...... ............... unesp TÃT UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PROGRAMA DE , - POS-GRADUAÇAO , EM FISICA ÁREA DE FÍSICA APLIC-ADA INSTITUTO DE GEOCI NCIAS E Cl RIO CLARO Transições de Fase em Sistemas Dinâmicos Não Lineares Felipe Augusto Oliveira Silveira 2024 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Felipe Augusto Oliveira Silveira Transições de Fase em Sistemas Dinâmicos Não Lineares Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Pau- lista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Física. Orientador: Edson Denis Leonel Coorientador: Denis Gouvêa Ladeira Rio Claro - SP 2024 S587t Silveira, Felipe Augusto Oliveira Transições de fase em sistemas dinâmicos não lineares / Felipe Augusto Oliveira Silveira. -- Rio Claro, 2024 105 f. : il. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Edson Denis Leonel Coorientador: Denis Gouvêa Ladeira 1. Sistemas dinâmicos não lineares. 2. Transições de fase. 3. Bilhares. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Felipe Augusto Oliveira Silveira Transições de Fase em Sistemas Dinâmicos Não Lineares Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Pau- lista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Física. Comissão examinadora Prof. Dr. EDSON DENIS LEONEL IGCE / UNESP/ Rio Claro (SP) Prof. Dr. IBERÊ LUIZ CALDAS IFUSP / USP / São Paulo (SP) Prof. Dr. JOSÉ DANILO SZEZECH JUNIOR DEMAT / UEPG / Ponta Grossa (PR) Prof. Dr. RENE ORLANDO MEDRANO TORRICOS Departamento de Física / UNIFESP / Diadema (SP) Prof. Dr. JOELSON DAYVISON VELOSO HERMES IFSULDEMINAS / Inconfidentes (MG) Conceito: Aprovado Rio Claro (SP), 15 de julho de 2024 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço à minha família pelo apoio e incentivo. Ao meu melhor amigo e irmão Gilson, pelo companheirismo inabalável. À minha mãe Nilce, pelo amor incondicional e pelo apoio incessante. Vocês foram meu alicerce em todos os momentos, me inspirando a persistir e a acreditar em mim mesmo. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Edson Denis Leonel pela amizade, paciência e incentivo. Sua orientação e conhecimento foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho. Seus conselhos e críticas construtivas não apenas enriqueceram esta tese, mas também moldaram minha formação como pesquisador. Seu profissionalismo como professor, orientador e pesqui- sador é um modelo que seguirei para o resto da vida. Agradeço ao meu coorientador Prof. Dr. Denis Ladeira, pela amizade, pela infinita paciência e pela dedicação com a minha formação por todos esses anos. Serei sempre imensamente grato pela confiança e oportunidades que me proporcionou. Agradeço aos meus amigos da pós, em especial: Dra. Célia Kuwana, Prof. Dr. Joelson Hermes, Yoná Huggler e Mayla de Almeida. Obrigado pelas valiosas discussões, pela camaradagem e pelo espírito de colaboração. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfei- çoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Finan- ciamento 001. RESUMO Neste trabalho estudamos as transições de fase que ocorrem em sistemas dinâmicos não lineares devido à variação de parâmetros de controle. Em uma transição de fase de segunda ordem, ou transição de fase contínua, a variável dinâmica que identifica o parâmetro de ordem vai a zero continuamente à me- dida que o equivalente da susceptibilidade do parâmetro de ordem diverge em tal limite. Nesse caso, próximo à transição de fase os observáveis que caracte- rizam a dinâmica são descritos por leis de potência levando, muitas vezes, a dinâmica a ser invariante de escala. Tal invariância é uma das características presentes em uma transição de fase contínua. Inicialmente, utilizaremos um modelo de dipolos clássicos para ilustrar a presença de uma transição de fase em sistemas dinâmicos. Em seguida, abordaremos dois sistemas não lineares, um bilhar exótico e o bilhar ovóide. O primeiro é uma versão do modelo bouncer em que o campo no qual a partícula está inserido não é homogêneo. O mapa do sistema foi construído para fornecer a velocidade da partícula e a fase da parede após cada colisão. Para certas combinações de valores de parâmetros e condições iniciais a dinâmica apresenta comportamento caótico. Os pontos fixos e suas estabili- dades também foram encontrados numericamente para valores diferentes de parâmetro. Finalmente, estudamos a transição do regime integrável para o não integrável utilizando análise de escala e caracterizamos essa transição identificando a quebra de simetria, o parâmetro de ordem, as excitações elementares e os defeitos topológicos. Por último, estudamos o bilhar ovóide com o intuito de caracterizar a transição do regime de crescimento ilimitado de energia para o crescimento limitado. Utilizamos a equação de difusão para obter analiticamente uma expressão para a probabilidade de encontrar uma partícula com velocidade V em um determinado tempo n. A partir dessa probabilidade, foi possível obter outros observáveis, como a velocidade média, que foi utilizado para identificar um possível parâmetro de ordem desta transição. Além disso, discutimos outras conexões com fenômenos típicos de transições de fase que ocorrem na física estatística e termodinâmica. Palavras-chave: Sistemas Dinâmicos Não Lineares, Transições de Fase, Bilhares. ABSTRACT The thematic of this work is the investigation and characterization of phase transitions observed in nonlinear dynamical systems due to the varia- tion of control parameters. For a second order phase transition, also called as continuous phase transition, the dynamical variable identifying the order parameter approaches zero continuously while the correlation length diverges. Near a phase transition the observables characterizing the dynamics can be described by power laws leading the dynamics to be scaling invariant, which is a characteristic of a continuous phase transition. Initially, we will use a classical dipole model to illustrate the presence of a phase transition in dynamic systems. We will then look at two non-linear systems, an exotic billiard and an oval billiard. The first is a version of the bouncer model in which the field that interacts with the particle is not homogeneous. The system’s map was constructed to provide the velocity of the particle and the phase of the wall after each collision. Depending on both initial conditions and control parameters, the dynamics displays chaotic behavior. Fixed points and their stability were also found numerically for different parameters values. We also studied the transition from the integrable to the non-integrable regime using scale analysis and characterized this transition by identifying the broken symmetry, the order parameter, the elementary excitations and the topological defects. Finally, we studied the ovoid billiard to characterize the transition between the unlimited energy growth regime and the limited energy growth one. We utilized the diffusion equation to obtain analytically the expression of the probability of finding a particle of velocity V at time n. This probability allowed us to find other observable such as the mean velocity which was used to identify a possible order parameter for this transition. In addition, we discuss other connections with typical phase transition phenomena that occur in statistical physics and thermodynamics. Keywords: Nonlinear Dynamical Systems, Phase Transitions, Billiards. LISTA DE FIGURAS 1.1 Ilustração do modelo Fermi-Ulam. . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.1 Ilustração de um ponto fixo instável. . . . . . . . . . . . . . . 21 2.2 Ilustração de um ponto fixo estável. . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.3 Ilustração de dois pontos de sela e algumas trajetórias próximas. 22 2.4 Ilustração de um ponto espiral estável. . . . . . . . . . . . . . 23 2.5 Ilustração de um ponto espiral instável. . . . . . . . . . . . . . 23 2.6 Ilustração de um ponto fixo elíptico e o comportamento de trajetórias próximas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.7 Ilustração de uma trajetória em um sistema tridimensional e suas interseções na superfície de Poincaré, neste caso o plano X1 ×X2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3.1 Visualização da superfície da faixa de Möbius e dos parâmetros parâme- tros da equação (3.1). A grade da malha corresponde a uma rede com 6 × 26 pontos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.2 Exemplo de configuração no estado fundamental para N = 51, M = 9, R = 1 e L = 1, 02. (a-c) Visualizações do estado fundamental de diferentes pontos de vista. (d) Visualização dos alinhamentos dos dipolos do estado fundamental na superfície. As posições e os alinhamentos dos dipolos são dados com relação às coordenadas paramétricas ϕ e v. (e) Uma visualização do parâmetro γ = a/b como uma função das coordenadas paramétricas. Consulte o texto para obter detalhes. . . . . . . . . . . 41 LISTA DE FIGURAS 3.3 Tamanho Aϕ do domínio angular como uma função da largura da faixa de Möbius L para N = 101, M = 11 e R = 1. Todos os pontos foram obtidos usando uma aproximação do vizinho mais próximo. O painel inferior mostra exemplos de configurações dos dos quatro regimes para L ∈ [0, 47, 0, 6, 0, 65, 0, 83] obtidos de simulações considerandno que todos os dipolos interagem entre si. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.4 (a) Energia total E em função da largura da faixa L. (b) O módulo 2D K ≈ d2E/dL2 em função da largura da faixa L. Os dados de energia e módulo 2D foram obtidos para uma faixa de Möbius com N = 101, M = 11 e R = 1. Note que os valores estão em unidades arbitrárias. . . 46 4.1 Ilustração do modelo bouncer em campo não homogêneo. . . . 50 4.2 Os referenciais S e S ′ e os vetores posição da partícula R e R’ e o da parede . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 4.3 O espaço de fase do bouncer com campo não homogêneo para ε = 10−3 e Ω = 0, 03. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 4.4 Três espaços de fases para valores diferentes de Ω e com ε = 10−3. Elevar o valor Ω resulta no aumento da correlação entra a posição da parede na colisão n e a colisão n + 1, o que leva ao surgimento de regiões de movimento regular no espaço de fases. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4.5 Espaços de fases para diferentes valores de parâmetro. Note que existe um valor de Ω abaixo do qual o espaço de fase fica praticamente inalterado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4.6 Espaço de fases do modelo simplificado para ε = 10−3 e Ω = 0, 03. 56 4.7 A figura ilustra os valores característicos dos pontos fixos para ε = 10−5 e Ω = 10−2. Λπ e Λ0 são, respectivamente, os auto- valores dos pontos fixos em ϕ∗ = π e ϕ∗ = 0 e m um número inteiro que corresponde ao número de oscilações que a parede móvel completou entre colisões. . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 4.8 A figura ilustra os valores característicos dos pontos fixos para ε = 10−3 e Ω = 10−2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 4.9 Curvas de velocidade em função do número de colisões para diferentes valores de parâmetro. . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 4.10 Ajuste dos dados numéricos para a curva V/nα × ε. . . . . . 63 4.11 Ajuste dos dados numéricos para a curva Vsat × ε. . . . . . . 64 4.12 Gráfico de Vinv × ε e o melhor ajuste obtido. . . . . . . . . . . 66 4.13 Curvas de velocidade em função do número de iterações para valores diferentes de ε′. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 LISTA DE FIGURAS 4.14 Colapso das curvas de velocidade para uma única curva universal. 67 4.15 Espaço de fases com Ω = 0.01 para o caso integrável ε = 0 e o caso não integrável com ε = 0.001. . . . . . . . . . . . . . . . . 69 4.16 Comportamento do parâmetro de ordem em função do parâme- tro de controle. A linha em vermelha mostra o melhor ajuste numérico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 5.1 A figura ilustra o espaço de fases do bilhar ovoide para a) ε = 0, 1 e b)ε = 0, 3, utilizando p = 2. . . . . . . . . . . . . . . 80 5.2 (a) Vrms vs n(ηϵ2) para diferentes valores de γ próximos ao ponto crítico, ϵ = 0, 2 e dois valores diferentes de η. Os círculos representam os resul- tados numéricos para o modelo estocástico e os quadrados verdes para o bilhar oscilando periodicamente no tempo, enquanto as linhas sólidas foram obtidas analiticamente. (b) Sobreposição das curvas Vrms após as seguintes transformações de escala: (i) V → V/[(1 − γ)α1(ηϵ)α2 ]; (ii) n → n/[(1− γ)z1(ηϵ)z2] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 5.3 Histograma da distribuição de probabilidade normalizada para a veloci- dade de um conjunto de 105 partículas no bilhar oval estocástico e dissi- pativo. As barras azuis são obtidas após dez colisões, enquanto as barras vermelhas correspondem a 100 colisões. O gráfico inserido é obtido após 50.000 colisões. A velocidade inicial é V0 = 0, 2 e os parâmetros de con- trole são η = 0, 02 e γ = 0, 999 com p = 2. . . . . . . . . . . . . . . 90 5.4 Desvio padrão de Vrms vs. n para diferentes valores dos parâmetros γ e εη para os casos a) dissipativo e b) não dissipativo. O eixo horizonntal foi escolhido para mostrar que o expoente de crescimento é o mesmo para todas as curvas. O desvio padrão possui os mesmos expoentes críticos que as curvas de Vrmas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 5.5 Correlação cruzada média C̄ para 20 valores diferentes de γ ∈ [0, 995, 1]. Cada ponto representa a média da correlação cruzada entre a V (n) de 1.000 condições iniciais para um sistema com ϵ = 0, 1 e η = 0, 1. A média da velocidade é obtida em 106 colisões e cada condição inicial tem velocidade inicial V0 = 0, 001. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 5.6 Vrms em função do número de colisões n para o caso não dissipativo do bilhar ovoide, ou seja, para γ = 1 para 4 diferentes combinações de ηϵ . . 95 SUMÁRIO 1 Introdução 14 2 Noções de sistemas dinâmicos e transições de fase 18 2.1 Pontos fixos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 2.2 Caos e expoentes de Lyapunov . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.3 Sistemas tridimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.4 Seções de Poincaré e Mapas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.4.1 Órbitas periódicas e estabilidade . . . . . . . . . . . . 27 2.5 Teoria de escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2.6 Transições de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.7 Identificação de transições de fase . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.7.1 Identificar a quebra de simetria . . . . . . . . . . . . . 32 2.7.2 Definir o parâmetro de controle . . . . . . . . . . . . . 33 2.7.3 Examinar as excitações elementares . . . . . . . . . . . 33 2.7.4 Classificar os defeitos topológicos . . . . . . . . . . . . 34 3 Rede de dipolos em uma geometria não-orientável sob com- pressão 35 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3.2 Rede de dipolos em uma faixa de Möbius . . . . . . . . . . . . 37 3.3 Configurações de equilíbrio do estado fundamental . . . . . . . 39 3.4 Transição induzida por compressão . . . . . . . . . . . . . . . 44 4 O modelo bouncer em campo não homogêneo 49 4.1 O sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 4.2 O mapa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 4.3 O modelo simplificado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 4.4 Estabilidade dos pontos fixos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 4.5 Análise de escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 4.6 Caracterização da Transição de fase . . . . . . . . . . . . . . . 68 4.6.1 Quebra de simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 4.6.2 Parâmetro de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 4.6.3 Defeitos topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.6.4 Excitações elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 5 Bilhar Ovoide 72 5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 5.2 Transferência de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 5.3 Bilhar Estático Ovoide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 5.4 Bilhar Ovoide Dependente do Tempo . . . . . . . . . . . . . . 81 5.4.1 Transição de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 5.4.2 Parâmetro de ordem - Equação da difusão . . . . . . . 87 5.4.3 Quebra de simetria, excitações elementares e criticalidade 92 6 Conclusões e perspectivas 97 Referências Bibliográficas 100 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO Pode-se argumentar que o estudo de Dinâmica como conhecemos hoje começou em meados do século XV, quando Newton deu suas grandes con- tribuições às equações diferenciais, descobriu suas leis do movimento e da gravitação universal, e as combinou para explicar as leis planetárias de Ke- pler [1]. Especificamente, Newton resolveu o problema de dois corpos - o problema de calcular o movimento da Terra em torno do sol, dada a lei do in- verso do quadrado da distância da atração gravitacional entre eles. Gerações posteriores de matemáticos e físicos tentaram estender os métodos analíticos de Newton para o problema de três corpos (por exemplo, sol, terra e lua), mas, curiosamente, esse problema acabou sendo muito mais difícil de resolver. A descoberta veio com o trabalho de Poincaré no final do século XIX, ao de- senvolver uma abordagem geométrica poderosa para analisar essas questões, que, posteriormente, se transformou em um tema moderno da dinâmica com aplicações que vão muito além da mecânica celeste [2]. Poincaré também foi a primeira pessoa a vislumbrar a possibilidade do caos, no qual um sistema de- terminístico exibe um comportamento aperiódico que depende sensivelmente das condições iniciais, impossibilitando, assim, a previsão de longo prazo, sendo possível ser visto em sistemas não-lineares. Esse interesse crescente em sistemas dinâmicos não-lineares se deve ao fato de que na natureza a maior parte dos fenômenos não podem ser modelados por sistemas lineares. Dentre os sistemas não-lineares, se destacam alguns membros da classe de problemas dos bilhares. Essa constitui um dos tipos mais simples de sistemas dinâmicos [3], o início de seu estudo pode ser atribuído a Birkhoff [4] no iní- 14 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO cio do século passado. Um bilhar é um sistema dinâmica composto por uma partícula, ou um conjunto delas, que se movem confinadas em um área ou vo- lume delimitado por uma fronteira com a qual elas sofrem colisões. Podemos separar os bilhares em pelo menos três classes conforme o formato de suas fronteiras: (i) bilhares integráveis; (ii) bilhares ergódicos e; (iii) bilhares mis- tos. No caso (i), temos como exemplo o bilhar circular e o bilhar elíptico [5]. A integrabilidade ocorre quando um sistema tem tantos graus de liberdade quanto constantes do movimento. Esses dois bilhares são integráveis devido a conservação de energia e momento angular no bilhar circular e energia e momento angular com relação aos dois focos, no bilhar elíptico [6]. Exemplos notórios para o caso (ii) incluem os bilhares de Sinai [7] e estádio de Buni- movich [8]. Nestes dois modelos, dependendo da combinação de parâmetros de controle, a evolução para tempos longos de apenas uma condição inicial é suficiente para preencher ergodicamente todo o espaço de fases. Por outro lado, no caso (iii) o espaço de fases é misto no sentido de que um conjunto de ilhas de periodicidade são observadas coexistindo com curvas invariantes que delimitam os mares de caos. Sendo assim, dependendo do formato do bilhar, a sensibilidade às condi- ções iniciais resulta em dinâmicas complexas que não estão apenas limitadas a comportamentos regulares ou irregulares, mas apresentando também fenô- menos surpreendentemente gerais. Um desses é a aceleração de Fermi, fenô- meno através do qual a energia de partículas cresce ilimitadamente quando essas interagem com campos magnéticos oscilantes [9]. Tal fenômeno pode ser modelado por alguns bilhares cuja fronteira oscila com o tempo. Quando adicionamos uma pertubação temporal à fronteira, a partícula pode ganhar ou perder energia devido as colisões e sua velocidade pode ser alterada. A existência da aceleração de Fermi nesses bilhares é determinada através da conjectura Loskutov-Ryabov-Akinshin (LRA)[10]. Essa conjectura diz que, se a versão estática de um bilhar apresentar órbitas caóticas, este bilhar pode apresentar aceleração de Fermi quando se introduz uma pertubação temporal à fronteira. No entanto, já foi demonstrado que esse não é um fenômeno ro- busto, uma vez que a introdução de dissipação nesses sistemas leva à supressão da aceleração de Fermi [11]. Um dos primeiros modelos criados com o intuito de modelar o fenômeno de aceleração de Fermi foi o modelo Fermi-Ulam. Este consiste de uma partícula confinada entre uma parede rígida e outra que se move periodicamente no tempo, com as quais sofre colisões elásticas. Como não há nenhum potencial atuando no sistema, a velocidade da partícula não se altera entre as colisões. 15 Dependendo de como a parede está se movendo no instante da colisão, a partícula pode ganhar ou perder energia, alterando sua velocidade. A figura 1.1 ilustra o modelo Fermi-Ulam. A parede móvel oscila em torno da posição x = L de acordo com a equação x = L+ ε cos(ωt′ + ϕ0), onde ε é amplitude de oscilação, ω a frequência, t′ o tempo e ϕ0 a fase inicial. A partícula se move e, eventualmente, chega na zona de colisão que fica entre L− ε e L+ ε. Lá ela colide com a parede móvel e sua velocidade V se altera. A partícula então se move até a parede fixa em x = 0 que inverte o sinal da velocidade da partícula. Dessa forma, a parede fixa funciona como o mecanismo de retorno da partícula para a parede móvel. Figura 1.1: Ilustração do modelo Fermi-Ulam. Esse sistema é não-integrável para ε > 0. No caso em que ε = 0 todas as paredes são fixas, apenas alterando o sinal da velocidade da partícula a cada colisão, e o sistema é integrável. O crescimento ilimitado de energia, ou aceleração de Fermi, não é observada nesse sistema dinâmico, devido a presença de um conjunto de curvas invariantes que limitam o mar de caos[12]. Uma versão semelhante ao modelo de Fermi, chamado de bouncer, foi proposta por Pustylnikov [13]. A dinâmica neste modelo consiste de uma partícula de massa m sujeita a um campo gravitacional. Quando a partícula desce devido ao efeito desse campo, ela colide com uma parede que se move periodicamente no tempo de acordo com a equação yw(t) = ε cos(ωt′), em que ε é a amplitude da parede, ω a frequência e t′ o tempo. Ao contrário do modelo Fermi-Ulam, o modelo bouncer pode apresentar aceleração de Fermi dependendo do valor de parâmetro de controle utilizado. Diferentes versões desse modelo também foram estudadas para diferentes aplicações, como modelos com arraste [11, 14], com colisões inelásticas [15] e modelos híbridos Fermi-Ulam-Bouncer [16, 17, 18]. Além da aceleração de Fermi, uma propriedade exibida por uma variedade desses sistemas é a presença de invariância de escala que alguns observáveis 16 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO físicos obedecem, conduzindo a leis de escala [19]. A existência da invariância de escala é comumente relacionada à transições de fase. Em física estatística, as transições de fase estão relacionadas a mudanças na estrutura espacial do sistema, particularmente devido à variação de algum parâmetro de controle [20]. Em sistemas dinâmicos, essas transições são associadas à mudanças abruptas no espaço de fases [21] ou no comportamento de algum observável. Embora a invariância de escala nesses sistemas já tenha sido amplamente es- tudada na literatura, as transições de fase das quais a invariância de escala é resultado ainda não foram caracterizadas. Nesse trabalho, utilizamos os conceitos de transição de fase conhecidos da termodinâmica para determinar a ordem das transições de fase de sistema não-lineares, como a transição da integrabilidade para a não-integrabilidade e a transição do regime de cresci- mento ilimitado de energia para o limitado. Para fazê-lo, é necessário definir o parâmetro de ordem do sistema, os defeitos topológicos, as excitações ele- mentares e identificar a quebra de simetria que ocorre no sistema [22]. Este trabalho está divido da seguinte forma: no próximo capítulo aborda- remos alguns conceitos básicos de sistemas dinâmicos e transições de fase que serão abordados no decorrer da tese. Nos capítulos posteriores utilizaremos esses conceitos com o intuito de investigar e classificar transições de fases em três distintos sistemas dinâmicos: uma rede de dipolos com geometria não orientável sob compressão, uma versão do modelo boucer em um campo não homogêneo e a sua transição do regime integrável para o não integrável, o modelo do bilhar ovoide e a transição do regime de crescimento ilimitado de energia para o limitado. A investigação de cada um desses sistemas resultou em um artido publicado na Physical Review E: Compression-induced crosso- vers for the ground state of classical dipole lattices on a Möbius strip. DOI: 10.1103/PhysRevE.109.064125. Dynamical aspects of a bouncing ball in a nonhomogeneous field. DOI: 10.1103/PhysRevE.103.062205. Characterizing a transition from limited to unlimited diffusion in energy for a time-dependent stochastic billiard. DOI: 10.1103/PhysRevE.108.054206. Por fim, no último capítulo, fazemos nossas coclusões sobre o trabalho no capítulo final e pon- deramos algumas perspectivas para trabalhos futuros. 17 CAPÍTULO 2 NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE 2.1 Pontos fixos Nesta seção introduziremos o conceito de pontos fixos e suas classificações em sistemas descritos por equações diferenciais. Para isso, é útil introduzir o conceito de espaço de fase. Na mecânica clássica, o espaço de fase é o espaço de todos os estados possíveis de um sistema; por “estado” não queremos dizer simplesmente as posições de todos os objetos no sistema (que ocupariam o espaço físico ou o espaço de configuração), mas também suas velocidades ou momentos (que ocupariam o espaço de momento). Dessa forma, é necessário ter a posição e o momento do sistema para determinar o comportamento fu- turo desse sistema. Em um espaço de fase, cada grau de liberdade ou parâme- tro do sistema é representado como um eixo de um espaço multidimensional. Por simplicidade, consideremos inicialmente um sistema unidimensional que possui somente uma variável de estado X. A equação dinâmica é dada por Ẋ = f(X), (2.1) em que f(X) é uma função contínua que descreve a variação do sistema unidimensional com o tempo. Para sistemas que são descritos por equações 18 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE diferenciais, o ponto X∗ é um ponto fixo se f(X∗) = 0 é satisfeito, ou seja, uma trajetória que inicia no ponto fixo X∗ permanecerá lá indefinidamente. Os pontos fixos são classificados de maneira a caracterizar o que ocorre com as trajetórias nas proximidades desses pontos. Se órbitas convergem para o ponto fixo, dizemos que o ponto fixo é um atrator ou nó assintoticamente estável. Quando as trajetórias se afastam dele, o ponto fixo é um repulsor ou ponto fixo instável. Caso as trajetórias se aproximam em uma direção mas se afastam em outra dizemos que o ponto fixo é um ponto de sela. A análise da estabilidade de X∗ pode ser feita utilizando a expansão em série de Taylor na vizinhança do ponto fixo, até a primeira ordem: f(X) ≈ f(X∗) + (X −X∗) df dX ∣∣∣∣ X∗ . (2.2) Pela definição do ponto fixo temos que f(X∗) = 0. Como estamos interessados na evolução temporal da distância de um ponto da trajetória a X∗ fazemos a substituição x = X −X∗: ẋ = x df dX . (2.3) De forma geral, a solução da equação (2.3) é escrita como x = CeΛt, (2.4) onde C é uma constante e Λ = df dX ∣∣∣∣ X∗ , (2.5) ou seja, Λ é o valor característico do ponto fixo. Para Λ > 0 temos um ponto fixo instável, as trajetórias próximas ao ponto fixo afastam-se expo- nencialmente dele, caracterizando-o como ponto fixo repulsor. Caso Λ < 0 temos um ponto fixo assintoticamente estável, pois as trajetórias próximas se aproximam assintoticamente de X∗. Este ponto fixo é também chamado de atrator. Quando o valor característico é zero analisamos a primeira e segunda derivada de f em relação a X. Para um ponto de sela, a segunda derivada tem o mesmo sinal em ambos os lados de X∗, dessa forma a trajetória é repelida de um lado e atraída pelo outro. Para pontos atratores e repulsores com Λ = 0, o sinal da segunda derivada muda em X∗. Ela é positiva à esquerda do ponto fixo e negativa à direita para os atratores, e negativa à esquerda e positiva à direita para repulsores. Tais 19 2.1. PONTOS FIXOS pontos fixos repelem ou atraem trajetórias mais lentamente que os pontos fixos cujo valor característico é diferente de zero [23]. Em sistemas com dois graus de liberdade1 existem outras possibilidades quanto à natureza dos pontos fixos. Consideremos agora um sistema que seja descrito pelo seguinte conjunto de equações diferenciais de primeira ordem: Ẋ = fX(X, Y ), Ẏ = fY (X, Y ), (2.6) em que fX e fY são as taxas de variação das coordenadas X e Y , res- pectivamente, no tempo. Semelhante ao caso anterior, se fX(X ∗, Y ∗) = fY (X ∗, Y ∗) = 0 então (X∗, Y ∗) é um ponto fixo. De maneira similar ao que foi feito para sistemas unidimensionais, fazemos a expansão em série de Tay- lor de fX(X, Y ) e fY (X, Y ) em torno das coordenadas do ponto fixo (X∗, Y ∗) até a primeira ordem: fX(X, Y ) = fX(X ∗, Y ∗) + (X −X∗) ∂fX ∂X ∣∣∣∣ X∗,Y ∗ + (Y − Y ∗) ∂fX ∂Y ∣∣∣∣ X∗,Y ∗ , fY (X, Y ) = fY (X ∗, Y ∗) + (X −X∗) ∂fY ∂X ∣∣∣∣ X∗,Y ∗ + (Y − Y ∗) ∂fY ∂Y ∣∣∣∣ X∗,Y ∗ , (2.7) no qual, pela definição de ponto fixo, fX(X∗, Y ∗) = fY (X ∗, Y ∗) = 0. De- finindo ∆η1 = X − X∗ e ∆η2 = Y − Y ∗ podemos escrever a equação (2.7) como ( ∆η̇1 ∆η̇2 ) = [ ∂fX ∂X ∂fX ∂Y ∂fY ∂X ∂fY ∂Y ]( ∆η1 ∆η2 ) . (2.8) Definimos ∆η̃ como sendo a matriz coluna do lado direito da equação (2.8). A matriz 2× 2 nesta equação é a jacobiana do sistema e é representada pelo símbolo J . Dessa forma, temos: ∆ ˙̃η = J∆η̃. (2.9) De forma geral a solução da expressão acima é escrita como ∆η̃(t) = C̃1e Λ1t + C̃2e Λ2t, (2.10) 1Na mecânica clássica, o número de graus de liberdade se refere ao número de pares de variáveis necessário para descrever o sistema [23]. 20 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE em que C̃1 e C̃2 são constantes de integração, e Λ1 e Λ2 são os autovalores em termos dos quais determinamos a estabilidade dos pontos fixos. Os valores de Λ são obtidos resolvendo a expressão det(J − ΛI) = 0, (2.11) em que I é a matriz identidade 2 × 2. Resolvendo o determinante acima obtemos a equação Λ2 − ( ∂fX ∂X + ∂fY ∂Y ) Λ + ∂fX ∂X ∂fY ∂Y − ∂fX ∂Y ∂fY ∂X = 0, (2.12) na qual o termo entre parênteses é o traço e ∂fX ∂X ∂fY ∂Y − ∂fX ∂Y ∂fY ∂X é o determinante da jacobiana. A expressão acima fornece duas soluções, dadas por Λ1,2 = 1 2 ( TrJ± √ (TrJ)2 − 4detJ ) . (2.13) Caso Λ1 > 0 e Λ2 > 0 a distância entre o ponto fixo e a trajetória de um ponto próximo a ele vai aumentar exponencialmente com o decorrer do tempo. Neste caso o ponto fixo é repulsor. De forma análoga, se ambos os autovalores forem negativos, as trajetórias se aproximam do ponto fixo que é classificado como um atrator. Também existe a possibilidade de os autovalores terem sinais opostos. Nesse caso o ponto fixo é classificado como ponto sela, atraindo trajetórias em uma direção e repelindo-as em outra. Figura 2.1: Ilustração de um ponto fixo instável. Figura 2.2: Ilustração de um ponto fixo estável. Na figura 2.1 as trajetórias se afastam do ponto fixo, aqui representado pelo símbolo ∗. Neste caso o ponto fixo é instável. A figura 2.2 ilustra 21 2.1. PONTOS FIXOS Figura 2.3: Ilustração de dois pontos de sela e algumas trajetórias próximas. algumas trajetórias ao redor de um ponto fixo estável. A figura 2.3 ilustra dois pontos de sela A e B e algumas trajetórias. As trajetórias que se aproximam assintoticamente dos pontos fixos são chamadas de variedades estáveis, as que se distanciam são chamadas variedades instáveis. Os pontos de sela também são chamados de pontos hiperbólicos. Diferentemente de sistemas unidimensionais, no caso bidimensional há uma quarta possibilidade para a estabilidade dos pontos fixos que ocorre quando o argumento raiz da equação (2.13) é negativo. Quando Im(Λ) ̸= 0, pontos de trajetórias próximas circulam o ponto fixo que, nesse caso, é chamado de ponto fixo espiral. A estabilidade deste é dada pela parte real dos autovalores. Caso Re(Λ) < 0 as órbitas se aproximam do ponto fixo que, por tal motivo, é classificado como assintoticamente estável. Já quando Re(Λ) > 0, o ponto fixo é instável e as trajetórias de pontos iniciais próximos a ele espiralam à medida que se afastam do ponto fixo em questão. As figuras 2.4 e 2.5 ilustram, respectivamente, uma trajetória sendo atraída por um ponto fixo espiral estável e uma trajetória que afasta de um ponto fixo espiral instável. Para o caso em que Re(Λ)= 0, o ponto fixo é classificado como ponto fixo elíptico (ou centro estável). Nas situações em que isso ocorre, as traje- tórias próximas ao ponto fixo, na média, não afastam nem se aproximam do ponto fixo. A figura 2.6 ilustra o comportamento de algumas trajetórias nas vizinhanças de um ponto fixo elíptico. Dadas as classificações dos pontos fixos, é importante ressaltar que ao variar os parâmetros do sistema é possível que a estabilidade desses pontos mude. Os métodos apresentados nessa seção são aplicáveis para sistemas com dimensões maiores. No entanto, essa análise da estabilidade dos pontos fixos fica cada vez mais complicada conforme estudamos sistemas com mais graus de liberdade. Além disso, espaços de fases com dimensões maiores podem apresentar trajetórias com comportamentos que não são possíveis em 22 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE Figura 2.4: Ilustração de um ponto espiral estável. Figura 2.5: Ilustração de um ponto espiral instável. sistemas com menos graus de liberdade. 2.2 Caos e expoentes de Lyapunov Caos é um termo muitas vezes utilizado para descrever comportamentos complexos e, apesar disso, pode ser observado em sistemas muito simples [23]. Órbitas caóticas podem aparentar ser erráticas e aleatórias, como se surgissem de um sistema muito complexo ou com ruído. No entanto, observamos esse tipo de comportamento em sistemas determinísticos simples e sem ruído. Não existe uma definição única para caos. Segundo Hilborn [23], uma dinâmica é caótica caso três condições sejam satisfeitas. Primeiramente, o sistema deve obedecer o teorema da não-intersecção, ou seja, trajetórias não podem se interceptar, o que é esperado para sistemas determinísticos. A segunda restrição indica que as órbitas devem estar em uma região limitada do espaço de fases (caos não pode existir em sistemas abertos). Por último, temos que órbitas próximas devem divergir exponencialmente uma da outra com o decorrer do tempo. A divergência de trajetórias próximas, terceira condição, é descrita pelo expoente de Lyapunov. Consideremos duas trajetórias cujas condições iniciais estão separadas por uma distância ∆x0 em um sistema unidimensional. Se essas órbitas forem caóticas, elas irão divergir no tempo segundo a equação ∆x(t) = ∆x0e λxt, (2.14) em que λx é o expoente de Lyapunov associado à direção do eixo x. O 23 2.3. SISTEMAS TRIDIMENSIONAIS Figura 2.6: Ilustração de um ponto fixo elíptico e o comportamento de traje- tórias próximas. número desses expoentes é igual ao número de dimensões do espaço de fases e o mesmo raciocínio pode ser aplicado às demais componentes do vetor que define a órbita. Classificamos as órbitas como caóticas quando pelo menos um dos valores de λ é positivo. Em sistemas hamiltonianos a soma dos expoentes de Lyapunov é zero devido à preservação do volume no espaço de fase. Para sistemas com dissipação ou arraste, pelo menos um dos expoentes de Lyapunov é negativo, indicando a convergência das trajetórias para um atrator. 2.3 Sistemas tridimensionais Chamamos um sistema dinâmico de tridimensional quando este possui três variáveis independentes, as quais são suficientes para descrever totalmente a dinâmica do sistema. Consideremos um sistema dinâmico que seja descrito pela evolução temporal das seguintes equações diferenciais ẋ = fx(x, y, z) ẏ = fy(x, y, z) (2.15) ż = fz(x, y, z), em que fx, fy e fz fornecem a evolução temporal das coordenadas x, y e z, respectivamente. 24 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE Como já foi discutido, os pontos fixos dos sistema são encontrados igualando as expressões da equação (2.15) a zero. Para determinar a estabilidade dos pontos fixos é necessário obter os três valores característicos através da matriz jacobiana avaliada nas coordenadas dos pontos fixos. Neste caso, a matriz jacobiana é dada por J =  ∂fx ∂x ∂fx ∂y ∂fx ∂z ∂fy ∂x ∂fy ∂y ∂fy ∂z ∂fz ∂x ∂fz ∂y ∂fz ∂z  . (2.16) De forma análoga aos sistemas bidimensionais, os autovalores são obtidos a partir da equação (2.11). Os valores característicos determinam a estabilidade dos pontos fixos. Caso todos os autovalores sejam reais e negativos este ponto fixo é um atrator. No entanto, se dois desses valores característicos também tiverem partes imagi- nárias não nulas, pontos de trajetórias próximas irão se aproximar do ponto fixo em uma espiral, o que caracteriza um ponto fixo nó espiral. Quando os autovalores são reais e positivos temos um ponto fixo repulsor. Caso dois desses valores característicos possuam partes imaginárias não nulas, pontos de trajetórias próximas irão espiralar para longe do ponto repulsor. Existe também a possibilidade de que o ponto fixo seja um ponto de sela. Esses pontos são classificados com índices que representam o número de valores característicos cujas partes reais são positivas. Um ponto de sela de índice 1 possui três autovalores reais, um positivo e dois negativos. Esse tipo de ponto fixo atrai pontos de trajetórias em uma superfície (a variedade estável) e repele pontos de trajetórias ao longo de uma curva (variedade ins- tável). Se este ponto de sela possuir dois valores característicos complexos temos pontos de sela espiral e os pontos de trajetórias próximas espiralam em torno do ponto fixo conforme eles se aproximam da variedade estável. Já o ponto de sela de índice 2 possui dois autovalores positivos e um ne- gativo. Nesse caso pontos de trajetórias se aproximam do ponto fixo em uma curva e divergem do ponto fixo em uma superfície. Caso dois autovalores com partes reais negativas formem um par complexo conjugado, pontos próximos à variedade instável irão espiralar conforme se afastam do ponto fixo, o que caracteriza um ponto fixo de sela espiral. Os sistemas tridimensionais são importantes não só por vivermos em um mundo tridimensional, mas também porque tais sistemas podem se comportar de formas que não são possíveis em sistemas com menos dimensões [23]. Dentre esses novos comportamentos está a possibilidade de surgimento de 25 2.4. SEÇÕES DE POINCARÉ E MAPAS trajetórias caóticas. O comportamento caótico é caracterizado pela divergên- cia de trajetórias no espaço de fase, ou seja, a separação entre as trajetórias inicialmente próximas aumenta exponencialmente com o passar do tempo na média. Para sistemas de dimensões menores, trajetórias limitadas não podem divergir exponencialmente sem que se interceptem eventualmente, violando assim a unicidade da solução. Dessa forma, são necessárias três ou mais dimensões no espaço de estados para existência de comportamento caótico. 2.4 Seções de Poincaré e Mapas A seção de Poincaré é um método no qual diminuímos a dimensionalidade do espaço de fase de um sistema, deixando sua análise mais simples [23]. Isso é feito obtendo os pontos de interseção entre as trajetórias e uma superfície de N − 1 dimensões, em que N é a dimensão do espaço de fase. A figura 2.7 ilustra uma seção de Poincaré definida pelo plano X1 ×X2. Partindo de um ponto inicial em t = 0 a trajetória evolui e intercepta a seção de Poincaré em (u1, v1). Posteriormente a trajetória passa pelo plano novamente, agora em (u2, v2). Dada a unicidade da solução do sistema de equações diferenciais que descrevem as trajetórias, temos então uma função mapa que correlaciona os pontos (un, vn) e (un+1, vn+1) [23]. A escolha da superfície usada na seção de Poincaré é arbitrária e se baseia no que é mais conveniente ao sistema sob estudo. Figura 2.7: Ilustração de uma trajetória em um sistema tridimensional e suas interseções na superfície de Poincaré, neste caso o plano X1 ×X2. 26 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE Para um sistema tridimensional, a seção de Poincaré é bidimensional. Dessa forma, supondo que a trajetória intercepta o plano pelo ponto (un, vn) e o próximo ponto de interseção com a superfície de Poincaré seja (un+1, vn+1), teremos, dessa forma, duas equações que descrevem a dinâmica do sistema nessa superfície. O conjunto de equações que descrevem a dinâmica de um sistema via processo iterativo é chamado de mapa que, no caso, é dado pelas equações un+1 = fu(un, vn), vn+1 = fv(un, vn). (2.17) Sendo assim, conhecendo as funções fu e fv temos todas as informações necessárias para descrever o comportamento do sistema em tempos futuros. O estudo de mapeamentos é interessante pois eles permitem descrever as interseções de trajetórias em espaços de fase com seções de Poincaré. Além disso, mapas podem ser usados para modelar sistemas físicos mesmo que não saibamos as equações diferenciais que os regem. 2.4.1 Órbitas periódicas e estabilidade Para um mapa bidimensional, tem-se que uma órbita é periódica com período p quando un+p = un, vn+p = vn, (2.18) sendo p o menor inteiro que satisfaz as equações acima. Para o caso em que p = 1, temos que a órbita periódica é um ponto fixo. Assim como foi feito para equações diferenciais, a estabilidade do ponto fixo é determinada através da análise do comportamento das trajetórias próximas a ele. Fazendo a expansão em série de Taylor das equações (2.17) da trajetória de uma condição inicial (u0, v0) em torno do ponto fixo (u∗, v∗) temos, até a primeira ordem fu(u0, v0) ≈ fu(u ∗, v∗) + (u0 − u∗) ∂fu ∂u ∣∣∣∣ u∗,v∗ + (v0 − v∗) ∂fu ∂v ∣∣∣∣ u∗,v∗ , fv(u0, v0) ≈ fv(u ∗, v∗) + (u0 − u∗) ∂fv ∂u ∣∣∣∣ u∗,v∗ + (v0 − v∗) ∂fv ∂v ∣∣∣∣ u∗,v∗ . (2.19) Definindo ζ̃ = ( u v ) , (2.20) 27 2.4. SEÇÕES DE POINCARÉ E MAPAS e escrevendo a distância do ponto fixo à trajetória como ∆ζ̃0 = ( u0 − u∗ v0 − v∗ ) , (2.21) a equação (2.19) pode ser escrita como ∆ζ̃1 = J∆ζ̃0, (2.22) em que J é a matriz J =  ∂fu ∂u ∂fu ∂v ∂fv ∂u ∂fv ∂v  , (2.23) sendo que as derivadas acima são todas avaliadas na coordenada do ponto fixo. Para a segunda iteração temos ∆ζ̃2 = J∆ζ̃1, em que ∆ζ̃1 é dado pela equação (2.22), dessa forma ∆ζ̃2 = J2∆ζ̃0. Após n iterações temos ∆ζ̃n = Jn∆ζ̃0. (2.24) Semelhante ao que foi discutido para equações diferenciais, os valores característicos são obtidos resolvendo a Equação (2.24), o que resulta em dois autovalores Λ1 e Λ2. Dessa forma temos, na proximidade dos pontos fixos, ∆ζ̃n = D1Λ n 1 +D2Λ n 2 . (2.25) Em que D1 e D2 são constantes definidas a partir das condições iniciais. Note pela equação acima que se |Λi| < 1 temos que a distância entre as trajetórias está diminuindo e caso |Λi| > 1 a distância está aumentando. Dessa forma, quando |Λ1| > 1 e |Λ2| > 1 ambas as variedades são instáveis e o ponto fixo é repulsor. Caso |Λ1| < 1 e |Λ2| < 1 o ponto fixo é classificado como estável, comumente chamado de nó. Na situação em que |Λ1| < 1 e |Λ2| > 1, ou vice- versa, temos que as trajetórias serão atraídas em uma direção e repelidas na outra, logo o ponto fixo é um ponto de sela. Existe ainda a situação em que os autovalores são complexos. Neste caso os autovalores formam um par conjugado e os pontos da órbita que interceptam a superfície de Poincaré giram em torno do ponto fixo. Para |Λ1| < 1 e |Λ2| < 1 o ponto fixo é estável e as órbitas espiralam se aproximando dele. Quando |Λ1| > 1 e |Λ2| > 1 as trajetórias giram enquanto se afastam do ponto fixo, que neste caso é instável. Para sistemas dissipativos, ou seja, que contraem o volume no espaço de fase, tem-se que Λ1Λ2 < 1, e para os que conservam o volume, o que é o caso para sistemas não dissipativos, Λ1Λ2 = 1. 28 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE 2.5 Teoria de escala Neste trabalho estudamos a transição de fase do regime integrável para o não integrável de um bilhar exótico e do regime de crescimento ilimitado de energia para o de crescimento limitado, no modelo do bilhar ovóide. Uma das consequências da ocorrência de transições de fase é o aparecimento de invariância de escala em certos observáveis desses sistemas. Neste capítulo introduzimos os conceitos de teoria de escala baseando na teoria de fenômenos críticos e transições de segunda fase [25, 26, 27] utilizando como exemplo a magnetização m(k, h, t) de um sistema ferromagnético. A variável k = (Tc − T )/Tc é o desvio relativo da temperatura crítica Tc, h é o campo magnético externo, t é o tempo. Consideramos aqui que o sistema evolui no tempo t com uma dinâmica estocástica. O sistema está fora do equilíbrio quando t = 0 e está no equilíbrio quando t→ ∞. Este sistema é descrito por leis de potência nas vizinhanças do ponto crítico (k = 0, h = 0, t → ∞). Assim temos que a magnetização espontânea se comporta como m(k, 0,∞) ∝ kβ, (2.26) em que β é um expoente crítico determinado através do ajuste via método dos mínimos quadrados no gráfico log-log de m versus k. Na temperatura crítica, o comportamento da magnetização é dado por m(0, h,∞) ∝ hγ, (2.27) onde γ é outro expoente crítico. Quando o campo externo é nulo (h = 0) o sistema é descrito por m(k, 0, t). No caso em que o tempo é muito menor que o tempo de relaxação do sistema, τ , o sistema está fora do equilíbrio. No entanto, se τ é muito menor que t, o sistema se encontra em equilíbrio. O tempo de relaxação depende da temperatura, e, portanto, depende de k. Conforme a temperatura se aproxima de T = Tc, o tempo de relaxação do sistema cresce como τ ∝ k−z, (2.28) onde z é um expoente dinâmico. O crossover, ou seja, a transição do regime de não equilíbrio para o regime de equilíbrio é dado pela variável τ . Em princípio, podemos explicar estes comportamentos em lei de potência através da análise de escala. A hipótese de escala consiste em supor que a 29 2.5. TEORIA DE ESCALA magnetização seja uma função homogênea generalizada das variáveis k, t e h, da forma m(k, h, t) = lm(lak, lbh, lct), (2.29) onde l é o fator de escala e a, b e c são expoentes de escala. Com o intuito de determinar como expoente β está relacionado com os expoentes de escala escolhemos l = k−1/a. Assim a equação acima se torna m(k, h, t) = k−1/am(1, k−b/ah, k−c/at). (2.30) Considerando a magnetização a campo nulo (h = 0, t→ ∞) temos m(k, h, t) = k−1/am(1, 0,∞). (2.31) Se considerarmos quem(1, 0,∞) é uma constante finita obtemos, comparando a equação acima com a equação (2.26), que a = −1/β. O comportamento da magnetização de equilíbrio (t → ∞) em k = 0, dada pela equação (2.27), é obtido escolhendo o fator de escala l = h−1/b e substituindo na equação (2.29): m(0, h,∞) = h−1/bm (0, 1,∞) . (2.32) Ainda considerando que m é uma constante finita, podemos comparar a equa- ção acima com a equação (2.27). Dessa forma, temos que a relação entre o expoente γ e o expoente de escala é b = −1/γ. Para encontrar a relação entre o expoente z e os expoentes de escala escolhemos l = k−1/a e h = 0. Dessa forma, considerando que t é finito, escrevemos a equação (2.30) como m(k, 0, t) = k−1/af ( t k−c/a ) , (2.33) em que f(x) = m(1, 0, x) sendo x = t/k−c/a. A função f(x) pode ter compor- tamentos diferentes dependendo do valor de x. Caso t→ ∞, ou seja, quando x≫ 1, a magnetização espontânea só depende de k, o que implica que f(∞) é constante. Por outro lado, se t = 0 a magnetização deve ter o valor ini- cial independente do valor de k. A dependência em k da magnetização pode desaparecer somente se f(x) ≈ xy ≈ ty k−yc/a , (2.34) quando x ≪ 1 e y assumir um valor particular (y = −1/c). A função m(1, 0, x) admite um crossover controlado por kc/a, dessa forma, da equa- ção (2.33) o tempo de relaxação τ deve ser proporcional a kc/a. Considerando x ≈ 1 para t ≈ τ obtemos da equação (2.28) que z = −c/a. 30 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE Os expoentes β, z e γ são obtidos numericamente ou de forma experimental. Sendo assim, obtemos os expoentes de escala com as relações a = −1/β, b = −1/γ e c = z/β. Com esses expoentes e as transformações corretas é possível obter o colapso das curvas de magnetização em uma única curva chamada curva universal, mostrando que a magnetização obedece leis de escala nessa transição. 2.6 Transições de fase Muitos problemas importantes estão relacionados de uma forma ou ou- tra com a presença de transições de fase. Esse fenômeno ocorre em diversos sistemas distintos, como em fluidos, materias magnéticos, super condutores, sistemas ecológicos e sociais dentre vários outros [27]. Tais transições de fase tipicamente implicam na mudança de simetria interna dos componentes do sistema quando um ponto crítico é ultrapassado. Esse ponto crítico se refere ao ponto em que a transição entre as fases ocorre. Um exemplo comum de transição de fase seria entre um estado fluido, podendo ser líquido ou gás, e um sólido cristalino. O primeiro tem átomos organizados de maneira apa- rentemente aleatória, e todos os pontos dentro do líquido ou gás exibem as mesmas propriedades. Em um sólido cristalino, os átomos são organizados nos sítios da rede que o formam. Na fase gasosa, a energia cinética domina o movimento das partículas, o que resulta em um estado homogêneo e isotró- pico. Nesse estado todos os pontos são equivalentes e a densidade é uniforme. Na fase líquida, no entanto, apesar de ainda homogênea, a interação a curta distância entre as moléculas leva a uma densidade maior. Enquanto isso, na fase sólida pode ser distinguida facilmente devido a diferença da distribui- ção geométrica dos átomos, feita agora de maneira muito regular. Cristais são, portanto, menos homogêneos que um líquido, possuindo então menos simetria. No entanto, além do exemplo da transição termodinâmica entre essas três fases existe uma miríade de transições observadas de diferentes contex- tos. Ainda assim, é possível observar fatores comuns entre elas. Segundo Ehrenfest, podemos classificar transições de fase a partir do comportamento da energia livre como função de outras variáveis termodinâmicas. Caso a or- dem da menor derivada da energia livre apresente uma descontinuidade em T = Tc, sendo Tc a temperatura para a qual ocorre a transição de fase, classifi- camos tal transição como sendo de primeira ordem. Tal descontinuidade tem efeito nas grandezas termodinâmicas, como o calor latente e a magnetização. 31 2.7. IDENTIFICAÇÃO DE TRANSIÇÕES DE FASE Por sua vez, em uma transição de fase de segunda ordem a segunda deri- vada da energia livre apresenta descontinuidade. No esquema de classificação moderno, as transições de fase são divididas em duas categorias, nomeadas de forma similar às classes propostas por Ehrenfest. Nessa nova definição, chamamos de transição de fase de primeira ordem aquelas que envolvem uma descontinuidade no calor latente. Por sua vez, denominamos de transições de segunda ordem aquelas que não envolvem o calor latente. Essas incluem todas as demais transições, incluindo as de segunda, terceira e demais ordens. As transições de fase de segunda ordem são também chamadas de "transições de fase contínuas", e são baseadas na introdução do conceito de parâmetro de ordem. Esse parâmetro é uma medida do grau de ordem das fases em uma transição, sendo normalmente nula em uma fase e não nula na outra. 2.7 Identificação de transições de fase Como foi exposto nas seções anteriores, encontramos na natureza várias transições de fase que permitem que sistemas mudem para diferentes estados da matéria. Na presente seção, iremos apresentar um sistema através do qual é possível determinar a existência e a ordem de uma trasição de fase. Uma leitura mais detalhada do método aqui proposto pode ser encontrado nos tra- balhos de Mermin [29], Coleman [30] e Sethna [22]. O processo é composto por quatro etapas: identificar a quebra de simetria, definir o parâmetro de controle, examinar as excitações elementares e classificar os defeitos topoló- gicos. Todas as etapas serão discutidas nas próximas seções. 2.7.1 Identificar a quebra de simetria A simetria de um composto é uma das formas a partir das quais podemos distingui-lo dos demais estados da matéria. Independente do sistema tratado, uma transição de fase sempre ocorre acompanhada de uma quebra de sime- tria. Considere as formas geométricas de um cubo e uma esfera, a última possui muito mais simetrias que a primeira. Pode-se rodar uma esfera em qualquer direção sem mudar sua aparência. No entanto, o mesmo só pode ser feito com o cubo caso o rotacione em 90°. De maneira similar, podemos distinguir as fases de um sistema pelas suas simetrias. Consideremos como exemplo a transição de uma solução do estado líquido para a sólida: a fase sólida parece muito mais simétrica; arranjos regulares dos átomos formam a rede do cristal. O gelo, por exemplo, tem uma simetria de rotação discreta, 32 CAPÍTULO 2. NOÇÕES DE SISTEMAS DINÂMICOS E TRANSIÇÕES DE FASE podendo-se rotacioná-lo por múltiplos de 60° e obter a mesma estrutura [22]. A fase líquida, no entanto, parece ser irregular e desordenada. Por outro lado, ela se parece com líquido independente do ângulo observado. Por esse fator, de maneira similar ao círculo, a água possui total simetria de rotação e translação. Identificar a mudança entre as simetrias dos sistema antes e após uma transição de fase é o primeiro passo para caracterizá-la. 2.7.2 Definir o parâmetro de controle Em uma grande variedade de transições de fase existe uma quantidade que é nula abaixo do ponto crítico e que se torna não nula acima do ponto crí- tico. Além disso, espera-se que a suscetibilidade, definida como a derivada do parâmetro de ordem em função do parâmetro de controle, divirja conforme o sistema de aproxima da criticalidade. Por exemplo, em uma transição líquido- gás conforme variamos a temperatura T para baixo da linha de coexistência à pressão constante, a fase líquida que aparece tem uma densidade muito maior do que a fase do gás. Nesse caso, podemos definir a diferença de densidade (ρl − ρg) como o parâmetro de ordem. De maneira similar, no caso de um sistema magnético unidimensional o parâmetro de ordem é a magnetização. Para valores relativamente pequenos de T os spins tendem a se alinhar na direção do campo magnético e a magnetização é não nula. Conforme aumen- tamos a temperatura de forma que T > Tc, ocorre uma quebra de simetria e o sistema passa a ter magnetização nula. Portanto, para o ferromagneto unidi- mensional, o parâmetro de ordem natural que determina a quebra de simetria é a magnetização. Ressaltamos aqui que a escolha do parâmetro de ordem não é sempre fácil ou intuitiva. Por exemplo, o parâmetro de ordem para alguns supercondutores e superfluídos é um número complexo ψ. Além disso, para vários sistemas podem haver mais de um bom candidato a parâmetro de ordem. 2.7.3 Examinar as excitações elementares Retornemos ao ferromagneto unidimensional. Na ausência de um campo magnético externo, para valores de temperatura abaixo da temperatura crítica Tc, conhecida como temperatura de Curie, ocorre uma quebra de simetria. Abaixo dessa temperatura, spins vizinhos se alinham paralelos entre si e a energia do sistema fica invariante sob inversão da magnetização m(x) de forma que m(x) = −m(−x). Uma quebra espontânea de simetria contínua 33 2.7. IDENTIFICAÇÃO DE TRANSIÇÕES DE FASE é inevitavelmente acompanhada por algum tipo de excitação elementar [22]. No caso de ferromagnetos, a simetria quebrada leva à excitações elementares na forma de rigidez magnética e ondas de spins1. Os spins resistirão uma torção individual, porém não uma uniforme. 2.7.4 Classificar os defeitos topológicos Nesta subseção vamos considerar uma classe de defeitos, chamada de defeitos topológicos, que ocorre em decorrência da quebra de simetria nas transições de fase. Um defeito topológico é caracterizado por uma região (por exemplo, um ponto ou uma linha) onde a ordem é destruída e onde al- guma variável varia lentamente no espaço. De forma similar a uma partícula carregada, um defeito topológico tem a propriedade de que sua presença pode ser determinada por medidas apropriadas em uma superfície que circunda a região. Defeitos topológicos possuem nomes diferentes dependendo da sime- tria que é quebrada e do sistema em questão. Por exemplo, no modelo xy e para o hélio superfluido, eles são chamados de vórtices; em cristais eles são chamados de deslocamento [31]. 1Uma onda de spin é uma perturbação propagada em um material magnético ordenado. 34 CAPÍTULO 3 REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO 3.1 Introdução Neste capítulo será usado uma rede de dipolos sob compressão para ilus- trar a ocorrência de transições de fases em sistemas dinâmicos. Tal exemplo foi escolhido para exemplificar a abrangência deste estudo. A relevância do sistema vem do fato de que as interações de longo alcance entre dipolos são ubíquas na física e aparecem em uma grande variedade de sistemas, desde configurações atômicas, como as matrizes de átomos de Rydberg [32] ou ga- ses quânticos dipolares [33, 34], a sistemas do estado sólido, como ímãs [35] ou ferroelétricos [36, 37]. Especialmente em redes cristalinas, como em ma- teriais ferroelétricos (FE), o caráter anisotrópico da interação pode levar à formação de fases ordenadas complexas [38]. Por exemplo, a degenerescência da configuração do estado fundamental (GS, de groundstate em inglês), ou seja, a invariância da energia sob a inversão de todos os dipolos, pode levar à formação de domínios locais separados por uma parede de domínio (PD) [39]. Para materiais FE, experimentos mostraram um grande controle dessas paredes de domínio, permitindo deslocamentos controlados e até mesmo a cri- ação ou aniquilação controlada de domínios [39, 40]. Devido a possibilidade 35 3.1. INTRODUÇÃO desse controle direto das configurações dos dipolos, os materiais de FE tem sido usados para aplicações como sensores inteligentes, capacitores, transdu- tores, atuadores, dispositivos de coleta de energia e memórias não voláteis [39, 40, 41, 42]. As fases ordenadas que surgem em sistemas de rede de dipolos interagentes podem depender significativamente da geometria de tal rede: Em determi- nadas geometrias, o estado fundamental torna-se continuamente degenerado [43, 44] e permite transformações contínuas entre diferentes configurações do estado fundamental [45, 46]. Outros exemplos incluem fases de vidro de spin que surgem em sistemas desordenados [47], e a supressão da ordem em longo alcance para redes que exibem frustração geométrica [48, 49, 50]. Além desses exemplos bem conhecidos, efeitos interessantes que dependem da geometria também podem ser encontrados em redes que exibem dimensionalidade mista: em uma configuração 1D simples que consiste em dipolos espaçados equidis- tantes ao longo de um caminho helicoidal, o estado fundamental pode ser classificado por uma complexo de bifurcação autossimilar que depende da ge- ometria da hélice [51]. Para dipolos em superfícies 2D, as geometrias curvas podem impor a presença de defeitos topológicos, como pode ser visto para di- polos em uma esfera [52]. Além disso, foi demonstrado que as redes de dipolo em uma superfície curva 2D podem apresentar domínios e paredes de domínio em seu estado fundamental [53]. Nessa seção, nos baseamos nesses resultados e investigamos mais a fundo as propriedades das redes de dipolo clássicas em geometrias curvas. Especificamente, estamos interessados nos efeitos que surgem quando uma rede de dipolo é abrangida por uma superfície curva que é topologicamente não trivial. Foi demonstrado que a curvatura espacial ou dimensionalidade mista por si só pode levar a uma variedade de efeitos intrigantes (e muitas vezes contra- intuitivos). Já para partículas (isotrópicas) em interação de Coulomb confi- nadas a um caminho 1D curvo, ocorrem uma infinidade de efeitos estáticos [54, 55, 56, 57] e dinâmicos [58, 59, 60, 61, 62] altamente não triviais. Além disso, em geometrias que são topologicamente não triviais, como a faixa de Möbius, a topologia da superfície pode induzir efeitos que estão ausentes nos sistemas topologicamente triviais correspondentes [63, 64]. Isso nos motiva a investigar as propriedades do estado fundamental de uma rede de dipolos clássicos espalhados na superfície de uma faixa de Möbius. Tal sistema com as características e aplicações citadas pode ser utilizado como um exemplo de transição de fase para um sistema dinâmico. Descobrimos que uma com- pressão da faixa pode levar a duas transições distintas no estado fundamental 36 CAPÍTULO 3. REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO da rede de dipolos que são detectadas como picos no módulo de compressão. Uma das transições está relacionada às mudanças dependentes da curvatura das configurações do dipolo e corresponde a uma mudança do sistema de re- sistência para favorecimento da compressão. A segunda transição tem sua origem na topologia não trivial da faixa de Möbius e corresponde a uma alteração das propriedades topológicas dos domínios do estado fundamental. 3.2 Rede de dipolos em uma faixa de Möbius Consideramos uma rede de dipolos clássicos com a superfície de uma faixa de Möbius. Cada ponto na superfície da faixa pode ser expresso por uma função paramétrica f(ϕ, v) dada por f(ϕ, v) =  R + v cos ϕ 2 ) cos(ϕ)̂i (R + v cos ϕ 2 ) sen(ϕ)ĵ v sen ϕ 2 k̂ (3.1) em que ϕ e v são as coordenadas paramétricas (ou seja, internas) da superfície, e R é o “raio” do círculo central da faixa de Möbius. Para ϕ ∈ [0, 2π) e v ∈ [ −L 2 , L 2 ] , a equação (3.1) produz uma faixa de Möbius com largura L. Antes de descrever a rede de dipolos na superfície da faixa Möbius, é útil introduzir os vetores unitários eϕ = ∂f(ϕ,v) ∂ϕ / ∥∥∥∂f(ϕ,v) ∂ϕ ∥∥∥ ev = ∂f(ϕ,v) ∂v / ∥∥∥∂f(ϕ,v) ∂v ∥∥∥ (3.2) Em cada ponto f(ϕ, v), os dois vetores unitários eϕ e ev são ortogonais entre si e tangenciais à superfície da faixa de Möbius. Deste ponto em diante, eϕ e ev serão referidos como a direção angular e a direção radial na faixa. A superfície paramétrica f(ϕ, v) é mostrada na Figura 3.1, juntamente com as visualizações dos parâmetros descritos acima. Agora, a rede de (N × M) dipolos é colocada na faixa de Möbius. Os pontos da rede são equidistantes nas coordenadas paramétricas, com cons- tantes de rede (paramétricas) de ∆ϕ = 2π/N e ∆V = L/M . Consequente- mente, as posições dos pontos da rede no espaço euclidiano são dadas por rnm = f(n∆ϕ,m∆v − L/2), em que n ∈ [1, N ] e m ∈ [1,M ]. Um exemplo dessa rede com N = 26 e M = 6 pode ser visto na superfície de Möbius na Figura 3.1. Em cada posição rnm, colocamos um dipolo com momento de 37 3.2. REDE DE DIPOLOS EM UMA FAIXA DE MÖBIUS Figura 3.1: Visualização da superfície da faixa de Möbius e dos parâmetros parâmetros da equação (3.1). A grade da malha corresponde a uma rede com 6 × 26 pontos. dipolo dnm. Os dipolos podem girar livremente e interagir por meio de inte- rações dipolo-dipolo. A energia potencial V ij nm resultante da interação entre dois dipolos posicionados em rnm,e rij é então dada por V ij nm = dnm · dij 4πϵ0 ( rijnm )3 − 3 (dnm · rijnm) (dij · rijnm) 4πϵ0 ( rijnm )3 , (3.3) em que rijnm = rnm − rij é o vetor de distância (euclidiana) entre os dois di- polos, e rijnm = |rijnm| a magnitude correspondente. A energia total do sistema pode então ser determinada pela soma de todas as interações entre pares Vtot = ∑ n,m ̸=i,j V ij nm. Estamos interessados em encontrar a configuração do dipolo do estado fundamental da rede, ou seja, a configuração que minimiza Vtot. Como a magnitude dos momentos de dipolo d apenas dimensiona a energia total e não afeta a configuração do dipolo do estado fundamental, podemos, sem perda de generalidade, definir d=|d| = 1. Esse problema de 38 CAPÍTULO 3. REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO otimização depende então de 2MN + 4 parâmetros, a saber, os momentos de dipolo d, os parâmetros da fita R e L e as constantes paramétricas da rede ∆u e ∆v. Para o cálculo das configurações do estado fundamental, con- sideramos que todos os dipolos interagem entre si. No entanto, alguns dos resultados apresentados foram obtidos usando uma aproximação de vizinho mais próximo ou NN (Nearest Neighbors), na sigla em inglês. Essa aproxi- mação NN funciona bem para configurações de equilíbrio reais para sistemas em que a distância NN é pequena em comparação com o raio de curvatura da superfície [53]. Os resultados baseados em cálculos de NN são especificamente mencionados como tais no texto. Além disso, para encontrar as configurações do estado fundamental, usamos um método de eixo principal. O método do eixo principal é um método de otimização numérica que não se baseia em gra- dientes. Em vez disso, o otimizador realiza pesquisas em uma dada direção ao longo de um conjunto de direções que é continuamente atualizada com o intuito de achar um ponto de mínimo da função dada. 3.3 Configurações de equilíbrio do estado fun- damental A configuração dos dipolos no estado fundamental da rede inscrita em uma faixa Möbius é diferente dos estados fundamentais bem conhecidos de redes de dipolo em geometrias “planas”. Isso ocorre porque as distâncias entre os dipolos vizinhos na faixa de Möbius dependem da geometria local de f(ϕ, v). Isso pode ser observado calculando-se as distâncias euclidianas a e b entre os dipolos vizinhos ao longo das direções eϕ e ev a(ϕ, v) = ||f(ϕ, v +∆v)− f(ϕ, v)||, b(ϕ, v) = ||f(ϕ+∆ϕ, v)− f(ϕ, v)||. (3.4) Substituindo a parametrização da fita f(ϕ, v) na equação (3.4) pela equação (3.1) resulta em a = ∆v = L/M, (3.5) 39 3.3. CONFIGURAÇÕES DE EQUILÍBRIO DO ESTADO FUNDAMENTAL para a distância euclidiana entre NN ao longo da direção radial ev, e b2(u, v) = 2R2 (1− cos(∆u)) + vR ( cos (u 2 ) + cos ( u+∆u 2 )) (1− cos(∆u)) + v2 4 ( 2− 2 sin (u 2 ) sin (u+∆u) − 2 cos (u 2 ) cos ( u+∆u 2 ) cos(∆u) ) , (3.6) para a distância euclidiana entre os próximos vizinhos ao longo da direção angular eϕ. O impacto dessa distância variável do vizinho mais próximo nas configurações de equilíbrio do dipolo foi estudado anteriormente [53] e, se- guindo a nomenclatura definida em trabalhos anteriores [53], introduzimos o parâmetro γ = a/b. Para minimizar a energia do sistema, os dipolos favo- recerão o alinhamento ao longo de ev sempre que γ < 1 (ou seja, a < b), e ao longo de eϕ sempre que γ > 1 (ou seja, a > b). Isso ocorre ao fato que os dipolos tendem a se alinhar com seu vizinho mais próximo, minimizando a energia do sistema. Se os parâmetros forem escolhidos de forma que, em alguma parte do faixa de Möbius γ < 1 e em outra parte temos γ > 1, o estado fundamental apresentará dois domínios com diferentes orientações de dipolo separadas por uma parede de domínio. Tal parede provém de algumas propriedades para o sistema como resistência a campos elétricos e serve como uma barreira para excitações, limitando-as ao seu domínio de origem [53]. Um exemplo de configuração de dipolo de estado fundamental na faixa de Möbius com N = 51, M = 9, R = 1 e L = 1, 02 é mostrado na Figura 3.2. Na figura, os dipolos são coloridos de acordo com sua orientação: Dipo- los com d||eϕ são coloridos em verde, enquanto todos os dipolos com d||ev são coloridos em azul. Dipolos com alinhamento significativamente normal à superfície, ou seja, dipolos para os quais d||(eϕ× ev), não puderam ser obser- vados em nenhuma simulação feita. De agora em diante, os termos domínio angular e domínio radial serão usados para se referir, respectivamente, aos domínios em que os dipolos estão predominantemente alinhados ao longo de eϕ e ev. Para melhor visualização desse estado fundamental, a orientação dos dipolos em relação às coordenadas paramétricas ϕ e v é mostrada na Figura 3.2. Um diagrama correspondente de como o parâmetro γ(ϕ, v) muda com as coordenadas paramétricas é mostrado na mesma figura. A partir da comparação entre a orientação dos dipolos e o diagrama de γ mostrada na Figura 3.2, sabemos que a configuração do dipolo do estado 40 CAPÍTULO 3. REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO Figura 3.2: Exemplo de configuração no estado fundamental para N = 51, M = 9, R = 1 e L = 1, 02. (a-c) Visualizações do estado fundamental de diferentes pontos de vista. (d) Visualização dos alinhamentos dos dipolos do estado fundamental na superfície. As posições e os alinhamentos dos dipolos são dados com relação às coordenadas paramétricas ϕ e v. (e) Uma visualização do parâmetro γ = a/b como uma função das coordenadas paramétricas. Consulte o texto para obter detalhes. fundamental pode ser prevista com precisão a partir do parâmetro γ, espe- cialmente quando o espaçamento dos dipolos é pequeno em comparação com o raio de curvatura da superfície. Portanto, podemos obter uma intuição do impacto das variações dos parâmetros no estado fundamental analisando o 41 3.3. CONFIGURAÇÕES DE EQUILÍBRIO DO ESTADO FUNDAMENTAL impacto dessas alterações em γ. Para uma determinada rede de dipolo de dimensão (N ×M), o valor local de γ pode ser afetado pelos parâmetros da fita de Möbius L e R. Para ter uma primeira impressão do comportamento geral de γ, expandimos b(ϕ, v) para a primeira ordem em ∆ϕ em torno de ∆ϕ = 0. Como ∆ϕ = 2π/N , essa é uma boa aproximação no limite de N grande. Com isso, o parâmetro γ pode ser aproximado como γ ≈ L π (N/M)√ 4R2 + 3v2 + 8Rv cos ( ϕ 2 ) + 2v2 cos(ϕ) . (3.7) Consequentemente, em redes com muitos pontos, o parâmetro γ será dimensi- onado globalmente quando a razão N/M muda. É importante notar que qual- quer alteração de L também afetará o intervalo do parâmetro v ∈ [−L/2, L/2]. Portanto, é possível reescrever a equação (3.7) de modo que ela dependa in- teiramente da razão L/R, introduzindo v = 2v/L ∈ [−1, 1]. Alterar a razão L/R não dimensionará γ globalmente. Em vez disso, um aumento em L/R pode aumentar γ em todos os lugares ou (abaixo de um determinado valor de L/R) pode levar a um aumento de γ em algumas partes da rede e a uma diminuição de γ em outras partes. A seguir, o estado fundamental para valores fixos de N/M e R será estudado. Isso reduz o problema de encontrar todas as configurações possíveis do estado fundamental na faixa de Möbius para encontrá-lo como uma função de L. Essas configurações e, especialmente, a distribuição dos dois domínios, são visualizados nos quatro painéis inferiores da Figura 3.3 para vários valores de L. Nesses quatro painéis, é possível observar que, com a variação de L, pode- mos ajustar o tamanho dos dois domínios - com o domínio angular cobrindo toda a superfície para L grande e o domínio radial cobrindo-a para L pequeno. A seguir, analisaremos a mudança de tamanho dos domínios quando L for aumentado. Embora estejamos nos concentrando em um sistema de exem- plo específico, o comportamento mostrado, ou seja, a evolução dos domínios quando L é variado, é geral e ocorre quase exatamente da mesma forma, in- dependentemente dos valores específicos de R e N/M . Entretanto, antes de analisarmos o tamanho do domínio, cabe um comentário final sobre o im- pacto da razão N/M : para determinados valores dessa razão (especialmente em direção aos extremos N ≫ M ou N ≪ M ), pode ser que (dependendo do caso) nem todas as configurações mostradas sejam acessíveis - a menos que L seja tão grande que a superfície se cruze com ela mesma. Além disso, 42 CAPÍTULO 3. REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO Figura 3.3: Tamanho Aϕ do domínio angular como uma função da largura da faixa de Möbius L para N = 101, M = 11 e R = 1. Todos os pontos foram obtidos usando uma aproximação do vizinho mais próximo. O painel inferior mostra exemplos de configurações dos dos quatro regimes para L ∈ [0, 47, 0, 6, 0, 65, 0, 83] obtidos de simulações considerandno que todos os dipolos interagem entre si. nos regimes em que a superfície se intercepta, podem ser encontradas confi- gurações do estado fundamental significativamente diferentes das mostradas neste trabalho. Entretanto, o regime em que a superfície se intercepta está fora do escopo deste trabalho. Para ter uma ideia de como os tamanhos de domínio mudam com L, classificamos os estados fundamentais pela área Aϕ ∈ [0, 2πL] ocupada pelo domínio angular. Observe que Aϕ se refere a área em coordenadas paramétri- cas. Para Aϕ = 0, toda a faixa é ocupada pelo domínio radial, enquanto para 43 3.4. TRANSIÇÃO INDUZIDA POR COMPRESSÃO Aϕ = 2πL, toda a faixa é coberta pelo domínio angular. O valor de Aϕ pode ser obtido para qualquer configuração do estado fundamental simplesmente contando todos os dipolos que se alinham significativamente ao longo de eϕ. A área Ar ocupada pelo domínio radial radial é, então, Ar = 2πL − Aϕ. Os resultados da simulação da área Aϕ ocupada pelo domínio radial em função de L são apresentados na figura 3.3 para estados fundamentais determinados numericamente em uma faixa de Möbius com N = 101, M = 11 e R = 1. Note que os dados mostrados na figura 3.3 são obtidos usando uma aproxi- mação NN. Na figura, quatro regiões claramente distintas podem ser vistas: Na região I, apenas o domínio radial existe. Na região II, tanto o domínio radial quanto o domínio angular coexistem, com o domínio angular aumen- tando de tamanho com o aumento de L. Quando o domínio angular aparece pela primeira vez (a fronteira entre as regiões I e II na Fig. 3), ele emerge do ponto (ϕ, v) = (−π/N,−L/2). A partir daí, o domínio angular crescerá principalmente ao longo de eϕ à medida que L aumenta. À medida que o domínio angular cresce, ele acabará circundando a faixa de Möbius e para L = 2MR sen(π/N) se conectará a si mesmo no ponto (ϕ, v) = (π − π/N, 0). Com o aumento de L, o domínio angular acabará ocupando metade da área total da faixa (a borda entre as regiões II e III na figura 3.3). Ao redor da borda entre as regiões II e III, os tamanhos dos domínios mudam muito ra- pidamente, indicando uma grande sensibilidade desse ponto às variações de parâmetros. Na região III, o domínio angular aumenta ainda mais de tama- nho quando L é aumentado, até que, finalmente, na região IV, ele engloba toda a faixa. Para sistemas com diferentes N/M , não foi possível observar diferenças perceptíveis em relação ao comportamento descrito acima. 3.4 Transição induzida por compressão Será agora demonstrado que a configuração do dipolo no estado funda- mental passa por duas transições distintas se o comprimento L for variado. A variação de L discutida acima também pode ser interpretada como uma compressão ou alongamento adiabático da faixa de Möbius. O comporta- mento da rede durante essa compressão pode ser analisado com o módulo de compressão 2D ou, simplesmente, módulo 2D [65] da tira. O módulo 2D é definido como K = A0 d2E dA2 = L0 2πR d2E dL2 , (3.8) 44 CAPÍTULO 3. REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO em que A é a área da tira, A0 e L0 denotam a área e a largura da tira antes da compressão, e E é a energia total do sistema. O módulo 2D descreve como uma mudança na largura altera a força necessária para comprimir (ou esticar) a tira. Consequentemente, valores pequenos de K indicam que a força necessária muda muito pouco quando L varia, enquanto valores grandes de K implicam em grandes variações na força necessária para comprimir a fita quando L varia. O módulo 2D da Equação (3.8) depende principalmente do comporta- mento da energia total do estado fundamental U(L) do sistema. Essa energia total U(L) em função da largura da faixa L é mostrada na Figura 3.4. É interessante notar que a curva E(L) apresenta um máximo global. De agora em diante, usaremos Lcrit para nos referirmos à largura da faixa de Möbius nesse máximo. Para valores L < Lcrit, a energia aumenta com o aumento da largura da faixa, o que implica que a faixa prefere um estado comprimido e resiste ao alongamento. Por outro lado, para L > Lcrit, a energia diminui com o aumento de L, o que implica que, nesse regime, a compressão da tira requer energia. Essa transição entre o favorecimento da compressão e o favo- recimento do alongamento pode ser entendida a partir dos alinhamentos de dipolo nos domínios radial e angular. É o resultado da competição entre o domínio angular que favorece o alongamento e o domínio radial que favorece a compressão. No domínio radial, os dipolos estão alinhados ao longo de ev e naturalmente preferem que a distância a de seus vizinhos mais próximos ao longo da direção ev seja a menor possível. A minimização de a pode ser obtida globalmente com a diminuição de L. Consequentemente, a diminuição de L reduzirá a energia total proporcional ao número de dipolos no domínio radial. Por outro lado, no domínio angular, os dipolos estão alinhados ao longo de eϕ. Consequentemente, esses dipolos preferirão uma diminuição na distância do vizinho mais próximo b(ϕ + ∆ϕ, v) ao longo da direção eϕ. No entanto, a distância b pode mudar, dependendo da posição na faixa. Além disso, quando L varia, a distância b pode aumentar em algumas partes da faixa e diminuir em outras. Entretanto, devido ao forte decaimento das in- terações dipolo-dipolo, o impacto de uma alteração em L sobre a energia é maior para os dipolos em que b é menor. A distância b(ϕ+∆ϕ, v) é minimi- zada em (ϕ, v) = (−π/N,−L/2), ou seja, na origem do domínio radial. E em torno desse ponto, b diminuirá ainda mais quando L for aumentado. Próximo ao ponto de cruzamento Lcrit , o módulo 2D varia rapidamente e tem um mínimo local. Esse pico no módulo 2D, no entanto, corresponde à fronteira entre as regiões III e IV na Figura 3.2. Para diferentes valores de N , 45 3.4. TRANSIÇÃO INDUZIDA POR COMPRESSÃO Figura 3.4: (a) Energia total E em função da largura da faixa L. (b) O módulo 2D K ≈ d2E/dL2 em função da largura da faixa L. Os dados de energia e módulo 2D foram obtidos para uma faixa de Möbius com N = 101, M = 11 e R = 1. Note que os valores estão em unidades arbitrárias. M e R, esse pico não necessariamente coincide com o máximo de E(L). É in- teressante notar que um segundo pico pode ser visto no módulo 2D, indicando uma segunda transição. Esse segundo pico aparece em uma largura da fita L = 2MR sen(π/N) - muito próximo da transição entre os regimes II e III. Embora esse segundo pico não tenha efeito perceptível sobre a energia total do sistema, ele marca uma mudança significativa na estrutura dos domínios. Para valores de L < 2MRsen(π/N) um pouco abaixo do pico, o domínio ra- dial não só cobre a maior parte da faixa de Möbius, mas também a circunda uma vez, dando ao domínio uma topologia não trivial. Ao mesmo tempo, o domínio angular tem uma topologia trivial para L < 2MR sen(π/N). Em contraste, para L > 2MR sen(π/N) acima do pico, é o domínio angular que tem uma topologia não trivial e o domínio radial é topologicamente trivial. Em resumo, o domínio que se estende (azimutalmente) por toda a faixa de Möbius herda sua topologia não trivial, enquanto os domínios que abrangem 46 CAPÍTULO 3. REDE DE DIPOLOS EM UMA GEOMETRIA NÃO-ORIENTÁVEL SOB COMPRESSÃO apenas uma parte azimutal finita da faixa de Möbius são topologicamente triviais. Conforme descrito acima, durante o cruzamento - à medida que L é aumentado - o domínio angular cresce e se conecta a si mesmo no ponto (ϕ, v) = (π − π/N, 0). Para entender melhor esse cruzamento, é útil analisar γ nas proximidades desse ponto. Primeiro, encontramos dγ(ϕ, v) dϕ ∣∣∣ ϕ→π−π/N, v=0 = dγ(ϕ, v) dv ∣∣∣ ϕ→π−π/N, v=0 = 0, (3.9) indicando que γ sempre tem um ponto crítico em (ϕ, v) = (π−π/N, 0). Além disso, em (ϕ, v) = (π − π/N, 0), a matriz Hessiana das segundas derivadas é indefinida, indicando que o ponto crítico é um ponto de sela. Exatamente para L = 2MR sen(π/N), o valor de γ no ponto de sela se torna γ(π − π/N, 0) = 1. Qualquer pequena alteração em L aumentará (ou diminuirá) γ nas proximidades do ponto de sela. É por isso que, para L < 2MR sen(π/N), é o domínio radial que circunda a faixa de Möbius e, para L > 2MR sen(π/N), é o domínio angular. Para L = 2MR sen(π/N), o sistema atinge um ponto de transição em que nenhum dos dois domínios gira em torno da faixa de Möbius. Para L = 2MR sen(π/N), ambos os domínios são topologicamente triviais; enquanto que para L = 2MR sen(π/N), um deles não é. Embora nossa análise da rede dipolar em uma faixa de Möbius já mostre uma intrincada formação de estrutura para o estado fundamental, há várias direções futuras de pesquisa em aberto. Um caso imediato de investigação seria os estados excitados de baixa energia e suas propriedades. Como e onde surgem os defeitos topológicos e não topológicos e possivelmente as dobras na rede dipolar e como eles “interagem” com as paredes do domínio? As mudanças dos parâmetros geométricos nos limites da fase seriam candidatos promissores para a formação de estruturas dinâmicas e transitórias no regime de energia mais alta. Como perspectiva promissora e de longo prazo, preve- mos a investigação de redes dipolares em superfícies curvas geometricamente e topologicamente mais complexas. Embora exista uma infinidade de tais superfícies, especialmente na estrutura de superfícies mínimas (multiperiódi- cas) [65], o impacto da interação dipolar em superfícies de autointersecção é um problema aberto e intrigante a ser explorado no futuro. Tal sistema é um exemplo dos diversos tipos diferentes de sistemas dinâmicos que apre- sentam transições de fase. Apesar desses sistemas terem sido estudados no passado com o foco na transições de fase [68], o foco desses estudos é muitas vezes resumido a modelos "simples", nos quais é possível escrever uma fun- ção partição capaz de descrever as propriedades estatísticas do sistema. O 47 3.4. TRANSIÇÃO INDUZIDA POR COMPRESSÃO estudo sobre a existência e análise da transição de fase em sistemas com mais graus de liberdade (como o discutido nesse capítulo) ou até mesmo sistemas caóticos é limitado na literatura. Nos próximos capítulos, vamos analisar a presença de uma transição de fase em bilhares dependentes do tempo. Pri- meiramente, iremos estudar a ocorrência de uma transição de fase em um bilhar exótico, uma versão modificada do modelo Bouncer em que o campo em que a partícula está inserido não é homogêneo. 48 CAPÍTULO 4 O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HOMOGÊNEO 4.1 O sistema O modelo estudado neste capítulo é um bilhar exótico, sendo uma variação do modelo bouncer no qual o mecanismo de retorno da partícula à parede móvel se dá por uma força elétrica que depende da posição da partícula. Para ilustrar este sistema, imaginemos uma esfera de raio R com distribuição uniforme de carga −Q < 0 em seu volume com uma cavidade que vai de um hemisfério a outro, passando pelo seu centro, e uma partícula de carga q > 0 que é acelerada pelo campo gerado no interior desta esfera. Consideramos que a cavidade é estreita o suficiente para que a simetria esférica do campo não seja muito alterada. Dentro da cavidade há uma parede que oscila no tempo de acordo com a expressão yw(t′) = l0 + ϵ cos(ωt′ + ϕ0), em que t′ é o tempo, ϵ é a amplitude de oscilação, ϕ0 é a fase inicial, ω é a frequência de oscilação e l0 é a posição ao redor da qual a parede oscila. A figura 4.1 ilustra o modelo bouncer em campo não homogêneo. Devido ao campo elétrico da esfera, a partícula carregada em seu interior sofre o efeito de uma força dada por F = − qQ 4πϵ0R3 y, (4.1) onde y identifica o vetor posição da partícula. Pela segunda lei de Newton 49 4.1. O SISTEMA Figura 4.1: Ilustração do modelo bouncer em campo não homogêneo. temos − qQ 4πϵ0R3 y = mÿ, (4.2) em que m é a massa da partícula. A força dada pela equação (4.2) é restau- radora e a partícula terá um movimento harmônico. Por simplificação, como todos os vetores estão na mesma direção, a notação vetorial foi evitada. Reorganizando os termos podemos escrever a equação acima como ÿ + ω2 fy = 0, (4.3) em que ωf identifica frequência da partícula, dada por ω2 f = qQ 4πmϵ0R3 . A equação acima descreve um movimento similar a de um oscilador harmônico. Isso indica que a partícula tem um movimento oscilatório dentro da cavidade. A carga desce em direção a parede móvel devido a força elétrica que atua sobre ela, uma vez na zona de colisões, a partícula sofre uma colisão com a parede, invertendo o sinal da velocidade da carga. Caso retirássemos a parede móvel, a partícula desceria através da cavidade passando pelo equador da esfera e, eventualmente, a força elétrica que atua na carga, mudaria de sentido e ela subiria na cavidade. Esse movimento oscilatório de "subida"e "descida"é descrito pela equação (4.3). A solução desta equação é dada por y(t′) = Dn cos(ωf t ′) + En sen(ωf t ′), (4.4) em que Dn e En são constantes determinadas a partir do conhecimento da 50 CAPÍTULO 4. O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HOMOGÊNEO posição yn e velocidade vn da partícula em um tempo t′n. Dessa forma temos Dn = ẏ2(t ′ n)yn(t ′ n)− y2(t ′ n)vn(t ′ n) ωf , (4.5) En = y1(t ′ n)vn(t ′ n)− yn(t ′ n)ẏ1(t ′ n) ωf , (4.6) em que y1(t′n) = cos(ωf t ′) e y2(t′n) = sen(ωf t ′). Contudo, é apropriado descrevermos o sistema em termos de variáveis adimensionais. Definimos, portanto, Yw = yw/l0 e ε = ϵ/l0 como a posição e a amplitude da parede móvel, respectivamente. Definimos, também, t = t′ω como a nova variável tempo, Ω = ωf/ω como constante que relaciona a frequência de oscilação da partícula devido ao campo elétrico e a frequência da parede. Definimos ainda a nova variável fase ϕ(t) = t+ϕ0. Utilizar ϕ como variável independente ao invés do tempo pode é útil, uma vez que podemos limitá-la entre 0 e 2π. Sendo assim, descrevemos a posição da parede oscilante como Yw = 1 + ε cos(ϕ) e da partícula como Y (t) = dn cos(Ωt) + en sen(Ωt), em que dn = Dn/l0 e en = En/l0. 4.2 O mapa Considere que tn seja o instante da n-ésima colisão da partícula com a parede móvel. Neste instante, a posição da parede é Yw(tn). A partícula então parte desta posição com velocidade Vn. Sem perda de generalidade, consideremos que Vn > 0 indicando que, imediatamente após a colisão n, o movimento da partícula é para cima. A carga então sobe e, devido à ação da força elétrica, retorna à posição da parede oscilante Yw em um intervalo de tempo. No instante da próxima colisão, a fase da parede é dada por ϕn+1 = ϕn + ∆tn+1, em que ∆tn+1 é o intervalo entre as colisões n e n + 1. Assim, a colisão n + 1 ocorre no instante tn+1 = tn + ∆tn+1 que satisfaz a relação Y (tn+1) = Yw(tn+1), ou seja, dn cos(Ω(tn+∆tn+1))+en sen(Ω(tn+∆tn+1))−1−ε cos(tn+∆tn+1+ϕ0) = 0. (4.7) Como a equação acima não possui solução analítica, encontramos o valor de ∆tn+1 numericamente após cada colisão. 51 4.2. O MAPA Figura 4.2: Os referenciais S e S ′ e os vetores posição da partícula R e R’ e o da parede A análise do efeito da colisão na velocidade necessita da descrição do movimento da partícula nos referenciais da parede fixa e da parede móvel. A figura 4.2 ilustra os vetores posição envolvidos no cálculo de mudança entre referenciais em um espaço bidimensional. No referencial S a partícula se move com velocidade V = Ṙ e a origem do referencial S ′ com velocidade Vw = Ṙw. Sendo V’ = R’ a velocidade da partícula no referencial da parede, temos que a relação entre as velocidades é dada por V = V’ + Vw, (4.8) onde Vw = −ε sen(ϕ)ĵ. Imediatamente antes da colisão, temos que, no refe- rencial da parede, V’i = V−Vw e, como a colisão é elástica, a velocidade da partícula nesse referencial após a colisão é V’f = −V’i, ou seja V’f = [dnΩ sen(Ωtn+1)− enΩcos(Ωtn+1)− ε sen(ϕn+1)] ĵ. (4.9) Imediatamente após a colisão temos que a velocidade da partícula é dada pela equação (4.8). Utilizando o V ′ obtido na equação (4.9) e, considerando que a colisão não altera a velocidade da parede móvel, temos que a velocidade da partícula após a colisão é dada por Vn+1 = V’f − ε sen(ϕn+1)ĵ, ou seja, Vn+1 = dnΩ sen(Ω(ϕn+1−ϕ0))−enΩcos(Ω(ϕn+1−ϕ0))−2ε sen(ϕn+1). (4.10) Definimos ρn e δn tais que dn = ρn cos(δn) e en = ρn sen(δn). Dessa forma, escrevemos o mapa bidimensional do modelo bouncer em campo não 52 CAPÍTULO 4. O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HOMOGÊNEO Figura 4.3: O espaço de fase do bouncer com campo não homogêneo para ε = 10−3 e Ω = 0, 03. homogêneo como ϕn+1 = ϕn +∆tn+1, Vn+1 = ρnΩ sen(Ω(ϕn+1 − ϕ0)− δn)− 2ε sen(ϕn+1), (4.11) em que ∆tn+1 é obtido pela equação (4.7) e que ρn e δn são dados, respecti- vamente, por ρn = √ d2n + e2n, (4.12) δn = arctan(en/dn). (4.13) A figura 4.3 ilustra o espaço de fase do modelo com ε = 10−3 e Ω = 0, 03. O espaço de fase foi construído a partir da iteração do mapa (4.11) utilizando diversas condições iniciais no espaço ϕ×V com ϕ ∈ (0, 2π] e V0 ∈ (0, 01; 0, 09]. Podemos destacar duas regiões no espaço de fase. Para velocidades peque- nas nota-se uma região de movimento caótico chamada mar de caos, dentro da 53 4.3. O MODELO SIMPLIFICADO qual existem diversas ilhas periódicas também chamadas de ilhas Kolmogorov- Arnold-Moser (KAM). Essa região de caos é delimitada pela curva invariante de mais baixa energia. Essa curva separa o mar de caos da região de energias maiores, impedindo que a partícula apresente aceleração de Fermi [69]. O interior das ilhas KAM é uma região proibida para uma órbita pertencente ao mar de caos, ou seja, uma órbita que está vinculada ao interior de alguma dessa ilhas jamais sairá dela. De forma análoga, nenhuma órbita do mar de caos pode adentrar as ilhas. Acima da primeira curva invariante existem outras regiões de movimento regular e caótico. Para valores de V suficiente- mente grandes, notamos apenas regiões de movimento regular no espaço de fases. Isso faz sentido fisicamente, uma vez que a troca de momento entre a parede e a partícula não altera significativamente o módulo da sua velocidade, o que resulta nas curvas invariantes spanning. A presença e o tamanho das regiões caóticas dependem do valor dos parâmetros ε e Ω. As figuras 4.4 e 4.5 mostram os espaços de fases para diferentes valores de Ω e com ε = 10−3. Na figura 4.4, Ω é muito maior que ε. Para tais valores observamos que conforme Ω diminui, as regiões caóticas aparecem. Dessa forma, as curvas invariantes começam a desaparecer e regiões de caos que eram localizadas eventualmente se juntam formando o mar de caos. Existe um valor limite de Ω abaixo do qual o espaço de fases fica praticamente inalterado, como podemos observar na figura 4.5. O mesmo resultado foi observado com diferentes valores de ε. No caso em que Ω é muito pequeno, temos que a frequência da parede é muito maior que ωf , parâmetro esse relacionado com a intensidade da força elétrica. Sendo assim, o intervalo entre duas colisões será longo e a parede oscilará diversas vezes até que a partícula retorne até ela. Dessa forma, perde- mos a correlação entre o movimento da parede e o da partícula, o que resulta em trajetórias caóticas. 4.3 O modelo simplificado Na última seção mostramos que o tempo entre as colisões é obtido resol- vendo numericamente uma equação transcendental. No entanto, existe uma simplificação do modelo na qual desprezamos o deslocamento da parede, ou seja, consideramos que a posição da parede móvel é Yw = 1. Dessa forma, reescrevemos a equação (4.7) dn cos(Ω(tn +∆tn+1)) + en sen(Ω(tn +∆tn+1))− 1 = 0. (4.14) 54 CAPÍTULO 4. O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HOMOGÊNEO Figura 4.4: Três espaços de fases para valores diferentes de Ω e com ε = 10−3. Elevar o valor Ω resulta no aumento da correlação entra a posição da parede na colisão n e a colisão n+1, o que leva ao surgimento de regiões de movimento regular no espaço de fases. Figura 4.5: Espaços de fases para diferentes valores de parâmetro. Note que existe um valor de Ω abaixo do qual o espaço de fase fica praticamente inalterado. 55 4.3. O MODELO SIMPLIFICADO Figura 4.6: Espaço de fases do modelo simplificado para ε = 10−3 e Ω = 0, 03. Fazendo a transformação dn = ρ cos(δ) e en = ρ sen(δ), a equação acima fica equivalente a ρn cos(Ω(tn +∆tn+1)− δn)− 1 = 0. (4.15) O intervalo entre as colisões no modelo simplificado é então obtido isolando ∆tn+1 na equação acima: ∆tn+1 = 1 Ω [ δn − Ωtn + arccos ( 1 ρn )] . (4.16) Nesta simplificação, apesar de desprezarmos o movimento da parede móvel, consideramos que a transferência de momento entre ela e a partícula ainda ocorre conforme descrito no modelo completo. A figura 4.6 ilustra o espaço de fases do modelo simplificado para ε = 10−3 e Ω = 0, 03. A versão simplificada é útil pois além de diminuir o gasto computacional, ela permite a obtenção de resultados analíticos importantes, aplicáveis também à versão completa. 56 CAPÍTULO 4. O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HOMOGÊNEO 4.4 Estabilidade dos pontos fixos Como já foi discutido no capítulo 2, os pontos fixos em mapas ocorrem quando as seguintes relações são satisfeitas Vn+1 = Vn = V ∗, (4.17) ϕn+1 = ϕn = ϕ∗ + 2πm. (4.18) Sendo (ϕ∗, V ∗) as coordenadas do ponto fixo. Para obter a posição dos pontos fixos neste sistema é conveniente utilizar o modelo simplificado. Considerando que ∆tn+1 + tn = tn+1 reescrevemos a equação (4.15) como ρn cos(Ωtn+1 − δn)− 1 = 0 (4.19) Nas coordenadas do ponto fixo temos que δn = δ∗ = arctan(V ∗/Ω) e ρn = ρ∗ = √ Ω2 + V ∗2/Ω. Além disso, reescrevemos tn+1 como ϕn+1 − ϕ0 que nas coordenadas do ponto fixo é equivalente à 2πm, sendo m um inteiro. Reescrevemos então a equação acima como ρ∗ cos(2πmΩ− δ∗)− 1 = 0, (4.20) lembrando que ρ∗ e δ∗ são funções de V ∗. Sendo assim, encontramos as coordenadas V ∗ dos pontos fixos resolvendo numericamente a equação (4.20). De maneira análoga, as coordenadas ϕ∗ dos pontos fixos foram encontradas substituindo os valores de V ∗ na equação de Vn+1 do mapa. É possível encontrar as coordenadas ϕ∗ dos pontos fixos analiticamente. Para isso, isolamos ρ∗ na equação (4.20) obtendo cos(2πmΩ− δ∗) = Ω√ Ω2 + V ∗2 . (4.21) Utilizando a identidade trigonométrica cos2(2πmΩ−δ∗)+sen2(2πmΩ−δ∗) = 1 temos que sen(2πmΩ− δ∗) = V ∗ √ Ω2 + V ∗2 . (4.22) Substituindo a equação acima na equação (4.11) avaliada nas coordenadas do ponto fixo (ϕ∗, V ∗), obtemos V ∗ = V ∗ − 2ε sen(ϕ∗). (4.23) Para cada valor de V ∗ temos dois pontos fixos associados aos dois valores possíveis de ϕ∗, um em ϕ = 0 e outro em ϕ = π. Diretamente desta equação 57 4.4. ESTABILIDADE DOS PONTOS FIXOS vemos que sen(ϕ∗) = 0. Como o mapa está definido com ϕ no intervalo [0, 2π) temos que ϕ∗ = 0 ou ϕ∗ = π. Para determinar a estabilidade dos pontos fixos devemos obter os autova- lores da matriz J =  ∂Vn+1 ∂Vn ∂Vn+1 ∂ϕn ∂ϕn+1 ∂Vn ∂ϕn+1 ∂ϕn  . (4.24) No caso do modelo simplificado os elementos da matriz J são dados por ∂Vn+1 ∂Vn = (Vn sen[Ω(ϕn+1 − ϕ0)− δn] + Ω cos[Ω(ϕn+1 − ϕ0)− δn])√ Ω2 + V 2 n − 2ε ∂ϕn+1 ∂Vn cos(ϕn+1, ) (4.25) ∂Vn+1 ∂ϕn = −2ε cos(ϕn+1), (4.26) ∂ϕn+1 ∂Vn = 2 Ω2 + V 2 n , (4.27) ∂ϕn+1 ∂ϕn = 1. (4.28) Como foi discutido na introdução, os autovalores são obtidos resolvendo a equação det(J− ΛI) = 0, (4.29) em que I é a matriz identidade 2× 2. Os autovalores obtidos são Λ = 1 2 [ 1 + l − k ± √ k2 + l2 − 2kl − 2l − 2k + 1 ] , (4.30) onde k = 4ϵ Ω cos(ϕ∗) e l = cos(2πmΩ − δ∗). Substituindo as coordenadas dos pontos fixos (ϕ∗, V ∗) na equação (4.30) obtemos os autovalores para um determinado ponto fixo. Todos aqueles com ϕ∗ = π observados são pontos de sela. Para certas combinações de valores de parâmetros é possível que o argumento da equação (4.30) seja negativo para ϕ∗ = 0, o que resulta em autovalores complexos. Dessa forma, os pontos fixos com ϕ∗ = 0 podem ser pontos elípticos ou pontos de sela dependendo dos parâmetros e dos valores de m. A figura 4.7 mostra o comportamento dos autovalores em função de m para o sistema com ε = 10−5 e Ω = 10−2. O símbolo Λπ representa os autovalo- res associados aos pontos fixos em ϕ∗ = π enquanto o símbolo Λ0 representa 58 CAPÍTULO 4. O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HOMOGÊNEO Figura 4.7: A figura ilustra os valores característicos dos pontos fixos para ε = 10−5 e Ω = 10−2. Λπ e Λ0 são, respectivamente, os autovalores dos pontos fixos em ϕ∗ = π e ϕ∗ = 0 e m um número inteiro que corresponde ao número de oscilações que a parede móvel completou entre colisões. aqueles associados aos pontos fixos em ϕ∗ = 0. A notação Im(Λ0) indica a parte imaginária dos autovalores associados aos pontos fixos em ϕ∗ = 0 en- quanto Re(Λ0) indica a parte real deste. Para cada ponto fixo em ϕ∗ = π existem dois autovalores associados, um deles com valor absoluto maior que 1 e outro menor que um, o que caracteriza um ponto de sela. Existem também pontos fixos cujos autovalores são complexos, como foi visto na introdução, esses pontos fixos são caracterizados como elípticos. O gráfico mostra o com- portamento dos autovalores conforme m varia. O valor máximo de m foi determinado usando a equação de Vn+1 do mapa. Isolando-se ϕn+1 obtemos, nas coordenadas do ponto fixo, ϕ∗ = arcsen ( ρ∗Ω sen(2πmΩ− δ∗)− V ∗ 2ε ) . (4.31) Portanto, para certos valores de m o argumento do arcosseno fica maior que 1 e ϕ∗ não pode ser determinado, o que indica que não existe ponto fixo para esses valores de m. 59 4.4. ESTABILIDADE DOS PONTOS FIXOS Figura 4.8: A figura ilustra os valores característicos dos pontos fixos para ε = 10−3 e Ω = 10−2. Para valores diferentes dos parâmetros é possível que os pontos fixos com ϕ∗ = 0 também sejam pontos de sela para regiões com energia mais baixa. A figura 4.8 ilustra um desses casos. O primeiro gráfico da figura 4.8 mostra o comportamento de |Λπ−| e |Λ0+|. Como os valores absolutos dos autovalores são menores que um, temos que estes estão associados às variedades estáveis dos pontos fixos. O segundo gráfico mostra os autovalores Λ0−, Λπ+. Como os autovalores são maiores que um eles estão associados às variedades instáveis dos pontos fixos. Dessa forma, para essa combinação de valores de parâmetros todos os pontos fixos são pontos de sela para m < 40. Conforme m aumenta, a parte imaginária dos autovalores dos pontos fixos em ϕ∗ = 0 deixa de ser zero, indicando que esses são agora pontos fixos elípticos. O terceiro gráfico mostra os valores das partes reais e imaginárias dos autovalores Λ0 para m ≥ 40. 60 CAPÍTULO 4. O MODELO BOUNCER EM CAMPO NÃO HO