lumbricoides. Por fim, em 1947, a descoberta da dietilcarbamazina, contribuiu para o tratamento das filarioses em humanos (Woods et al., 2007). Entre as décadas de 1960 e 1980, com a descoberta dos derivados benzimidazólicos tiabendazol e albendazol, a indústria obteve uma grande conquista. Esse grupo químico tem amplo espectro de ação, comparativamente às moléculas conhecidas até então, e excelente margem de segurança (McKellar & Jackson, 2004). Por fim, uma das maiores conquistas da indústria farmacêutica foi a descoberta das lactonas macrocíclicas, sendo a Ivermectina, a primeira a ser comercializada. A baixa dosagem terapêutica necessária aliada à ampla margem de segurança e espectro de ação, atuando contra endo e ectoparasitas, fez dessa molécula o novo padrão da indústria (McKellar & Jackson, 2004). Os gastos com aprimoramento e refinação das moléculas existentes surgem com o passar dos anos, por isso, os próximos desafios serão utilizar tecnologias disponíveis para projetar e produzir novas moléculas, garantindo que novos medicamentos tenham vida útil mais longa, contribuindo para a indústria de saúde animal (McKellar & Jackson, 2004). O desenvolvimento e inserção de antiparasitários no mercado são os principais fatores que impulsionam a descoberta de novos medicamentos, porém para que isso ocorra é necessário um longo trabalho a ser feito. A introdução de novas classes de medicamentos anti-helmínticos é bastante morosa, correspondendo, em média, a um novo grupo a cada dez anos (Hemphill et al., 2006), e o maior entrave à descoberta de novos grupos químicos é o custo, estimado em cerca de 5 bilhões de dólares (Herper, 2013). Além disso, a constante evolução na descoberta de novas moléculas antiparasitárias, inclui a inovação na administração e suas propriedades famacocinéticas, visando objetivos práticos como a facilidade na aplicação, fazendo com que o animal aceite o medicamento por vontade própria, exercendo menor contenção do animal, melhor eficácia para evitar aplicações recorrentes, garantindo efeito preventivo e apresentar elevada segurança para o animal e sua família (Beugnet & Franc, 2012). O retorno do investimento feito em um medicamento antiparasitário é dado por meio dessas moléculas inseridas no mercado pet, que tenha um amplo 8 espectro de ação com atividade contra os principais parasitas de importância econômica, e que atenda preferencialmente as necessidades do cliente em relação à facilidade de aplicação, sendo apresentado em um medicamento palatável, tendo melhor aquisição e maior tolerância, principalmente aos tutores de cães (Woods et al., 2011). A compreensão sobre medicamentos antiparasitários atuais e antigos serve como contribuição para a busca e desenvolvimento de novos medicamentos. Para isso, o tratamento de animais infectados com compostos experimentais com a finalidade de medir alterações na carga parasitária do hospedeiro e equipes multidisciplinares de cientistas são necessárias (Geary et al., 2015). A principal missão da indústria de medicamentos antiparasitários é o desenvolvimento e distribuição de moléculas capazes de controlar diversas espécies de helmintos, com a finalidade de limitar a eliminação de ovos e larvas nas fezes, reduzindo o número de estádios infectantes no ambiente (Geary & Thompson, 2003). O medicamento antiparasitário necessita de apresentar uma composição química estável, ter ação sobre diversas espécies de helmintos, apresentar boa margem de segurança e poucos efeitos colaterais. Além disso, necessita ser de fácil administração, preferencialmente em dose única ou em esquemas de curta duração e ter relação custo-benefício favoráveis (Spinosa et al., 2010). Para registro e comercialização de um medicamento antiparasitário é necessário seguir critérios e procedimentos impostos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) (Brasil, 2015). Os ensaios para testes de eficácia são feitos com animais infectados naturalmente ou experimentalmente, seguindo todos os critérios e protocolos designados pelos guias internacionais GL9/VICH (Guia de Boas Práticas do VICH) e W.A.A.V.P, que tem como propósito fornecer um roteiro para a condução de estudos clínicos de medicamentos antiparasitários, seguindo um padrão de qualidade científica internacional para delinear, conduzir, monitorar, registrar, analisar e relatar estudos clínicos de avaliação de medicamentos antiparasitários. Para registro e comercialização, um medicamento antiparasitário necessita de um nível mínimo de 90% de eficácia 9 contra os agentes etiológicos que são indicados na bula e em todas as espécies animais em que o medicamento é indicado (Brasil, 2015). 2.2.1. Principais moléculas com ação anti-helmíntica com uso registrado em cães 2.2.1.1 Praziquantel O praziquantel, descoberto em 1975, foi a primeira isoquinolona aprovada para uso nos Estados Unidos da América, sendo a molécula de eleição para tratamento das infecções por cestódeos e digenéticos em animais de companhia. Essa molécula apresenta ampla margem de segurança, não induzindo embriotoxicidade, teratogênese ou mutagênese, e sem nenhum impacto sobre a performance reprodutiva dos animais (Bowman,1995). O efeito do praziquantel sobre os parasitas se deve à sua ação agonista em canais de Ca+², em especial localizados no retículo endoplasmático liso, resultando em contração muscular e ativação da fosfolipase A, que causa vacuolização e desintegração do tegumento sincicial dos parasitas afetados por esse fármaco (Spinosa et al., 2010). Podem ser administrados via oral ou via parentérica. Após a administração oral, é absorvido rapidamente e resulta no metabólito paralelo, onde se distribuem por todo o organismo, incluindo SNC, sendo eliminado por via urinária. Quando administrado uma alta dosagem via intramuscular ou subcutânea sua atividade é altamente efetiva e quando associado com moléculas nematocidas, constitui um amplo espectro para helmintos (Bowman,1995). Sua administração é proibida em cães e gatos com menos de 4 semanas (Page, 2008; Lynn, 2009). 2.2.1.2. Pamoato de Pirantel Essa molécula, pertencente ao grupo das tetrahidropirimidinas (4H- pirimidinas), é um derivado do imidazotiazol que foi desenvolvida pelos laboratórios da Pfizer em 1966, sendo liberada para comercialização apenas dez anos depois de sua descoberta. O pirantel é insolúvel em água e pouco absorvido pelo trato digestório dos animais, permitindo que a alta concentração 10 da substância assegure efetividade contra nematódeos. Uma vez que não é absorvido ou metabolizado, o pirantel é eliminado pelas fezes de forma praticamente inalterada (Koop et al., 2008). Pirantel tem eficácia apenas sobre nematódeos, com destaque para ascarídeos e ancilostomídeos. Entretanto, no caso de Toxocara spp., o medicamento mostra-se menos eficaz nas formas imaturas, em comparação às formas adultas. Isso se deve ao fato de que as formas adultas, por serem quimívoras, ingerem o medicamento, enquanto as formas larvais absorvem baixa quantidade apenas via cutícula (Mackenstedt et al., 2015). A ação anti-helmíntica da molécula se dá pelo seu efeito agonista em receptores nicotínicos da acetilcolina (nAchR), causando despolarização e promovendo bloqueio excitatório (Kopp et al., 2008). Levando-se em consideração os subtipos de receptor nicotínico de acetilcolina, pirantel atua sobre o subtipo L. A associação dessa molécula com outra molécula do grupo das 4H-pirimidinas, o oxantel, que tem ação sobre o subtipo N de nAChR, assegura eficácia adequada sobre Trichuris vulpis. A combinação com moléculas de outros grupos químicos como o febantel, por exemplo, tem efeito sinérgico, aumentando a atividade contra adultos e imaturos de Trichuris vulpis e cestódeos (Lanusse et al., 2009). 2.2.1.3. Derivados benzimidazólicos 2.2.1.3.1. Fenbendazol O fenbendazol é uma molécula do grupo dos derivados benzimidazólicos que foi descoberta em 1973. Esse fármaco tem amplo espectro de atividade, com indicação para ascarídeos, ancilostomatídeos e Giardia spp., sendo efetivo também em uso off-label contra nematódeos pulmonares, digenéticos e alguns cestódeos (Page, 2008). Com baixa solubilidade em água e absorção intestinal restrita, o fenbendazol atinge concentração plasmática 28 a 30h após a administração. A droga tem metabolismo hepático, sendo transformada em oxfendazol e oxfendazol sulfona. A primeira, mais hidrossolúvel que o fenbendazol, também 11 tem ação anti-helmíntica e representa 2/3 da concentração plasmática desse fármaco. A forma sulfonada da molécula é o metabólito de excreção, sendo eliminado principalmente pelas fezes, com uma pequena parcela pela urina (Page, 2008). O fenbendazol e seu metabólito ativo atuam sobre o citoesqueleto das células dos parasitas, com efeito especificamente sobre a subunidade β da tubulina, resultando em despolimerização dos microtúbulos. Assim, processos de transporte intracelular de vesículas mediados pela cinesina e dineína são interrompidos, interferindo diretamente na distribuição de nutrientes e metabolismo energético e protéico. Ainda, por interferir com a formação de fibras do fuso, o medicamento também interfere no processo de divisão celular, resultando em produção de ovos inférteis pelos parasitas (Spinosa et al., 2010). Paralelamente, o fenbendazol e seu metabólito ativo também atuam inibindo a enzima fumarato-redutase, impedindo o processo de respiração celular mitocondrial e, consequentemente, interferindo na produção de ATP (Spinosa et al., 2010). 2.2.1.3.2. Febantel O febantel é uma pró-droga, dependendo de metabolismo hepático para transformar-se em moléculas com ação anti-helmíntica. Após biotransformação hepática, essa molécula dá origem a fenbendazol e oxfendazol, tendo, portanto, as mesmas indicações descritas para fenbendazol (Page, 2008). Por ser administrado como pró-droga, o febantel garante período de ação maior que seu principal metabólito, o fenbendazol, sendo eficaz contra estágios larvais e adultos de nematódeos gastrointestinais e pulmonares, digenéticos e alguns cestódeos (Miró et al., 2007). Para animais adultos, a combinação praziquantel, febantel e pamoato de pirantel é a mais representativa do mercado (Apifarma, 2013). 12 2.2.1.4. Lactonas macrocíclicas 2.2.1.4.1. Ivermectina A história da ivermectina começou com a descoberta de microorganismos isolados de uma area próxima a um campo de golfe, os quais foram enviados para triagem como caldo de fermentação (Omura, 2002). A partir dessas amostras, foram isolados e descritos os actinomicetos Streptomycis avermitilis, produtores de diversas substâncias ativas entre seus metabólitos (Campbell, 1983). Uma equipe multidisciplinar de cientistas do Instituto Kitasato do Japão e da Merck, Sharpe & Dohme Research Laboratories isolou um grupo de substâncias dentre os metabólitos ativos desse actinomiceto denominadas “avermectinas” (Omura; Crump, 2014). Das substâncias do grupo das avermectinas, uma molécula denominada ivermectina mostrou-se bastante segura e com elevada eficácia a nematódeos e artrópodes, organismos do grupo dos Ecdysozoa (Crump,2017). A ação dessa substância contra organismos classificados como endoparasitas e ectoparasitas resultou na criação do termo “endectocida” (Chabala et al., 1980), sendo uma das drogas antiparasitárias mais utilizadas na medicina veterinária e na saúde humana (Omura; Crump, 2014). O actinomiceto Streptomyces avermitilis produz oito avermectinas, sendo que A2a, B2a e B1a são produzidos em maiores quantidades. A ivermectina consiste em uma mistura semi-sintética segura e potente de dois compostos homólogos: 22,23 di-hidro-avermectina (B1a) e 22,23 di-hidro-avermectina (B1b), em proporções desiguais, sendo 80% da primeira e 20% da segunda (Campbell, 2010). A alta seletividade e afinidade aos canais de cloreto glutamato-mediados (canais GluCl-) faz com que a permeabilidade da membrana celular em relação aos íons de cloreto aumentem, causando hiperpolarização da membrana neuronal, resultando na paralisia dos músculos somáticos, particularmente da bomba faríngea, resultando na morte do parasita (Cully et al., 1994; Omura, 2002). A farmacocinética da droga é influenciada pela via de administração e formulação, sendo que apresenta melhor resposta quando administrada via 13 subcutânea quando comparado com as administrações via oral ou tópica (Iqbal et al., 2017). A ivermectina apresenta meia-vida plasmática em torno de 12h (Iqbal et al., 2017). Em humanos, os níveis plasmáticos ocorrem aproximadamente 4h após administração, e em 5 dias quase metade da dose é eliminada do corpo. Nos animais, após a administração do medicamento, um primeiro pico da concentração plasmática ocorre após 4h, e um segundo pico entre 6 a 12h devido à reciclagem entero-hepática do medicamento (Geary, 2015). Uma importante limitação das avermectinas na Medicina Veterinária está relacionada a seu uso em raças derivadas da linhagem do Collie. Cães das raças Collie, Border Collie, Pastor de Shetland e Cão Boiadeiro Australiano podem apresentar mutação em uma glicoproteína-P chamada MDR1, presente na barreira hematocefálica, que confere susceptibilidade aos efeitos tóxicos da droga sobre o sistema nervoso central (Bowman, 1994). Nesses animais, a única molécula segura do grupo das lactonas macrocíclicas é a selamectina, disponível em apresentação tópica, livre de efeitos negativos sobre cães que tenham a mutação MDR1 (Laing et al., 2017). 14 3. 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Baseado nisso, o presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia anti-helmíntica de três compostos anti- helmínticos em formulação palatável, em diferentes posologias em cães naturalmente infectados por helmintos. O estudo foi dividido em três etapas distintas, e foram inclusos nos experimentos apenas cães com contagem de ovos acima de 200 OPG, sem doenças aparentes. Os critérios de exclusão considerados foram aparecimento de doenças e falha no tratamento devido à vômito ou regurgitação. Na primeira etapa, 56 animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos para avaliação da eficácia dos compostos A (Fenbendazol 500 mg + Praziquantel 25 mg) e B (Praziquantel 50 mg + Pamoato de Pirantel 144 mg + Febantel 150 mg) administrados em dose única no D0, nas dosagens de 1 comprimido a cada 5 kg e 1 comprimido a cada 10 kg respectivamente. Na segunda etapa, 40 animais foram divididos aleatoriamente em dois novos grupos para avaliação dos mesmos compostos A e B, nas mesmas dosagens, porém com tratamento nos dias D0, D+1 e D+2. Na terceira etapa, por sua vez, avaliou-se a eficácia do composto C (Ivermectina), em duas doses, D0 e D+7, na dose de 0,2 mg/kg em um grupo com 31 animais. Os dados foram avaliados pelo teste de normalidade de Anderson-Darling e comparados pelo teste de Wilcoxon, com correção de continuidade.Todas as análises foram feitas no R, e foram considerados significativos quando p<0,05. O Teste de redução por contagem de ovos foi realizado nas três etapas. Os parasitas de maior prevalência encontrados foram Ancylostoma spp. (94,64%), Trichuris vulpis (85,71%), Toxocara canis (5,35%), e as coinfecções Ancylostoma spp. + Trichuris vulpis (76,78%), Ancylostoma spp. + Toxocara canis (1,78%) e Ancylostoma spp. + Trichuris vulpis + Toxocara canis ( 3,57%). Os compostos A e B apresentaram eficácia de 100% para Toxocara canis., 92,06% para Ancylostoma spp., e 90,63% para Trichuris vulpis, na primeira etapa. Na segunda etapa, os mesmos compostos mostraram eficácia de 100% para Toxocara canis., 100% para Ancylostoma spp. e 96,14% para Trichuris vulpis. Na terceira etapa o composto C apresentou eficácia de 98,67% para Ancylostoma spp., 98,68% Trichuris vulpis e 100% para Toxocara canis. Com os resultados obtidos, concluiu-se que os compostos A e B, na posologia de três dias consecutivos, e o composto C, com duas dosagens, obtiveram a eficácia necessária para registro 21 dos medicamentos no MAPA, atendendo às normativas vigentes para medicamentos de uso animal. Palavras chave: caráter zoonótico, patógenos, antiparasitários ABSTRACT - The insertion of dogs in the family environment has been increasing, making them members of the family, adding physical, social and psychological benefits, especially to young people and children. However, parasitic infections, some of which are zoonotic, affect animals and can also be transmitted to humans, making chemical control of these pathogens essential to maintain the health of animals and people in contact. Based on this, the present study aimed to evaluate the anthelmintic efficacy of three anthelmintic compounds in a palatable formulation, at different dosages in dogs naturally infected by helminths. The study was divided into three distinct stages, and only dogs with egg counts above 200 OPG, without apparent diseases, were included in the experiments. The exclusion criteria considered were disease onset and treatment failure due to vomiting or regurgitation. In the first step, 56 animals were randomly divided into two groups to evaluate the efficacy of compounds A (Fenbendazole 500 mg + Praziquantel 25 mg) and B (Praziquantel 50 mg + Pyrantel Pamoate 144 mg + Febantel 150 mg) administered in a single dose in the D0, at dosages of 1 tablet every 5 kg and 1 tablet every 10 kg respectively. days D0, D+1 and D+2. In the third stage, in turn, the efficacy of compound C (Ivermectin) was evaluated in two doses, D0 and D+7, at a dose of 0.2 mg/kg in a group of 31 animals. Prior to the statistical analysis, the samples were evaluated by the Anderson-Darling normality test and non-normality of the data was found, so we chose to compare D0 and D+14 with the Wilcoxon test, with continuity correction. analyzes were performed in R, and were considered significant when p<0.05. The Egg Count Reduction Test was performed in three stages. The most prevalent parasites found were Ancylostoma spp. (94.64%), Trichuris vulpis (85.71%), Toxocara canis (5.35%), and Ancylostoma spp. + Trichuris vulpis (76.78%), Ancylostoma spp. + Toxocara canis (1.78%) and Ancylostoma spp. + Trichuris vulpis + Toxocara canis (3.57%). Compounds A and B showed 100% efficacy for Toxocara canis., 92.06% for Ancylostoma spp., and 90.63% for Trichuris vulpis, in the first stage. In the second stage, the same compounds showed 100% efficacy for Toxocara canis., 100% for Ancylostoma spp. and 96.14% for Trichuris vulpis. In the third stage, the compound C presented efficiency of 98.67% for Ancylostoma spp., 98.68% for Trichuris vulpis., and 100% for Toxocara canis. the use and registration of medicines on the MAPA, in compliance with the regulations in force for medicines for animal use. Keywords: zoonotic character, pathogens, antiparasitic 22 1 INTRODUÇÃO A população de animais de companhia mostra-se crescente no Brasil, ocupando a terceira posição no ranking de países que mais tem pets no mundo (Abinpet, 2021). A convivência com esses animais resulta em benefícios psicológicos e sociais e contribui indiretamente para a saúde e bem-estar dos seus tutores (Robertson et al., 2000; Hodgson; Darling, 2011). Contudo, uma série de patógenos que afetam esses animais têm potencial zoonótico, merecendo especial atenção da Medicina Veterinária (Robertson et al., 2000; WHO,2019). As doenças causadas por helmintos e protozoários constituem um importante indicador de risco à saúde pública, e a saúde dos animais, e o impacto gerado por essas doenças chega a causar mais de 2 milhões de mortes em humanos anualmente segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2019). Dentre os agentes com alto potencial zoonótico, destacam-se os helmintos do gênero Ancylostoma spp. e Toxocara canis relacionados a larva migrans cutânea e visceral, respectivamente, Trichuris vulpis e Dipylidium caninum, com casos esparsos de infecção humana, e o protozoário Giardia, relacionado a doença humana, em dependência do assemblage (Katagiri; Oliveira-Siqueira, 2007). Os medicamentos antiparasitários foram descobertos no primeiro terço do século 20, e, entre os anos de 1950 e 1970, houve grande modernização dos princípios ativos, com melhora da segurança e efetividade. No Século XXI, os antiparasitários passaram a constituir o principal setor da indústria farmacêutica animal, impulsionados pelas necessidades do mercado em relação às apresentações farmacológicas dos medicamentos, priorizando formulações tópicas ou apresentações orais, às vezes associadas a palatabilizantes 23 (McKellar & Jackson, 2004). Em face da importância das infecções parasitárias e a transmissão para os humanos, torna-se imprescindível o uso de medicamentos seguros para os animais e eficazes, com modernização da apresentação farmacológica como forma de se atender às exigências atuais do mercado (Robertson et al., 2000). A avaliação da eficácia de um antiparasitário é baseada em testes controlados no campo ou em ensaios experimentais. Para isso, há diretrizes recomendadas pela Associação Mundial para Avanço da Parasitologia Veterinária, World Association for the Advancement of Veterinary Parasitology (W.A.A.V.P) , Guia de Boas Práticas Clínicas (VICH / GL9 e VICH / GL7) e adotadas pelas agências reguladoras. No Brasil, a obtenção do registro para comercialização depende de aprovação pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A técnica padrão de avaliação de eficácia em cães e gatos é a contagem de vermes post mortem, porém testes baseados na avaliação da redução de contagem ovos são aceitáveis. Para assegurar registro, a eficácia dos medicamentos deve ser igual ou superior a 90%, seguindo a minuta da portaria nº 35 de 31 de janeiro de 2020 (Brasil, 2020). A prevenção das infecções parasitárias em animais reduz o risco de transmissão dessas doenças de caráter zoonótico para o homem. Dessa forma, o objetivo do trabalho foi avaliar a eficácia dos compostos A (Fenbendazol + Praziquantel, em apresentação palatável), B (Praziquantel + Pamoato de Pirantel + Febantel, em apresentação palatável), em duas posologias diferentes, e do Composto C (Ivermectina, em apresentação palatável) sobre parasitas gastrintestinais de cães naturalmente infectados. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Aspectos éticos Todos os procedimentos adotados foram aprovados pelo comitê de Ética em Uso Animal da FCAV/Unesp de Jaboticabal sob o processo nº 001530/19 e estão de acordo com normas internacionais de bem-estar animal. 24 2.2 Animais Os animais utilizados nesse estudo vivem em abrigo de propriedade particular, com 122 animais sem raça definida (SRD), machos e fêmeas, com idades entre um e oito anos. Apesar de construído em área com chão de terra batida, o canil é limpo duas vezes ao dia ou mais, em dependência da necessidade. Os animais são alimentados com ração comercial e têm acesso livre a bebedouros com água tratada. Todos os animais são vacinados com vacina V10 e antirrábica e foram castrados pelo Programa de Castração promovido pela Prefeitura Municipal de Pontal, SP. 2.3. Levantamento parasitológico inicial De modo a permitir a descrição do perfil parasitológico dos animais do abrigo, amostras de fezes de todos os animais foram colhidas por enema. Simultaneamente, os animais foram pesados e submetidos a exame físico. Parâmetros como frequência cardíaca e respiratória, temperatura retal, tempo de preenchimento capilar, infestação por ectoparasitas e condição geral foram anotados em fichas individuais. No laboratório, o lavado obtido de cada enema foi centrifugado, o sobrenadante foi descartado e o sedimento foi pesado em balança de precisão, sendo então processado pelos testes de centrífugo-flutuação em solução de Sheater e Gordon & Whitlock modificado (Hoffman, 1987). Os indicadores de infecção foram calculados de acordo com Bush et al. (1997). 2.4. Testes de eficácia Os testes de eficácia foram desenvolvidos entre julho de 2019 e outubro de 2021. Como critérios de inclusão, apenas cães aparentemente hígidos, com parâmetros vitais normais e contagem de ovos acima de 200 OPG foram utilizados no estudo. Os critérios de exclusão foram aparecimento de doença 25 clínica não relacionada às parasitoses de interesse e falha de tratamento decorrente de regurgitação ou vômito após fornecimento da medicação. O estudo foi dividido em três etapas distintas, de acordo com os compostos a serem testados e as diferentes posologias. A primeira etapa (G1) avaliou a eficácia dos compostos A e B (composto A: Fenbendazol + Praziquantel; Composto B: Febantel + Pamoato de Pirantel + Praziquantel), administrados em dose única, no D0, nas dosagens de 2,5 mg/kg + 50 mg/kg (1 comprimido a cada 5 kg) e 5 mg/kg + 14,4 mg/kg + 15 mg/kg (1 comprimido a cada 10 kg), respectivamente. Na segunda etapa (G2), os mesmos compostos A e B, nas mesmas dosagens, foram fornecidos aos cães em três dias consecutivos, D0, D+1 e D+2. A terceira etapa (G3), por sua vez, avaliou uma formulação oral de ivermectina em dois tratamentos, D0 e D+7, em duas doses na dose de 0,2 mg/kg. Em todas as etapas, amostras de fezes foram colhidas por enema nos dias D0 e D+14. No laboratório, as amostras foram centrifugadas, o sobrenadante descartado e o sedimento pesado, sendo posteriormente processado pelo teste de Gordon & Whitlock modificado. A eficácia foi calculada pela equação: 𝐸(%) = (𝑀é𝑑𝑖𝑎 𝑜𝑝𝑔 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 − 𝑀é𝑑𝑖𝑎 𝑜𝑝𝑔 𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙) (𝑚é𝑑𝑖𝑎 𝑜𝑝𝑔 𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙) ∗ 100 2.5. Análise estatística Previamente à análise estatística, o padrão de distribuição das amostras foi avaliado pelos testes de normalidade de Anderson-Darling. Como os dados apresentavam distribuição não-paramétrica, optou-se por comparação entre o D0 e D+14 com o teste de Wilcoxon, com correção de continuidade. Todas as análises foram feitas no R, e os valores foram considerados significativos quando P<0,05. 3 RESULTADOS 26 3.1 Perfil parasitológico dos cães do abrigo Das amostras fecais analisadas para o levantamento inicial, 56 resultaram em quantidade suficiente para avaliação parasitológica. Todas as amostras processadas evidenciaram infecção por um ou mais parasitas, revelando a presença de ao menos uma espécie de parasita em todos os cães avaliados (prevalência de 100%, 56/56). Os principais parasitas encontrados foram Ancylostoma spp. (94,64%, 53/56), Trichuris vulpis (85,17%, 48/56) e Toxocara canis (5,35%, 3/56), sendo a coinfecção por Ancylostoma spp. e Trichuris vulpis a mais frequente, observada em 80,35% dos cães (45/56), seguido por Ancylostoma spp., Trichuris vulpis e Toxocara canis (3,57%, 02/56) e Ancylostoma spp. e Toxocara canis (1,78%, 01/56) (Tabela 1, Figura 1). Tabela 1. Indicadores de infecção observados em cães de canil particular, naturalmente infectados por helmintos. Prevalência OPG (média) OPG (variação de intensidade) Ancylostoma spp. 94,64% 3379,46 50 – 88750 Trichuris vulpis 85,17% 5639,28 100 – 70750 Toxocara canis 5,35% 6,25 50-200 Figura 1. Ovos de helmintos diagnosticados nos em cães de abrigo particular naturalmente infectados. (A) Trichuris vulpis; (B) Ancylostoma spp.; (C) Toxocara canis 3.2 Testes de eficácia 3.2.1. Etapa I (Compostos A e B, dose única) 27 Os indicadores de infecção helmíntica dos animais tratados com cada um dos compostos, em dose única no D0 , estão descritos abaixo nas tabelas 2 e 3, respectivamente. Tabela 2 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados no D0 com o Composto A (Praziquantel + Fenbendazol e apresentação palatável) na primeira etapa. Parasita Prevalência Intensidade Média ±Desvio padrão Variação de intensidade D0 D+14 D0 D+14 D0 D+14 Ancylostoma spp. 92,30 43,20 5497,62±17406,05 822,73±888,54 200-88750 50-3650 Trichuris vulpis 84,61 61,53 4600±12081,60 987,5± 993,95 50-59950 50-4200 Toxocara canis 3,84 0 200±39,22 0 0 0 Tabela 3 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados no D0 com o Composto B (Febantel + Pamoato de pirantel + Praziquantel em apresentação palatável) na primeira etapa Parasita Prevalência Intensidade Média ±Desvio padrão Variação de intensidade D0 D+14 D0 D+14 D0 D+14 Ancylostoma spp. 96,66 16,66 1975,86 ± 3399,66 910 ±1165,87 50- 14400 50-2400 Trichuris vulpis 86,66 63,33 8253,85 ±19396,56 968,42 ±1110,84 100-70750 50-4250 Toxocara canis 6,66 0 75±20,13 0 50-100 0 Para os animais tratados com o composto A, as eficácias observadas foram 93,14% para Ancylostoma spp., 84,39% para Trichuris vulpis. e 100% Toxocara canis. No caso do composto B, as eficácias observadas para os mesmos parasitas foram de 92,06% para Ancylostoma spp. 90,63% para Trichuris vulpis. e 100% Toxocara canis. (Figura 3 e 4). Estatisticamente, notou-se diferença nos indicadores de infecção por Ancylostoma spp. (Composto A: p<0,001 Composto B: p<0,001) e Trichuris vulpis. (Composto A: p<0,05 Composto B: p<0,05), nos tempos experimentais em ambos os grupos, . Por outro lado, não houve diferença entre os indicadores de infecção observados para Toxocara canis. (Composto A: p=1,0; Composto B, p=0,371) 28 3.2.2. Etapa II (Compostos A e B, tratamento nos dias D0, D+1 e D+2) Os indicadores de infecção helmíntica dos animais tratados com cada um dos compostos, em três doses consecutivas, nos dias D0, D+1 e D+2, estão descritos abaixo nas tabelas 4 e 5, respectivamente. Tabela 4 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados nos dias D0 e D+1 e D+2 com o Composto A (Praziquantel + Fenbendazol e apresentação palatável) na segunda etapa. Parasita Prevalência Intensidade Média ±Desvio padrão Variação de intensidade D0 D+14 D0 D+14 D0 D+14 Ancylostoma spp. 100 0 1165,79±1011,61 0 100-4700 0 Trichuris vulpis 94,73 5,26 533,33±657,84 300±68,82 50-1650 0 Toxocara canis 0 0 0 0 0 0 Tabela 5 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados nos dias D0 e D+1 e D+2 com o Composto B (Febantel + Pamoato de pirantel + Praziquantel em apresentação palatável) na segunda etapa. Parasita Prevalência Intensidade Média ±Desvio padrão Variação de intensidade D0 D+14 D0 D+14 D0 D+14 Ancylostoma spp. 100 0 2166,67±4218,07 0 150- 19850 0 Trichuris vulpis 80,95 9,52 761,76±897,54 250±88,91 50-3150 100-400 Toxocara canis 4,76 0 900±196,40 0 0 0 Ambos os compostos utilizados em três doses consecutivas obtiveram 100% de eficácia para Ancylostoma spp. e Toxocara canis nessa etapa do estudo. Em relação a Trichuris vulpis, notou-se pequena diferença entre os compostos, com 100% de eficácia para o composto A e 96,14% de eficácia para o composto B (Figuras 2 e 3). Estatisticamente, notou-se forte diferença entre os 29 indicadores do D0 e D+14 de Ancylostoma spp. e Trichuris vulpis, com valor de p<0,01 em ambos os grupos experimentais. No caso de Toxocara canis, a completa ausência de ovos no D+14 impossibilitou a realização de análise estatística, porém sem prejuízo para a determinação da eficácia. 3.2.3. Etapa III (Composto C, duas doses) Os indicadores de infecção obtidos para os animais tratados com duas doses do composto C, nos dias D0 e D+14, estão descritos abaixo na Tabela 6. Tabela 6 – Indicadores de infecção observados nos animais tratados nos dias D0 e D+14 com o Composto C (ivermectina) na terceira etapa. As eficácias observadas nesse teste foram de 98,67% para Ancylostoma spp., 98,68% para Trichuris vulpis e 100% para Toxocara canis. As contagens de ovos pré e pós-tratamento de Ancylostoma spp. e Trichuris vulpis mostraram forte diferença estatística, com valores de p<0,01, em ambos os casos. Considerando-se Toxocara canis, o valor de p=0,3711 não indicou diferença estatística. Considerando-se a eficácia global das três etapas do estudo, nota-se que todos tiveram resultados acima de 80%, sendo a eficácia global mais baixa do Composto A na primeira etapa, em dose única, de 89,35%, e a maior do mesmo composto na segunda etapa, com três doses consecutivas, com eficácia global observada de 100% (Figura 2). As eficácias dos compostos A, B e C para cada espécie de parasita, em cada uma das etapas experimentais, estão ilustradas na Figura 3. Parasita Prevalência Intensidade Média ±Desvio padrão Variação de intensidade D0 D+14 D0 D+14 D0 D+14 Ancylostoma spp. 93,75% 3,12% 589,06±567,21 7,81±44,19 50-2150 - Trichuris vulpis 43,75% 3,12% 237,5±367,42 3,13±17,8 50-1500 - Toxocara canis 6,25% 0 145,31±573,52 0 0-2500 - *Um animal tinha 100 ovos de Trichuris vulpis e outro animal 250 ovos de Ancylostoma spp. 30 Figura 2. Eficácia dos compostos A, B e C nos Experimentos 1, 2 e 3 . Figura 3. Eficácias (em %) dos compostos A, B e C para cada gênero e/ou espécie de parasita, em cães naturalmente infectados, nas três etapas experimentais. 89,35% 100% 90,27% 99,16% 98,87% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Composto A Composto B Composto C 93,14 92,06 100 100 98,67 84,39 90,63 100 96,14 98,68100 100 100 100 100 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Etapa 1 - Composto A Etapa 1 - Composto B Etapa 2- Composto A Etapa 2 - Composto B Etapa 3 - Composto C Ancylostoma spp. Trichuris vulpis. Toxocara canis. 31 4. DISCUSSÃO Os compostos testados A e B apresentaram eficácia global e eficácia específica sobre cada gênero/espécie de parasita superior a 90%, quando testados por três dias consecutivos,e o composto C apresentou eficácia global e específica para cada gênero/espécie de parasita, seguindo os guias internacionais, atendendo à legislação vigente e viabilizando a renovação do registro. O composto A testado no experimento 1 apresentou eficácia global e específica elevada, semelhante à descrita em estudos semelhantes realizados no Peru e que evidenciam boa eficácia de fenbendazol contra formas imaturas (Cárdenas et al., 2006; Raza et al., 2018) e adultos (Miró et al., 2007) de Toxocara canis. Porém, a eficácia elevada do composto A para a espécie do parasita apresenta uma certa limitação, pois, o número de animais positivos para o parasita citado foi baixa, elevando assim sua eficácia a 100%. No caso de Ancylostoma spp. a molécula fenbendazol, presente no composto A, também obteve elevada eficácia em um estudo realizado por Miró et al., 2007. Um destaque negativo é a eficácia do referido composto sobre Trichuris vulpis, pouco superior a 84%, podendo estar associado também a alta carga parasitária observada inicialmente. A prevalência do parasita Trichuris vulpis no estudo realizado foi elevada, pois, de acordo com Fischer, 2003, o parasita acomete com maior frequência cães com mais de cinco anos, assim como os do estudo realizado, e a ação de fenbendazol sobre formas imaturas desse nematódeo é baixa de acordo com Traversa, 2011. Dada a grande viabilidade dos ovos de T. vulpis no ambiente, podendo permanecerem viáveis por três a quatro anos, aliada ao seu longo período de desenvolvimento no hospedeiro e a prevalência em ambientes quentes e úmidos, o tratamento por três dias consecutivos, com repetição após três meses representa uma estratégia adequada para controle desse parasita (Traversa, 2011; Raza et al., 2018). No experimento 2, o mesmo composto A, agora com três dosagens consecutivas, apresentou eficácias bastante elevadas, de 100%, para os três grupos de parasitas avaliados. Apesar de ambas 32 posologias exibirem eficácia adequada para registro, a indicação de três dosagens consecutivas tem maiores vantagens, dada a necessidade de se eliminar completamente os parasitas dos animais como forma de evitar risco à saúde de contactantes, incluindo humanos. No caso do composto B, mesmo com a melhora das eficácias observadas para cada grupo de parasitas, assim como da eficácia global, não se obteve 100% de eficácia sobre T. vulpis com três dosagens consecutivas. Diferentemente do fenbendazol, princípio ativo nematodicida do composto A, o composto B associa dois princípios com ação nematodicida, febantel, uma pró- droga do grupo dos derivados benzimidazólicos, com o pamoato de pirantel. O febantel, ao passar por metabolismo hepático, dá origem a fenbendazol e oxantel (Page, 2008), devendo, portanto, ter ação equivalente ao uso isolado de fenbendazol. Curiosamente, a eficácia observada foi inferior. Apesar de uma possível falha de tratamento, a redução da contagem de ovos de Ancylostoma spp. (D0: 45.500- e D+14: 0) e de T. vulpis (D0: 12.950 e D+14: 500) considera a eficácia abaixo do esperado. Do mesmo modo, não foi considerado que a eficácia não tenha sido elevada. De fato, é esperado que animais possam vomitar após o tratamento, resultando em subdosagem e, consequentemente, falha de ação. Ademais, para os outros parasitas, a eficácia do composto foi bastante adequada. Outros estudos prévios mostram eficácia inferior ao observado das associações dos dois compostos nematodicidas sobre Ancylostoma caninum (Koop et al., 2008), mesmo que essa associação seja sabidamente eficaz para formas adultas desse nematódeo (Campos et al., 2013). Um ponto interessante do composto B é a combinação de dois princípios nematodicidas de baixo custo, livres de patente e com eficácia e segurança reconhecidas. O pamoato de pirantel, se usado de forma isolada, não tem bons resultados, porém sua combinação com outros princípios ativos assegura ação melhor (Grandemand et al., 2007). No experimento 3, o composto C (ivermectina), apresentou alta eficácia global contra os parasitas encontrados, de 98,87%. Outros estudos com medicamentos de formulação semelhante também mostram boa ação da ivermectina sobre endoparasitas de cães (Panigrahi et al., 2016). Uma limitação 33 das lactonas macrocíclicas, como um todo, é sua ineficácia em cestódeos devido a características fisiológicas inerentes ao grupo. Ainda assim, sua combinação com cestodicidas como o praziquantel pode ser interessante para aumentar o espectro de ação. A ausência de cestódeos, como Dipylidium caninum, nesse experimento resultou em eficácia global elevada. Uma boa vantagem da ivermectina frente às demais moléculas nematodicidas utilizadas é sua ação sobre as formas larvais e adultas dos nematódeos, inclusive evitando a transmissão transplacentária e transmamária de Toxocara spp. e Ancylostoma spp (Page, 2008). Contrastantemente, alguns testes realizados mostraram ineficácia de ivermectina sobre Ancylostoma spp, com eficácias de até 20% (Freedman et al., 1989; Marti et al., 1996), apesar de dados que mostram eficácia superior a 96% dessa molécula sobre formas larvais e adultas dos ancilostomídeos, inclusive em apresentações orais (Barragry, 1987; Heejeong et al. 2012). Um efeito adicional foi a redução da infestação por carrapatos nos cães tratados com o Composto C, nos quais foi constatada a presença de carrapatos mortos fixados fracamente à pele. A responsável pelo canil afirmou não ter feito uso de nenhum ectoparasiticida no período e os cães não tratados apresentaram infestação leve a moderada por Rhipicephalus sanguineus. A ivermectina tem ação conhecida sobre esses artrópodes, porém sem causar seu desprendimento como outros princípios ativos (Campbell et al., 1983). Testes adicionais podem ser realizados para se avaliar a eficácia desse composto para controle da infestação por carrapatos. O tratamento com medicamentos antiparasitários, quando feito corretamente, reduz riscos para a saúde dos animais e dos humanos contactantes (Sousa et al., 2010). Por outro lado, o uso indiscriminado desses medicamentos podem resultar na seleção de parasitas resistentes (Traversa, 2012). O cenário de resistência aos antiparasitários é bastante grave nos ruminantes, principalmente devido ao uso indiscriminado de medicamentos, com registros de resistência parcial ou total a todos os grupos químicos disponíveis no mercado, incluindo situações de resistência múltipla (Wolstenholme et al., 34 2004). Em cavalos, resistência a antiparasitários também já foi descrita em alguns grupos de parasitas (Peregrine et al., 2014). No caso de animais de companhia, há relatos pontuais de resistência. O primeiro registro de resistência a anti-helmínticos em cães foi feito na Nova Zelândia, em cães Greyhound de origem australiana, nos quais foi comprovada a eficácia insuficiente de pirantel (Jackson et al., 1987 apud Kopp et al., 2007). Mais recentemente, resistência de Ancylostoma caninum ao pirantel (Kopp et al., 2008) e de Dirofilaria immitis a lactonas macrocíclicas (Prichard, 2021) indicam que mesmo que rara, a resistência a anti-helmínticos pode ser selecionada em parasitas de animais de companhia, da mesma forma que nos animais de produção. Diversos fatores estão relacionados à seleção de resistência, variando desde o número de genes envolvidos, caráter de dominância ou recessividade desses genes e variabilidade genética dos parasitas, até fatores relacionados ao manejo da doença e tamanho da população exposta à pressão de seleção (Wolstenholme et al., 2004). A seleção de resistência tem forte relação com o uso supressivo de medicamentos antiparasitários, resultando na exposição de uma grande parcela dos parasitas à pressão de seleção e, consequentemente, acelerando a seleção de espécimes resistentes (Wolstenholme et al., 2004; Sangster et al., 2018). Diferentemente da Europa ou América do Norte, onde associações de parasitologistas elaboram recomendações sobre controle de parasitas direcionadas a clínicos, não há centralização das recomendações, dependendo unicamente da formação dos Médicos Veterinários. É notado que mais da metade das indicações de tratamento com anti-helmínticos não é orientada por resultados de testes coproparasitológicos, resultando em fornecimento de medicamentos de forma mensal ou semestral em 86,9% dos casos (Vale et al., 2021). Um resultado negativo disso é que os tutores de animais podem considerar o Médico Veterinário dispensável, dada a facilidade de aquisição desses medicamentos em pet shops e casas agropecuárias, acarretando uso indiscriminado de medicamentos. É sabido que o uso de compostos de amplo espectro pode resultar em omissão de medidas de controle, dada a confiança na ação do medicamento (Thompson; Roberts, 2002). 35 Ainda assim, os casos de resistência a antiparasitários relacionados a cães ainda são raros e pontuais (Traversa, 2012; Samson-Himmelstjerna, 2021). O uso de medicamentos em uma parcela limitada da população canina, correspondente apenas a animais domiciliados ou mantidos em abrigos, aliado à grande população canina errante comum às áreas de menor desenvolvimento sócio-econômico resulta em menor pressão de seleção sobre os parasitas, garantindo a manutenção de refugia, impedindo ou retardando a seleção de linhagens resistentes (Hodgkinson et al., 2019; Samson-Himmelstjerna et al., 2021). Muitas vezes também, as falhas de tratamento como vômitos após a administração do medicamento, dosagem incorreta ou não deglutição do medicamento pelo animal, faz com que se pense numa resistência ou ineficácia do medicamento contra as espécies de parasita-alvo. Para avaliar a eficácia de um antiparasitário é necessário seguir as diretrizes aprovadas pela Associação Mundial para Avanço da Parasitologia Veterinária – World Association Advencement of Veterinary Parasitology (W.A.A.V.P) e os guias internacionais VICH/GL7 e VICH/GL9. As diretrizes orientam a condução e interpretação dos ensaios necessários, servindo como modelo para os responsáveis no desenvolvimento de requisitos de registro da eficácia dos medicamentos em seu país (Jacobs et al. 1994). O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento adota as normas da W.A.A.V.P e da minuta da Portaria nº 35 de 31 de janeiro de 2020 como referência, exigindo eficácia igual ou superior a 90% para novo registro ou renovação de medicamentos anti-helmínticos. Tradicionalmente, a eficácia de um medicamento em animais de companhia era baseada na contagem de espécimes de parasitas à necropsia, tanto em casos de infecção natural quanto induzida. Dada a necessidade de redução de animais em experimentação animal, a avaliação da eficácia com base na contagem de ovos pré e pós- tratamento, da mesma forma que feita em testes pré-clínicos de outros animais, é aceitável em estudos clínicos (Fenwick et al., 2009; Brasil, 2015). 36 5. CONCLUSÃO Os compostos A e B, na posologia de três dosagens consecutivas, demonstraram eficácia elevada para os parasitas encontrados. O composto C, na posologia de duas doses com intervalo de uma semana, também demonstrou eficácia elevada. Seguindo essas posologias, os três compostos atenderam às exigências das agências reguladoras para novo registro ou renovação da licença. 37 6. REFERÊNCIAS Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação. Mercado Pet Brasil. São Paulo. 2021. Barragry, T.B.A. Review of the Pharmacology and Clinical Uses of Ivermectin. v.28, p.512-517,1987. Brasil. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Minuta nº 35 de 31 de janeiro de 2020: Regulamento técnico dos produtos antiparasitários de uso veterinário. Bush, A.O.; Lafferty, K.D.; Lotz, J.M.; Shostack, A.W. Parasitology meets ecology on its own terms: Margolis et al. revisited. The Journal of Parasitology. v. 83, n. 4, p. 575-583, 1997. 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No segundo capítulo, os resultados obtidos apontam que os compostos A e B testados nas etapas 1 e 2 na posologia indicada na dosagem de três dias consecutivos, e o composto C na posologia indicada, em duas dosagens, atendem perfeitamente às diretrizes exigidas pelo MAPA e pelas agências reguladoras para registro e comercialização, garantindo assim aos tutores alta eficácia. Além disso, de algum modo conseguimos ajudar e colaborar com a prevenção e o tratamento de animais que vivem em condições precárias, ajudando assim os animais e as pessoas que ali convivem, eliminando as possíveis doenças de caráter zoonótico que essas parasitoses causam para a saúde humana e animal. Com isso, estudos para avaliar a eficácia de medicamentos antiparasitários são necessários constantemente, que apesar de raro a resistência antiparasitária em cães, falhas de tratamento após a administração faz com que se pense nessa possibilidade ou ineficácia do medicamento. Por isso o acompanhamento do estudo através de coletas e avaliações coproparasitológicas e clínicas nos animais são necessárias para se obter uma resposta concreta.