UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO IURI FERRO PELLEGRINI ALVARENGA A A LINGUAGEM E A NEURÓBICA: A LEITURA E A NARRATIVA COMO PRÁTICA DA GINÁSTICA CEREBRAL Rio Claro 2015 LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA IURI FERRO PELLEGRINI ALVARENGA A LINGUAGEM E A NEURÓBICA: A LEITURA E A NARRATIVA COMO PRÁTICA DA GINÁSTICA CEREBRAL Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Anaruma Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia Rio Claro 2015 Alvarenga, Iuri Ferro Pellegrini A linguagem e a neuróbica: a leitura e a narrativa como prática da ginástica cerebral / Iuri Ferro Pellegrini Alvarenga. - Rio Claro, 2015 93 f. : il., figs., gráfs. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Carlos Alberto Anaruma 1. Leitura. 2. Texto. 3. Cérebro. 4. Imaginação. 5. Neuróbica. I. Título. 372.4 A473L Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP AGRADECIMENTOS Aos meus dedicados Mestres. Às minhas queridas Mestras. Ao meu ilustre Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Anaruma. *** IN MEMORIAN: À minha querida TIA: Prof.ª Dr.ª DÉBORA DE LOURDES FERRO PELLEGRINI PARO Preito de admiração, gratidão e saudade! *** Aos meus Pais, a minha querida companheira Lívia, Familiares, Amigos e Colegas de hoje e de sempre. RESUMO A neuróbica é um conjunto de atividades que necessitam mobilizar extensas áreas do córtex cerebral para serem realizadas. Esta mobilização neuronal acarreta a formação de estímulos que fazem com que células especiais do tecido nervoso produzam neurotrofinas. Estas neurotrofinas agem sobre os neurônios fazendo com que seus prolongamentos cresçam para procurar novos contatos sinápticos o que em, última análise, da maior longevidade não só para este neurônio, mas para o neurônio que foi incluído no circuito pela nova sinapse realizada. Por isso trata-se de uma verdadeira ginastica para o cérebro. Acreditando que a leitura de textos criativos e com narrativa cheia de detalhes e cenas inusitadas e espetaculares são textos que podem ser usados para este fim, nos propusemos a analisar a obra “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato neste contexto. Assim, o objetivo deste trabalho é Identificar se a leitura do texto da obra de Monteiro Lobato “Reinações de Narizinho”, pode fornecer elementos que desencadeiam a mobilização das mais diferentes áreas do córtex cerebral fazendo com que possa ser considerada uma leitura neuróbica. Para tal, realizamos um levantamento bibliográfico sobre a temática da neuróbica na tentativa de identificar a prática desta atividade na leitura de textos que estimulam a imaginação e cognição. A conclusão deste trabalho é que a atividade de leitura é um imenso campo para a prática da neuróbica, e que aqueles textos que permitem o aguçar dos sentidos e emoções como é o exemplo de “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato, podem ser utilizados como meio para a prática do exercício neuronal, pois estimulam amplamente a utilização de áreas corticais e circuitos neuronais localizados em diversas regiões cerebrais, dentre elas, a área da visão, sistema límbico, região do giro angular e supramarginal (áreas 39 e 40 de Brodmann, consideradas como integrantes da área de Wernicke); a regiões occipitais primarias (área 17 “v1” e 18 secundária, “v2” de Brodmann); a região occipital temporal ventral (pertencente à área 19 de Brodmann de associação visual e principalmente a área 37 de Brodmann); A região temporal média (área 21 de Brodmann) e as regiões temporais superiores (área 22 de Brodmann), envolvem as imagens sonoras das palavras (próximas as áreas 41 e 42 de Brodmann, que correspondem ao córtex primário e de associação auditiva).. Palavras chave: Linguagem. Neuróbica. Leitura. Cérebro. Texto. Imaginação. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................06 OBJETIVO..................................................................................................................12 METODOLOGIA ........................................................................................................13 1. AS NEUROCIENCIAS E A ATIVIDADE DE LEITURA......................................14 1.1 As neurociências e a atividade da leitura........................................................14 1.2 A neuróbica e o ato de ler...............................................................................16 1.3 Como o cérebro funciona................................................................................18 1.4 Os neurônios e as chaves cerebrais para alcançar o texto............................21 1.5 As áreas de Brodmann...................................................................................24 1.6 Os circuitos neuronais envolvidos na prática da leitura..................................25 1.7 As práticas de leitura e a escolha dos textos..................................................27 1.8 A memória e a leitura: um encontro marcado das letras com as emoções....28 1.9 A Importância das sensações (mudanças de estado)....................................33 1.10 Alegoria e pensamento.................................................................................35 1.11 O hemisfério direito do cérebro.....................................................................37 2. CARACTERÍTICAS DO EXERCÍCIO CEREBRAL PRESENTES NA LEITURA DO LIVRO “REINAÇÕES DE NARIZINHO”, DE MONTEIRO LOBATO..........................43 2.1 Duas propostas................................................................................................43 2.2 Temática filosófica:..........................................................................................43 2.2.1 O pensar.......................................................................................................44 2.2.2 Mudanças de estado e o “pó do pirlimpimpim” cerebral...............................46 2.2.3 A maturidade emocional e a ansiedade........................................................48 2.2.4 O espaço homérico e o espaço hesiodéico (entre a poesia e a realidade)..56 2.2.5 Polegar e Narizinho (duas faces de uma mesma moeda)............................58 2.2.6 Possibilidades de interpretação, os vários caminhos do texto......................59 2.3 Aplicação do exercício neuróbico durante a atividade da leitura.....................66 2.3.1 Escolha do livro.............................................................................................66 2.3.2 Conteúdo neuróbico......................................................................................67 2.3.3 O cenário: espaços e tempos de narração que constituem mundos possíveis ...............................................................................................................................70 2.3.4 Personagens e suas funções na narrativa....................................................72 2.3.5 Os nossos sentidos e emoções....................................................................73 2.3.6 Mundos possíveis.........................................................................................77 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................84 CONCLUSÃO.............................................................................................................88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:..........................................................................89 6 INTRODUÇÃO Apesar do conceito de exercício cerebral ser um velho conhecido, basta nos lembrar das palavras cruzadas, a neuróbica se distingue por seguir uma orientação que não é determinante para o cérebro. As palavras cruzadas são determinadas a partir de um único objetivo, ocasionando no aprimoramento quase sempre dos mesmos circuitos cerebrais. A neuróbica busca o exercício mental a partir do modo em que nosso cérebro funciona. O fato de que à partir dos quarenta ou cinquenta anos de idade, ou até antes algumas vezes, a falta de memória é comum entre as pessoas. Em tempos que a prevenção de doenças e a qualidade de vida interessam a nossa sociedade, a saúde cerebral torna-se tão necessária quanto a saúde do corpo. Katz e Rubin (2000), apresentam uma alternativa que visa potencializar e manter a constância da nossa capacidade mental no decorrer dos anos. O Alzheimer é exemplo de uma doença conhecida e temida relacionada com o esquecimento que pode ser prevenida a partir dos exercícios neuróbicos propostos por esses dois estudiosos. Os princípios da neuróbica são fundamentados diante de recentes descobertas de diversos estudos do campo das neurociências. Entre eles os que concluem que “novas células cerebrais pode ser geradas nos adultos”; que “o declínio mental que a maioria das pessoas experimentam não é decorrente da morte constante de células nervosas”; que “neurônios velhos podem desenvolver dentritos para compensar as perdas”; e que “apesar de envelhecer, o cérebro continua a possuir uma capacidade extraordinária de crescer, adaptar e mudar padrões de conexão” (KATZ e RUBIN, 2000. p. 10 e 11). Todas essas pesquisas estão intimamente ligadas ao termo “plasticidade cerebral” e contradizem crenças populares como as que condicionavam todo o desenvolvimento cerebral ao tempo da infância. Essas idéias constituem a base da nova teoria cerebral. A prática da neuróbica visa estimular para que um grande número de neurônios em diferentes regiões do cérebro sejam ativados durantes as atividades diárias. Essa ginástica proporciona a produção e a atividade das chamadas células gliais, ou gliócitos, principalmente o astrócito: que compõem o tecido nervoso com a finalidade de nutrir e proteger os neurônios. O papel principal destas células é o de produzir 7 neurotrofinas: substâncias que nutrem, protegem, e também, são responsáveis pelo crescimento e ramificação dos dendritos. É pelo tamanho e número de conexão presentes nos dendritos que podemos medir a computação, eficácia e saúde dos neurônios. O intuito da prática do exercício neuróbico é ativar grandes números de circuitos neuronais que, quando sem estímulos, permanecem ociosos e, de certa forma, desligados no nosso cérebro, e por falta de uso acabam por atrofiarem, ate serem perdidos. Quando utilizados, esses circuitos voltam a atividade no nosso cérebro proporcionando que os gliócitos, das regiões cerebrais que estão presentes estes circuitos ativos, produzam as neurotrofinas, estimulando para que as células presentes neste circuito, façam ligações (sinapses) que levem ainda outros circuitos que estão inativos no cérebro a integrarem as vias nervosas e funcionarem também. Katz e Rubin (2000), traz uma nota que evidencia a importância dessa divulgação científica: Uma longa série de investigações do Dr, Michael Merzenich, na Universidade da Califórnia, em São Francisco, demonstrou a capacidade de adaptação das conexões do cérebro adulto. Por exemplo, nos cérebros de macacos adultos treinados para usar determinados dedos na obtenção de alimento, ás áreas do cérebro responsáveis pelo processamento do sentido do tato desses dedos expandiu-se pouco a pouco por regiões maiores. Isso significa que o cérebro era capaz de se “reformular” para realizar algo mais importante, como obter alimento. Também indica que mais “força cerebral” era devotada a habilidades específicas; neste caso o tato de determinados dedos. Descobertas recentes do Dr. Jon Kaas, na Universidade Vanderbilt, e do Dr. Charles Gilbert , na Universidade Rockefeller, demonstram que neurônios do cérebro adulto podem de fato desenvolverem novos fios para se ligarem. (KATZ e RUBIN, 2000, p. 138 e 139) Consideramos a leitura e a narrativa um verdadeiro percurso para a prática do exercício neuróbico, pois utilizam as vias neuronais próprias da linguagem, que se espalham por uma vasta região cerebral e possibilitam um trabalho mental progressivo, que constrói, utiliza e aprimora diversos circuitos cerebrais em regiões corticais e subcorticais. A forma de leitura que aconselhamos é aquela feita de forma lenta, centrada e progressiva, que permite para que possamos imaginar todos os lugares, visualizar as ações, ter atenção nos diálogos, experimentar o cheiro de fragrâncias e o gosto de sabores que encontramos de forma mágica no trajeto desta 8 forma de leitura. Há, portanto, uma certa prestidigitação que aprenderemos a praticar, para transformar signos tão valiosos que estão contidos em alguns tipos de textos e matéria prima para a prática do exercício cerebral. Este trabalho propõe um resgate de textos que nos transportam para diferentes lugares, e nos façam viver aventuras maravilhosas, dentre eles estão uma grande parte da literatura mundial como os “contos de fadas”, as “fábulas” e outras histórias e contos que, por serem belíssimos e deliciosos de ler e ouvir, atravessam muitos séculos e grandes distâncias até os olhos de leitores e o ouvidos dos ouvintes, proporcionando a prática do exercício cerebral por nos fazer imaginar milhões e milhões de coisas. O exercício proposto é, portanto, uma forma de estreitar os laços entre o homem e a sua própria cultura e, também, uma possibilidade de aprimorá-la e transformá-la. Bruner (1997), considera os pensadores, Freud, Vigotsky e Piaget como três grandes arquitetos da cultura moderna, ao apresentar a hipótese de que “poderiam estar construindo realidades de crescimento em nossas culturas ao invés de meramente descrevê-las” (BRUNER, 1997, p.142), e a partir desta hipótese, apresenta o que chama ser a “Teoria do Desenvolvimento como Cultura”. O mesmo autor considera Freud como grande transformador da linguagem ao ponto de por ela mesma ser o produto a que podemos medir transformações no sujeito e na cultura e, “como drama cultural preocupa-se principalmente com o passado e com os meios pelos quais o homem se libertara dos grilhões de sua própria história” (BRUNER, 1997, p.145). A partir dessas considerações “a fala” é para Freud “ao mesmo tempo o veículo para o diagnóstico e o meio para cura” (BRUNER, 1997, p.151). Segundo o mesmo autor, para Vigotsky a linguagem tem um papel mais progressivo do que simplesmente um veículo de transmissão da história cultural, e considera que: “A linguagem era um agente para se alterar os poderes do pensamento - dando ao pensamento meios para explicar o mundo. Por sua vez a linguagem tornou-se o repositório para novos pensamentos assim que se chegava a estes” (BRUNER, 1997, p.148). 9 Basta pensar no crescimento de formas e signos que espalhados pelo mundo de hoje em comparação com signos e formas presentes em diferentes épocas da história. O que podemos recuperar a partir de fragmentos passados? A análise de fragmentos mnemônicos deixados em diferentes épocas é uma forma interessante para acordar os mortos por um curto espaço de tempo. Na filosofia encontramos com frequência essa animação: é o que estamos fazendo nesta discussão. No entanto, na leitura dos clássicos e das histórias populares é que podemos encontrar o leitor escondido nessas diferentes épocas, estreitando os laços deste estudo com a antropologia. Andrew Lang já declarava em 1891: “se me perguntassem como e por que o Folclore se difere da Antropologia, ficaria um pouco embaraçado para responder.” (CASCUDO, 1986, p.15) Seguindo o raciocínio traçado em, Bruner (1997), vemos que Piaget, ao apresentar “a aprendizagem como invenção”, abre portas para que sejam desenvolvidas pesquisas (seguindo este raciocínio) nas diferentes áreas do conhecimento humano, como a educação e as neurociências, estando esse pensamento de certa forma, de acordo com os estudos mais recentes dessas respectivas áreas do conhecimento, preenchendo um imenso vácuo, que transforma a visão do senso comum de que ensinar é simplesmente transmitir. Á partir desta resumida introdução daquilo que Bruner (1997), apresenta como “Teoria do Desenvolvimento como Cultura”, podemos traçar os parâmetros que mobilizaram o desenvolvimento deste trabalho. Com o objetivo de apresentar a linguagem como uma “possibilidade cultural”, e essa possibilidade é fundamentada por Vigotsky conforme o trecho a seguir: Para ele, a mente não cresce nem naturalmente, nem desassistida. Ela não é determinada nem por sua história, nem pelas restrições lógicas de suas operações presentes. A inteligência é para ele a prontidão para usar o conhecimento e procedimentos culturalmente transmitidos como próteses da mente. Mas muito depende da disponibilidade e distribuição desses instrumentos protéticos dentro da cultura. (BRUNER, 1997, p.148). Bruner (1997), propõe para que este Gigante Adormecido (pois o autor considera os pensadores Freud, Vigotsky e Piaget como Titãs do pensamento moderno) seja acordado, e isso será feito pela valorização não tão somente do tesouro 10 cultural (no sentido pejorativo de alta cultura), “mas o conjunto de ferramentas de procedimentos para se atingir um patamar mais elevado, então Vigotsky será redescoberto.” (BRUNER, 1997, p.148). É diante desta proposta que surge a ideia deste trabalho, que consiste em investigar um tesouro cultural brasileiro: o livro “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato, as luzes das “ferramentas de procedimentos” que utilizamos para usufruir deste tesouro cultural que é um texto. O texto não é o livro (o livro é o produto de leitura pois contém o texto, e é disponível conforme a época e lugar) para melhor compreensão recomenda-se a leitura de Chartier (1996). O primeiro capítulo deste trabalho terá como tema algumas considerações sobre as ferramentas envolvidas na atividade linguística, tendo como focos principais as atividade de leitura e as práticas narrativas como o próprio título deste trabalho determina. Levando em conta a “visão” das neurociências sobre estas atividades abordaremos três temas principais: a neuróbica, que explica a atividade cerebral e propõe atividades consideradas saudáveis para o cérebro; a memória, o meio para a utilização da linguagem, e o ato de ler, considerando as ferramentas de que utilizamos para praticá-lo. O pensamento de Dahaene (2012), justifica o foco para um estudo textual, que no caso deste trabalho, tenta identificar textos criativos, fantásticos, com riqueza na construção e descrição de detalhes, para serem escolhidos para ser lido como uma atividade neuróbica: Restabeleçamos certas verdades simples sobre o ensino de leitura. Não. Todas as crianças não são diferentes: seus ritmos de aprendizagem podem variar, mas todas possuem os mesmos circuitos cerebrais e todas se beneficiam de uma aprendizagem rigorosa das correspondências entre grafemas e fonemas. A escola da liberdade não é aquela que deixa as crianças escolher os textos que ela deseja aprender, e sim aquela que ensina rapidamente a cada criança decodificar – o único método que lhe permitirá aprender por si só as palavras novas, adquirir sua autonomia e se abrir para todos os campos do saber. (DAHAENE, 2012, p.346) No segundo capítulo investigaremos a projeção da atividade de ler, ou seja, a finalidade e grandiosidade do “ser lido”. Para isso faremos uma análise do livro “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato, utilizando desde as remotas memórias, já que trata-se de um livro infantil criado e consolidado na Cultura Brasileira desde suas primeiras publicações no início da década de 1920, até cada pedaço de segundo 11 em que estamos com os olhos de leitor sobre o texto. É sobre o texto “Reinações de Narizinho” publicado pela primeira vez em 1931, que faremos toda a análise deste trabalho, considerando a grande influência que este livro exerce no interesse por outros títulos do mesmo autor e também entre muitos outros livros envolvidos numa diversidade de gêneros presentes, como a fábula, o conto maravilhoso, o cinema, entre muitos outros que se alamedam nas riquíssimas arborescências culturais que circuitam em nossos cérebros por via neuronal em forma de linguagem, e constituem o pensamento e a inteligência humana. Tomaremos então o texto do livro como a ferramenta para a construção de “mundos possíveis”, e o pequeno conhecimento sobre o “leitor dentro do texto” e o processo psicológico desencadeado nesta atividade como uma “realidade mental” (BRUNER, 1997). Assim pretendemos abrir as portas entre mundos complementares, agindo no “Mundo da Leitura” (LAJOLO, 2006) como ferramenteiros, seja para explicar, adentrar, explorar, gozar ou até mesmo criar mundos possíveis utilizando de signos que compõem os textos e de nosso cérebro para melhor realizar essa fantástica atividade. 12 OBJETIVO Identificar se a leitura do texto da obra de Monteiro Lobato “Reinações de Narizinho”, pode fornecer elementos que desencadeiam a mobilização das mais diferentes áreas do córtex cerebral fazendo com que possa ser considerada uma leitura neuróbica. 13 METODOLOGIA Como metodologia para a realização deste trabalho realizamos uma pesquisa bibliográfica a respeito do funcionamento neuronal em diferentes atividades que a leitura pudesse suscitar no córtex cerebral e da temática referente a neuróbica. Posteriormente analisou-se o texto contido no livro “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato, buscando identificar exemplos textuais que possibilitam a prática do exercício neuróbico diante do ato de ler. A escolha da pesquisa bibliográfica como metodologia deve-se ao fato de que a partir de textos contidos em livros, artigos científicos e material digital (imagens, gráficos, tabelas e textos) é possível fazer um levantamento da temática estudada – a aplicação do exercício neuróbico a partir do uso da linguagem, e apresentar ao leitor de modo em que ele possa utilizar esses exercícios em sua própria prática de leitura. O processo neuronal que ocorre no cérebro durante a prática do exercício neurobico será demonstrado no presente trabalho de modo em que se possa fazer uma relação entre este processo e a prática do exercício apresentado. O texto a ser trabalhado – “Reinação de Narizinho” de Monteiro Lobato, será discutido de modo prático, visando a fundamentação para a prática da ginástica neuronal. O conteúdo textual aparece então como o fator determinante para a prática do exercício neuróbico diante do ato de ler, pois os signos presentes no texto serão vistos como partes constituintes do circuito a ser percorrido. Percurso este constituído de letras, pensamentos, sentimentos e imaginação. No entanto, o texto contemplado por essa pesquisa apresenta uma grande riqueza de conteúdo em vários vieses, como o psicológico, filosófico e trata-se de um texto literário que é considerado o fundador da literatura infantil brasileira, portanto, serão abordados os aspectos filosóficos pertinentes ao contexto que envolve a técnica do exercício neuróbico utilizando-se da prática de leitura. 14 1. AS NEUROCIENCIAS E A ATIVIDADE DE LEITURA 1.1 As neurociências e a atividade da leitura As recentes descobertas das neurociências permitem que saibamos quais são as diferentes áreas do cérebro que utilizamos durante o ato de ler. Os estudos do psicólogo cognitivo francês Stanislas Dahaene, presentes no livro “Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler” traduzido para o português em 2012, atribuem a uma região exata do córtex cerebral, a região occipitotemporal esquerdo, o processamento cerebral que acontece quando lemos. O mesmo estudo ainda conclui que o processo de leitura é o mesmo, independentemente do idioma em que a leitura é feita, ou seja, tanto para se ler em inglês, francês, alemão, chinês ou português, os mesmos circuitos neuronais competentes à atividade de ler são utilizados, sempre orientados pela região occipital temporal ventral esquerda de nosso cérebro. Em se tratando da história da espécie humana, a escrita é uma tecnologia muito recente, com aproximadamente cinco mil anos. Portanto essa capacidade não pode ter originado de uma evolução, o que requer até milhões de anos, e pode ser explicada pela capacidade do nosso cérebro de aproveitar circuitos neuronais utilizados anteriormente para outras atividades, para realizar novas habilidades ou aprimorar habilidades adquiridas. Essa capacidade do cérebro humano é denominada reciclagem neuronal e é explicada pela plasticidade, ou a capacidade do nosso cérebro de modificar-se mediante estímulos de caráter biológico-cultural. No caso específico da leitura, as regiões atribuídas a esta atividade eram ancestralmente utilizadas para a identificação de formas geométricas e de diferentes rostos humanos e suas expressões. Apesar da atividade da leitura abranger complexos circuitos neuronais, não podemos considerar o ato de ler por si só como uma atividade neuróbica, pois está principalmente relacionada a uma região muito específica do nosso cérebro. No entanto, o rumo das pesquisas sobre o aprendizado da leitura está cada vez mais sendo direcionado para que outras vias além da lexical sejam levadas em conta no 15 processo da leitura, principalmente na fase do aprendizado da leitura. Para Dahaene (2012), a atividade da leitura abrange duas vias principais, a léxica – orientada principalmente pelo sentido da visão para o acesso ao profundo campo dos significados, e a fonética – que é responsável pela associação grafema-fonemas, cujo fonema não deve ser considerado apenas como som ou ruído e sim como feixes de traços distintivos de sentido, segundo R. Jakobson. Assim “a arquitetura do córtex obedece a uma organização em vias múltiplas e paralelas e as duas vias se complementam” (SCLIAR-CABRAL, 2008, p.32), sendo ainda mais abrangente no que se refere a múltiplas vias, pois além da interação entre estas duas vias, o processo de leitura acessa o amplo dicionário mental, como conclui a mesma autora: “Tanto as regras de conversão grafema-fonema, são utilizadas, quanto o acesso ao dicionário mental, no qual qualquer pessoa possui arrolados no mínimo de 40.000 a 50.000 itens.” (IDEM, 2008, p.32). Em contra partida a essas múltiplas vias do conhecimento os estudos referentes a neuróbica demonstram que o nosso cérebro ao adaptar-se a determinada atividade passará a realizá-la pela via neural mais curta ao invés de utilizar todos os circuitos neuronais que são constituídos durante o processo de aprendizagem. No caso da leitura, a via léxica pode predominar sobre a via fonética, no caso de leitores experientes. No entanto, quando nos deparamos com novas palavras a via fonética é acessada para a real compreensão da palavra. Este fato abre uma janela para que possamos explorar a atividade da leitura como exercício para o cérebro. Não se trata da ampliação da complexidade dos principais circuitos neuronais que utilizam a via léxica como uma rua de mão única e que muitas vezes confinam nosso cérebro a funcionar de forma padronizada. A proposta é que a partir constatação de que a via fonética é uma condição para o aprendizado da leitura, ampliar ainda mais a utilização de diferentes vias, não só referentes a fonética mas também incluir outros sentidos, como o olfato e o paladar, pode enriquecerão a apreensão desta informação, pratica que muitas vezes são desconsiderados durante o aprendizado do processo de leitura. Trata-se de uma grande dicotomia, pois fala-se cada vez mais sobre o aprendizado pelo sentido, enquanto a pratica tende cada vez mais para a predominância da via visual e automática de aprendizagem, que vai às avessas ao modo que o nosso cérebro funciona segundo os recentes estudos das neurociências. 16 1.2 A neuróbica e o ato de ler No título “A importância do ato de ler”, Freire (1989), relembra o seu próprio processo de aprendizagem de leitura, que não teve início necessariamente com as letras. Segundo Katz e Rubin (2000), este processo é muito mais amplo e abrange todos os sentidos, inclusive as nossas emoções considerada nosso sexto sentido. Esta belíssima capacidade de narrar uma memória é construída a partir de vivências simples e universais, que quando recuperadas, interrompem esta saga cronológica do tempo corrido, fundamentada na concepção do “tempo de agora” (Jetztzeit) e constitui o que podemos chamar de “experiência” (Erfahrung) que é constituída pela utilização de nossos sentidos inclusive o da emoção. A recuperação da maneira que é engendrado tal modo de pensamento, neste trabalho assumirá importância maior do que a própria identificação do pensamento, que fará aflorar a experiência (GAGNEBIN, 1994). A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica as percepções da relação entre texto e contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a reler momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas da minha infância, da minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se veio em mim constituindo. (FREIRE, 1989,p.09) O trecho citado acima esclarece esta diferença entre o “tempo de agora” que como podemos considerar como uma “rua de mão única”, passageira e sem volta, que tende a depositar a vivência nos escombros do passado; e a experiência que, como descreve o autor, faz o trajeto de mão dupla e nos leva a “gostosamente” a reler práticas guardadas na memória, desde as experiências mais remotas (BENJAMIN,1987). Ainda no trecho acima o educador afirma que “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica as percepções da relação entre texto e contexto”, raciocínio este que podemos relacionar com, como no campo da neurociências é retratado o processo da leitura – uma relação entre os termos “bottom 17 up” – referente a informação textual, e “top down” – o conhecimento prévio sobre o tópico, presente no amplo dicionário mental de cada pessoa. (SCLIAR-CABRAL, 2008) Aproveitamos este assunto para refletir sobre os problemas educacionais atuais. Uma vez que ambos os processos de leitura devem ocorrer para que haja a leitura crítica, a predominância de um sobre o outro pode deturpar a atividade da leitura. A predominância do modo analítico sobre o global já é bem conhecida dos educadores, e denominada por Freire (1987), como “educação bancária”. No entanto, influenciada por novas tecnologias áudio visuais, à predominância do modo global de ler o texto tem predominado e até suprimido o analítico, resultando na não leitura e no que chamaremos de método global ingênuo, pois se a informação não parte da informação textual, obviamente que estamos tratando de um slogan, que mascarado como uma forma de entendimento nos distancia cada vez mais do real processo de leitura. O próprio autor escreve sobre a armadilha que caímos quando desprezamos o método analítico, o que faz com que haja a predominância do modo global (obviamente ingênuo) de tratar o escrito, como mostra o trecho do livro “Ação cultural para a liberdade”: {...} devemos começar por exercer uma reflexão sobre a frase mesma que envolve nosso tema. A vantagem de assim proceder está em que a frase proposta se desvela ante nós sua compreensão total. O adentramento que façamos nesta, desde um ponto de vista crítico, nos possibilitará perceber a interação de seus termos na constituição de um pensamento estruturado, que contém um tema significativo. Este adentramento crítico na frase proposta, que nos leva a apreensão mais profunda de seu significado, supera a percepção ingênua, que sendo simplista, nos deixa sempre na periferia de tudo o que tratamos. Para o ponto de vista crítico, que aqui defendemos, a operação de mirar implica noutra – a de ad – mirar. Admiramos e ao adentrar-nos no ad-mirado o miramos de dentro e desde dentro, o que nos faz ver. Na ingenuidade, que é a forma desarmada de enfrentamento com a realidade, miramos apenas e, porque não admiramos, não podemos mirar o mirado em sua intimidade, o que não nos leva a ver o que foi puramente mirado. Por isso, é necessário que admiremos a frase proposta para, mirando-a de dentro, reconhecer que não deve ser tomada como mero clichê. A frase em discussão não é um rótulo. Ela é, em si, um problema, um desafio. Enquanto apenas miremos a frase, ficando assim na sua periferia, não faremos outra coisa, ao falar do tema que ela envolve, senão um discurso de “frases feitas”. 18 A operação referida de adentramento crítico na frase proposta nos possibilita outra operação – a de cisão em suas partes constitutivas. Esta cisão da totalidade em suas partes nos permite retornar a ela (totalidade) alcançando desta forma uma compreensão mais vertical de sua significação. Ad-mirar, mirar desde dentro, cindir para voltar a mirar o todo admirado, que são um ir até o todo e um voltar até suas partes, são operações que só se dividem pela necessidade que tem o espírito de abstrair para alcançar o concreto. No fundo são operações que se implicam mutuamente. (FREIRE, 1981,p.31) A importância da palavra escrita é clara na perspectiva do autor, que vai ainda mais longe ao considerar que o simples mirar sobre a palavra não é o bastante para ocorrer o que chamamos de compreensão. É preciso ad-mirar! – Operação que vai além da simples visualização da palavra escrita. A utilização do sentido da emoção (KATZ e RUBIN, 2000) é explicita para uma real compreensão da palavra escrita. Fica claro ainda que um método eficaz de leitura requer o que o autor chama de “cisão”. O que, Freire (1981), definiu como “necessidade que tem o espírito de abstrair para chegar ao concreto”, podemos relacionar com o conceito “bottom up” que abrange a informação puramente textual, e a “totalidade” com o termo “top down” que abrange o conhecimento prévio, que são paralelos, ocasionando na ampliação do segundo e no aprimoramento do primeiro. Em ambos os casos há uma relação mútua entre a ação global e analítica da leitura, ou seja, uma não existe sem a outra, seja por “necessidade do espírito” ou “funcionamento do cérebro”. E quanto a ad-miração? Chegamos a um problema abrangente se tratando da atividade de leitura. Como o desinteresse pelo ato de ler, que hoje encontramos presente nos relatos referentes a escolas em todo Brasil do Oiapoque ao Chuí, pode ser transformado no sentido de busca (admiração) que encontramos na ação dos mais vorazes leitores? 1.3 Como o cérebro funciona O córtex cerebral é o espaço físico que sedia a nossa capacidade de aprendizagem e, que é responsável pelas faculdades da memória, da linguagem e do pensamento abstrato. É uma camada fina da espessura de aproximadamente vinte folhas de papel sulfite, que envolve o cérebro como uma casca de laranja. Embora fino e de aparência enrugada e com sulcos, o córtex é muito extenso, e se 19 “desembrulhado” possui a área equivalente à de uma página de jornal. A área do córtex é dividida por possivelmente centenas de regiões distintas que são estimuladas de acordo com a atividade dos nossos sentidos. O tamanho destas regiões variam entre o de uma unha até a de um cartão de credito. Nestas diferentes regiões estão uma quantidade exorbitante de células nervosas que são estimuladas quando executamos as faculdades de nossos sentidos e da nossa linguagem: quando ouvimos, quando olhamos, saboreamos o alimento, ou executamos uma destas ações tão comuns, estamos fazendo exercícios, tanto segundo a ótica biológica quanto a sócio cultural (KATZ e RUBIN, 2000). O trecho a seguir explica o funcionamento da região cortical do cérebro: As áreas do córtex cerebral são ligadas por centenas de circuitos neurais diferentes, capazes de armazenar memórias em combinações quase ilimitadas. Como o sistema é tão complexo e o número de combinações possíveis de circuitos cerebrais é tão vasto, empregamos apenas uma pequena fração das combinações possíveis. (KATZ e RUBIN, 2000, p.14) Estes circuitos neurais funcionam conforme a produção das neurotrofinas – “moléculas que são produzidas pelo nosso cérebro e que reagem com as células nervosas de cada região cerebral” (KATZ e RUBIN, 2000). A variação do padrão em que essas atividades são feitas será de suma importância para o desenvolvimento e a qualidade dos circuitos cerebrais construídos, quanto maior e mais variada for a atividade cerebral, maior será a produção das neurotrofinas. Neste ponto de vista, aquelas atividades que deixamos de dar importância, tão humanas e alienáveis, como comer, dormir, olhar, escutar e falar, estão sujeitas a uma “qualidade de vida”, que relacionamos ao conceito de experiência, que segundo Walter Benjamim apresenta em seu ensaio “Experiência e pobreza” (BENJAMIN,1994), está empobrecendo. A recuperação da valorização das experiências apresenta uma concepção saudável de educação. O cérebro pode, em qualquer momento da vida, ampliar a sua capacidade e agilidade, conforme as suas diferentes áreas são utilizadas. O estimulo de áreas diferentes de nosso córtex torna-se um fator decisivo para ampliar a capacidade e agilidade mental de crianças, adultos e idosos. Em contrapartida, a falta da consciência biológica, de como funciona o nosso cérebro, e a gradual redução da 20 importância da atividade neuróbica, diante desse empobrecimento da experiência (causado pela rotina da vida contemporânea), contribui para a redução da atividade cerebral e declínio da capacidade e agilidade mental, causando desde os pequenos lapsos de memória até sintomas dos primeiros estágios do Alzheimer. De acordo com Katz e Rubin (2000), a utilização de diferentes áreas cerebrais se dá pela prática de atividades de maneiras diferentes. Uma alternativa de vida que vise à fuga da rotina é uma proposta do exercício mental que, funcionando como um filtro, passa a avaliar nossas ações. Com o foco em buscar a variedade da experiência, o exercício neuróbico nos permite construir uma variada enciclopédia de experiências, que constituem as chamadas teias cerebrais que desenvolvem os diferentes circuitos cerebrais que constituem a forma como pensamos e desencadeiam no exercício neuróbico. O exercício neuróbico proposto é fundamentado em desenvolver o cérebro elencando diferentes atividades que sirvam como ramificações de determinadas atividade. Esta arborescência da atividade cotidiana desfavorece a prática de atividades rotineiras, propondo variadas experiências até mesmo enquanto trabalhamos. Tais exercícios buscam uma alternativa para exercitar o cérebro de diversas formas como a prática da utilização do hemisfério não dominante (menos utilizado); a ampliação do campo semântico em associações com sensações e emoções e a ampliação do uso de diversas vias neurais para desenvolver determinada atividade. Sobressai a importância da integração de regiões do cérebro com a atividade cortical. Entre essas regiões destaca-se o corpo caloso - “ponte de tecido ligando o hemisfério esquerdo e direito”; o hipocampo - “essencial na formação e recuperação da memória e na criação de mapas mentais”; o tálamo – onde “as mensagens sensoriais para o cérebro são divididas e encaminhadas para os centros de recepções apropriados no córtex”; a amígdala – “o centro das emoções”, os bulbos olfativos – onde suas informações “fazem conexão direta com o córtex, a amígdala (centro emocional) e o hipocampo (memória)” e o cerebelo, que “cuida da coordenação física” (KATZ e RUBIN, 2000, p.17). Segundo o autor citado essas são as áreas cerebrais envolvidas no processamento das emoções. Voltamos ao título deste trabalho – “A linguagem e a neuróbica: a leitura e a narrativa como prática da ginástica cerebral” para privilegiar o estudo da memória, que 21 está relacionado com o tema em diversos aspectos: a leitura e a narração abrangem a memória em sua própria definição, considerando que durante o ato de ler buscamos a aquisição da informação (no sentido mais primário do ato de ler), e durante a narração que ocorre é a evocação de determinadas ideias. Essas duas atividades (leitura e narração) são complementares entre elas e abrangentes à temática do exercício cerebral, pois partilham objetivos em comum: o desenvolvimento do cérebro pelas vias do aprimoramento de habilidades, da ampliação da memória e da qualidade de vida. Torna-se então, necessário uma definição sobre o que é memória, para ampliar a temática. Dahaene (2012) e Izquierdo (2002), consideram que o cérebro funciona a partir de processamentos paralelos e simultâneos, portanto torna-se necessário apresentar como o nosso cérebro lida com memórias para ampliar a temática estudada. O próprio Stanislas Dahaene, expressa humildade ao considerar que “seria ingênuo pensar que o significado se limita a um pequeno número de regiões cerebrais. Pelo contrário, a semântica faz apelo a vastíssimas populações de neurônios distribuídas por todas as regiões do córtex.” (DAHAENE, 2012, p.127). Diante da afirmação deste autor, propomos a identificação de como essas vastíssimas populações de neurônios distribuídas por todo o córtex funcionam durante o ato de ler, e também quais os textos que podem proporcionar a prática do exercício neuróbico. 1.4 Os neurônios e as chaves cerebrais para alcançar o texto Izquierdo (2002), explica o que precisamos saber sobre neurônios para compreender a atividade do cérebro, inclusive no processamento de memórias: os neurônios fazem, armazenam, evocam e modulam a memória animal, as vezes, apresentam o comprimento de vários centímetros, e estabelecem redes de comunicação com outros neurônios. Os prolongamentos que emitem informações em sinais elétricos a outros neurônios são chamados axônios, e os prolongamentos ao qual o axônio deposita as informações é chamada de dendritos. A transferência de informação dos axônios para dendritos ocorrem pelas substâncias químicas produzidas nas terminações dos axônios e que são os neurotransmissores. As regiões onde as terminações axônicas estão mais próximas dos dendritos são chamadas 22 sinapses, que são os pontos reais da intercomunicação neuronal. No lado dendrídico, durante as sinapses há proteínas específicas para cada neurotransmissor chamadas receptores. As chaves de leitura são uma forma alegórica para explicar o que podemos chamar de sucesso da atividade de leitura. Temos a chave do texto, ou o texto tem as chaves do cérebro? Uma sucinta explicação sobre a atividade neuronal nos leva a pensar na troca de informação entre homem e livro. Quem tem as chaves? Não é preciso ir longe no ato de imaginar para comparar as sinapses como chaves que ligam os neurônios a outros e formam redes de ações e sentidos. No campo das ações, no caso, o ato de ler, esse conjunto de chaves envolve uma atividade principalmente visual. São os olhos do leitor que receberão estas chaves, é ai que tudo (circuitos neuronais e sentido do texto) começa a destrancar na hora de ler. Toda uma imensa rede neuronal é ativada por uma poderosa chave que está presente no nosso olhar. Que olhar é esse? O olhar que parte da fóvea, que utiliza o centro da retina como foco, este é o olhar que abre as portas para o texto, considerando que: Nos dois hemisférios, as regiões laterais preferem os estímulos fins, apresentados na proximidade da fóvea, enquanto as regiões próximas ao centro do cérebro respondem principalmente a configuração global, portanto a periferia do campo visual (DAHAENE, 2012, p.183) Um cenário epigenético simples emerge. Desde o nascimento, os neurônios das porções laterais do córtex temporal ventral apresentariam um viés: as entradas sinápticas os tornariam mais aptos a responder os estímulos finos apresentados á fóvea. Esses neurônios seriam então selecionados, de preferência a outros, para a codificação visual das palavras, porque essas últimas requerem uma grande precisão. Assim, poderíamos explicar porque a posição lateral desta região seja reproduzível de um indivíduo a outro. O gradiente de preferência das retina forneceria um dos eixos de um sistema de coordenadas que em virtude de preferências inatas, definiria esse ponto preciso do córtex como o mais apto a responder às exigências da leitura. (DAHAENE, 2012, p.185) Como vimos, a chave cerebral que abre os circuitos neuronais próprios da leitura é o olhar do leitor para o texto. É ai que entra a importância do trabalho do professor em selecionar, compartilhar, apresentar, oferecer e proporcionar textos que permitam que a atividade de ler seja prazerosa, contínua e duradoura. O olhar de leitor é diferente do olhar do observador, pois utilizam os olhos de formas diferentes e 23 ativam regiões corticais diferentes. Encontramos então uma enorme diferença entre a leitura de texto e a leitura de mundo. Apesar dessas duas formas de leitura serem importantes, elas são atividades distintas e merecem especificidades distintas para as suas respectivas práticas. Os traços que mais aproximam a leitura do mundo da leitura das letras são os traços que encontramos em diferentes rostos e formas geométricas, porém preferencialmente no hemisfério cerebral oposto. Agora que temos as chaves podemos adentrar e explorar os circuitos neuronais envolvidos na prática da leitura. FIGURA 1.1: Tsang-Chieh: Fonte: Abril Cultural (1972, p.1576) FIGURA 1.1: Tsang-Chieh: Alegoria do “inventor da escrita” dos chineses antigos possuía quatro olhos. De fato, a atividade de leitura requer uma maneira própria de olhar. O olhar do leitor utiliza o centro da retina como foco e, é diferente do olhar periférico do observador. 24 1.5 As áreas de Brodmann Utilizaremos as áreas de Brodmann como referência durante este trabalho pois hoje é reconhecido que a subdivisão de Brodmann retrata muito minunciosamente ás diferentes funções das diversas áreas do córtex cerebral, tendo em vista, a constituição citoarquitetônica dessas diferentes áreas. As ilustrações servem como um excelente instrumento de orientação para identificar a localização de diferentes áreas corticais citadas no decorrer deste trabalho: Figura 1.2: As áreas de Brodmann Fonte: Mark Dubin – University of Colorado in: http://spot.colorado.edu/~dubin/talks/brodmann/brodmann.html Figura 1.2: As áreas de Brodmann: Ilustrações coloridas do mapa citoarquitetônico de Brodmann do cérebro humano. As várias áreas são designadas por diferentes símbolos e seus números são indicados por algarismos (à esquerda). Já as ilustrações à direita identificam as funções cerebrais destas regiões. Os desenhos superiores é a vista lateral do hemisfério esquerdo e o inferior é a vista medial do hemisfério direito. 25 1.6 Os circuitos neuronais envolvidos na prática da leitura A princípio como vimos, a partir dos olhos é que abrimos o texto e entramos no mundo que ele proporciona. Todos os textos proporcionam mundos? Não, textos proporcionam informação, mas sabemos e conhecemos textos que proporcionam mundos. Entraremos agora pela entrada do texto e posteriormente no próximo capítulo, entraremos em um mundo proporcionado por um texto escolhido. Segundo, Dahaene (2012), regiões envolvidas abrangem primordialmente o hemisfério esquerdo do cérebro. As conexões entre as diferentes áreas do cérebro são bidirecionais e envolvem principalmente áreas visuais; áreas ligadas a sonoridade; áreas ligadas ao sentido das palavra; e áreas ligadas a articulação das palavras. Veremos essas áreas segundo este autor: As regiões occipitais primarias (área 17 “v1” e 18 secundária, “v2” de Brodmann) são utilizadas durante os primeiros passos do tratamento das letras que, nesta região, ainda são manchas semelhantes. A região occipital temporal ventral (pertencente à área 19 de Brodmann de associação visual e principalmente a área 37 de Brodmann) é responsável pelo tratamento das letras. É a principal área do circuito da leitura, pois estabelece diversas conexões de ida e vinda com variadas áreas corticais. Esta é a região específica da leitura e que só é ativada durante o ato de ler. A informação ouvida não ativa esta área cortical A região temporal média (área 21 de Brodmann) e as regiões temporais superiores (área 22 de Brodmann), envolvem as imagens sonoras das palavras (próximas as áreas 41 e 42 de Brodmann, que correspondem ao córtex primário e de associação auditiva). São regiões fundamentais para o aprendizado de palavras novas. São áreas que devem ser exploradas durante o processo da alfabetização para ter maior êxito na aprendizagem, exercícios que envolvem essas áreas corticais, inclusive são eficazes para o tratamento da dislexia. A articulação entre texto visual e auditivo é um bom método para as aprendizagens que envolvam a novidade, como no caso um novo idioma. A região fusiforme anterior (área 20 e 37 de Brodmann) faz conexões com as regiões occipital temporal ventral, temporal média, frontal inferior e com as regiões 26 temporais superiores. Por suas ligações supõe-se que tenha a importante função de fazer a ponte entre as diferentes formas do signo da linguagem (imagens, sons, significados, imagens motoras do som e, portanto a atenção). Podemos, então, atribuir a genealogia do signo a esta região cerebral. As regiões frontal inferior (áreas 44 e 45 de Brodmann), temporal anterior (área 20 de Brodmann) e ínsula anterior (as áreas 13, 14, 15 e 16 de Brodmann são correspondentes a ínsula) são responsáveis pela associação de palavras e significados. É a partir deste complexo regional cortical que acessamos as memórias e as emoções à partir da leitura. A região pré-central (áreas 04, 06 e 08 de Brodmann) associada com a área motora são utilizadas durante a fala. Conecta-se com a região supramarginal e a região frontal inferior, que influenciam sagazmente na qualidade da fala e na pronúncia, respectivamente. Áreas obviamente relacionadas com a habilidade de fazer relações entre signos, tanto para o ato de ler (entendimento) quanto o de falar. Já as regiões que envolvem a região supramarginal, a parietal posterior e o giro angular (correspondentes às áreas 40, 07 e 39 de Brodmann respectivamente), podemos considerar a casa da inteligência, criatividade, iniciativa e entendimento. Consideradas como responsáveis pela “atenção descendente e leitura serial” (DEHAENE, 2012, p.78), são nessas regiões onde encontramos a chamada caixa de ferramentas que determina o funcionamento do córtex pré-frontal (áreas 09, 10, 11 e 12 de Brodmann) responsável por nossas ações em tempo real, como veremos nos textos a seguir. A figura a seguir ilustra as regiões cerebrais do hemisfério esquerdo descritas anteriormente, que são, apontadas por Dahaene (2012), como as regiões que comportam os circuitos neuronais da leitura. Nota-se que uma extensa região do córtex cerebral do hemisférios esquerdo está envolvida no processo de linguagem e, que a atividade de ler estimula muitas outras regiões do nosso cérebro, como veremos ao decorrer deste trabalho. 27 Figura 1.3: Os neurônios da leitura Fonte: Scliar-Cabral (2009, p. 05) 1.7 As práticas de leitura e a escolha dos textos Conforme o enunciado tais regiões cerebrais descritas são utilizadas durante a prática de leitura, e não podem ser ignoradas por educadores, pois são onde concretamente ocorrem a atividade mental que é exercida durante o ato de ler. Para que possa ser proporcionada uma educação saudável e consciente, é preciso que a atividade cerebral durante o processo de aprendizagem da leitura seja discutida entre professores com a finalidade de explorar textos que de fato contribuam para uma formação eficaz de novos leitores, para que ao longo da vida continuem lendo, e possam escolher textos pelo seu conteúdo e não por mero clichê. Estreitar os laços entre o leitor e os clássicos torna-se um objetivo por um lado necessário e, por outro um grande desafio à medida em que nossa capacidade de 28 julgar um texto é fortemente influenciada por opiniões fundamentadas em clichês, que não provem de uma leitura, que não foram constituídas à partir da atividade de leitura e que, cada vez mais se tornam unanimidade em salas de aula. É necessário que uma corrente de valorização do pensamento seja formada para que seja proporcionado uma educação que cada vez mais consiga ascender do popular ao clássico, e vincular a experiência contemporânea a aqueles textos que o tempo não consumiu, ou seja, textos imortais. Como é o caso do livro “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato, assim como os demais livros criados por ele e, muitos daqueles que Lobato traduziu. “Alice no País das Maravilhas” e “Alice no País dos Espelhos”, de Lewis Carroll, “Um estudo em vermelho” e outros títulos estrelados por Sherlock Holmes, de Conan Doyle e, outros textos literários que nos fazem imaginar e sentir a partir das letras, assim como as fábulas, os contos populares, contos mitológicos, fantásticos, e muitos outros tipos de contos literários ou populares, são exemplos de textos que consideramos como leituras neuróbicas. 1.8 A memória e a leitura: um encontro marcado das letras com as emoções A questão da memória é tão importante para a leitura quanto o próprio processo de leitura. Precisamos de nossa memória para que o ato de ler se torne eficaz. Podemos associar a utilização da memória durante o ato de ler, principalmente no que diz respeito as associações semânticas, que “ativam poderosamente o córtex pré- frontal inferior esquerdo” (DAHAENE, 2012, p.83). Começaremos por essa importante região cortical que utilizamos quando associamos palavras e que também é o ponto de partida para a formação de nossas memórias – o córtex pré-frontal, que segundo Izquierdo (2002), é a região cerebral onde é processada a memória do trabalho. A memória do trabalho é a nossa memória on-line, a utilizamos para tarefas simples como para guardar um número de telefone que vamos utilizar no mesmo instante e depois do telefonema acabamos por esquecê-lo; ou para lembrar da quarta palavra do parágrafo anterior – ou seja, a utilizamos a todo momento no ato de ler para que o texto possa fazer sentido e ter continuidade. Esta memória serve para gerenciar a realidade, e manter por alguns segundos ou no máximo poucos minutos, a informação que está sendo processada no momento. A memória do trabalho é 29 processada fundamentalmente pelo córtex pré-frontal, e é acompanhada de poucas alterações bioquímicas, dependendo basicamente da atividade elétrica dos neurônios desta região cerebral (IZQUIERDO, 2002, p.20). Durante esse gerenciamento pela memória de trabalho, ao receber qualquer tipo de informação, ela determina se essa informação é nova ou não, e também a sua utilidade. Para isso a memória de trabalho acessa as memórias preexistentes, e é isso que vai determinar o aprendizado, se haverá a formação de uma nova memória ou não. O córtex pré-frontal trabalha em conluio com córtex entorrinal, parietal superior e cingulado anterior e com o hipocampo (IZQUIERDO et, al., 1998; ARTIGES et. Al.; 2000), portanto a atividade elétrica neuronal do córtex pré-frontal “ao viajar pelos axônios e atingir a extremidade destes, liberam neurotransmissores sobre proteínas receptoras dos neurônios seguintes, comunicando, assim, a estes, traduções bioquímicas da informação processada.” (IZQUIERDO, 2002, p.20). Nessa “traduções”, e também, na qualidade delas, é que está fundamentada a possibilidade da atividade neuróbica pelo ato de ler. No entanto o tipo de leitura influencia muito para que haja ou não esse aprofundamento de ligações entre o córtex pré-frontal e outras regiões cerebrais: uma carta escrita por um parente querido que mora longe, ou da pessoa amada, ou até mesmo um poema maravilhoso, certamente nos proporciona uma atividade cerebral mais intensa e significativa do que a leitura de um atestado de óbito de um estranho, ou um encarte de promoções de uma loja ou supermercado. Além disso, o nosso estado de ânimo também é um fator importante para a concretização ou não do aprendizado e sua qualidade, já que as regiões do “córtex pré-frontal recebe axônios procedentes de regiões cerebrais vinculadas a regulação dos estados de animo, dos níveis de consciência e das emoções” (IZQUIERDO, 2002, p.20), e esses neurotransmissores modulam intensamente as células do lobo frontal que processam a memória do trabalho. Segundo Izquierdo (2002), as outras memórias, ou memórias ao pé da letra, (já que a memória de trabalho é considerada por muitos autores apenas como a base do processamento mnemônico), são classificadas de acordo com o seu conteúdo, como memórias declarativas ou procedurais. Quanto às memórias procedurais ou de procedimentos, estão aquelas memórias que se explicam por elas mesmas como nadar, soletrar, dirigir, teclar, 30 discar, trabalhar com a enxada, e outras atividades que a melhor explicação sobre elas encontra-se na própria realização da atividade. Entre essas atividades estão aquelas que chamamos de hábito, pois as praticamos com grande frequência e o nosso cérebro passa a considerá-las como embotadas e monótonas. Katz e Rubin (2000), propõem exercícios neuróbicos para serem realizados principalmente nas atividades em que evocamos este tipo de memórias que acabam por tornarem hábitos. Entre os exercícios, o critério de escolha para a sua real efetividade, são aqueles relacionados com as atividades que praticamos com mais frequência. Há atividades que, segundo Izquierdo (2002), requerem menos sinapses a partir do grau de simplicidade (segundo a riqueza ou pobreza presente na evocação) da memória adquirida, como no caso da diferença entre a atividade condicionada (pela própria rotina de vida) e a ciente. Quantas sinapses será preciso modificar para que um indivíduo possa guardar uma determinada memória? Obviamente, isto dependerá do tipo de memória. Se for uma memória relativamente simples (esquiva inibitória: não descer de uma plataforma, não colocar os dedos na tomada), uns poucos milhões de sinapses em seis ou sete regiões cerebrais poderão explicar o processo. Se for uma memória complexa (toda a Medicina, toda uma partitura), ela envolverá vários bilhões de sinapses em muitas áreas cerebrais. Os números não são exagerados: no cérebro humano, há uns 200 bilhões de neurônios, um milésimo dos quais são células piramidais do hipocampo, cada uma delas recebe 1.000 a 10.000 sinapses, e emite axônios que se ramificam e comunicam com muitos outros neurônios, tanto no hipocampo quanto fora dele. (IZQUIERDO, 2002, p. 47 e 48) Quanto maior for a complexidade da atividade realizada, maior será o número de sinapses realizadas durante esta tarefa. A utilização da memória é um fator chave para tornar a atividade habitual uma atividade neuróbica. Como mostra o trecho citado, cada célula do hipocampo recebe de 1.000 a 10.000 axônios de muitos outros neurônios do próprio hipocampo e de várias e diferentes regiões do cérebro. Entre os exercícios propostos por Katz e Rubin (2000), a maioria deles propõe a valorização da utilização de memórias, inclusive a mistura entre um diverso elenco de memórias que fazem parte de nossas experiências, para realizar as atividades habituais de maneira diferente o suficiente para quebrar a rotina do hábito, e tais rotinas se tornem atividades que envolvam ou aprimorem aprendizados. Entre essas atividades estão a simples modificação do hábito diário, como escovar os dentes com 31 a mão trocada, fazer atividades como andar pela casa com os olhos fechados, acordar e sentir um aroma diferente do que o do café; tomar banho de chuveiro com os olhos fechados; a utilização do tato para escolher a roupa que irá vestir conforme a textura; privar-se do sentido da audição ou visão durante uma refeição; variar a ordem de seus afazeres e intercalar outros novos; ou seja aproximar cada vez mais aquelas atividades que fazemos sem nos dar conta. Esta fugacidade presente na rotina diária faz parte do tempo de agora, aquele que se deposita no passado. Quando reanimada a experiência – o tempo significativo proporciona a construção do nosso cérebro e da nossa mente. Note que dentro da proposta do exercício neuróbico está a inserção de novidades na prática dessas memórias, que já estão consolidadas por serem rotineiras e, que por isso a executamos a partir de pouca atividade neuronal. Entre estas novidades está a adaptação da memória procedural consolidada - se sabemos muito bem como escovar os dentes, praticando a neuróbica, poderemos escovar os dentes de olhos fechado, de mão trocada, olhando no espelho, com pastas com cheiros e sabores diferentes, ao som do samba, de uma ópera, com os ouvidos tampados e adaptando essas novidades conforme o nosso estado emocional e tendo consciência desta atividade. Nesta simples valorização da atividade e modificando a maneira como a executamos, estamos aprimorando a própria memória procedural – já que há uma ramificação da atividade mnemônica já consolidada que a transforma e a torna diferente; e também, estimulando a utilização da chamada memória declarativa - episódicas e semânticas – que segundo Izquierdo (2002), são respectivamente, aquelas memórias pessoais ou autobiográficas, como o primeiro beijo, achar dinheiro na rua, sua festa de aniversário; e as memórias de conhecimento geral como a História, a Geografia, a Biologia, a Medicina, Contos Populares, a Filosofia e até mesmo todo o senso-comum. A consequência causada por essa novidade é o aumento da atividade cerebral a partir das ramificações constituintes desta arborescência mnemônica que permita o desabrochar de uma constelação de sinapses durante estas atividades. Segundo o Izquierdo (2002), cada tipo de memória requer a utilização de circuitos neuronais em diferentes áreas cerebrais: para executar uma atividade que envolva memórias procedurais implícitas, os circuitos cerebrais envolvidos são “o 32 núcleo caudado (inervado pela substancia negra) e o cerebelo. Algumas delas também utilizam circuitos do lobo temporal (hipocampo e córtex entorrinal) nos primeiros dias depois da sua aquisição” (IZQUIERDO, 2002. p.24). As memórias procedurais e as memórias semânticas implícitas (adquiridas de maneira inconsciente), como é o caso da linguagem materna, raramente sofrem danos, sendo exceções “a doença de Alzheimer, na sua fase terminal, e a doença de Parkinson, nos estágios mais avançados” (IDEM, 2002. P.23). O mesmo autor continua explicando que as memórias episódicas e semânticas requerem, para seu correto funcionamento, quer na aquisição, quer na formação, quer na evocação, uma boa memória de trabalho”, o que requer um bom funcionamento do córtex pré-frontal, Sendo as principais regiões cerebrais envolvidas na formação de memórias episódicas e semânticas duas regiões interligadas do lobo temporal – o hipocampo e o córtex-entorrinal. Essas duas regiões trabalham associadas entre elas e também comunicam-se com outras regiões do cortéx, como o córtex cingulado e o córtex parietal. Na doença de Alzheimer e outras doenças degenerativas do cérebro que acarretem em perda de memória, as lesões características ocorrem primeiramente no córtex-entrorrinal e no hipocampo e posteriormente no córtex pré- frontal, córtex parietal e outros. Quanto à formação de memórias declarativas, segundo Izquierdo (2002), as principais regiões moduladoras dessas memórias são a área basolateral do núcleo amigdalóide e, “as grandes regiões que regulam os estados de ânimo, alerta, ansiedade e emoções, localizadas à distância, são elas: a substância negra, o locus ceruleus, os núcleos da rafe e o núcleo basal de Meynert.” (IDEM, 2002. P.23). Os axônios dessas últimas regiões, liberam, respectivamente, dopamina, noradrenalina, serotonina e acetilcolina, ao atingirem o hipocampo, a amigdala e os córtex entorrinal, cingulado e parietal. A figura abaixo ilustra as áreas cerebrais envolvidas na formação de memórias: 33 Figura 1.4: Formações de memórias Fonte: Izquierdo (2004.p.28) Figura 1.4: Formação de memórias Principais áreas cerebrais envolvidas na memória e seus respectivos neurotransmissores (à direita), e as conexões de algumas delas (à esquerda). 1.9 A Importância das sensações (mudanças de estado) Entre as sensações que mais influenciam na formação das memórias está o medo. A memória do medo é intensa, pois é provavelmente a mais antiga e de maior importância para a preservação da espécie juntamente com a memória sexual. Portanto é importante que o educador tenha consciência das consequências causadas pela memória do medo na vida da criança e rever a sua própria prática na sala de aula. Está aí um problema que cabe mais ao esquecimento do que à memória. Este é um tema importantíssimo na prática educativa e no decorrer da vida que muitas vezes é esquecido, ignorado e muitas vezes manipulado durante a prática educativa. Essas informações interessam para um estudo sobre o ato de ler à medida que quando lemos, o nosso cérebro produz tais neurotransmissores que podem 34 proporcionar um estado de satisfação ou de repulsa. Todos os nossos atos são influenciados pelas emoções, alguns mais, outros menos, e no caso da prática de leitura são essas emoções que vão determinar o que sentimos quando abrimos um livro ou lidamos com textos. Se compararmos um leitor, um trabalhador, um apaixonado por cinema e um bêbado, veremos que em todos os casos existe uma mudança de estado durante a prática de tais atividades. No caso do bêbado, ele possivelmente relembrará dos mesmos assuntos que evoca quando bebe e fará coisas que somente pratica quando esta alcoolizado, como deitar no chão da calçada, tirar a roupa e outras práticas que levam ao vexame. No caso do trabalhador, é comum identificar pessoas que consomem café somente quando estão trabalhando, e até mesmo se comportam de maneira diferente, tornam-se mais falantes ou mais calados, adquirem ou reprimem hábitos poderosos como é o caso do tabagismo. No cinema é comum o consumo de alguns alimentos como pipoca, balas e refrigerantes, desejos alimentícios praticamente incontroláveis, Também é comum que filmes que são sucessos continuem com versões 2, 3, 4 e por ai vai. No caso da leitura esse tema se torna mais sério à medida em que a leitura se torna cada vez mais necessária para a realização da maioria das atividades laborais modernas. Uma enorme maioria das profissões de hoje exigem que o trabalhador seja um bom leitor para exercê-las. Portanto uma iniciação prazerosa e inesquecível na atividade de leitura torna-se essencial a medida que proporciona boas lembranças e sensações nos próximos contatos daquele leitor com os textos que serão encontrados durante a vida, enquanto uma iniciação fugaz, passageira e dolorosa só causará repulsa, medo e distanciamento do ato ler. O livro “Reinações de Narizinho” da Monteiro Lobato, aparece como uma medida democrática de proporcionar uma iniciação ao ato de ler prazerosa e inesquecível que influenciará positivamente durante toda a vida desses novos leitores. Trata-se de uma leitura (que proporciona a utilização da via léxica), de uma narrativa, pois são contos para serem contados e ouvidos (proporciona um trabalho pela via fonética), estes contos enchem a cabeça dos leitores, ouvintes e narradores como verdadeiras enciclopédias (trabalhando poderosamente o campo semântico), e proporcionam a atividade do pensamento criativo, original e imensa imaginação que requerem a atividade cerebral tanto no córtex pré-frontal quanto das regiões 35 supramarginal, parietal posterior e giro angular. Memórias emocionantes que em segundos de leitura, evocam a inteligência para vida toda de novas experiências e por isso é perene como o mais volumoso rio que se possa imaginar. O rio que é gerado no nascimento e deságua no próximo, no momento de nossa morte, e que se resume em três palavras: vida, morte e continuidade (hipótese). 1.10 Alegoria e pensamento Nota-se que a valorização da experiência aparece muito presente nos ensaios contidos em Benjamin (1994). (Obras escolhidas volume 1), principalmente nos ensaios: “O narrador, considerações sobre a obra de Nikolai Leskov” (1936), especialmente quanto a identificação do gênero épico presente na obra de Nikolai Leskov (exemplos encontrado nos contos fantásticos do incomparável Edgar Allan Poe, ou o realismo estático e notavelmente brasileiro de Machado de Assis), como uma chama nascente da atividade narrativa conselheira; e “Experiência e Pobreza” de 1933, que relata pontos cabais relativos ao empobrecimento da experiência humana, como “o estado da barbárie” onde a pergunta: “Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” (BENJAMIM,1994, p.115.) apresenta um questionamento sobre a experiência humana e complementada a partir da resposta: “Sim é preferível confessar que essa pobreza da experiência não é mais privada, mas sim de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie” (IDEM,1994, p.115.). Trataremos dessa “barbárie” segundo a forma que o autor descreve como “um conceito novo e positivo”. “Einsten foi um construtor assim, que subitamente perdeu o interesse por todo o universo da Física, exceto por um único problema–uma pequena discrepância entre equações de Newton e observações astronômicas” (IDEM,1994, p.115.). Monteiro Lobato também se enquadra neste “novo conceito de barbárie” ao criar um sítio que mais parece um portal estrelar com estações que levam a diversos e maravilhosos mundos e comporta as crianças do mundo inteiro, à partir de um pitoresco narizinho arrebitado e um peixinho que desaprendeu a nadar por ter passado um tempo fora d’agua. Existe um outro lado para esta moeda? 36 No conto “Funes o memorioso” de 1942, o escritor argentino Jorge Luís Borges apresenta um uruguaio chamado Irineu Funes, um homem que apresentava uma memória incrivelmente potente. Em alguns trechos do conto fica perceptível que apesar de Funes ter a capacidade fantástica de lembrar e aprender, isto não o torna uma pessoa criativa. Podia aprender diversas línguas, inclusive o latim, lendo dicionários, podia saber as horas perfeitamente sem consultar nada e lembrar de um dia todo inteirinho! Mas era um homem preso a sua própria vigilância um homem incapaz de sonhar e esquecer, passava o tempo onírico como em vigília: Podia reconstruir todos os sonhos e os entressonhos. Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro; nunca havia duvidado cada reconstrução, porém tinha requerido um dia inteiro; Contou-me: Mais recordações eu tenho sozinho que as tiveram todos os homens desde que o mundo é mundo. E, também: Meus sonhos são como a vigília de vocês. E igualmente, por volta da alva: Minha memória, senhor, é como despejadouro de lixos. (BORGES,1975, p.115.) Era-lhe muito difícil dormir. Dormir é distrair-se do mundo; Funes de costas no catre, na sombra, configurava cada fenda e cada moldura das casas certas que a rodeavam. (Repito que a menos importante de suas lembranças era mais minuciosa e mais viva que nossa percepção de um gozo físico ou de um tormento físico.) Ao este, num trecho não demarcado, havia casas novas, desconhecidas. Funes as imaginava pretas, compactas, feita de treva homogênea; nesta direção voltava o rosto para dormir. Também costumava imaginar-se no fundo do rio, embalado e anulado pela corrente. (BORGES,1975, p.117 e 118.) Pensar no contraste de possibilidades oníricas entre as personagens fictícios Ernesto Funes de Borges e, a Narizinho de Monteiro Lobato ou o Sherlock Holmes de Conan Doyle, preenche uma lacuna imensa (o que vale uma vida? Entre verdades e sonhos) que pode ou não estar presente entre nossas memórias e nosso esquecimento, entre a mais “homogênea treva” e as mais “grandiosas maravilhas” (possibilidades possíveis de ciência futura), os nossos sonhos, ou o ofício, sem mais, pois qualquer outra informação atrapalha o raciocínio (no caso de Sherlock Holmes): Qual é a diferença entre sonhar acordado e pensar? Na Rússia houve realmente um paciente (S.), de Alexander Lúria, que possuía uma memória semelhante e tão impressionante quanto a de Funes. “Curiosamente, o Funes de Jorge Luís Borges era, como o paciente S. de Luría, uma figura 37 intelectualmente medíocre. Nem a um nem ao outro a posse de uma memória interminável lhes causava benefício.” (IZQUIERDO, 2004, p.96) Um mísero segundo pode valer mais do que o para sempre, quando falamos de felicidade, (estas são as chances de Kairós vencer Chronos em uma queda de braço). A Narizinho sonha (pensa) e coloca seus sonhos em prática sendo na maioria das vezes (nem sempre) muito feliz. E ensina a todos que vão ao sítio do Picapau Amarelo (inclusive nós, leitores) a fazer o mesmo. 1.11 O hemisfério direito do cérebro Entre as divisões anatômicas do cérebro, certamente a divisão entre os hemisférios esquerdo e direito tem uma importância notória. Como vimos anteriormente, o hemisfério esquerdo desempenha papel dominante no processo de leitura de textos. No entanto o Hemisfério direito também tem as suas funções, quando o tema é a linguagem, e estas funções não podem ser desprezadas. No livro “Mentes inquietas”, Silva (2009), define que o hemisfério direito do cérebro exerce a função de contexto em nossas vidas, ou seja, primordial no entendimento de situações globais. Entender “os por quês” de determinadas situações, como contextos de piadas, motivos de escolha de certas músicas para determinados ambientes, ou até o que chamamos de “bom senso” na escolha de vestuário ou alimentação oportuna para locais ou atividades determinadas, respectivamente, são funções do Hemisfério direito. O hemisfério direito cerebral é, portanto, determinante para a formação de nossos gostos em geral como para literatura, cinema, artes, cheiros ou sabores. A autora ainda pressupõe que a imensa atividade deste hemisfério cerebral pode ter contribuído para que os grandes nomes da arte (arte em geral desde a pintura, música e até o cinema), realizassem obras maravilhosas e únicas, transferindo sentimento para o mundo material usando cores, traços, sons ou movimentos. O contexto da vida, descrito pela autora, se materializa em arte. O hemisfério direito desempenha um papel artístico na linguagem? Quais são as vias neuronais que processam essa possibilidade artística? 38 Antes de abordarmos essa discussão sobre as áreas corticais do hemisfério direito utilizadas para a linguagem e suas funções, traremos à tona uma breve explicação sobre simetria bilateral entre áreas dos dois hemisférios do cérebro. Changeux (2012), expõe um fato impressionante que exemplifica a simetria bilateral na prática e, potencializa a importância do termo plasticidade neural (principalmente referente à criança): Processos importantes da plasticidade neural intervêm para estabelecer os circuitos do adulto. Mais impressionante ainda: a criança da qual o hemisfério esquerdo foi retirado aos 4 anos, em virtude de um tumor invasivo, pode adquirir até os 11 anos a língua e aprender o sistema escrito, mas com o hemisfério direito, em vez do esquerdo. Uma importante ampliação compensatória dos circuitos existentes no hemisfério direito, permitirá a criança, ao tornar-se adulta, ler e escrever, a despeito de uma lesão inicial maior. (CHANGEUX, 2012, p.07.) Demonstrada a fantástica capacidade de adaptação de circuitos cerebrais de modo simétrico, podemos então, buscar saber quais áreas são essas existentes no Hemisfério direito que puderam ser adaptadas para, no caso relatado acima, suprir as funções que originalmente caberiam ao hemisfério esquerdo extraído. Começaremos pelo lobo frontal. Silva (2009), explica o lobo frontal funcionando como um “portal da mente”, sendo que, à partir desta via acessamos um vasto “banco de imagens”, aos quais utilizamos em nossas ações. Estas nossas ações são organizadas e moduladas por três regiões que, segundo Damásio (1996), são denominadas: região dorsolateral, pertencente ao hemisfério esquerdo e que tem como função o raciocínio e tomadas de decisão de cunho cognitivo; região somatossensorial, localizada no hemisfério direito, a qual também é atribuída como função o raciocínio e tomadas de decisões, porém voltadas as emoções e sentimentos; e a região ventromediana, localizada entre os dois hemisférios que processa informações racionais e emocionais, sendo esta, a região onde a razão e a emoção se cruzam. As regiões occipitais da associação da visão do hemisfério direito são responsáveis pelo processamento de rostos, traços e figuras geométricas, devido a certa preferência desta região cerebral por traços finos captados pelo olhar 39 proveniente do centro da retina, que no hemisfério esquerdo é responsável pelo tratamento das letras, como vimos anteriormente em Dahaene (2012). A região do hemisfério direito, correspondente simetricamente às regiões temporal média e às regiões temporal superior que envolvem-se com as imagens sonoras das palavras (próximas as áreas 40 e 41 de Brodmann, que correspondem ao córtex primário auditivo e de associação auditiva), no hemisfério esquerdo, são responsáveis pelo tratamento de sons não verbais, nos quais os sons das músicas é o maior dos exemplos. Daremos importância a estas regiões pela localização simétrica delas com as correspondentes do hemisfério esquerdo. Eccles (1995), apresenta informações que elucidam até mesmo sobre como a sonoridade é tratada à partir da entrada em nossos ouvidos: Uma outra investigação importante foi o teste dicótico da audição, no qual dois estímulos auditivos diferentes são apresentados por audiofones, um para o ouvido direito, e outro, para o ouvido esquerdo. Como cada ouvido envia influxos predominantemente ao córtex auditivo do lado contralateral, pode ser estabelecido desta maneira que os estímulos de palavras eram reconhecidas mais facilmente pelo ouvido direito do que pelo esquerdo, porque havia uma projeção mais direta para as áreas linguísticas do hemisfério esquerdo. (ECCLES, 1995, p. 365) O mesmo autor destaca ainda a “importância particular” da região do giro angular e supramarginal (áreas 39 e 40 de Brodmann, consideradas por esse autor como integrantes da área de Wernicke) para a linguagem humana, ressaltando a ideia descrita anteriormente neste trabalho que considera esta região como uma “caixa de ferramentas para o pensamento”: {...} o hemisfério que contém os centros de fala tem a propriedade surpreendente de estar ligado à mente autoconsciente do indivíduo de modo a receber e a enviar influências. Investigações recentes demostram que as áreas linguísticas de um hemisfério estão associadas a expansão das áreas corticais relacionadas com as zonas simétricas do outro hemisfério. Atribuímos uma importância particular às áreas 39 e 40 de Brodmann, que surgiram muito tarde na evolução, mal sendo reconhecidas em primatas não- humanos. Essas são as áreas ligadas de modo específico às associações modais-cruzadas, isto é, associações de um estímulo sensorial, digamos, o tato, a um outro, digamos, a visão. Afirmamos que a linguagem surge quando se tem associações entre objetos que são sentidos e objetos que são vistos e então são denominados. Há uma breve referência à evolução da linguagem e a sua grande importância para a atividade humana. A linguagem fornece os 40 meios para a representação abstrata dos objetos e pela manipulação hipotética pela mente. (ECCLES, 1995, p. 365 e 366) O trecho citado acima estreita os laços entre o estudo da linguagem e o exercício neuróbico, considerando que as associações “modais-cruzadas”, como interações entre visão, tato, olfato, utilização das emoções, paladar, movimentos, enfim, existe uma vasta possibilidade para se temperar a atividade da leitura. Esta dinâmica entre sentidos durante o ato de ler, estabelece uma verdadeira academia de neuróbica que, à partir do estímulo inicial da linguagem faz uso dos circuitos neuronais do hemisférios esquerdo diante de uma variedade de palavras que instigam sentidos, ideias e sentimentos. Esta é a matéria prima que aguça a imaginação, possibilitando que tais informações atravessem o corpo caloso e utilizem circuitos neuronais do hemisfério direito. O resultado é o favorecimento da criatividade. O hemisfério direito assume o seu papel contextual em nossas vidas, conforme orientou, Silva (2009), e desta maneira, as células nervosas de nosso cérebro funcionam de forma saudável, trabalhando em conjunto, evitando a sobrecarga de umas e o desalento e o ócio de outras. Salientamos a importância de textos como os contidos no livro “Reinações de Narizinho” de Monteiro Lobato que traz em sua narrativa a interação entre visão, tato, olfato, utilização das emoções, paladar e movimentos. Estes são os ingredientes que permitem que à partir da utilização dos circuitos próprios da linguagem localizados no hemisfério esquerdo do cérebro estimule a utilização dos circuitos próprios do hemisfério direito, que nos fazem imaginar, e trabalham com o lúdico e o abstrato à partir da fábula em conjunto com alegorias que compõe cenários e personagens (o contexto da fábula). O efeito de encaixar as peças deste quebra-cabeça cerebral, reflete em nossas emoções de forma positiva, trabalhando o sistema límbico ou subcortical do cérebro, responsáveis pela emoção (modeladora suprema de nossas memórias) e partes corticais escondidas como a insula, fundamentais na constituição do “eu pessoal”, ou “self”, segundo Damásio (2000), responsáveis pela pluralidade de consciência interpessoal. Como vimos em “Os circuitos neuronais envolvidos na prática da leitura”, segundo Dahaene (2012), o hemisfério dominante, se encarrega do processamento da escrita e do diálogo, já o hemisfério não dominante trabalhará com a pictografia 41 (principalmente traços que não são letras não representam códigos formais), os sons não verbais e a música. Quanto a essa informação há um certo consenso entre diversos ensaios científicos de neurocientistas como Eccles (1995), Damásio (1996 e 2000) e outros. Sendo assim, este conceito sobre a diferença dos hemisférios cerebrais, por ser bem consistente e consolidado, deve ser divulgado para que possa ser aproveitado durante as práticas educativas, principalmente no auxílio para a escolha de tipos de gêneros culturais à serem trabalhados em sala de aula (como o textual, musical, pictográfico e motriz entre o artístico, filosófico e científico), visando uma certa harmonia da atividade mental e desenvolvimento cerebral. Existem também exercícios nos quais o ponto de partida são os circuitos do hemisfério direito do cérebro. A pantomímica (arte de se expressar por meios de gestos ou mímica), juntamente com a música, são as formas supremas de linguagem que ativam o hemisfério cerebral direito. Dentre esses exercícios destaca-se o cinema mudo, que tem o ator Charles Chaplin como ícone maior, trata-se de um grande mestre da pantomímica, que abriu caminho para o sucesso de outros grandes nomes do cinema mudo como os “Irmãos Marx”, influenciando, de fato, toda a história do cinema. Outras forma de arte que ativam os circuitos do hemisfério direito inicialmente são as animações e os quadrinhos. Mickey Mouse é, sem dúvidas o grande ícone destas formas de arte, e também é a locomotiva que puxa uma infinidade de outros personagens pantomímicos que elencam o quadro áureo da animação como o Perna Longa e o Picapau. Apesar de destas formas de arte (cinema, quadrinhos e animação) exercerem uma fascinação imensamente poderosa em nossos cérebros e imaginação, podem ser também eficazmente utilizadas como forma de controle e manipulação. O filme “O Grande Ditador” (1940) retrata como gestos, movimentos e expressões faciais podem ser utilizadas como armas para o controle de massas, como aconteceu durante os regimes totalitários europeus do século XX. Chaplin foi, sem dúvidas, a crítica personificada da sociedade moderna, sua atuação deixou um legado imenso de vestígios que modelam a cultura, desmascaram e salientam o que é ridículo e desenterram o bom-senso. Em “Laranja Mecânica” (1971) (baseado na obra literária de Anthony Burgess) de Stanley Kubrick, o personagem Alex (Malcolm McDowell), um 42 fora da lei sem escrúpulos e com todos os tipos de desvios de caráter (estuprador, assassino, ladrão ...), cai prisão e se submete a um programa que promete reduzir o seu tempo de cadeia. Com o uso de sessões intermináveis de filmes e injeções de substâncias, Alex se torna incapaz de lidar com o mundo que o cerca, e passa a ser vítima, em um cenário onde antes era o grande agressor. Este filme traz a lição de que devemos desconfiar de que métodos rápidos, fáceis e eficientes de educação em massa podem na verdade funcionarem como ferramentas de controle. Não consideramos que aprender assistindo televisão seja, portanto, uma maneira saudável de aprendizagem. Os meios áudio visual são uma excelente forma de entretenimento, e que podem sim, ocasionar em aprendizagem saudável quando utilizada de forma esclarecida. Na educação deve ser utilizada como um material de apoio, e jamais devem ser utilizadas como substituição da prática educativa fundamentada na relação social. 43 2. CARACTERÍTICAS DO EXERCÍCIO CEREBRAL PRESENTES NA LEITURA DO LIVRO “REINAÇÕES DE NARIZINHO”, DE MONTEIRO LOBATO 2.1 Duas propostas Como primeira proposta do exercício neuróbico à partir do livro escolhido: Reinações de Narizinho, faremos a discussão filosófica diante deste livro recente (1931), brasileiro e que contém uma colossal identidade com um ideal plausível, saudável e potente de transformação cultural. Portanto investigar conceitos culturais presentes neste livro ganha papel importantíssimo para uma discussão concreta entre cultura e a experiência cultural. Sem tais considerações não teríamos como justificar a escolha do tema e a própria finalidade deste estudo, e nem mesmo de responder a pergunta - Por que Reinações de Narizinho e não o Pica-pau? Ambos os temas abrangem uma infinidade de ferramentas para a atividade de exercitar o cérebro, porém de maneiras diferentes come foi relatado no capítulo anterior deste trabalho, quando vimos que o texto de “reinações de Narizinho”, utiliza inicialmente os circuitos próprios da linguagem para fazer funcionar aqueles circuitos próprios da imaginação e criatividade. O motivo principal da escolha é, portanto, a possibilidade do livro Reinações de Narizinho em exercitar a nossa atividade de pensar e fazer escolhas. Como segunda proposta, traremos um estudo da presença neuróbica na leitura que podem ser identificados em outras leituras. O exercício neuróbico que a partir dos olhos permite uma experiência unificada que envolve os sentidos e as emoções durante o ato de ler. 2.2 Temática filosófica: Uma apresentação sobre a temática filosófica do livro proposto é necessária para trazer à tona aspectos culturais presente nos textos contidos no livro que possibilitam a construção do pensamento e da inteligência da criança (já que é um livro escrito para o público infantil). Temos assim a valorização de uma atividade de leitura que possibilite que as regiões cerebrais do córtex pré-frontal, supramarginal, parietal posterior e giro angular; e também, da utilização dos dois hemisférios do 44 cérebro agindo em conluio. A leitura do livro “Reinações de Narizinho” não se trata apenas de uma atividade educacional, vai muito além, o objeto em questão trata-se de um artefato que extrapola a sua materialidade de livro e, se enquadra na definição daquilo que chamamos de brinquedo na sua própria finalidade. É um livro que possibilita que as crianças conheçam muitas coisas: novos lugares entre o mundo real e mundos maravilhosos; uma variedade de personagens entre pessoas, animais e personagens fabulosos originários de diversos cenários e tempos; e o melhor de tudo! – A aventura: que é o que possibilita para que possamos usufruir deste patrimônio imenso que está contido neste livro em tempo real. 2.2.1 O pensar Narizinho proporciona um mundo maravilhoso para todos que chegam a conhecê-la. A primeira página da saga desta menina é clara e esclarecedora em descrever a capacidade que Lúcia, a menina do nariz arrebitado, tem de trazer alegria e felicidade para todos que estão a sua volta: Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive em companhia da mais encantadora das netas – Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, ou Narizinho como todos dizem. Narizinho tem sete anos, é morena como jambo, gosta muito de pipoca e já sabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos. (LOBATO, 1993, p.07) Logo de início temos motivos para continuar lendo, principalmente para uma criança, a companhia de uma menina encantadora é um bom atrativo para a realização de qualquer atividade, inclusive a de brincar, como propõe o título. Neste caso a atividade de ler é aproximada do ato de brincar. A hora da leitura é também o momento da brincadeira! É nesse estado de brincadeira que a atividade neuróbica salta aos nossos olhos, a descrição de Narizinho segue os padrões modernos e brasileiros de apresentação de personagens de contos de fadas arcaicos. Branca de neve, com seu cabelo preto como o ébano e sua pele branca como a neve, ou a menina adorável que usava uma capinha vermelha, são exemplos de personagens que possuem características marcantes. Narizinho segue estes mesmos padrões de afirmação, se assemelhando em gostos e afazeres com o seu leitor. Que criança que 45 não gosta de pipoca e de poder reinar na cozinha? (mesmo que seja pra fazer outra coisa que não bolinho de polvilho, até por ser um elemento substituível no texto). Esta descrição da personagem principal é a locomotiva que “puxará” todos os outros elementos textuais neuróbicos que serão descritos até o momento da primeira aventura. Estes elementos estão presentes distribuídos entre o espaço da casa onde mora Narizinho e as pessoas que moram com ela (que chamaremos de espaço Hesiodéico) e o lugar onde Narizinho brinca e que possibilita a menina a embarcar em outros diversos e maravilhosos espaços (que chamaremos de espaço Homérico). Há também outro espaço descrito no início do texto de “Narizinho Arrebitado”, a estrada (que leva a realidade nua e crua, essa em que vivemos), este é um espaço restrito apenas ao adulto, que por ali pode passar e ir embora sem saber o que se passa no sítio do Picapau Amarelo, ou que conhece muito bem esse lugar maravilhoso más tem que deixar o sítio e voltar para a realidade. No segundo caso, penso que ao sair do sítio, este adulto leva consigo a chave da porteira para voltar, e esta volta também é um elemento temporal, pois atravessar essa porteira (que leva ao sítio de Dona Benta) é como banhar-se na fonte da juventude. Em, “O Picapau Amarelo”, Lobato (1968), relata sobre essa passagem do mundo infantil para o mundo adulto, e também, nos fornece pistas sobre o que de mais neuróbico e diferente encontramos em seus livros infantis: O sítio de Dona Benta foi se tornando famoso tanto no mundo de verdade como no chamado mundo de mentira. O mundo de mentira, ou Mundo da Fábula, é como a gente grande costuma chamar a terra e as coisas do País das Maravilhas, lá moram os anões e os gigantes, as fadas e os sacis, os piratas como o Capitão Gancho e os anjinhos, como Flor-das-Alturas. Mas o Mundo da Fábula não é realmente nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de milhões e milhões de crianças é tão real como as páginas deste livro. O que se dá é que as crianças logo que se transformam em gente grande fingem não mais acreditar no que acreditavam. - Só acredito no que vejo com meus olhos, cheiro com o meu nariz, pego com minhas mãos ou provo com a ponta da minha língua, dizem os adultos – mas não é verdade. Eles acreditam em mil coisas que seus olhos não vêem, nem o nariz cheira, nem os ouvidos ouvem, nem as mãos pegam. - Deus, por exemplo – disse Narizinho. Todos creêm em Deus e ninguém anda a pegá-lo, cheirá-lo, apalpá-lo. - Exatamente. E ainda acreditam na Justiça, na Civilização, na Bondade – em mil coisas, invisíveis, incheiráveis, impegáveis, sem som e sem gosto. De modo que se as coisas do Mundo da Fábula não existem, então também não existe Deus, nem a Justiça, nem a Bondade, nem a Civilização – nem todas as coisas abstratas. 46 -Eu sei o que quer dizer “abstrato” – disse Emília. É tudo quanto a gente não vê, nem cheira, nem ouve, nem prova, nem pega – mas sente que há. - Muito bem. Logo, o Mundo da Fábula existe, com todos os seus maravilhosos personagens. (LOBATO, 1968, p.07 e 08) Um limite entre o mundo infantil e adulto é bem estabelecido diante das explicações anteriores. É dentro deste espaço infantil que faremos um percurso para o exercício cerebral. Portanto “o pensar”, que nos serviu de título é neste caso, o pensar da criança. Quem espera um modelo pré-determinado de como ler este livro de uma melhor maneira, pode tirar o cavalinho da chuva. É justamente no contrário que mora a possibilidade do exercício neuróbico, é na variedade de sensações e sentimentos que tal leitura possa proporcionar é que fundamentamos essa possibilidade de exercitar o cérebro, ou seja, na possibilidade infinita que temos de pensar e usar a criatividade. O objetivo deste exercício é chegar, pelo ato de ler, o mais próximo possível do estado provocado pelo que chamaremos “pó do pirlimpimpim” cerebral. 2.2.2 Mudanças de estado e o “pó do pirlimpimpim” cerebral O que levou Narizinho a mudar de estado durante as histórias que compõem o Livro “Reinações de Narizinho”? O pó do pirlimpimpim só aparece na nona e na décima história, em um ponto da leitura que a mudança de estado não é mais nenhuma novidade para o leitor. No primeiro capítulo deste trabalho, no título: “A importância das sensações (mudança de estado)”, vimos que à partir da realização de diferentes atividades mudamos os nossos gostos, formas de agir, tipos de memórias evocadas. Entre estas atividades que proporcionam a tal “mudança de estado” estão aquelas que exigem concentração (exemplo o trabalho) ou relaxamento (ler, assistir filmes ou balançar na rede) e, também aqueles estados provocados por substâncias como álcool, drogas ou medicação. No caso do exercício neuróbico, a proposta é provocar para que as células nervosas do cérebro produzam por si mesmo os nutrientes naturais, chamados neurotrofinas, que segundo Katz e Rubin (2000), podem aumentar o tamanho e a complexidade dos dendritos das células nervosas e tornar as células ao redor mais 47 fortes e resistentes ao efeito do envelhecimento. Vale a pena constar na integra algumas recentes pesquisas que dão suporte para a prática neuróbica: Os efeitos benéficos das neurotrofinas têm sido comprovados em centenas de experimentos nas principais universidades do mundo. Em nosso experimentos no Centro Médico da Universidade de Duke, nós (Lawrence C. Katz, A. Kimberley McAllister e Donald C. Lo) descobrimos que acrescentar neurotrofinas extras a um neurônio quase dobrou o tamanho e complexidade das dendrites que se projetam deste neurônio. E como o poder de computação de uma célula cerebral é determinado pela complexidade das dendrites, esse aumento de crescimento sugere que as neurotrofinas podem literalmente aumentar o poder mental. Também ficamos surpresos ao constatar que o simples acréscimo de neurotrofinas não era o suficiente, As células nervosas tinham de enviar ou receber impulsos para reagir as neurotrofinas. A conclusão era inequívoca: acrescentar neurotrofinas a neurônios ativos fazia as dendrites crescerem. Inversamente, descobrimos que a retirada de neurotrofinas fazia as dendrites se atrofiarem (o que sugere um motivo para que a inatividade do cérebro leve ao declínio mental). (KATZ e RUBIN, 2000, p.139) No percurso da leitura, as palavras que proporcionarão esse desabrochar metabólico do cérebro, precisam necessariamente estarem bem amarradas a história, visando o prazer da continuidade da leitura. A trama constituída com os elementos linguísticos neuróbicos precisa ser muito bem engendrada para que o efeito deste “pó do pirlimpimpim” seja, de fato, eficaz. Essa trama bem elaborada que fundamentalmente ligará os circuitos relacionados ao sistema límbico, ínsula e o corpo caloso (via ente os dois hemisféri