UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS DE BOTUCATU – BRUNO FRANCELINO DE MELO – Genética de populações de Prochilodus argenteus e P. costatus do médio São Francisco BOTUCATU JULHO/2011 ii UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS DE BOTUCATU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (GENÉTICA) DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Genética de populações de Prochilodus argenteus e P. costatus do médio São Francisco Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética) do Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, como requisito para a obtenção do título de Mestre. Aluno: Bruno Francelino de Melo Orientador: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Botucatu Julho / 2011 iii FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. E TRAT. DA INFORMAÇÃO DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE Melo, Bruno Francelino de. Genética de populações de Prochilodus argenteus e P. costatus do médio São Francisco. - Botucatu, 2011 Dissertação (mestrado) – Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, 2011 Orientador: Claudio de Oliveira Capes: 2020400 1. Genética de populações. 2. Biologia Molecular. 3. Peixes - Genética. 4. São Francisco, Rio. Palavras-chave: Populações; Microssatélites; Migração; São Francisco. iv v Agradecimentos Este trabalho foi realizado com a contribuição de incontáveis pessoas. Citarei alguns nomes, mas agradeço imensamente a todos que se envolveram e apoiaram para que o resultado final fosse atingido. Meus sinceros agradecimentos: - Ao meu todo-poderoso Deus, pelas várias conversas que tivemos, pelos inúmeros pedidos atendidos e por sempre ter me abençoado e me protegido; - Ao Prof. Dr. Claudio de Oliveira, meu orientador. Agradeço imensamente por ter aberto as portas do laboratório e pelos ensinamentos ao longo desses anos sobre genética, sobre peixes e sobre como se tornar um bom pesquisador. Meu muito obrigado; - Ao amigo Dr. Yoshimi Sato, pela grandiosa colaboração na amostragem do trabalho, além dos ensinamentos sobre os peixes, sobre migrações e sobre o São Francisco. Agradeço também aos amigos da CODEVASF – Três Marias/MG, por todo o suporte na coleta das amostras; - Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética) e ao Instituto de Biociências da UNESP – Botucatu, pela formação acadêmica; - Ao Prof. Dr. Fausto Foresti, pelos ensinamentos e pelo exemplo de pesquisador e de ser humano; - À Comissão Examinadora, pela disponibilidade e pelas críticas, sugestões e comentários que contribuirão para a finalização do trabalho; - Ao amigo Dr. Daniel Cardoso de Carvalho, pelas amostras gentilmente cedidas; - Ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais do Instituto Chico Mendes (CEPTA / ICMBio) – Pirassununga/SP e aos amigos que lá trabalham, pela oportunidade de participar das expedições de coleta no rio São Francisco; vi - Aos amigos e servidores da Seção de Pós-Graduação do IB, por todo o suporte burocrático e pelos inúmeros pedidos atendidos; - Aos grandes e muitos amigos do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes (da molecular, da citogenética e da morfologia de peixes) por terem me ensinado e me ajudado ao longo desse trabalho [meu muito obrigado!]. Certamente, muitos de vocês são responsáveis diretos pelo conhecimento que tenho hoje e têm fundamental importância na construção de minha carreira acadêmica; - Ao amigo de laboratório Renato Devidé, pela disponibilidade na coleta das amostras em Minas Gerais; - Aos colegas de pós-graduação, funcionários e amigos do Depto. Morfologia do IB, pela amizade e troca de experiências; - À CAPES, pelo auxílio financeiro; - À minha querida namorada Ana Paula, presente do primeiro ao último dia do mestrado, pelo amor e carinho, pela companhia, por ter tido paciência, por fazer meus dias mais felizes, e por ser tão especial pra mim. Muito obrigado, Ana; - Aos muitos amigos de Fartura, pelas incontáveis risadas, pelos incontáveis jogos de voleibol e pelos grandes momentos de descontração que tive lá; - Aos muitos amigos que fiz em Botucatu, pelas incontáveis risadas e pelos incontáveis churrascos. Muito obrigado pela força; - E em especial, à minha família lá de Fartura-SP, meus pais Osvaldo e Maria Jaci, meus irmãos Ronaldo, Rosângela e Lucilene (e família: Ewerthon e meus queridos sobrinhos Bárbara e Bryan) e toda a imensa família Melo e família Petrini – a base da educação que tenho hoje. Muito obrigado pelo contínuo apoio e pela confiança depositada em mim, do início ao fim. ... Meu muito obrigado! vii RESUMO O Rio São Francisco forma uma das maiores bacias hidrográficas sulamericanas e vem sofrendo grandes impactos causados por ações antrópicas. A bacia conta com uma rica fauna de peixes, muitos de elevada importância para a pesca comercial e de subsistência. O estado de Minas Gerais apresenta uma importante indústria pesqueira e a região de Três Marias representa a zona mais produtiva na bacia do São Francisco. Nesta região, duas espécies de peixes são encontradas abundantemente: Prochilodus argenteus (curimatã-pacu), responsável por até 50% do pescado, sendo a espécie de maior porte da família Prochilodontidae com alguns indivíduos alcançando 15 kg, e Prochilodus costatus (curimatã-pioa) que possui um importante papel ecológico e para a pesca de subsistência. Estudos prévios sugerem a existência de diferentes populações de P. argenteus na região de Três Marias e de apenas uma população de P. costatus na mesma área. No entanto, os níveis de estruturação e os padrões de migração das espécies não foram testados utilizando indivíduos pertencentes aos tributários de todo o médio São Francisco. No presente estudo, duas hipóteses foram testadas: (i) os peixes que nascem nas lagoas marginais dos tributários vivem, preferencialmente nesses próprios tributários, não migrando para o leito do São Francisco; (ii) os peixes que nascem nas lagoas dos tributários migram preferencialmente para o leito do São Francisco no período de alimentação, retornando aleatoriamente ou não para os tributários durante o período de reprodução. Nove amostragens de P. argenteus com um total de 273 espécimes e cinco de P. costatus com 156 espécimes foram coletadas em todo o médio São Francisco em dois períodos, chuvoso e seco. Utilizamos seis loci microssatélites altamente polimórficos e os resultados indicaram altos níveis de variabilidade intrapopulacional em ambas as espécies. Adicionalmente, baixos índices viii de diferenciação populacional detectados em P. argenteus (FST = 0,008, P < 0,008) e em P. costatus (FST = 0,031, P < 0,008), associados a altos valores de fluxo gênico sugerem a presença de apenas uma unidade panmítica em todo o médio São Francisco em ambas as espécies. Índices de RST par-a-par apontaram valores medianos de diferenciação populacional entre algumas localidades. Em ambas as espécies, a segunda hipótese sobre as rotas de migração foi aceita, na qual sugerimos que os peixes recrutados nas lagoas marginais dos tributários migram preferencialmente para o leito principal do São Francisco para alimentar-se e, na piracema, migram aleatoriamente para as cabeceiras dos tributários. Possíveis rotas de migração entre os peixes recrutados nas lagoas marginais dos tributários para a região de Três Marias na época reprodutiva foram detectadas. A presença de grupos residentes imediatamente à jusante da barragem de Três Marias foi confirmada, como sugerida por estudos anteriores. Considerando a importância ecológica e econômica de P. argenteus e P. costatus, e que as principais áreas de recrutamento destes peixes são as lagoas marginais dos tributários, nossos resultados podem contribuir para propostas de conservação desses berçários, assim como viabilizar o manejo adequado dos recursos pesqueiros do médio São Francisco. Palavras-chave: Populações, Peixes, Microssatélites, Rotas migratórias, São Francisco. ix ABSTRACT The São Francisco is one of the largest South America river basin and has suffered large impacts caused by human actions. The basin has a rich fish fauna, many of great importance for commercial fishing and for subsistence. The Minas Gerais State has a strong fishery activity and the Três Marias region is the most productive fishing region in the São Francisco basin. In this region, two fish species are abundantly found: Prochilodus argenteus (curimatã-pacu), representing almost 50% of the total catch, being the largest member of the Prochilodontidae family sometimes reaching a body weight of 15 kg and P. costatus (curimatã-pioa) that has an important ecological role and for subsistence fishing. Previous studies suggest the existence of distinct populations of P. argenteus and only one population of P. costatus in the Três Marias region. However, the structuring levels and migration patterns were not tested using individuals from tributaries of the middle São Francisco. Here we tested two hypotheses: (i) fishes recruited on marginal lagoons from tributaries live preferably in these tributaries; (ii) fishes recruited on marginal lagoons from tributaries preferentially migrate downstream to the main stream of the São Francisco River in the feeding season, returning upstream randomly or not to the tributaries for reproduction. Nine populations of P. argenteus with 273 specimens and five populations of P. costatus with 156 specimens were collected throughout middle São Francisco in the rainy and dry seasons. We used six highly polymorphic microsatellite loci and the results indicated high levels of variability within populations for both species. Additionally, low values of population differentiation were detected in P. argenteus (FST = 0,008, P < 0,008) and P. costatus (FST = 0,031, P < 0,008) with high values of gene flow (Nm) suggest the presence of a single population for both species in the middle São Francisco. Pairwise x indexes of RST indicated median values of population differentiation among some locations. In both species, the second hypothesis about migration routes has been accepted, which suggest that fish recruited in marginal lagoons of the tributaries migrate preferentially to the main stream of the São Francisco for feeding and, then migrate randomly to headwaters of tributaries for spawning. Possible migration routes of specimens recruited in marginal lagoons of the tributaries to the Três Marias region were detected during the reproductive season. The presence of resident groups immediately downstream the Três Marias Dam was confirmed, as suggested by previous studies. Considering the ecological and economic importance of P. argenteus and P. costatus and that the main recruitment areas are the marginal lagoons from tributaries, our results may contribute to proposals for conservation of these nurseries, as well as enable the adequate management of fishery resources of the middle São Francisco. Keywords: Populations, Fishes, Microsatellite loci, Migration routes, São Francisco basin. xi SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ............................................................................................................ v RESUMO .......................................................................................................................... vii ABSTRACT ........................................................................................................................ ix SUMÁRIO .......................................................................................................................... xi 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12 1.1. Bacia do Rio São Francisco ................................................................................................ 12 1.2. Gênero Prochilodus (Characiformes: Prochilodontidae) .................................................... 16 1.2.1. Prochilodus argenteus Agassiz, 1829 .............................................................................. 18 1.2.2. Prochilodus costatus Valenciennes, 1850 ........................................................................ 20 1.3. Genética de Populações de Prochilodus (Characiformes, Prochilodontidae) ..................... 21 2. OBJETIVOS .................................................................................................................. 28 3. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 29 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Padrões genético-populacionais em Prochilodus argenteus e P. costatus, espécies migradoras da bacia do rio São Francisco, sudeste do Brasil ............................................................................ 32 4.1. Introdução ........................................................................................................................... 33 4.2. Material e Métodos .............................................................................................................. 35 4.2.1. Caracterização da área de estudo e amostragem .............................................................. 35 4.2.2. Protocolos moleculares .................................................................................................... 38 4.2.3. Análises estatísticas .......................................................................................................... 39 4.3. Resultados ........................................................................................................................... 41 4.4. Discussão ............................................................................................................................. 51 4.5. Considerações finais ............................................................................................................ 59 5. CONCLUSÕES ............................................................................................................... 61 6. REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 62 12 1. INTRODUÇÃO 1.1. Bacia do rio São Francisco A bacia hidrográfica do rio São Francisco abrange uma área de 645 mil km² (7,6% do território nacional), sendo a terceira maior do Brasil e a primeira em extensão contida inteiramente em território brasileiro, situando-se entre 13º-21ºS e 36º-48ºW (Kohler 2003). Os rios correm, primeiramente, em sentido geral sul-norte e depois leste- oeste, drenando os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe e o Distrito Federal, além de cortar três grandes biomas: Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga (Godinho & Godinho 2003). Possui um total de 36 tributários, sendo que, na margem direita, destacam-se os rios Pará, Paraopeba, das Velhas, Jequitaí e Verde Grande, e na margem esquerda, Abaeté, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande, os quais garantem o fornecimento de 70% das suas águas em um trecho de 700 km (IBAMA 2007). Segundo Paiva (1982) e Sato & Godinho (1999), a bacia é dividida em quatro segmentos: (1) Alto: desde sua cabeceira, na Serra da Canastra, em São Roque de Minas (MG) até Pirapora (MG) (total de 630 km), com águas rápidas, frias e oxigenadas incluindo o grande Reservatório de Três Marias; (2) Médio: de Pirapora (MG) até Remanso (BA), com menor velocidade das águas e sujeito a grandes cheias (total de 1090 km); (3) Submédio: de Remanso (BA) até a cachoeira de Paulo Afonso (BA), estando praticamente barrado nesta região (total de 686 km); (4) Baixo: de Paulo Afonso (BA) até a foz no Oceano Atlântico (274 km), apresentando águas lentas e sob influência marinha. 13 Aproximadamente 70% da vazão que chega ao mar é proveniente dos rios de Minas Gerais (PLANVASF 1989). O estado abrange 36,8% de toda a bacia (CETEC 1983), onde vive cerca da metade de toda população do vale do São Francisco (CODEVASF 2003). A região de Três Marias, situada no meio-norte do estado, é conhecida por ser um dos principais centros de atividade pesqueira do São Francisco e um local onde muitas espécies de peixes migradores encontram condições favoráveis para maturação gonadal e desova como, por exemplo, à jusante do rio Abaeté (Sato et al. 2005). Os pescadores locais da região de Três Marias possuem os melhores equipamentos e dedicam-se mais intensamente à pesca do que os demais (Camargo & Petrere 2001; Godinho & Kynard 2008). A época chuvosa vai de novembro a fevereiro enquanto que a seca, de junho a agosto (Britski et al. 1988). Nessa região, situa-se a Usina Hidrelétrica (UHE) de Três Marias construída em 1961 com a proposta de regularizar o rio São Francisco, aumentar o volume d’água para navegação, controlar o fluxo e as inundações, privilegiar as irrigações e gerar energia hidrelétrica; situa-se também o reservatório de Três Marias, ocupando uma área de inundação de aproximadamente 100.000 ha (Britski et al. 1988; Sato et al. 2005). Nos últimos anos, muitos impactos antrópicos vêm sendo causados na bacia do rio São Francisco, tais como a degradação do solo, o desmatamento ciliar, a poluição doméstica, a extração mineral, a destruição das várzeas e lagoas marginais para fins agrícolas (Fig. 1) e a construção de barragens para a geração de energia hidrelétrica (Sato et al. 1987; Menezes 1996). Dois eventos importantes de transposições de rios da bacia do rio São Francisco maximizam esses impactos nas comunidades adjacentes. O primeiro, durante a construção do reservatório de Furnas no início da década de 60, no alto Paraná, em que as águas do rio Piumhi foram desviadas para as cabeceiras do São Francisco, causando um grande impacto, principalmente na composição da atual 14 ictiofauna do São Francisco (Moreira-Filho & Buckup 2005). E mais recentemente, o antigo e polêmico projeto de transposição de parte das águas do baixo São Francisco teve seu início e prevê a construção de dois canais (Eixo Norte: que levará águas para os sertões de PE, CE, PB e RN; e Eixo Leste: que beneficiará parte do sertão e as regiões do agreste de PE e PB) que alcançariam 700 quilômetros de extensão (Ministério da Integração Nacional – www.integracao.gov.br), onde ambientes aquáticos distintos dos já existentes serão criados, impactando as comunidades de peixes existentes. Fig. 1. O avanço das fronteiras agrícolas frente à uma lagoa marginal do leito principal do rio São Francisco, próxima à cidade de Manga, norte de Minas Gerais. Adaptado de Google Earth®. É sabido que a construção de barragens e a formação de represas causam diversos impactos negativos para as comunidades de peixes, tais como a modificação da composição e estrutura da ictiofauna, o bloqueio das rotas migratórias rio acima conhecidas como piracema, a inibição da reprodução e a interferência na alimentação e nas áreas de recrutamento de juvenis (Welcomme 1979; Grizzle 1981; Hickman & Hevel 1986; Agostinho et al. 1993). Além disso, o controle de geração de energia determina o fluxo à jusante da barragem, inibindo a ocorrência das grandes cheias e LAGOA BEIRADA RIO SÃO FRANCISCO 15 impedindo que muitas várzeas, antes alagáveis, deixem de receber água, comprometendo seu papel de berçários de jovens peixes migradores (Godinho & Godinho 2003). As barragens causam ainda um forte impacto negativo na pesca (Godinho & Godinho 1994), sendo que no São Francisco, um declínio acentuado tem sido verificado nos últimos 40 anos (Godinho & Godinho 2003). Na década de 70, a média era de 25 kg de peixe por dia para um pescador; nos anos 80 esse valor caiu para 11 kg (Sato & Godinho 2003). Costa et al. (1998) indicam que o trecho à jusante da represa de Três Marias e as porções baixas de seus afluentes devem ser consideradas como áreas prioritárias para a conservação de peixes, devido principalmente à presença de espécies endêmicas e ao fato de haver locais de reprodução de peixes de piracema. Rosa & Menezes (1996) listam diversas espécies de peixes ameaçadas na bacia do São Francisco: Brycon orthotaenia, Compsura heterura, Hemigrammus brevis, Hysteronotus megalostomus, Myleus altipinnis, Trachelyopterus leopardinus, Duopalatinus emarginatus e Lophiosilurus alexandrii. Subsequentemente, na lista de espécies ameaçadas de Minas Gerais, Lins et al. (1997) confirmam algumas espécies ameaçadas e apontam ainda diversas espécies de peixes comerciais e desportivas da mesma bacia, tais como Brycon orthotaenia (matrinchã), Conorhynchos conirostris (pirá), Lophiosilurus alexandrii (pacamã), Pseudoplatystoma corruscans (surubim), Rhinelepis aspera (cascudo-preto) e Salminus franciscanus (dourado). Considerando as extensões das regiões marginais comprometidas por diversas ações antrópicas, a existência de diversas espécies de comportamento migratório e a importância da pesca comercial e de subsistência nas regiões ribeirinhas, a bacia do rio São Francisco torna-se um importante cenário para o desenvolvimento de estudos genéticos visando uma melhor compreensão de aspectos como migração e distribuição 16 dos grupos amostrais e sua aplicabilidade em ações conservacionistas e de manejo de espécies de peixes. 1.2. Gênero Prochilodus (Characiformes: Prochilodontidae) A ordem Characiformes é uma das maiores e mais diversificadas, contendo cerca de 1.700 espécies (Nelson 2006), sendo exclusivamente de água doce e distribuída desde o sul da América do Norte (sul dos Estados Unidos e México), América Central, América do Sul (exceto o sul da Argentina e do Chile) e África, atingindo sua maior diversidade nas principais drenagens neotropicais (Buckup 1998). A ordem possui 14 famílias (Géry 1977; Reis et al. 2003), mas esse número varia para 15 (Ortí & Meyer 1997), 16 (Greenwood et al. 1996) ou 18 (Buckup 1998) devido a novas hipóteses de relacionamento, principalmente envolvendo Characidae, a maior família da ordem. Muitos Characiformes são de suma importância para a pesca (e.g. Brycon, Hydrocynus, Piaractus, Salminus) inclusive a família Prochilodontidae, que se destaca por sua abundância natural, ampla distribuição pela América do Sul e alta capacidade migratória. Esta família é reconhecidamente monofilética (Vari 1983; Castro & Vari 2004) e composta por três gêneros: Ichthyoelephas Posada Arango, 1909 com duas espécies restritas à Colômbia e Equador; Prochilodus Agassiz, 1829 com 13 espécies distribuídas nas bacias do Lago Maracaibo, Orinoco, Amazonas, Paraná-Paraguai, São Francisco, e rios costeiros do Brasil e das Guianas; e Semaprochilodus Fowler, 1941 com seis espécies conhecidas das bacias do Orinoco, Amazonas, Marowijne (Suriname e Guiana Francesa) e Tocantins. São distinguidos morfologicamente das demais famílias (exceto quando em estágio larval) pela presença de lábios carnudos contendo 17 duas séries de numerosos dentes falciformes ou espatulados, relativamente pequenos, unidos aos lábios protáteis, ao invés dos ossos das maxilas (Castro & Vari 2003, 2004). Peixes desta família podem ser encontrados em diversos habitats, desde lagoas marginais com fluxos para os rios principais, até rios moderadamente rápidos em regiões montanhosas, com ocorrência em águas escuras, claras e brancas (Castro & Vari 2003). Quanto a sua alimentação, são considerados iliófagos, os quais se alimentam de detritos e sedimentos (plantas, animais e detritos que aderem à vegetação, rochas e outras superfícies) que se acumulam na superfície subaquática. Adaptações anatômicas para esse tipo de alimentação são verificadas para esta família, tais como modificações nos maxilares, arcos branquiais e no sistema digestório (Bowen 1984; Bowen et al. 1984; Araújo-Lima et al. 1986). O acesso a esse recurso alimentar rico em energia e muito abundante em águas Neotropicais é a explicação mais provável para a notável abundância dos Prochilodontidae entre os peixes Neotropicais de água-doce (Castro & Vari 2003, 2004). Devido a essa grande abundância, os Prochilodontidae são considerados um dos componentes mais importantes da pesca comercial e de subsistência em ambientes de água-doce na América do Sul, com exceção do Chile, onde essas espécies não são encontradas (Lowe-McConnel 1975; Goulding 1981; Vari 1983). Apenas duas espécies de Semaprochilodus representam mais de 90% da pesca comercial no baixo rio Negro, na bacia amazônica (Goulding et al. 1988), enquanto que na bacia do Paraná, Prochilodus lineatus alcança de 50 a 90% da biomassa total de peixes nas porções baixas do rio e nas regiões de inundação (Bonetto 1986; Flecker 1996). Segundo dados da Estatística de Pesca do IBAMA (2007), no ano de 2007 foram pescadas mais de 28 mil toneladas de curimatãs (Prochilodus) e mais de 17 mil de jaraquis 18 (Semaprochilodus) representando, juntos, cerca de 20% de toda a pesca extrativa continental no país. Castro & Vari (2004) consideram dez espécies de Prochilodus ocorrendo no Brasil: P. brevis, P. hartii e P. lacustris nas bacias costeiras do nordeste; P. britskii da bacia do Tapajós, P. nigricans da bacia do Amazonas e do Tocantins e P. rubrotaeniatus dos afluentes do rio Negro, bacia amazônica; P. vimboides dos rios Jequitinhonha, Paraíba do Sul, costeiros e nas cabeceiras do alto Paraná e São Francisco; P. lineatus da bacia do rio da Prata e Paraíba do Sul. As outras duas espécies são endêmicas da bacia do São Francisco: P. argenteus e P. costatus. 1.2.1. Prochilodus argenteus Agassiz, 1829 Prochilodus argenteus Agassiz, 1829 (Fig. 2), previamente classificada como P. margravii Walbaum, 1792, é a espécie-tipo do gênero e popularmente conhecida como curimatã-pacu ou zulega. É endêmica do São Francisco e possui o maior porte da família Prochilodontidae, às vezes alcançando 15 kg (Sato et. al 1996a; Sato & Godinho 2003). É caracterizado por possuir corpo relativamente alto, comprimento padrão de aproximadamente 45 cm e pode ser distinguido por possuir 10 ou 11 fileiras horizontais de escamas entre a origem da nadadeira dorsal e a linha lateral versus 8 a 9 em P. costatus, espécie-irmã endêmica da mesma bacia (Britski et al. 1988; Castro & Vari 2004). 19 Fig. 2. Prochilodus argenteus, curimatã-pacu, rio São Francisco, Três Marias, MG, Brasil. Foto: Bruno F. Melo. A espécie representa cerca de 50% da produção do pescado na região de Três Marias (Godinho & Godinho 2003) e, embora seja endêmica do São Francisco, existem espécimes introduzidos em vários rios do nordeste do Brasil pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS (Castro & Vari 2004). Possui desova total, sendo que seu período reprodutivo estende-se de novembro a janeiro na estação chuvosa, coincidindo com a época de cheias, altas temperaturas e longos fotoperíodos (Sato et al 1996a; Caldeira et al. 2002). Nesta estação, grandes cardumes de Prochilodus argenteus são encontrados realizando migrações de piracema, rio acima. Sua capacidade altamente migratória foi primeiramente relatada por Pinheiro (1981) que recapturou espécimes a 1100 km rio acima após 168 dias da marcação e, em seguida por Paiva & Bastos (1982). Posteriormente, Godinho & Kynard (2006), utilizando o mesmo método (marcação e recaptura), observaram a existência de populações residentes e populações migradoras na porção média, e ainda a presença de pequenas (< 26 km) e grandes (> 53 km) migrações. Geneticamente, P. argenteus possui cariótipo com 2n=54 cromossomos como em outros Prochilodontidae (Pauls & Bertollo 1990) e sua estrutura populacional foi estudada através de marcadores RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) (Hatanaka & Galetti 2003) e microssatélites (Hatanaka et al. 2006). 20 1.2.2. Prochilodus costatus Valenciennes, 1850 Prochilodus costatus Valenciennes, 1850 (Fig. 3), primariamente classificado como P. affinis Reinhardt, 1874 e popularmente conhecido como curimatã-pioa, é filogeneticamente relacionado à P. argenteus (Castro & Vari 2004). Endêmico do São Francisco, a espécie tem importância comercial para a pesca profissional, alcançando 6 kg de peso corporal, sendo as fêmeas maiores que os machos (Sato et al. 1996a). É também considerado migrador de longa distância (Sato & Godinho 2003), alcançando até 232 km de distribuição linear (Alves 2007), principalmente na época reprodutiva. Fig. 3. Prochilodus costatus, curimatã-pioa, rio São Francisco, Três Marias, MG, Brasil. Foto: Bruno F. Melo. Na porção média da bacia, P. costatus possui um importante papel como recurso para a pesca artesanal sendo um dos mais capturados na região. (Camargo & Petrere 2001). Seu hábito detritívoro que envolve a transformação de sedimentos (Flecker 1996) contribui para um importante papel ecológico, tornando-se uma espécie-chave para programas de conservação (Carvalho-Costa et al. 2008). Prochilodus costatus, assim como P. argenteus, não tem encontrado condições apropriadas para reprodução na represa de Três Marias, dificultando a manutenção de suas populações (Pereira- Arantes et al. 2011). Possui cariótipo com 2n=54 cromossomos (Pauls & Bertollo 1990) 21 e apenas um estudo genético-populacional foi realizado com esta espécie utilizando marcadores moleculares microssatélites (Carvalho-Costa et al. 2008). 1.3. Genética de Populações de Prochilodus (Characiformes: Prochilodontidae) Os primeiros trabalhos com genética de populações de peixes no Brasil foram realizados com espécies marinhas e, principalmente aquelas de interesse comercial (Sardinella brasiliensis e Micropogonias furnieri), e datam das décadas de 70 e 80, usando níveis de polimorfismos em proteínas, os quais mostraram poucas evidências de diferenciação genética entre as populações analisadas na costa sul e sudeste do Brasil (Ngan & Vazzoler 1976; Vazzoler & Ngan 1976; Suzuki et al. 1983a, 1983b; Vazzoler & Ngan 1989). Nas décadas de 90 e início de 2000, foi predominante o uso de loci codificadores de proteínas, de polimorfismo em isozimas e marcadores RAPD, tanto em peixes marinhos (Levy et al. 1998; Beheregaray & Levy 2000; Oyarzún et al. 2000; Freitas et al. 2003) como em peixes de água-doce (Renno et al. 1990; Revaldaves et al. 1997; Dergam et al. 1998; Sekine et al. 2002; Wasko & Galetti 2002; Almeida et al. 2003). Subsequentemente, os avanços em técnicas inovadoras em biologia molecular, principalmente o advento do sequenciamento de DNA (Sunnucks 2000), puderam contribuir para a obtenção de marcadores moleculares mais eficientes para a genética de populações como os variáveis loci microssatélites (Jarne & Lagoda 1996) e sequências de DNA mitocondrial (mtDNA) (Avise et al. 1979). Microssatélites, ou simple sequence repeats (SSRs) são marcadores nucleares codominantes que possuem herança mendeliana, estão amplamente distribuídos ao longo do genoma pelos cromossomos e demonstram altos níveis de polimorfismos alélicos. Representam uma classe de sequências genômicas repetidas em tandem e são 22 tipicamente compostos de dois a seis nucleotídeos como (AC)n ou (GATAAT)n onde n corresponde entre 5 e 50 repetições (DeWoody & Avise 2000; Christiakov et al. 2006). As repetições dinucleotídicas são as mais frequentes (30–67%) e, em vertebrados, a repetição (AC)n é a mais encontrada (Toth et al. 2000). No genoma do baiacu japonês ou ‘fugu’ Takifugu rubripes, repetições dinucleotídicas têm a maior frequência (34%) em relação às demais (Edwards et al. 1998), sendo que 1,29% de seu genoma consiste de SSRs, enquanto que no baiacu de machas verdes (Tetraodon nigroviridis), os SSRs representam 3,21% de seu genoma (Crollius et al. 2000). Regiões microssatélites têm sido extensivamente utilizadas em estudos com genética de peixes, principalmente no campo da pesca e aquicultura, onde são utilizados para a caracterização de estoques genéticos, seleção dos reprodutores, construção de densos mapas de ligação, mapeamento de características quantitativas importantes economicamente e na aplicação de marcadores em programas de melhoramento (Chistiakov et al. 2006). Diversos estudos sobre a estrutura genética populacional em peixes Neotropicais de água doce têm focado principalmente espécies pertencentes às ordens Characiformes e Siluriformes (Oliveira et al. 2009), utilizando diferentes tipos de marcadores moleculares altamente polimórficos, incluindo os microssatélites (Barroso et al. 2005; Hatanaka et al. 2006; Hrbek et al. 2007; Abreu et al. 2009; Calcagnotto & DeSalle 2009; Matsumoto & Hilsdorf 2009; Pereira et al. 2009; Hausdorf et al. 2011). Populações de diferentes espécies de Prochilodus foram estudadas nas bacias sul-americanas por meio de marcadores moleculares nucleares e mitocondriais, tornando-se um importante modelo de estudos genéticos em peixes. No primeiro estudo buscando investigar a estrutura genética das populações, Revaldaves et al. (1997) utilizaram seis loci polimórficos de isozimas em três subpopulações de P. lineatus do 23 alto Paraná. Baixos índices de fixação e de distância genética e uma alta identidade genética evidenciaram uma única unidade reprodutiva panmítica com alto fluxo gênico nesta área de inundação estudada. Sivasundar et al. (2001) utilizaram sequências de mtDNA ATPase subunidades 6 e 8 em 21 espécimes, incluindo P. lineatus (bacia do rio Paraná), P. nigricans (bacia do rio Amazonas – Brasil e Peru), P. mariae (bacia do rio Orinoco – Venezuela), P. magdalenae (bacia do rio Magdalena – Colômbia) e Semaprochilodus como grupo externo, com o objetivo de analisar as relações filogenéticas entre estas espécies e correlacioná-las com sua distribuição biogeográfica. A fim de testar a hipótese filogeográfica de distribuição das espécies deste gênero, sequências da região controle D-loop do mtDNA foram analisadas para 26 espécimes de P. lineatus ao longo da bacia do rio Paraná e de seis outros espécimes de outras bacias. Os resultados mostraram que cada bacia hidrográfica contém um grupo monofilético de linhagens de mtDNA com P. magdalenae (rio Magdalena) sendo o grupo-irmão dos demais, ramificando subsequentemente no grupo do rio Orinoco, Amazonas e Paraná. Na análise filogeográfica, os resultados indicaram que haplótipos de mtDNA do Mogi- Guaçu têm estreita similaridade com haplótipos de indivíduos coletados no rio Bermejo, Argentina, a 2.600 km de distância e também apontaram diferentes haplótipos de D- loop com altos índices de fluxo gênico na bacia do rio Paraná, corroborando os resultados obtidos com isozimas. Dois outros estudos foram realizados com genética de populações de Prochilodus lineatus. Garcez-Silva (2006) analisou amostras dos rios Grande, Mogi- Guaçu e Pardo, utilizando técnicas de PCR-RFLP para o fragmento entre os genes ND2 e COI e da região controle D-loop, ambos no mtDNA. O primeiro fragmento mostrou- se pouco polimórfico e para a região controle, não foi observada divergência genética entre as populações, havendo apenas uma população panmítica, exceto amostras do rio 24 Pardo, as quais evidenciaram níveis significantes de divergência. Os autores sugerem que as alterações ambientais causadas pelas barragens não geraram, em curto prazo, diferenças significativas entre as populações estudadas, assim como não parecem estar diminuindo a variabilidade genética da espécie. Outro estudo com genética de populações de P. lineatus foi realizado por Morelli (2008), utilizando marcadores microssatélites e sequências de D-loop para testar a hipótese nula de ausência de estruturação genética em populações migradoras e residentes no rio Mogi-Guaçu, alto rio Paraná, amostrados em diferentes anos consecutivos em períodos de chuva e de seca. Os resultados obtidos evidenciaram diferenciação genética baixa para microssatélites e moderada para a região controladora, entre as populações que migram e as que permanecem residindo no rio Mogi-Guaçu. Com isso, Morelli (2008) sugere um isolamento temporal entre as populações, associado à formação aleatória de cardumes migradores e à inserção de novos indivíduos juvenis, alterando assim as frequências alélicas das populações. Outros Prochilodontidae foram utilizados como modelo de estudos filogeográficos nos rios do norte da América do Sul. Turner et al. (2004) utilizaram sequências mitocondriais de ND4 e citocromo oxidase C subunidade I em Prochilodus mariae, P. magdalenae, P. rubrotaeniatus e Semaprochilodus kneri das bacias do Orinoco, Magdalena, Essequibo e Amazonas. As análises intra-específicas sugerem que um complexo conjunto de processos tem influenciado os padrões de variação genética nas linhagens dos Prochilodontidae. Na bacia do rio São Francisco, alguns estudos com Prochilodus argenteus tiveram como objetivo detectar a estrutura das populações através de marcadores genéticos. No primeiro, Hatanaka & Galetti (2003) utilizaram marcadores RAPD em três subpopulações de P. argenteus – à jusante da UHE Três Marias, entre UHE e o rio Abaeté, e à jusante do rio Abaeté. Os resultados evidenciaram diferenças nos padrões de 25 bandas de segmentos amplificados ao acaso nas populações pertencentes às regiões estudadas, sendo sugerida pelos autores, a existência de diferentes unidades reprodutivas estruturadas, vivendo em ambientes distintos. No segundo, Hatanaka et al. (2006) utilizaram marcadores microssatélites em duas subpopulações (à jusante da UHE Três Marias e à jusante do rio Abaeté – cerca de 30 km de distância) coletadas em três anos não-consecutivos (1997, 2001 e 2003). Embora os resultados mostrem um baixo índice de diferenciação populacional estatisticamente significante, os autores destacam um elevado índice de heterozigosidade para um locus (0.647) e a existência de alelos privados, ambos na região à jusante do rio Abaeté. Com isso, os autores reforçam a ideia de que diferentes unidades reprodutivas de P. argenteus podem coexistir – modelo de populações estruturadas – mesmo apresentando um índice de diferenciação populacional significativamente baixo. Recentemente, dois outros estudos foram realizados com P. argenteus. Rojas (2008) utilizou marcadores dominantes AFLP (Amplified Fragment Lenght Polymorphism) para construir mapas de ligação e constatar a variabilidade genética em populações coletadas à montante da barragem de Três Marias. Seus resultados evidenciam uma alta homogeneidade dos indivíduos de F1 que foram repovoados à montante em relação aos indivíduos de estoques naturais à jusante, sugerindo que estudos genéticos se fazem necessários na definição de programas de repovoamento de peixes na região. Subsequentemente, Campos (2009) analisou a mesma população do estudo anterior utilizando 13 loci microssatélites. Baixos índices de homozigosidade e altos índices de heterozigotos em relação ao esperado e FIS negativo dão indícios da ocorrência de um efeito gargalo (bottleneck) recente na população cultivada. Além de Prochilodus argenteus, outros estudos foram realizados com P. costatus. Carvalho-Costa et al. (2008) utilizaram seis loci microssatélites em três 26 localidades da região de Três Marias: à jusante da UHE Três Marias, no rio Abaeté e à jusante do rio Abaeté. Baixos índices de FST e níveis de diversidade genética similares entre as subpopulações sugerem a existência de uma única unidade reprodutiva nesta área estudada, diferentemente do encontrado nos estudos com P. argenteus (Hatanaka et al. 2006). Num segundo estudo, Silva (2011) utilizou dez loci de microssatélites em três subpopulações do alto rio São Francisco, coletadas em épocas distintas. Seus resultados também mostram baixos índices de diferenciação populacional, sugerindo a existência de um único pool gênico na área estudada, corroborando os resultados de Carvalho- Costa et al. (2008) na região de Três Marias. Como observado, estudos prévios apontam a existência de fraca ou mediana estruturação genética entre as populações de Prochilodus argenteus para a região de Três Marias. No entanto, essa hipótese ainda não foi testada com uma grande amostragem de várias localidades ao longo da bacia. O mesmo ocorre com a hipótese da existência de apenas uma população de P. costatus. Estudos utilizando uma extensa amostragem se fazem necessários para a detecção de possíveis populações isoladas sem fluxo gênico e a existência de rotas migratórias nas diferentes épocas do ano. Considerando que as espécies P. argenteus e P. costatus se reproduzem em lagoas marginais do rio São Francisco e de seus principais tributários (Camargo & Petrere 2001), não se tem conhecimento sobre a real migração dos peixes que ocorrem no trecho médio da bacia, onde a pesca comercial é realizada com maior frequência. Tendo em vista a eficiência já demonstrada na identificação de populações de peixes com marcadores moleculares, incluindo os microssatélites, o estudo da composição genética de exemplares coletados em lagoas marginais e no leito do rio São Francisco pode fornecer informações sobre os principais locais de reprodução dos peixes e suas rotas percorridas nos diferentes períodos. Essa identificação pode ser extremamente útil para 27 o desenvolvimento de projetos de conservação das áreas de recrutamento e de reprodução, bem como das espécies estudadas e para o manejo adequado dos recursos pesqueiros, extremamente relevante para a população ribeirinha e para a pesca comercial. 28 2. OBJETIVOS Tendo em vista a eficiência na identificação de populações de Prochilodus utilizando polimorfismos alélicos de microssatélites, considerando as extensões das regiões marginais ameaçadas do médio São Francisco, e considerando a importância ecológica de P. argenteus e P. costatus para as comunidades aquáticas e a importância econômica para a sociedade, este estudo objetivou, prioritariamente, identificar as áreas de reprodução mais prováveis de P. argenteus e P. costatus na porção média do São Francisco. Duas hipóteses foram levantadas: (i) os peixes que nascem nas lagoas marginais dos tributários vivem preferencialmente nesses próprios tributários, não migrando para o leito do São Francisco, ou fazendo isso muito raramente. Assim o rio seria habitado por exemplares que nascem nas suas próprias lagoas marginais; (ii) os peixes que nascem nas lagoas marginais dos tributários migram preferencialmente para o leito do São Francisco durante seu período de alimentação, retornando aleatoriamente ou não para as cabeceiras dos tributários durante a reprodução. Outro ponto importante foi avaliar o padrão de estruturação dos grupos amostrais para uma melhor compreensão da diferenciação populacional que ocorre nesta bacia. 29 3. MATERIAL E MÉTODOS Tendo em vista que a barragem de Três Marias representa um obstáculo intransponível para os peixes, consideramos o médio São Francisco como sendo a região entre Três Marias (MG) e a desembocadura do rio Carinhanha, no qual a movimentação dos peixes é, aparentemente, livre. A amostragem foi realizada numa amplitude de cerca de 600 km, desde à jusante da UHE Três Marias (Três Marias-MG) até a fronteira dos estados de Minas Gerais e Bahia (Carinhanha-BA). Neste estudo, consideramos a região de Três Marias compreendendo duas localidades. A primeira localidade está situada imediatamente abaixo da barragem, próxima ao perímetro urbano de Três Marias (MG) com duas coletas temporalmente distintas, uma na estação seca (TMDd – Três Marias Dam, dry season) e outra na chuvosa (TMDr – rainy season). A segunda localidade, cerca de 30 km abaixo da primeira, está situada à jusante do rio Abaeté, próxima a uma colônia de pescadores denominada Pontal. Neste importante local, as espécies de peixes migradores encontram condições apropriadas para a maturação e desova, diferentemente do local imediatamente abaixo da barragem (Sato et al. 2005). À jusante do Abaeté, as amostras foram coletadas em apenas um período sazonal, a estação chuvosa (ABAr). O mapa da Fig. 4 representa as duas localidades da região de Três Marias. 30 Fig. 4. Mapa da Região de Três Marias, estado de Minas Gerais. Triângulos amarelos correspondem aos pontos de coleta: imediatamente à jusante da UHE Três Marias (TMD) e cerca de 30 km abaixo, na confluência com o Rio Abaeté (ABA). Setas indicam o fluxo da água no rio. Adaptado de Google Earth®. As oito lagoas marginais do rio São Francisco (que formam o grupo amostral SFR) estão localizadas no norte de MG, à jusante do rio Pandeiros, próximas às cidades de Januária (MG), Itacarambi (MG) e Manga (MG). Estas lagoas recebem ovos fecundados de peixes provenientes da piracema, quando os rios principais estão conectados, formando grandes áreas alagadas. Quando as chuvas cessam, essas lagoas permanecem isoladas do leito desde março a outubro. As coletas de SFR foram realizadas exatamente neste período, quando as lagoas estavam isoladas. Deste modo, e considerando que essas espécies possuem fecundação externa, podemos supor que os genitores certamente migraram para as cabeceiras na piracema e os ovos fecundados alcançaram as lagoas marginais então conectadas. Os cinco grupos amostrais restantes, localizadas em cinco grandes afluentes, completam a amostragem. Lagoas marginais do rio das Velhas (VEL), Jequitaí (JEQ), Rio Abaeté Rio São Francisco Reservatório de Três Marias Três Marias - MG TMD ABA 31 Urucuia (URU), Paracatu (PAR) e Carinhanha (CAR) recebem ovos fecundados de seus próprios tributários, nas porções altas, resultantes da migração de cardumes na piracema. Quando por acaso, esses ovos não encontram estas lagoas, seu destino pode ser as lagoas do próprio São Francisco. Alguns afluentes estão seriamente comprometidos pela ação antrópica, tais como o rio das Velhas, densamente povoado e passivo de influência doméstica e industrial da região metropolitana de Belo Horizonte (MG) e o rio Paracatu que, embora esteja situado numa área menos povoada, vem sofrendo crescente pressão antrópica com o desenvolvimento da agricultura de cerrado (Godinho & Godinho 2003), Com isso, muitas lagoas estão comprometidas e/ou apresentam diminuição na composição da fauna de peixes juvenis. Amostras de tecido (fragmento de nadadeira caudal, peitoral ou pélvica ou tecido muscular) foram retiradas de animais recém capturados. Os que permaneceram vivos foram soltos em seu local de captura. Exemplares de cada espécie foram fixados em formol a 10% e conservado em etanol 70% na coleção de peixes do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes (LBP) do Instituto de Biociências da UNESP, Botucatu, como testemunhos e para futuros estudos morfológicos. Os tecidos foram catalogados na ordem “espécie > população > indivíduo”, preservados em etanol 95% a -5ºC na coleção de tecidos. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os estudos com genética de populações das duas espécies migradoras de Prochilodus da bacia do Rio São Francisco foram organizados na forma de um manuscrito. É apresentada uma parte introdutória com sua justificativa, objetivos, material e métodos utilizados, resultados obtidos e a discussão. 32 Padrões genético-populacionais em Prochilodus argenteus e P. costatus, espécies migradoras da bacia do rio São Francisco, sudeste do Brasil Population genetic patterns in migratory fishes Prochilodus argenteus and P. costatus from the São Francisco Basin, southeastern Brazil Resumo Prochilodus argenteus e P. costatus são espécies migradoras de longa distância e de grande importância pesqueira na bacia do rio São Francisco devido à sua elevada abundância. São recrutados em lagoas marginais amplamente distribuídas principalmente na porção média da bacia e, quando jovens, realizam migrações para o leito para alimentação. Na época reprodutiva, realizam migrações rio acima para maturação e desova. No presente estudo, analisamos seis loci microssatélites em nove amostragens de P. argenteus e cinco amostragens de P. costatus do leito principal e de seus tributários para testar a hipótese nula da existência de uma única população na área estudada e da provável rota de migração entre os peixes destas espécies. Altos níveis de variabilidade intrapopulacional foram detectados para ambas as espécies. Entretanto, baixos índices de diferenciação populacional detectados em P. argenteus (FST = 0,008, P < 0,008) e em P. costatus (FST = 0,031, P < 0,008), associados a altos valores de fluxo gênico sugerem a presença de apenas uma unidade panmítica em todo o médio São Francisco em ambas as espécies. Índices de RST par-a-par apontaram valores medianos de diferenciação entre as populações coletadas na época seca e as populações coletadas na época chuvosa. Com base em índices de fixação, fluxo gênico, distância genética e análise bayesiana, podemos sugerir que os peixes recrutados nas lagoas marginais dos tributários migram preferencialmente para o leito principal do São Francisco para alimentar-se e, na piracema, migram aleatoriamente para as cabeceiras 33 dos tributários. Possíveis rotas de migração entre os peixes recrutados nas lagoas marginais dos tributários para a região de Três Marias na época reprodutiva foram detectadas. A presença de indivíduos residentes imediatamente à jusante da UHE Três Marias foi confirmada, como sugerida por estudos anteriores. Considerando a importância econômica de P. argenteus e P. costatus, e que as principais áreas de recrutamento destes peixes são as lagoas marginais dos tributários, nossos resultados podem contribuir para propostas de conservação desses berçários, assim como viabilizar o manejo adequado dos recursos pesqueiros do médio São Francisco. 4.1. Introdução Os Prochilodontidae ocorrem abundantemente nas principais drenagens da América do Sul e são considerados um dos componentes mais importantes da pesca comercial e de subsistência em ambientes de água-doce Neotropical (Lowe-McConnel 1975; Goulding 1981, Vari 1983). Prochilodus argenteus Agassiz, 1829, espécie-tipo do gênero e popularmente conhecida como curimatã-pacu, é o maior representante da família Prochilodontidae, às vezes alcançando 15 kg de peso corporal (Sato et al. 1996a), sendo considerado um dos peixes mais importantes para a pesca comercial e esportiva da bacia do São Francisco (Camargo & Petrere 2001; Godinho et al. 2003) representando cerca de 50% da pesca total na região de Três Marias (Sato & Godinho 2003). Prochilodus costatus Valenciennes, 1850 pode alcançar mais de 6 kg (Sato & Godinho 2003), possui um importante papel como recurso para a pesca artesanal sendo um dos mais capturados (Camargo & Petrere 2001), embora não possua a mesma importância para a pesca no São Francisco como P. argenteus (Sato & Godinho 2003). 34 O São Francisco é a maior bacia hidrográfica em extensão contida inteiramente no território brasileiro, cobrindo uma área de 7,6% de seu território total, do sudeste ao nordeste, com domínios ecológicos variando de Mata Atlântica até Cerrado e Caatinga. Sua porção central é caracterizada pela presença de muitas várzeas e lagoas marginais, importantes berçários para o recrutamento de espécies de peixes migradores. Nos últimos anos, muitos impactos antrópicos têm sido causados na bacia do São Francisco, tais como a degradação do solo, desmatamento, poluição industrial e doméstica, extração mineral, destruição de várzeas e lagoas marginais para agricultura e a construção de grandes barragens para a geração de energia hidrelétrica (Sato et al. 1987; Menezes 1996). Além disso, importantes aspectos ecológicos em peixes no São Francisco, tais como os relacionados a locais de alimentação e de reprodução, estrutura e composição dos cardumes, comportamento de homing e distâncias percorridas entre habitats permanecem pouco conhecidos (Sato & Godinho 2003). Estudos com genética de populações têm sido aplicados para se determinar a estrutura e dinâmica das populações de diversas espécies animais usando marcadores moleculares variáveis, tais como microssatélites e sequências de DNA mitocondrial (Zhang & Hewitt 2003). Microssatélites são marcadores nucleares codominantes com herança mendeliana, que estão abundantemente distribuídos pelo genoma e apresentam altos níveis de polimorfismos (DeWoody & Avise 2000). A estrutura populacional e a variabilidade genética populacional evidenciada por marcadores microssatélites são extensivamente aplicadas em estudos evolutivos de uma grande variedade de espécies de peixes (Chistiakov et al. 2006; Oliveira et al. 2009, para revisão), incluindo alguns Neotropicais de água-doce (Barroso et al. 2005; Hatanaka et al. 2006; Hrbek et al. 2007; Abreu et al. 2009; Calcagnotto & DeSalle 2009; Matsumoto & Hilsdorf 2009; Pereira et al. 2009; Hausdorf et al. 2011). 35 Estudos populacionais foram realizados com Prochilodus argenteus à jusante da UHE Três Marias usando marcadores RAPD (Hatanaka & Galetti 2003), microssatélites (Hatanaka et al. 2006) e também usando métodos de marcação e recaptura (Pinheiro, 1981; Paiva & Bastos 1982; Godinho & Kynard 2006). Igualmente, populações de P. costatus foram estudadas com marcação e recaptura (Alves 2007) e com microssatélites (Carvalho-Costa et al. 2008). Entretanto, não se tem conhecimento sobre as principais rotas de migração de P. argenteus e P. costatus no médio São Francisco. Considerando a eficácia na identificação de populações através de alelos microssatélites, considerando a existência de regiões marginais ameaçadas no médio São Francisco, e considerando a importância ecológica e econômica dessas espécies, o objetivo deste presente estudo foi identificar os padrões migratórios realizados por P. argenteus e P. costatus que são encontrados no médio São Francisco e obter dados mais robustos sobre a estrutura genético-populacional destas espécies. 4.2. Material e Métodos 4.2.1. Caracterização da área de estudo e amostragem Os pontos de coleta de Prochilodus argenteus e P. costatus estão representados na Tabela 1. Nove amostragens de P. argenteus com um total de 273 indivíduos foram realizadas entre os meses de Julho/2008 e Julho/2010 ao longo de cerca de 600 km no médio São Francisco (Fig. 5). Destas, cinco foram coletadas em lagoas marginais dos tributários: rio das Velhas (VEL), rio Jequitaí (JEQ), rio Paracatu (PAR), rio Urucuia (URU) e rio Carinhanha (CAR); uma amostragem coletada em lagoas marginais do rio São Francisco (SFR); e três amostragens coletadas no leito principal do São Francisco: à jusante da UHE Três Marias na estação chuvosa (TMDr) e na estação de seca (TMDd) e 36 à jusante do rio Abaeté (ABAr). Cinco amostragens de P. costatus totalizando 156 espécimes foram realizadas no mesmo período: um grupo proveniente das lagoas do rio Paracatu (PAR), um das lagoas do próprio rio São Francisco, dois grupos coletados à jusante da UHE Três Marias (TMDd e TMDr) e um grupo coletado à jusante do rio Abaeté (ABAr) (Fig. 6). Tabela 1. Amostragem de Prochilodus argenteus e P. costatus na bacia do rio São Francisco coletadas entre julho/2008 e julho/2010. Amostras de TMDr e ABAr da estação chuvosa (novembro a fevereiro) e amostras de TMDd coletadas na estação de seca (março a outubro). Traços representam localidades com amostragens insuficientes ou não-amostradas. Localidade Pontos de coleta Coordenadas geográficas Amostragem P.argenteus (N) P.costatus (N) REGIÃO DE TRÊS MARIAS Jusante UHE Três Marias (TMD) 18º12’32’’S / 45º15’41’’O TMDd 33 (seca) 33 (seca) TMDr 22 (chuvosa) 26 (chuvosa) Jusante Rio Abaeté (ABA) 18º01’01’’S / 45º10’56’’O ABAr 33 (chuvosa) 31 (chuvosa) LAGOAS DO RIO SÃO FRANCISCO Lagoa Lapinha 14º57’45’’S / 43º58’10’’O SFR 33 33 Lagoa Grande 15º30’27’’S / 44º17’04’’O Lagoa Beirada 14º34’19’’S / 43º56’15’’O Lagoa Lavagem 14º49’30’’S / 43º55’46’’O Lagoa Maris 14º25’17’’S / 43º52’42’’O Lagoa Ipueira 15º32’11’’S / 44º23’44’’O Lagoa Cajueiro 15º05’29’’S / 44º01’07’’O Lagoa Banguê 15º18’46’’S / 44º07’30’’O LAGOAS DO RIO DAS VELHAS Lagoa Periperi 17º26’14’’S / 44º43’40’’O VEL 28 - Lagoa Tiririca 17º13’33’’S / 44º48’27’’O Lagoa Capivara 17º18’50’’S / 44º47’16’’O Lagoa Maria Joana 17º19’30’’S / 44º45’57’’O Lagoa do Saco 17º17’21’’S / 44º47’08’’O LAGOAS DO RIO JEQUITAÍ Lagoa Cascalho 17º09’55’’S / 44º36’54’’O JEQ 33 - Lagoa Lagoão 17º04’39’’S / 44º43’30’’O Lagoa Tapera 17º05’46’’S / 44º42’40’’O LAGOAS DO RIO PARACATU Lagoa Piranhas 16º38’54’’S / 45º09’39’’O PAR 33 33 Lagoa Faz. Sertaneja 17º04’07’’S / 45º34’42’’O Lagoa Ferradura 17º02’03’’S / 46º02’03’’O Lagoa Redonda 17º15’43’’S / 46°16’38’’O Lagoa Neves 17º38’33’’S / 46º22’38’’O Lagoa Água Limpa 16º37’24’’S / 45º10’20’’O Lagoa Názara 17º15’43’’S / 46º26’38’’O LAGOAS DO RIO URUCUIA Lagoa Cinquenta 16º09’18’’S / 45º43’01’’O URU 33 - Lagoa Sucupira 15º37’01’’S / 46º10’33’’O Lagoa Encantada 16º01’34’’S / 45º58’15’’O Lagoa Silvério 15º59’06’’S / 46º00’07’’O Lagoa Taboada 15º33’22’’S / 46º15’30’’O Lagoa Capão Grosso 15º51’47’’S / 46º07’36’’O Lagoa Piranhas 15º48’32’’S / 46°05’14’’O LAGOAS DO RIO CARINHANHA Lagoa Água B ranca 14º19’08’’S / 43º51’18’’O CAR 25 - Lagoa Peixe Gordo 14º20’09’’S / 43º47’48’’O Lagoa Pau Branco 14º19’28’’S / 43º48’28’’O Lagoa Morrinhos 14º19’39’’S / 43º48’55’’O Lagoa Rio Velho 14º19’22’’S / 43º49’35’’O TOTAL 273 156 37 Fig. 5. Mapa de distribuição dos grupos amostrais de Prochilodus argenteus no médio São Francisco. Círculos representam lagoas marginais dos tributários, losangos representam lagoas marginais do próprio rio São Francisco e triângulos representam os pontos de coleta no leito do rio na Região de Três Marias. Fig. 6. Mapa de distribuição dos grupos amostrais de Prochilodus costatus no médio São Francisco. Círculos representam lagoas marginais dos tributários, losangos representam lagoas marginais do próprio rio São Francisco e triângulos representam os pontos de coleta no leito do rio na Região de Três Marias. io São Francisco Círculos representam lagoas PAR URU SFR CAR JEQ VEL ABA TMD PAR SFR ABA TMD édi Sã F i Cí l t l 38 4.2.2. Protocolos moleculares O DNA total foi isolado através do método de extração de Aljanabi & Martinez (1997) e então preservado em água ultrapura autoclavada. As amplificações foram realizadas em amostras de Prochilodus argenteus utilizando seis loci de microssatélites (Par66, Par69, Par71, Par76, Par83 e Par85) e em amostras de P. costatus utilizando os mesmos loci com a adição de Par80 no lugar de Par76 (monomórfico para esta espécie) (Barbosa et al. 2008) como descrito na Tabela 2. Tabela 2. Relação dos primers para análise de microssatélites desenvolvidos por Barbosa et al (2008). Sequências F (forward) e R (reverse) no sentido 5’ – 3’ e os seis loci utilizados (+) em cada espécie. Locus Repetição Primers Tamanho (pb) P. argenteus P. costatus Par66 (AACA)12 F: 5’-TCTATAACTGTGGTCGTATG-3’ R: 5’-GAGGTTTTGAGATCAGTTG-3’ 153-185 + + Par69 (TTAT)7(TCAT)6 F: 5’-AATCTTTTCTAGGCTGTAGG-3’ R: 5’-GGGAAGTAGAAAGAAGAAAC-3’ 222-256 + + Par71 (GA)24 F: 5’-TGTCGTCTGAAAGGAGTC-3’ R: 5’-GAGGTTGTCCATTTTTAGAG-3’ 237-281 + + Par76 (CAGT)16 F: 5’-GGGTTACATTACATTCTAGG-3’ R: 5’-CAAGTCTCTTCTGCTAACTG-3’ 226-242 + – Par80 (CT)37 F: CTAACCTACAAACCTCATTC R: CTGTAAAAGCTCCACTTATC 221-279 – + Par83 (CACT)11 F: 5’-CATTTTCTAACAGCACTCC-3’ R: 5’-TTCTTGTTCTCCTGTGTAAC-3’ 264-300 + + Par85 (AG)25 F: 5’-CCACTTAATGAGACCACAC-3’ R: 5’-TTTCATTAGACTCGGTGAG-3’ 227-271 + + Todas as reações de PCR (Polymerase Chain Reaction) foram realizadas utilizando os aparelhos termocicladores MJ Research, INC. modelos PTC-100™Pro e Veriti 96, Applied Biosystems. As amplificações foram realizadas em uma solução com um volume total de 12,5μl com 7,3 μl de H2O, 1,25 μl tampão (10X), 0,45 μl MgCl2 (50mM), 0,4 μl dNTP (2mM), 0,5 μl de cada primer (10mM), 0,1 μl de Taq DNA polimerase e 2,0 μl de DNA. As reações consistiram de uma sequência de denaturação inicial a 95ºC por 5 min, 36 ciclos com denaturação da cadeia a 95ºC por 30s, hibridização dos primers a 52º por 30s e extensão dos nucleotídeos a 72ºC por 30s seguido pela extensão final a 72ºC por 10 min. Os produtos amplificados foram 39 aplicados em géis de poliacrilamida, separados por eletroforese com cerca de 130v e 100mA por aproximadamente 13 horas e corados com nitrato de prata (modificado de Bassam et al. 1991). O tamanho dos alelos foi identificado com marcador de peso molecular de 10 pb (10 bp DNA Ladder, Invitrogen) usando o software KODAK DIGITAL SCIENCE 1D. 4.2.3. Análises estatísticas O número total de alelos (Na) e o número de alelos privados (Np) foram obtidos com programa POPGENE 1.32 (Yeh & Boyle 1997). Para a construção e exportação das matrizes utilizadas em outros programas e as estimativas de alelos privados foi utilizado o software GENALEX 6.1 (Peakall & Smouse 2006). Heterozigosidade esperada e observada (He, Ho), índice de fixação FIS (Wright 1951) e teste exato de desequilíbrio de Hardy-Weinberg (HWE) (valor de significância P < 0,05) foram calculados com 1.000.000 de cadeias markovianas de Monte Carlo (MCMC), das quais 100.000 primeiras foram descartadas (‘burn-in’) e realizadas com ARLEQUIN 3.1 (Excoffier et al. 2005). Os níveis de significância para os testes de HWE, FST e RST foram ajustados usando as correções de Bonferroni (Rice 1989), sendo a correção padrão para HWE (P ≤ α/k, onde α representa o índice de significância 0,05 e k o número de loci) e sequencial para índices de fixação (P ≤ α/k, onde α representa o índice de significância 0,05 e k o número de estimativas). Para inferir a causa mais provável dos desvios de HWE foi utilizado o software MICROCHECKER 2.2.1 (van Oosterhout et al. 2004) com a estimativa de alelos nulos segundo a equação 2 de Brookfield (1996). As análises realizadas no MICROCHECKER podem indicar: (i) presença de stutters (série de bandas causada provavelmente devido ao deslizamento da Taq polimerase durante a PCR) (Schlotterer & Tautz 1992; Hauge 40 & Lit 1993), (ii) dropout, alelos menores amplificados com mais frequência em relação aos alelos de maior tamanho, explicado pela amplificação preferencial (Banks et al. 1999), (iii) alelos nulos, resultantes da não amplificação de alguns alelos devido à substituições, inserções ou deleções no sítio de hibridização dos primers (Callen et al. 1993). O fluxo gênico foi estimado como número de migrantes por geração (Nm) de acordo com o método de alelos privados (Slatkin 1985) e o desequilíbrio de ligação foi estimado para todos os loci através de GENEPOP 4.0.1 (Raymond & Rousset 1995). Para os cálculos de diferenciação populacional, os índices de fixação FST (Weir & Cockerham 1984), assumindo o infinite allele model (IAM, Kimura & Crow 1964) e RST (Slatkin 1995) assumindo o stepwise mutation model (SMM, Kimura & Otha 1978) e a análise de variância molecular (AMOVA) (Excoffier et al. 1992) calculada para todos os loci e para todas as populações com 16.000 permutações (Guo & Thomson 1992) foram calculados com ARLEQUIN 3.1 (Excoffier et al. 2005). Para os cálculos de AMOVA, as populações foram primeiramente consideradas como um grupo. Em seguida as populações de Prochilodus argenteus foram consideradas como divididas em dois grupos: grupo 1 (Região de Três Marias – ABAr, TMDd e TMDr) e grupo 2 (Lagoas marginais – SFR, VEL, JEQ, PAR, URU e CAR). Por outro lado, as populações de P. costatus foram primeiramente consideradas como apenas um grupo e, posteriormente divididas em dois grupos: grupo 1 (Região de Três Marias – ABAr, TMDd e TMDr) e grupo 2 (Lagoas marginais – LSF e PAR). Os índices de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967) corrigida para o tamanho amostral foram calculados com GENECLASS2 (Piry et al. 2004) e seus valores foram usados para construir uma árvore não-enraizada de neighbor- joining (Saitou & Nei 1987) usando o programa PAUP 4.0B10 (Swofford 2003). O dendograma pôde ser visualizado com o programa FigTree 1.3.1. O software 41 STRUCTURE 2.3.3 (Pritchard et al. 2000) foi usado para calcular o nível de estrutura populacional através de uma análise bayesiana. Um modelo ancestral admixture com frequências alélicas correlacionadas foi usado para determinar a estrutura das populações. Cinco corridas independentes foram realizadas para cada K (K = 1 a 9 em Prochilodus argenteus e K = 1 a 5 em P. costatus). Todas as corridas consistiram de um “burn-in” de 100.000 passos, seguidos por 500.000 MCMC (Markovian chain of Monte Carlo). 4.3. Resultados Diversidade genética em Prochilodus argenteus Genótipos de 273 espécimes de nove amostragens da bacia do São Francisco foram analisados. Todos os loci foram altamente polimórficos. Um total de 99 alelos foi detectado para todos os loci em todas as amostragens. O número de alelos por locus variou de três (Par76) a 21 (Par85) com 9,68 alelos como média geral (Tabela 3). Dezenove alelos privados foram encontrados em baixa frequência (≤ 0,05), exceto o alelo 239 (0,052 – Par85 – URU). Os índices de HO e HE variaram de 0,379 (Par69) a 0,937 (Par71) e de 0,473 (Par69) a 0,951 (Par85) (Tabela 3). Das 54 estimativas de FIS, 41 apresentaram valores positivos (deficiência de heterozigotos) e 13 apresentaram valores negativos (excesso de heterozigotos). A média geral para todos os loci e em todas as populações foi de FIS = 0,123, P < 0,008 (Tabela 4). O déficit de heterozigotos foi significativamente detectado em todos os loci, exceto Par66 (FIS = –0,035, P > 0,008) e a diversidade genética total variou de FIT = -0,037, P > 0,008 (Par66) a 0,256, P < 0,008 (Par85) (Tabela 4). 42 A hipótese nula (H0) de equilíbrio de Hardy-Weinberg foi aceita em 48 das 54 estimativas com valores significantes de P > 0,008 após correção de Bonferroni. Assim, foi verificada significância de desvio em seis estimativas, na maioria das vezes no locus Par85 (Tabela 3). Em todas as ocorrências, os valores significantes de desequilíbrio estavam associados à presença de alelos nulos (Tabela 3). Este fator foi verificado em 14 estimativas e a presença de stutters foi verificada em apenas um locus (Par85 – TMDr). O fluxo gênico para todos os loci foi estimado em 5,894 migrantes por geração (Nm). Não foi observada evidência de desequilíbrio de ligação em quaisquer loci analisados (P > 0,05), permitindo com que a variação alélica fosse tratada como independente. Tabela 3. Dados de seis loci microssatélites para cada amostragem de Prochilodus argenteus analisada. N = número de indivíduos; Na = número de alelos; Np = número de alelos privados; Ho = heterozigosidade observada; He = heterozigosidade esperada; FIS = índice de fixação (endogamia); HWE = valores probabilísticos de concordância com o equilíbrio de Hardy-Weinberg; * = P ≤ 0,008 ajustados com a correção de Bonferroni; R = frequência de alelos nulos por locus. População Loci Par66 Par69 Par71 Par76 Par83 Par85 ABAr N 30 32 22 30 31 21 Na/Np 9/1 5/0 10/0 5/0 12/0 15/1 Ho 0.733 0.656 0.682 0.666 0.677 0.428 He 0.787 0.641 0.860 0.732 0.844 0.927 FIS 0.069 -0.023 0.211 0.091 0.200 0.543 HWE 0.473 0.026 0.018 0.565 0.132 0.000* R - - 0.515 - 0.195 0.641 TMDd N 30 31 19 32 26 28 Na/Np 8/0 7/1 12/2 4/0 16/1 18/0 Ho 0.833 0.451 0.789 0.687 0.769 0.750 He 0.799 0.568 0.901 0.688 0.904 0.947 FIS -0.043 0.208 0.127 0.001 0.151 0.211 HWE 0.488 0.079 0.079 0.533 0.056 0.002* R - - - - - 0.309 TMDr N 20 19 19 22 22 19 Na/Np 7/0 4/0 10/0 3/0 13/1 16/0 Ho 0.800 0.526 0.737 0.727 0.818 0.737 He 0.774 0.621 0.850 0.669 0.860 0.939 FIS -0.034 0.156 0.137 -0.089 0.050 0.219 HWE 0.640 0.033 0.426 0.326 0.211 0.048 R - - - - - 0.292 LSF N 27 29 26 27 28 30 Na/Np 7/0 6/0 12/0 4/0 13/0 20/0 Ho 0.778 0.379 0.807 0.518 0.785 0.933 43 População Loci Par66 Par69 Par71 Par76 Par83 Par85 He 0.746 0.646 0.890 0.740 0.865 0.951 FIS -0.042 0.417 0.094 0.303 0.093 0.019 HWE 0.834 0.009 0.099 0.038 0.831 0.672 R - 0.356 - 0.392 - - VEL N 26 17 25 25 14 20 Na/Np 7/0 6/1 8/0 4/0 9/0 17/0 Ho 0.807 0.588 0.760 0.640 0.643 0.650 He 0.767 0.693 0.851 0.703 0.830 0.939 FIS -0.054 0.155 0.109 0.091 0.232 0.313 HWE 0.469 0.230 0.697 0.664 0.092 0.000* R - - - - - 0.495 JEQ N 32 33 26 14 18 28 Na/Np 7/0 7/0 11/0 4/0 10/1 19/1 Ho 0.875 0.636 0.807 0.643 0.611 0.750 He 0.789 0.624 0.865 0.717 0.839 0.946 FIS -0.110 -0.018 0.068 0.106 0.278 0.210 HWE 0.771 0.881 0.009 0.262 0.088 0.012 R - - - - 0.652 0.308 PAR N 33 32 25 29 24 27 Na/Np 8/1 7/0 15/1 4/0 9/0 21/3 Ho 0.848 0.656 0.840 0.483 0.708 0.740 He 0.823 0.693 0.916 0.678 0.834 0.951 FIS -0.030 0.054 0.085 0.291 0.153 0.224 HWE 0.051 0.258 0.125 0.094 0.048 0.000* R - - - 0.319 - 0.349 URU N 33 29 16 17 31 29 Na/Np 7/0 5/0 8/0 4/0 15/1 16/1 Ho 0.818 0.379 0.937 0.706 0.838 0.482 He 0.823 0.565 0.863 0.693 0.890 0.923 FIS 0.006 0.333 -0.089 -0.018 0.059 0.481 HWE 0.341 0.001* 0.636 0.545 0.019 0.000* R - 0.334 - - - 0.385 CAR N 23 21 21 24 21 21 Na/Np 9/0 5/0 12/2 4/0 13/0 16/0 Ho 0.869 0.523 0.714 0.583 0.762 0.809 He 0.793 0.473 0.877 0.703 0.888 0.933 FIS -0.098 -0.108 0.189 0.173 0.145 0.136 HWE 0.482 0.807 0.031 0.159 0.019 0.053 R - - - - - - O índice de diferenciação genética FST (baseado no modelo de mutação IAM) entre as populações de Prochilodus argenteus para todos os loci não foi significantemente diferente de zero (FST = 0,008, P < 0,05) sugerindo a ausência de diferenciação populacional nessa amostragem. O mesmo índice apresentou-se baixo em todos os loci, variando de -0,003 (Par66, Par69) a 0,021 (Par71) (Tabela 4). O índice FST par-a-par para todos os loci também mostrou valores baixos, variando de -0,054 (ABAr com JEQ) a 0,007 (ABAr com TMDd) (Tabela 5). O índice de diferenciação 44 genética RST total (baseado no modelo SMM) evidenciou valores relativamente mais elevados, (RST = 0,059, P < 0,008) (Tabela 4). O mesmo índice par-a-par também apresentou valores mais elevados, variando de -0.460 (ABAr com PAR) a 0.184 (TMDr com PAR). Tabela 4. Índices de fixação FIS, FIT, FST e RST em Prochilodus argenteus. *, P ≤ 0,008 após correção de Bonferroni. Locus FIS FIT FST RST Par66 -0.035 -0.037 -0.003 0.002 Par69 0.133* 0.128* -0.003 -0.006 Par71 0.107* 0.124* 0.021* 0.131* Par76 0.116* 0.124* 0.011 0.028 Par83 0.141* 0.149* 0.011 0.066* Par85 0.255* 0.256* 0.007 0.074* Média 0.123* 0.128* 0.008* 0.059* Tabela 5. Diferenciação genética interpopulacional FST (acima) e RST (abaixo) em Prochilodus argenteus. * P < 0,05, após correção sequencial de Bonferroni. ABAr TMDd TMDr SFR VEL JEQ PAR URU CAR ABAr - 0.007 -0.000 -0.005 -0.038 -0.054 0.005 -0.015 0.001 TMDd 0.079 - -0.007 -0.004 -0.021 -0.042 -0.003 -0.018 -0.003 TMDr -0.006 -0.007 - 0.002 -0.037 -0.052 -0.005 -0.025 -0.001 SFR -0.012 0.024 -0.040 - -0.037 -0.038 -0.002 -0.021 -0.001 VEL -0.107 0.059 -0.201 -0.031 - -0.040 -0.013 -0.062 -0.018 JEQ -0.101 0.114 -0.117 0.006 0.031 - -0.019 -0.027 -0.051 PAR -0.460 0.184* 0.013 0.117* 0.015 0.138* - -0.023 0.002 URU -0.032 0.020 -0.005 -0.005 -0.127 -0.032 -0.000 - -0.028 CAR -0.015 0.064 -0.026 0.007 -0.090 -0.013 0.016 -0.017 - Na análise de variância molecular (AMOVA) e considerando todas as populações fazendo parte de um grupo, a maior parte da variância total foi encontrada dentro das populações, com FST = 99,18%, enquanto que a variância entre as populações foi de apenas 0,82%. Quando utilizamos o índice RST, a variação genética dentro das populações foi inferior (94,03%) ao FST e a variação entre as populações aumentou consideravelmente (5,97%). Quando consideramos as populações 45 possivelmente fazendo parte de dois grupos, os índices (FST) de AMOVA também são consideravelmente superiores dentro das populações (99,13%), seguido pela variação entre os grupos (0,10%) e pela variação entre as populações dentro de cada grupo (0,76%). Comparados com FST, a variância dos índices RST dentro das populações foi inferior (93,73%), seguido pela variância entre as populações dentro dos grupos que foi cinco vezes maior (5,57%) e pela variância entre os grupos que permaneceu quase que inalterada (0,70%). A ausência de estruturação genética foi confirmada pela análise bayesiana pelo STRUCTURE, evidenciando a existência de uma única unidade panmítica, como evidenciada pela distribuição igual das probabilidades no gráfico (Fig. 7). Fig. 7. Gráfico de barras representando a análise bayesiana e evidenciando a ausência total de estruturação entre as nove amostragens de Prochilodus argenteus no médio São Francisco. Os valores de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967) foram estimados par-a-par e variaram de 24,0% (JEQ – PAR) a 35,3% (ABAr – URU). Foram encontrados índices mais elevados entre URU e as demais populações, exceto para TMDd. A Tabela 6 mostra os índices de distância genética para todos os loci em todas as populações de Prochilodus argenteus. ABAr TMDd TMDr SFR VEL JEQ PAR URU CAR 46 Tabela 6. Valores de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967) entre todas as populações de Prochilodus argenteus. Valores em %. ABAr TMDd TMDr SFR VEL JEQ PAR URU CAR ABAr - TMDd 32.7 - TMDr 28.4 27.3 - SFR 29.4 23.8 27.2 - VEL 31.0 31.9 29.0 25.2 - JEQ 26.7 30.0 27.9 24.7 27.8 - PAR 31.2 29.1 29.2 28.7 28.4 24.0 - URU 35.3 29.0 32.0 31.1 32.4 31.5 30.7 - CAR 29.7 28.4 28.2 27.6 26.9 29.3 29.8 31.5 - Outra evidência da ausência de diferenciação entre os grupos amostrais é mostrada no dendograma de distância genética (Fig. 8) baseado nos valores de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967). Os agrupamentos que são formados indicam uma distância genética menor entre as respectivas amostragens. Fig. 8. Dendograma de distância genética chord de Cavalli-Sforza & Edwards (1967) gerado a partir do método de neighbor-joining (Saitou & Nei 1987). 0.01 47 Variabilidade genética em Prochilodus costatus Cinco grupos amostrais com um total de 156 espécimes de Prochilodus costatus da bacia do São Francisco foram analisados. Todos os loci utilizados nas análises foram altamente polimórficos, com um total de 112 alelos detectados para todos os loci em todas as populações. O número de alelos por locus variou de quatro (Par69) a 26 (Par85) com 12,96 alelos como média geral (Tabela 7). Dezenove alelos privados foram encontrados em baixa frequência (≤ 0.04) em todos os loci e em todas as populações. Os valores de heterozigosidade observada e esperada variaram de 0,231 (Par69) até 0,958 (Par71) e de 0,580 (Par69) até 0,960 (Par85), respectivamente (Tabela 7). As estimativas do índice de fixação FIS que detecta endogamia baseando na deficiência ou excesso de heterozigotos apontaram 24 comparações com valores positivos (deficiência de heterozigotos) e seis comparações com valores negativos (excesso de heterozigotos). A deficiência de heterozigotos foi predominante em todos os loci, tendo apresentado positivo como média geral em todas as populações (FIS = 0,113, P < 0,008) (Tabela 8). Entre os seis loci, a diversidade genética total variou de FIT = 0,0018, P > 0,008 (Par66) a 0,262, P < 0,008 (Par69). Testes para detecção de desequilíbrio genotípico entre os loci microssatélites indicaram que todas as populações apresentam desequilíbrio significante em pelo menos um locus, sendo Par71 o que mais apresentou esse desvio. Das 30 estimativas, apenas sete apresentaram-se em desequilíbrio e destas, seis estavam associadas à presença de alelos nulos (Tabela 7). Adicionalmente, alelos nulos foram verificados em oito estimativas, estando associados ao excesso de homozigotos. Presença de stutters foi verificada no locus Par71 (PAR). O fluxo gênico estimado foi de Nm = 10,259 migrantes por geração. Não foi detectado desequilíbrio de ligação em quaisquer loci 48 analisados (P > 0,05), permitindo com que a variação alélica fosse tratada como independente. Tabela 7. Dados de seis loci microssatélites para cada amostragem de Prochilodus costatus analisada. N = número de indivíduos; Na = número de alelos; Np = número de alelos privados; Ho = heterozigosidade observada; He = heterozigosidade esperada; HWE = valores probabilísticos de concordância com o equilíbrio de Hardy-Weinberg; *, P < 0.008 ajustado com a correção de Bonferroni; R = frequência de alelos nulos por locus. População Loci Par66 Par69 Par71 Par80 Par83 Par85 ABAr N 30 28 29 30 26 31 Na/Np 6/0 7/0 16/1 13/0 15/0 26/5 Ho 0.833 0.535 0.827 0.600 0.692 0.935 He 0.741 0.731 0.915 0.710 0.904 0.960 FIS -0.126 0.270 0.097 0.158 0.238 0.026 HWE 0.320 0.001* 0.044 0.077 0.016 0.717 R - 0.278 - - 0.335 - TMDd N 33 26 31 33 26 32 Na/Np 7/1 5/1 16/1 16/2 12/0 22/0 Ho 0.788 0.231 0.742 0.909 0.731 0.906 He 0.803 0.615 0.915 0.912 0.879 0.946 FIS 0.020 0.629 0.192 0.003 0.171 0.043 HWE 0.388 0.000* 0.000* 0.367 0.087 0.019 R - 0.511 0.187 - - - TMDr N 25 26 24 26 25 26 Na/Np 7/0 4/0 16/1 10/1 16/0 17/0 Ho 0.720 0.577 0.958 0.500 0.880 0.846 He 0.734 0.580 0.930 0.843 0.908 0.939 FIS 0.020 0.006 -0.031 0.411 0.032 0.101 HWE 0.332 0.607 0.000* 0.000* 0.292 0.129 R - - - 0.178 - - LSF N 28 18 25 27 22 25 Na/Np 7/0 6/0 16/0 17/1 13/0 18/1 Ho 0.750 0.666 0.680 0.889 0.909 0.800 He 0.782 0.647 0.903 0.865 0.889 0.936 FIS 0.042 -0.030 0.251 -0.028 -0.023 0.148 HWE 0.050 0.612 0.002* 0.210 0.489 0.109 R - - 0.431 - - - PAR N 29 31 29 31 19 28 Na/Np 7/0 6/0 14/0 16/1 17/1 21/2 Ho 0.724 0.677 0.620 0.774 0.947 0.786 He 0.812 0.730 0.914 0.874 0.927 0.942 FIS 0.110 0.073 0.325 0.116 -0.022 0.168 HWE 0.215 0.656 0.000* 0.074 0.988 0.057 R - - 0.322 - - 0.290 O índice global de FST para Prochilodus costatus evidenciou ausência significante de estruturação genética populacional no médio São Francisco (FST = 0,031, P < 0,05), corroborado pelo valor de RST (0,044, P < 0,05) (Tabela 8). Os valores 49 significantes de FST par-a-par também indicam a ausência de estruturação em todas as estimativas, variando de -0.005 a 0.049. Os valores de RST par-a-par evidenciam de leve a moderada estruturação, variando de -0.010 a 0.113. Os maiores valores são encontrados nas comparações entre SFR e as demais populações. (Tabela 9). Tabela 8. Índices de fixação FIS FST e FIT e RST para todas as populações de Prochilodus costatus. *, P ≤ 0,008, após correção de Bonferroni. Tabela 9. Índices de fixação FST (acima) e RST (abaixo) comparativo entre cada população de Prochilodus costatus. * P < 0,05, após correção sequencial de Bonferroni. ABAr TMDd TMDr SFR PAR ABAr - 0.017* 0.049* 0.040* 0.039* TMDd 0.052 - 0.031* 0.020* 0.017* TMDr 0.001 -0.010 - 0.018* -0.005 SFR 0.054 0.113* 0.064 - 0.005 PAR 0.012 0.062* -0.010 0.011 - Para os índices de AMOVA, a maior parte da variância total está dentro das populações (FST = 96,82%; RST = 95,59%), enquanto que entre as populações o valor a variância é de FST = 3,18% e RST = 4,41%. Quando consideramos em dois grupos, a variância molecular permanece quase que inalterada, com FST = 96,66% e RST = 94,22% dentro das populações; FST = 2,95%; RST = 2,30% entre as populações dentro de grupos; e FST = 0,38%; RST = 3,47% entre os grupos. Como visto, o índice RST apresentou valores mais elevados entre os grupos que entre as populações dentro de cada grupo. Os valores de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967) variaram de 32,6% (TMDr – PAR) a 39,6% (SFR – ABAr). O grupo amostral que Locus FIS FIT FST RST Par66 0.014 0.018 0.004 0.006 Par69 0.199* 0.262* 0.078* 0.096* Par71 0.171* 0.186* 0.018 0.063 Par76 0.121* 0.198* 0.087* 0.077* Par83 0.089* 0.087* -0.002 0.034 Par85 0.093* 0.092* -0.001 0.014 Média 0.113* 0.139* 0.031* 0.044* 50 apresenta índices mais discrepantes em relação aos demais foi SFR (Tabela 10). O dendograma gerado a partir dos valores de distância genética mostra graficamente a conexão entre ABAr e TMDd e entre PAR e TMDr, tendo SFR como a mais distante em relação às demais (Fig. 9). Adicionalmente, a análise bayesiana realizada por interações de cadeias markovianas gerada pelo programa STRUCTURE também evidencia ausência de estruturação (Fig. 10). Tabela 10. Valores de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967) entre todas as amostragens de Prochilodus costatus. Valores em %. ABAr TMDd TMDr SFR PAR ABAr - TMDd 33.6 - TMDr 36.2 35.2 - SFR 39.6 37.5 38.7 - PAR 34.8 33.5 32.6 35.9 - Fig. 9. Dendograma de distância genética de chord (Cavalli-Sforza & Edwards 1967) gerado por neighbor-joining (Saitou & Nei 1987) entre as populações de Prochilodus costatus. 0.01 51 Fig. 10. Gráfico de barras gerado pela análise bayesiana evidenciando a ausência de estruturação entre as amostragens de Prochilodus costatus no médio São Francisco. 4.4. Discussão Padrões genético-populacionais em Prochilodus argenteus Níveis de variabilidade dos loci microssatélites, com média de 9,68 alelos por locus em Prochilodus argenteus foram semelhantes aos relatados para peixes de água doce, sendo a média de 9,1 alelos por locus em outras espécies (DeWoody & Avise 2000; Oliveira et al. 2009). Os índices de heterozigosidade encontradas no presente estudo (0,379 – 0,937) foram superiores àqueles encontrados por Hatanaka et al. (2006) (0,050 – 0,647) e similares aos encontrados por Barbosa et al. (2008) na caracterização dos loci utilizados (0.629 – 0.926). Podemos explicar esses valores pela ampla amostragem realizada e pela escolha dos loci desenvolvidos por Barbosa et al. (2008), os quais possuem níveis elevados de polimorfismo para esta espécie. No entanto, em 75,9% de nossas estimativas, os valores de heterozigosidade observados foram menores que o esperado (FIS positivo) sugerindo assim a deficiência de heterozigotos nas populações. A deficiência de heterozigotos é bastante comum em peixes e está associada à subdivisão populacional (efeito Wahlund) e endogamia (O’Connell & ABAr TMDd TMDr SFR PAR 52 Wright 1997). Adicionalmente, Brookfield (1996) assume que a presença de alelos nulos, sem subdivisão populacional, é a principal causa da deficiência de heterozigotos. De fato, a presença de alelos nulos no presente estudo foi verificada em 25,9% das estimativas, e sempre associada aos índices significantes de desequilíbrio de Hardy- Weinberg. Considerando que nossos resultados não apontam subdivisão populacional, a deficiência de heterozigotos pode então ser explicada pela endogamia e pela ocorrência de alelos nulos. Desvios significantes no HWE (P < 0,05 após correção de Bonferroni) foram encontrados em apenas seis estimativas, mostrando que a grande maioria das populações (88,8%) está equilibrada. Desvios de HWE são comuns em regiões microssatélites (Alam & Islam 2005; Carreras-Carbonell et al. 2006; Chevolot et al. 2006). Para esta mesma espécie, Hatanaka et al. (2006) encontraram populações com desvios significantes de HWE em dois dos quatro loci utilizados. Causas de desvios de HWE podem estar associadas ao alto número de alelos por locus, ocorrência de alelos nulos, stuttering ou drop-out, efeito Wahlund, seleção de alelos específicos e endocruzamento (Pereira et al. 2009). A hipótese de ocorrência de alelos nulos e stuttering serem os causadores dos desvios parece ser a mais provável, uma vez que em todas as estimativas com desvios significantes de HWE em nossos resultados, existe ocorrência de alelos nulos. De acordo com Wright (1978), índices FST com valores abaixo de 0,05 indicam pequena diferenciação genética; entre 0,05 e 0,15, moderada diferenciação; entre 0,15 e 0,25, grande diferenciação; e valores acima de 0,25, diferenciação muito elevada. Índices significantemente baixos de diferenciação populacional foram detectados entre as nove amostragens de Prochilodus argenteus na bacia do São Francisco, como indicados em diferentes testes estatísticos. O índice FST mostrou-se bastante inferior (0,008, P < 0,05), se comparado ao RST (0,059, P < 0,05). Esses índices são baseados 53 em modelos de mutações distintos, sendo FST associado ao IAM e o RST associado ao SMM. É esperado que os valores de RST, sob o modelo SMM, sejam maiores que os valores de FST (Slatkin 1995), embora o inverso já tenha sido verificado em outras espécies de peixes (e.g. Pereira et al. 2009). O índice FST encontrado no presente estudo é idêntico ao encontrado por Hatanaka et al. (2006) com populações de Prochilodus argenteus exclusivamente da região de Três Marias (0,008, P < 0,05). No entanto, estes autores sugerem a existência de populações estruturadas, baseando-se na simples ocorrência de alelos privados e níveis de heterozigosidade elevados em uma das regiões estudadas. Por outro lado, nossos resultados não demonstram diferenciação genética baseada em valores FST par-a- par entre populações da região de Três Marias e nem apresentam diferenças nos valores de heterozigosidade e de presença de alelos privados. Com isso, sugerimos a existência de apenas uma unidade panmítica de P. argenteus não somente na região de Três Marias, mas também em todo o médio São Francisco até a desembocadura do rio Carinhanha. Baixos índices de FST têm sido verificados para outras espécies de Characiformes, tais como em Colossoma macropomum (Santos et al. 2007), Piaractus mesopotamicus (Calcagnotto & DeSalle 2009; Iervolino et al. 2010), Prochilodus argenteus (Hatanaka et al. 2006), Prochilodus costatus (Carvalho-Costa et al. 2008), Prochilodus lineatus (Revaldaves et al. 1997; Morelli 2008) e Salminus brasiliensis (Lopes et al. 2007). Estudos prévios demonstram que exemplares de Prochilodus argenteus são capazes de realizar grandes migrações rio acima, principalmente na piracema, podendo alcançar até 1100 km de distância (Pinheiro 1981). Este comportamento pode explicar a existência de um considerável número de migrantes por geração (Nm) para todas as amostragens e para todos os loci estimado em 5,894. Nei (1987) sugere que valores 54 acima de um migrante por geração indicam que o fluxo gênico constitui um fator positivo contra a diferenciação genética entre populações. De fato, a existência de uma única unidade panmítica com evidências de endocruzamento, associada ao comportamento altamente migratório da espécie, reforça a ideia da extensiva troca de genes entre os cardumes. Em ambas as propostas de agrupamento amostral (um grupo ou dois grupos) e em ambos os índices (FST e RST) de AMOVA, a variação interpopulacional apresentou- se mínima (0,10% a 5,97%) e a variação entre grupos não foi significativamente detectada. Estes resultados mostram que as amostras pertencentes à região de Três Marias (grupo 1) não são isoladas das populações que estão sendo recrutadas nas lagoas marginais (grupo 2). Com isso, podemos aceitar a segunda hipótese levantada, sugerindo que as populações de Prochilodus argenteus que são recrutadas nas lagoas marginais dos tributários migram preferencialmente para o leito do São Francisco no período de alimentação e em seguida, migram para a região de Três Marias ou retornam aleatoriamente às cabeceiras dos tributários para o período reprodutivo. Além disso, os índices FST, RST, AMOVA, distância genética de chord e análise bayesiana não puderam detectar uma população destoante das demais que possuísse similaridade com os indivíduos coletados à jusante do rio Abaeté no período chuvoso. Assim, essa importante área recebe indivíduos não apenas de uma região exclusivamente, mas de várias regiões de todo o médio São Francisco. A região de confluência entre o rio São Francisco e o rio Abaeté é considerada um dos principais pontos de desova de Prochilodus argenteus na época chuvosa, principalmente pelas condições limnológicas oferecidas pela junção dos dois rios (Sato et al. 2005). Como sugerido por Hatanaka & Galetti (2003), uma menor fração completa sua migração em direção à jusante da UHE durante o período reprodutivo, enquanto a 55 maior parte possivelmente migra para locais com condições ambientais mais favoráveis para reprodução. Sato et al. (2005) encontraram indivíduos com tamanho e peso corporal superiores e com melhores condições reprodutivas no trecho abaixo da confluência com o rio Abaeté em comparação com indivíduos acima da confluência, sob influência da barragem. Nossos resultados indicam diferenciação par-a-par entre essas duas regiões (ABAr e TMDd) com valores medianos de RST (0,079) e de distância genética (32,7%), sugerindo que nem todos os indivíduos presentes na estação seca imediatamente a jusante da UHE Três Marias migram até a jusante do Abaeté para desovar na época chuvosa. Adicionalmente, as comparações entre TMDd e TMDr apresentaram valores relativamente baixos de diferenciação (RST = -0,007) e de distância genética (27,3%), sugerindo a existência de indivíduos residentes no trecho a jusante da UHE Três Marias. Nossos dados corroboram a hipótese de Godinho & Kynard (2006), que relatam um padrão dualístico de migração em Prochilodus argenteus, com populações residentes (variação de ≤ 1 km) e migradoras (variação de > 53 km). Os autores sugerem ainda que os indivíduos adultos da população a jusante da UHE não migram rio abaixo, mas permanecem em seu local parecendo exigir a passagem para a montante, hipótese condizente com os resultados do presente estudo. Prochilodus argenteus representa a maior parcela da biomassa (50%) dos recursos pesqueiros da região de Três Marias e de todo o São Francisco. Os resultados encontrados no presente estudo podem subsidiar programas de conservação das áreas de recrutamento como várzeas e lagoas marginais, visto que os peixes existentes na região de Três Marias parecem ser recrutados nas lagoas dos tributários e do próprio São Francisco. Lagoas marginais de tributários como o rio das Velhas, extremamente ameaçadas devido, principalmente à ação antrópica, servem como berçários para jovens dessa espécie e devem ser conservadas. Adicionalmente, o manejo adequado de 56 espécimes de P. argenteus torna-se extremamente relevante para a pesca comercial e de subsistência no médio São Francisco. Padrões genético-populacionais em Prochilodus costatus A variabilidade genética encontrada nas cinco amostragens de Prochilodus costatus do médio São Francisco apresentou-se bastante elevada. O número total de alelos (112) e sua média geral (12,96) foram superiores aos encontrados em populações da mesma espécie por Carvalho-Costa et al. (2008). A explicação baseia-se na utilização de diferentes loci, possivelmente devido aos loci utilizados no presente estudo possuírem taxas de polimorfismos maiores que aqueles utilizados no estudo supracitado. Os índices de fixação (FIS) encontrados para P. costatus foram positivos em 80% das estimativas, indicando deficiência de heterozigotos, assim como observado por Carvalho-Costa et al. (2008) e por Silva (2011). Causas prováveis para a deficiência de heterozigotos em nosso estudo são a endogamia e a presença de alelos nulos, estes encontrados em 26,6% das estimativas. Os alelos nulos também justificam as rejeições significantes de HWE (P > 0,008, após correção de Bonferroni) encontradas no presente estudo, assim como encontrados por Silva (2011). Carvalho-Costa et al. (2008) foram os primeiros a estudar populações de Prochilodus costatus e encontraram níveis baixos de estruturação par-a-par (FST = - 0,009 – 0,006) em populações coletadas à jusante da UHE Três Marias, no rio Abaeté e na confluência entre os dois rios, todas no período reprodutivo. Adicionalmente, os resultados de Silva (2011) corroboram os baixos índices par-a-par encontrados por Carvalho-Costa et al. (2008), sugerindo a existência de um único pool gênico nos rios do alto São Francisco. Nossos resultados são condizentes com os encontrados 57 anteriormente. Os índices FST e RST apresentaram valores significativamente baixos (FST = 0,031, P < 0,05; RST = 0,044, P < 0,05) (Tabela 8) com um alto índice de Nm (10,2 migrantes por geração) confirmando a hipótese nula de ausência de estruturação populacional. Esta hipótese evidenciada pelos índices de fixação é corroborada pela distância genética homogênea (Tabela 10) e pela análise bayesiana (Fig. 10). Resultados interessantes referem-se às comparações par-a-par com o índice RST, as quais apresentaram níveis moderados de estruturação (Tabela 9). Esses valores foram detectados entre a os indivíduos de SFR e ABAr (0,054, P > 0,008), entre SFR e TMDd (0,113, P < 0,008) e entre SFR e TMDr (0,064, P > 0,008), enquanto que entre SFR e PAR, as quais possuem uma menor distância geográfica, esses valores são menores (0,011, P > 0,008). Podemos sugerir então que a amostragem das lagoas marginais do próprio São Francisco (SFR) possui uma moderada estruturação baseada em valores RST, em relação às amostragens da região de Três Marias (ABAr, TMDd e TMDr). Adicionalmente, PAR apresenta um índice RST significativamente moderado apenas em comparação com TMDd (0,062, P < 0,008), sugerindo que os peixes das lagoas do rio Paracatu (PAR) tendem a migrar para a região de Três Marias na estação chuvosa. Os valores de RST para AMOVA corroboram a moderada diferenciação entre os grupos, evidenciando valores um pouco mais elevados de variação genética entre o grupo da região de Três Marias (grupo 1 – ABAr, TMDd e TMDr) e o das lagoas marginais (grupo 2 – PAR e SFR). A distância genética de chord revela valores mais altos nas comparações entre SFR e as demais populações, corroborando os valores de RST par-a- par e sugerindo um isolamento dessa população no médio São Francisco. Com isso, podemos aceitar a segunda hipótese, em que os exemplares de P. costatus que são recrutados nas lagoas marginais dos tributários (rio Paracatu) migram preferencialmente para o leito do São Francisco no período de alimentação e, no período reprodutivo 58 migram para a região de Três Marias ou às cabeceiras dos tributários aleatoriamente, diferentemente dos indivíduos recrutados nas lagoas do próprio São Francisco. Juvenis de P. costatus provenientes das lagoas do Paracatu (PAR) apresentam índices baixos de RST e de distância genética em comparação com indivíduos à jusante da TMDr (-0,010 e 32,6%, respectivamente), evidenciando a provável migração de indivíduos do rio Paracatu para a região de Três Marias na época chuvosa, como visto em Prochilodus argenteus no presente estudo (Tabela 5). Adicionalmente, valores medianos de RST foram detectados entre ABAr e TMDd (0,052, P > 0,008) e baixos valores entre ABAr e TMDr (0,001, P > 0,008) e entre TMDd e TMDr revelando o mesmo padrão verificado para P. argenteus. Em suma, os indivíduos que alcançam as águas à jusante da UHE Três Marias permanecem instalados devido à ausência de acesso à montante da barragem, tornando-se então residentes. Considerando que Prochilodus costatus representa um importante recurso para a pesca profissional e artesanal como um dos mais capturados da região (Camargo & Petrere 2001), nossos resultados podem fornecer bases para o manejo adequado da pesca desta espécie no médio São Francisco. Como mostrado em nossos resultados, lagoas marginais do rio Paracatu são de extrema importância para o recrutamento de P. costatus e, medidas de conservação destas áreas, as quais possuem fortes pressões da agricultura de cerrado (Godinho & Godinho 2003), podem contribuir para a manutenção dos recursos pesqueiros para esta espécie no médio São Francisco. 59 4.5. Considerações finais Os resultados obtidos para as duas espécies de Prochilodus endêmicas do São Francisco são similares quando nos referimos em diferenciação genético-populacional. Baseando-se em índices estatisticamente significantes de fixação, AMOVA, níveis de fluxo gênico, distância genética e análise bayesiana, podemos sugerir para as duas espécies, o “modelo panmítico” de estruturação. Indivíduos de ambas as espécies são representados por apenas uma unidade reprodutiva panmítica em todo o médio São Francisco, desde a jusante da barragem de Três Marias até o rio Carinhanha. O “modelo panmítico” pressupõe que todos os indivíduos amostrados podem consistir em uma única unidade panmítica com livre troca de genes (May & Kruger 1990; Baverstock & Moritz 1996). Além disso, a similaridade entre as populações aumenta quando existem altos níveis de migração e fluxo gênico (Neigel 1997). Os índices de fluxo gênico encontrados no presente estudo foram bastante elevados, reforçando a hipótese de existência de uma única população. Comparativamente, os índices de fixação par-a-par para Prochilodus costatus apresentaram-se mais elevados em relação à P. argenteus, podendo ser explicado pela maior distância geográfica entre as amostragens. Amostras de P. argenteus foram coletadas em todos os grandes afluentes da porção média da bacia, enquanto que amostras de P. costatus foram coletadas em pontos mais isolados, possivelmente tornando o índice mais elevado entre as amostragens mais distantes. Entretanto, essas discrepâncias não alteraram os índices totais, permanecendo baixos e sem poder de estruturação. Ess