UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS – UNESP, UNICAMP E PUC-SP EMERSON MACIEL JUNQUEIRA A POSIÇÃO BRASILEIRA NA POLÍTICA GOING GLOBAL DA CHINA (2000-2018) Campinas 2020 EMERSON MACIEL JUNQUEIRA A POSIÇÃO BRASILEIRA NA POLÍTICA GOING GLOBAL DA CHINA (2000-2018) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Economia Política Internacional”. Orientador: Giuliano Contento de Oliveira. Banca Examinadora: ___________________________________ Profº Dr. Giuliano Contento de Oliveira (Universidade Estadual de Campinas) ___________________________________ Profº Dr. Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho (Pontifícia Universidade Católica – SP) ___________________________________ Profª. Dra. Isabela Nogueira de Morais (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Campinas, 17 de junho de 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de junho de 2020, considerou o candidato Emerson Maciel Junqueira aprovado. Profº Dr. Giuliano Contento de Oliveira. Profº Dr. Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho. Profª. Dra. Isabela Nogueira de Morais. A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Agradeço aos meus pais Marco e Leony, que sempre me incentivaram e me apoiaram neste processo. Seu apoio emocional e financeiro foi essencial para que eu conseguisse minha terminar a graduação e o mestrado. Sem eles, nenhum sonho seria possível. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Giuliano Contento de Oliveira pelo apoio durante a reformulação do projeto de mestrado e a caminhada durante o mestrado. Aos membros da banca de qualificação Prof. Dr. Carlos Eduardo de Carvalho e Profª Dra Karen Fernandez Costa, pelas observações que contribuíram para essa dissertação. E pelos comentários da banca - Prof. Dr. Carlos Eduardo de Carvalho e Profª Dra. Isabela Nogueira de Morais – que ajudaram na formulação da versão final da dissertação. Serei sempre grato aos professores do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, a saber, Profª DraCristina Pecequilo, Profª Dra. Karen Fernandez, Profª Dra. Ismara Izepe, Profª Dra. Marina Gusmão e Prof. Dr. Daniel de Carvalho pela excelência dos seus trabalhos diante das constantes dificuldades que a educação brasileira enfrenta. E em particular, gratidão à Profª Dra. Cristina Soreanu Pecequilo, minha primeira orientadora, por ensinar os caminhos da docência. Agradeço também aos meus amigos do San Tiago Dantas pelos bares e conversas nos momentos de felicidade, desespero e angústia. E expresso minha gratidão aos professores e funcionários do Programa San Tiago Dantas e da UNICAMP pela ajuda e atenção nessa trajetória. RESUMO A partir dos anos 2000, observou-se significativo processo de internacionalização de empresas chinesas mediante Investimento Estrangeiro Direto (IED), objetivo central da política Going Global elaborada pelo governo chinês. O IED é considerado um investimento produtivo realizado por uma companhia de um país A em um país B, podendo assumir a forma de construção de novas plantas ou fusões e aquisições de empresas já existentes. Tradicionalmente, a maioria dos investimentos é realizada por empresas privadas de países desenvolvidos, tema principal da literatura de Negócios Internacionais. Porém, a partir do início do século XXI, empresas de países do Sul Global avançaram no processo de internacionalização, em especial a China, demonstrando os limites do campo de Negócios Internacionais para explicar adequadamente esse processo. Através da política Going Global, o estado chinês incentiva a internacionalização de suas empresas em setores e regiões consideradas estratégicas para o desenvolvimento econômico do país. No caso do Brasil o IED chinês ganhou força com a crise financeira internacional deflagrada em 2008, sendo o país latino-americano que mais recebeu capital chinês. Deste modo, o objetivo da presente dissertação é analisar a evolução e os principais fatores condicionantes do IED chinês para o Brasil, bem como a posição brasileira na política Going Global da China entre 2000 e 2018. A análise realizada permitiu verificar uma trajetória de expansão do IED chinês na economia brasileira ao longo do período considerado e a importância dos setores ligados a commodities e ao mercado consumidor para o capital chinês destinado ao Brasil. Argumenta-se que o Brasil possui posição estratégica importante na política Going Global da China, embora isso possa, até mesmo, aprofundar as assimetrias existentes entre os dois países do ponto de vista das suas relações de comércio e investimento. Palavras-Chave: Investimento estrangeiro direto; Relações Comerciais, China – Relações Exteriores – Brasil; Brasil – Relações Exteriores – China. ABSTRACT Since the 2000s, there has been a significant process of internationalization of Chinese companies through Foreign Direct Investment (FDI), a central objective of the Going Global policy developed by the Chinese government. FDI is considered a productive investment made by a company from country A in country B, and may take the form of building new plants or mergers and acquisitions of existing companies. Traditionally, the majority of investments are made by private companies from developed countries, the main theme of International Business literature. However, from the beginning of the 21st century, companies from countries in the Global South advanced in the internationalization process, especially China, demonstrating the limits of the field of International Business to adequately explain this process. Through the Going Global policy, the Chinese state encourages the internationalization of its companies in sectors and regions considered strategic for the country's economic development. In the case of Brazil, the Chinese FDI gained strength with the international financial crisis that started in 2008, being the Latin American country that received the most Chinese capital. Thus, the objective of this dissertation is to analyze the evolution and the main conditioning factors of the Chinese FDI for Brazil, as well as the Brazilian position in China's Going Global policy between 2000 and 2018. The analysis made it possible to verify a trajectory of expansion of the Chinese FDI in the Brazilian economy over the period considered and the importance of sectors linked to commodities and the consumer market for Chinese capital destined for Brazil. It is argued that Brazil has an important strategic position in China's Going Global policy, although this may even deepen the existing asymmetries between the two countries in terms of their trade and investment relations. Key Words: Foreign Direct Investment; Commercial Relations; China – Foreign relations – Brazil; Brazil – Foreign relations – China. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Possíveis relações entre Estados e multinacionais. 37 Figura 2 – Modelo de desenvolvimento chinês 52 Gráfico 1 – Fluxo de IED chinês nos EUA (em US$ milhões) entre 2003 e 2018 64 Gráfico 2 – Fluxo de investimentos entre China e União Europeia entre 2000 e 2017 (em milhões de euros) 67 Gráfico 3 – Fluxo de investimentos chineses para a América Latina entre 2003 e 2018 (em US$ milhões) 72 Gráfico 4 – Exportações brasileiras para a China por intensidade tecnológica entre 2000 e 2018 (em US$ milhões) 81 Gráfico 5 – Exportações chinesas para o Brasil por intensidade tecnológica (em US$ milhões) 82 Gráfico 6 – Total do IED chinês no Brasil em milhões de dólares e número de projetos segundo diferentes fontes de dados 88 Gráfico 7 – IED chinês no Brasil entre 2003 e 2018 segundo diferentes bases de dados (em US$ milhões) 88 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Fluxo do IED chinês para o continente africano 2003-2018 (em US$ milhões) 69 Tabela 2 – Comércio Brasil-China (incluindo Hong Kong e Macau) entre 2000 e 2018 (em US$ bilhões) 79 Tabela 3 – IED chinês por setor em diferentes bases de dados (em US$ milhões) 90 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIIB Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura BEA Bureau of Economic Analysis BRI Rota e Cinturão da Seda BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CDB China Development Bank CBERS Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres CEBC Conselho Empresarial Brasil-China CFIUS Comitê americano de investimentos estrangeiros CGIT China Global Investment Tracker CGV Cadeias Globais de Valor CNOOC China National Offshore Oil Corporation CNPC China National Oil Corporation C&T Ciência e Tecnologia COSBAN Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação EMNES Empresas Multinacionais Emergentes EPI Economia Política Internacional FMI Fundo Monetário Internacional IED Investimento estrangeiro direto IPO Oferta Pública Inicial LLL Linkage, Leverage, Learning MOFCOM Ministério do Comércio NDRC Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reformas OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OLI Ownership, Location and Internalization PC chinês Partido Comunista Chinês REDALC Rede Acadêmica da América Latina e Caribe sobre a China RPC República Popular da China SAFE Administração Estatal de Câmbio SASAC Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Conselho de Estado SOEs Empresas Estatais TVEs Town and Village Enterprises UHV Ultra-Alta-Voltagem UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento ZEE Zonas Econômicas Especiais SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13 2 TEORIA E POLÍTICA DO IED ………….........……………........................... 16 2.1 Mudanças estruturais do capitalismo após Bretton- Woods ....……..................……….......................................................................... 16 2.2 Teorias tradicionais de IED ....……..................………..................................... 20 2.2.1 A crítica ao modelo neoclássico...…………......................................................... 22 2.2.2 O Paradigma Eclético de Dunning...............…………......................................... 25 2.2.3 O modelo LLL.........……….................................................................................. 27 2.2.4 A Escola de Uppsala e a corrente comportamental .............................................. 29 2.2.5 Limites da linha de Negócios Internacionais ....................................................... 31 2.3 A contribuição da Economia Política Internacional ....................................... 32 3 A INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS CHINESAS: A ESTRATÉGIA GOING GLOBAL ................................................................... 39 3.1 O modelo de desenvolvimento chinês ............................................................... 39 3.2 A estratégia Going Global ................................................................................. 54 3.3 Características gerais do IED chinês ............................................................... 62 4 O IED CHINÊS NO BRASIL NO PERÍODO RECENTE (2000- 2018) ................................................................................................................... 74 4.1 As relações diplomáticas sino-brasileiras ........................................................ 74 4.2 O comércio Brasil-China .................................................................................. 78 4.3 O perfil do IED no Brasil .................................................................................. 83 4.4 O IED chinês no Brasil .................................................................................... 86 4.4.1 O IED chinês na produção de soja brasileira ...................................................... 94 4.4.2 O IED chinês no setor de energia elétrica brasileiro .......................................... 98 4.4.3 O IED chinês no setor de petróleo brasileiro ...................................................... 101 5 CONCLUSÃO.................................................................................................... 106 REFERÊNCIAS................................................................................................. 108 13 1 INTRODUÇÃO No início do século XXI, a República Popular da China (RPC) estabeleceu a política “Going Global”1, a partir da qual o Estado estimulou a expansão internacional de suas empresas. No Brasil, a presença de corporações chinesas ganhou força a partir da deflagração da crise financeira mundial em 2008, mediante a realização de investimentos estrangeiros diretos (IED). O IED faz parte da conta movimento de capitais do balanço de pagamentos de um país, estando associado à internacionalização de uma companhia mediante investimentos em novas plantas e/ou operações de fusões e aquisições (F&A). Assim o IED envolve a transferência de recursos em troca da aquisição de parcela ou da totalidade do controle, pressupondo engajamento por um maior período de tempo no setor de produção relativamente aos investimentos de portfólio, de prazo mais curto, em geral. No campo das Relações Internacionais, uma das principais áreas de pesquisa sobre investimentos é a de Negócios Internacionais, que remontam à década de 1950. As teorias tradicionais sobre o IED enfatizam os fatores empresariais e econômicos para explicar a internacionalização. A dimensão política é secundária nesse tipo de análise, com o Estado entendido como um ator que não deve interferir na economia. Essas teorias, contudo, enfrentam duas limitações importantes para explicar o IED chinês para o Brasil, a saber: i) os investimentos são realizados de um país do Sul global para outro país dessa região; e ii) os investimentos são realizados, principalmente, por empresas estatais. Perante a insuficiência da área de Negócios Internacionais para analisar o IED chinês, essa dissertação utiliza a abordagem da Economia Política Internacional. Segundo STRANGE (1970), esse campo tem como objetivo promover a integração entre a análise política, predominante nas teorias tradicionais de Relações Internacionais que omitem a esfera econômica, e a Economia (Economics), onde a dimensão da política e do poder é negligenciada, recorrendo à interdisciplinaridade para compreender e analisar as mudanças do sistema político e econômico internacional. O avanço do IED chinês no mundo remonta à ascensão de Deng Xiaoping como líder do Partido Comunista Chinês (PC chinês), no final dos anos 1970. A China iniciou um processo 1 A tradução do mandarim para o inglês pode assumir a forma de “Go Global”, “Going Global”, “Go out” ou “Going Out” na literatura. 14 de mudanças estruturais, expresso através do plano das Quatro Modernizações. Esse projeto modernizou as áreas da indústria, agricultura, forças armadas e ciência e tecnologia, permitindo um crescimento econômico de dois dígitos durante décadas. Remonta, também, à criação das ZEEs (Zonas Econômicas Especiais), responsáveis por auxiliar a captação de capitais e tecnologias estrangeiras, constituindo um polo de atração para empresas multinacionais voltadas para a fabricação de manufaturas para exportação, no qual o governo direciona o capital internacional nos setores e regiões de seu interesse. Assim sendo, a formulação e a implementação de políticas industriais, de ciência e tecnologia, e de apoio à formação e internacionalização de grandes corporações (estratégia Going Global) fazem parte de um conjunto de políticas promovidas pelo Estado chinês visando o desenvolvimento econômico. Os investimentos das multinacionais chinesas no Brasil estão conectados com os investimentos globais do país asiático. Apesar do estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países datar de 1974, as relações políticas e econômicas avançaram a partir dos anos 2000. No campo político, o discurso de cooperação Sul-Sul e de objetivos comuns no cenário internacional resultou na criação do grupo BRICS, formado, também, pela Rússia, Índia e África do Sul. Na esfera econômica, o comércio foi o primeiro a sentir o impacto do crescimento chinês devido à acelerada demanda por commodities – a China é, desde 2009, o principal parceiro comercial do Brasil. Já o IED chinês no país era escasso até o final dos anos 2000, mas, a partir do biênio 2009-2010, a economia brasileira tornou-se o principal destino do capital chinês na América Latina. O IED chinês está presente no setor extrativista, industrial e de serviços, e em quase todos os estados brasileiros. Nesse sentido, partindo do questionamento sobre qual é a posição brasileira na política Going Global da China, essa dissertação tem o objetivo de analisar a evolução e os principais fatores condicionantes do IED chinês para o Brasil, bem como a posição brasileira na política Going Global da China entre 2000 e 2018. O trabalho se justifica tanto pelo recente fluxo de IEDs chineses no Brasil como pelo fato de o desenvolvimento econômico chinês ser um dos principais fenômenos das últimas décadas, sendo a internacionalização de suas companhias nacionais um de seus elementos atuais mais representativos. Argumenta-se que o Brasil possui posição estratégica importante na política Going Global da China, a despeito de essa condição tender a aprofundar as assimetrias existentes entre os dois países do ponto de vista das suas relações de comércio. 15 Para a sua realização, estudo recorreu à revisão bibliográfica e ao levantamento e à análise de dados e indicadores sobre o IED chinês no Brasil em fontes oficiais e de organizações não governamentais. A revisão bibliográfica indicou a necessidade de considerar a dimensão política dos investimentos chineses e situá-los no processo de desenvolvimento econômico do país asiático, a partir da discussão das teorias sobre investimento estrangeiro direto, da contribuição da Economia Política Internacional e do debate sobre o desenvolvimento chinês. Além da introdução e conclusão, a dissertação possui três capítulos. No primeiro capítulo, são analisadas as principais teorias do IED e a dimensão política envolvida nesse tipo de investimento. Verifica-se que as abordagens ligadas à área de negócios internacionais são insuficientes para compreender o fluxo de capital chinês nas últimas duas décadas. No segundo capítulo, por sua vez, analisa-se a estratégia chinesa de apoio à internacionalização das empresas domésticas e como essa política está inserida no projeto de desenvolvimento nacional. No terceiro capítulo, por fim, discute-se o papel e as características do IED no contexto da relação Brasil-China, de sorte a analisar a posição que o país ocupa na estratégia chinesa de internacionalização das suas empresas. 16 2 TEORIA E POLÍTICA DO IED A partir da segunda metade do século XX o IED ganhou força com a expansão das multinacionais norte-americanas, europeias e japonesas. No início do século XXI as companhias oriundas de países do Sul Global, em especial as chinesas, também passaram a investir no exterior. O objetivo do presente capítulo é demonstrar o debate em torno do IED e a importância de incluir a dimensão política. Para tanto este capítulo está subdivido em três seções. A primeira aborda o fim de Bretton Woods e o novo contexto marcado pela financeirização, o aumento da competição nos mercados internacionais e mudanças na produção. A segunda apresenta as principais correntes do campo de Negociações Internacionais que lida com o tema do investimento estrangeiro direto, bem como suas limitações. E o terceiro recorre a Economia Política Internacional para incluir o elemento político e o poder no debate sobre o IED. 2.1 Mudanças estruturais do capitalismo depois de Bretton-Woods O Sistema de Bretton Woods surgiu após o fim da Segunda Guerra Mundial, no qual o dólar foi utilizado como moeda internacional, sendo atrelado ao ouro a uma taxa de câmbio fixa de 35 dólares por onça de ouro. Em linhas gerais é um período caracterizado por políticas keynesianas e o compromisso com o bem-estar social. Houve controle sobre os fluxos internacionais de capitais de curto prazo, entendido como o principal elemento de desestabilização das taxas de câmbio entre os países, e o apoio ao desenvolvimento econômico nacional baseado na relevante intervenção estatal, mediante a administração macroeconômica bastante criteriosa. Houve, também, o estabelecimento do Estado de Bem-Estar Social, com o Estado assumindo papel principal no sistema de proteção social, mediante o provimento dos bens materiais e imateriais para a viabilização de uma vida digna aos cidadãos, com destaque ao emprego, à previdência, à saúde e à educação (EICHENGREEN, 2008; DUMÉNIL, LÉVY, 2011, WOLF, 2015). A base de sustentação deste sistema era a hegemonia dos Estados Unidos, diante dos privilégios exorbitantes decorrentes da emissão da moeda internacional, o dólar, e do inquestionável poderio bélico-militar evidenciado nas duas guerras mundiais. A emissão da moeda internacional permitia ao governo americano aumentar os gastos com defesa, incentivar a expansão internacional de suas indústrias e seus bancos, adiante da ausência de restrições externas (BELLUZO, 1995). 17 De acordo com ARRIGHI (2006) a hegemonia americana apresentou sinais de declínio nos anos 70 devido à derrota militar no Vietnã e ao fim de Bretton Woods. Além disso, mas não menos importante, a ascensão do euromercado e a crescente mobilidade internacional do capital tornaram cada vez mais insustentável a manutenção da paridade dólar-ouro pelo governo americano. Os anos 1970 foram marcados pela estagnação dos países centrais; pressão salarial; inflação; tendência de alta no preço das commodities (fortalecida pelos dois choques do petróleo em 1973 e 1979); e aumento da competição de empresas europeias e japonesas em mercados antes dominados pelas companhias americanas, considerada um dos atores que havia contribuindo para a consolidação da hegemonia norte-americana. De acordo com ARRIGHI (2006, p. 316): “(...) a expansão transnacional do capital das corporações norte-americanas foi ao mesmo tempo um meio crucial e um efeito extremamente importante da busca de poder mundial do governo dos Estados Unidos (...).”. O posicionamento de ARRIGHI (2006) em relação ao início do declínio americano, principalmente em relação ao fim do sistema de Bretton Woods, é contestado por FIORI (2004). O autor defende que a crise da hegemonia americana foi resultado da mudança na estratégia dos EUA diante dos desafios dos anos 1970, tendo em vista que o dólar continuou a ser o centro da economia mundial. Segundo Fiori (2004, p. 26): “(...) a chamada “crise do dólar” não foi um acidente nem uma surpresa, nem muito menos uma derrota; foi um objetivo buscado de forma consciente e estratégica pela política econômica internacional do governo norte-americano.”. O fim do sistema de Bretton Woods foi um projeto americano visando fortalecer a posição internacional dos Estados Unidos, libertando o dólar das rigidezes impostas pela garantia da sua conversibilidade em ouro. O constante crescimento do déficit na balança comercial aumentou a quantidade de dólares circulando no mundo, o que não foi acompanhado pelo acréscimo das reservas de ouro, assim a paridade dólar-ouro foi ser minada. Outro ponto foi a crescente competitividade das economias europeias e japonesa perante a americana, na esteira dos seus processos de reconstrução e modernização produtiva. Assim, com a ruptura do sistema de Bretton Woods, o dólar não apenas manteve, mas aumentou ainda mais a sua condição de moeda-reserva do sistema monetário internacional, agora sem os limites impostos pela paridade com o ouro. A mudança na estratégia dos Estados Unidos foi resultado da vitória dentro do establishment americano dos defensores da mudança no ordenamento internacional, que, apesar de estar sob a liderança americana, havia deixado de atender os interesses das principais forças 18 capitalistas. A reformulação do sistema baseado no liberalismo comercial e financeiro visou concentrar e centralizar o poder econômico e político nas classes dirigentes capitalistas (FIORI, 2004). O fim deste sistema resultou, progressivamente, no processo de financeirização, entendida por GUTTMANN (2017) como o aumento da participação de atores e instituições financeiras na economia em nível nacional e internacional. Nesta nova conformação do capitalismo, sob dominância financeira, a dinâmica econômica passa a ser ditada pelas oscilações dos ativos financeiros, definindo-se um novo padrão sistêmico de riqueza, no qual a lógica financeira predomina sobre o processo de tomada de decisão dos principais atores econômicos, impacta as políticas econômicas e os modelos de negócios de atores não- financeiros, como as multinacionais (BRAGA, 1993; BRAGA et. al., 2017). Segundo CHESNAIS (1996), este processo possui três elementos constitutivos: a desregulamentação e liberalização financeira, a desintermediação financeira e a abertura dos mercados financeiros nacionais ao capital estrangeiro. A liberalização financeira se deu pelo fim de controle sobre os fluxos de capitais e o surgimento de novas atividades no mercado de ativos. A desintermediação, por sua vez, diz respeito à progressiva mudança na relação do usuário, empresas e indivíduos com os serviços financeiros, ao abandonar as instituições e meios tradicionais, como a busca de crédito em bancos e uso de poupanças, por serviços financeiros, haja vista a procura de empréstimos em curto prazo no mercado financeiro, a abertura de capital em bolsas de valores e a substituição da poupança por ativos com maior rendimento (CHESNAIS, 1996). Assim há uma crescente participação de atores não- financeiros em atividades financeiras, como empresas e famílias, pois esta área passou a ser entendida como uma fonte alternativa para a acumulação de capital. A expansão de ações no mercado financeiro que prometiam taxas de retornos maiores comparadas a formas tradicionais de poupança, e nas multinacionais, que diante de liberalização comercial e financeira modificaram sua estrutura organizacional (GUTTMANN, 2017). Tais mudanças impactaram no papel central das multinacionais. Além da atividade industrial também se tornaram entidades financeiras, cujo capital tem origem “produtiva”, oriundo da fabricação e venda de bens, e “monetária”, proveniente do mercado de ações, juros e crédito (SERFATI, 2008). Entre as mudanças engendradas pela financeirização está a transformação da matriz das multinacionais em centros de decisões financeiras. A obtenção de lucros passou a combinar diferentes operações, como indústria, serviços, bancos internacionais. 19 Deste modo departamentos voltados para a administração financeira foram criados nestas corporações, visando valorizar o capital não reinvestido na produção, por meio de operações financeiras de curto prazo, mercado monetário e estabelecimento de bancos afiliados (CHESNAIS, 1996; CHESNAIS, 2016). Assim segundo BRAGA (1993) os conglomerados empresariais são: multifuncionais ao atuar nas finanças, produção e comércio; multissetoriais, isto é, atuam em vários segmentos industriais; multinacionais, presente em diferentes mercados domésticos. Sem estas características o grupo empresarial fragiliza-se perante a concorrência oligopolista TNCs [Transnational Corporations] have become more oriented toward the generation of revenues based upon their financial and intellectual property rights than on the production process proper (...) large organizations are able to control a significant share of the process of value creation. Hence, they are in a position, not only to reap the value created internally (in their subsidiaries and branches), but also to capture a share of value created outside of the corporations in which they have enough voting stock to ensure control (SERFATI, 2008, p. 44-45). Verificou-se, ademais, crescente amplificação da concorrência oligopolista em nível mundial. CHESNAIS (1996) define o mercado internacional como um oligopólio mundial, isto é, um espaço de rivalidade industrial criado a partir da expansão, através do IED, de grandes multinacionais, marcado por relações de interdependência, que conecta o pequeno número de multinacionais dominantes em um setor e mantem sua posição neste sistema, através de barreiras à entrada de novos concorrentes, constituindo um espaço de rivalidade e de cooperação. Esta ocorre em períodos de rápida transformação tecnológica, enfraquecendo as barreiras de entrada, no qual as companhias atuam para impedir o surgimento de novas concorrentes no mercado. O modo de produção foi, dessa forma, redefinido dado ao aumento na competição nos mercados nacionais e o internacional, decorrente das medidas liberalização econômica dos anos 1990, como fim das barreiras tarifárias, o fim dos entraves aos fluxos de capitais e o desenvolvimento da tecnologia da informação e comunicação. Com o novo sistema de produção propiciado pelas CGV (Cadeias Globais de Valor), todas as etapas da elaboração de um produto, desde as atividades intensivas em trabalho ao design, passaram a ser realizadas sob o comando de uma empresa-líder, responsável por distribuir as fases da fabricação em diferentes firmas segundo a lógica de maximização dos lucros. Deste modo, as CGV possuem como características: 1) a fragmentação da produção em diferentes firmas; 2) a distribuição geográfica; 3) governança e coordenação de uma empresa-líder (CARNEIRO, 2017). 20 elas [CGV] funcionam como um sistema complexo de valor adicionado no qual cada produtor adquire insumos e adiciona valor ao bem intermediário na forma de lucros e remuneração ao trabalho, que, por sua vez, irão compor os custos do próximo estágio de produção. Essas corporações, que compõem as cadeias, estão em constante processo de cooperação e conflito em sua busca pela maior fatia do valor adicionado em relação ao valor agregado (VA) global gerado. Essa maior ou menor captura do valor na cadeia é o resultado do poder exercido pela empresa-líder, bem como da estrutura e da governança da cadeia (PINTO et. al., 2017, p. 52). A inserção e o aumento da complexidade dos bens de uma empresa na produção em cadeia dependem da capacidade desta firma em absorver tecnologias e as condições estruturais das economias domésticas que permitam tal processo, como políticas governamentais de apoio a indústria e desenvolvimento tecnológico (PINTO et. al. 2017). Devido ao uso dos investimentos verticais e o estabelecimento das CGVs, as multinacionais passaram a estar presente em todas as fases da produção, desde a matéria-prima a venda do bem final, ao especializar cada uma de suas subsidiárias em um aspecto da produção. Dentre as estratégias adotadas está a terceirização e a deslocalização industrial, processo pela qual o conglomerado realoca parte de sua produção em uma de suas unidades para outra filial com função semelhante ou estabelece um contrato com um fornecedor estrangeiro. Além da redução de custos, estas estratégias também são empregadas por duas razões: 1) acesso ao conhecimento. O crescente grau de complexidade de produtos e serviços demanda obter acesso a conhecimento e mão-de- obra qualificada não disponível na multinacional; e 2) exploração de novos mercados. Realocar a produção permite compreender o padrão de consumo do mercado em questão e fornece legitimidade com o governo local e clientes, considerando a necessidade de competir em mercados oligopolizados (CHESNAIS, 2016). 2.2 Teorias tradicionais de IED O Investimento Estrangeiro Direto é definido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) como um investimento de um indivíduo ou empresa localizado em um país em outra economia com interesses em longo prazo, mediante posse de no mínimo 10% do poder de voto nas decisões de alguma empresa no país receptor dos investimentos. Nos termos da OECD (2008, p. 17): “(...) to ensure a significant degree of influence by the direct investor in the management of the direct investment enterprise. The “lasting interest” is evidenced when the direct investor owns at least 10% of the voting power of the direct investment enterprise (...)”. 21 Desta maneira, o IED é diferente do investimento em portfólio – entendido pelo FMI como a movimentação de capital transfronteiriço envolvendo títulos ou dívidas de empresas ou países –, pois além da transferência de recursos para a aquisição de ativos financeiros, também pressupõe o envolvimento na administração e nas decisões da firma. DUNNING (2002a) aponta que esta distinção entre as duas formas de investimentos tem um propósito teórico e analítico, porém na prática é difícil distingui-los “(...) the de facto line between FDI and FPI is becoming an increasingly difficult one to draw.” (DUNNING, 2002a, p. 346). Por exemplo, a aquisição de ações de uma firma pode ser uma estratégia de diversificação de ativos ou uma empresa estrangeira estabelece um acordo de cooperação com uma local, mas não interfere na estrutura desta. A literatura acadêmica (HYMER, 1976; DUNNING 2008; MOOSA, 2002) enfatiza o elemento do controle, isto é, envolvendo algum nível de poder discricionário, ao apresentar o conceito de investimento estrangeiro direto como a principal diferença para o investimento de portfólio. A importância de estudar o IED, segundo MOOSA (2002), reside no fato de ser uma das principais formas de movimentação de capitais e estar conectado com a formação e expansão das empresas multinacionais. O estudo do IED surgiu na segunda metade do século XX sendo objeto da área de Negociações Internacionais. Tradicionalmente, as análises deste campo enfatizam os investimentos das multinacionais dos países desenvolvidos, considerando as motivações, os ganhos, as estratégias, e os impactos para o país receptor e de origem. Porém, o avanço econômico e a política Going Global do governo chinês tornaram as empresas chinesas tema de estudo, e posteriormente, também, as demais firmas de “países em desenvolvimento”. Um dos principais debates desta corrente em relação à China é se as teorias de IED existentes têm poder explicativo para analisar as firmas chinesas ou se é preciso construir uma nova teoria para explicar esses investimentos, pois tem origem em um “país em desenvolvimento” e são realizados por empresas estatais (BUCKLEY et. al, 2007). Em geral, os autores dessa literatura – BUCKLEY et. al., 2017; CLEGG e VOSS, 2018; ALON, 2010, HAI et. al, 2017 e PAN e ZHIHONG, 2014 – analisam o IED chinês através de variáveis, destaca-se: busca por mercados, por eficiência produtiva, matérias-primas, proximidade cultural e geográfica, taxa de câmbio e inflação, gerando hipóteses testadas através de fórmulas 22 econométricas. Dado a divergência de bases de dados2 e metodologia, os autores chegam a conclusões divergentes, como por exemplo, se o investimento chinês é favorável ou contrário ao risco político. Em síntese, as principais conclusões, encontrada nesse campo, sobre o que atrai a entrada de IED chinês em um determinado país são: busca por mercados, recursos naturais, aumentar as exportações, incrementar o lucro, acesso à tecnologia, paraísos fiscais, países culturalmente próximos e distantes, risco político, capital humano, favorável à liberdade econômica e capacidade institucional do país receptor (YIN, 2015). No nível teórico, BUCKLEY (2002) divide a área de Negócios Internacionais em duas correntes de estudo: as teorias destinadas a compreender o fluxo de IED e as estratégias e organização das multinacionais. O restante da seção é destinado a analisar as principais teorias de ambos os campos, bem como sua crítica. 2.2.1 A crítica ao modelo neoclássico Os primeiros estudos sobre IED utilizavam o modelo de Heckscher-Olin para compreender o fluxo de capitais (FAETH, 2009). Em linhas gerais, este modelo explica o comércio internacional baseado na diferença relativa dos fatores de produção em cada país, considerando um modelo de mercado perfeitamente competitivo, ou seja, os bens oferecidos são idênticos e os atores econômicos, compradores e vendedores, não podem manipular os preços. Assim, uma economia A dotada um recurso X, como trabalho, por exemplo, tende a produzir bens intensivos neste fator e exporta-los para uma economia B deficiente neste elemento. A economia B, por sua vez, rica em um recurso Y, como terra, por exemplo, produzirá produtos que utilizam este bem e os exportará para países insuficientes em Y (GONÇALVES, 1997). Ao aplicar o modelo de Heckscher-Olin aos fluxos de capitais, espera-se que o capital se mova em direção a países com altas taxas de retornos, isto é, economias escassas em capital (FAETH, 2009). No entanto, segundo MOOSA (2002), este modelo explica apenas a movimentação dos investimentos de portfólio, dado que este tipo de capital é influenciado pela taxa de juros das economias (uma economia escassa em capital tende a aumentar a taxa de juros 2 A questão sobre as bases de dados referentes aos investimentos estrangeiros direto chineses é abordada nas subseções 3.2 e 4.3 desta dissertação. 23 para atrair investimentos). Assim, o modelo é a incapaz de explicar a existência simultânea de entrada e saída de IEDs em um dado país perante uma mesma taxa de juros. Um dos primeiros autores a apresentar as limitações da teoria de portfólio aplicadas ao investimento direto foi HYMER (1976). Segundo ele, esta teoria não explica o IED, pois o modelo neoclássico não aborda a característica principal deste tipo de investimento, a saber, o controle da empresa matriz, tampouco considera as imperfeições de mercado, pois a inserção do fator risco e da incerteza invalida a noção que o fluxo de capital é determinado somente pela taxa de juros. Deste modo, o autor propõe uma teoria de IED, na qual uma empresa realiza investimento direto visando obter o controle de novos mercados, eliminando a competição em outros países e fortalecendo sua posição no cenário doméstico. A dinâmica capitalista tende a uma configuração monopolista devido a dois fatores: i) os conglomerados industriais tendem a aumentar em tamanho e extensão das atividades, no mercado doméstico e internacional, criando uma hierarquia entre centro, marcado pelos países desenvolvidos, e periferia, países subdesenvolvidos; e ii) relacionado a esta divisão está a segunda característica, o desenvolvimento desigual, pois com a mobilidade de capitais e o monopólio do conhecimento as multinacionais contribuíram para a formação de um sistema em que o enriquecimento do Norte está associado à exploração do Sul. “The motivation for the investment is not higher interest rate abroad but the profits that are derived from controlling the foreign enterprise.” (HYMER, 1976, p. 25). A internacionalização de uma firma é motivada pela constante expansão do lucro. Além do IED, a empresa pode recorrer à exportação ou ao licenciamento de seu produto, porém, o primeiro tem o potencial de ser impactado por barreiras tarifárias e não-tarifárias, enquanto no caso do segundo existe a possibilidade da empresa licenciada se tornar uma competidora no futuro. Assim, para conquistar um novo mercado, é necessário possuir alguma forma de vantagem competitiva, denominada vantagem de propriedade. Isto porque as empresas domésticas possuem preponderância relativamente às estrangeiras no mercado nacional, tendo em vista que conhecem as leis, os costumes, a política e a economia. Desta maneira, é necessário que a firma que visa à internacionalização possua alguma habilidade que a torne competitiva em outros países, como o domínio de tecnologias ou a capacidade de gestão eficiente (HYMER, 1976). Because a firm possesses advantages, its business enterprise in the foreign country would be profitable. Because international operations are motivated by these profits, there can be direct investment even when there is not enough 24 of an interest-rate difference to cause portfolio investment. Unequal ability of firms is a sufficient condition for international operations (…) (HYMER, 1976, p. 47) Os estudos de Hymer contribuíram para a análise do IED por demonstrar que esse investimento não segue o mesmo padrão do portfólio, apresentar a questão dos mercados imperfeitos e introduzir a ideia da necessidade de uma empresa possuir alguma vantagem que a permita competir em novos países, dado que ela enfrenta desvantagens em terceiros mercados (GRAHAM, 2002; DUNNING, LUNDAN, 2008). Além de Hymer (1976), Vernon (1966) também contribuiu para os estudos sobre a dimensão oligopolista das multinacionais e a estrutura internacional, por meio da teoria do ciclo do produto, nos anos 1960. A principal explicação para a expansão das empresas, segundo o autor, é o desenvolvimento e a difusão de tecnologias industriais intensivas em capital, marcadas pelo ciclo de criação, maturação e padronização. A primeira fase tende a ocorrer nos países mais avançados, como os EUA, por possuir acesso a capital, mão-de-obra qualificada, mercado consumidor e estar na fronteira tecnológica, de modo que o desenvolvimento de um novo produto permite à corporação obter o monopólio do mercado doméstico. A partir do momento que a demanda internacional cresce, a empresa exporta para outros países desenvolvidos, mas a difusão da tecnologia e o surgimento de competidores, associado a barreiras tarifárias, resultam na necessidade de estabelecer subsidiárias nos países de destino das exportações. Em decorrência da maturação do produto, do aumento da competição e da saturação dos mercados, a margem de lucro da multinacional diminui. Visando aumentar seus rendimentos, a corporação realoca a produção para países do terceiro mundo para utilizar a mão-de-obra barata e acessar novos consumidores (VERNON, 1966). A teoria de Vernon (1966) contribuiu para demonstrar a importância das multinacionais, da competição oligopolista no mercado internacional e o papel do desenvolvimento e difusão tecnológica no processo de internacionalização (GILPIN, 1987). Porém esta teoria utilizou como objeto as empresas americanas no pós-guerra, marcadas pela integração horizontal, e perdeu o poder explicativo para analisar as multinacionais a partir de meados da década de 1970. Segundo VERNON (1979), o rápido progresso e difusão de novas tecnologias, o avanço dos meios de comunicação e transporte e o acirramento da competição, em especial de empresas europeias e japonesas, tornaram inviável que as multinacionais atendessem, em um primeiro momento, apenas seus mercados nacionais. Tradicionalmente, as empresas visam seus mercados domésticos e de países culturalmente familiares para, depois, exportar ou investir em 25 países do terceiro mundo. Nesta nova configuração, as multinacionais têm como objetivo estar presente em todos os mercados. Nos termos de Vernon (1979, p. 265): The evidence is fairly persuasive that the product cycle hypothesis had strong predictive power in the first two or three decades after World War II, especially in explaining the composition of US trade and in projecting the likely patterns of foreign direct investment by US firms. But certain conditions of that period are gone. For one thing, the leading MNCs have now developed global networks of subsidiaries; for another, the US market is no longer unique among national markets either in size or factor cost configuration. 2.2.2 O Paradigma Eclético de Dunning Uma das principais referências no estudo sobre IED é o Paradigma Eclético de Dunning (2002b; 2002c; 2002d). Este modelo é definido como eclético porque utiliza as três principais correntes3 da literatura sobre internacionalização de firmas e pode ser aplicado a todas as formas de IED. Desta maneira, o Paradigma Eclético possui caráter abrangente, tornando sua aplicação difícil a casos específicos de internacionalização ou comportamento de uma firma em particular. O autor também argumenta que não é possível estabelecer uma teoria que abarque todos os determinantes da internacionalização de empresas, dado a sua complexidade, diferentes motivos que resultam em sua expansão e a multiplicidade de variáveis. Como indica DUNNING (2002b, p. 199) “(...) a full explanation of the transnational activities of enterprises needs to draw upon several strands of economic theory (...) each of which is determined by a number of common factors (...)”. O Paradigma Eclético também é conhecido como modelo OLI (Ownership, Location and Internalization), pois se subdivide em três elementos: 1) vantagens de propriedade, isto é, a capacidade de competir em mercados de outros países; 2) localização, como a escolha de um novo país ocorre; 3) internalização, a maneira que a empresa emprega suas vantagens de propriedade e bens (DUNNING, 2001). A vantagem de propriedade pode ser definida como o domínio de uma empresa sobre um recurso, tecnologia ou gestão que a torna competitiva e permite sua internacionalização. É válido ressaltar que esta vantagem depende das características do produtor, do bem produzido e do mercado em questão. Dentre as formas que esta vantagem pode assumir, estão o acesso a bens não disponíveis para seus competidores, domínio de patentes, eficiência produtiva e técnicas de gestão. Ao estabelecer uma filial, esta se beneficia dos recursos da matriz e, 3 Na linha econômica as principais linhas de pesquisa são imperfeições de mercado, localização e organização industrial (RUGMAN, 1980; DUNNING, LUNDAN, 2008). 26 conforme a empresa está presente em diferentes países, a sua capacidade de desenvolver vantagens de propriedade aumenta (DUNNING, 2002c). O segundo elemento do Paradigma Eclético, a localização, diz respeito a recursos presentes em um dado país que pode ser acessado por todas as firmas nele localizado, como matéria-prima, perfil da mão-de-obra e tamanho do mercado consumidor. As imperfeições de mercado também exercem influência, como a imposição de barreiras tarifárias e políticas de atração de investimentos (DUNNING, 2002b; 2002e). A Internalização, por sua vez, diz respeito à possibilidade de a empresa incorporar as vantagens de propriedade ao estabelecer uma filial, realizar fusões ou aquisições em países estrangeiros, ao invés de licenciar seu produto a terceiros. Isto porque as empresas utilizam a internalização para obter vantagens ou diminuir o impacto das imperfeições de mercado, entendidos como barreiras à entrada de novos competidores, a ausência de informações de produtos e mercados não disponíveis para todos os agentes, por exemplo. Outro elemento que motiva este fenômeno é o apoio governamental, ao criar distorções no modelo de mercado perfeito, exemplificado pelos subsídios à pesquisa e ao desenvolvimento, bem como à manutenção do sistema de patentes (DUNNING, 2002c). De acordo com o modelo OLI, não apenas a posse da vantagem de propriedade é necessária para conquistar novos mercados, como uma tecnologia que permita uma empresa competir em novos mercados. A capacidade de internalizar esta vantagem em novas fábricas, ao invés de vendê-la a outro produtor, também deve ser considerada. Além dessas três variáveis, a decisão sobre realizar o IED depende da característica da atividade de cada empresa. Assim, o investimento pode ser motivado por quatro razões principais: 1) busca por recursos naturais; 2) procura por mercados; 3) busca por eficiência; e 4) procura por bens estratégicos. É válido ressaltar que esta taxonomia possui objetivos analíticos, pois as empresas multinacionais perseguem múltiplos objetivos (DUNNING, LUNDAN, 2008). Os investimentos motivados por matérias-primas dizem respeito às firmas que necessitam de um recurso em particular não disponível seus países de origem. A busca pode ser por recursos físicos, como petróleo, minério e produtos agrícolas, visando garantir o fornecimento destes itens. Um segundo tipo é a oferta de mão-de-obra não qualificada e barata para produzir bens intensivos em trabalho, como manufatura de baixo valor agregado, visando 27 diminuir os custos de produção. As empresas instaladas no país receptor do investimento mantêm uma estratégia de negócios voltada para a exportação, em geral, para países desenvolvidos ou com elevadas taxas de crescimento do PIB (DUNNING, LUNDAN, 2008). A segunda forma de investimento é realizada para manter, proteger ou explorar novos mercados. Além do tamanho e a taxa de crescimento do mercado consumidor, as empresas também são motivadas pela necessidade de adaptar o produto as leis, culturas e costumes locais. Outra razão é a ação dos governos que podem impor barreiras ao comércio, gerando a necessidade de substituir as exportações por uma filial. Deste modo, as empresas que buscam mercado necessitam construir uma fábrica autocontida, isto é, capaz de produzir bens semelhantes à matriz (DUNNING, LUNDAN, 2008). A busca por eficiência visa racionalizar os investimentos e tendem a serem realizadas por empresas multinacionais grandes e diversificadas. Há duas maneiras de realizar esta forma de investimento: i) obter vantagens de diferentes recursos disponíveis em países distintos. Assim, a firma realiza uma divisão de trabalho interna atuando em países desenvolvidos, geralmente intensivos em tecnologia e capital, e em desenvolvimento, geralmente intensivos em recursos naturais e mão-de-obra; ii) utilizar a economia de escala para produzir bens destinados a um conjunto de países semelhantes em níveis de renda, cultura e estrutura econômica (DUNNING, LUNDAN, 2008). Os investimentos destinados a bens estratégicos são realizados por multinacionais que visam adquirir outras empresas a fim de atingir objetivos a longo prazo, como aumentar a competitividade global através do fortalecimento de suas vantagens de propriedade ou enfraquecimento de seus concorrentes (DUNNING, LUNDAN, 2008). 2.2.3 O modelo LLL A partir de meados da década de 1990 e início dos anos 2000, um dos principais fenômenos da economia mundial foi a expansão de empresas multinacionais de países periféricos, sobretudo da região Ásia-Pacífico. Anterior a este período, houve casos de internacionalização de empresas do Terceiro Mundo, porém, com a intensificação da globalização e os processos de transformação estrutural dos países asiáticos, sobretudo, surgiu um cenário permissivo à expansão internacional de empresas de “países em desenvolvimento” (AMSDEN, 2009; RUGMAN, 2009). 28 Estas empresas são denominadas por MATHEWS (2006) como “multinacionais dragões”, isto é, empresas asiáticas oriundas de “países em desenvolvimento” que conseguiram internacionalizar a produção apesar de se desenvolverem tardiamente e sem as vantagens das indústrias líderes “(...) They do so without initial resources, without skills and knowledge, without proximity to major markets, and without the social capital that is to be found in regions like Silicon Valley(...)” (MATHEWS, 2006, p.6). De acordo com MATHEWS (2006), este fenômeno não pode explicado pelas teorias tradicionais de IED, pois estas empresas possuem como características um acelerado processo de expansão para novos mercados, inovações organizacionais na produção e estratégias diferentes das corporações já estabelecidas no cenário global. No modelo OLI, as empresas possuem uma vantagem de propriedade a priori que a torna competitiva no mercado internacional. Isso, associado com o processo de internalização, faz com que a firma seja capaz de competir em novos mercados, pois o objeto analisado pelo paradigma eclético consiste, primordialmente, no processo de internacionalização de firmas do Primeiro Mundo. Porém, muitas vezes as EMNES (Empresas Multinacionais Emergentes) possuem uma perspectiva distinta, dado que em alguns casos não possuem vantagens de propriedade, nem os mesmos recursos das empresas multinacionais dos países centrais, desenvolvendo tais elementos conforme avançam no processo de internacionalização. Além de constituírem objetos distintos, o cenário que essas duas formas de empresas surgem também é adverso. O processo de internacionalização iniciado na década de 1950 possuía mercados fechados, sendo necessário replicar a mesma estrutura da matriz nas filiais. Assim, possuir uma vantagem endógena foi considerada o elemento necessário para a internacionalização de uma firma. A expansão das EMNES no contexto do avanço da globalização ocorreu, muita vezes, com a captação de recursos não disponíveis nacionalmente e o uso de exportações para estabelecer uma presença internacional. Deste modo, as EMNES inserem-se nas cadeias globais de valores através da produção, do desenvolvimento de tecnologias e da logística, objetivando criar vantagens de propriedade através dessa interação (MATHEWS, 2006; 2017). what these firms have in common is that their internationalization is not based on the possession of overwhelming domestic assets which can be exploited abroad (...) their international expansion has been undertaken as much for the search for new resources to underpin new strategic options, as it has been to exploit existing resources. This is why they have to expand quickly, to consolidate gains that are fleetingly won. This is why they tend to rely on 29 partnerships and joint ventures, to reduce the high level of risk involved in their leveraged strategies (MATHEWS, 2006, p.17) MATHEWS (2006) propõe, então, o modelo LLL (Linkage, Leverage, Learning), como forma de análise, dividido em três aspectos: conexão, impulso e aprendizado. O primeiro deles diz respeito à capacidade de a firma obter vantagens externamente, garantindo acesso a recursos, como mão-de-obra qualificada e tecnologia, através do estabelecimento de joint- ventures ou outras formas de parcerias com empresas já consolidadas no mercado. O segundo abarca as estratégias adotadas pelas novas firmas para superar as barreiras à difusão de novas tecnologias impostas pelas grandes companhias. O terceiro, aprendizado, por sua vez, corresponde ao uso de maneira constante de conexões e impulsos como forma de dinamizar o processo de internacionalização das novas empresas. 2.2.4 A Escola de Uppsala e a corrente comportamental As teorias sobre IED também possuem a vertente comportamental, cujo principal exemplo é a Escola de Uppsala. Esse modelo parte da premissa que a falta de conhecimento é a principal barreira à internacionalização de uma empresa, sendo adquirida através do mercado internacional. Deste modo, a expansão internacional de uma firma é realizada de maneira gradual e consequência de um processo de ajuste incremental nas condições da empresa, na forma de aquisições e integração com novos mercados (JOHANSON, VAHLNE, 1977). A proposta de internacionalização gradual possui como base as empresas suecas nas décadas de 1960 e 1970, sendo composta por quatro estágios: i) nenhuma atividade de exportação; ii) exportação via terceiros; iii) subsidiária de vendas; e iv) produção no país de destino. Contudo, é possível que nem todos os estágios sejam cumpridos ou que uma firma avance um dos níveis, dependendo da estrutura do mercado. Dentre os elementos considerados pelas firmas está o tamanho do mercado consumidor, custo de transporte e barreiras tarifárias e não-tarifárias. Um dos conceitos apresentados pela Escola de Uppsala é a de distância psíquica: tendo em vista que a cada novo estágio é necessário aumentar os investimentos, as empresas tendem a expandir inicialmente as suas atividades para países culturalmente próximos, com idioma, costumes e sistemas políticos semelhantes (JOHANSON, WIEDERSHEIM-PAUL, 1975). Após identificar as fases de internacionalização, JOHANSON e VAHLNE (1977, 1990) propuseram um esquema de internacionalização dividido em quatro aspectos: 1) os recursos 30 destinados pela firma ao mercado externo, ou seja, a quantidade de recursos destinados ao novo mercado e o nível de comprometimento com ele, isto é, se o investimento realizado pela firma está integrado a outras esferas produtivas da companhia; 2) Informações sobre novos mercados. Segundo os autores, a decisão de investir tem como fundamento o nível de conhecimento das oportunidades e desafios do novo mercado, no qual a experiência é a principal forma de obter informações sobre a estrutura do mercado, padrão de consumo e elementos culturais; 3) As atividades da empresa é uma das formas como o conhecimento pode ser adquirido, sendo outra a contratação de funcionários com experiência no mercado em questão; 4) A decisão de investir novos recursos é uma resposta às oportunidades ou desafios percebidos pela firma através do conhecimento obtido. Cada novo investimento possui um efeito econômico, ganho de escala, e diminui a incerteza de mercado, dado o incremento no nível de interação e integração com o mercado em questão. Um dos desdobramentos dessa linha de pesquisa foi a introdução da noção de networking para analisar o IED. Segundo esta abordagem, o sistema industrial é composto pela interação entre firmas na etapa da produção, da distribuição e do uso de bens e serviços. De modo que a internacionalização de uma empresa é resultado de um processo acumulativo que constrói, mantém e desfaz conexões visando alterar sua posição dentro desse sistema. Assim, a perspectiva de network enfatiza as relações sociais entre os atores, no caso as firmas, como elemento para analisar a internacionalização da empresa, tendo em vista que o estabelecimento de redes facilita a expansão para novos mercados e torna o processo heterogêneo, dependendo das relações estabelecidas (JOHANSON, MATTSON, 1988; BJÖRKMAN, FORSGREN, 2000). The network view implies that all actors in a network are more or less active and that the establishment of new relationships and the development of old, is a result of interaction between active parties. To enter a network from outside requires that other actors have to be motivated to engage in interaction, something which is resource demanding, and which may require several firms to make adaptations in their ways of performing business. Thus, foreign market, or network, entry of the firm may very well be the result of interaction initiatives taken by other firms which are insiders in the network in the specific country. (JOHANSON, VAHLNE, 1990, p. 19) Diante da influência da literatura de network, JOHANSON e VAHLNE (2015) atualizaram o modelo proposto em 1977. Os autores mantiveram o conhecimento como central no processo de decisão da firma, sendo a principal mudança a incorporação das redes de contato, isto é, a empresa é inserida em um contexto, diferentemente da década de 1970, quando era considerada como ator unitário. Deste modo, o elemento de análise do modelo comportamental é o desenvolvimento das relações sociais. 31 2.2.5 Limites da linha de Negócios Internacionais O estudo do IED, como afirma DUNNING (2002f), constitui fenômeno complexo e envolve diferentes variáveis, sendo necessário uma abordagem interdisciplinar. Concomitante à análise econômica, é preciso considerar a dimensão política, pois fatores econômicos e tecnológicos abordam os tipos de investimentos e as decisões das empresas, porém são insuficientes para explicar as razões pelas quais os investidores estrangeiros possuem acesso às economias nacionais e as condições favoráveis que desfrutam em novos mercados (GILPIN, 1975). Essa literatura contribui para entender as decisões e elementos das multinacionais, porém desconsidera as mudanças na economia mundial discutidas anteriormente. JOHANSON e VAHLNE (2015), MATHEWS (2006) identificam transformações na forma de organização e nas características das multinacionais, porém não analisam a razão dessas mudanças. O mesmo pode ser aplicado a DUNNING e NARULA (1998) ao apresentar o conceito de IDP (Investment Development Path), no qual um país passa por cinco estágios de desenvolvimento, sendo cada fase atrelada à relação de receptor ou origem dos investimentos “The IDP suggests that countries tend to go through five main stages of development and that these stages can be usefully classified according to the propensity of those countries to be outward and/or inward direct investors.” (DUNNING, NARULA, 1998, p.1). Segundo esta visão, o desenvolvimento está atrelado ao tipo do IED, os recursos existentes no país e as políticas macroeconômicas adotadas. Não consideram as transformações no sistema monetário-financeiro internacional, na forma de acumulação do capital e as políticas industriais adotadas pelos países, tornando a análise incompleta. Assim, é necessário compreender as mudanças no modo de acumulação capitalista e seu impacto sobre as multinacionais A literatura mainstream sobre IED de negócios internacionais, que inclui as teorias apresentadas anteriormente, possui dificuldade em incluir a dimensão política em suas análises, mesmo reconhecendo a relevância da interdisciplinaridade. DUNNING (2002f) e DUNNING e LUNDAN (2008) destacam a importância de se considerar fatores além dos econômicos, porém a política é entendida apenas como o conjunto de leis e instituições do Estado, como a proteção da propriedade intelectual, barreiras ao fluxo de capital ou ao comércio e existência de um Estado de Direito. Os autores desse tipo de literatura (DUNNING e LUDAN, 2008; MOOSA, 2002; SCHNEIDER e FREY, 1985; LOREE e GUISINGER, 1995; KLUGE, 2017) lidam com a 32 questão de como um país atrai investimentos ou os fatores determinantes do IED, no qual a política é uma variável que afeta a decisão da empresa. Elementos como a existência de democracia, leis que asseguram a propriedade privada, níveis de corrupção, risco-país, estabilidade dos governos tendem a ser quantificados sem considerar as particularidades de cada país. Os autores não consideram as relações entre grupos domésticos, entre atores nacionais e internacionais e a ação de governos como agentes do desenvolvimento econômico, a partir de uma noção de indissociabilidade entre estado e mercado. 2.3 A contribuição da Economia Política Internacional Há uma tendência em utilizar metodologia e elementos da economia para analisar instituições sociais, políticas públicas e fenômenos sociais, caracterizado por GILPIN (2001) como “imperialismo econômico”. Segundo o autor, essa corrente assume que diferentes formas de comportamento social podem ser reduzidas a fatores econômicos e explicados pelo método dominante das ciências econômicas (economics), ao considerar que os indivíduos e instituições são racionais e visam maximizar seus ganhos. Tais perspectivas ignoram os aspectos históricos, políticos e sociais nos quais a economia está inserida. E pretendem se aproximar das ciências naturais, porém a economia não é livre de valores e ideologias, conforme indica GILPIN (2001, p. 31) “Interpretations of economic affairs are highly dependent upon the analytic perspective of the observer and upon his or her assumptions as these determine what the observer looks for or emphasizes”. O viés econômico analisa o objeto pela soma de suas partes, resultando em conceitos abstratos, como escassez, tornando-a a-histórica. Enquanto a economia política reconhece a totalidade do objeto de pesquisa, e a sua mutabilidade, incorporando a historicidade em seus estudos. Assim, o objeto de estudo da economia política diz respeito às leis gerais que orientam os processos de produção e distribuição da riqueza localizados no tempo e espaço (LESSA, 1981). Para GILPIN (1987), a economia política tem como objeto de análise as mudanças promovidas pela interação entre o Estado e o mercado, sobre como as decisões políticas afetam a produção e distribuição de riqueza, e a maneira que o poder do mercado atua sobre as práticas políticas ao definir a alocação de recursos escassos. A estrutura político-econômica do sistema internacional é definida divisão entre centro e periferia, dado à dinâmica expansionista do centro em incorporar novas regiões. Além da disputa de poder entre os Estados-Nações, o mercado também contribui para este fenômeno ao definir a competição como determinante do comportamento dos atores e a eficiência como elemento de sobrevivência. 33 O sistema internacional tem origem na aliança entre o poder político e o capital privado, no qual a expansão dos Estados territoriais foi acompanhada pela tendência global do capital, resultando no sistema interestatal capitalista. A competição político-econômica entre os Estados provocou a convergência entre os interesses da classe política e burguesa. Deste modo, a acumulação capitalista depende do poder estatal, como indicam as crises econômicas, no qual o “mercado” é resgatado pelo Estado. De modo contrário, a “economia de mercado” tende à descentralização e fragmentação. Mesmo com o processo de financeirização, os Estados nacionais desempenham papel relevante na vida dos seus respectivos países, pois não existem moedas, bancos ou mercados supranacionais, mas, sim, bancos e moedas nacionais com atuação internacional. Assim, as finanças são atreladas a alguma moeda nacional, submetida ao poder estatal, refletindo o resultado de disputas de poder entre os Estados (FIORI, 2007; 2014). Deste modo, a definição de EPI (Economia Política Internacional) empregada nesta dissertação segue a interpretação de GILPIN (2001). A EPI compreende a economia como um sistema sociopolítico composto de atores econômicos ou instituições como multinacionais, organizações domésticas, sindicatos e os Estados. As instituições são formadas a partir de elementos racionais e irracionais, cuja atividade não é guiada necessariamente pela eficiência, pois suas ações derivam da dependência de trajetória (path dependence) que não estão relacionadas, necessariamente, a decisões racionais, inseridas em diferentes sistemas de economias nacionais. Tais sistemas variam e são formados a partir da definição do propósito da economia em uma nação, o papel do Estado na economia e a estrutura e as práticas do setor corporativo. Ao contrário das análises econômicas e de Negócios Internacionais que não consideram o poder, a EPI inclui a sua dimensão em seus estudos. Ele determina a relação entre autoridade e mercado, e o objetivo da EPI é responder à questão de como o poder é usado para transformar a relação custo-benefício, riscos e oportunidades dos grupos sociais na estrutura político- econômica do sistema. FIORI (2014) identifica as relações de poder como um jogo de soma zero, relativo, expansivo, indissolúvel e dialético “(...) o poder é uma relação que se constitui e se define, tautologicamente, pela disputa e pela luta contínua pelo próprio poder (...)” (FIORI, 2014, p. 18). Para STRANGE (1994, 1996), as análises convencionais sobre a dimensão do poder ficam restritas ao papel do hegemon que fornece sustentação para o desenvolvimento e expansão do sistema capitalista pela pax americana. Segundo a autora, existem duas estruturas 34 de poder na economia política o poder estrutural e o relacional, porém o primeiro exerce mais influência do que o segundo. Poder relacional segue a definição da escola realista de Relações Internacionais, a partir da noção de poder como a habilidade de A fazer B exercer uma ação que de modo contrário não aconteceria. Poder estrutural, por sua vez, diz respeito à capacidade de determinar as estruturas da economia política internacional, determinando a relação entre os estados, entre indivíduos, instituições e corporações, de modo que o poder relacional constitui um elemento do poder estrutural. O poder estrutural é composto de quatro elementos, igualmente importantes: controle sobre a segurança, sobre a produção, sobre as finanças e sobre conhecimento, ideias e crenças. O primeiro refere-se ao controle da ameaça ou preservação dos indivíduos. Ao fornecer segurança, é possível exercer poder de modo não violento e ser aceito pelas pessoas. A produção de bens e serviços para a sociedade determina o que deve ser produzido e por quem, combinando terra, trabalho, capital e tecnologia, e a distribuição dos ganhos, sendo o controle dos meios de produção que define a relação de poder entre as classes sociais. O terceiro diz respeito à capacidade de gerar e distribuir crédito, isto é, possuir a confiança dos demais atores para que a criação de crédito seja plausível, fornecendo o poder de estimular a atividade econômica, acumular capital e gerar desigualdades. E o último, o controle sobre o conhecimento, as ideias e as crenças, corresponde ao controle sobre a capacidade de adquirir, desenvolver e limitar o acesso ao conhecimento, em especial o tecnológico, e determinar o conjunto crenças da sociedade. Comum a todos os quatro é a possibilidade de delimitar a capacidade de escolhas disponíveis aos demais atores, sem a percepção de pressão por esses indivíduos e grupos (STRANGE, 1994). all four kinds of structural power is that the possessor is able to change the range of choices open to others, without apparently putting pressure directly on them to take one decision or to make one choice rather than others. Such power is less 'visible'. The range of options open to the others will be extended by giving them opportunities they would not otherwise have had. And it may be restricted by imposing costs or risks upon them larger than they would otherwise have faced, thus making it less easy to make some choices while making it more easy to make others (STRANGE, 1994, p. 31). A literatura de EPI sobre a relação entre Estado e multinacionais pode ser dividida em pelo menos dois grupos, a saber: i) a visão estadocêntrica, que interpreta as multinacionais como subordinadas ao Estado; e ii) o capitalismo transnacional, cuja análise do poder dos grandes conglomerados transcende os estados e são os responsáveis pela globalização. Enquanto a 35 primeira abordagem diminui o papel das multinacionais na economia política internacional, a segunda exagera o poder dos conglomerados empresariais. Visto as diferenças epistemológicas e ontológicas entre essas vertentes, o diálogo acaba se tornando escasso entre essas duas abordagens (BABIC et. al., 2017). A perspectiva do capitalismo transnacional aponta o processo de liberalização econômica e expansão do IED, em especial as fusões e aquisições, como elementos da expansão e consolidação de grandes conglomerados multinacionais, cuja receita supera a de muitos estados. A formação dessas elites transnacionais institucionalizou um regime de governança global marcado pela elevada mobilidade do capital e capacidade organizacional que foge do escopo estatal, obtendo relativa autonomia perante o estado (GILL e LAW, 1989; GILL e CUTLER, 2014). OHMAE (1996, 2005) afirma que o estado-nação não é preparado para lidar com as transformações da globalização, interpretando as multinacionais como os principais atores do sistema internacional que dominam os investimentos, as indústrias, a tecnologia e o mercado consumidor, resultando em um mundo sem fronteiras. Na abordagem estadocêntrica, por seu turno, que tem GILPIN (2001) como um dos seus principais expoentes, ainda que fatores econômicos sejam importantes para o surgimento das grandes corporações, a ascensão e a expansão das multinacionais estão associadas ao apoio dos Estados e da hegemonia americana ao investimento estrangeiro e à expansão internacional. Ao contrário dos defensores da ideia de empresas transnacionais não pertencerem a um Estado, a abordagem estadocêntrica sustenta que elas são empresas nacionais que expandiram sua área de atuação, mas continuam inseridas nos elementos históricos, políticos e culturais de seus Estados nacionais. E, mesmo com a verticalização da estrutura corporativa, as multinacionais mantêm suas matrizes, centros financeiros, administrativos e de pesquisa nos países de origem (GILPIN, 2001). the proponents of the MNCs exaggerate their importance and overstate the internationalization of services and production. The nation-state remains the predominant actor in international economic affairs, and domestic economies are still the most important feature of the world economy (...) As firms have increased their presence in foreign markets, some distancing from their home economies has taken place and their national identities have been attenuated; yet, the greater part of a firm’s production, R & D, and activity remains in the home economy. It is also true that the huge expansion of intrafirm trade has changed the meaning of imports and exports. (GILPIN, 2001, p. 291, 294). 36 A perspectiva estadocêntrica também incorpora o conceito de geoeconomia. BLACKWILL e HARRIS (2016, p. 24) a definem da seguinte forma: “Geoeconomics essentially combines the logic of geopolitics with the tools of economics, viewing the economic actions and options of a given state as embedded within larger realities of state power”. As medidas estatais podem ser de curto ou longo prazo, objetivos amplos ou específicos, sendo resultado do poder estatal e das escolhas governamentais. A adoção de políticas liberais ou não- liberais é entendida como formas da geoeconomia, pois a proteção de setores industriais, incentivos à formação de grandes grupos empresariais, livre comércio ou a intervenção estatal mínima são práticas que atendem ao interesse estatal de maximizar poder. A corrente neoclássica possuía a tendência a quantificar a realidade na tentativa de se aproximar das ciências naturais, e enfatizar o papel das multinacionais. E a política na EPI segue a tradição das Relações Internacionais em definir o Estado e suas instituições como o seu principal objeto de estudo. STRANGE (1996) identifica a necessidade de estabelecer o diálogo entre as duas correntes. Desta maneira, a autora define política como qualquer associação de indivíduos voltados para um objetivo comum que detenha autoridade. Segundo a autora, essa definição ampla supera a divisão entre política doméstica e internacional, e resolve o problema conceitual de analisar Estados e corporações, governos e negócios sobre parâmetros semelhantes. Desta maneira, não apenas os estados são considerados os únicos objetos, as multinacionais também são interpretadas como atores políticos ao estabelecerem relações entre si e com governos. E assim como o Estado é capaz de mobilizar recursos de poder. Na atual configuração do sistema capitalista mundial, a competição entre as multinacionais também impacta as estratégias de desenvolvimento nacionais, pois as empresas tendem a investir em países que fornecem maiores retornos e vantagens, dificultando e impondo barreiras ao desenvolvimento de países pobres. E as negociações não são apenas entre Estados, pois há, também, negociações entre estados e multinacionais. A competição não fica restrita ao centro. As multinacionais, além de competirem nos mercados dos países desenvolvidos, não podem ignorar os mercados domésticos dos “países em desenvolvimento”, considerados a nova fronteira da disputa capitalista (STOPFORD et. al., 1991). Perante a intensificação da competição internacional entre os atores do sistema, com especial destaque ao surgimento das CGVs e da financeirização, assim como a consequente mudança nos elementos do poder estrutural de cada ator, STOPFORD et. al. (1991) propõem a noção de diplomacia triangular, isto é, considerando as transformações no sistema internacional 37 existem relações governo-governo, governo-corporação e corporação-corporação que também interagem entre si, como indica a figura 1. Figura 1 – Possíveis relações entre Estados e multinacionais. Fonte: STOPFORD et. al., 1991, p. 22. Nesta nova configuração, as multinacionais devem considerar como obter ganhos de escala e, ao mesmo tempo, conseguir atender as especificidades de cada mercado. Suas decisões também são afetadas pelo modo como as outras corporações atuam ao redor do globo, e não apenas nos mercados que ela atua. Os Estados também competem entre si pela atração de investimentos em termos favoráveis, tendo em vista os possíveis ganhos tecnológicos do spillover. E, no caso das negociações governo-multinacional, as outras formas de diplomacia afetam o poder de barganha de cada ator, bem como o setor de destino do IED (recursos naturais, bens voltados para o mercado doméstico ou à exportação). No que diz respeito à política industrial, em particular, destaca-se: a produção voltada para o mercado interno; a exportação dependente das multinacionais ou a criação de “campeãs nacionais” dependem do poder de barganha do Estado perante as companhias (STOPFORD et. al., 1991). Apesar destes esforços, BABIC et. al. (2017) afirmam que os dois campos seguem separados. Os autores propõem uma análise na mesma linha de STOPFORD et.al. (1991) e STRANGE (1996), de um estudo conjunto do Estado e das multinacionais. Segundo os autores, é necessário integrar o poder das corporações e dos Estados na mesma análise, pois ainda que as razões de agir no sistema global sejam distintas, ambos são atores racionais que visam reforçar e ampliar os seus poderes. Não são atores similares, mas estão justapostos. Assim, em alguns temas e situações, o Estado exerce maior poder sobre as multinacionais e vice-versa. 38 MNCs [multinationals] and states are, in this sense, foci of social forces competing for power and enforcement of their interests within global capitalism. They are embedded in relations represented as networks of power that combine different features, that is, they can be ownership, elite and/or other networks. This implies breaking with the popular idea of states and ‘markets’ as opposed principles or systems in the international environment. (BABIC et. al., 2017, p. 30). 39 3 A INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS CHINESAS: A ESTRATÉGIA GOING GLOBAL Um dos principais elementos do desenvolvimento chinês é o uso do aparelho estatal como ferramenta de política econômica, sendo o incentivo do IED chinês, por meio da estratégia Going Global, um de seus exemplos. Os objetivos deste capítulo são apresentar o debate na literatura sobre o modelo de desenvolvimento chinês e discutir os mecanismos de apoio estatal ao IED chinês, dividido em três seções. A primeira estuda as diferentes abordagens sobre o desenvolvimento chinês. A segunda analisa as mudanças do governo em relação aos investimentos chineses no exterior, bem como as formas de apoio governamental. A terceira seção apresenta um panorama do IED chinês nos Estados Unidos, União Europeia, África e América Latina. 3.1 O modelo de desenvolvimento chinês Não há consenso na literatura sobre o modelo de desenvolvimento da China. ARRIGHI et. al. (2003) defendem que a ascensão dos países do Leste Asiático não deve ser analisada de modo individual, mas, sim, como uma região-mundo, cujos processos estão interligados e possuem uma dinâmica própria em uma perspectiva de longo prazo. De acordo com SUGIHARA (2003), o sucesso do modelo do Leste Asiático foi a fusão entre o padrão histórico de desenvolvimento asiático, baseado no aprimoramento de recursos humanos com tecnologias intensivas em mão-de-obra e industrialização baseada na economia de energia, e o ocidental, marcado pelo investimento em tecnologia e desenvolvimento de recursos intensivos em capital. Para esse autor, esse processo foi iniciado com a modernização da Era Meiji (1868), no Japão, e a vitória britânica sobre a China, nas Guerras do Ópio (1860), tendo sido aprofundado após a Segunda Guerra Mundial. A disputa entre EUA e União Soviética resultou, dessa forma, na competição por recursos naturais e novas tecnologias, permitindo que outros países se desenvolvessem visando atender a demanda das superpotências, em particular a norte-americana, especializando-se em bens intensivos em capitais e em mão-de-obra. O avanço japonês criou uma nova divisão do trabalho na Ásia, no qual o Japão se especializou na produção de bens intensivos em capital e as demais economias da região em produtos intensivos em trabalho. A incorporação da China nesta cadeia ocorreu nos níveis mais baixos de bens, com uso de mão-de-obra barata. No século XIX, os países asiáticos, em especial China e Japão, procuram incorporar o modelo ocidental. Já após 1950, houve a convergência americana em direção ao modelo de 40 governo internacional asiático, no qual os EUA criaram um arranjo no Leste Asiático semelhante ao Sistema Tributário do Império chinês. Ou seja, visando ganhar legitimidade e acesso ao mercado do país hegemônico, os governos da região (Japão, Coreia do Sul e Taiwan) aceitaram a relação de subordinação com os Estados Unidos. Em troca desta submissão, tais países obtiveram vantagens comerciais com os americanos. Entretanto, este sistema apresentou sinais de instabilidade em sua origem, exemplificado pela Guerra da Coreia, em razão da exclusão de um dos principais países da região, a China. A derrota americana na Guerra do Vietnã forçou a incorporação de Pequim, permitindo a reintegração chinesa no comércio regional (ARRIGHI, 2007). Assim, segundo a linha dos autores que seguem a teoria de Sistema Mundo, a China deve ser analisada em um contexto internacional amplo que remonta ao Império chinês e sua relação com os britânicos. MEDEIROS (1999) também enfatiza os elementos internacionais e nacionais no desenvolvimento econômico chinês a partir de 1978. No front externo, argumenta o autor, a inserção geopolítica da China no confronto EUA-URSS permitiu o acesso das exportações chinesas ao mercado americano e condições favoráveis de financiamento, devido ao tratamento de nação mais favorecida pelo EUA. Ademais, a desvalorização da moeda japonesa em relação ao dólar, decorrente da ofensiva americana realizada em meados dos anos 1980, deslocou o capital asiático em direção à China, associado à entrada do capital internacional visando o mercado doméstico chinês, resultado do acirramento da competição oligopolista mundial. A partir de 1989 e do fim da União Soviética, a estratégia americana mudou e a China perdeu a condição de nação mais favorecida, sendo reconhecida como uma possível adversária dos interesses norte-americanos na região. Entretanto, assevera o referido autor, o país asiático já havia alcançado estruturas econômicas distintas do final dos anos 1970, permitindo enfrentar os desafios econômicos e o novo cenário internacional. No plano interno, MEDEIROS (2013) argumenta que apesar de as exportações contribuírem para o desenvolvimento chinês, especialmente para financiar as importações de bens de capital e bens intermediários, foram o investimento estatal e o mercado interno os principais responsáveis pelo desenvolvimento econômico chinês. Apesar de a China ser uma das principais exportadoras do mundo, ela não pode ser considerada uma economia orientada para exportações, como outras economias asiáticas. No caso de economias como Taiwan e Coreia do Sul, argumenta MEDEIROS (1999), há maior correlação entre o crescimento do PIB e o nível das exportações. Na China, “ (....) a importância do mercado interno decorrente da modernização da agricultura, da expansão da renda média de uma vasta população, dos 41 investimentos interindustriais e do processo de urbanização sobressaíram na liderança do crescimento econômico (...)” (MEDEIROS, 2013, p. 436). Os investimentos estatais são um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento econômico chinês mantendo-se em alto patamar do PIB e com função anticíclica. Os investimentos das empresas estatais assumiram a função de liderar o ciclo de investimentos na China estimulando a economia. Perante a pressões inflacionárias, superaquecimento da economia, aumento das importações e déficit na balança de transações correntes o governo desacelera os investimentos. Diante da queda da taxa de crescimento e de choques externos, como a crise asiática de 1997 e a crise econômica financeira de 2008, o Estado assumiu o papel de iniciar uma nova fase expansiva por meio dos investimentos, liderando o crescimento econômico. Nesse processo, o Estado criou e dinamizou zonas industrias, incentivou o progresso tecnológico e estimulou o mercado interno e a urbanização. E, a partir do início dos anos 2000, apoiou a expansão internacional das empresas estatais (MEDEIROS 2006, 2013). Outras correntes são centradas no conceito de Estado Desenvolvimentista. O estudo sobre o papel do Estado no desenvolvimento está presente desde o século XIX, porém o uso do termo Estado Desenvolvimentista foi inicialmente empregado no livro “MITI and the Japanese Miracle: The Growth of Industrial Policy, 1925-1975” de Chalmers Johnson em 1982 (MEIER, 2009). O conceito de Estado Desenvolvimentista foi utilizado por JOHNSON (1982) ao analisar o Estado japonês e, posteriormente, estendido a outros países, como a Coreia do Sul e Taiwan, no qual a ação estatal é orientada para o desenvolvimento econômico. Segundo o autor, no caso do Japão a existência de um corpo burocrático centralizado voltado para a transformação de uma economia intensiva em mão-de-obra para outra intensiva em capital voltada para inovação expresso na figura do MITI (Ministério do Comércio Internacional e Indústria4) – responsável por administrar a política industrial japonesa – caracteriza o Estado Desenvolvimentista. O êxito do MITI se deve também ao contexto político, econômico, social e histórico da formação do Estado japonês, cuja relação entre governo e conglomerados empresariais já era presente desde a Restauração Meiji no século XIX (JOHNSON, 1982). The government will give greatest precedence to industrial policy, that is, to a concern with the structure of domestic industry and with promoting the structure that enhances the nation’s international competitiveness. The very 4 Em 2001 o ministério foi reformulado pelo governo no Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI). 42 existence of an industrial policy implies a strategic, or goal-oriented, approach to the economy (JOHNSON, 1982, p. 19) Entre as condições para o surgimento do Estado Desenvolvimentista está a existência de um Estado forte, capaz de cooptar os principais grupos de interesse. A renúncia à ideologia e a mobilização das massas promovem uma passividade e apatia política, permitindo à elite governar por meio de compromissos mínimos com os poucos grupos políticos existentes, evitando o surgimento de novos agrupamentos contrários ao projeto de poder dos mandatários, resultando em um Estado forte com uma sociedade fraca. O atraso econômico também é um dos pré-requisitos. A promoção da competitividade industrial e da criação de tecnologias é entendida como uma forma de preservar a autonomia estatal e garantir a segurança nacional, tornando o desenvolvimento econômico objetivo central do Estado Desenvolvimentista (MEIER, 2009). É válido ressaltar que apenas o compromisso político ou o desejo de promover o desenvolvimento econômico não é suficiente para caracterizar o Estado Desenvolvimentista (CHU, 2016). No Estado Desenvolvimentista, o processo de tomada de decisão é realizado pela burocracia especializada e formada por uma elite intelectual incumbida de planejar a estratégia do governo, constituindo os formuladores das políticas estatais (JOHNSON, 1982). Segundo EVANS (1995), a burocracia apresenta elevado grau de coerência por possuir uma seleção rigorosa e recompensas na carreira em longo prazo. Esta coesão corporativa atribui autonomia ao processo decisório evitando que interesses individuais dominem o Estado, porém ela não é isolada da sociedade. A burocracia está inserida em um conjunto de relações sociais que conecta a sociedade ao Estado, sendo comum a formação de redes entre burocratas e líderes empresariais. A existência desta burocracia e as redes de contato atribuem ao Estado a característica de autonomia inserida, que permite o planejamento e a execução das políticas estatais, conforme EVANS (1995, p. 50) “‘Embedded autonomy’ combines Weberian bureaucratic insulation with intense connection to the surrounding social structure”. A forma que esta autonomia inserida assumirá depende da formação histórica do aparato estatal e da estrutura social em questão, impactando na formulação política industrial. A política industrial, por sua vez, refere-se a um conjunto de políticas destinadas à proteção da indústria doméstica, ao desenvolvimento de indústrias estratégicas e a ajustes na estrutura econômica mediante mudanças externas e internas, incentivando a racionalização da produção, isto é, o envolvimento do Estado no desenvolvimento dos mercados e nas operações de empresas selecionadas pelo governo (JOHNSON, 1982). Entre os mecanismos empregados 43 para promover as indústrias nacionais estão a desvalorização cambial, isenções fiscais, viabilização e financiamento de atividades de pesquisa e desenvolvimento, imposição de tarifas a bens importados etc. Outro mecanismo é o uso do sistema financeiro pelos governos, ao utilizar empréstimos bancários preferenciais e alocação de crédito com taxas de juros baixas, garantindo que fossem realizados investimentos produtivos. Ademais, tais subsídios tendem a ser atrelados a exigências de metas (MEIER, 2009, ZHITING, 2017). industrial policy is a reflection of economic nationalism, with nationalism understood to mean giving priority to the interests of one’s own nation but not necessarily involving protectionism (…) it is equally possible that free trade will be in the national economic interest during particular periods (…). Industrial policy is, however, a recognition that the global economic system is never to be understood in terms of the free competitive model (JOHNSON, 1982, p. 26-27) A abordagem do Estado Desenvolvimentista não segue o laissez-faire neoclássico e nem o planejamento centralizado do socialismo. Trata-se, pois, de uma análise voltada para o papel ativo do Estado na criação de políticas econômicas orientadas para o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, segundo MEIER (2009, p. 41) “An approach in which the state plays an activist role and is characterized above all by the hybrid of stale and market, namely "guided markets". The developmental state approach emphasizes the state's capacity to implement economic policies sagaciously and effectively”. Entre as suas características, está a existência de uma elite burocrática coesa e autônoma, pois o objetivo da burocracia é promover a transformação da economia, ao invés de ganhos pessoais; a existência de uma “agência piloto”, isto é, um órgão autônomo capaz de formular políticas industriais e coordenar o desenvolvimento econômico, como o MITI no Japão; e o crescimento econômico liderado pelo Estado (CHU, 2016; ZHITING, 2017). O Estado Desenvolvimentista favorece a criação de “indústrias campeãs” em setores com alta elasticidade da demanda no mercado mundial, potencial de progresso tecnológico e ganho de produtividade. Também protege indústrias nascentes da competição, enquanto estimula a exportação em larga escala de outras empresas domésticas, buscando, assim, propiciar o crescimento econômico e o aumento da competitividade internacional dessas firmas. Ademais, há o controle da entrada de capital estrangeiro, visando diminuir a dependência de fluxos de capital internacional e proteger as firmas estratégicas menos competitivas (MEIER, 2009). 44 O Estado pode assumir três papeis ideais na estratégia desenvolvimentista, a saber: 1) regulador, 2) produtor e 3) incentivador. No primeiro caso, o Estado fornece auxílio, proteção e policiamento, como incentivos fiscais e políticas protecionistas que limitam as importações e o investimento estrangeiro. A função de produtor, por seu turno, é exercida quando o Estado avalia que o capital nacional é incapaz de criar novas indústrias e o internacional não está disposto a assumir riscos, assumindo a função de estabelecer um novo setor econômico através de uma empresa estatal, por exemplo. Por fim, a terceira estratégia, incentivador, o Estado não se atribui o papel de desenvolver uma indústria, delegando-a ao capital doméstico. Neste caso, no entanto, o Estado fornece incentivos ao surgimento de um novo setor atraindo o investimento nacional ou estrangeiro (EVANS, 1995). Ao analisar as economias do Leste Asiático, WADE (1990) propõe e sintetiza seis elementos da intervenção estatal em economias em industrialização: 1) Uso de políticas para promover o investimento industrial em setores que estimulam o crescimento econômico; 2) Medidas protecionistas para ajudar na criação de grupos empresariais competitivos internacionalmente; 3) Políticas de promoção às exportações; 4) Aceitar multinacionais, mas direcioná-las em direção às exportações; 5) Promover a criação de um sistema bancário sob o controle do governo; e 6) Realizar a liberalização comercial e financeira de modo gradual e coerente, em contraste com a liberalização abrupta da América Latina. Ao aplicar o modelo do Leste Asiático ao desenvolvimento chinês, percebe-se que as condições do Estado Desenvolvimentista estão presentes. A Revolução de 1949 eliminou as elites antigas e estabeleceu o domínio do PC Chinês (Partido Comunista Chinês), fortalecendo a posição do Estado sobre a sociedade. E no início das reformas de 1978, a China era um país economicamente atrasado, cujo desenvolvimento econômico foi entendido como um meio de garantir a segurança nacional. Outro elemento foi o projeto de transformar a economia chinesa baseada em mão-de-obra barata para intensiva em capital e tecnologia (ZHITING, 2017). No que diz respeito à burocracia característica do modelo do Leste Asiático, a burocracia chinesa é dividida entre a central e as provinciais, sendo a primeira relativamente menor que as demais. Assim, a formulação de uma dada política industrial pelo governo central é repassada aos governos provinciais, responsáveis por implementá-las a partir das diretrizes de Pequim e adaptando-as em seus contextos e condições locais. Diante da ausência de uma organização 45 formal, principalmente nos níveis mais baixos, o corpo burocrático recorre ao uso do guanxi5 para substituir as relações institucionais. Outra característica é a influência do PC chinês na burocracia estatal, pois há uma simbiose entre Estado e Partido, refletindo na escolha dos funcionários do governo. Ainda que haja uma seleção baseada na meritocracia, os cargos mais importantes são designados segundo critérios políticos e de lealdade (MEIER, 2009). Assim, um elemento que distingue a China do modelo do Leste Asiático é a ausência da autonomia imbuída descrita por EVANS (1995). Visando obter ganhos, os burocratas locais tendem a agir de modo a proteger as empresas instaladas em suas regiões gerando uma interdependência entre os governos locais e as empresas6, caracterizando um estilo de “corporativismo estatal local”, no qual os funcionários públicos exercem função equivalente à de membros da diretoria da empresa (ZHITING, 2017). Em relação à existência de uma agência piloto, MEIER (2009) afirma que a China depende de diferentes órgãos, como o Ministério das Finanças e a NDRC (Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reformas), sem nenhum deles alcançar o mesmo status do MITI no Japão. ZHITING (2017) apresenta visão contrária. Para o autor, a SASAC (Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Conselho de Estado) constitui uma agência piloto. O órgão, criado em 2003, é responsável pela administração das SOEs (Empresas Estatais) com o objetivo de torná-las globalmente competitivas. A SASAC centralizou diferentes ministérios que eram responsáveis pela administração dessas empresas, exercendo controle por meio da indicação dos membros da diretoria das estatais. O método de administração adotado possui critérios de mercado: as estatais que atuam voltadas para o lucro devem estar entre as três melhores do seu setor para não ser liquidada ou absorvida por outra estatal, justificando a redução de 196 SOEs, em 2003, para 102, em 2016, resultando em grandes conglomerados controlados pelo Estado. Porém, segundo NAUGHTON (2015), existem limitações à autoridade da SASAC. A primeira é o controle das receitas, pois, apesar do órgão controlar 45 das 500 maiores empresas mundiais, o lucro é retido pelas SOEs. E a segunda diz respeito à capacidade de exercer controle, dividida com o Comitê Central do Politburo, núcleo do Partido, responsável por indicar a diretoria das principais estatais sobre controle da SASAC. Assim como os governos do modelo do Leste Asiático, a China aplica políticas industriais voltadas para o desenvolvimento eco