DENIS RENÓ1 LUCIANA RENÓ2 RESUMO O gênero documentário por si caracteriza pela emancipação cidadã a partir dos conteúdos discutidos em suas obras. Denominado como imagens do povo por Jean-Claude Bernardet (2003), o documentário ganha força no desenvolvimento social quando somado à participação cidadã oferecida pela narrativa transmídia. Este estudo apresenta, a partir de resultados obtidos através de uma investigação bibliográfica, da análise fílmica e da experimentação apoiada na metodologia quase-experimental, resultados que reforçam essas condições. Espera-se, a partir dessa discussão, consolidar o desenvolvimento sistematizado de obras documentais transmídia numa nova ecologia midiática e que potencializa o papel do jornalismo por uma plataforma tradicionalmente audiovisual, agora com outras vertentes para a representação da notícia. PALAVRAS-CHAVE Comunicação. Jornalismo. Documentário. Jornalismo cidadão. ABSTRACT The genre documentary in itself characterized by citizen emancipation from the content discussed in his works. Termed as images of the people by Jean-Claude Bernardet (2003), the documentary is gaining traction in social development when added to citizen participation offered by transmedia storytelling. This study presents the results obtained from a literature search, the film analysis and experimentation supported in quasi-experimental methodology, results that support these conditions. Hopefully, from this discussion, consolidate the systematic development of transmedia documentary works in new media ecology and that maximizes the role of journalism by a traditionally audiovisual platform, now with other strands to the representation of the news. KEYWORDS Communication. Journalism. Documentary. Citizen journalism. Recebido em: 22/04/2014. Aceito em: 24/06/2014. 1 Pós-doutor pela Universidade de Aveiro e pela Universidad Complutense de Madrid (UCM). Doutor e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Professor do curso de Jornalismo e do mestrado em Televisão Digital da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e do mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: denis.reno@faac.unesp.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3280707979820725. 2 Doutoranda em Comunicação pela Universidad Complutense de Madrid (UCM). Mestre e graduada em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atuou como professora da Faculdade de Comunicación Social y Periodismo da Universidad Minuto de Dios (Colômbia). E-mail: luciana.lorenzi@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8124915262779593. Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Media and social development in transmedia documentary mailto:denis.reno@faac.unesp.br http://lattes.cnpq.br/3280707979820725 mailto:luciana.lorenzi@gmail.com http://lattes.cnpq.br/8124915262779593 Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 66 1 INTRODUÇÃO O documentário é um gênero audiovisual que carrega em sua essência o discurso cidadão. Conhecido como filme de realidade ou imagens do povo, esse formato narrativo tem como capacidade a construção, ou representação, da realidade, levando ao espectador informação e conhecimento, o que pode significar emancipação cultural e social. Especialmente por essa razão, o gênero documentário é considerado apropriado para colaborar com o desenvolvimento do jornalismo, pois aborda realidades em seu conteúdo. Além disso, apoia-se em técnicas próprias do jornalismo como, por exemplo, entrevistas em profundidade, múltiplas vertentes e comprovação do fato a partir de apuração imagética e/ou documental. Porém, o documentário viveu momentos diversos em sua trajetória, acompanhados de formatos narrativos e de técnicas diversas de linguagem, assim como objetivos diferentes que justificavam e/ou provocavam essas formas de fazer. Também foram direcionados por correntes teóricas e artísticas diferentes para esses formatos, inclusive de maneira paralela ao cinema de um modo geral, que foram de certa maneira justificados pelo desenvolvimento tecnológico naquele momento. Os irmãos franceses Lumière apresentaram o documentário de maneira pura, inclusive sem a definição do gênero, ao registrar na obra L‟Arrivée d‟un Train en Gare de la Ciotat [Chegada do Trem na Estação de la Ciotat] a chegada do trem à estação francesa (RENÓ, 2012). Num segundo momento do documentário, o russo Dziga Vertov ofereceu em O homem com a câmera uma sequência de imagens construída a partir da montagem, que naquele momento passou a ser uma tendência na escola russa e que tinha como proposta a reconstrução de uma realidade a partir da combinação de imagens (RENÓ, 2011), tendo como base conceitual a experiência desenvolvida por outro russo, Lev Kuleshov (RENÓ, 2011), em sua obra A mulher ideal, que apresentava uma sequência de enquadramentos e imagens para demonstrar uma mulher considerada perfeita para o realizador. Acontece que essa mulher nunca existiu, pois era uma composição de várias mulheres. Numa mesma evolução tecnológica, Jean Rouch desenvolveu a obra Le maitre fous com uma câmera de mão com som direto, ou seja, era possível RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 67 registrar em vídeo um momento de algo de maneira simultânea ao registro do áudio. Na obra, Rouch participa de uma cerimônia espiritual de uma aldeia africana e registra o transe de um dos participantes de tal maneira que parecia estar em transe com ele. Nascia a câmera-olho, linguagem de produção possibilitada pelo dispositivo „portátil‟ e pela capacidade de registrar som e imagem ao mesmo tempo, o que era fundamental para transmitir essa sensação de realidade. Com a chegada da tecnologia VHS e em seguida o sistema digital, as mudanças do documentário passaram a representar experiências inovadoras e interessantes. O baixo custo desses dispositivos, em comparação com a película de sal de prata, possibilitou obras como O prisioneiro da grade de ferro, de Paulo Sacramento, construída a partir da edição de imagens gravadas por presidiários reclusos na então Penitenciara do Carandiru, 3 em São Paulo. Sacramento reuniu um total de 120 horas de imagens gravadas pelos presos e a partir disso criou um roteiro para a montagem final. Trata-se de uma obra que tem como coautores os presos cinegrafistas. Porém, em nenhum desses momentos a mudança no que diz respeito à linguagem foi tão expressiva como depois da web 2.0, onde os cidadãos passaram não somente a produzir, como também a distribuir os conteúdos produzidos. Uma significativa parcela dessas produções foi realizada a partir de telefones celulares e/ou câmeras fotográficas amadoras. Com essas inovações de tecnologia e linguagem surge uma nova linguagem comunicacional: a narrativa transmídia. A partir dela, tornou-se necessário estudar, experimentar e interpretar os resultados da utilização da narrativa transmídia para a construção de documentários. Esse artigo apresenta, a partir de discussões teóricas e de resultados práticos obtidos através de um experimento-piloto, informações sobre como pode ser concebido um documentário transmídia. Para tanto, são considerados resultados apresentados anteriormente sobre documentário interativo (RENÓ, 2011), além dos resultados obtidos na produção do documentário Galego- 3 O Complexo Penitenciário do Carandiru chegou a ser considerado o maior presidio da América Latina, com 8 mil detentos. Foi parcialmente demolido em 2002, depois de um conflito conhecido como “massacre do Carandiru”, em 1992, quando 111 detentos foram mortos por policiais que entraram no local para acabar com uma rebelião. Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 68 português, produzido totalmente a partir de um iPad 2. Neste processo de produção consideramos desde a concepção da obra a partir do roteiro até a edição de vídeo, áudio e foto, além da própria produção do material. Somente a montagem da página, realizada em HTML5, foi desenvolvida a partir de um computador convencional. Esperamos, a partir desse estudo, oferecer aos produtores de documentários que buscam uma excursão pelo mundo da narrativa transmídia orientações e critérios para que tal produção atenda aos princípios desse tipo de linguagem, frequentemente confundida com a estratégia cross-media. 2 CROSS-MEDIA E TRANSMÍDIA: O JOIO E O TRIGO Antes de desenvolver o estudo e de compreender um pouco mais sobre documentário transmídia, é fundamental detectar as diferenças entre cross- media e transmídia, considerados sinônimos por alguns, ainda que sejam definições diferentes utilizadas para fins diversos. Cross-media é um termo que significa a transmissão de um mesmo conteúdo por plataformas diferentes, como comenta e alerta Henry Jenkins (GOSCIOLA, 2012) para evitar as confusões conceituais frequentes. Vicente Gosciola (2012) também atenta a essa diferença conceitual, apontando que tal estratégia comunicacional é comumente adotada em processos de marketing, onde os resultados mercadológicos são a ambição principal. Diferente do cross-media, a narrativa transmídia é uma linguagem contemporânea desenvolvida pela sociedade a partir dos processos e ambientes interativos e que tem como característica a difusão de mensagens distintas, a partir de plataformas diversas, por redes sociais e ambientes facilitadores de retroalimentação e em dispositivos móveis (RENÓ; FLORES, 2012). De maneira mais simples, mas também explicativa, Vicente Gosciola (2012, p. 9) define narrativa transmídia como “uma história expandida e dividida em várias partes que são distribuídas entre diversas mídias, exatamente aquelas que melhor possam expressar a sua parte da história.” Enquanto a estratégia cross-media distribui a mesma mensagem em multiplataforma, a narrativa transmídia oferece mensagens distintas, ainda que relacionadas, em ambiente multiplataforma. RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 69 Entretanto, alguns teóricos seguem deslizando nessa diferença conceitual, possivelmente por se tratar de facilitar as coisas, ou de não reconhecer as diferenças. Andreas Veglis (2012, p. 327) considera que cross- media é, de maneira simples, “a produção de qualquer conteúdo (notícias, música, texto e imagens) por mais de uma plataforma de mídia (por exemplo, impressão, web e TV) dentro da organização mesma mídia”, não importando se a transmissão é da mesma mensagem ou se transmitem distintas mensagens. Tal junção de termos também é realizada por Indrek Ibrus e Carlos Scolari (2012), para quem uma estratégia cross-media é também conhecida como narrativa transmídia, ou seja, são sinônimos. E declaram isso de maneira contundente logo na introdução da obra. Na realidade, são termos parecidos, mas diferentes. Isso é o mesmo que considerar hipertexto, uma definição cunhada por Ted Nelson (LANDOW, 2009), o mesmo que hipermídia, definido assim por George Landow (2009). São parecidos e relacionados de alguma maneira, mas diferentes, ainda que confundidos com certa frequência. Tal confusão entre narrativa transmídia e cross-media pode ser explicada por uma falta de conhecimento ou de desenvolvimento do tema, ou de ambas justificativas. Na realidade, tanto cross-media como transmídia são, ainda que o primeiro uma estratégia e o segundo uma linguagem, consideravelmente incipientes no que diz respeito ao estudo e à sua aplicabilidade. A estratégia cross-media é adotada pelo marketing com certa moderação, pois um deslize pode provocar perdas econômicas. A narrativa transmídia é uma linguagem frequentemente aproveitada por conteúdos de entretenimento, mas ainda pouco adotada por jornalistas, talvez por desconhecimento, mas provavelmente por um perfil conservador existente nas redações (como pudemos presenciar com a chegada da internet, por exemplo, quando os jornais eletrônicos limitavam-se a reproduzir suas versões impressas). Porém, na academia, comportamentos conservadores são pouco justificados, pois neste espaço podemos (e devemos) experimentar, além de descobrir o que já foi feito e interpretar suas características e diferenças. O que acontece, especificamente no caso da narrativa transmídia, é que por ser um tema de considerável relevância nos dias atuais, pois se trata de uma linguagem, e não uma técnica, todos querem entrar nesse tema. Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 70 Elizabeth Gonçalves (2012), destacada estudiosa brasileira no campo de comunicação e linguagem, apresenta uma definição simples, mas esclarecedora, sobre o transmídia capaz de pôr fim às confusões com a estratégia comunicacional cross-media e sua estrutura multiplataforma. Para ela, “esse conceito „multi‟ vem sendo substituído, na atualidade, pelo conceito „trans‟, que implica na contaminação, na transferência, na influência e na participação direta no conteúdo.” (GONÇALVES, 2012, p. 20). 3 DOCUMENTÁRIO COMO ARTE CIDADÃ Ainda numa discussão para construir conceitos e definir posicionamentos, consideramos o documentário como uma arte cidadã, não necessariamente como autores, mas também como protagonistas. Uma de suas definições, “imagens do povo”, proposta pelo cineasta belga Jean-Claude Bernardet (2003), reforça esta ideia de maneira sólida a partir de sua obra. De maneira polêmica, Bernardet (2003) apresenta essa definição sob a justificativa de que só é possível ter uma verdade documental se nele apresentam imagens do povo, ou seja, de pessoas normais, não atores, na reconstrução de narrativas para solucionar seus problemas. Obviamente, o documentário não se limita a essa condição, nem mesmo para Bernardet, que em 2008 participou da obra Filmefobia, dirigido por Kiko Goifman, e que trabalha com atores e imagens encenadas, ou preparadas, para reconstruir a problemática da fobia em diversas redefinições. FIGURA 1 – JEAN-CLAUDE BERNARDET DIRIGE ATOR EM FILMEFOBIA (KIKO GOIFMAN, 2008) RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 71 Entretanto, para Luiz Fernando Santoro (1989), o documentário tem a capacidade de reconstruir situações em favor de cidadãos que deve ser considerada. Para tanto, o autor apresenta um estudo sobre vídeos populares a partir dos próprios cidadãos. Esse estudo foi desenvolvido a partir de conteúdos produzidos em um momento onde a realidade era VHS e a distribuição por fitas analógicas gravadas, ou seja, de maneira limitada. Porém, Gonçalves, Renó e Miguel (2013) oferecem dados sobre produções cidadãs de caráter documental a partir da web 2.0, com tecnologia digital e distribuição por YouTube. Com esses resultados, fica claro o papel do documentário como conteúdo cidadão. Essa interpretação do documentário como imagem do povo pode ser complementada por Dan Gillmor (2005), ainda que o gênero audiovisual não tenha sido objeto de estudo do autor. Para o autor, o cidadão tem a capacidade de atuar como meio de comunicação, e de produzir conteúdos para os meios de comunicação. Daí o nome de sua obra Nós, os media. Porém, para o documentário ser uma arte cidadã, ou que promova a cidadania, não é necessário considerar essencialmente essas ideias de Gillmor. Ter em mãos uma obra audiovisual que possa fortalecer o conhecimento, a educação, já é algo cidadão. Assistir a uma narrativa audiovisual que promova a emancipação social a partir de novos conhecimentos e posicionamentos também é um papel cidadão. Como define Adela Cortina (2008, p. 15), “o cidadão não é vassalo. O cidadão não é servo. O cidadão não é escravo. E é muito importante construir comunidades de cidadãos, de pessoas que não são manejadas por outras, que não são manipuladas por outras.” A partir dessa ideia podemos entender melhor o documentário como uma obra audiovisual que promove a cidadania. Nesse sentido, percebemos linguagens documentais em diversas coberturas cidadãs durante as manifestações ocorridas em 2013. Na ocasião, diversos grupos produziram conteúdos audiovisuais, distribuídos pelas redes sociais, que se aproximaram da narrativa transmídia e do documentário. Algumas dessas produções foram realizadas pelo grupo conhecido como Mídia Ninja, e outros conteúdos por grupos diversos, todos circulados pelas redes sociais de maneira expressiva, como propõem Gonçalves, Renó e Miguel (2013). Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 72 4 DO TRADICIONAL AO TRANSMÍDIA O documentário viveu trajetórias diferentes desde seu surgimento. Em realidade, o documentário existe antes mesmo do cinema em si. Documentar algo para recontar surgiu com as exposições foto-documentais, onde o autor oferecia, além das fotografias em si, a reconstrução de cenários semelhantes aos da expedição, assim como manequins mostrando as roupas e os costumes dos documentados e, em alguns casos, perfume do lugar, mostra da alimentação e até „performance‟ para reviver o que foi presenciado e registrado pelas imagens estáticas das fotografias. Era uma diversidade discursiva que oferecia informação e entretenimento. As primeiras produções do cinema foram marcadas por registros do real. Em realidade, ao produzir L‟Arrivée d‟un Train en Gare de la Ciotat [Chegada do Trem na Estação de la Ciotat] os irmãos Lumière buscaram o máximo de realismo na recepção da obra. Para Henri Gervaiseau (2006, p. 8): “O enquadramento escolhido produz um extraordinário efeito de profundidade de campo e dá às pessoas reunidas no Grand Café a sensação estarrecedora, quase tátil, de que o trem vai passar por cima delas.” Com o tempo, essa necessidade de reconstruir o real até mesmo no processo de recepção deixou de ser uma necessidade; a preocupação foi substituída pela reconstrução do real a partir de informações reais por atores reais (como exemplo as obras Nanuk, o esquimó, O homem de Aran e Night Mail), seguidos de obras quando a informação era real (Crônicas de um verão), onde o relato é real (Cabra marcado para morrer) até chegar ao documentário contemporâneo, onde a experiência cinematográfica é real, não importando se existem atores ou não, se a história é verdadeira ou falsa, se os personagens oferecidos não passam de ficção ou se a linguagem adotada segue os princípios do documentário ou se inovam para o campo de outros gêneros audiovisuais, como a ficção (Filmefobia), o policial (33) ou a comédia (Ilha das flores). RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 73 FIGURA 2 – CENA DE O HOMEM DA ARAN (ROBERT FLAHERTY, 1934) Porém, nesse processo evolutivo do documentário surge um desafio tanto para o produtor como para o espectador: o documentário interativo. Uma obra que ofereça informações verdadeiras sobre algo a partir de imagens reais e por uma emancipação social e cultural, mas que ao mesmo tempo, construa isso sobre uma plataforma interativa, onde os espectadores (que passam a ser chamados de coautores) podem escolher, senão o final, ao menos a ordem dos fragmentos. Para tanto, Renó (2011) desenvolve o documentário interativo Bogotá atômica, que apresenta essas possibilidades sem perder o plot da história. Trata-se de uma obra emancipatória, pois aborda as diferenças de expectativa de estrangeiros ao chegarem em Bogotá, em 2008, e suas novas impressões após conhecer a cidade. A obra foi dividida em oito fragmentos e disponibilizada numa plataforma onde o usuário tinha o poder de redefinir os fragmentos (ou seja, reeditar, num nível simples da atividade) e obter uma nova história, ainda que com as mesmas informações e impressões. Trata-se de contar a mesma história a partir de diferentes maneiras, em realidade 40.320 maneiras diferentes. Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 74 FIGURA 3 – INTERFACE DO DOCUMENTÁRIO INTERATIVO BOGOTÁ ATÔMICA (DENIS RENÓ, 2009) Mas o desafio de se construir narrativas interativas deixou de ser rapidamente o mais interessante. Com a web 2.0, a sociedade contemporânea desenvolveu uma nova linguagem narrativa que seria adotada para diversos campos da comunicação (interpessoal, publicitário, de entretenimento, empresarial, jornalístico, educacional). Surge, então, um novo desafio para o documentário: adotar essa nova linguagem na construção de obras com igual poder de emancipação social e cultural. O documentário passa a enfrentar, ou a se adaptar, à narrativa transmídia. Ainda que pareça algo novo, o documentário transmídia surge parcialmente antes do documentário convencional. As exposições foto- documentais que citamos no começo deste tópico, levavam características do transmídia. Como definido anteriormente neste capítulo, narrativa transmídia é uma linguagem que oferece mensagens independentes, mas complementares, a partir de diferentes plataformas, por estruturas navegáveis (interativas), com a condição de distribuir esses conteúdos e retroalimentá-los por redes sociais, e se possível por dispositivos móveis. Essas definições surgem por Vicente Gosciola (RENÓ; FLORES, 2012) e são compartilhadas por Henry Jenkins (2009). De igual maneira, aqueles documentários fotográficos ofereciam algo de transmídia. Eram múltiplos e independentes discursos (foto, cenário, vestimenta, RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 75 comida, dança, etc.), independentes entre si, e navegáveis (ainda que a navegação fosse realizada fisicamente, e não em um ambiente virtual, como propõe Gosciola). Entretanto, com o advento do digital e dos dispositivos móveis essa transmidiação passou a existir de maneira expressiva, real, e poucas obras documentais tentaram aventurar-se nesse ambiente. 5 INFORMAÇÃO E TRANSMEDIA STORYTELLING Os processos comunicacionais têm presenciado mudanças expressivas desde a chegada da internet, e especialmente depois do desenvolvimento da web 2.0, em que os processos participativos se afloraram. Neste novo cenário, produção e circulação de informações passaram a ser fundamentais na construção da opinião pública, assim como os atores comunicacionais, que agora são, de maneira ativa, os cidadãos de uma maneira geral. Agora “nós somos os meios”, como define Gillmor (2005). Para o autor, nossa participação nos processos midiáticos está aliada ao status de produtores, e não mais de receptores. Também, segundo o autor, presenciamos uma circulação de informação instantânea e a partir das redes de contatos (as redes sociais) de maneira viral. E defende que o jornalismo de amanhã será diferente do que temos até os dias de hoje. Ou melhor, até os dias de ontem. Para compreendermos a evolução dos jornalistas de amanhã, precisamos entender as tecnologias que estão a torná-lo possível. As ferramentas do jornalismo participativo do futuro estão a evoluir rapidamente – tão depressa que, quando este livro chegar na fase de impressão, já terão aparecido outras. (GILLMOR, 2005, p. 42). Gillmor estava correto em sua preocupação sobre as mudanças, pois quando o livro foi lançado suas ferramentas eram obsoletas, e são ainda mais nos dias de hoje, onde o cidadão pode produzir (e produz) conteúdo desde seus próprios dispositivos e publica o mesmo em seus espaços midiáticos. Mais do que isso: agora os cidadãos se organizam naturalmente em redes sociais para a produção de conteúdos e a circulação dos mesmos, o que representa uma angústia aos jornalistas mais apegados ao conhecido quarto poder e à possibilidade de construção da opinião pública de maneira unidirecional. Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 76 Porém, as mudanças foram ainda maiores que as esperadas por Gillmor. Agora a sociedade tem em suas mãos uma nova linguagem narrativa, que de alguma maneira se ajusta ao comportamento líquido contemporâneo. Uma linguagem que traduz os anseios sociais de participação, reconstrução e circulação de mensagens e que oferece, por uma também decisão social, recursos de conexão por redes e a partir de dispositivos tecnológicos que atendem a uma mobilidade almejada: a narrativa transmídia, que modifica expressivamente os velhos modelos de linguagem existentes na história humana. Por outro lado, a narrativa transmídia é a fiel tradução de como pensamos, de como agimos, de como sonhamos, de como nos comunicamos. A narrativa transmídia é uma representação do corpo humano. Qual a justificativa disso? Porque nosso corpo humano é multiplataforma, com cada mensagem funcionando independente das outras, mas interligadas, como funcionam os discursos transmídia. Também somos móveis, ou seja, atendemos ao quesito mobilidade de dispositivos, e por fim nos relacionamos por redes sociais internamente. Segundo Manuel Castells (1999), uma rede social é a reunião de atores que possuem o mesmo interesse. Em nosso corpo, os órgãos possuem o mesmo interesse (manter nosso corpo em funcionamento), ainda que sejam distintos em suas tarefas específicas. Narrativa transmídia é uma linguagem que proporciona uma construção de mensagens fragmentadas em ambientes multiplataformas, por meios distintos, independentes, relacionados entre si, e que por uma capacidade de expansão por estruturas hipermídia oferecem uma navegabilidade acompanhada de experiência lúdica. Ao mesmo tempo, apresenta uma conexão por redes sociais e ocupa um espaço em dispositivos móveis (RENÓ; FLORES, 2012). A aplicação da narrativa transmídia em alguns casos da construção da opinião pública ocorre naturalmente e com o aproveitamento da mesma por jornalistas. Um dos acontecimentos registrados foi a passagem do furacão Sandy pela costa leste dos Estados Unidos, especialmente Nova Iorque e Nova Jersey. Nesse caso, além de um fenômeno registrado pelo Corpo de Bombeiros da cidade de Nova Iorque que constatou uma superior solicitação de socorro por twitter em substituição ao telefone, as pessoas passaram a publicar pelo RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 77 geo-localizador Foursquare fotos das ruas da cidade, confirmando em tempo real o que ocorria. Para envolver os leitores, o jornal The New York Times criou um mapa interativo de Nova Iorque – A map of reader´s photo of Hurricane Sandy4 especialmente sobre a ilha de Manhattan (mas não se limitando a esse pedaço de terra) com pontos onde o usuário clicava e recebia informações sobre o que acontecia naquela localidade. Levinson (2012) apresenta o Foursquare como uma ferramenta contemporânea onde as pessoas se localizam automaticamente, e tal possibilidade de produzir conteúdo midiático também é uma característica da narrativa transmídia, e representa um potencial expressivo para o jornalismo transmídia, inclusive por sua facilidade de manuseio e sua credibilidade na publicação, ainda que seja passível de falsificações de localização. Além disso, a adoção de mapas interativos é uma possibilidade da narrativa transmídia que oferece facilidade de leitura e exercício lúdico no consumo da informação. Dessa maneira, o processo de acessibilidade passa a ser uma maneira de diversão, além da notícia em si, alcançando uma diversidade de público. Mas a narrativa transmídia também molda uma nova maneira de construção de discursos para fortalecer ou posicionar a opinião pública. Dentre as diversas maneiras de linguagens para a narrativa transmídia encontramos o comic, definido por Carlos Scolari (2013) como o produto comunicacional onde o público fala o que o produtor não teve coragem de falar. Nesse caso, alguns programas de conteúdo jornalístico têm adotado o comic como ferramenta de linguagem para a construção ou posicionamento da opinião pública, e tais discursos midiáticos ganham força nas redes sociais pelos próprios cidadãos. Trata-se de uma reconstrução da conduta e da técnica de narrativas jornalísticas para „adotar o mesmo idioma‟ do cidadão. Marques de Melo (1985) defende o conteúdo jornalístico de humor que fortalece ou posiciona a opinião pública como jornalismo caricato, o que valida essa forma de construção da discussão jornalística. 4 Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2014. http://www.nytimes.com/interactive/2012/10/30/nyregion/hurricane-sandy-reader-photo-map.html http://www.nytimes.com/interactive/2012/10/30/nyregion/hurricane-sandy-reader-photo-map.html Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 78 Com esses critérios, a rede de televisão argentina Canal 95 produziu no programa jornalístico Bajada de Línea6 um vídeo7 criticando duas declarações opinativas de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo. Jabor, em um intervalo de dois dias, modificou drasticamente sua opinião sobre os protestos, tentando, no segundo discurso, construir uma opinião pública contra o governo Dilma. Porém, o Canal 98 realizou um comic sobre essa „diversidade‟ de opiniões que oferecia um novo diálogo a partir de duas telas simultâneas que revezavam a palavra para mostrar um terceiro discurso a partir dos dois originais. Além disso, o comic apresentava trechos de vídeos produzidos pelos próprios cidadãos durante os protestos, como a expulsão da equipe do jornalista da Rede Globo, Caco Barcellos, do local. O vídeo ganhou força nas redes sociais, e em cada compartilhamento uma nova leitura da atitude global, além de novos comentários que reconstruíam a mensagem pouco a pouco. No dia 7 de julho de 2013, uma das publicações alcançava 62.109 compartilhamentos por Facebook. Porém, isso não significa que a visuslização tenha sido somente essa, o que seguramente não foi. Resta compreender quais as ambições discursivas dos vídeos originais da Rede Globo com os comentários do Jabor e qual a construção da opinião pública pelo comic oferecido pelo Canal 9. Fica claro que a governabilidade midiática agora é combatida por uma desgovernabilidade que Renó (2013c) defende ser proveniente da adoção de uma narrativa transmídia pelos cidadãos contemporâneos. 6 A AVENTURA TRANSMÍDIA EM GALEGO-PORTUGUÊS O documentário transmídia é ainda uma experimentação, apesar das diversas discussões futuristas a respeito, e carece de estudos mais profundos antes de se consolidar como algo existente. Entretanto, alguns sinais já foram 5 Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2014. 6 O programa Bajada de Línea é um noticiário jornalístico de caráter investigativo e apresentado por Victor Hugo Morales. Tem como preocupação principal desenvolver uma análise crítica dos programas jornalísticos. 7 Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2014. 8 O Canal 9 é uma emissora de televisão argentina. Fundada em 1960, é a primeira emissora privada do país. http://www.canal9.com.ar/ http://www.youtube.com/watch?v=cv1OXg9u9wU RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 79 manifestados neste sentido por parte de produtores e teóricos da comunicação audiovisual. Uma das manifestações interessantes é uma série de obras produzidas pela National Geographic para sua página. Com a obra The greenhouse effect,9 ainda que de maneira limitada, a National Geographic já oferece características da narrativa transmídia, com distribuição em redes sociais, possibilitando navegar por diversos conteúdos produzidos em plataformas distintas. O formato adotado pela National Geographic é semelhante às exposições de expedições de aventura realizadas no final do século XIX, como comentamos em tópicos anteriores deste texto. A diferença é que agora a NatGeo adota como espaço de exposição a internet e a distribuição do conteúdo exposto é construído a partir de caminhos a serem percorridos de maneira digital, hipertextual, ainda que ofereça uma construção cognitiva composta por conteúdos em multiplataforma como a técnica anterior. FIGURA 4 – PÁGINA DO DOCUMENTÁRIO TRANSMÍDIA THE GREENHOUSE EFFECT Uma experiência que nos parece atender aos parâmetros da narrativa transmídia é o documentário Galego-português,10 produzido especialmente 9 Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2014. 10 Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2014. http://environment.nationalgeographic.com/environment/global-warming/gw-overview-interactive/ http://environment.nationalgeographic.com/environment/global-warming/gw-overview-interactive/ http://www.denisreno.wix.com/galegoportugues Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 80 para o desenvolvimento desta pesquisa. Mais que desenvolver um texto com aportes teóricos possivelmente apropriados para essa modalidade comunicacional, como desenvolvem outros teóricos, propomos uma experimentação do formato pensado para atender a essa demanda de produção. O documentário Galego-português apresenta como conteúdo a relação entre as culturas galega e portuguesa não somente através do idioma, ainda que esse seja o maior laço existente entre as duas culturas, mas também uma relação histórica e geográfica que une um país (Portugal) com uma comunidade autônoma (Galícia), como definem os espanhóis. Para tanto, foi desenvolvido um conteúdo multiplataforma in loco nas cidades de Santiago de Compostela (Galícia), Covilhã (Portugal), Aveiro (Portugal) e Porto (Portugal) com o objetivo de estabelecer, a partir da coleta e reconstrução de informações, algo em comum entre as duas culturas irmãs. A produção de todo o documentário foi realizada totalmente a partir de um iPad geração 2, desde o pré-roteiro até a finalização, inclusive a produção da crônica, o tratamento das imagens e a edição de áudio e vídeo. Apenas a montagem da página foi realizada a partir de um computador, pois tanto a aplicação thinglink.com (utilizada para construir a imagem matriz com links) como a aplicação wix.com (utilizado para a construção da página em si) são incompatíveis com iPad no campo de edição. A interface desenvolvida é composta por uma única base para a oferta dos links de navegação, sem barra de rolagem. O usuário escolhe através do toque nos ícones qual conteúdo quer conhecer, entre eles o vídeo em si (produzido de maneira linear), um acervo de fotos, dois mapas com informações geopolíticas sobre a região, tanto atualmente como no período em que parte de Portugal pertenceu ao então Reino da Galícia. Também são oferecidas nessa página ícones com informações gerais sobre Portugal e Galícia, um link para a crônica, dois ícones de entrevistas em áudio, um comic de fotos sobre a relação entre as duas culturas e quatro ícones de músicas da Galícia e de Portugal. Essa formatação da interface adota como imagem de fundo uma ponte localizada na região da Galícia (imagem de autoria própria) alterada a partir de recursos oferecidos pela aplicação Adobe Photoshop Express para RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 81 iPad. A ideia de manter o conteúdo em uma única página e adotar uma estética essencialmente sem barra de rolagem tem como base ideias de Renó (2013a). FIGURA 5 – INTERFACE DO DOCUMENTÁRIO TRANSMÍDIA GALEGO-PORTUGUÊS Cada conteúdo oferecido é complementar, mas independente. Podemos nos contentar com uma simples leitura da crônica ou uma navegação pelas fotos e o mapa, enquanto escutamos as músicas oferecidas, ou não. Também podemos somente assistir ao vídeo ou escutar as entrevistas em áudio, complementando (ou não) o processo cognitivo com uma apreciação ao comic desenvolvido. Também podemos fazer tudo isso ao mesmo tempo, ou decidir navegar por parte de todo esse conteúdo. Por fim, podemos comentar ou distribuir a partir das redes sociais. A publicação da crônica em um blog também segue a tendência transmídia, já que essa plataforma é uma rede social onde os leitores assumem o papel de coautores se considerarem viável, comentando e transformando o texto original com esses comentários. Como define Paul Levinson (2012), Mídia e desenvolvimento social no documentário transmídia Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 82 convivemos com “novos novos meios”, onde o usuário é um consumidor midiático que produz conteúdo. Essa é uma característica que situamos como a nova ecologia dos meios (RENÓ, 2013b), onde as mudanças são expressivas e a participação cidadã nos processos comunicacionais passou a ser decisiva na consolidação das narrativas presentes. 7 CONCLUSÃO Essa pesquisa, de caráter exploratório e contemplada por um experimento-piloto, consolida o documentário transmídia como algo possível e viável de se realizar, ainda que tenha suas dificuldades particulares, além das tradicionalmente reconhecidas para a construção de uma narrativa documental. Entretanto, também se reconhecem vantagens expressivas para o documentário a partir do momento em que essa possibilidade narrativa amplia a participação cidadã. O documentário transmídia, mais que uma narrativa construída por conteúdos reais (sem entrar no mérito e/ou na discussão do papel do gênero documentário como contador de verdades), possibilita uma real participação do usuário não somente na navegação pelos conteúdos multiplataforma oferecidos, mas também a partir da distribuição desses conteúdos pelas redes sociais. A partir do momento em que temos um conteúdo disponibilizado pelo próprio usuário nas redes sociais (conteúdo esse sujeito a processos de interpretação, retroalimentação e circulação) consolidamos uma verdadeira participação cidadã nessa narrativa, anteriormente considerada como propriedade exclusiva do autor. Obviamente, ainda há o que se desenvolver para consolidar o subgênero documentário transmídia. Entretanto, sua existência já é uma realidade, a cada momento ampliada por novas produções e inovadoras narrativas, nas quais a interatividade é um fator fundamental e a navegação a partir de dispositivos móveis é uma necessidade. O que podemos considerar é que se antes o documentário alcançava resultados expressivos no campo do jornalismo, agora, onde os cidadãos podem participar ativamente destas narrativas (ainda que limitados à navegação pelo conteúdo e aos comentários e à retroalimentação das obras pelas suas redes sociais), o documentário passa a ocupar uma RENÓ, Denis; RENÓ, Luciana Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 4, n. 14, p. 65-84, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542 83 importante posição midiática. Trata-se de um desenvolvimento iminente, onde a sociedade passa a desenvolver seus discursos através de dispositivos portáteis para um conteúdo em ambientes que outrora serviram como espaços de leitura, sendo substituídos por um status de espaços de produção. 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