UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE GUARATINGUETÁ GABRIEL BORDERES MOTTA Potencial Gravitacional Usando Mascons e a Dinâmica ao Redor de Corpos Irregulares Guaratinguetá 2018 Gabriel Borderes Motta Potencial gravitacional usando mascons e a dinâmica ao redor de corpos irregulares Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, para a ob- tenção do título de Doutor em Física. Orientador: Prof. Dr. Othon Cabo Winter GUARATINGUETÁ 2018 DADOS CURRICULARES GABRIEL BORDERES MOTTA NASCIMENTO 14.08.1989− Itajaí / Brasil FILIAÇÃO Fernando da Silva Motta Tânia Regina Borderes Motta 2007/2011 Curso de Graduação Bacharelado em Física Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá Universidade Estadual Paulista-UNESP 2012/2014 Curso de Pós-Graduação em Física, Nivel de Mestrado Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá Universidade Estadual Paulista-UNESP 2014/2018 Curso de Pós-Graduação em Física, Nivel de Doutorado Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá Universidade Estadual Paulista-UNESP Dedico este trabalho ao meu avô Daniel Ligério Borderes. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar a Deus por minha vida, inteligência, força de vontade e saúde. À minha mãe, Tânia Regina Borderes Motta, por me trazer à vida, prover amor, cozi- nhar tão bem e pela criação. Ao meu pai, Fernando da Silva Motta, que junto com minha mãe é o maior responsável pela pessoa que sou. Às minhas irmã, Mariana e Isabel Borderes Motta, pelo companheirismo de confiden- cialidade de irmãos. À minha namorada, Bárbara Celi Braga Camargo, por dividir comigo as alegrias e tristezas desses anos de formação e por me motivar a buscar ser sempre mais de mim mesmo. Ao meu orientador, Othon Cabo Winter, pela paciência e ensinamentos inestimáveis, sem o qual esse trabalho não poderia ser realizado. À todos os meus demais mestres, professores e orientadores, em especial à Profa. Dra. Maria Cecília França de Paula S. Zanardi. Aos meus grandes amigos de vida, Thales, Dany, Paulo, Simone, Isabel, Bruno e asso- ciados, por muitas experiências vividas, que me deram força e apoio, além de me mante- rem sóbrio e são. Aos amigos de formação, Ricardo, Thiago, Rubia, Josué, Rodolfo, Rafael, Dino, Nil- ton e todos os colegas da pós graduação, por sempre proporcionaram boa companhia, momentos de alegria e apoio quando precisei. Agradeço em especial ao Ricardo, pelo modelo em Latex nas normas da biblioteca que funciona, mesmo não tendo sido pago pra isso. Aos companheiros de trabalho que me auxiliaram direta ou indiretamente no meu tra- balho, André, Prof. Ernesto, Prof. Rafael, Helton, Luiz, Tamires e Tais. À minha tia madrinha Tete e aos meus tios e primos, que mesmo distantes me deram todo o apoio possível. Ao Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia por proporcionar experiencias de traba- lho e de pesquisa de alto nível. À Faculdade de engenharia de Guaratinguetá, por me fornecer um ambiente de estudo onde meu caminho pode ser trilhado nestes últimos 11 anos. Aos pets presentes nesse período, fornecendo grande alegria, Bowie, Milu e Mel. Este trabalho contou com o suporte financeiro da Co- ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES “Aprovecha ahora que eres joven para sufrir todo lo que puedas, que estas cosas no duran toda la vida.” Gabriel García Márquez Nota Devido ao grande volume de gráficos e dados numéricos apresentados nesta tese, e a fim de compatibilizar a transferência de resultados entre aplicações de software e a escrita do texto, tomamos a liberdade de utilizar o padrão norte americano como marcador decimal, no qual o símbolo “ . ” (ponto) representa o separador decimal em vez do símbolo “ , ” (vírgula) adotado na língua portuguesa. RESUMO Em geral, pequenos corpos do sistema solar, como asteroides e cometas, têm uma forma muito irregular, o que afeta significativamente o seu potencial gravitacional, dificultando os estudos da dinâmica ao redor destes corpos. Uma primeira aproximação é a expan- são em harmônicos esféricos, onde os termos C20 e o C22 caracterizam a irregularidade do corpo. Usamos essa aproximação em superfícies de secção de Poincaré para estudar as regiões próximas ao planeta anão Haumea, onde foi observado um anel. A partir do mapeamento feito pela técnica de superfície de secção de Poincaré, foi possível identifi- car Famílias de órbitas periódicas e regiões estáveis. Duas Famílias de órbitas periódicas foram destacadas, a primeira uma Família de segundo tipo associada à ressonância 1:3 (Família ressonante) e a segunda uma Família de primeiro tipo (Família central). As si- mulações indicam que as partículas do anel podem estar em órbitas da Família central. Já a Família ressonante, não pode ser responsável pelo anel devido a excentricidade de suas órbitas e da sua posição. Para simular de forma mais realista a irregularidade de um pequeno corpo, é usada uma melhor aproximação para o cálculo do potencial gravitaci- onal. O modelo de concentração de massa, ou modelo de mascons, é uma aproximação discreta da forma de um corpo, capaz de simular um potencial irregular, assimétrico e tri- dimensional. A esse modelo é aplicada a superfície de secção de Poincaré, com o objetivo de estudar a dinâmica da região próxima ao asteroide 4179 Toutatis. Quatro Famílias de órbitas periódicas são destacadas e estudadas. Uma Família é de primeiro tipo e as outras três são de segundo tipo associadas às ressonâncias 3:1, 2:1 e 2:3. Apesar do potencial gravitacional tridimensional ser adotado em uma ferramenta usualmente bidimensional, é possível analisar como um problema bidimensional quando a variação na terceira dimen- são é baixa. Estudando em conjunto as superfícies de secção de Poincaré e a variação máxima na terceira dimensão, verifica-se a estabilidade ou não das trajetórias simuladas. PALAVRAS-CHAVE: Superfície de secção de Poincaré. Mascon. Harmônicos esfé- ricos. Pequenos corpos irregulares. 216 Kleopatra. 4179 Toutatis. Haumea. ABSTRACT In general, small bodies of the Solar system, e.g. asteroids and comets, have a very irregular shape. This feature affects significantly the gravitational potential around these irregular bodies, which hinders dynamical studies. A first approximation is an expansion in spherical harmonics, where C20 and C22 characterize the irregularity of the body. This approach is used on Poincaré surfaces of sections to study regions close to the dwarf planet Haumea. This regions are where the observed ring. By the technique of Poincaré surface of section, it was identified Families of periodic orbits and stable regions. Two Families of periodic orbits were studied, the first Family is a second type associated with the 1:3 resonance (resonant Family) and the second Family is a first type (central Family). During the simulations the ring particles can be in orbits of the central Family. But the resonant Family can not be responsible for the ring due the eccentricity and position of their orbits. In order to more realistically simulation of the irregularity of the body, a better approximation is necessary for the computation of the gravitational potential. The mass concentration model, or mascon model, is a discrete approximation of the shape of a body. This model simulates an irregular, asymmetric and three-dimensional potential. This model was applied in a Poincaré surfaces of section, mainly to study the dynamics of the region close to the asteroid 4179 Toutatis. Four Families of periodic orbits were studied. One of then is a first type and the others were the second type and associated with the resonances 3:1, 2:1 and 2:3. Although the three-dimensional gravitational potential is adopted in a usually two-dimensional tool, it is possible to analyze as a two-dimensional problem when the variation in the third dimension is low. By a analyzing of the Poincaré surfaces of section and a maximum variation in the free dimension together, the stability of the simulated trajectories is measured. KEYWORDS: Poincaré surface of section. Mascon. Spherical harmonics. Small irregular bodies. 216 Kleopatra. 4179 Toutatis. Haumea. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Esquema gráfico de Haumea e seu anel. . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Figura 2 - Poliedro que simula a forma irregular do asteroide 216 kleopatra. Com 2048 vértices em 4092 faces. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Figura 3 - Pontos de equilíbrio do asteroide 216 kleopatra. Três pontos internos e quatro pontos externos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Figura 4 - Poliedro que simula a forma irregular do asteroide 4179 Toutatis. Com 6400 vértices em 12796 faces. Dados fornecidos em NATIONALAe- ronauticsandSpaceAdministration (2017). . . . . . . . . . . . . . . . 25 Figura 5 - Pontos de equilíbrio do asteroide 4179 Toutatis. Um ponto interno e quatro pontos externos. Dados cedidos pela mestra Tamires dos San- tos de Moura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 Figura 6 - Superfície de secção de Poincaré paraCj = 3.050 (adimensional) para um problema circular restrito de três corpos com uma razão específica de massa segundo Winter; Murray (1994a). . . . . . . . . . . . . . . 28 Figura 7 - Ilhas de estabilidade destacadas das superfície de secção de Poincaré, um par de cada quantidade de ilhas, sendo uma simétrica e uma assi- mética em relação ao eixo ẋ = 0. a- uma ilha (simétrica); b- uma ilha (assimétrica); c- duas ilhas (simétrica); d- duas ilhas (assimétrica); e- três ilhas (simétrica); f- três ilhas (assimétrica); g- quatro ilhas (simé- trica); h- quatro ilhas (assimétrica). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Figura 8 - Superfície de secção de Poincaré para a- Cj = 3.150, b- Cj = 3.147, c- Cj = 3.140 e d- Cj = 3.104 (adimensional) para um problema circular restrito de três corpos com uma razão específica de massa segundo Winter; Murray (1997b). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Figura 9 - Curvas para obtenção do ponto de equilíbrio no eixo x > 0. . . . . . . 34 Figura 10 - Superfícies de secção de Poincaré para Cj = 0.8000, 0.8100 e 0.8250 km2/s2. Foram definidas as condições iniciais com x0 ≥ 2000 km. Em verde e rosa estão indicadas ilhas de estabilidade bifurcadas de segunda ordem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Figura 11 - Superfície de secção de Poincaré paraCj = 0.8180 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. . . . . 37 Figura 12 - Superfície de secção de Poincaré paraCj = 0.8250 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. . . . . 37 Figura 13 - Superfície de secção de Poincaré paraCj = 0.8270 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. . . . . 38 Figura 14 - Superfície de secção de Poincaré paraCj = 0.8277 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. . . . . 38 Figura 15 - Evolução das Famílias I e II nas superfícies da secção de Poincaré. Uma amostra das maiores ilhas de estabilidade, uma ilha intermediária e os pontos dentro que representam a órbita periódica mostrando a estrutura para diferentes valores de Cj . As cores correspondentes aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Figura 16 - A órbita periódica da Família I no sistema girante para constante Ja- cobi 0.8180 km2/s2. As cores indicam a velocidade no sistema iner- cial. A órbita é dividida em 20 partes com passos de tempo iguais e os pontos são numerados para mostrar a sequência da trajetória. . . . . . 40 Figura 17 - A órbita periódica da Família II no sistema girante para constante Ja- cobi 0.8180 km2/s2. As cores indicam a velocidade no sistema iner- cial. A órbita é dividida em 20 partes com passos de tempo iguais e os pontos são numerados para mostrar a sequência da trajetória. . . . . . 40 Figura 18 - Órbita periódica da Família I: a esquerda no sistema girante, plano xy; a direita no sistema inercial, plano xy. As órbitas são integradas ao longo de três períodos rotacionais de Haumea. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Figura 19 - Órbita periódica da Família II: a esquerda no sistema girante, plano xy; a direita no sistema inercial, plano xy. As órbitas são integradas ao longo de três período de uma rotação de Haumea. As cores corres- pondem aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Figura 20 - A maior órbita quase periódica (em azul) e a órbita ressonante (em vermelho) da Família I no sistema girante para diferentes valores de Cj . Para Cj = 0.8277 km2/s2 a libração das órbitas quase periódicas é mínima, de forma a estarem encobertas pelas órbitas periódicas. . . 43 Figura 21 - A maior órbita quase periódica (em azul) e a órbita ressonante (em vermelho) da Família II no sistema girante para diferentes valores de Cj . Para Cj = 0.8277 km2/s2 a libração das órbitas quase periódicas é mínima, de forma a estarem encobertas pelas órbitas periódicas. . . . 44 Figura 22 - Órbita periódica da Família Central: a esquerda no sistema girante, plano xy; a direita no sistema inercial, plano xy. As órbitas são in- tegradas ao longo de três períodos rotacionais de Haumea. As cores correspondentes aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . 45 Figura 23 - Gráfico deCj pelo período orbital das Famílias ressonante e central. A Família ressonante compreende os dados que são comuns às Familias I e II. É destacada em vermelho o período exato da ressonância 1:3 (período orbital : período rotacional). . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 24 - Gráfico de semi-eixo maior pela excentricidade das Famílias central e ressonante, e do anel observado em (ORTIZ et al., 2017). A Família ressonante compreende os dados que são comuns às Familias I e II. . 47 Figura 25 - Região de estabilidade gerada pela Família central. A região cinza compreende a extensão das órbitas quase-periódicas associadas a Fa- mília, a região azul denota a região do anel, a curva vermelha denota as órbitas periódicas da Família central e a linha tracejada indica a aproximação da ilhas da Família ressonante do centro. . . . . . . . . 48 Figura 26 - Sequência dos vértices de um tetraedro para que o determinante dê positivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 27 - Tetraedro com um ponto de teste e os tetraedros formados entre as faces e o ponto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 28 - Pontos distribuídos ao redor do asteroide 216 kleopatra. . . . . . . . . 55 Figura 29 - Distância radial pelo módulo do erro relativo comparando os clusters de mascons obtidos por distribuição em grade e por tetraedro. . . . . . 57 Figura 30 - Distância radial pelo módulo do erro relativo comparando os clusters de mascons obtidos por distribuição em grade para diferentes valores de espaçamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Figura 31 - Distância radial pelo módulo do erro relativo comparando os clusters de mascons obtidos por distribuição em tetraedros para diferentes va- lores de mascons por tetraedro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Figura 32 - Parte do asteroide 216 kleopatra com um tetraedro marcado em ver- melho que cruza a concavidade do corpo. . . . . . . . . . . . . . . . 60 Figura 33 - Diagrama esquemático de uma órbita ao redor do corpo fixo no sis- tema girante. x0 marca a posição inicial e a seta azul indica a veloci- dade na posição inicial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Figura 34 - Superfícies de secção de Poincaré para Cj = 1.20, 2.10 e 2.25. Foram definidas as condições iniciais com x0 ≥ 2.6 km. Até mil pontos por condição inicial são gerados para cada condição inicial. As curvas associadas à Família 1 são indicadas em roxo, Família 2 em laranja, Família 3 em verde e Família 4 em vermelho. . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 35 - Casos ilustrativos de curvas de velocidade zero indicadas pela região proibida (em azul). O caso a- Cj = 2.003 e o caso b- Cj = 2.004. . . . 67 Figura 36 - Exemplo de órbitas centrais da Família 1: a- no sistema girante (xy); b- no sistema inercial (xy). As órbitas completaram apenas um ciclo na sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . 68 Figura 37 - Exemplo de órbitas centrais da Família 1: a- projeção das trajetórias no plano xz; b- projeção das trajetórias no plano yz, ambas são apre- sentadas no sistema girante. As órbitas completaram muitos ciclos no sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . 68 Figura 38 - Órbita central com Cj = 2.25 para vários ciclos orbitais. A forma é semelhante às bordas de um paraboloide hiperbólico. . . . . . . . . . 69 Figura 39 - Projeção da órbita central (vermelho) e a órbita quase-periódica (azul) da Família 1. a- no plano xy; b- no plano xz; c- no plano yz. A constante de Jacobi para essa órbita é 2.25. . . . . . . . . . . . . . . . 69 Figura 40 - Evolução temporal dos elementos osculantes semi-eixo maior, excen- tricidade e inclinação da Família 1. Órbita central com Cj = 2.25. As linhas vermelhas indicam um ciclo orbital completo no sistema girante. 70 Figura 41 - Evolução do período orbital para as órbitas centrais da Família 1, quando projetadas no plano de rotação, em função da constante de Jacobi. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Figura 42 - A evolução da Família 2 na superfície de secção de Poincaré. Uma amostra com um par de ilhas de maior amplitude de libração orbi- tal, um par de ilhas intermediárias e os pontos dentro das ilhas que representam a órbita central para diferentes valores de Cj . As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . . 72 Figura 43 - Órbita central da Família 2 no sistema girante para a constante de Jacobi 2.25. As cores indicam o módulo da velocidade no sistema inercial. A órbita é dividida em 23 partes de mesmo intervalo temporal e os pontos são numerados de forma a mostrar a sequência da trajetória. 73 Figura 44 - Órbitas centrais da Família 2: a- sistema girante, plano xy; b- sis- tema inercial, plano xy. A órbita completa apenas um ciclo no sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . 73 Figura 45 - Órbitas centrais da Família 2: a- projeção da trajetória no plano xz; b- projeção da trajetória no plano yz, ambos são apresentados no sistema girante. A órbita completa vários ciclos no sistema girante. As cores correspondem aos diferentes valores de Cj . . . . . . . . . . . . . . . 74 Figura 46 - Evolução do semi-eixo maior, excentricidade e inclinação da órbita central da Família 2 com Cj = 2.25. A linha vermelha corresponde a um período orbital completo no sistema girante. . . . . . . . . . . . . 74 Figura 47 - Evolução temporal da inclinação na Família 2 com Cj = 2.25. . . . . 75 Figura 48 - Evolução do período orbital das órbitas centrais da Família 2 quando projetadas no sistema girante como função da constante de Jacobi. . . 75 Figura 49 - A maior órbita quase-periódica (azul) e a órbita central (vermelho) da Família 2 no sistema girante para diferentes valores de Cj . . . . . . . 76 Figura 50 - A evolução da Família 3 na superfície de secção de Poincaré. Uma amostra com um par de ilhas de maior amplitude de libração orbi- tal, um par de ilhas intermediárias e os pontos dentro das ilhas que representam a órbita central para diferentes valores de Cj . As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Figura 51 - Órbitas centrais da Família 3: a- sistema girante, plano xy; b- sis- tema inercial, plano xy. A órbita completa apenas um ciclo no sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . 78 Figura 52 - Órbitas centrais da Família 3: a- projeção da trajetória no plano xz; b- projeção da trajetória no plano yz, ambos são apresentados no sistema girante. A órbita completa vários ciclos no sistema girante. As cores correspondem aos diferentes valores de Cj . . . . . . . . . . . . . . . 79 Figura 53 - Evolução do semi-eixo maior, excentricidade e inclinação da órbita central da Família 3 com Cj = 1.76. A linha vermelha corresponde a um período orbital completo no sistema girante. . . . . . . . . . . . . 79 Figura 54 - Evolução temporal da inclinação na Família 3 com Cj = 1.76. . . . . 80 Figura 55 - Evolução da período orbital das órbitas centrais da Família 4 quando projetadas no sistema girante como função da constante de Jacobi. . . 80 Figura 56 - A maior órbita quase-periódica (azul) e a órbita central (vermelho) da Família 3 no sistema girante para diferentes valores de Cj . . . . . . . 81 Figura 57 - A evolução da Família 4 na superfície de secção de Poincaré. Uma amostra com um par de ilhas de maior amplitude de libração orbi- tal, um par de ilhas intermediárias e os pontos dentro das ilhas que representam a órbita central para diferentes valores de Cj . As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Figura 58 - Órbita central da Família 4 no sistema girante para a constante de Jacobi 1.33. As cores indicam o módulo da velocidade no sistema inercial. A órbita é dividida em 20 partes de mesmo intervalo temporal e os pontos são numerados de forma a mostrar a sequencia da trajetória. 83 Figura 59 - Órbitas centrais da Família 3: a- sistema girante, plano xy; b- sis- tema inercial, plano xy. A órbita completa apenas um ciclo no sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . . . . . . 83 Figura 60 - Órbitas centrais da Família 3: a- projeção da trajetória no plano xz; b- projeção da trajetória no plano yz, ambos são apresentados no sistema girante. A órbita completa vários ciclos no sistema girante. As cores correspondem aos diferentes valores de Cj . . . . . . . . . . . . . . . 84 Figura 61 - Evolução do semi-eixo maior, excentricidade e inclinação da órbita central da Família 4 com Cj = 1.28. A linha vermelha corresponde a um período orbital completo no sistema girante. . . . . . . . . . . . . 85 Figura 62 - Evolução temporal da inclinação na Família 4 com Cj = 1.28. . . . . 85 Figura 63 - Evolução da período orbital das órbitas centrais da Família 4 quando projetadas no sistema girante como função da constante de Jacobi. . . 86 Figura 64 - A maior órbita quase-periódica (azul) e a órbita central (vermelho) da Família 2 no sistema girante para diferentes valores de Cj . . . . . . . 87 Figura 65 - Súperfície de secção de Poincaré para Cj = 3.00 e os limites de va- riação no eixo z para cada condição inicial. Um conjunto de ilhas de estabilidade é indicado em vermelho. . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 Figura 66 - Superfície de secção de Poincaré para Cj = 2.25 e os limites de va- riação no eixo z para cada condição inicial. Uma trajetória caótica é indicada em azul e um par de ilhas de estabilidade é indicada em vermelho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Figura 67 - Superfície de secção de Poincaré para Cj = 2.10 e os limites de varia- ção no eixo z para cada condição inicial. As estruturas caóticas estão indicadas em diferentes cores para cada condição inicial. . . . . . . . 90 Figura 68 - Superfície de secção de Poincaré para Cj = 1.80 e os limites de vari- ação no eixo z para cada condição inicial. As estruturas caóticas são indicadas em cores diferentes para cada condição inicial. Trajetórias que colidiram com o asteroide são indicadas por quadrados vermelhos. 91 Figura 69 - Superfície de secção de Poincaré para Cj = 1.20 e os limites de vari- ação no eixo z para cada condição inicial. As estruturas caóticas são indicadas em cores diferentes para cada condição inicial. Trajetórias que colidiram com o asteroide são indicadas por quadrados vermelhos. 92 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Grades de mascons usados para comparação das diferentes distribuições. 55 Tabela 2 - Tempo de execução do cálculo do potencial gravitacional. . . . . . . . 59 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2 CORPOS IRREGULARES E SUAS PROPRIEDADES . . . . . . . . . . 21 2.1 HAUMEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.2 216 KLEOPATRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.3 4179 TOUTATIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ AO REDOR DE UM CORPO MODELADO POR UM ELIPSOIDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3.1 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3.2 SIMULAÇÕES NUMÉRICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.3 CONSIDERAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 4 MODELO DE CONCENTRAÇÃO DE MASSA - MASCONS . . . . . . 50 4.1 MODELO DE GRADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 4.2 MODELO DE TETRAEDRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 4.3 CÁLCULO DE POTENCIAL GRAVITACIONAL E COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS DE MASCONS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 4.4 OS PROBLEMAS DE CONCAVIDADE E DENSIDADE DE MASCONS . 60 5 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ AO REDOR DO ASTE- ROIDE 4179 TOUTATIS: MODELO DE MASCONS . . . . . . . . . . . 62 5.1 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 5.2 SIMULAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 5.2.1 Familia 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 5.2.2 Família 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 5.2.3 Família 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 5.2.4 Família 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5.2.5 O efeito 3-D . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 5.3 COMENTÁRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 6.1 PERSPECTIVAS FUTURAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 19 1 INTRODUÇÃO Dentre os corpos celestes conhecidos, existem corpos que não possuem massa sufi- ciente para atingir o equilíbrio hidrostático. Ou seja, as formas desses corpos são irre- gulares. Podemos chamar estes corpos de pequenos e irregulares, pela comparação com os demais corpos celestes. Asteroides, cometas e alguns satélites são pequenos corpos irregulares. Apesar de pequenos, estes corpos são relevantes e despertam o interesse da comunidade científica. Esse interesse se deve a dados sobre a origem do sistema so- lar, que esses corpos possam conter, o perigo que representam à vida na Terra e mesmo a possibilidade de mineração (ABELL et al., 2017). Muitos estudos já foram realiza- dos graças às missões espaciais como a NEAR-Schoemaker (PROCKTER et al., 2002) da NASA, a Hayabusa (KAWAGUCHI; FUJIWARA; UESUGI, 2008) da JAXA e a ROSETTA (ROLL; WITTE; ARNOLD, 2016) da ESA. Essas três missões visitaram respectivamente os asteroides 433 Eros, 25143 Itokawa e o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Outras missões ainda estão ativas ou a caminho de seus alvos como, a Hayabusa-2 (KAWAGU- CHI; FUJIWARA; UESUGI, 2008) da JAXA e OSIRES-Rex (LAURETTA et al., 2017) da NASA, endereçadas aos asteroides 162173 1999 JU3 e 101995 Bennu, respectivamente. Para o sucesso dessas missões, são necessários planejamentos robustos que levem em conta a dinâmica da sonda e da região por onde ela passará. Contudo, o conhecimento que se têm de um corpo irregular antes da aproximação da sonda advém exclusivamente de dados observacionais obtidos na Terra, ou em órbita da Terra por telescópios espaciais. No presente trabalho propomos duas modelagens para o corpo irregular aplicadas a uma ferramenta de dinâmica. As duas modelagens usam dados observacionais para de- senvolver o cálculo do potencial gravitacional do corpo irregular. A primeira é a expansão no potencial gravitacional em termos de harmônicos esféricos em segunda ordem. A se- gunda é a modelagem de mascons (mass concentration) que consistem em uma grade de pontos massivos distribuídos no volume do corpo simulado. A ferramenta de dinâmica usada é a superfície de secção de Poincaré, que em poucas palavras é um mapa no espaço de fase capaz de fornecer dados sobre estabilidade, instabilidade e ressonâncias. A técnica desenvolvida foi aplicada a dois corpos, o planeta anão Haumea e o asteroide 4179 Toutatis. Usamos dados de Haumea, cujo os dados observacionais são precisos, em relação à suas dimensões, e resultam em um elipsoide de superfície suave. Mesmo assim aplicamos a expansão em harmônicos para o potencial gravitacional, por estarmos interessados em estudar a região que contêm o anel (ORTIZ et al., 2017). Todavia, apesar de estar em equilíbrio hidrostático, os coeficientes gravitacionais de Haumea são altos, 20 o que faz com que a modelagem se compare a uma primeira aproximação de um corpo irregular. Para o asteroide 4179 Toutatis usamos dados obtidos durante uma aproximação que o asteroide teve com a Terra (HUDSON; OSTRO, 1995). Entre os dados o polyhedron shape model (modelo que simula a forma de um corpo irregular por meio de um poliedro) do asteroide foi usado, o que possibilita a construção do modelo de mascons. O estudo realizado para o asteroide 4179 Toutatis apresenta uma nova proposta onde usamos a superfície de secção de Poincaré nos moldes adotados para um problema planar em um problema tridimensional com movimento na terceira dimensão devido à não si- metria do potencial gravitacional usado. Apresentamos uma abordagem onde, a variação máxima na terceira dimensão auxilia nas análises sobre estabilidade das órbitas simula- das. O objetivo deste trabalho é apresentar e testar uma abordagem para o estudo da dinâ- mica ao redor de corpos irregulares. Esse estudo deve prover dados acerca da estabili- dade, instabilidade e condições de ressonância entre rotação do corpo irregular e a órbita de uma partícula. Pela uso da superfície de secção de Poincaré, pretende-se ainda, um mapeamento amplo e sistemático ao redor do corpo irregular. Na sequência deste trabalho, no capítulo 2, são introduzidos os objetos de estudo, o planeta anão Haumea e os asteroides 216 Kleopatra e 4179 Toutatis. No capítulo 3 é apresentado o modelo usado para obter a superfície de secção de Poin- caré, a partir de um potencial definido por uma expansão de segunda ordem nos harmôni- cos esféricos. A técnica é aplicada à Haumea de forma a estudar a região onde se encontra o anel. Foram encontradas regiões de estabilidade para explicar a presença do anel. No capítulo 4 são apresentadas duas abordagens para o modelo de mascons, que se diferenciam na forma de distribuir os pontos no volume do corpo. Uma denominamos modelo de mascons de grade e a outra de modelo de mascons de tetraedro. As duas abordagens são aplicadas ao asteroide 216 Kleopatra para poderem ser comparadas com o objetivo de justificar a escolha de uma delas para aplicação no trabalho. No capítulo 5 é apresentado o modelo usado para obter a superfície de secção de Poin- caré, a partir de um potencial definido por mascons. A técnica é aplicada ao asteroide 4179 Toutatis. São identificadas 4 Famílias de órbitas periódicas, que são estudadas mais profundamente. Um estudo completo nas secções de Poincaré é realizado com o auxílio dos limites de variação na terceira dimensão. E por fim são destacadas as semelhanças e diferenças entre a técnica usada e a de uma superfície de secção de Poincaré bidimensio- nal. Finalmente, no capítulo 6 são apresentados os comentários finais sobre o trabalho de- senvolvido. 21 2 CORPOS IRREGULARES E SUAS PROPRIEDADES Neste capítulo serão apresentados o planeta anão Haumea e os asteroides 216 Kleopa- tra e 4179 Toutatis. Estes corpos são utilizados nas simulações, sendo que o planeta anão é simulado a partir de seus coeficientes gravitacionais e os dois asteroides por meio do modelo de mascons. Serão exploradas individualidades desses corpos, que os fazem bons alvos para as abordagens desejadas. 2.1 HAUMEA Haumea é um dos quatro planetas anões conhecidos, com órbita além da de Netuno, (ORTIZ et al., 2017). Este corpo foi descoberto em dezembro de 2004 por Brown et al. (2005) junto com seus satélites Hi’iaka e Namaka. Haumea recebeu esse nome em ho- menagem à deusa do parto e da fertilidade na mitologia havaiana, sendo que na mitologia Hi’iaka e Namaka são filhos de Haumea que foram gerados a partir de partes do corpo da mãe. Acredita-se que os satélites tenham vindo do corpo principal do planeta anão, por isso a ligação com a divindade havaiana (INTERNATIONAL, 2017C). Além de possuir dois satélites, sua forma alongada e seu curto período de rotação (∼ 3.9155 h) o tornam um alvo de grande interesse para pesquisas. Recentemente uma nova característica de Haumea foi descoberta, a presença de um anel (ORTIZ et al., 2017), o que o tornou o segundo corpo (que não é um planeta) do sistema solar a possuir um anel. Assumimos neste trabalho, que Haumea tenha uma forma elipsoidal de semi eixos a = 1161, b = 852 e c = 513 km (ORTIZ et al., 2017). Dessa forma, as constantes gravitacionais consideradas são C20 = −1.55 × 1011m2 e C22 = 3.11 × 1010m2. Na figura 1 é apresentado um esquema gráfico desse formato de Haumea, bem como o anel, com sua largura estimada de 70 km e centrado a 2287 km do centro de Haumea (ORTIZ et al., 2017). 22 Figura 1: Esquema gráfico de Haumea e seu anel. fonte: Produção do próprio autor. No capítulo 3, será explorada a dinâmica da região próxima à Haumea onde está o anel. Através da secção de superfície de Poincaré pretendemos estudar a estabilidade e possíveis ressonâncias, que propiciaram a permanência do anel. Hi’iaka tem semi-eixo orbital de 49880 km e Namaka de 25657 km Brown et al. (2005), ou seja a distância entre os satélites e Haumea é uma ordem de grandeza maior que a distância do sistema de anéis a Haumea. Os raios de Hill de Hi’iaka e Namaka em relação à Haumea são∼ 5406 km e∼ 1022 km respectivamente. Devido a essa distância e a complexidade que envolveria adicionar os satélites nas simulações, não pretendemos estudar em conjunto a dinâmica que envolve os satélites. 2.2 216 KLEOPATRA 216 Kleopatra é um asteroide do cinturão principal, descoberto em 10 Abril 1880 pelo astrônomo austríaco Johann Palisa no observatório Pola (INTERNATIONAL, 2017A). Além dos dois satélites (DESCAMPS et al., 2011), a forma altamente irregular (figura 2) descrita em detalhes em Ostro et al. (2000) motivaram diversos trabalhos acerca da dinâ- mica (YU; BAOYIN, 2012; CHANUT et al., 2015; HIRABAYASHI; SCHEERES, 2014). A forma complexa do asteroide 216 Kleopatra, fez desse o melhor candidato para explorar as diferentes distribuições de mascons apresentadas no capítulo 4. O asteroide 216 Kleo- patra tem dimensões 217× 94× 81 km, com o volume de aproximadamente 7.09× 105 km3 (OSTRO et al., 2000), o que o faz um asteroide grande, quando comparado a outros asteroides do sistema solar. 23 Figura 2: Poliedro que simula a forma irregular do asteroide 216 kleopatra. Com 2048 vértices em 4092 faces. fonte: NATIONALAeronauticsandSpaceAdministration (2017). O período de rotação do asteroide é de 5.385 horas (OSTRO et al., 2000), o que influ- encia muito na dinâmica ao redor desse corpo (MOURA, 2016). Esse período reflete na localização dos pontos de equilíbrio externo, sendo a distância entre alguns dos pontos e a superfície muito menor do que o raio médio do asteroide, como mostra a figura 3. 24 Figura 3: Pontos de equilíbrio do asteroide 216 kleopatra. Três pontos internos e quatro pontos externos. fonte: Comunicação privada com mestra Tamires dos Santos de Moura. 2.3 4179 TOUTATIS Asterix e Obelix é um desenho que conta a história de dois gauleses da única tribo da Gália não dominada pelos romanos em 50 a.C., cujo único medo é que o céu possa cair em suas cabeças um dia. Essa foi a inspiração para o astrônomo francês, Christian Pollas, dar o nome do deus Gaulês protetor da tribo ao 4179 Toutatis (INTERNATIONAL, 2017B), asteroide da família Apollo que têm potencial de colisão com a Terra. O período orbital do 4179 Toutatis é de 1473.27 dias e suas dimensões são de 1.70 × 2.03× 4.26 km (HUDSON; OSTRO; SCHEERES, 2003), e por ser um NEA (Near Earth Asteroid) frequentemente se aproxima da Terra. Essas aproximações possibilitaram a observação deste corpo por radiotelescópios em 1992 (HUDSON; OSTRO, 1995), e pela sonda Chang´e-2 durante um fly-by em 2012 (HUANG et al., 2013). Essas observações se traduziram em dados sobre a órbita, estado de rotação e estrutura do asteroide 4179 Toutatis. Foi obtido um polyhedron shape model(modelo que simula a forma de um corpo ir- regular por meio de um poliedro)(SIMONELLI et al., 1993) para o 4179 Toutatis. O 25 poliedro (figura 4) que o simula possui 6400 vértices e 12796 faces (HUDSON; OSTRO; SCHEERES, 2003). Consideramos densidade de 2.5 g/cm3 e massa de ∼ 1.97× 1013 kg (Scheeres et al. 1998). Figura 4: Poliedro que simula a forma irregular do asteroide 4179 Toutatis. Com 6400 vértices em 12796 faces. Dados fornecidos em NATIONALAeronauticsandSpaceAdmi- nistration (2017). fonte: Produção do próprio autor. O asteroide 4179 Toutatis apresenta um período de rotação peculiar de 176.4 horas, quando a maioria dos asteroides observados têm período orbital inferior a 10 horas. Essa característica influencia significativamente na dinâmica ao redor desse asteroide. Como pode se observar na figura 5, os pontos de equilíbrio externo são varias vezes o raio médio do corpo, ou seja, são bem mais afastados quando comparamos com os pontos de equilíbrio externo de 216 Kleopatra, por exemplo. Isso facilita um estudo da dinâmica na região interna aos pontos de equilíbrio. No Capítulo 5 essa região interna aos ponto de equilíbrio será amplamente estudada. 26 Figura 5: Pontos de equilíbrio do asteroide 4179 Toutatis. Um ponto interno e quatro pontos externos. Dados cedidos pela mestra Tamires dos Santos de Moura. −20 −15 −10 −5 0 5 10 15 20 −20 −15 −10 −5 0 5 10 15 20 y (k m ) x (km) fonte: Produção do próprio autor 27 3 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ AO REDOR DE UM CORPO MO- DELADO POR UM ELIPSOIDE Neste capítulo pretendemos analisar a dinâmica da região ao redor do planeta anão Haumea, buscando regiões estáveis que possam confirmar características observadas, como o anel de Haumea. Para esse estudo utilizamos superfície de secção de Poincaré, que consiste em um mapa no espaço de fase capaz de prover informações sobre estabili- dade, estruturas orbitais e ressonâncias. 3.1 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ A técnica de superfície de secção de Poincaré tem sido aplicada amplamente e com sucesso em dinâmica orbital. Um número significativo de estudos do problema circular restrito de três corpos, através da superfície de secção de Poincaré, foram realizados nos últimos 50 anos, como por exemplo Hénon (1965a,b, 1966a,b, 1969); Jefferys (1971). Esses estudos, em geral, consideram um sistema girante onde os corpos primário e se- cundário estão fixos no sistema e apenas o terceiro corpo descreve um movimento livre, que cruza uma secção definida no sistema. Quando a partícula cruza essa secção defi- nida, seus dados são plotados em um espaço de fase bidimensional formando um mapa. Esse mapa é capaz de prover inúmeras informações sobre a dinâmica do terceiro corpo, tais como estabilidade e ressonância orbital. Um trabalho mais abrangente sobre super- fícies de secção de Poincaré, para uma razão específica de massa entre o corpo primário e secundário, foi realizado há duas décadas em Winter; Murray (1994b,a). Nesses atlas, (WINTER; MURRAY, 1994B,A), é possível acompanhar a evolução de diversas estruturas presentes na superfícies de secção de Poincaré. Usando o problema restrito de três corpos para o sistema Sol-Júpiter-partícula, Winter; Murray (1997a,b) analisaram ressonâncias de primeira ordem e regiões de libração. Winter (2000) aplicou a técnica de superfície de secção de Poincaré para o sistema Terra-Lua-partícula, onde regiões de estabilidade e órbitas periódicas foram encontradas, bem como a máxima amplitude de libração das órbitas quase-periódicas (órbitas dinamicamente influenciadas por uma órbita periódica). As superfícies de secção de Poincaré são mapas criados no espaço de fase, de pontos dados pelo cruzamentos da órbita de uma partícula sem massa com uma secção fixa no sis- tema. Os mapas são criados para um valor fixo de constante de Jacobi (Cj), constante que será melhor discutida na sequência deste capítulo. Um exemplo desse mapa é apresen- tado na figura 6, retirada de Winter; Murray (1994a). A primeira vista, pontos espalhados 28 no mapa dominam uma grande região da fígura. Esses pontos preenchem aleatoriamente toda uma região. Esses pontos espalhados são criados por órbitas caóticas. As falhas ou regiões não preenchidas por pontos aleatórios são regiões estáveis. As trajetórias caóticas não penetram nas regiões estáveis nem mesmo passam por ela, caso uma região estável separe duas regiões instáveis. Figura 6: Superfície de secção de Poincaré para Cj = 3.050 (adimensional) para um problema circular restrito de três corpos com uma razão específica de massa segundo Winter; Murray (1994a). fonte: Winter; Murray (1994a). Curvas fechadas se formam dentro das regiões estáveis, estas curvas serão chamadas de ilhas de estabilidade. Cada ilha de estabilidade é formada por uma única órbita quase- periódica. As órbitas quase-periódicas são chamadas assim por que não possuem um período definido, no entanto seguem o comportamento de uma órbita periódica ficando ao redor dela. As órbitas quase-periódicas demarcam regiões, de forma que uma órbita quase-periódicas não invada ou cruze a região de uma outra órbita quase-periódica. No centro de todas as ilhas de estabilidade de uma região estável há um ponto. Este ponto é formado por uma órbita periódica que todas as vezes que cruza a secção, passa pelo mesmo ponto no espaço. Essas órbitas periódicas podem ser classificadas em dois tipos (POINCARÉ; MAGINI, 1899). As órbitas periódicas de primeiro tipo são órbitas quase circulares que não estão associadas a nenhuma ressonância e as de segundo tipo 29 são órbitas associadas à ressonância. Na superfície de secção de Poincaré as órbitas pe- riódicas de primeiro tipo são identificadas por ilhas de estabilidade individuais, enquanto de segundo tipo podem ser identificada por ilhas unitárias, por pares de ilhas ou por um número inteiro qualquer de ilhas de estabilidade. Dessa forma é possível identificar que a órbita periódica é de segundo tipo pelas superfície de secção de Poincaré, caso ela tenha mais de uma ilha de estabilidade. Figura 7: Ilhas de estabilidade destacadas das superfície de secção de Poincaré, um par de cada quantidade de ilhas, sendo uma simétrica e uma assimética em relação ao eixo ẋ = 0. a- uma ilha (simétrica); b- uma ilha (assimétrica); c- duas ilhas (simétrica); d- duas ilhas (assimétrica); e- três ilhas (simétrica); f- três ilhas (assimétrica); g- quatro ilhas (simétrica); h- quatro ilhas (assimétrica). fonte: Winter; Murray (1997b). Na figura 7 são apresentados 8 exemplos de ilhas de estabilidade, sendo dois de ilhas unitárias, dois de um par de ilhas, dois de um trio de ilhas e dois exemplos com grupos de quatro ilhas. Todas essas ilhas são órbitas quase-periódicas ao redor de órbitas periódicas de segundo tipo. 30 Figura 8: Superfície de secção de Poincaré para a- Cj = 3.150, b- Cj = 3.147, c- Cj = 3.140 e d- Cj = 3.104 (adimensional) para um problema circular restrito de três corpos com uma razão específica de massa segundo Winter; Murray (1997b). fonte: Winter; Murray (1997b). O número de ilhas de estabilidade é o mesmo número da ordem da ressonância ao qual a órbita periódica está associada (WINTER; MURRAY, 1997B). Em outras palavras, as ilhas de estabilidade das figuras 7a e b libram ao redor de uma órbita periódica associada a uma ressonância de movimento médio de primeira ordem, as figuras 7c e d de segunda ordem, as figuras 7e e f de terceira ordem e as figuras 7g e h de quarta ordem, sendo que as ressonâncias de movimento médio são respectivamente 2:3, 1:2, 3:5, 1:3, 2:5, 1:4, 3:7 31 e 1:5 (WINTER; MURRAY, 1997B). As órbitas periódicas em geral podem ser agrupadas em Famílias. As Famílias de órbitas periódicas são conjuntos de órbitas periódicas de primeiro tipo ou de segundo tipo com a mesma ressonância, que se apresentam continuamente em um intervalo de Cj variando sua estrutura e sua localização de forma suave nas superfícies de secção de Poincaré. É destacado na figura 7, que cada par de gráficos com o mesmo número de ilhas de estabilidade, uma é simétrica em relação a ẋ = 0 e a outra é assimétrica. As ilhas assi- métricas indicam órbitas periódicas bifurcadas de uma Família de órbitas periódicas do segundo tipo de ressonância de movimento médio 1:j, onde j = 2, 3, 4, 5 (WINTER; MURRAY, 1997B). A Família de órbita periódica bifurca em duas Famílias de órbitas periódicas de mesma ressonância. Na figura 8 são apresentadas superfícies de secção de Poincaré para um intervalo de- crescente de Cj . Em destaque no centro, uma ilha de estabilidade que bifurca a medida que o Cj é menor. Após a bifurcação, duas ilhas que se completam simetricamente apre- sentam as duas novas Famílias de órbitas periódicas. Todavia, cada uma das duas regiões estáveis é preenchida por um conjunto distinto de condições iniciais. Uma condição ini- cial pode gerar uma ilha de estabilidade ou um ponto apenas na região estável para ẋ > 0 ou na região estável para ẋ < 0. A superfície de secção de Poincaré pode ser usada também para o estudo de problema de dois corpos, corpo primário massivo e uma partícula sem massa, quando o corpo pri- mário apresenta uma rotação. Nesse caso, ao invés do movimento orbital entre corpo primário e secundário, é o movimento rotacional do corpo primário que dá o movimento do sistema girante. Dessa forma, o corpo primário está fixo no sistema girante e o corpo secundário tem movimento livre e passa a ser o objeto do estudo. Da mesma forma que no problema restrito de três corpos, a superfície de secção de Poincaré aplicada ao pro- blema de dois corpos é capaz de prover informações sobre estabilidade e ressonância, mas nesse caso a ressonância é spin-órbita (entre rotação do corpo primário e a órbita do corpo secundário). No contexto da aplicação da técnica de superfície de secção de Poin- caré aplicada a um problema de dois corpos, Broucke; Elipe (2005) consideraram um anel circular para modelar o potencial gravitacional e encontrar várias Famílias de órbitas periódicas, bem como estruturas dinâmicas ao redor do anel. Silva; Winter; Prado (2009) analisaram a região em torno de formas planares (um placa quadrada e uma triangular) através da superfície de secção de Poincaré e determinaram regiões estáveis e instáveis. Najid; Haj Elourabi; Zegoumou (2011) usou a superfície de secção de Poincaré em torno de um segmento reto. Esse segmento foi definido perpendicular ao sistema girante, e sua densidade varia simetricamente em relação ao plano de rotação. O potencial gravitacional gerado por este segmento é bidimensional, uma vez que a densidade do segmento é uma função que torna o potencial gravitacional simétrico. Feng; Hou (2017) utilizaram uma expansão em harmônicos esféricos de segunda ordem para modelar o potencial gravita- 32 cional de um corpo. A partir desse potencial, foram calculadas superfícies de secção de Poincaré, que auxiliaram no estudo da dinâmica ao redor do corpo. No presente capítulo, adaptamos o modelo de expansão em harmônicos esféricos usado em Feng; Hou (2017), para simular o potencial gerado pelo planeta anão Haumea. Dessa forma, pudemos estudar a dinâmica da região próxima ao corpo, região muito importante devido à presença de um anel. Portanto, o estudo pode prover informações sobre essa estrutura recém descoberta (ORTIZ et al., 2017). Para o desenvolvimento do modelo, é necessário o uso de equações do movimento definidas no sistema girante (Oxyz), dado em Scheeres et al. (1996): ẍ = ω2x− 2ωẏ + ∂U ′ ∂x (1) ÿ = ω2y + 2ωẋ+ ∂U ′ ∂y (2) z̈ = ∂U ′ ∂z (3) onde U ′ é o potencial gravitacional e ω a velocidade rotacional de Haumea. Utilizamos como normalização: rsinc = ( GM ω2 )1/3 = 1 para as distâncias, 1 ω = 1 para o tempo e M = 1 para a massa. Sendo que rsinc é o raio orbital síncrono do caso kepleriano, ω é a velocidade de rotação e M a massa de Haumea. Dessa forma, as equações do movimento passam a ser: ẍ = x− 2ẏ + ∂U ∂x , (4) ÿ = y + 2ẋ+ ∂U ∂y (5) z̈ = ∂U ∂z (6) onde U é o potencial gravitacional adimensional, que pode ser expresso como (HU; SCHEERES, 2004): U = 1 r + C20 r3 ( 3 2 z2 r2 − 1 2 ) + 3C22 r5 ( x2 − y2 ) (7) onde C20 = −1.55 × 1011m2 e C22 = 3.11 × 1010m2 são os coeficientes gravitacionais (ORTIZ et al., 2017), r é a distância do centro de massa do sistema ao ponto onde se está calculando o potencial e x, y e z são as coordenadas de r (distância da partícula à origem do sistema. A partir da equação 7 se obtêm as seguintes derivadas do potencial gravitacional ∂U ∂x = − x r3 + C20 ( 3 2 x r5 − 15 2 xz2 r7 ) + C22 ( x 6 r5 − 15 r7 x ( x2 − y2 )) , (8) 33 ∂U ∂y = − y r3 + C20 ( 3 2 y r5 − 15 2 yz2 r7 ) + C22 ( y 6 r5 − 15 r7 y ( x2 − y2 )) e (9) ∂U ∂z = − z r3 + C20 ( 3 2 z r5 + 3 z r5 − 15 2 z3 r7 ) − C22 15 r7 z ( x2 − y2 ) , (10) que são usadas nas equações do movimento. Uma quantidade conservada, tal como a constante de Jacobi (Cj), é útil para a análise das equações de movimento. Esta constante é explicitamente calculada em Scheeres et al. (1996). Cj = (x2 + y2) + 2U − ẋ2 − ẏ2 − ż2. (11) A constante de Jacobi é fixa em cada mapa plotado, o que faz com que o problema seja reduzido em um grau de liberdade. As equações (4-6) são numericamente integradas através do integrador Burlish-Stoer (BULIRSCH; STÖER, 1966). A secção é fixada no plano y = 0 e as condições iniciais são distribuídas sistematicamente sobre o eixo x. É definido y0 = z0 = ẋ0 = ż0 ≡ 0 e ẏ0 é calculado a partir de Cj (Eq. 11). Durante a integração, as condições da órbita são guardadas a cada instante que acontece o cruzamento da trajetória com a secção de- finida em y = 0 e com ẏ > 0. O método de Newton-Rapson é utilizado para obter uma precisão no cruzamento da órbita da mesma ordem da usada no integrador (10−13). Os pontos guardados são plotados no espaço de fase (x, ẋ), construindo assim, as superfície de secções de Poincaré. 3.2 SIMULAÇÕES NUMÉRICAS Para começar as simulações, é interessante definir a região a ser estudada, bem como as constantes de Jacobi e o sentido da velocidade inicial. Como o nosso interesse está na região do anel, fixamos o intervalo das condições iniciais em 2000 < x < 3000 km variando com passos de 10 km, que contêm o anel observado, que vai de 2252 a 2322 km (ORTIZ et al., 2017). Para saber o sentido da velocidade inicial é preciso encontrar o ponto de equilíbrio. Para encontrar o ponto de equilíbrio a seguinte relação deve ser satisfeita (JIANG et al., 2014): ∂V ∂x = ∂V ∂y = ∂V ∂z = 0 (12) onde V = (x2 + y2) 2 + U (13) 34 dessa forma, a relação para encontrar o ponto de equilíbrio no eixo x é dada por: x = −∂U ∂x (14) Plotando separadamente as curvas x e −∂U ∂x , podemos obter no cruzamento das curvas o ponto de equilíbrio em x > 0, como se verifica na figura 9. Figura 9: Curvas para obtenção do ponto de equilíbrio no eixo x > 0. 1218.62 x (km) x -∂ U / ∂ x fonte: Produção do próprio autor. Como a região, onde foi observado o anel, está mais afastada de Haumea que o ponto de equilíbrio, necessariamente a velocidade na condição inicial deve ser contrária a rota- ção do sistema, ou seja, ẏ < 0. Essa região apresenta dinâmica semelhante à observada na região externa do problema de três corpos, ou seja, quando o terceiro corpo apresenta raio orbital maior que o raio orbital da partícula que orbita os sistema. Portanto podemos usar como guia os estudos realizados em Winter; Murray (1994a); Winter; Murray (1997b). Variamos a constante de Jacobi até encontrar alguma estrutura na região explorada. Encontramos estruturas a partir Cj = 0.8000 km2/s2, e evoluímos até Cj = 0.9000 km2/s2. A figura 10 apresenta três exemplos de superfícies de secção de Poincaré ob- tidas nas simulações. É possível identificar na figura 10, estruturas que indicam órbitas órbitas periódicas, órbitas quase periódicas, ilhas de estabilidade, órbitas periódicas res- sonantes e trajetórias caóticas, como descrito anteriormente neste capítulo. Os resultados preliminares são construídos com condições iniciais sempre com ẋ = 0. Posteriormente varia-se ẋ, nas condições iniciais, para encontrar outras estruturas, como por exemplo as ilhas de estabilidade marcadas em rosa e verde na superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8250 km2/s2. 35 Figura 10: Superfícies de secção de Poincaré para Cj = 0.8000, 0.8100 e 0.8250 km2/s2. Foram definidas as condições iniciais com x0 ≥ 2000 km. Em verde e rosa estão indica- das ilhas de estabilidade bifurcadas de segunda ordem. -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 1900 2000 2100 2200 2300 2400 2500 2600 2700 2800 x. ( m /s ) x (km) 0.8000 (km 2 /s 2 ) -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 1900 2000 2100 2200 2300 2400 2500 2600 2700 2800 x. ( m /s ) x (km) 0.8100 (km 2 /s 2 ) -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 1900 2000 2100 2200 2300 2400 2500 2600 2700 2800 x. ( m /s ) x (km) 0.8250 (km 2 /s 2 ) fonte: Produção do próprio autor. Nas superfícies de secção de Poincaré, procuramos estruturas que indicassem resso- nância 1:3 (período orbital da partícula:período de rotação de Haumea), ressonância em que estaria o anel (ORTIZ et al., 2017). Apenas uma estrutura com essa característica 36 foi encontrada nas secções estudadas, trata-se das ilhas de estabilidade marcadas em rosa e verde na figura 10. A evolução das ilhas, e consequentemente das Famílias de órbitas periódicas, é apresentada nas figuras de 11 a 14. Nas 4 figuras um conjunto de ilhas de estabilidade preenchem o centro da superfície. No centro dessas ilhas estão órbitas perió- dicas de primeiro tipo pertencentes a uma Família que denominaremos central, e que será estudada em mais detalhes na sequência a este capítulo. Um par de ilhas de estabilidade é apresentado em verde e outro par em rosa. Essas ilhas de estabilidade são originárias de condições iniciais diferentes e são a bifurcação de uma Família de órbita periódica associada a uma ressonância de ordem dois. As órbitas periódicas nos centros de cada par de ilhas pertencem à Famílias de órbitas periódicas distintas, essas Famílias serão deno- minadas I e II, e quando estudadas juntas serão chamadas de Família ressonante. Usamos neste trabalho Famílias de órbitas periódicas como definição para um conjunto de órbitas periódicas de estrutura semelhante e que estão presentes em um intervalo contínuo de Cj . A figura 11 é a superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8180 km2/s2, essa secção é a de menor valor de Cj em que encontramos as ilhas de estabilidade associadas à ressonância de ordem dois. A não existência das ilhas para Cj de valores menores e mesmo a pequena largura que ela apresenta para Cj = 0.8180 km2/s2, se deve a região caótica onde as ilhas se encontram. Para distinguir as duas órbitas periódicas associada a uma ressonância e as quase-periódicas ao redor delas, indicamos pela cor verde as órbitas pertencentes à Família I e pela cor rosa as órbitas pertencentes à Família II. A figura 12 apresenta a superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8250 km2/s2. As ilhas de estabilidade estão imersas em uma região caótica e bem próximas às órbitas quase-periódicas centrais. As ilhas apresentam uma largura maior e é possível identificar as três estruturas formadas por três condições iniciais diferentes, usadas para cada par de ilhas, sendo duas órbitas quase-periódicas e um ponto no centro de cada ilha, que indica a órbita periódica associada a uma ressonância. A figura 13 apresenta a superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8270 km2/s2. As ilhas então dentro da região das órbitas quase-periódicas que libram ao redor da órbita central. A figura 14 é a superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8277 km2/s2, essa secção é a de maior valor deCj em que estas ilhas estão presentes. As ilhas de estabilidade estão bem próximas do centro das estrutura principal e as amplitudes de libração das ilhas são menores em relação às amplitudes das ilhas para Cj = 0.8250. 37 Figura 11: Superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8180 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. fonte: Produção do próprio autor. Figura 12: Superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8250 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. fonte: Produção do próprio autor. 38 Figura 13: Superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8270 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. fonte: Produção do próprio autor. Figura 14: Superfície de secção de Poincaré para Cj = 0.8277 km2/s2. Em verde as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família I e em rosa as ilhas que indicam as órbitas quase-periódicas da Família II. fonte: Produção do próprio autor. Para uma visão ampla da evolução de ambas as Famílias, I e II, apresenta-se na figura 15 as ilhas de estabilidades de diferentes valores deCj no mesmo espaço de fase. Cada cor usada na figura 15 indica um valor diferente de Cj , ou seja para cada cor um conjunto de ilhas de estabilidade de cada Família, I e II, é apresentado. Cada ilha é representada pela ilha de estabilidade mais larga, uma ilha intermediária e o ponto que corresponde à órbita periódica. Verifica-se que, a medida que o valor de Cj aumenta, as ilhas de estabilidade 39 convergem para o centro comum às quatro ilhas. Próximo ao centro, as ilhas voltam a ter uma amplitude de libração menor que a distância entre as ilhas. Este comportamento é relativamente raro nas superfície de secções de Poincaré (WINTER; MURRAY, 1994A). Esse comportamento dificultou encontrarmos o valor de Cj em que ocorre a bifurcação, durante nossas simulações. Figura 15: Evolução das Famílias I e II nas superfícies da secção de Poincaré. Uma amostra das maiores ilhas de estabilidade, uma ilha intermediária e os pontos dentro que representam a órbita periódica mostrando a estrutura para diferentes valores de Cj . As cores correspondentes aos valores indicados de Cj . -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 1900 2000 2100 2200 2300 2400 2500 2600 2700 2800 x. ( m /s ) x (km) (km 2 /s 2 ) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 fonte: Produção do próprio autor. Na sequência estudamos as órbitas periódicas das Famílias I e II. Nas Figs 16 e 17 são apresentadas as órbitas periódicas das Famílias I e II respectivamente para Cj = 0.8180 km2/s2. São numerados em sequência alguns pontos na órbita para se compreender a orientação da trajetória da partícula. Os pontos numerados são igualmente espaçados no tempo e a cor da curva indica o módulo da velocidade no sistema inercial. Quanto maior a proximidade entre a partícula e Haumea maior também o módulo da velocidade, indicando a região do pericentro da órbita. Da mesma forma, as menores velocidades coincidem com as maiores distâncias entre partícula e Haumea, indicando o apocentro. 40 Figura 16: A órbita periódica da Família I no sistema girante para constante Jacobi 0.8180 km2/s2. As cores indicam a velocidade no sistema inercial. A órbita é dividida em 20 partes com passos de tempo iguais e os pontos são numerados para mostrar a sequência da trajetória. −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 240 260 280 300 320 340 360 380 400 v ( m /s ) fonte: Produção do próprio autor. Figura 17: A órbita periódica da Família II no sistema girante para constante Jacobi 0.8180 km2/s2. As cores indicam a velocidade no sistema inercial. A órbita é divi- dida em 20 partes com passos de tempo iguais e os pontos são numerados para mostrar a sequência da trajetória. −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 1 20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 240 260 280 300 320 340 360 380 400 v ( m /s ) fonte: Produção do próprio autor. 41 Figura 18: Órbita periódica da Família I: a esquerda no sistema girante, plano xy; a direita no sistema inercial, plano xy. As órbitas são integradas ao longo de três períodos rotacionais de Haumea. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) (km 2 /s 2 ) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y ( k m ) x (km) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 fonte: Produção do próprio autor. 42 Figura 19: Órbita periódica da Família II: a esquerda no sistema girante, plano xy; a direita no sistema inercial, plano xy. As órbitas são integradas ao longo de três período de uma rotação de Haumea. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) (km 2 /s 2 ) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y ( k m ) x (km) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 fonte: Produção do próprio autor. As Famílias apresentam intensa estabilidade. Essa estabilidade se apresenta em toda a largura das ilhas e cria regiões de estabilidade que podem ser observadas nas figuras 20 e 21. Estas figuras apresentam a órbita ressonante e a órbita quase-periódica de maior amplitude de libração das Famílias I e II, respectivamente, para diferentes valores de Cj . Como já observado nas ilhas, as maiores amplitudes de libração estão presentes para os valores intermediários de Cj . 43 Figura 20: A maior órbita quase periódica (em azul) e a órbita ressonante (em vermelho) da Família I no sistema girante para diferentes valores de Cj . Para Cj = 0.8277 km2/s2 a libração das órbitas quase periódicas é mínima, de forma a estarem encobertas pelas órbitas periódicas. −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8180 km 2 /s 2 órbita quase−periódica órbita ressonante −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8250 km 2 /s 2 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8270 km 2 /s 2 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8277 km 2 /s 2 fonte: Produção do próprio autor. 44 Figura 21: A maior órbita quase periódica (em azul) e a órbita ressonante (em vermelho) da Família II no sistema girante para diferentes valores de Cj . Para Cj = 0.8277 km2/s2 a libração das órbitas quase periódicas é mínima, de forma a estarem encobertas pelas órbitas periódicas. −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8180 km 2 /s 2 órbita quase−periódica órbita ressonante −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8250 km 2 /s 2 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8270 km 2 /s 2 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) 0.8277 km 2 /s 2 fonte: Produção do próprio autor. Outra Família de órbitas periódicas, como mencionado anteriormente, é a Família cen- tral. A figura 22 apresenta alguns exemplos de órbitas periódicas da Família central nos sistema girante e inercial. Essa amostra tem os mesmos valores de Cj usados no estudo das Famílias I e II. Percebe-se que em ambos os sistemas as órbitas são bem circulares, indicando a baixa excentricidade. 45 Figura 22: Órbita periódica da Família Central: a esquerda no sistema girante, plano xy; a direita no sistema inercial, plano xy. As órbitas são integradas ao longo de três períodos rotacionais de Haumea. As cores correspondentes aos valores indicados de Cj . −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y (k m ) x (km) (km 2 /s 2 ) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 −3000 −1500 0 1500 3000 −3000 −1500 0 1500 3000 y ( k m ) x (km) 0.8180 0.8250 0.8270 0.8277 fonte: Produção do próprio autor. 46 Figura 23: Gráfico de Cj pelo período orbital das Famílias ressonante e central. A Famí- lia ressonante compreende os dados que são comuns às Familias I e II. É destacada em vermelho o período exato da ressonância 1:3 (período orbital : período rotacional). 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 0.80 0.82 0.84 0.86 0.88 0.90 P e rí o d o ( T H a u m e a ) Cj (km 2 /s 2 ) 1:3 3:5 2:3 3:4 central 1:3 fonte: Produção do próprio autor. Comparando as Famílias I, II e central, é possível verificar que a Família central apre- senta órbitas possíveis às partículas do anel de Haumea. Na figura 23 são apresentados os períodos das órbitas periódicas das Famílias central e ressonante, estamos chamando de Família ressonante as Famílias I e II que apresentam o mesmo período orbital para o mesmo Cj . Nota-se que a Família ressonante começa e termina próxima à ressonância. Por outro lado, a órbita central cruza vários períodos inclusive a ressonância exata. Além do período, podemos usar a localização do anel para determinar a qual Família de órbitas periódicas o anel é compatível. Usando o intervalo radial onde o anel está loca- lizado (2252 km a 2322 km), segundo observações (ORTIZ et al., 2017), traçamos uma região em que a razão entre semi-eixo maior e excentricidade permite o anel confinado, região marcada e azul na figura figura 24. Para criar essa curva igualamos o apocentro à borda externa e o pericentro à borda interna do anel. As Famílias de órbitas periódicas ressonante e central também estão representadas na figura 24, nas cores vermelho e azul respectivamente. Para cada órbita periódica foram obtidas a maior e a menor distância do centro do sistema e comparados com o pericentro e o apocentro. Dessa forma, obtemos o semieixo e a excentricidade de uma elipse com variação radial equivalente à variação radial órbita periódica. 47 Figura 24: Gráfico de semi-eixo maior pela excentricidade das Famílias central e resso- nante, e do anel observado em (ORTIZ et al., 2017). A Família ressonante compreende os dados que são comuns às Familias I e II. 0.00010 0.00100 0.01000 0.10000 2220 2240 2260 2280 2300 2320 2340 2360 e a (km) anel central 1:3 fonte: Produção do próprio autor. A curva verde cruza a região azul e a curva vermelha não cruza a região azul. Ou seja, para o anel observado as órbitas periódicas da Família central são compatíveis, diferente das órbitas periódicas da Família ressonante que não podem manter partículas orbitando na região do anel. Atenta-se que, a curva da Família ressonante compreende a extensão máxima encontrada, ou seja não foram encontradas órbitas periódicas dessa Família fora da curva. Enquanto que a Família central está reapresentada em todo o intervalo do gráfico apresentando órbitas não representadas na curva verde. A figura 25 mostra a extensão da região de estabilidade devido à Família central, ou seja a largura ocupada pelas órbitas quase-periódicas ao redor das órbitas periódicas da Família central. Uma faixa em azul localiza o anel no eixo x. O anel está completamente contido na região estável, o que possibilita que as partículas do anel também possam estar em órbitas quase-periódicas, desde que a excentricidade seja baixa. Esse gráfico também mostra que o anel pode estar em todo o intervalo de Cj utilizado. 48 Figura 25: Região de estabilidade gerada pela Família central. A região cinza compre- ende a extensão das órbitas quase-periódicas associadas a Família, a região azul denota a região do anel, a curva vermelha denota as órbitas periódicas da Família central e a linha tracejada indica a aproximação da ilhas da Família ressonante do centro. 1900 2000 2100 2200 2300 2400 2500 2600 2700 0.818 0.820 0.822 0.824 0.826 0.828 0.830 x (k m ) Cj (km2/s2) região estável anel central fonte: Produção do próprio autor. 3.3 CONSIDERAÇÕES Nosso modelo considerou uma expansão com C20 e C22 no potencial gravitacional de Haumea e definiu um sistema girante que acompanha a rotação do asteroide. Usamos superfícies de secção de Poincaré para estudar a região ao redor de Haumea. Buscamos uma região nas proximidades do anel, que possa estar em concordância com os dados observacionais de Ortiz et al. (2017). Encontramos duas Famílias bifurcadas associadas à ressonância 1:3. As órbitas quase- periódicas dessa Família não preenchem regularmente a região que ocupam no sistema girante. Isso se deve ao fato de que por serem bifurcadas, as Famílias associadas a resso- nância são separadas por uma região instável de trajetórias caóticas, o que impossibilita o cruzamento e o fechamento da região. As órbitas periódicas apresentam excentricidades e localizações que não coincidem com a localização do anel. Outra Família de órbitas periódicas encontrada e estuda, é a central. Apesar de não 49 estar associada a ressonância, possui órbitas periódicas coerentes com o anel, tanto em localização quanto em excentricidade. Nossas simulações mostraram que apesar de estarem próximas da ressonância esperada (1:3), a Família central domina a dinâmica na região do anel. 50 4 MODELO DE CONCENTRAÇÃO DE MASSA - MASCONS Para o estudo da dinâmica orbital de e ao redor de um corpo, é necessário definir o modelo que simule o potencial gravitacional gerado por esse corpo. O modelo mais simples consiste em considerar o corpo um ponto matemático em seu centro de massa, com toda a massa concentrada no ponto. As propriedades estruturais do corpo podem ser representadas mais precisamente, se, ao invés de usar um ponto massivo, for feita uma expansão por séries harmônicas no potencial gravitacional, como a que utilizamos no capítulo 3. Isso é válido para qualquer corpo (MACMILLAN, 1936). A precisão do potencial gravitacional é maior quando a série harmônica tem um elevado número de coeficientes gravitacionais. Uma outra modelagem para o potencial gravitacional é o Ivory’s approach. Ao se ajustar um elipsoide triaxial a estrutura geométrica do corpo, seus efeitos gravitacionais podem ser medidos (LAPLACE, 1782; KELLOGG, 1954). Nas últimas duas décadas uma nova ferramenta tem auxiliado o cálculo do potencial gravitacional de corpos irregulares, tornando-os ainda mais próximos dos valores reais. Essa ferramenta é o polyhedron shape model, que determina com boa precisão a forma, volume e momentos de inércia de um corpo observado (NEESE, 2004). A partir de dados obtidos por análise de curva de luz, imagem de radar ou por imageamento de alta resolu- ção feito por sondas espaciais, é possível construir um poliedro de faces triangulares que simule a forma irregular do corpo irregular (SCHEERES, 2012). Devido à complexidade para obtenção dos dados necessários para a construção do modelo, o número de asteroi- des com essa modelagem é muito inferior ao número de asteroides conhecidos. É possível acessar dados desses poliedros em repositórios como NATIONALAeronauticsandSpace- Administration (2017) e JETPropulsionLaboratory (2017). A partir desses dados duas abordagens são amplamente exploradas na literatura e serão descritas a seguir. A abordagem denominada modelo de poliedros, que foi desenvolvida por Werner (1994), consiste na integração do potencial gravitacional de um elemento de massa so- bre todo o volume interno do poliedro. A outra abordagem foi usada em Geissler et al. (1996) e posteriormente denominada "mascons"(mass concentration) (WERNER; SCHE- ERES, 1996; ROSSI; MARZARI; FARINELLA, 1999). O modelo de mascons baseia-se em preencher o sólido dado pelo poliedro com pontos massivos. Desta forma a massa pode ser distribuída espacialmente dentro da forma do asteroide. A distribuição dos pon- tos no volume do corpo pode ser feita de duas formas: mantendo os pontos equidistantes como uma grade (GEISSLER et al., 1996) ou aproveitando a geometria das faces do poliedro para distribuir sistematicamente os pontos (VENDITTI, 2013), abordagens que 51 chamaremos de modelo de grade e modelo de tetraedro, respectivamente. No presente capítulo, as duas formas de distribuição serão descritas, simuladas e com- paradas. 4.1 MODELO DE GRADE O poliedro é uma forma complexa, o que dificulta sua manipulação matemática, por- tanto antes de aplicar um modelo de distribuição de mascons é necessário dividir o sólido em sólidos mais simples. As formas derivadas do polyhedron shape model são geralmente poliedros de faces triangulares, o que facilita a divisão do poliedro em tetraedros. Basta unir os vértices de cada face triangular ao centro geométrico do poliedro, que se obtêm um corpo formado por N tetraedros, em que N é o número de faces do poliedro original. O modelo de distribuição de mascons de grade (GEISSLER et al., 1996), consiste em criar uma grade de pontos igualmente espaçados contida na forma do poliedro. A varia- ção desse modelo se da no espaçamento utilizado, sendo este inversamente proporcional ao número resultante de pontos na grade. Tendo sido criada uma grade que contem o poliedro, é necessário um algorítimo capaz de excluir os pontos que não estão contidos no asteroide. Seja V o volume de um tetraedro e Ωtetr. o elemento volumétrico do mesmo, o volume pode ser calculado na seguinte forma (DEPARTAMENTODECIÊNCIADEENGENHARI- AAEROESPACIALDAUNIVERSIDADEDOCOLORADOEMBOULDER, 2017): V = ∫ Ωtetr. dΩtetr. = 1 6 det  1 1 1 1 xa xb xc xd ya yb yc yd za zb zc zd  , (15) onde x, y e z são as coordenadas dos vértices indicados em seus índices e sendo que a, b, c e d são vértices que formam um tetraedro. O determinante da matriz é um valor escalar positivo ou negativo. É possível garantir que o valor seja positivo se uma sequência for obedecida. Escolhendo uma das 4 faces, o vértice que não pertence a face é o d, os outros são ordenados a, b e c no sentido horário, na parte oposta ao vértice d, da face. Essa sequência é mostrada na figura 26: Pensando agora em um ponto de teste dentro do tetraedro, podemos observar na figura 27 que a ordem dos pontos é mantida sempre que o ponto teste substitui um dos vértices. Mesmo que a face seja declarada no sentido anti-horário, resultando em uma matriz com sinal negativo, os tetraedros formados com o ponto teste manterão o sinal do tetraedro original. Por outro lado, caso o ponto teste esteja fora do tetraedro, ao menos um tetraedro formado com o ponto terá determinante de sinal divergente ao do tetraedro original. Substituindo agora o vértice d pelo centro geométrico localizado na origem do sistema, 52 Figura 26: Sequência dos vértices de um tetraedro para que o determinante dê positivo. fonte: Produção do próprio autor. Figura 27: Tetraedro com um ponto de teste e os tetraedros formados entre as faces e o ponto. fonte: Produção do próprio autor. obtemos as cinco matrizes: D =  1 1 1 1 xa xb xc 0 ya yb yc 0 za zb zc 0  , (16) D1 =  1 1 1 1 xp xb xc 0 yp yb yc 0 zp zb zc 0  , (17) 53 D2 =  1 1 1 1 xa xp xc 0 ya yp yc 0 za zp zc 0  , (18) D3 =  1 1 1 1 xa xb xp 0 ya yb yp 0 za zb zp 0  (19) e D4 =  1 1 1 1 xa xb xc xp ya yb yc xp za zb zc xp  . (20) Sendo assim, se D1, D2, D3 e D4 tiverem mesmo sinal de D o ponto pertence ao tetraedro, caso um deles tenha um sinal diferente o ponto está fora do tetraedro. Se um dos determinantes for igual a zero, com exceção do determinante da matriz D, então o ponto está contido na face. Com esse algorítimo é possível excluir todos os pontos fora do tetraedro. Tendo dis- tribuído pontos dentro do volume do poliedro, para simular o corpo que o poliedro repre- senta, divide-se a massa do corpo irregular igualmente entre os pontos. Dessa forma se obtêm o modelo de mascons de grade. 4.2 MODELO DE TETRAEDRO A segunda abordagem para dispor os mascons dentro do volume do poliedro aproveita a forma dos tetraedros descritos na abordagem anterior. Os mascons são alocados nos centros de cada tetraedro, ou no centro dos sólidos formados pela divisão dos mesmos tetraedros (VENDITTI, 2013). Dessa forma, o número de mascons do modelo é múltiplo do número de faces do poliedro usado. Esse modelo foi inicialmente proposto em Venditti (2013) para o estudo de manobras orbitais. Posteriormente foi comparado com o modelo de poliedros em Chanut; Aljbaae; Carruba (2015). O algorítimo descrito nesta seção foi elaborado pelo autor, para a distribuição dos pontos nos tetraedros. O poliedro é centrado na origem do sistema, ou seja, seu centro geométrico coincide com a origem do sistema. Dessa forma, a origem também é um vértice de todos os te- traedros. Os outros vértices de cada tetraedro são dados pelos vértices da face triangular na superfície do poliedro. Nessas condições, as coordenadas dos vértices das faces tri- angulares são também os vetores que formam o tetraedro. Logo, para obter o volume de um dos tetraedros divide-se por seis o produto misto dos três vetores (STEINBRUCH; WINTERLE, 1987). Seja 0 < k′ < 1, onde k′ é uma fração que multiplica cada um dos 54 vetores, temos: det  (v1)x (v1)y (v1)z (v2)x (v)2)y (v2)z (v3)x (v)3)y (v3)z  6 = k′3V ol, (21) sendo V ol o volume original do tetraedro, (v)ab a coordenada b = x, y ou z do vértice a = 1, 2 ou 3. Ou seja, com uma fração k′ dos vetores originais, é possível obter uma fração k′3 do volume do tetraedro original. Definindo k ≡ k′3 podemos determinar a fração desejada do tetraedro por k. Seja n o número de mascons que se pretende alocar por tetraedro se fizermos: k = i 2n , (22) com i = 1, 3, ..., (2n − 1), obtemos pela multiplicação das componentes dos vetores por (k)1/3 se tem os vértices de um triângulo no plano onde o mascon deve ser alocado. Por fim basta calcular o baricentro deste triângulo para obter as coordenadas do mascon. Sendo assim, as coordenadas dos mascons são dadas por: xmasc = ( i 2n )( (v1)x + (v2)x + (v3)x 3 ) , (23) ymasc = ( i 2n )( (v1)y + (v2)y + (v3)y 3 ) (24) e zmasc = ( i 2n )( (v1)z + (v2)z + (v3)z 3 ) , (25) Com esse algorítimo é possível alocar pontos dentro de cada tetraedro. Tendo distri- buído pontos, para simular o corpo que o poliedro representa, atribui-se a cada mascon a massa equivalente ao volume que o mascon representa. Dessa forma se obtêm o modelo de mascons de tetraedro. 4.3 CÁLCULO DE POTENCIAL GRAVITACIONAL E COMPARAÇÃO DAS ABORDAGENS DE MASCONS Com um modelo de pontos massivos capaz de simular o corpo irregular, é possível computar o potencial gravitacional (U ), U = G n∑ i=1 mi ri , (26) onde G é a constante gravitacional universal, mi é a massa do mascon i e ri a distância do mascon i ao ponto no espaço onde se está calculando o potencial gravitacional. Para comparar os modelos apresentados, foi selecionado o asteroide 216 kleopatra por 55 sua forma com irregularidade acentuada. Esse asteroide tem seu poliedro de 2048 vértices em 4092 faces como mostra a Figura 2. A partir desse poliedro são criados 3 clusters de mascons pela distribuição de grade e 3 pela distribuição de tetraedros, onde buscou-se um espaçamento para a grade e um número de mascons por tetraedro que resultassem em clusters de quantidades de mascons próximas. Na Tabela 1 são apresentados os clusters de mascons de grade a esquerda e de mascons de tetraedros à direita. Para o modelo de grade é apresentado o espaçamento usado na grade, e no modelo de tetraedros a quantidade de mascons por tetraedro. São ainda atribuídos códigos para cada cluster, que serão usados a seguir para referenciá-los. Tabela 1: Grades de mascons usados para comparação das diferentes distribuições. Grade Tetraedro cód. espaçamento mascons cód. masc./tetra. mascons MGa 5.60 km 4046 MTa 1 4092 MGb 2.92 km 28441 MTb 7 28644 MGc 1.00 km 708649 MTc 174 712008 fonte: Produção do próprio autor. Para a comparação foram distribuídos randomicamente 10.000 pontos ao redor de 216 kleopatra, sendo que os pontos que acabaram dentro do asteroide foram excluídos, so- brando assim 9.587 pontos. Esses pontos estão distribuído em uma esfera oca de raio interno de 50 km e externo de 300 km, como está apresentado na figura 28. Figura 28: Pontos distribuídos ao redor do asteroide 216 kleopatra. fonte: Produção do próprio autor. Para todos os clusters de mascon foram calculados os potenciais gravitacionais dos pontos da esfera oca. Foi cedido pelo Dr. André Amarante esse potenciais calculados 56 pelo modelo de poliedro. Por ser uma integração do sólido, o modelo de poliedro for- nece os potenciais gravitacionais que servem de referência de precisão para os potencias calculados por mascons. A seguir, o módulo do erro entre o potencial calculado pelo modelo de poliedros e modelo de mascons (tanto o de grade quanto o de tetraedros) são apresentados, dado por: ε = | Vpol − Vmodel | Vpol , (27) onde Vpol é o potencial calculado usando modelo de poliedros (dados fornecidos pelo Dr. André Amarantes), Vmodel é opotencial calculado usando o modelo comparado (modelo de tetraedros e modelo de grade). Em cada gráfico na figura 29, estão os erros para um cluster de cada tipo de distribuição de mascons, onde os números totais de mascons é próximo. 57 Figura 29: Distância radial pelo módulo do erro relativo comparando os clusters de mas- cons obtidos por distribuição em grade e por tetraedro. 0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0 14.0 16.0 50 100 150 200 250 300 ε (% ) distância radial (km) MTa MGa 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 50 100 150 200 250 300 ε ( % ) distância radial (km) MTb MGb 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 50 100 150 200 250 300 ε ( % ) distância radial (km) MTc MGc fonte: Produção do próprio autor. Nota-se que, para menores quantidades de mascons a divergência entre a distribuição 58 por grade e por tetraedro é maior. Devido aos modelos, existe uma dificuldade para se obter o mesmo numero de mascons,MGa tem∼ 11% a menos queMTa,MGb tem∼ 7% a menos que MTa e MGc tem ∼ 5% a menos que MTc. Mas, essa diferença em número de mascons não é o suficiente para explicar a diferença no erro do potencial gravitacional, principalmente quando comparamos com variação do potencial em clusters de mesmo tipo de distribuição (Figs. 30 e 31). Os maiores erros calculados estão próximos ao corpo. Figura 30: Distância radial pelo módulo do erro relativo comparando os clusters de mas- cons obtidos por distribuição em grade para diferentes valores de espaçamento. 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 50 100 150 200 250 300 ε ( % ) distância radial (km) MGa MGb MGc fonte: Produção do próprio autor. Para uma melhor visão da queda do erro com a quantidade de mascons, a figura 30 mostra o erro no potencial gravitacional para os clusters de mascons por grade e a figura 31 para os clusters de mascons por tetraedro. Após uma queda abrupta de erro em MTa para o erro em MTb, a diferença é pequena entre MTb e MTc. Já nos clusters obtidos por uma distribuição de mascons em uma grade igualmente espaçada, apresentam uma queda suave no erro com o aumento no número de mascons. 59 Figura 31: Distância radial pelo módulo do erro relativo comparando os clusters de mas- cons obtidos por distribuição em tetraedros para diferentes valores de mascons por tetra- edro. 0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0 14.0 16.0 50 100 150 200 250 300 ε ( % ) distância radial (km) MTa MTb MTc fonte: Produção do próprio autor. Além do erro, outro fato importante na escolha do mascon, é o custo computacional. É importante avaliar dentro da precisão desejada, qual o ganho de precisão terá os resul- tados em detrimento ao tempo que levará a simulação. A Tabela 2 apresenta o tempo de processamento do potencial gravitacional em cada cluster. Tabela 2: Tempo de execução do cálculo do potencial gravitacional. Grade Tetraedro cód. Tempo(s) cód. Tempo (s) MGa 2.207 MTa 1.660 MGb 9.892 MTb 11.279 MGc 263.789 MTc 274.692 fonte: Produção do próprio autor. O tempo de MGa, MGb, MTa e MTb é muito menor que o tempo de MGc e MTc, diferença que não corresponde ao ganho em precisão (menos ∼ 0.2% e ∼ 0.1% no erro entre MTb e MTc e MGb e MGc). Já a diferença em tempo de execução de MTa e MTb, é pequena enquanto o ganho em precisão é significativo (menos ∼ 10.7% no erro). Dentre os clusters de mascons utilizados, o de melhor eficiência é o MGa. Com exceção do MTa os clusters têm um erro máximo de 4%, o que consideramos um bom resultado se tratando de um corpo tão irregular quanto o 216 kleopatra. Dentre os dois modelos de 60 distribuição de mascons, conclui-se que para clusters com menores números de mascons o modelo de grade apresenta um erro menor em relação ao modelo de tetraedro, 4.4 OS PROBLEMAS DE CONCAVIDADE E DENSIDADE DE MASCONS Dois problemas foram identificados no modelo de distribuição de mascons de tetrae- dro, e serão abordados nessa seção. O primeiro é o problema que deriva das concavidades encontradas nos corpos irregulares. Devido a modelagem por tetraedro, ocasionalmente parte de um tetraedro pode estar fora do corpo simulado. Isso ocorre porque o caminho que liga a face ao centro geométrico do corpo, passa por uma concavidade, como pode ser observado na figura 32. Figura 32: Parte do asteroide 216 kleopatra com um tetraedro marcado em vermelho que cruza a concavidade do corpo. fonte: Produção do próprio autor. Além de contabilizar um volume que não pertence ao corpo, devido a esse problema, alguns mascons podem ser alocados fora do corpo. Por exemplo, com a rotina usada no modelo de grade para identificação de pontos que estão dento ou fora do asteroide, identificamos que MTc apresenta 25502 mascons fora do corpo o que representa ∼ 3, 6% do total do cluster. É importante ressaltar, que a princípio o problema da concavidade pode afetar a mode- lagem de distribuição por grade. Mas sempre que um tetraedro cruza uma concavidade, um segundo tetraedro cobrirá a mesma região. Expandindo esse pensamento sabe-se que todo ponto que pertencer a um número par ou nulo de tetraedros, está fora do corpo, e toda vez que um ponto pertence a um número ímpar de tetraedro, o mesmo pertence ao corpo. O outro problema devido a modelagem de tetraedro deriva da dependência do poliedro obtido das observações. Os tetraedros formados pelas faces e os centros geométricos dão a distribuição dos mascons, entretanto esses tetraedros não são uniformes. No exemplo usado, o poliedro que simula o asteroide 216 kleopatra tem como maior volume para um de seus tetraedros ∼ 9.73 × 102 km3, e como menor volume 10−2 km3. É uma razão de ∼ 2.69 × 10−5 entre o menor e o maior volume, isso reflete na massa e no volume 61 representado pelos mascon. Ou seja, a densidade volumétrica de mascons no sólido não será uniforme. Levando em conta os problemas descritos, optamos neste trabalho por utilizar o modelo de mascons obtido a partir de uma grade igualmente espaçada. 62 5 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ AO REDOR DO ASTEROIDE 4179 TOUTATIS: MODELO DE MASCONS Neste capítulo pretendemos estudar a dinâmica da região ao redor do asteroide 4179 Toutatis, por meio de uma superfície de secção de Poincaré. Para esse estudo utilizamos o modelo de mascons para simular o potencial gravitacional do asteroide. Com essa mode- lagem usamos um potencial gravitacional tridimensional em uma ferramenta tipicamente bidimensional. Analisamos as semelhança entre a abordagem usada neste capítulo e um problema bidimensional. Parte do trabalho apresentado neste capítulo foi publicado em Borderes-Motta; Winter (2018). 5.1 SUPERFÍCIE DE SECÇÃO DE POINCARÉ Como visto no capítulo 3, muitos trabalhos em dinâmica orbital usaram a superfície de secção de Poincaré para estudar a dinâmica tanto no problema restrito de três corpos como em Hénon (1965a,b, 1966a,b, 1969); Jefferys (1971); Winter; Murray (1997a,b); Winter; Murray (1994b,a); Winter (2000) ou em problema de dois corpos em que o corpo central apresenta rotação, como em Broucke; Elipe (2005); Silva; Winter; Prado (2009); Najid; Haj Elourabi; Zegoumou (2011); Liu; Baoyin; Ma (2011); Feng; Hou (2017). Todavia, os problemas citados são bidimensionais ou tridimensionais com simetria no eixo z, o que mantêm a inclinação nula e caracteriza um problema planar. Já Scheeres et al. (1996), levou em conta um potencial gravitacional tridimensional e assimétrico usando um mapa de Poincaré que localiza somente órbitas periódicas. Regiões estáveis e não estáveis não foram analisadas por esse método. Para explorar ampla e sistematicamente regiões estáveis e caóticas ao redor de corpos irregulares e assimétricos na terceira dimensão, nós usamos a superfície de secção de Poincaré, adaptando o modelo para um potencial tridimensional. Nosso objetivo é mostrar que ainda com mais graus de liberdade, as superfícies de secção de Poincaré não são, em geral, destruídas. Dessa forma, a técnica não está restrita em buscar órbitas periódicas, mas mapeia toda a estrutura dinâmica ao redor do corpo. Tendo sido definido no capítulo 4 a modelagem a ser usada para simular o potencial gravitacional do 4179 Toutatis, o sistema girante (Oxyz) pode ser definido a partir do movimento rotacional do asteroide. Dessa forma o asteroide fica fixo no sistema, como pode ser observado na figura 33. 63 Figura 33: Diagrama esquemático de uma órbita ao redor do corpo fixo no sistema girante. x0 marca a posição inicial e a seta azul indica a velocidade na posição inicial. fonte: Produção do próprio autor. As equações do movimento são dadas em Scheeres et al. (1996): ẍ− 2ωẏ = ω2x+ ∂U ∂x , (28) ÿ + 2ωẋ = ω2y + ∂U ∂y , (29) z̈ = + ∂U ∂z , (30) onde U é a o potencial gravitacional. ω é a velocidade rotacional de 4179 Toutatis, dada por ω = 2π/Tast, onde Tast = 176, 4 h é o período rotacional de 4179 Toutatis. O potencial gravitacional calculado a partir do modelo de mascons é dado por U = U(x, y, z) = − N∑ i=0 Gm r2 i , (31) onde G é a constante gravitacional, N é o número total de mascons e m é a massa de cada mascon, m = M N com M sendo a massa total de 4179 Toutatis. ri é a distância entre o mascon e a partícula que orbita o sistema sendo dado por ri = ( (x− xi)2 + (y − yi)2 + (z − zi)2 )1/2 , (32) com x, y e z sendo as coordenadas da partícula e xi, yi e zi as coordenadas do mascon i. A partir da equação 31 se obtêm as seguintes derivadas do potencial gravitacional ∂U ∂x = N∑ i=0 Gm(x− xi) r3 i , (33) 64 ∂U ∂y = N∑ i=0 Gm(y − yi) r3 i e (34) ∂U ∂z = N∑ i=0 Gm(z − zi) r3 i , (35) que são usadas nas equações de movimento. A constante de Jacobi (Cj) é explicitamente calculada em Scheeres et al. (1996). Cj = ω2(x2 + y2) + 2U(x, y, z)− ẋ2 − ẏ2 − ż2. (36) As equações (28-30) descrevem o movimento de uma partícula sem massa e são nume- ricamente integradas através do integrador Burlish-Stöer (BULIRSCH; STÖER, 1966). Uma secção de intersecção é fixada no plano y = 0 e as condições iniciais são distribuí- das sistematicamente sobre o eixo x. É definido y0 = z0 = ẋ0 = ż0 ≡ 0 e ẏ0 é calculado a partir de Cj (Eq. 36). Durante a integração, as condições da órbita são guardadas a cada instante que acontece o cruzamento da trajetória com a secção de intersecção definida em y = 0 e com ẏ > 0. O método de Newton-Raphson é utilizado para obter uma precisão no cruzamento da órbita da mesma ordem usada no integrador (10−13). Os pontos salvos são plotados no espaço de fase (x, ẋ) construindo assim as secção de superfície de Poincaré. O método utilizado neste trabalho foi construído como um caso planar bidimensional, adicionando a terceira dimensão (z) à trajetória da partícula. A velocidade ż foi definida como zero na condição inicial, e durante a integração, tanto a coordenada (z) quanto a velocidade (ż) têm variação livre. Para analisar os resultados, o movimento projetado sobre o sistema girante é consi- derado desacoplado do movimento na terceira dimensão. Então, estudou-se a influência da variação z no comportamento da órbita no sistema girante. Na superfície de secção de Poincaré, a órbita mais interna de um conjunto de ilhas de estabilidade é chamada, neste trabalho, órbita central. Cada órbita central é representada por um ou mais pontos isolados na superfície de secção de Poincaré. A órbita central, quando projetada no plano xy, é a órbita periódica. Daqui em diante, apresentamos um estudo sobre a dinâmica em torno do asteroide 4179 Toutatis, que foi escolhido como já explicado no capítulo 2. 5.2 SIMULAÇÕES Calculamos a constante de Jacobi no ponto de equilíbrio (capítulo 2) no eixo x > 0 (∼ 2.0035×10−7 km2/s2) e definimos um intervalo para o estudo inicial de 1.2×10−7 ≤ Cj ≤ 3.0 × 10−7 km2/s2, variando em passos de 1.5 × 10−8 km2/s2. Por simplicidade, neste capítulo, as constantes de Jacobi serão dadas em termos de 10−7 km2/s2. Setenta e cinco condições iniciais para cada valor de Cj , foram simuladas. Essas condições são distribuídas ao longo do eixo x, de 2.6 a 10 km com passos de 0.1 km. Esse intervalo é 65 mais próximo dos corpos que o ponto de equilíbrio no eixo x, o que permite trajetórias tanto no mesmo sentido ou no sentido oposto do sistema girante, adotamos ẏ > 0. Essa região apresenta dinâmica semelhante à observada na região interna do problema de três corpos, ou seja, quando o terceiro corpo apresenta semieixo menor que o raio orbital do corpo secundário. Portanto, podemos usar como guia os estudos realizados em Winter; Murray (1994b). Uma amostra ilustrativa das superfícies de secção de Poincaré esta presente na figura 34. Quatro Famílias de órbitas periódicas (projeções de uma órbita central) foram se- lecionadas para ser uma amostra representativa de nossos resultados. As Famílias são identificadas na figura 34, por meio de estruturas compostas por órbitas centrais e órbitas quase-periódicas, que libram em torno das órbitas centrais. As Famílias são apresentadas em crescente ordem de complexidade. As ilhas associadas à Família 1 são indicadas em roxo, à Família 2 em laranja, à Família 3 em verde e à Famíla 4 em vermelho. Há uma linha de pontos com ẋ = 0 na figura 34, para Cj = 2.10 e 2.25. Esses pontos indicam condições iniciais cujas trajetórias colidiram com o asteroide antes do primeiro ciclo orbital se completar no sistema girante. A superfície de secção de Poincaré para Cj = 1.20 mostra uma linha de pontos com ẋ = 0, correspondente à condições iniciais instáveis cujas trajetórias foram ejetadas do sistema. É considerada ejeção, quando a partícula está além de 250 km do centro do asteroide. Quanto maior for o valor Cj , menor é a região caótica na superfície de secção de Poincaré. Para compreender a diferença entre a superfície de secção de Poincaré para Cj = 1.20 e as superfícies de secção de Poincaré para Cj = 2.10 e Cj = 2.25, é útil obter as super- fícies de velocidade zero. Essas superfícies criam regiões proibidas, quando projetadas no plano xy. Para Cj = 1.20 a região proibida está aberta (figura 5.3a), o que permite grandes regiões caóticas. Por outro lado, para Cj > 2.003 a região proibida está fe- chada (figura 5.3b), limitando o movimento, aumentando as regiões de estabilidade. Esse comportamento pode ser visto em mais detalhes em Winter; Murray (1994b) e Murray; Dermott (1999). 66 Figura 34: Superfícies de secção de Poincaré para Cj = 1.20, 2.10 e 2.25. Foram defi- nidas as condições iniciais com x0 ≥ 2.6 km. Até mil pontos por condição inicial são gerados para cada condição inicial. As curvas associadas à Família 1 são indicadas em roxo, Família 2 em laranja, Família 3 em verde e Família 4 em vermelho. fonte: Produção do próprio autor. 67 Figura 35: Casos ilustrativos de curvas de velocidade zero indicadas pela região proibida (em azul). O caso a- Cj = 2.003 e o caso b- Cj = 2.004. fonte: Produção do próprio autor. Neste capítulo, as Famílias 1,2,3 e 4 e o efeito da assimetria do potencial gravitacional nas estruturas da superfície de secção de Poincaré serão estudadas e discutidas. 5.2.1 Familia 1 A Família 1 é a mais presente nas superfícies de secção de Poincaré para os valores es- tudados de Cj . A figura 36 mostra um conjunto de órbitas centrais da Família 1 projetada no sistema girante e no sistema inercial. Essas órbitas são quase circulares em ambos os sistemas. As órbitas centrais estão mais próximas do asteroide quando os valores de Cj são maiores. A figura 37 mostra as projeções das órbitas centrais nos planos xz e yz. A amplitude de variação no eixo z é muito menor que a amplitude de variação no sistema girante. Para maiores valores de Cj , os intervalos de libração das órbitas centrais no eixo z são menores. No espaço de rotação tridimensional, as órbitas centrais tem a forma do contorno de uma superfície de paraboloide hiperbólica no sistema girante (figura 38). 68 Figura 36: Exemplo de órbitas centrais da Família 1: a- no sistema girante (xy); b- no sistema inercial (xy). As órbitas completaram apenas um ciclo na sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . fonte: Produção do próprio autor. Figura 37: Exemplo de órbitas centrais da Família 1: a- projeção das trajetórias no plano xz; b- projeção das trajetórias no plano yz, ambas são apresentadas no sistema girante. As órbitas completaram muitos ciclos no sistema girante. As cores correspondem aos valores indicados de Cj . fonte: Produção do próprio autor. Para ilustrar as órbitas quase-periódicas, na figura 39 é apresentada a libração de uma órbita quase periódica em torno da órbita central da Família 1 com Cj = 2.25. A libração conserva a estrutura original da órbita central. A figura 39 mostra ainda, a libração de uma órbita periódica e uma órbita quase-periódica, com Cj = 2.25, em xz e yz, respec- tivamente. Eles são assimétricos em relação ao plano da rotação e o comportamento é o mesmo para as outras famílias estudadas neste trabalho. Essa característica será analisada na subseção 5.2.5. 69 Figura 38: Órbita central comCj = 2.25 para vários ciclos orbitais. A forma é semelhante às bordas de um paraboloide hiperbólico. fonte: Produção do próprio autor. Figura 39: Projeção da órbita central (vermelho) e a órbita quase-periódica (azul) da Família 1. a- no plano xy; b- no plano xz; c- no plano yz. A constante de Jacobi para essa órbita é 2.25. fonte: Produ