Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em “Fisiopatologia em Clínica Médica” da Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE MEDICINA “ JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Carlos Segundo Paiva Soares PARATORMÔNIO DAS PRIMEIRAS 8 HORAS PÓS- TIREOIDECTOMIA COMO PREDITOR DE HIPOCALCEMIA: UM ESTUDO PROSPECTIVO Orientadora: Profa. Adjunta Dra. Gláucia Maria Ferreira da Silva Mazeto Coorientador: Prof. Dr. José Vicente Tagliarini Botucatu - 2021 Carlos Segundo Paiva Soares PARATORMÔNIO DAS PRIMEIRAS 8 HORAS PÓS- TIREOIDECTOMIA COMO PREDITOR DE HIPOCALCEMIA: UM ESTUDO PROSPECTIVO Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em “Fisiopatologia em Clínica Médica” da Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor. Orientadora: Profa. Adjunta Dra. Gláucia Maria Ferreira da Silva Mazeto Coorientador: Prof. Adjunto Dr. José Vicente Tagliarini Botucatu - 2021 “Para quem têm pensamento forte, o impossível é só questão de opinião.” (Alexandre Abrão) DEDICATÓRIA Dedico esta tese:  Aos meus amados pais, Carlos e Raimunda, que abriram mão da realização de muitos dos seus sonhos, para que eu pudesse realizar os meus;  A minha amada esposa Débora, que me inspira diariamente a ser uma pessoa e um médico melhor; e  A minha linda filha Júlia, o maior presente que Deus me deu. AGRADECIMENTOS A todos os pacientes, que, mesmo num momento de angústia e fragilidade, aceitaram participar deste estudo; À Dra. Gláucia Mazeto, minha orientadora e exemplo de professora, pela dedicação, ensinamentos e por me fazer enxergar qualidades que nunca pensei que tivesse; Ao Dr. José Vicente, grande colega de trabalho e amigo, por ter confiado no meu trabalho e ajudado no meu amadurecimento profissional; À Karol e Kerol, minhas queridas irmãs, que são meus maiores exemplos do ponto de vista acadêmico; A meus sogros, Marcos e Dininha, pelo suporte e paciência; Aos residentes, em especial os da otorrinolaringologia e endocrinologia, pela imensurável ajuda na realização deste estudo; A todos do Departamento de Otorrinolaringologia, pela parceria; À professora Márcia, pela paciência em me ensinar as bases da estatística; A todo o time de estatística na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, em especial a Eloísa e o José Eduardo, pela ajuda imensurável; Por fim, a todos os meus professores do ensino básico, graduação, residência e pós-graduação, por terem colaborado na minha formação. Nada teria sido possível sem a ajuda de todos. RESUMO Introdução: Dentre as complicações da tireoidectomia, a hipocalcemia é a mais frequente, apresentando grande dificuldade de predição. Seu manejo varia muito de serviço para serviço, não havendo uma conduta universalmente aceita. Objetivos: Avaliar a capacidade das concentrações séricas do paratormônio (PTH) nas primeiras 8 horas após a tireoidectomia total (TT) ou totalização de tireoidectomia (ToT), de detectar os pacientes que evoluirão com hipocalcemia e aqueles que necessitarão da reposição de cálcio (Ca). Casuísticas e Métodos: Foram avaliados 107 pacientes submetidos a TT ou ToT, prospectivamente, com dosagem de PTH no pré-operatório (PreO) e na 1a e 8a hora (h) de PO; e de Ca no PreO e com 1, 8, 14, 24, 30, 36, 42 e 48h de PO, além de quanto a outros parâmetros laboratoriais, demográficos, clínicos/cirúrgicos, anatomopatológicos e evolutivos. Os principais desfechos foram a hipocalcemia e a necessidade de reposição de Ca no PO, enquanto que as principais variáveis de interesse foram as concentrações séricas do PTH coletado na 1a e 8a h de PO. Os pacientes foram divididos em grupos normo ou hipocalcêmico, e com ou sem necessidade de reposição de Ca, e esses grupos foram comparados entre si quanto aos diferentes parâmetros avaliados. Posteriormente, foram realizadas análises uni e multivariadas para os desfechos. Para as variáveis preditoras, foram calculados a área sob a curva ROC e os pontos de melhor sensibilidade e especificidade para a predição dos desfechos. Resultados: Dos pacientes avaliados, 70,1% e 40,2% evoluíram, respectivamente, com hipocalcemia e necessidade de reposição de Ca. Foram preditores de hipocalcemia o PTH PreO, da 1a e 8a h de PO, o magnésio (Mg) do 1o PO e a ToT; e de necessidade de reposição de Ca o PTH da 1a e 8a h de PO, o Ca da 1a h e o fósforo (P) do 1o dia de PO. O cutoff do PTH de 9,7 e 8,22 pg/mL, na 1a h de PO, e de 11,2 e 8 pg/mL, na 8a h de PO, apresentaram, respectivamente, acurácia de 75,9% e 83,9%; e de 72,7% e 84,8%, com sensibilidade de 72,4% e 90,2%; e de 67,1% e 89,7% em predizer hipocalcemia e necessidade de reposição de Ca. Quando combinados, a acurácia e sensibilidade em predizer necessidade de reposição de Ca foram, respectivamente, de 84,9% e 91,9%. Conclusão: As concentrações séricas do PTH, coletadas na 1a e 8a h de PO, foram preditoras de hipocalcemia e da necessidade de reposição de Ca após TT ou ToT. Descritores: cálcio, hipocalcemia, hormônio paratireóideo, tireoidectomia. ABSTRACT Introduction: Among the complications of thyroidectomy, hypocalcemia is the most frequent, presenting great difficulty in prediction. Its management varies greatly from service to service, and there is no universally accepted conduct. Objectives: To evaluate the ability of serum concentrations of parathormone (PTH) in the first 8 hours (h) after total thyroidectomy (TT) or totalization of thyroidectomy (ToT), to detect patients who will develop hypocalcemia and those who will need replacement of calcium (Ca). Casuistry and Methods: 107 patients who underwent TT or ToT were prospectively evaluated with PTH dosage in the preoperative period (PreO) and in the 1st and 8th postoperative hours; and Ca in PreO and with 1, 8, 14, 24, 30, 36, 42 and 48 h of PO, in addition to other laboratory, demographic, clinical / surgical, anatomopathological and evolution parameters. The main outcomes were hypocalcemia and the need for Ca replacement in the PO, while the main variables of interest were the serum concentrations of PTH collected in the 1st and 8th hours of PO. The patients were divided into normal or hypocalcemic groups, with or without the need for Ca replacement, and these groups were compared with each other regarding the different parameters evaluated. Subsequently, univariate and multivariate analyzes were performed for the outcomes. For the predictor variables, the area under the ROC curve and the points of best sensitivity and specificity for the prediction of outcomes were calculated. Results: Of the evaluated patients, 70.1% and 40.2% evolved, respectively, with hypocalcemia and need for Ca replacement. Predictors of hypocalcemia were PTH PreO, from the 1st and 8th hours of PO, magnesium (Mg) from 1st PO and ToT; and the need for replacement of Ca the PTH of the 1st and 8th hours of PO, the Ca of the 1st hour and the phosphorus (P) of the 1st day of PO. The PTH cutoff of 9.7 and 8.22 pg/mL, in the 1st h of PO, and 11.2 and 8 pg / mL, in the 8th h of PO, presented, respectively, accuracy of 75.9% and 83.9%; and 72.7% and 84.8%, with a sensitivity of 72.4% and 90.2%; and 67.1% and 89.7% in predicting hypocalcemia and the need for Ca replacement. When combined, the accuracy and sensitivity in predicting the need for Ca replacement were 84.9% and 91.9%, respectively. Conclusion: Serum PTH concentrations, collected in the 1st and 8th hours of PO, were predictors of hypocalcemia and the need for Ca replacement after TT or ToT. Descriptors: calcium, hypocalcemia, parathyroid hormone, thyroidectomy. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Esquema mostrando o metabolismo do cálcio, tendo o PTH (paratormônio) como principal hormônio regulador...................................................................18 Figura 2. Protocolo proposto para detecção e abordagem do hipoparatireoidismo em pacientes submetidos à tireoidectomia total no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP...............................................25 Figura 3. Fluxograma ilustrando o procedimento de seleção da amostra de pacientes............................................................................................................... 33 Figura 4. Delineamento do estudo. PTH - paratormônio, Ca - Cálcio sérico, P/F - proteínas totais e frações, TSH - hormônio tireoestimulante, T4L - tiroxina livre, Vit D - 25(OH)vitamina D, HP - hipoparatireoidismo.............................34 Figura 5. Distribuição percentual do momento de início da reposição de cálcio....... 42 Figura 6. Evolução do paratormônio (PTH) em quatro momentos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico: pré-operatório, na primeira e oitava horas de pós-operatório, e no trigésimo dia da alta hospitalar.....................45 Figura 7. Comparação entre cálcio sérico corrigido [em mg/dL; média (± desvio padrão)] pré-operatório e do 30° dia pós alta hospitalar, nos pacientes que evoluíram com hipocalcemia, mas sem necessidade de reposição de cálcio...................................................................................................................... 46 Figura 8. Evolução do paratormônio (PTH) em quatro momentos nos grupos sem e com reposição de cálcio: pré-operatório, na primeira e oitava horas de pós- operatório, e no trigésimo dia da alta hospitalar............................................. 48 Figura 9. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na primeira hora após a tireoidectomia como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 9,7 pg/mL; área sob a curva = 0,784 (intervalo de confiança = 0,691 - 0,860; p< 0,001)].............................54 Figura 10. Distribuição dos casos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico e sua relação com a concentração do hormônio da paratireoide (PTH) da primeira hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia........................................................................................................55 Figura 11. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na oitava hora após a tireoidectomia como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 11,2 pg/mL; área sob a curva = 0,781 (intervalo de confiança = 0,686 - 0,858; p< 0,001)].............................56 Figura 12. Distribuição dos casos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico e sua relação com a concentração do hormônio da paratireóide (PTH) da oitava hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia........................................................................................................57 Figura 13. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) pré-operatório como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 42,9 pg/mL; área sob a curva = 0,631 (intervalo de confiança = 0,531 - 0,724; p< 0,01)]................................................................. 58 Figura 14. Concentração sérica de Magnésio (Mg) no primeiro dia de pós-operatório de tireoidectomia como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 1,9 pg/mL; área sob a Curva = 0,758 (intervalo de confiança = 0,663 - 0,837; p< 0,001)]........................................59 Figura 15. Comparação entre a curva ROC (Receiver operator characteristic) do PTH da 1a e 8 hora (h), do pré-operatório e Magnésio (Mg) do primeiro dia de pós-operatório (PO) na predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia..60 Figura 16. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na primeira hora após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 8,2 pg/mL; área sob a curva = 0,9 (intervalo de confiança = 0,823 - 0,951; p< 0,001)] 61 Figura 17. Distribuição dos casos nos grupos sem e com reposição de cálcio e sua relação com a concentração do hormônio da paratireoide (PTH) da primeira hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia........................................................................................................62 Figura 18. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na oitava hora após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio – [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 8 pg/mL; área sob a curva = 0,897 (intervalo de confiança = 0,82 - 0,949; p< 0,001)]. .................................................................................................................................63 Figura 19. Distribuição dos casos nos grupos sem e com reposição de cálcio e sua relação com a concentração do hormônio da paratireoide (PTH) da primeira hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia........................................................................................................64 Figura 20. Concentração sérica de cálcio (Ca) na primeira hora após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 9,4 mg/dL; área sob a curva = 0,55 (intervalo de confiança = 0,448 - 0,65; p= 0,39)]..................65 Figura 21. Concentração sérica do fósforo no primeiro dia após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 3,9 mg/dL; área sob a curva = 0,809 (intervalo de confiança = 0,717 - 0,881; p< 0,001)].............................66 Figura 22. Comparação entre a curva ROC (Receiver operator characteristic) do hormônio da paratireoide (PTH) da 1a e 8a hora (h), e fósforo (P) do 1o dia de pós-operatório (PO) na predição de necessidade de reposição de cálcio pós-tireoidectomia................................................................................................67 Figura 23. Sugestão de protocolo para alta precoce após tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia..............................................................................78 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Valores de referência para as dosagens laboratoriais séricas.................... 36 Tabela 2. Dados demográficos, clínicos/cirúrgicos, anatomopatológicos e de evolução de 107 pacientes................................................................................ 40 Tabela 3. Comparação dos grupos quanto a evolução pós-operatória da calcemia.43 Tabela 4. Comparação dos grupos quanto a necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório......................................................................................................47 Tabela 5. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia total - Análise univariada... 49 Tabela 6. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia no modelo 1A - Análise multivariada.......................................................................................................... 50 Tabela 7. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia no modelo 1B - Análise multivariada.......................................................................................................... 50 Tabela 8. Predição de necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia total - Análise univariada..........................................................51 Tabela 9. Predição de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia no modelo 2A - Análise multivariada..................................................................... 52 Tabela 10. Predição de necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia no modelo 2B - Análise multivariada......................................53 Tabela 11. Valores da área sob a curva ROC, cutoff, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo e acurácica do PTH da 1 e 8 horas de pós-operatório (PO), do pré-operatório e o Mg do 1o PO na predição de hipocalcemia após tireoidectomia.....................................................................60 Tabela 12. Valores da área sob a curva ROC, Cutoff, sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP) e negativo (VPN) e acurácia (A) do PTH da 1a e 8a hora, e do fósforo do 1o dia de pós- operatório, associado aos valores de S, E, VPP, VPN e A do PTH PO da 1a h ≤ 8,2 pg/mL e 8a h ≤ 8 pg/mL combinados na predição de necessidade de reposição de cálcio pós-tireoidectomia...................................................... 67 LISTA DE ANEXOS Anexo 1. Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)................................. 92 Anexo 2. Parecer consubstanciado do CEP - no.2.046.729........................................... 94 Anexo 3. Parecer consubstanciado do CEP - no.2.582.208........................................... 100 Anexo 4. Parecer consubstanciado do CEP - no. 4.399.390............................................ 104 Anexo 5. Parecer consubstanciado do CEP - no. 4.642.575............................................ 108 ABREVIATURAS A - acurácia AH - alta hospitalar ASC - área sob a curva ROC Alb - albumina BAETS - The British Association of Endocrine and Thyroid Surgeons Ca - cálcio DP - desvio padrão E - especificidade EC - esvaziamento cervical EV - endovenosa FMB-Unesp - Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” g/dL - gramas por decilitro h - hora, horas HipoPT - hipoparatireoidismo IC - intervalo de confiança Mg - magnésio mg/dL - miligrama por decilitro mmHg - milimetro de mercúrio ng/dL - nanograma por decilitro ng/mL - nanograma por mililitro OR - Odds Ratio P - fósforo PAAF - punção aspirativa por agulha fina pg/mL - picograma por mililitro PO - pós-operatório PTH - hormônio da paratireoide ou paratormônio ROC - Receiver Operating Characteristic S - sensibilidade TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ToT - totalização da tireoidectomia TT - tireoidectomia total TSH - hormônio tireoestimulante T4L - tiroxina livre USG - ultrassonografia VO - via oral VPN - valor preditivo negativo VPP - valor preditivo positivo 25OHD - 25(OH)vitaminaD ou colecalciferol µIU/mL - microunidade internacional por mililitro SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE FIGURA LISTA DE TABELA LISTA DE ANEXOS ABREVIATURAS 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................. 17 1.1. Fisiologia do controle cálcio-fósforo................................................................... 17 1.2. Hipocalcemia e hipoparatireoidismo.................................................................... 19 2. HIPÓTESE.................................................................................................................... 28 3. OBJETIVO.................................................................................................................... 30 4. CASUÍSTICA E MÉTODOS....................................................................................... 32 4.1. Casuística..................................................................................................................... 32 4.2. Delineamento.............................................................................................................. 33 4.3. Análise Estatística..................................................................................................... 37 5. RESULTADOS............................................................................................................. 40 5.1. Descrição dos pacientes estudados..................................................................... 40 5.2. Comparação entre os grupos quanto a calcemia............................................. 42 5.3. Comparação entre os grupos quanto a necessidade de reposição de cálcio............................................................................................................................. 46 5.4. Avaliação dos preditores de hipocalcemia......................................................... 49 5.5. Avaliação dos preditores da necessidade de reposição de cálcio.............. 51 5.6. Cutoffs para predição de hipocalcemia............................................................... 54 5.7. Cutoffs para predição da necessidade reposição de cálcio.......................... 61 6. DISCUSSÃO................................................................................................................. 69 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 80 8. CONCLUSÃO............................................................................................................... 82 REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 83 ANEXOS.................................................................................................................................. 92 16 1. INTRODUÇÃO Introdução 17 1. INTRODUÇÃO A primeira cirurgia da glândula tireoide de que se tem relato foi realizada pelo cirurgião árabe Abulcasis, em torno do ano 1.000 depois de Cristo, na cidade de Córdoba, na Espanha. De lá pra cá, a tireoidectomia evoluiu de forma considerável, sofrendo grandes avanços principalmente no final do século XIX, graças ao cirurgião Emil Theodor Kocher, que contribuiu de forma significativa para o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica, levando a uma queda da mortalidade secundária a este procedimento. Paralelamente a Kocher, William Halsted contribuiu de forma importante para o aprimoramento das técnicas de hemostasia desta cirurgia. Hoje, a tireoidectomia representa uma das cirurgias mais realizadas por cirurgiões de cabeça e pescoço em todo o mundo (Halsted, 1920; Giddings, 1998; Sakorafas, 2010). Várias são as indicações para a realização da tireoidectomia, entre as quais se destacam as neoplasias malignas, os bócios multinodulares atóxicos sintomáticos e os bócios difusos tóxicos de grandes volumes ou associados a oftalmopatia (Fortuny et al., 2015). Como em todos os procedimentos cirúrgicos, a tireoidectomia pode resultar em complicações. Estas podem ser divididas em complicações gerais, específicas e metabólicas. Dentre as gerais, destacam-se o hematoma pós-operatório (PO), uma complicação séria, que pode levar ao comprometimento da passagem do ar, dispneia e morte por insuficiência respiratória; o seroma, que corresponde ao acúmulo de serosidade no leito operatório; a infecção da ferida operatória; e a deiscência. Em relação às específicas, destacam-se a paralisia de nervo laríngeo recorrente e/ou da porção externa do nervo laríngeo superior, que estão intimamente relacionadas à qualidade vocal do paciente no PO. Por fim, dentre as complicações metabólicas, podemos citar a hipocalcemia e o hipoparatireoidismo (HipoPT) (Cannizzaro et al., 2017; Ernandes et al., 2012). 1.1. Fisiologia do controle cálcio-fósforo O controle do metabolismo cálcio-fósforo depende de uma complexa rede que envolve a atuação do intestino, dos ossos e dos rins e a regulação por uma Introdução 18 série de hormônios e citocinas, os quais apresentam intrincada relação entre si. Entre estes se destaca o hormônio da paratireoide ou paratormônio (PTH), o qual é produzido pelas glândulas paratireoides e apresenta papel fundamental na regulação dos níveis séricos de cálcio (Ca) e fosfato. Sua síntese e secreção são reguladas pelos receptores sensíveis de Ca, encontrados na superfície das células principais das paratireoides (Hoorn e Zietse, 2013). Em situação normal, a queda do Ca sérico estimula a liberação de PTH que vai agir de forma direta no tecido ósseo e no rim, estimulando a reabsorção de Ca em ambos e a excreção renal de fosfato. Também a nível renal, o PTH estimula a conversão de 25(OH)vitaminaD (colecalciferol; 25OHD) em 1,25(OH)vitaminaD (calcitriol), forma ativa da vitamina D, que estimula a absorção intestinal de Ca e fostato (Figura 1). Diante disso, qualquer injúria cirúrgica às paratireoides que resulte em déficit na produção de PTH, acarreta em hipocalcemia, hiperfosfatemia e déficit na produção renal de calcitriol (Gafni e Collins, 2019). Figura 1. Esquema mostrando o metabolismo do cálcio, tendo o PTH (paratormônio) como principal hormônio regulador. Fonte: N Engl J Med 2019;380:1738-47. Introdução 19 1.2. Hipocalcemia e hipoparatireoidismo Dentre as complicações associadas à tireoidectomia, a mais frequente é a hipocalcemia. Em função do grande leque de definições para esta, sua incidência varia muito entre os serviços (Al-khatib et al., 2015). Rosato et al., após avaliar 14.934 pacientes submetidos a cirurgia tireoidiana, encontrou uma incidência de hipocalcemia sintomática de 14%. A The British Association of Endocrine and Thyroid Surgeons (BAETS), considerando hipocalcemia como Ca sérico < 2,1 mmol/L (8,42 mg/dL), encontrou uma incidência de 23,6% no primeiro PO. Edafe et al., após analisar 238 pacientes em PO de tireoidectomia total (TT), com uma definição de hipocalcemia semelhante à BAETS, encontrou uma incidência de hipocalcemia de 29% no primeiro PO. Khadra et al., numa metanálise, encontraram uma variação de incidência de hipocalcemia transitória de 1% a 26% em pacientes com alta precoce e acompanhamento ambulatorial. Neste estudo, de um total de 2.268 pacientes avaliados, a hipocalcemia foi documentada com exames laboratorais em 270 casos (11%). Em contrapartida, Torabi et al. avaliaram, em uma coorte retrospectiva, seis mil quinhentos e dezenove pacientes submetidos a TT e encontram uma incidência de hipocalcemia sintomática de 6,9%. (Rosato et al., 2004; Edafe et al., 2014; Chadwick, 2017; Khadra et al., 2017; Torabi et al., 2020). A hipocalcemia, no geral, causa aumento da excitabilidade neuromuscular, cuja repercussão vai depender da intensidade e duração do distúrbio metabólico. Na grande maioria dos pacientes, a hipocalcemia é assintomática. Quando sintomática, os casos mais leves podem apresentar parestesia digital, dormência perioral, hiperreflexia e irritabilidade (Maeda et al., 2018). Ao exame físico, os sinais de Trousseau e Chvostek são característicos e refletem o aumento da excitabilidade neuromuscular. O primeiro corresponde à contração involuntária dos músculos do antebraço, quando o manguito do esfigmomanômetro é inflado entre 10 a 20 mmHg acima da pressão sistólica por cerca de 3 minutos. Isso leva a uma flexão do punho e articulação metacarpofalangiana, extensão das articulações interfalangianas e adução do polegar. Por outro lado, o sinal de Chvostek corresponde à contração involuntária dos músculos de expressão da face, desencadeada pela percussão da região pré-auricular/arco zigomático. Este sinal reflete o aumento da excitabilidade dos ramos do nervo facial. Ambos os sinais são característicos, mas não patognomônicos de hipocalcemia. Eles podem ser encontrados em 4 e 10% da Introdução 20 população normal, respectivamente (Narayan et al., 2008; Young et al., 2014). Os casos mais graves podem se apresentar na forma de espasmos musculares, laringoespasmo, tetania, arritmia cardíaca e, até mesmo, morte. Em geral, a hipocalcemia que ocorre após a TT ou a totalização da tireoidectomia (ToT) decorre do HipoPT (Khafif et al., 2006). Conceitualmente, o HipoPT pós-cirúrgico pode ser classificado como clínico ou bioquímico. Este último corresponde a uma queda do valor do PTH abaixo do limite inferior de referência, acompanhado de hipocalcemia laboratorial. Se essa hipocalcemia é sintomática, o HipoPT passa a ser clínico (Orloff et al., 2018). Pode ainda ser classificado como agudo ou crônico. A presença de hipocalcemia, com ou sem sintomas, na presença de PTH baixo ou próximo do limite inferior da normalidade, por um período de mais de 6 meses, caracteriza o HipoPT crônico (Khan et al., 2019). O HipoPT agudo, geralmente, encontra-se relacionado a espasmo vascular ou lesão traumática de algumas das paratireoides, enquanto que o crônico ocorre devido à desvascularização ou ressecção inadvertida das mesmas (Shoback et al., 2016). A frequência de HipoPT pós-cirúrgico se eleva na presença de doenças autoimunes da tireoide, como a doença de Graves e a tireoidite linfocítica; com o esvaziamento cervical (EC) do compartimento central; na presença de bócio mergulhante; e quanto menor for a experiência do cirurgião (Clarke et al., 2016; Dedivitis et al., 2017). De fato, durante a abordagem tireoidiana, para evitar o HipoPT, o médico deve realizar dissecção cuidadosa da cápsula da tireoide, evitando o uso de cautério próximo ou diretamente nas paratireoides e a tração brusca das mesmas. A ligadura da artéria tireoidiana inferior deve ser realizada próxima da cápsula da tireoide, evitando, desse modo, o dano vascular das paratireoides. Após a retirada da tireoide, a avaliação da mesma em busca de eventuais paratireoides acidentalmente retiradas deve sempre ser feita, já que a identificação permite o autoimplante, diminuindo o risco de HipoPT crônico. O EC do compartimento central traz grande risco de ressecção das paratireoides, principalmente as inferiores. Desse modo, o cirurgião deve estar atento na dissecção do par superior, procurando mantê-las intactas (Maeda et al., 2018; Orloff et al., 2018). Diante disso, Anagnostis et al., ao avaliarem de forma retrospectiva uma coorte com 783 pacientes submetidos a TT por cirurgiões com grande (GVC) e Introdução 21 pequeno (PVC) volume cirúrgico, concluíram que o percentual de hipoparatireoidismo primário foi três vezes maior no grupo de cirurgiões com PVC (Anagnostis et al., 2020). Também em relação a forma de abordagem cirúrgica da tireóide, Garas et al., ao avaliarem 35 estudos com 2856 pacientes incluídos em uma revisão sistemática sobre a técnica de hemostasia no intraoperatório, concluíram que o risco de HipoPT, no PO de TT, é menor com o uso de bisturi ultrassônico se comparado com a utilização do Ligasure e a ligadura com fios (Garas et al., 2013). Por fim, Su et al., ao avaliarem retrospectivamente uma coorte com 903 pacientes submetidos a TT com EC do compartimento cental, concluíram que a ressecção inadvertida e o autotransplante de paratireóide, e o EC do compartimento central foram fatores de risco independentes para o desenvolvimento de HipoPT agudo (Su et al., 2017). Além do HipoPT, outros fatores tais como hemodiluição, fome óssea e liberação de calcitonina também estão relacionados a hipocalcemia no PO. Porém, nessas situações, o distúrbio metabólico apresenta-se de forma transitória. A hemodiluição pode causar hipocalcemia após a TT, ou mesmo após a tireoidectomia parcial, a qual, em geral, ocorre dentro das primeiras 12 horas após a cirurgia, sendo de moderada intensidade, assintomática e associada a discreta redução do fósforo (P) sérico. Nesses casos, a hipocalcemia se resolve espontaneamente em até 24 horas na maioria dos pacientes (Abboud et al., 2002; Noureldine et al., 2014; Chen et al., 2021). Por outro lado, a fome óssea é uma causa importante de hipocalcemia em pacientes com hiperparatireoidismo associado à doença tireoidiana, ou ainda com doença de Graves. Al Qubaisi et al., ao avaliar 2143 pacientes submetidos a TT, observou que o percentual de pacientes que desenvolveram hipocalcemia sintomática foi maior nos pacientes com doença de Graves se comparado a pacientes operados por outros motivos (16,3 vs 9,4%) (Al Qubaisi e Haigh, 2019). Já Pesce et al., ao avaliar pacientes portadores de doença de Graves submetidos a tireoidectomia, concluíram que a doença de Graves esteve associada a um aumento da necessidade de doses mais altas de Ca e quadros de tetania no PO de TT (Pesce et al., 2010). Por fim, mais recentemente, tem-se observado associação entre a realização de cirurgias bariátricas e entre a presença de hipomagnesemia e a ocorrência de hipocalcemia pós-TT. Em pacientes submetidos à bariátrica, a Introdução 22 hipocalcemia no PO de TT tende a ser mais grave, em função da síndrome de má absorção, que pode levar a diminuição da absorção intestinal de Ca. Em relação ao comportamento do magnésio (Mg) pós-TT, alguns trabalhos recentes têm demonstrado que há uma tendência de queda deste íon, principalmente nos primeiros dias de PO, o que está intimamente relacionado a hipocalcemia (Garrahy et al., 2016; Nellis et al., 2016; Luo et al., 2017; Goldenberg et al., 2018; Brophy et al., 2019; Liu et al., 2020). O tratamento dos casos de hipocalcemia aguda devido ao HipoPT depende dos níveis séricos de Ca observados e da presença e intensidade de sinais e sintomas de hipocalcemia. Casos mais leves poderiam ser abordados com reposição de Ca por via oral (VO), enquanto casos mais graves necessitariam do fornecimento do elemento por via endovenosa (EV). Além disso, a administração de vitamina D na forma de calcitriol pode ser necessária. A reposição de Ca por via oral é realizada, preferencialmente, por meio da administração de carbonato ou citrato de Ca, que apresentam, respectivamente, concentrações de 40% e 21% de Ca elementar, enquanto que, a reposição EV é realizada, preferencialmente, sob a forma de gluconato de Ca. Alguns casos de hipocalcemia de difícil controle podem estar relacionados a presença de hipomagnesemia, requerendo reposição de Mg EV, sob a forma de sulfato de Mg. Por outro lado, o tratamento dos casos de hipocalcemia crônica tem como terapia padrão a reposição de Ca e vitamina D por via oral. Objetiva a prevenção de sintomas de hipocalcemia, mantendo a calcemia ligeiramente abaixo do normal (não mais do que 0,5 mg/dL abaixo do normal) ou na faixa inferior da normalidade, da hiperfosfatemia e da ocorrência de complicações crônicas decorrentes do descontrole do metabolismo Ca-P (Bilezikian et al., 2016; Brandi et al., 2016; Khan et al., 2019). Independentemente do mecanismo responsável e do tipo de hipocalcemia que ocorre após a TT ou a ToT, um problema recorrente na prática médica é a dificuldade na predição de quais os pacientes a desenvolverão e necessitarão de tratamento (Lombardi et al., 2004). Por não haver um preditor uniformemente estabelecido, o manejo destes pacientes no PO varia muito de serviço para serviço. Alguns serviços administram, de forma sistemática, Ca e calcitriol, dando alta precoce, enquanto outros optam pela monitorização do Ca no PO em internações mais longas. A primeira medida não está isenta de complicações, pois pode dificultar o diagnóstico dos reais casos de HipoPT, que necessitariam de tratamento mais Introdução 23 rigoroso, propiciar o uso de medicamentos desnecessários para os casos sem hipocalcemia e inibir a função das paratireoides. Além disso, essa abordagem implica no seguimento desses casos, com dosagens bioquímicas periódicas, com o intuito de avaliar a possibilidade de retirada progressiva das medicações, evitando- se complicações relacionadas ao excesso de tratamento, tais como a hipercalciúria, nefrocalcinose, insuficiência renal, hipertensão, arritmias cardíacas, úlcera péptica, pancreatite, além de sintomas neuropsiquiátricos variados, que vão desde alterações de personalidade e concentração até ansiedade e depressão (Barstow e Braun, 2017; Cusano e Bilezikian, 2018). No entanto, a manutenção dos pacientes internados por tempo mais prolongado vai na contramão das políticas hospitalares atuais, que visam a alta precoce, promovendo melhor qualidade de vida, menor risco de infecção e redução dos custos. Diante disso, alguns estudos tentaram detectar quais os pacientes com maior risco para hipocalcemia, visando definir uma estratégia de alta hospitalar (AH) precoce e também segura, sem os riscos tanto do ponto de vista da redução do Ca sérico como do overtreatment. Grande parte desses estudos utilizou a dosagem absoluta e as curvas evolutivas de PTH e Ca séricos no período de PO. Porém, embora essas dosagens, e particularmente a do PTH no PO, pareçam ser bons preditores de hipocalcemia, o momento ideal da dosagem e o melhor marcador, se a concentração absoluta ou a variação percentual, ainda se encontram em discussão. Lombardi et al. avaliaram 53 pacientes submetidos a TT, com dosagem de Ca (24 e 48h após a cirurgia) e PTH (indução anestésica, final da cirurgia e 2, 4, 6, 24 e 48h após a cirurgia) e concluíram que o PTH da 4ª. e 6ª. h foram os preditores com melhor acurácia para hipocalcemia (98%) e hipocalcemia sintomática (100%) (Lombardi et al., 2004). Posteriormente, o mesmo grupo, na tentativa de validar o estudo anterior, avaliou 523 pacientes, porém não chegou ao resultado esperado. Apesar do PTH em 4h predizer hipocalcemia, houve uma diminuição importante da acurácia para um valor de 78,6%, evidenciando um aumento de 13,4% de falso- negativos (Lombardi et al., 2006). No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, no período entre 2013 e 2014, Tunes RS avaliou uma coorte de 76 pacientes submetidos a TT e a dosagem de PTH antes da cirurgia, durante e após 1 e 8 horas, além de Ca sérico na véspera, durante a cirurgia e após 1, 8, 14 e 24 horas da mesma. Nesse estudo, foi visto que a queda maior que 6% do Ca em 24 horas, com queda do PTH maior Introdução 24 que 70% em 1 hora (h), ou 36% em 8h, apresentou sensibilidades combinadas de 94% e 97%, respectivamente, para predição de hipocalcemia. Em adição a isso, valores de Ca ≤8,4 mg/dL em 24h, com PTH ≤15,6 pg/mL em 1h, foram preditores de hipocalcemia com sensibilidade de 94% e especificidade de 68%. Dessa forma, concluíram que a avaliação dos valores absolutos e do percentual negativo do Ca, em 24h, e do PTH, nas primeiras 8 horas após a TT, quando comparados aos valores basais, auxiliam na estratificação dos pacientes quanto ao risco de hipocalcemia em geral. Assim, sugeriram que a alta logo após 24h só poderia ser dada se o paciente apresentasse concentrações de Ca > 8,4 (em 24h) e de PTH > 15,6 (na 1ª. h), com ausência de tendência negativa nos seus valores absolutos e percentuais, em comparação com os valores basais. Os casos restantes deveriam ser mantidos internados, sob suplementação com Ca de forma isolada ou associado a calcitriol, e a AH ocorreria após a recuperação da calcemia. Tunes RS propôs um algoritmo (Figura 2) para o manejo PO dos pacientes submetidos a TT, visando a identificação dos pacientes em risco de desenvolvimento de hipocalcemia, diferenciando-os daqueles que seriam candidatos a uma alta precoce (Tunes, 2016). Tal protocolo ainda não foi validado. Introdução 25 Figura 2. Protocolo proposto para detecção e abordagem do hipoparatireoidismo em pacientes submetidos à tireoidectomia total no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Fonte: Tunes RS, 2016. Mais recentemente, em 2015, na Austria, Selberherr et al. publicaram os dados de um estudo realizado de forma prospectiva no qual avaliaram 237 pacientes com dosagem de PTH e Ca corrigido em dois momentos: entre 12 e 24, e 36 e 48h de PO. Nesse estudo, os pacientes foram divididos em três grupos de acordo com o valor do PTH: grupo 1 - PTH ≥ 15, grupo 2 - 10 ≥ PTH < 15, e grupo 3 - PTH <10 pg/mL. O PTH coletado no 1º. momento (entre 12 e 24h de PO) teve sensibilidade e Introdução 26 especificidade, respectivamente, de 100% e 92%, para um valor de corte de 10 pg/mL; e de 83 e 99%, para um valor de corte de 15 pg/mL. A sensibilidade, especificidade e acurácia para o valor de corte de 15 pg/mL no 2º. momento (entre 36 e 48h de PO), foram todos de 100% (Selberherr et al., 2015). Apesar da boa sensibilidade, os autores não foram claros quanto aos critérios de inclusão e exclusão utilizados, o que poderia resultar em uma amostra heterogênea. Somado a isso, a queda do Ca foi avaliada em apenas duas dosagens no período de 48 horas após a cirurgia, sendo que o nadir do Ca geralmente ocorre entre 48 e 72h de PO. Essa conduta poderia aumentar o número de falso-negativos. Dessa forma, uma vez que a identificação precoce dos pacientes candidatos à hipocalcemia no PO diminui a morbidade e auxilia na seleção dos pacientes que poderiam receber AH precoce com segurança, é de suma importância que cada serviço adote protocolos próprios, usando como base as características inerentes da própria população à qual presta assistência. 27 2. HIPÓTESE Hipótese 28 2. HIPÓTESE Os valores absolutos de PTH, na 1a h e 8a h de PO, representam boas ferramentas para predizer quais pacientes evoluirão sem a necessidade de reposição de Ca pós-TT ou totalização de tireoidectomia (ToT), sendo candidatos a alta segura logo após 48h. 29 3. OBJETIVO Objetivo 30 3. OBJETIVO O objetivo do presente estudo foi avaliar a capacidade das concentrações séricas do PTH, nas primeiras 8 horas após a TT ou ToT, de detectar os pacientes que evoluirão com hipocalcemia e aqueles que necessitarão da reposição de cálcio. 31 4. CASUÍSTICA E MÉTODOS Casuística e método 32 4. CASUÍSTICA E MÉTODOS Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FMB-Unesp (pareceres nos. 2.046.729, 2.582.208, 4.399.390 e 4.642.575, e CAAE no. 67523317.6.0000.5411). O protocolo foi explicado a todos os pacientes que participaram do estudo, sendo que somente adentraram ao mesmo aqueles que leram, entenderam, concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo I). 4.1. Casuística Para adentrar ao estudo, os pacientes foram avaliados quanto aos critérios de inclusão e exclusão explicitados abaixo. Critérios de Inclusão Foram elegíveis para o estudo pacientes de ambos os sexos, com idade entre 18 e 80 anos, submetidos à TT ou ToT, por apresentarem diagnóstico ou suspeita de neoplasia maligna na tireoide, bócio multinodular atóxico sintomático, bócio difuso tóxico de grande volume ou associado a oftalmopatia, que concordaram e assinaram o TCLE. Critérios de Exclusão Não foram incluídos no estudo pacientes com hiperparatireoidismo primário ou secundário a doença renal crônica, com hipertireoidismo descompensado, na vigência de qualquer tipo de procedimento dialítico, com história prévia de cirurgia bariátrica e em uso de medicamentos que sabidamente alterassem as concentrações séricas de Ca. Casuística e método 33 Pacientes selecionados No período de março de 2018 a janeiro de 2021, cento e quarenta e um pacientes foram submetidos a TT ou ToT no Hospital das Clínicas – HC da FMB- Unesp. Depois de avaliados quanto aos critérios de inclusão e exclusão, cento e sete foram selecionados para o estudo (Figura 3). Figura 3. Fluxograma ilustrando o procedimento de seleção da amostra de pacientes. 4.2. Delineamento Em uma coorte prospectiva de pacientes submetidos a TT ou ToT, os pacientes receberam alta com ou sem reposição de Ca, isoladamente ou associado a calcitriol, de acordo com os valores absolutos do PTH em 1 e 8h e a evolução da calcemia durante 48 horas após a cirurgia. O principal desfecho verificado foi o desenvolvimento de hipocalcemia até 30 dias da AH. Como desfecho secundário, foi avaliada a necessidade de reposição de Ca no mesmo período. As principais variáveis de interesse foram os valores absolutos do PTH e Ca, respectivamente, nas primeiras 8 e 48 horas de PO. Os pacientes foram submetidos  Falta de dados: 8 Casuística e método 34 a coleta de sangue antes da cirurgia, para dosagem de Ca, PTH e proteínas totais e frações séricos. Adicionalmente, foram realizadas novas dosagens de PTH em 1 e 8h após a cirurgia, e de Ca com 1, 8, 14, 24, 30, 36, 42 e 48h após a cirurgia e uma dosagem de proteínas totais e frações 1 e 30h após a cirurgia (Figura 4). O Ca total foi corrigido para o nível sérico da albumina (Alb) pela fórmula: Ca corrigido = Ca total medido + [(4 - Alb) x 0,8] (Payne et al., 1979). Figura 4. Delineamento do estudo. PTH - paratormônio, Ca - Cálcio sérico, P/F - proteínas totais e frações, TSH - hormônio tireoestimulante, T4L - tiroxina livre, Vit D - 25(OH)vitamina D, HP - hipoparatireoidismo. Ambos os desfechos avaliados, hipocalcemia e necessidade de reposição de Ca, foram verificados em reavaliação posterior, que ocorreu após 2 (1ª. avaliação), 7 (2ª. avaliação) e 30 (3ª. avaliação) dias da AH, com dosagem de Ca e proteínas totais e frações, nas três avaliações, e PTH apenas na 3ª. avaliação. Para fins de desfecho, foi considerado como hipocalcemia a presença, durante a internação e/ou no 2o, 7o, 30o dias após AH, de dosagem de Ca menor que 8,4 mg/dL, em uso ou não de suplementação com Ca, isoladamente ou associado a calcitriol. Por outro lado, a reposição de Ca foi indicada sempre na presença de Ca menor que 8,0 md/dL durante a internação e/ou no 2o, 7o, 30o dias após AH. Esse valor de corte para reposição foi baseado nos guidelines mais recentes sobre hipoparatireoidismo crônico, que orientam manter a concentração de Ca sérico ligeiramente abaixo do normal (não mais do que 0,5 mg/dL abaixo do normal) ou na faixa normal baixa (Brandi et al., 2016; Khan et al., 2019). Casuística e método 35 Considerando os desfechos acima, os casos foram classificados como grupos normocalcêmico ou hipocalcêmico; e como sem ou com necessidade de reposição de Ca. Esses grupos foram comparados quanto às concentrações séricas de PTH na 1a e 8a h de PO. Para fins de descrição da amostra, foram ainda coletados dados gerais dos pacientes, tais como sexo, idade, volume tireoidiano ao exame de ultrassonografia (USG), tipo de cirurgia (TT ou ToT, com ou sem EC recorrencial), diagnóstico citológico pré-operatório do material obtido de lesão nodular por meio de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) e histopatológico tireoidiano, além de presença ou não de paratireoide no material histopatológico. Além disso, antes da TT ou ToT, foram realizadas outras dosagens laboratoriais, tais como de 25OHD, tiroxina livre (T4L), hormônio tireoestimulante (TSH); e Mg e P no 1oPO e no 30o dia após a AH. Técnica cirúrgica Os pacientes foram submetidos à cirurgia sob anestesia geral. A tireoidectomia foi realizada sempre pelos mesmos profissionais, C.S.P.S. e J.V.T., cirurgiões de cabeça e pescoço experientes, ambos com uma média de mais de 25 tireoidectomias por ano, seguindo sempre a mesma técnica, sendo os ramos da artéria tireóidea inferior ligados e seccionados após identificação e dissecção cuidadosa dos nervos laríngeos recorrentes e das paratireoides. A dissecção das paratireoides foi realizada de forma cuidadosa, preservando o pedículo arterial e a drenagem venosa. Sempre que visualizadas, as paratireoides foram avaliadas de forma rigorosa quanto a coloração. Nos casos de ressecção inadvertida ou dano importante da vascularização, a paratireoide comprometida foi autoimplantada no músculo esternocleidomastoide ipsilateral. O pedículo superior foi também ligado cuidadosamente separando a artéria e a veia tireóidea superior com o cuidado da preservação do ramo externo do nervo laringeo superior. O tempo cirúrgico variou de 1 hora e 30 minutos a 4 horas. Casuística e método 36 Dosagens laboratoriais Todas as dosagens laboratoriais de ambas as fases do estudo foram realizadas no Laboratório Clínico do HC-FMB. As dosagens séricas de Ca total e albumina foram realizadas pelo método de química seca, em equipamento de automação em bioquímica (Sistema Químico Vitros 4.600; marca Johnson & Johnson; Rochester, NY, USA). A dosagem de 25OHD foi realizada por método de imunoensaio competitivo que utiliza um anticorpo anti-fluoresceína monoclonal covalentemente associado a partículas paramagnéticas, um anticorpo anti-vitamina D 25(OH) monoclonal marcado com éster de acridínio e um análogo de vitamina D marcado com fluoresceína (Sistema ADVIA CentaurR XP e ADVIA CentaurR XPT; marca: Siemens Healthcare Diagnostics Inc.; Tarrytown, NY, USA). Quanto as dosagens de PTH, TSH e T4L foram realizadas por meio de imunoensaio quimioluminescente por micropartículas (CMIA), para a determinação quantitativa dos hormônios intactos em soro (Sistema immulite 2000 XPi; marca Siemens; Germany). Os valores de referência para as dosagens laboratoriais avaliadas encontram-se na Tabela 1. Tabela 1. Valores de referência para as dosagens laboratoriais séricas avaliadas. Exames Valor de referência Ca 8,4 - 10,2 mg/dL PTH 11 - 67 pg/mL TSH 0,35 - 4,94 µIU/mL T4L 0,7 - 1,48 ng/dL 25OHD Deficiência < 20 ng/mL Mg 1,6 - 2,3 mg/dL P 2,5 - 4,5 mg/dL Albumina 3,5 - 5 g/dL Ca = cálcio, Mg = Magnésio, P = fósforo, PTH = paratormônio, TSH = hormônio tireoestimulante, T4L = tiroxina livre, 25OHD= 25-hidroxi-vitamina D. Casuística e método 37 Critérios para alta hospitalar Pacientes que apresentaram dosagem de PTH ≥ 11 pg/mL, na 1a e 8a h de PO, dosagens de Ca ≥ 8,0mg/dL, com uma curva plana ou ascendente, nas primeiras 48 horas, ausência de manifestações clínicas de hipocalcemia (por ex., sinais de Trousseau e Chvostek), ausência de complicações nas vias aéreas ou na ferida cirúrgica, com condições para retirada do dreno de sucção (débito menor que 30 mL em 24 horas), sinais vitais estáveis, boa aceitação da dieta e boa movimentação para higiene, receberam alta sem reposição de Ca, logo após a 48a h de PO. Em contrapartida, aqueles que apresentaram valores absolutos de PTH na 1a h e/ou 8a h menores do que 11 pg/ml; e/ou curva descendente do Ca nas primeiras 48 horas, mesmo que com alguns níveis séricos de Ca ≥ 8,0mg/dL, e/ou manifestações clínicas de hipocalcemia (por ex., sinais de Trousseau e Chvostek), permaneceram internados. A escolha do valor de corte para o PTH foi baseada no limite inferior de referência utilizado neste serviço, que foi de 11 pg/mL (referência = 11 - 67 pg/mL). 4.3. Análise Estatística O tamanho amostral mínimo foi calculado considerando uma incidência local de hipocalcemia (Ca < 8,4 mg/dL), segundo estudo piloto realizado com 43 pacientes, de 72,7%. Dessa forma, para um erro amostral de 5%, um nível de confiança de 95% e um poder do teste de 80%, os números amostrais para o desfecho hipocalcemia, calculados através do método de Fleiss com correção e considerando o PTH da 1a e 8a h, ambos com valores < 11 pg/mL, foram, respectivamente, de 32 e 38 pacientes. Inicialmente, foi realizada análise descritiva com todos os pacientes do estudo. Nesta análise, os resultados foram expostos como números e percentuais para as variáveis categóricas - sexo, tipo de cirurgia (TT ou ToT, com ou sem EC), evolução PO da calcemia, necessidade de reposição VO de Ca, Calcitriol e EV de Ca, diagnóstico citológico pré-operatório e histopatológico tireoidiano PO e presença ou não de paratireoide no resultado histopatológico; e como média ou mediana para as variáveis contínuas - idade, volume tireoidiano, exames pré-operatórios e de PO. https://www.google.com.br/search?rlz=1C1PRFB_enBR486BR491&q=chvostek&spell=1&sa=X&ved=0ahUKEwjQo7-xssvZAhWEyVMKHbvuCQgQkeECCCUoAA https://www.google.com.br/search?rlz=1C1PRFB_enBR486BR491&q=chvostek&spell=1&sa=X&ved=0ahUKEwjQo7-xssvZAhWEyVMKHbvuCQgQkeECCCUoAA Casuística e método 38 Os grupos normocalcêmico e hipocalcêmico e os sem e com reposição de Ca foram comparados, utilizando-se o teste de T de Student, para as variáveis contínuas homogêneas; de Mann-Whitney, para as variáveis contínuas não homogêneas; e Qui Quadrado ou Exato de Fisher para as variáveis categóricas. Foi realizada regressão logística univariada para a avaliação das variáveis preditoras de hipocalcemia e reposição de Ca, seguida de regressão logística multivariada, utilizando, para esta, as variáveis que apresentaram p < 0,3 na análise univariada, com o intuito de aumentar a captação de eventuais influenciadores dos desfechos. Para a análise multivariada, apesar da ausência de multicolinearidade entre as variáveis, foram criados dois modelos para a predição de hipocalcemia (modelos 1A e 1B); e para a predição da necessidade de reposição de Ca (modelos 2A e 2B). Nos modelos com letra “A”, foi incluído, para fins de análise, o PTH da 1a h, enquanto que, nos modelos “B”, foi incluído o PTH da 8a h. Foram calculadas as áreas sob a curva ROC (ASC) para as variáveis numéricas que, na regressão logística multivariada, foram preditoras de hipocalcemia e de reposição de Ca (p < 0,05), sendo estabelecidos os valores de corte, com suas respectivas sensibilidades (S), especificidades (E), valores preditivos positivos (VPP) e negativos (VPN) e acurácias (A). Por fim, as ASC que apresentaram significância foram comparadas. Todas as análises foram realizadas por meio do programa IBM SPSS Statistics - versão 23 e MedCalc - versão 14.8.1. Em geral, o nível de significância adotado foi de 5%. 39 5. RESULTADOS Resultados 40 5. RESULTADOS 5.1. Descrição dos pacientes estudados Nos 107 pacientes incluídos no estudo, a mediana (valor mínimo; valor máximo) da idade foi de 51 (18; 80) anos, com maior prevalência do sexo feminino (n= 89; 83,2%). Sessenta e quatro pacientes (59,8%) tiveram diagnóstico anatomopatológico de câncer, e destes, o carcinoma papilífero, variante clássica, foi o subtipo histológico mais presente, sendo observado em 41 (64,1%) destes pacientes. Em relação aos desfechos, um total de 75 (70,1%) e 43 (40,2%) pacientes evoluíram, respectivamente, com hipocalcemia e necessidade de reposição de Ca. A tabela 2 mostra os dados demográficos, clínicos/cirúrgicos, anatomopatológicos e de evolução de todos o pacientes. Tabela 2. Dados demográficos, clínicos/cirúrgicos, anatomopatológicos e de evolução de 107 pacientes. N= 107 Sexo feminino * 89 (83,2) Idade (anos) *** 51 (18; 80) Volume tireoidiano na USG*** 17 (3,6; 240) Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda* 55 (51,4) Tipo de cirurgia * Tireoidectomia total 97 (90,7) Totalização de tireoidectomia 10 (9,3) com EC 18 (16,8) Exames pré-operatórios PTH (pg/mL)*** 38,7 (5,8; 95,8) CaC (mg/dL)** 9,3 (± 0,4) TSH (µIU/mL)*** 2 (0,39; 63) T4L(ng/dL)*** 0,99 (0,55; 1,44) 25OHD (ng/mL)*** 24 (11,3; 42,3) Resultados 41 Tabela 2. Dados demográficos, clínicos/cirúrgicos, anatomopatológicos e de evolução de 107 pacientes (continuação). N= 107 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h de PO (mg/dL)** 9,2 ± 0,5 PTH 1a h de PO (pg/mL)*** 8,5 (3; 103) PTH 8a h de PO (pg/mL)*** 10,9 (3; 101) Primeiro PO Mg (mg/dL)*** 1,9 (1,3; 2,5) P (mg/dL)*** 3,8 (2,1; 6,6) 30 dias da AH PTH (pg/mL)*** 31 (3; 95,4) Mg (mg/dL)*** 2 (0,9; 2,4) P (mg/dL)** 4 (± 0,6) Malignidade no anatomopatológico * 64 (59,8) Tipo histológico* Carcinoma papilífero - variante clássica 41 (64,1) Carcinoma papilífero - variante folicular 14 (21,9) Carcinoma papilífero - outras variantes 6 (9,4) Outros tipos histológicos 3 (4,6) Número de paratireoide na peça cirúrgica * 0 79 (73,8) 1 20 (18,7) 2 7 (6,5) 3 1 (0,9) Hipocalcemia no PO * 75 (70,1) Necessidade de reposição VO de Ca * 43 (40,2) Esquema de reposição VO de Ca * Sem reposição 64 (59,8) 2,5 g 14 (13,1) 4 g 12 (11,2) 5,5 g 10 (9,3) 7 g 3 (2,8) 8,5 g 2 (1,9) Resultados 42 Tabela 2. Dados demográficos, clínicos/cirúrgicos, anatomopatológicos e de evolução de 107 pacientes (continuação). N= 107 10 g 2 (1,9) Necessidade de calcitriol * 21 (19,6) Necessidade de reposição EV de Ca * 16 (15) * Valores expressos em número absoluto (%) ** Valores expressos em média (± desvio padrão) *** Valores expressos em mediana (valor mínimo; valor máximo) AH = alta hospitalar; Ca = cálcio; CaC = cálcio corrigido; EV = endovenoso; h = hora; Mg = magnésio; n = número; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; TSH = hormônio tireoestimulante; T4L = tiroxina livre; USG= ultrassonografia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D; VO = via oral. Dos 43 (40,2%) pacientes submetidos a reposição de Ca, dezessete (39,5%) tiveram a reposição iniciada nas primeiras 24 horas de PO, vinte (46,5%) entre a 24a e a 48a h de PO e seis (14%) entre a 48a e a 72a h de PO (Figura 5). Figura 5. Distribuição percentual do momento de início da reposição de cálcio. 5.2 Comparação entre os grupos quanto a calcemia Os pacientes que evoluíram com normocalcemia ou hipocalcemia no PO, diferiram quanto ao percentual de submetidos a EC (0% vs 24%, p= 0,002) e à Resultados 43 presença de paratireoides no anatomopatológico da peça cirúrgica (12,5% vs 32%, p= 0,03). Laboratorialmente, diferiram quanto a dosagem pré-operatória de Ca corrigido [9,5 (± 0,4) vs 9,2 (± 0,4), p= 0,002] e da 1a h de PO [9,4 (± 0,4) vs 9,1 (± 0,5), p= 0,01]; de PTH pré-operatório [35,5 (31,5; 40,2) vs 43,4 (32,2; 58,5), p= 0,03] e coletado na 1a h [23,4 (11,7; 36,8) vs 4 (3; 11,8), p< 0,001] e 8a h [23 (14,8; 32,5) vs 4 (3; 18,3), p< 0,001]. de PO; de P [3,3 (2,8; 3,7) vs 4,1 (3,5; 4,5), p< 0,001] coletando no 1oPO; e de Mg coletado no 1o PO [2 (1,9; 2,1) vs 1,8 (1,6; 2), p< 0,001] e no 30o dia pós AH [2 (1,9; 2,2) vs 1,9 (1,8; 2,1), p= 0,01] (Tabela 3). Tabela 3. Comparação dos grupos quanto a evolução pós-operatória da calcemia. Normocalcemia Hipocalcemia Valor de p N= 32 N= 75 Sexo feminino* 24 (75) 65 (86,7) 0,14 Idade (anos)*** 53 (44; 61) 51 (40; 60) 0,38 Volume tireoideano na USG (cm3)*** 16,2 (12,4; 30) 17,3 (8,2; 36,2) 0,49 Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda* 16 (50) 39 (52) 0,85 Tipo de cirurgia* TT - n (%) 26 (81,3) 71 (94,7) 0,06 ToT - n (%) 6 (18,8) 4 (5,3) com EC 0 (0) 18 (24) 0,002 Exames pré-operatórios PTH (pg/mL)*** 35,5 (31,5; 40,2) 43,4 (32,2; 58,5) 0,03 CaC (mg/dL)** 9,5 (± 0,4) 9,2 (± 0,4) 0,002 TSH (µIU/mL)*** 2,28 (1,4; 3,73) 1,87 (1,32; 2,6) 0,27 T4L(ng/dL)*** 0,96 (0,92; 1,12) 1,01 (0,93; 1,15) 0,34 25OHD (ng/mL)*** 27,3 (21,7; 33,3) 23,8 (20,8; 28,4) 0,23 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h de PO (mg/dL)** 9,4 (± 0,4) 9,1 (± 0,5) 0,01 PTH 1a h de PO (pg/mL)*** 23,4 (11,7; 36,8) 4 (3; 11,8) < 0,001 PTH 8a h de PO (pg/mL)*** 23 (14,8; 32,5) 4 (3; 18,3) < 0,001 Resultados 44 Tabela 3. Comparação dos grupos quanto a evolução pós-operatória da calcemia (continuação). Normocalcemia Hipocalcemia Valor de p Primeiro PO Mg (mg/dL)*** 2 (1,9; 2,1) 1,8 (1,6; 2) < 0,001 P (mg/dL)*** 3,3 (2,8; 3,7) 4,1 (3,5; 4,5) < 0,001 30 dias da AH PTH (pg/mL)*** 32,9 (24,2; 43,6) 27,2 (12,7; 46,2) 0,12 Mg (mg/dL)*** 2 (1,9; 2,2) 1,9 (1,8; 2,1) 0,01 P (mg/dL)** 3,8 (± 0,6) 4 (± 0,6) 0,1 Malignidade no AP* 15 (46,9) 49 (65,3) 0,07 Presença de paratireoide no AP* 4 (12,5) 24 (32) 0,03 * Valores expressos em número absoluto (%); **Valores expressos em média (± desvio padrão); e ***Valores expressos em mediana (percentil 25; percentil 75). Testes estatísticos: T de Students, Mann-Whitney, Qui Quadrado e Exato de Fisher AH = alta hospitalar; AP = anatomopatológico; Ca = cálcio; CaC = cálcio corrigido; Mg = magnésio; n = número; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia; TSH; hormônio tireoestimulante; TT = tireoidectomia total; T4L = tiroxina livre; USG= ultrassonografia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D; VO = via oral. A figura 6 mostra a evolução do PTH em quatro momentos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico: pré-operatório, na 1ª. e 8ª. h de PO, e no 30º. dia da alta hospitalar. Dos 75 pacientes que evoluíram com hipocalcemia, trinta e dois (42,7%) não necessitaram de reposição de Ca. Destes, após 30 dias da AH, apenas 1 (3%) apresentou valores entre ≤ 8,0 e < 8,4 mg/dL, todos os outros (97%) apresentaram valores acima de 8,4 mg/dL. A média [± desvio padrão (DP)] e o valor mínimo do Ca sérico corrigido, no 30o PO, dos pacientes hipocalcêmicos, que não necessitaram da reposição de Ca, foi de 9,21 (± 0,47) e 8,2 mg/dL, respectivamente. Nesses casos, não houve diferença estatística (p= 0,91) entre a média (± DP) do Ca sérico corrigido pré-operatório [9,19 (± 0,36) mg/dL] e no 30o dia da AH [9,21 (± 0,47) mg/dL] (Figura 7). Resultados 45 Paratormônio PreO 1a h de PO 8a h de PO 30o d da AH Valor de p 0,03 < 0,001 < 0,001 0,12 N or m oc al ce m ia P ar at or m ôn io (p g/ m L) H ip oc al ce m ia P ar at or m ôn io (p g/ m L) Figura 6. Evolução do paratormônio (PTH) em quatro momentos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico: pré-operatório, na primeira e oitava horas de pós- operatório, e no trigésimo dia da alta hospitalar. Resultados 46 Figura 7. Comparação entre cálcio sérico corrigido [em mg/dL; média (± desvio padrão)] pré-operatório e do 30o dia pós alta hospitalar, nos pacientes que evoluíram com hipocalcemia, mas sem necessidade de reposição de cálcio. 5.3 Comparação entre os grupos quanto a necessidade de reposição de cálcio Os pacientes que evoluíram sem e com necessidade de reposição de Ca diferiram, respectivamente, quanto a dosagem PTH coletado na 1a [19,8 (9,3; 30,9) vs 3 (3; 4), p< 0,001] e 8a [20,8 (11,9; 32,5) vs 3 (3; 4), p< 0,001] h de PO; e de Mg [2 (1,8; 2,1) vs 1,7 (1,6; 1,8), p< 0,001] e P [3,5 (3,1; 4) vs 4,3 (4; 4,7), p< 0,001] coletado no 1o PO; de PTH [33,7 (22,9; 52,7) vs 22,3 (10,4; 34,2), p< 0,001], de Mg [2 (1,9; 2,2) vs 1,9 (1,8; 2), p= 0,03] e P [3,8 (±0,6) vs 4,2 (±0,6), p= 0,005] coletados no 30o dia após a AH. Também houve diferença quanto ao percentual de pacientes com diagnóstico anatomopatológico de câncer (51,6% vs 72,1%, p= 0,03) (Tabela 4). p = 0,91 Resultados 47 Tabela 4. Comparação dos grupos quanto a necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório. Sem reposição Com reposição Valor de p N= 64 N= 37 Sexo feminino* 50 (78,1) 39 (90,7) 0,08 Idade (anos)*** 51 (42; 58) 50 (39; 60) 0,67 Volume tireoideano na USG (cm3)*** 19 (12; 43) 13 (8; 31) 0,09 Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda* 30 (46,9) 25 (58,1) 0,25 Tipo de cirurgia* TT - n(%) 56 (87,5) 41 (95,3) 0,31 ToT - n(%) 8 (12,5) 2 (4,7) com EC - n(%) 11 (17,2) 7 (16,3) 0,9 Exames pré-operatórios PTH (pg/mL)*** 38,8 (33,7; 52,9) 38 (26,7; 53,2) 0,59 CaC (mg/dL)** 9,3 (± 0,4) 9,3 (± 0,5) 0,51 TSH (µIU/mL)*** 2,2 (1,51; 3,3) 1,69 (1,14; 2,44) 0,07 T4L(ng/dL)*** 0,99 (0,92; 1,15) 1,01 (0,93; 1,16) 0,6 25OHD (ng/mL)*** 25 (20,9; 31,5) 23,3 (21,5; 29,3) 0,69 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h de PO** (mg/dL)** 9,2 (± 0,4) 9,1 (± 0,5) 0,2 PTH 1a h de PO*** (pg/mL)*** 19,8 (9,3; 30,9) 3 (3; 4) < 0,001 PTH 8a h de PO*** (pg/mL)*** 20,8 (11,9; 32,5) 3 (3; 4) < 0,001 Primeiro PO Mg (mg/dL)*** 2 (1,8; 2,1) 1,7 (1,6; 1,8) < 0,001 P (mg/dL)*** 3,5 (3,1; 4) 4,3 (4; 4,7) < 0,001 30 dias da AH PTH (pg/mL)*** 33,7 (22,9; 52,7) 22,3 (10,4; 34,2) < 0,001 Mg (mg/dL)*** 2 (1,9; 2,2) 1,9 (1,8; 2) 0,03 P (mg/dL)** 3,8 (± 0,6) 4,2 (± 0,6) 0,005 Malignidade no AP* 33 (51,6) 31 (72,1) 0,03 Presença de paratireoide no AP* 13 (20,3) 15 (34,9) 0,09 Resultados 48 *Valores expressos em número absoluto (%); **Valores expressos em média (± desvio padrão(; e ***Valores expressos em mediana (percentil 25; percentil 75). Testes estatísticos: T de Students, Mann-Whitney, Qui Quadrado, Exato de Fisher AH = alta hospitalar; AP = anatomopatológico; Ca = cálcio; CaC = cálcio corrigido; Mg = magnésio; n = número; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia; TSH = hormônio tireoestimulante; TT = tireoidectomia total; T4L = tiroxina livre; USG= ultrassonografia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D. A figura 8 mostra a evolução do PTH em quatro momentos nos grupos sem e com reposição de Ca: pré-operatório, na 1ª. e 8ª. h de PO, e no 30º. dia da AH. Paratormônio PreO 1a h de PO 8a h de PO 30o d da AH Valor de p 0,59 < 0,001 < 0,001 < 0,001 S em re po si çã o de C ál ci o P ar at or m ôn io (p g/ m L) C om re po si çã o de C ál ci o P ar at or m ôn io (p g/ m L) Figura 8. Evolução do paratormônio (PTH) em quatro momentos nos grupos sem e com reposição de cálcio: pré-operatório, na primeira e oitava horas de pós- operatório, e no trigésimo dia da alta hospitalar. Resultados 49 5.4 Avaliação dos preditores de hipocalcemia Na análise univariada, foram preditores de hipocalcemia pós-cirúrgica a ToT [Odds Ratio (OR)= 0,24; intervalo de confiança (IC)= 0,06 - 0,93 - p= 0,04], o Ca corrigido pré-operatório [OR= 0,2; IC= 0,07 - 0,59 - p= 0,003] e da 1a h de PO [OR= 0,28; IC= 0,1 - 0,77 - p= 0,01], o PTH na 1a [OR= 0,95; IC= 0,93 - 0,98 - p= 0,001] e 8a [OR= 0,95; IC= 0,93 - 0,98 - p= 0,001] h de PO, além do Mg [OR= 0,008; IC= 0,001 - 0,1, p< 0,001] e P [OR= 3,27; IC= 1,64 - 6,52 - p= 0,001] do 1º. PO (Tabela 5). Tabela 5. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia total - Análise univariada. Variáveis OR IC Valor de p Sexo feminino 2,16 (0,76 - 6,13) 0,14 Idade 0,98 (0,95 - 1,01) 0,31 Volume da tireoide ao USG 0,99 (0,98 - 1) 0,46 Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda 0,92 (0,4 - 2,11) 0,85 Tipo de cirurgia Tipo de cirurgia: ToT 0,24 (0,06 - 0,93) 0,04 Exames pré-operatórios PTH 1,02 (0,99 - 1,05) 0,059 CaC 0,2 (0,07 - 0,59) 0,003 TSH 1,01 (0,93 - 1,11) 0,72 T4L 1,79 (0,15 - 20,98) 0,63 25OHD 0,96 (0,9 - 1,02) 0,26 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h 0,28 (0,1 - 0,77) 0,01 PTH 1a h 0,95 (0,93 - 0,98) 0,001 PTH 8a h 0,95 (0,93 - 0,98) 0,001 Primeiro PO Mg 0,008 (0,001 - 0,1) < 0,001 P 3,27 (1,64 - 6,52) 0,001 OR = Odds Ratio; IC = Intervalo de confiança; Nível de significância: p< 0,05. A variável esvaziamento cervical não apresentou efeito estatístico. CaC = cálcio corrigido; h = hora; Mg = magnésio; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia; TSH = hormônio tireoestimulante; T4L = tiroxina livre; USG = ultrassonografia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D. Resultados 50 Na análise multivariada, no modelo 1A, excluindo-se o PTH da 8ª h e considerando-se o PTH da 1a h de PO, este (OR= 0,87; IC= 0,8 - 0,95 - P =0,004), o PTH pré-operatório (OR= 1,09; IC= 1,01 - 1,17 - p= 0,02), o Mg do 1o PO (OR= 0,001; IC= 0,000006 - 0,26 - P= 0,01) e a ToT (OR= 0,01; IC= 0,0001 - 0,9 - P= 0,04) foram preditores de hipocalcemia (Tabela 6). Tabela 6. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia no modelo 1A - Análise multivariada. Variáveis OR IC Valor de p Sexo feminino 5,96 (0,48 - 73,87) 0,16 Tipo de cirurgia: ToT 0,01 (0,0001 - 0,9) 0,04 Exames pré-operatórios PTH 1,09 (1,01 - 1,17) 0,02 CaC 1,36 (0,01 - 120,1) 0,89 25OHD 1,03 (0,89 - 1,21) 0,62 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h 0,004 (0,00001 - 1,34) 0,06 PTH 1a h 0,87 (0,8 - 0,95) 0,004 Primeiro PO Mg 0,001 (0,000006 - 0,26) 0,01 P 1,22 (0,43 - 3,44) 0,69 OR = Odds Ratio; IC = intervalo de confiança. Nível de significância: p< 0,05. CaC = cálcio corrigido; h = hora; Mg = magnésio; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D. No modelo 1B, excluindo-se o PTH da 1ª h e considerando-se o PTH da 8a h de PO, este (OR= 0,91; IC = 0,85 - 0,98 - p= 0,02) e o PTH pré-operatório (OR= 1,07; IC= 1,008 - 1,13 - p= 0,02) e o Mg do 1o PO (OR= 0,003; IC= 0,00001 - 0,51) - p= 0,02) foram preditores preditores de hipocalcemia (Tabela 7). Tabela 7. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia no modelo 1B - Análise multivariada. Variáveis OR IC Valor de p Sexo feminino 3,06 (0,3 - 30,9) 0,34 Tipo de cirurgia: ToT 0,06 (0,003 - 1,35) 0,07 Exames pré-operatórios PTH 1,07 (1,008 - 1,13) 0,02 Resultados 51 Tabela 7. Predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia no modelo 1B - Análise multivariada (continuação). Variáveis OR IC Valor de p CaC 1,99 (0,04 - 93,9) 0,72 25OHD 0,99 (0,87 - 1,13) 0,92 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h 0,006 (0,00002 - 1,34) 0,06 PTH 8a h 0,91 (0,85 - 0,98) 0,02 Primeiro PO Mg 0,003 (0,00001 - 0,51) 0,02 P 1,46 (0,5 - 4,24) 0,47 OR = Odds Ratio; IC = intervalo de confiança. Nível de significância: p< 0,05. CaC = cálcio corrigido; h = hora; Mg = magnésio; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D. 5.5 Avaliação dos preditores da necessidade de reposição de cálcio Foram preditores de necessidade de reposição de Ca o PTH na 1a [OR= 0,82; IC= 0,74 - 0,9 - p< 0,001] e 8a [OR= 0,84; IC= 0,78 - 0,91 - p< 0,001] h de PO, o Mg [OR= 0,002, IC= 0,0001 - 0,02 - p< 0,001] e P [OR= 4,19; IC= 2,1 - 8,32 - p< 0,001] coletados no 1º. PO. (Tabela 8). Tabela 8. Predição de necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia total - Análise univariada. Variáveis OR IC Valor de p Sexo feminino 2,73 (0,83 - 8,95) 0,09 Idade 0,99 (0,96 - 1,02) 0,52 Volume tireoide ao USG 0,99 (0,98 - 1) 0,31 Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda 0,63 (0,29 - 1,38) 0,25 Tipo de cirurgia ToT 0,34 (0,06 - 1,69) 0,18 Esvaziamento cervical 0,93 (0,33 - 2,64) 0,9 Exames pré-operatórios PTH 0,99 (0,97 - 1,01) 0,52 CaC 0,75 (0,31 - 1,79) 0,52 Resultados 52 Tabela 8. Predição de necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia total - Análise univariada (continuação). Variáveis OR IC Valor de p TSH 0,87 (0,66 - 1,14) 0,34 T4L 1,8 (0,19 - 17) 0,60 25OHD 0,99 (0,94 - 1,05) 0,85 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h 0,58 (0,25 - 1,33) 0,2 PTH 1a h 0,82 (0,74 - 0,9) < 0,001 PTH 8a h 0,84 (0,78 - 0,91) < 0,001 Primeiro PO Mg 0,002 (0,0001 - 0,02) < 0,001 P 4,19 (2,1 - 8,32) < 0,001 OR = Odds Ratio; IC = intervalo de confiança. Nível de significância: p< 0,05. CaC = cálcio corrigido; h = hora; Mg = magnésio; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia; TSH = hormônio tireoestimulante; T4L = tiroxina livre; USG = ultrassonografia; 25OHD = 25-hidroxi-vitamina D. No modelo 2A, excluindo-se o PTH da 8ª h e considerando-se o PTH da 1a h de PO, foram preditores de reposição de Ca o PTH (OR= 0,83; IC= 0,74 - 0,92 - p= 0,001) e Ca (OR= 0,12; IC= 0,02 - 0,62 - p= 0,01) da 1a h de PO e o P dosado no 1o PO (OR= 2,96; IC= 1,17 - 7,47 - p= 0,02; Tabela 9). Tabela 9. Predição de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia no modelo 2A - Análise multivariada. Variáveis OR IC Valor de p Sexo feminino 7,4 (0,81 - 67,38) 0,07 Tipo de cirurgia: ToT 0,32 (0,01 - 5,62) 0,44 Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda 0,74 (0,18 - 2,97) 0,68 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h 0,12 (0,02 - 0,62) 0,01 PTH 1a h 0,83 (0,74 - 0,92) 0,001 Primeiro PO Mg 0,02 (0,001 - 1,1) 0,056 P 2,96 (1,17 - 7,47) 0,02 OR = Odds Ratio; IC = intervalo de confiança. Nível de significância: p< 0,05. CaC = cálcio corrigido; h = hora; Mg = magnésio; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia. Resultados 53 No modelo 2B, excluindo-se o PTH da 1ª h e considerando-se o PTH da 8a h de PO, foram preditores de reposição de Ca o Ca da 1a h (OR= 0,09; IC= 0,01 - 0,5 - p =0,006) e o PTH da 8a h (OR= 0,85; IC= 0,78 - 0,93 - p =0,001) de PO e o P dosado no 1oPO (OR= 2,65; IC= 1,12 - 6,24 - p= 0,02; Tabela 10). Tabela 10. Predição de necessidade de reposição de cálcio no pós-operatório de tireoidectomia no modelo 2B - Análise multivariada. Variáveis OR IC Valor de p Sexo feminino 8,9 (0,79 - 99,33) 0,07 Tipo de cirurgia: ToT 1,08 (0,04 - 50,14) 0,96 Diagnósticos citológicos V e VI de Bethesda 0,75 (0,18 - 3,03) 0,68 Exames pós-operatórios PO imediato CaC 1a h 0,09 (0,01 - 0,5) 0,006 PTH 8a h 0,85 (0,78 - 0,93) 0,001 Primeiro PO Mg 0,04 (0,001 - 1,57) 0,08 P 2,65 (1,12 - 6,24) 0,02 OR = Odds Ratio; IC = intervalo de confiança. Nível de significância: p< 0,05. CaC = cálcio corrigido; h = hora; Mg = magnésio; P = fósforo; PO = pós-operatório; PTH = paratormônio; ToT = totalização de tireoidectomia. Resultados 54 5.6 Cutoffs para predição de hipocalcemia A figura 9 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do PTH da 1a h de PO em classificar os pacientes que evoluíram com hipocalcemia. A ASC foi de 0,784 (IC= 0,691 - 0,86; - p< 0,001). O cutoff = 9,7 pg/mL apresentou melhor relação entre S e E. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 72,4%, 83,8%, 90,8%, 57,7% e 75,9%. Já a figura 10 mostra a distribuição dos casos no grupo normocalcêmico e hipocalcêmico e sua relação com o valor de cutoff. Figura 9. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na primeira hora após a tireoidectomia como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 9,7 pg/mL; área sob a curva = 0,784 (intervalo de confiança = 0,691 - 0,86; p< 0,001)]. Resultados 55 Figura 10. Distribuição dos casos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico e sua relação com a concentração do hormônio da paratireoide (PTH) da primeira hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia. A figura 11 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do PTH da 8a h de PO em classificar os pacientes que evoluíram com hipocalcemia. A ASC foi de 0,781 (IC= 0,686 - 0,858 - p< 0,001). O nível de PTH que apresentou melhor relação entre S e E foi o de 11,2 pg/mL. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 67,1%, 86,2%, 91,9%, 52,9% e 72,7%. Já a figura 12 mostra a distribuição dos casos no grupo normocalcêmico e hipocalcêmico e sua relação com o valor de cutoff. 9,7 HipocalcêmicoNormocalcêmico Resultados 56 Figura 11. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na oitava hora após a tireoidectomia como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 11,2 pg/mL; área sob a curva = 0,781 (intervalo de confiança = 0,686 - 0,858; p< 0,001)]. Resultados 57 Figura 12. Distribuição dos casos nos grupos normocalcêmico e hipocalcêmico e sua relação com a concentração do hormônio da paratireóide (PTH) da oitava hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia. A figura 13 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do PTH pré- operatório em classificar os pacientes que evoluíram com hipocalcemia. A ASC foi de 0,631 (IC= 0,531 - 0,724; p= 0,01). O cutoff de 42,9 pg/mL apresentou melhor relação entre S e E. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 52%, 83,8%, 88,2%, 42,7% e 61,5%. Normocalcêmico 11,2 Hipocalcêmico Resultados 58 Figura 13. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) pré-operatório como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 42,9 pg/mL; área sob a curva = 0,631 (intervalo de confiança = 0,531 - 0,724; p< 0,01)]. A figura 14 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do Mg do 1o PO em classificar os pacientes que evoluíram com hipocalcemia. A ASC foi de 0,758 (IC= 0,663 - 0,837 - p< 0,001). O nível de Mg que apresentou melhor relação entre S e E foi o de 1,9 pg/mL. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 73,6%, 63,3%, 82,7%, 50% e 70,5%. Resultados 59 Figura 14. Concentração sérica de Magnésio (Mg) no primeiro dia de pós-operatório de tireoidectomia como preditora de hipocalcemia [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 1,9 pg/mL; área sob a curva = 0,758 (intervalo de confiança = 0,663 - 0,837; p< 0,001)]. A tabela 11 resume os valores da ASC do PTH da 1a h (figura 9) e 8a h de PO (figura 11), do pré-operatório (figura 13), e Mg do 1o PO (figura 14), com seus respectivos valores de cutoff, S, E, VPP, VPN e A em predizer hipocalcemia no PO. Já a figura 15 mostra a comparação das quatro curvas ROC. Não houve diferença estatística na comparação entre a ASC do PTH pré-operatório com o da 1a (p= 0,13) e 8a (p= 0,13) h de PO e com a do Mg do 1oPO (p= 0,18); entre a ASC do PTH da 1a com o da 8a h de PO (p= 0,9) e com a do Mg do 1o PO (p= 0,77); e entre a ASC do PTH da 8a h com a do Mg do 1o PO (p= 0,8). Resultados 60 Tabela 11. Valores da área sob a curva ROC, cutoff, sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo e acurácica do PTH da 1 e 8 horas de pós- operatório (PO), do pré-operatório e o Mg do 1o PO na predição de hipocalcemia após tireoidectomia. PTH pré PTH 1a h PO PTH 8a h PO Mg 1o PO ASC 0,631 0,784 0,781 0,758 IC 0,531 - 0,724 0,691 - 0,860 0,686 - 0,858 0,663 - 0,837 Valor P 0,01 < 0,001 <0,001 <0,001 Cutoff 42,9 pg/mL 9,7 pg/mL 11,2 pg/mL 1,9 mg/dL S* 52 72,4 67,1 73,6 E* 83,8 83,8 86,2 63,3 VPP* 88,2 90,8 91,9 82,7 VPN* 42,7 57,7 52,9 50 A* 61,5 75,9 72,7 70,5 * Valores expressos em % A = acurácia, ASC = área sob a curva ROC, E = especificidade, h = hora, IC = intervalo de confiança, P = fósforo, PO = pós-operatório, Pré = pré-operatório, PTH = paratormônio, S = sensibilidade, VPN = valor preditivo negativo, VPP = valor preditivo positivo. Figura 15. Comparação entre a curva ROC (Receiver operator characteristic) do PTH da 1a e 8 hora (h), do pré-operatório e Magnésio (Mg) do primeiro dia de pós- operatório (PO) na predição de hipocalcemia pós-tireoidectomia. Resultados 61 5.7 Cutoffs para predição da necessidade reposição de cálcio A figura 16 mostra a curva ROC evidenciando a capacidade do PTH da 1a h de PO em classificar os pacientes que evoluíram com necessidade de reposição de Ca. A ASC foi de 0,9 (IC= 0,823 - 0,951; p< 0,001). O nível de PTH que apresentou melhor relação entre S e E foi o de 8,2 pg/mL. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 90,2%, 79,6%, 75,4%, 92,1% e 83,9%. Já a figura 17 mostra a distribuição dos casos nos grupos sem e com reposição de Ca e sua relação com o valor de cutoff. Figura 16. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na primeira hora após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 8,2 pg/mL; área sob a curva = 0,9 (intervalo de confiança = 0,823 - 0,951; p< 0,001)]. Resultados 62 Figura 17. Distribuição dos casos nos grupos sem e com reposição de cálcio e sua relação com a concentração do hormônio da paratireoide (PTH) da primeira hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia. A figura 18 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do PTH da 8a h de PO em classificar os pacientes que evoluíram com necessidade de reposição de Ca. A ASC foi de 0,897 (IC = 0,82 - 0,949; p< 0,001). O nível de PTH que apresentou melhor relação entre S e E foi o de 8 pg/mL. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 89,7%, 81,6%, 76%, 92,4% e 84,8%. Já a figura 19 mostra a distribuição dos casos nos grupos sem e com reposição de Ca e sua relação com o valor de cutoff. 8,2 Com reposiçãoSem reposição Resultados 63 Figura 18. Concentração sérica de hormônio da paratireoide (PTH) na oitava hora após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio – [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 8 pg/mL; área sob a curva = 0,897 (intervalo de confiança = 0,82 - 0,949; p< 0,001)]. Resultados 64 Figura 19. Distribuição dos casos nos grupos sem e com reposição de cálcio e sua relação com a concentração do hormônio da paratireoide (PTH) da primeira hora do pós-operatório de tireoidectomia total ou totalização de tireoidectomia. Os valores de S, E, VPP, VPN e A do PTH PO da 1a h ≤ 8,2 pg/mL e da 8a h ≤ 8 pg/mL combinados em predizer necessidade de reposição de Ca no PO foram, respectivamente, de 91,9%, 80,3%, 75,5%, 93,7% e 84,9% (Tabela 12). A figura 20 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do Ca da 1a h de PO em classificar os pacientes que evoluíram com necessidade de reposição de Ca. A ASC foi de 0,55 (IC= 0,448 - 0,65; p= 0,39). O nível de Ca que apresentou melhor relação entre S e E foi o de 9,4 mg/dL. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 78%, 37,2%, 74,8%, 41,4% e 53,9%. 8 Com reposiçãoSem reposição Resultados 65 Figura 20. Concentração sérica de cálcio (Ca) na primeira hora após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 9,4 mg/dL; área sob a curva = 0,55 (intervalo de confiança = 0,448 - 0,65; p= 0,39)]. A figura 21 mostra a Curva ROC evidenciando a capacidade do P do 1o PO em classificar os pacientes que evoluíram com necessidade de reposição de Ca. A ASC foi de 0,809 (IC = 0,717 - 0,881; p< 0,001). O nível de P que apresentou melhor relação entre S e E foi o de 3,9 mg/dL. Neste, a S, E, VPP, VPN e A foram, respectivamente, de 77,5%, 74,1%, 67,3%, 82,7% e 75,5%. Resultados 66 Figura 21. Concentração sérica do fósforo no primeiro dia após a tireoidectomia como preditora de necessidade de reposição de cálcio [curva ROC (Receiver operator characteristic); cutoff = 3,9 mg/dL; área sob a curva = 0,809 (intervalo de confiança = 0,717 - 0,881; p< 0,001)]. A tabela 12 resume os valores da ASC do PTH da 1a (figura 16) e 8a (figura 18) h, e do P (figura 21) do 1o dia de PO, com seus respectivos valores de cutoff, S, E, VPP, VPN e A. Apresenta ainda os valores de S, E, VPP, VPN e A do PTH PO da 1a h ≤ 8,2 pg/mL e 8a h ≤ 8 pg/mL combinados em predizer a necessidade de reposição de Ca no PO. Já a figura 22 mostra a comparação das três curvas ROC. Não houve diferença estatística na comparação entre a ASC do P do 1o dia de PO com o PTH da 1a (p= 0,2) e 8a (p= 0,12) h de PO, e entre o PTH da 1a com o da 8a (p= 0,61) h de PO. Resultados 67 Tabela 12. Valores da área sob a curva ROC, Cutoff, sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP) e negativo (VPN) e acurácia (A) do PTH da 1a e 8a hora (h), e do fósforo do 1o dia de pós-operatório, associado aos valores de S, E, VPP, VPN e A do PTH PO da 1a h ≤ 8,2 pg/mL e 8a h ≤ 8 pg/mL combinados na predição de necessidade de reposição de cálcio pós-tireoidectomia. PTH 1a h PO PTH 8a h PO PTH 1 e 8 h de PO Ca 1a h de PO P 1o dia PO ASC 0,9 0,897 NSA 0,55 0,809 IC 0,823 - 0,951 0,82 - 0,949 NSA 0,448 - 0,65 0,717 - 0,881 Valor P < 0,001 < 0,001 NSA 0,39 < 0,001 Cutoff 8,2 pg/mL 8 pg/mL 8,2 e 8 pg/mL 9,4 mg/dL 3,9 mg/dL S* 90,2 89,7 91,9 78 77,5 E* 79,6 81,6 80,3 37,2 74,1 VPP* 75,4 76 75,5 74,8 67,3 VPN* 92,1 92,4 93,7 41,4 82,7 A* 83,9 84,8 84,9 53,9 75,5 * Valores expressos em % A = acurácia, ASC = área sob a curva ROC, E = especificidade, h = hora, IC = intervalo de confiança, NSA = não se aplica; P = fósforo, PO = pós-operatório, PreO = pré-operatório, PTH = paratormônio, S = sensibilidade, VPN = valor preditivo negativo, VPP = valor preditivo positivo. Figura 22. Comparação entre a curva ROC (Receiver operator characteristic) do hormônio da paratireoide (PTH) da 1a e 8a hora (h), e fósforo (P) do 1o dia de pós- operatório (PO) na predição de necessidade de reposição de cálcio pós- tireoidectomia. 68 6. DISCUSSÃO Discussão 69 6. DISCUSSÃO Os avanços na técnica cirúrgica envolvendo a cirurgia da tireoide observados no meio médico, nos últimos 150 anos, diminuiu consideravelmente as taxas de mortalidade e morbidade envolvendo essa abordagem cirúrgica. De fato, a melhora nas técnicas, mais recentemente com o uso de bisturi harmônico ou ultrassônico e a monitorização intraoperatório do nervo laringeo recorrente, tem diminuído as taxas de hematoma e de paralisia/paresia de pregas vocais pós-TT (Lang et al., 2013; Pisanu et al., 2014; Cheng et al., 2015; Cannizaro et al., 2016; Schneider et al., 2020). Por outro lado, o manejo PO da hipocalcemia continua a ser um grande desafio para cirurgiões de cabeça e pescoço e endocrinologistas. Nesse sentido, os pacientes submetidos à TT deveriam ser mantidos internados, com monitorização rigorosa da calcemia, procurando individualizar cada caso, ou, no outro extremo, todos deveriam irrestritamente receber alta, com prescrição de reposição via oral de Ca e até de calcitriol? A primeira conduta, apesar de mais segura, traz ao paciente o incômodo do aumento dos dias de internação, com coletas constantes de exames, aumento do risco de infecção e dos custos hospitalares. Atualmente, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, o valor de uma internação de paciente submetido a tireoidectomia total em oncologia, com uma permanência hospitalar de 5 dias, equivale a cerca de R$ 3.800,00. Em adição a isso, tem-se notado um aumento nos valores gastos com tireoidectomia, seguida de permanência hospitalar mais longa. Biron et al., ao avaliar um estudo transversal com pacientes submetidos a TT ou hemitireoidectomia, sem alta precoce, nos anos de 2003, 2007 e 2011, nos Estados Unidos, concluíram que os custos hospitalares relacionados a esta cirurgia aumentaram de forma significativa entre os anos de 2003 e 2011. Resultados como estes, de certa forma, pressionam a equipe médica no sentido de mudanças, visando a redução de custos. Por outro lado, a adoção de uma conduta menos rigorosa, com alta mais precoce e reposição universal, sem critérios clínicos e laboratoriais para esta, pode, algumas vezes, trazer consequências clínicas drásticas ao paciente, como as decorrentes do excesso de Ca (nefrocalciúria, nefrocalcinose, depósito de Ca no sistema cardiovascular), mascaramento dos reais casos de HipoPT e dificuldade no desmame da medicação nos pacientes que apresentaram recuperação da função da paratireoide (Biron et al., 2015; Minisola et al., 2015; Tartaglia et al., 2016). Discussão 70 Os que defendem a alta precoce, não baseada em critérios clínicos e laboratoriais, com reposição global de Ca e mesmo de calcitriol, argumentam que esta conduta diminui a taxa de hipocalcemia no PO. Porém, há poucos estudos na literatura que avaliaram os efeitos adversos, em longo prazo, desta conduta no PO de TT. Antakia et al. avaliaram, em uma metanálise, oito estudos pautados no uso profilático de Ca e calcitriol no PO de TT com ou sem EC. Os autores concluíram que os pacientes que recebiam a suplementação, de forma profilática, apresentaram um menor risco de desenvolver hipocalcemia transitória. Porém, esse menor risco não se repetiu para a hipocalcemia permanente. Além disso, os autores sugeriram que esta conduta poderia mascarar as reais taxas de hipocalcemia e levar a um “overtreatment” em alguns pacientes, com potencial dano se a suplementação fosse continuada por um longo prazo. A metanálise apresentou algumas limitações como a não realização de análise multivariada em parte dos estudos avaliados, o que impossibilitou o ajuste de fatores potencialmente confundidores. Além disso, parte dos estudos avaliados apresentou amostras reduzidas, com menos de 50 pacientes, o que, combinado a uma ocorrência modesta de hipocalcemia permanente poderia ter aumentado o risco de erro tipo II. Por fim, a grande variedade de critérios utilizados para a definição de hipocalcemia e para intervenção, assim como a diversidade de técnicas cirúrgicas e métodos de avaliação utilizados poderiam ter contribuído para enviesar o referido estudo (Antakia et al., 2015). Mais recentemente, Xing et al., em um artigo de revisão e metanálise, avaliaram 10 estudos, com 1620 pacientes submetidos a TT com ou sem EC e também concluíram que a reposição profilática de Ca com ou sem calcitriol estava relacionada à diminuição do risco de hipocalcemia e administração de Ca EV no PO, porém sem efeito na hipocalcemia permanente. Apesar disso, nas limitações do estudo, os autores citam que o número de pacientes tratados com suplementação endovenosa e diagnosticados com hipocalcemia crônica foi pequeno. Além disso, dos 10 estudos avaliados, apenas um reportou os efeitos adversos da suplementação de Ca e, consequentemente, as complicações desta terapia não foram considerados na análise (Xing et al., 2019). Na população em geral, a suplementação de Ca em longo prazo e sem critérios clínicos e laboratoriais bem estabelecidos tem sido associada a repercussões indesejáveis. Xiao et al. avaliaram, de forma prospectiva, 388.229 pacientes com idade entre 50 e 71 anos, com aumento da ingestão de Ca pela dieta e por suplementação e concluíram que, em homens, a suplementação de Ca esteve Discussão 71 associada a aumento do risco de morte por doenças cardiovasculares (Xiao et al., 2013). Já Michaelsson et al., avaliaram uma coorte prospectiva de 61.433 mulheres com ingestão aumentada de Ca na dieta ou por meio de suplentação e observaram aumento das taxas de morte por doenças cardíacas (Michaelsson et al., 2013). Na tentativa de chegar a um protocolo que se adequasse a demanda dos pacientes submetidos a TT ou ToT, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, visando uma alta precoce e também segura, Tunes et al. propôs a adoção de um algoritmo baseado nos valores absolutos e nas curvas evolutivas do Ca e do PTH nas primeiras 24 horas de PO de TT ou ToT (Tunes, 2016). Este protocolo, em função do grande número de variáveis utilizadas para classificar os pacientes em condições ou não de uma alta precoce em 24h, mostrou- se de difícil manejo na prática clínica. Associado a isso, o mesmo utilizava como um dos critérios de alta a presença de Ca > 8,4 mg/dl em 24h. A utilização somente deste critério na presente amostra de pacientes levaria a manutenção da internação de 40 (37%) dos pacientes, após as 24 horas de PO. Por fim, neste protocolo, a reposição de Ca era indicada na presença de valores de Ca inferiores a 8,4 mg/dL, medida esta que, se adotada no presente estudo, levaria a reposição em 70,1% dos pacientes da amostra. Consequentemente, apesar de seguro, a adoção do protocolo proposto por Tunes RS favoreceria o início da reposição de Ca em pacientes com quedas discretas da calcemia, para valores pouco abaixo do limite inferior da referência (8,4 mg/dL). Essa reposição contraria os objetivos da terapia preconizada pelos guidelines mais recentes sobre HipoPT crônico, que visam, entre outras metas, manter a concentração de Ca sérico ligeiramente abaixo do normal (isto é, não mais que 0,5 mg/dL abaixo do normal) ou na faixa normal baixa (Brandi et al., 2016; Khan et al., 2019). Diante dos achados oriundos do estudo de Tunes et al, foi elaborado e seguido um novo protocolo no presente estudo, com 107 pacientes, que foi pautado em três pilares principais: nos valores absolutos do PTH na 1a e 8a h; observação dos valores absolutos do Ca no PO e reposição de Ca apenas para valores inferiores a 8,0 mg/dL. O percentual de pacientes que evoluiu com hipocalcemia PO foi de 70,1%. Este percentual encontra-se acima do limite superior considerando-se as taxas descritas na literatura, que variam entre 1,6 e 68% (Filho et al., 2018; Edafe e Discussão 72 Balasubramanian, 2017). Porém, há uma grande heterogeneidade no conceito de hipocalcemia nos diversos estudos. Alguns consideram hipocalcemia apenas os casos sintomáticos, enquanto outros usam valores bioquímicos, cujos limites inferiores do Ca sérico variam numa faixa que vai de 7,2 a 8,5 mg/dL (Mazotas e Wang, 2017). No presente estudo, foi optado por definir hipocalcemia como qualquer valor de Ca sérico inferior a 8,4 mg/dL e/ou presença de sintomas/sinais de hipocalcemia como cãibras e espasmos musculares; formigamento perioral, mãos e pés; e presença de sinal de Trousseau e/ou de Chvostek. Dos pacientes que evoluíram com hipocalcemia, 42,7% apresentaram valores pouco abaixo de 8,4 (≥ 8,0 e < 8,4 mg/dL), faixa esta que não necessitou de reposição de Ca. Nestes, após 30 dias da AH, a calcemia média foi de 9,21 mg/dL, com 97% dos casos tendo apresentado Ca sérico dentro dos valores de referência e apenas 3% tendo mantido hipocalcemia. O único paciente, que manteve hipocalcemia no 30o dia da AH, apresentou Ca sérico igual a 8,2 mg/dL. Esses achados favorecem a ideia de que, após a TT, a queda dos níveis séricos de Ca para valores inferiores, porém próximos ao limite inferior da referência, é algo frequente e que, não necessariamente precisaria de reposição imediata. A comparação do grupo hipocalcêmico com o normocalcêmico, mostrou um percentual maior de pacientes submetidos a esvaziamento cervical (24% vs 0%) e com presença de paratireoides no anatomopatológico (32% vs 12,5%) no grupo hipocalcêmico, refletindo uma maior agressividade cirúrgica neste grupo. Laboratorialmente, a comparação entre os grupos mostrou diferenças entre os valores do PTH da 1a e 8a h e do Mg e P do 1o PO, com valores inferiores de PTH da 1a e 8a h, e Mg do 1o PO associado a níveis mais elevados de P no 1o PO no grupo hipocalcêmico. Essas diferenças refletem as mudanças fisiopatológicas ocorridas após a agressão cirúrgica das paratireoides. Essa agressão, tanto por dano direto, causando isquemia ou necrose, quanto por ressecção inadvertida das glândulas, levam a diminuição da produção do PTH. A queda dos níveis deste hormônio leva a uma diminuição dos níveis séricos de Ca, por diminuir, de forma direta, a absorção óssea e reabsorção renal e indireto, através da queda do nível séricos de calcitriol, da absorção intestinal deste íon. Também ao nível renal, a queda da concentração sérica de PTH estimula a reabsorção de fosfato, com consequente aumento dos níveis séricos de P; e diminui a reabsorção, de forma ativa, de Mg a nos túbulos Discussão 73 contorcidos distais (Vetter e Lohe, 2002; Allgrove, 2015; Cherian et al., 2016; Nellis et al., 2016; Liu et al., 2020). A análise multivariada para a predição de hipocalcemia mostrou que o PTH pré e PO (coletados 1 ou 8h do término da cirurgia), a ToT e o Mg do 1o PO foram preditores isolados deste desfecho. Valores maiores do PTH pré-operatório, nos modelos 1 (A e B) aumentariam a chance do desenvolvimento desta complicação, enquanto que valores maiores do PTH PO, coletado na 1ª. (modelo 1A) ou 8a (modelo 1B) h, a ToT [modelo 1 (A e B)] e de Mg, coletado no 1o PO [modelo 1 (A e 1B)], diminuiriam o risco de hipocalcemia. Os cutoffs de melhor acurácia para detecção de hipocalcemia para o PTH da 1a (75,9%) e 8a (72,7%) h foram, respectivamente, de ≤ 9,7 e ≤ 11,2 pg/mL. A S, E, VPP, VPP para os dois momentos foram respectivamente de 72,4%, 83,8%, 90,8%, 57,7%; e 67,1%, 86,2%, 91,9%, 52,9%. Gupta et al. avaliaram, de forma prospectiva, 90 pacientes com dosagem de PTH 10 min após a cirurgia. Concluíram que tanto o PTH 10 min quanto a queda percentual entre o PTH pré-operatório foram preditores de hipocalcemia, com o PTH 10 min = 11,3 pg/mL tendo apresentado S e E, respectivamente, de 91,7% e 97%. Em comparação ao presente estudo, Gupta et al. definiu hipocalcemia como valores de Ca sérico inferiores a 8,5 mg/dL; além disso seus critérios de exclusão foram apenas a presença de sinais (clínicos ou bioquímicos) de HipoPT, o que favoreceu uma amostra mais heterogênea se comparado a deste estudo, com provável inclusão de pacientes com doenças da paratireoide, como hiperparatireoidismo primário e secundário a insuficiência renal, ou em uso de medicação que alterasse a calcemia (Grupta et al., 2015). De forma análoga e por motivos semelhantes ao ocorrido na comparação do grupo normocalcêmico com o hipocalcêmico, a comparação do grupo com e sem reposição de Ca também mostrou diferença entre as concentrações do PTH da 1a e 8a h, e do Mg e P do 1o PO (tabela 4). Porém, as concentrações de PTH da 1a e 8a h no grupo com reposição foram menores se comparadas às do grupo hipocalcêmico, o que, consequentemente, repercutiu numa maior perda de Mg e de reabsorção de P a nível renal. Por fim, no 30o dia pós-alta hospitalar, as concentrações de PTH, Mg e P mostraram diferença estatística nos grupos sem (36 pg/mL, 2 mg/dL e 3,8 mg/dL) e com (21,3 pg/mL, 1,9 mg/dL e 4,4 mg/dL) reposição de Ca. Essa diferença pode ser explicada pela presença de um número maior de pacientes com hipoparatireoidismo no grupo com reposição. Nestes pacientes, é esperada uma Discussão 74 menor produção de PTH e consequentemente, uma maior perda renal de Mg e uma menor de P, o que resulta em uma menor e maior concentrações séricas, respectivamente, destes íons. Na análise multivariada, em ambos os modelos, o PTH da 1a (modelo 2A) e 8a (modelo 2B) h de PO, juntamente com o Ca da 1a h e P do 1o dia de PO foram preditores de reposição. No modelo 2A, valores de PTH e Ca mais elevados apresentaram efeito protetor, enquanto que o aumento do P aumentou a chance de reposição de Ca. Essa tendência repetiu-se no modelo 2B com PTH da 8a h, Ca e P. O aumento da chance de reposição de Ca associado ao aumento da concentração de P no 1o PO talvez reflita a maior queda de PTH nestes pacientes e, consequentemente, hipocalcemia mais intensa, com maior necessidade de reposição. Ao ser analisada a acurácia dos valores de cutoff do PTH da 1a (≤ 8,2 pg/mL), 8a (≤ 8 pg/mL) h e P (> 3,9 mg/dL) do 1o PO, em predizer a necessidade de reposição de Ca, notou-se que o PTH, nos dois momentos, apresentou acurácia (83,9% e 84,8%, respectivamente) superior a do P (75,5%). Apesar da ligeira superioridade da acurácia, o PTH da 8a h de PO apresentou sensibilidade ligeiramente menor se comparado ao da 1a h, respectivamente de 89,7% e 90,2%. Embora o PTH da 1a e 8a h, de forma isolada, tenham mostrado boas sensibilidades para a predição de necessidade de reposição de Ca (Ca sérico< 8,0 mg/dL), a sensibilidade da combinação do PTH de 1 e 8h com cutoffs, respectivamente, de 8,2 e 8,0 pg/mL, mostrou-se superior, sugerindo que esta combinação seja o fator mais importante a ser avaliado no PO (Tabela 12). A calcemia abaixo de 8,0 mg/dL representa, em geral, o quadro mais preocupante e que demanda reposição, devendo ser detectada precocemente (Brandi et al., 2016; Khan et al., 2019). Assim, o PTH coletado na 1a h combinado ao da 8a h de PO parece representar o preditor mais promissor a ser utilizado como ferramenta de triagem, com concentrações do hormônio superiores, respectivamente, a 8,2 e 8,0 pg/mL tendo se mostrado com elevada sensibilidade para detectar os casos que não demandariam reposição de Ca. Nesse sentido, essa ferramenta poderia selecionar os pacientes submetidos a TT ou ToT que seriam candidatos a uma alta precoce mais segura. Outros estudos também avaliaram o papel do PTH, coletado em diversos momentos, como preditor da queda de Ca para valores inferior a 8,0 mg/dL no PO Discussão 75 (Sywak et al., 2007; Lecerf et al., 2012; Inversini et al., 2016; Reddy et al., 2016). Lecerf et al. avaliaram 137 pacientes, prospectivamente, com dosagem de PTH e Ca no pré-operatório, PTH na 4a h de PO e Ca no 2oPO. Hipocalcemia foi definida como dosagem de Ca < 2 mmol/L (equivalente a 8,02 mg/dL). Dessa forma, concluíram que um valor absoluto de PTH na 4a h igual a 19,4 ng/L (equivalente a 19,4 pg/mL) apresentou uma S, E, VPP e VPN, respectivamente de 84,6%, 92,9%, 82,5% e 93,8% de predizer hipocalcemia (Lecerf et al., 2012). Nesse sentido, o presente estudo, comparado aos dados demonstrados por Lecerf et al. apresentou a vantagem de demonstrar um cutoff de PTH da 1a e 8a h de PO inferiores (8,22 e 8 vs 19,4 pg/mL), com uma S maior (90,2% e 89,7% vs 84,6%) em predizer Ca < 8,0 mg/dL no PO. Sywak et al. avaliaram, de forma prospectiva, com dosagem de PTH no pré-operatório, e em 4 e 23h após a cirurgia, e de Ca na manhã do 1º. e 2º. PO. Hipocalcemia foi definida como presença de Ca inferior a 2 mmol/L. Os autores subdividiram o PTH em valores de cutoff: 3, 10 e 20 ng/L. Dessa forma, para um cutoff de 10 ng/L, encontraram S e E, respectivamente, de 90 e 84%, para o PTH da 4h de PO em predizer hipocalcemia pós-TT (Sywak et al., 2007).