RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo será disponibilizado somente a partir de 17/08/2019. EDUARDO AMANDO DE BARROS FILHO A FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE TV EDUCATIVA: debates, projetos e práticas à produção e difusão de conteúdos tele- educativos na Ditadura Militar, 1964-1981 ASSIS 2017 EDUARDO AMANDO DE BARROS FILHO A FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE TV EDUCATIVA: debates, projetos e práticas à produção e difusão de conteúdos tele- educativos na Ditadura Militar, 1964-1981 Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, para a obtenção do título de Doutor em História (Área de Conhecimento: História e Sociedade) Orientador: Áureo Busetto Bolsista: CAPES ASSIS 2017 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP Barros Filho, Eduardo Amando de B277f A Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa: debates, projetos e práticas à produção e difusão de conteúdos tele- educativos na Ditadura Militar, 1964-1981/ Eduardo Amando de Barros Filho. Assis, 2017 301 f. Tese de Doutorado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Orientador: Dr. Áureo Busetto 1. Televisão e política. 2. Televisão na educação. 3. Ditadura militar -- 1964-1985. I. Título. CDD 791.45 À memória de meus avós, Paulo e Sylvia. AGRADECIMENTOS Todo trabalho acadêmico que implica anos de pesquisa acumula débitos com diversas pessoas e instituições e quero, mesmo que de maneira sucinta, registrar os meus sinceros agradecimentos àqueles que de alguma maneira me propiciaram as condições para a elaboração desta tese de doutorado. Em primeiro lugar, agradeço ao professor Áureo Busetto pela paciência, competência e dedicação na orientação deste trabalho. Registro aqui um gesto irrestrito de profundo reconhecimento e gratidão, pois foram mais de dez anos de orientações, desde minha primeira iniciação científica em 2006, passando por meu mestrado, defendido em 2010, até este presente trabalho. Participei de diversos projetos e eventos sob sua coordenação que contribuíram de maneira decisiva na minha formação profissional, além de, nesses anos, ter contado com a sua amizade fraternal. Agradeço a todos os professores do Departamento de História da FCL- UNESP/Assis pela contribuição durante a minha graduação e pós-graduação. Sou especialmente grato a Carlos Alberto Sampaio Barbosa, Célia Reis Camargo, Clodoaldo Bueno, Milton Carlos da Costa, Paulo Henrique Martinez, Ricardo Gião Bortolotti, André Figueiredo, José Luís Beired e Tânia Regina de Luca, pelas sugestões teóricas e historiográficas formuladas em conversas informais e atividades acadêmicas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a formulação desta tese de doutorado e a constante reflexão sobre o trabalho de um historiador. Aos professores Carlos Alberto Sampaio Barbosa e Edvaldo Correa Sotana, agradeço especialmente pelas generosas contribuições que foram dadas para a elaboração de meu projeto de doutorado e pelas preciosas indicações feitas no Exame de Qualificação, que lançaram novas luzes para esta tese e foram determinantes para a estruturação do texto final desta pesquisa. Agradeço aos grandes amigos e companheiros de orientação sempre solícitos com este e outros trabalhos acadêmicos, em especial ao Wellington Amarante, Paulo Gustavo da Encarnação, Osmani Ferreira da Costa, Fabiana Alves e Vanessa Milani. Sou grato à CAPES pelo financiamento desta pesquisa. Agradeço ainda à Clarice e Regina, do Departamento de História, e aos funcionários da Biblioteca e do Programa de Pós-Graduação da FCL-UNESP/Assis. Aos funcionários da Empresa Brasil de Comunicação (EBC-RJ), do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), da Biblioteca Nacional (BN) e do Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil (CPDoc JB), agradeço pela paciência e empenho em auxiliar esta pesquisa. Agradeço a todos os funcionários e professores do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Manuel (IMES-SM), em especial à professora Clara Bonome Zeminian, por quem nutro uma profunda admiração e que foi fundamental para que este trabalho fosse possível. Sou grato ao Departamento de Ciência Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP/Bauru, em especial ao professor Célio Losnak, sempre muito generoso com os meus trabalhos como professor e pesquisador. Registro minha gratidão especialmente a três mulheres que deram o suporte necessário para que eu pudesse realizar este doutorado, a minha mãe, Maria Lúcia, minha namorada, Nina, e Silvana. Ao Constâncio (in memoriam) e à Silvana serei eternamente grato pelo amor incondicional que sempre tiveram por mim. Agradeço ao meu pai, Eduardo, por todo amor e dedicação dados para a minha formação. Agradeço a pessoas fundamentais na minha vida, Bel, Didi e Patrícia, e aos meus padrinhos Bia, Fátima, Celsão, Romilda e Fernando. Sou grato ao Hélio e a Lígia. Agradeço os meus cachorros, Joaquim e Sofia, pelo amor e companhia. Agradeço aos meus amigos e irmãos da nossa República Lurde: Farinha, Ameriquinha, Luisão, Riviti, Vitão, Betão, Adilson, Felipe, Hugo, Helton, Natalia Dorini, Natalia Dálio, Carol, Ju, Larissa e Silvana. Em especial, ao Eduardo de Campos Lima, que tanto contribuiu e incentivou minha trajetória de pesquisa. Agradeço aos meus grandes amigos e irmãos de São Manuel, em especial: Danilão, Tiago, Gui, Vitor, Pipo, Claudio, Marquinho, Silvião, Cabeças, Beiçola, Eduardo Caldeira, Má, Dus, Rodrigo, Vitinho, Pardal, Barbo, Bruno, Jota, Rick, Costela, Marcio, Mike, João Pedro, Francisco, Maria Clara, Mariana, Larissa e Tatiana. Agradeço ao Júnior Forti por me acolher durante a pesquisa no Rio de Janeiro. Por fim, agradeço aos bares da vida, em especial ao Ex-Tensão e ao “Seu Luís” (in memoriam), e ao Bar do Deco e ao meu grande amigo Tonho. “O homem da rua Fica só por teimosia Não encontra companhia Mas pra casa não vai não Em casa a roda Já mudou, que a moda muda A roda é triste, a roda é muda Em volta lá da televisão No céu a lua Surge grande e muito prosa Dá uma volta graciosa Pra chamar as atenções O homem da rua Que da lua está distante Por ser nego bem falante Fala só com seus botões O homem da rua Com seu tamborim calado Já pode esperar sentado Sua escola não vem não A sua gente Está aprendendo humildemente Um batuque diferente Que vem lá da televisão No céu a lua Que não estava no programa Cheia e nua, chega e chama Pra mostrar evoluções O homem da rua Não percebe o seu chamego E por falta doutro nego Samba só com seus botões Os namorados Já dispensam seu namoro Quem quer riso, quem quer choro Não faz mais esforço não E a própria vida Ainda vai sentar sentida Vendo a vida mais vivida Que vem lá da televisão O homem da rua Por ser nego conformado Deixa a lua ali de lado E vai ligar os seus botões No céu a lua Encabulada e já minguando Numa nuvem se ocultando Vai de volta pros sertões” (Chico Buarque, A Televisão, 1967) BARROS FILHO, Eduardo Amando de. A Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa: debates, projetos e práticas à produção e difusão de conteúdos tele- educativos na Ditadura Militar, 1964-1981. 2017. 301 f. Tese (Doutorado em História). – Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, 2017. RESUMO Esta tese é pautada pelo objetivo central de analisar historicamente a encampação das medidas relacionadas ao uso educativo da televisão brasileira, promovidas, principalmente após 1964, com a instauração do regime militar no Brasil, tomando como eixo norteador as relações sociais e políticas que tornaram possível a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE). Dessa forma, este trabalho tem como intento trazer a lume dados e análises que permitam defender a tese de que a televisão educativa foi estabelecida de maneira complementar ao modelo televisivo comercial vigente desde a década de 1950 no Brasil, promovida como solução para os diversos problemas educacionais brasileiros e até usada como justificativa para uma série de projetos e investimentos no setor, mas com resultados limitados, pois não pôde contar com uma organização sólida, fértil e coerente para tal feito. As emissoras e programas educativos foram estabelecidos de maneira complementar em função de se restringirem a preencher lacunas deixadas pelas emissoras comercias, em termos de programação, apesar dos compromissos legais dessas emissoras com o interesse público e de seu papel educativo. Conforme foi propagandeado, a principal incumbência da televisão educativa era a de suprir a fragilidade do sistema educacional brasileiro. No entanto, o governo militar não estabeleceu políticas sólidas e bem coordenadas para o desenvolvimento da televisão educativa, gerando resultados e ganhos bastante limitados. Palavras-chave: Televisão Brasileira. Ditadura Militar. Televisão Educativa. FCBTVE. BARROS FILHO, Eduardo Amando de. The Brazilian Center for Educational TV Foundation: debates, projects and practices to the production and dissemination of tele-educational contents in the Military Dictatorship, 1964-1981. 2017. 301 p. Thesis (PhD in History). São Paulo State University (UNESP), College of Sciences and Languages, Assis, 2017. ABSTRACT The main purpose of this thesis was to historically analyze the expropriation of standards related to the educational use of Brazilian television. It was primarily promoted after 1964 with the establishment of the military regime in Brazil that used as guiding axis the social and political relations that made possible the creation of the Brazilian Center for Educational TV Foundation (FCBTVE). Thus, this work aimed to enlighten data and analyzes that defends the thesis that educational television was established as complementary to the commercial television model in force since the 1950s in Brazil. This actual model was promoted as a solution to many brazilian educational problems and were even used as justification for a several projects and investments in the sector that presented limited results since it did not have a solid, prolific and coherent organization. Broadcasters and educational shows were established in complementary manner, as they were restricted to filling gaps left by commercial broadcasters in terms of programming, despite the legal commitments to the public interest and their educational role. As advertised, the main role of educational television was to overcome the fragility of the brazilian educational system. However, the military government did not establish solid and well-coordinated policies for the development of educational television generating rather limited results and gains. KEYWORDS: Brazilian Television. Military Dictatorship. Educational Television. FCBTVE. LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ABT - Associação Brasileira de Teleducação ACERP - Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto AERP - Assessoria Especial de Relações Públicas AESP - Associação de Emissoras do Estado de São Paulo APESP - Arquivo Público do Estado de São Paulo ARP - Assessoria de Relações Públicas AT&T - American Telephone and Telegrafh BID - Banco Internacional de Desenvolvimento BN - Biblioteca Nacional BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDS - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BBC - British Broadcasting Corporation CBT - Código Brasileiro de Telecomunicações CEBRACE - Coordenação para Melhoria do Ensino Básico CEDATE - Centro de Desenvolvimento e Apoio Técnico à Educação CEMA - Centro Educacional do Maranhão CISE - Conselho Interministerial de Salário das Estatais CITEL - Comissão Interamericana de Telecomunicações CNAE - Companhia Nacional de Alimentação Escolar CNAE - Comissão Nacional de Atividades Espaciais COMSAT - Communications Satellite Corporation CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito CPDocJB - Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil CTR - Comissão Técnica de Rádio CTT - Comissão Técnica de Televisão CTEU - Centro de Televisão Educativa para o Ultramar DAP - Daniel Azulay Produções DENTEL - Departamento Nacional de Telecomunicações DER - Departamento de Estradas e Rodagens DF - Distrito Federal EBC - Empresa Brasil de Comunicação EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filme EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações ESG - Escola Superior de Guerra FCBTVE - Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa FENAME - Fundação Nacional do Material Escolar FKA - Fundação Konrad Adenauer FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FPA - Fundação Padre Anchieta FRM - Fundação Roberto Marinho FRP - Fundação Roquette-Pinto (FRP) FUBRAE - Fundação Brasileira de Radiodifusão Educacional FUNABEM - Fundação Nacional do Bem Estar do Menor FUNARTE - Fundação Nacional de Artes FUNTEVÊ - Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa GPHME - Grupo de Pesquisa História e Mídias Eletrônicas IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IMTEC - Instituto Maranhense de Tecnologia Educacional INACEN - Instituto Nacional de Artes Cênicas INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo INEP- Instituto Nacional de Pesquisa INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INTELSAT - International Telecommunications Satellite Organization ISI - Instituto de Solidariedade Internacional LDN - Liga de Defesa Nacional MASP - Museu de Arte de São Paulo MEB - Movimento de Educação de Base MEC - Ministério da Educação e Cultura MINICOM - Ministério das Comunicações MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização NASA - National Aeronautics and Space Administration NUPIMIL - Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares de Mídia e Linguagem OEA - Organização dos Estados Americanos ONU - Organização das Nações Unidas OVC - Organizações Victor Costa PBS - Public Broadcasting Service PIB - Produto Interno Bruto PLANATE - Plano Nacional de Tecnologias Educacionais PREMEN - Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio PREMESU - Programa de Melhoria e Expansão de Escolas de Ensino Superior PTB - Partido Trabalhista Brasileiro PRONTEL - Programa Nacional de Teleducação RADIOBRÁS - Empresa Brasileira de Radiodifusão RCA - Radio Corporation of America SACI - Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares SEAT - Secretaria de Aplicações Tecnológicas SEFORT - Serviço de Educação e Formação de Base pelo Rádio e Televisão SEPLAN - Secretaria de Planejamento da Presidência da República SER - Serviço de Radiodifusão Educativa SEST - Secretaria de Controle das Estatais SINRED - Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa SNT - Serviço Nacional de Teatro SINTED - Sistema Nacional de Televisão Educativa Sirta - Serviços de Imprensa, Rádio e Televisão Associados SNT - Serviço Nacional de Teatro SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste UDN - União Democrática Nacional UHF - Ultra High Frequency UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura VHF - Very High Frequency USAID - United States Agency for International Development VT - Videoteipe SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 1 DEBATES E INICIATIVAS ACERCA DO USO EDUCATIVO DA TELEVISÃO PRÉ- DITADURA MILITAR 1.1 Primeiras iniciativas para uma televisão educativa...............................................37 1.2 Emissoras privadas e programas educativos........................................................47 1.3 A televisão como escola........................................................................................80 2 A CRIAÇÃO DA FCBTVE E OS ESTÍMULOS FEDERAIS PARA A TELEVISÃO EDUCATIVA 2.1 A comissão para criação de um centro brasileiro de TV educativa........................95 2.2 Projetos e medidas federais para televisão educativa.........................................104 2.3 A instituição da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa.............................136 3 A FCBTVE E A COORDENAÇÃO NACIONAL DA TELEVISÃO EDUCATIVA 3.1 O sistema nacional de televisão educativa..........................................................156 3.2 Conflitos e sobreposição de funções na coordenação da televisão educativa no Brasil.........................................................................................................................182 3.3 A reestruturação da FCBTVE..............................................................................201 4 A FCBTVE E A PRODUÇÃO DE PROGRAMAS EDUCATIVOS 4.1 O Centro Nacional de Televisão Educativa – TELECENTRO..............................217 4.2 Produções do TELECENTRO.............................................................................242 4.3 A TVE do Rio de Janeiro.....................................................................................274 CONCLUSÃO..........................................................................................................283 FONTES...................................................................................................................289 BIBLIOGRAFIA........................................................................................................294 14 INTRODUÇÃO Há muito tempo a televisão tem se constituído em um dos principais meios de comunicação social no mundo ocidental. No Brasil, a partir da década de 1970, a televisão se posicionou como o principal veículo de entretenimento e informação da maioria da população. Apesar de nos dias atuais a televisão brasileira aparentar não possuir a mesma hegemonia de pouco tempo atrás, em decorrência, principalmente, do desenvolvimento das redes sociais eletrônicas, sua ampla abrangência social continua a formar e influir em questões nacionais e internacionais bem como tem colaborado para alterar comportamentos. No início de sua trajetória, a televisão dispôs de três modelos de operação: o público, notadamente da Grã-Bretanha, França e Alemanha; o estatal ou de governo, da União Soviética; e o comercial, adotado primeiramente nos Estados Unidos. No Brasil, desde a sua inauguração oficial, em 1950, a televisão se desenvolveu em grande medida a partir da iniciativa privada e tendo a predominância do modelo comercial até os dias de hoje. Em sua primeira fase, a televisão brasileira sofreu com improvisos provindos de limitações técnicas, falta de profissionais qualificados, altos custos e de uma estrutura empresarial por parte das emissoras. Posteriormente, no início da década de 1960, o setor televisivo vai se profissionalizando e expandido, começando a fazer frente para o rádio, até então o meio de maior audiência no Brasil. A década seguinte é o momento de consolidação da televisão como principal meio de comunicação brasileiro. Muito desse desenvolvimento se deve a ascensão dos militares ao poder, investindo estrategicamente no setor das comunicações, notadamente por questões de segurança nacional e propaganda do próprio regime. Com adoção do modelo comercial, a televisão brasileira se estabeleceu com uma programação baseada na lógica de mercado. As grades de programação das emissoras privadas são compostas de acordo com os índices das pesquisas de audiência, buscando atingir um número maior de telespectadores e visando as receitas com publicidades decorrentes daqueles índices, resultando em uma programação calcada principalmente no entretenimento, apoiada nas telenovelas, programas de auditório, seriados e filmes estadunidenses. Sendo assim, a televisão brasileira convive desde o seu surgimento com debates, que vão se aprofundando gradativamente, acerca de seu papel social. 15 Com a televisão ocupando um considerável espaço na vida cotidiana, paulatinamente, o modelo comercial televisivo brasileiro começou a ser mais discutido, principalmente por segmentos sociais envolvidos com a cultura, educação, ciência e agentes com experiências com o rádio e o cinema educativo. Ademais, alguns periódicos de grande circulação se ocuparam em apresentar experiências televisivas internacionais, contribuindo para esse debate, principalmente as efetivadas na Grã-Bretanha, sem, contudo, deixar de compará-las à carência ou inconsistência de iniciativas nacionais com relação à utilização da televisão brasileira com propósitos educativos. Não por acaso, no Brasil, desde o início da década de 1950, existiram iniciativas para criação de emissoras e programas educativos. Expediente que se ampliou na década seguinte, principalmente com parcerias entre o poder público e emissoras comerciais para exibição de telecursos alinhados aos currículos escolares nacionais. No final da década de 1960, os debates, iniciativas e realizações em busca do uso educativo dos meios de comunicação no Brasil concretizaram-se com a criação da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa e com as emissoras educativas: TV Universitária do Recife e TV Cultura de São Paulo. A encampação das iniciativas para o uso educativo da televisão pelo poder público, notadamente durante o período militar, vai buscar uma sistemática e incentivará a implementação de outras emissoras educativas em diversos estados federativos, tendo as mais distintas vinculações e razão social, comandadas tanto pelo governo federal quanto por governos estaduais, bem como, em alguns casos, por universidades. Criada em 1967, a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, após seis anos de operação como centro produtor e distribuidor de programas educativos, recebeu a autorização para o estabelecimento de uma emissora televisiva utilizando o canal 2, do Rio de Janeiro. A TVE funcionou de maneira experimental até 1977, quando foram iniciadas as transmissões em caráter definitivo. A FCBTVE produziu e distribuiu programação para as emissoras integrantes do Sistema Nacional de Televisão Educativa (SINTED) e respectivas retransmissoras. Em 1981, com a reforma administrativa efetuada pelo MEC, a FCBTVE incorporou a Secretaria de Aplicações Tecnológicas (SEAT) e o Serviço de Radiodifusão Educativa (SRE), dando origem ao FUNTEVÊ. Na década seguinte, novas alterações no órgão foram implementadas, as quais, somadas a outras em 2000, modificaram a instituição por completo. Em 1990, surgiu mais uma alteração na razão social da instituição, transformando a FUNTEVÊ 16 em Fundação Roquette-Pinto (FRP). Entretanto, as finalidades e objetivos foram preservados. A partir de 1993, a FRP e suas emissoras, a TVE do Rio de Janeiro e a Rádio MEC, enfrentaram uma séria crise econômica, resultando no declínio de sua programação e numa diminuição significativa do apoio técnico e financeiro que prestavam às emissoras coirmãs. Em 1997, iniciaram-se as negociações, no âmbito do Governo Federal, para a extinção da Fundação Roquette-Pinto e sua substituição por uma Organização Social, fato que se concretizou, em janeiro de 1998, com a implantação da Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto (ACERP). Em 2007, a ACERP repassou suas concessões para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a TV Educativa do Rio de Janeiro, mais tarde TV Educativa do Brasil (ou simplesmente TVE Brasil) foi extinta para dar lugar à TV Brasil. A iniciativa privada e a ação estatal complementaram-se na consolidação da televisão no Brasil. A televisão educativa nasceu com a incumbência de suprir duas carências: a falta de programas educativos nas emissoras comerciais e a fragilidade do sistema educacional brasileiro. Tratando-se de um país com gigantescas dimensões territoriais, com graves problemas educacionais, além de mobilizar instrumentos convencionais, o governo brasileiro buscou a utilização de um meio de comunicação que se encontrava em pleno vapor e com marcante penetração entre os cidadãos para vencer o dramático quadro educacional. A presença direta do Estado foi complementar também pela instalação de emissoras televisivas em regiões críticas por questão de segurança nacional e desinteressantes comercialmente. Portanto, esta tese é pautada pelo objetivo central de analisar historicamente a encampação das medidas relacionadas ao uso educativo da televisão brasileira, promovidas, principalmente após 1964, com a instauração do regime militar no Brasil, tomando como eixo norteador as relações sociais e políticas que tornaram possível a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE). Dessa forma, este trabalho tem como intento trazer a lume dados e análises que permitam defender a tese de que a televisão educativa foi estabelecida de maneira complementar ao modelo televisivo comercial vigente desde a década de 1950 no Brasil, promovida como solução para os diversos problemas educacionais brasileiros e até usada como justificativa para uma série de projetos e investimentos no setor, mas com resultados limitados, pois não pôde contar com uma organização sólida, fértil e coerente para tal feito. 17 As emissoras e programas educativos foram estabelecidos de maneira complementar em função de se restringirem a preencher lacunas deixadas pelas emissoras comerciais, em termos de programação, apesar dos compromissos legais dessas emissoras com o interesse público e de seu papel educativo. Conforme foi propagandeado, a principal incumbência da televisão educativa era a de suprir a fragilidade do sistema educacional brasileiro. No entanto o governo militar não estabeleceu políticas sólidas e bem coordenadas para o desenvolvimento da televisão educativa, gerando resultados e ganhos bastante limitados. Nessa direção, este trabalho se pautou por quatro objetivos pontuais. Primeiramente, identificar e historiar o debate e as iniciativas voltadas para elaboração de representações e práticas ocupadas com o uso educativo da televisão no Brasil e anteriores ao regime militar. Em segundo lugar, buscar entender as concepções que nortearam a criação da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa e consequentemente a encampação das iniciativas em relação à televisão educativa por parte do governo federal. Em seguida, analisar as práticas da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, de sua criação, em 1967, até a instituição de sua sucedânea, a FUNTEVÊ, em 1981, como centro coordenador dos esforços relativos ao desenvolvimento da televisão educativa no Brasil e suas relações com a sucessão de organismos criados pelo governo federal, visando a racionalização do sistema, mas que geraram conflitos de atribuições, promovendo mudanças e reestruturações. Por fim, analisar a FCBTVE como centro produtor de programas educativos alinhados às diretrizes educacionais do Ministério da Educação e Cultura, que foram transmitidos por emissoras educativas e comerciais, e como responsável pela programação da TV Educativa, canal 2, do Rio de Janeiro. Apesar de as mudanças historiográficas terem possibilitado tomar os meios de comunicação, além de fontes, como objeto de estudo, a história política ainda caminha a passos lentos no que diz respeito ao tratamento dos produtos midiáticos. A história política renovada possibilitou que temas já tradicionais, como partidos, eleições, guerras ou biografias pudessem ser trabalhados sob novas perspectivas, assim como a análise de novos objetos, como opinião pública, a mídia ou o discurso. Por meio do convívio da história política com outras disciplinas ficou estabelecido que, como afirma Rémond: se o político tem características próprias que tornam inoperante toda análise reducionista, ele também tem relações com os outros domínios: liga-se por 18 mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os outros aspectos da vida coletiva.1 Mesmo com a televisão tendo enorme presença no cotidiano dos brasileiros, poucos foram os historiadores que se debruçaram sobre esse tema. A historiografia política brasileira apresenta, ainda hoje, um número pouco expressivo de trabalhos que tomam o rádio, a TV, o cinema e a internet como objetos de análise. A dificuldade de acesso às produções televisivas no Brasil e em boa parte do mundo é uma das causas que explicam esse quadro. Não é por acaso a preponderância de estudos históricos sobre os meios de comunicação impressos. Esse descompasso é decorrente da facilidade de acesso e do volume de material impresso arquivado, como jornais e revistas, constante para consulta tanto em arquivos públicos, como Arquivo Público do Estado de São Paulo e da Biblioteca Nacional, como em acervos dos próprios periódicos, sendo que alguns se encontram disponíveis para pesquisa nos sites das próprias empresas jornalísticas, como os do O Estado de S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo. A produção televisiva não conta com arquivos públicos no Brasil, sendo, geralmente, arquivada pelas próprias emissoras, o que acaba gerando uma série de obstáculos ou impedimentos ao seu acesso. Na França, por exemplo, houve um sensível aumento nas pesquisas acadêmicas que tiveram como objeto de estudo a televisão a partir do estabelecimento de uma política pública para conservação e consulta das produções televisivas, consolidadas com a abertura, em 1995, da Inathèque, local de pesquisa de arquivos audiovisuais, nas dependências da Bibliothèque Nationale de France, em Paris.2 A bibliografia sobre a televisão, no Brasil e no mundo, é ainda majoritariamente produzida por profissionais das áreas de comunicação e ciências sociais. Esses trabalhos trazem, geralmente, análises acerca da programação televisiva, dos avanços tecnológicos televisivos e efeitos do meio no mundo da comunicação social, de um setor social específico (economia, educação, religião, esporte etc.) ou da sociedade como um todo. Em geral, tal bibliografia tem sido produzida, como ressalta o historiador Áureo Busetto: deixando de lado procedimentos de pesquisas que invistam mais detidamente em uma análise pautada pela historicização do meio, e, dessa 1 RÉMOND, René. Uma história presente. In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p. 35. 2 BARROS FILHO, Eduardo Amando; OLIVEIRA, Wellington Amarante. Entrevista com Évelyne Cohen. In: Faces da História, v.3, nº 1, p. 106-111, jan-jun. Assis: FCL-UNESP/Assis, 2016. 19 forma, acaba apenas por destacar o meio dentro de um “contexto histórico” ou “panorama histórico”, longe de pautar-se pela busca de pensar e analisar a TV como resultante de um feixe de relações sócio-históricas que a tornam possível de ser o que foi e o que tem sido.3 Com tais ressalvas, destacamos alguns expoentes dessa vertente de estudo que, de uma maneira ou de outra, estão relacionados à temática desta pesquisa de doutorado. Em História da Televisão Brasileira: uma visão econômica, política e social (2002), o jornalista Sérgio Mattos busca mostrar uma certa coerência entre as alterações político e econômicas do país a partir de 1950 e o desenvolvimento da televisão. Os livros Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? (2007) e A TV no Brasil no século XX (2002), de autoria de, respectivamente, César Ricardo Siqueira Bolaño e Othon Jambeiro, contribuem, entre outros aspectos, notadamente para questões relativas à regulamentação dos meios de comunicação no Brasil e da função social e caráter educativo presente na legislação televisiva brasileira. O jornalista Inimá Simões, em A nossa TV brasileira: por um controle social da televisão (2004) traça um panorama da história da televisão brasileira, centrado na importância social que o meio alcança com o passar dos anos como “principal formadora da opinião pública” no Brasil, mas mantendo-se acima dos controles institucionais. Portanto, o autor milita por um controle público da televisão brasileira. E, a coletânea História da Televisão no Brasil (2010), organizada por Ana Paula Goulart Ribeiro, Igor Sacramento e Marco Roxo, cujo enfoque está em analisar a importância da TV na estruturação política, econômica e cultural, década a década, desde o início do meio no Brasil em 1950 até sua crescente relação com a internet, destacando a programação de cada período. Algumas pesquisas sobre a educação no período militar também balizaram esta pesquisa, principalmente os trabalhos de Luiz Antônio Cunha e Moacyr de Góes, O Golpe na Educação, de Alexandre Tavares Lira do Nascimento, A Legislação de Educação no Brasil Durante a Ditadura Militar (1964-1985): um espaço de disputas, e de Sérgio Haddad, Estado e Educação de Adultos. O último, além de importantes contribuições para essa temática, como os demais citados, dedicou um capítulo específico para a educação de adultos por meio do rádio e da televisão no Brasil, 3 BUSETTO, Áureo. A Mídia Brasileira como Objeto da História Política: perspectivas teóricas e fontes. In: SEBRIAN, Raphael Nunes Nicoletti et alii. Dimensões da Política na Historiografia. Campinas: Pontes Editores, 2008, p. 11. 20 durante o regime militar. Portanto, servindo como fonte de dados e análises para esta pesquisa. Com relação às pesquisas ocupadas com os usos educativos da televisão no Brasil, podemos destacar dois trabalhos de Laurindo Leal Filho como referência obrigatória. No primeiro, Atrás das câmeras: relações entre cultura, Estado e televisão (1988), o jornalista busca traçar um histórico da TV Cultura de São Paulo, desde sua fundação até o ano de 1986. Por conta de sua experiência como funcionário da emissora entre 1974 e 1982, ressalta as peculiaridades e a forma como se organizou a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, notadamente as contradições existentes no projeto da primeira emissora educativa paulista, por meio de uma entidade de direito privado, porém mantida com verbas públicas. Este estudo, além de tratar de um momento histórico contemporâneo, a temática desta pesquisa de doutorado, ajuda a pensar a intensificação do debate e de iniciativas com relação ao uso educativo da televisão no Brasil, que possibilitaram que, no mesmo ano, em 1967, a TV Cultura fosse comprada pelo governo do estado de São Paulo e abrigada pela Fundação Padre Anchieta e a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa fosse criada. O segundo trabalho de Leal Filho é sobre o modelo britânico de televisão, intitulado A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão (1997). Nele, a BBC (British Broadcasting Corporation) é abordada desde sua fundação, em 1936, até a década de 1990. Como essa emissora é reconhecida por muitos como o maior exemplo de emissora pública, notadamente pela qualidade de sua programação e por sua autonomia administrativa, ainda que tenha passado por algumas intervenções ao longo de sua história, é fundamental o seu entendimento, pois muitos dos projetos e debates no Brasil sobre outras possibilidades para a televisão brasileira, notadamente com relação à criação de emissoras públicas e de uma programação educativa, tiveram como referência a britânica BBC. Com relação aos estudos históricos ocupados com a televisão e que convergem com a temática desta pesquisa, destacamos alguns trabalhos da produção acadêmica recente na área de História que visa à construção de uma história social da televisão brasileira. Esses trabalhos são ligados ao Núcleo de Pesquisas Interdisciplinares de Mídia e Linguagem (NUPIMIL), criado em 2005, e desde 2014, como Grupo de Pesquisa História e Mídias Eletrônicas (GPHME), credenciado junto ao CNPq, idealizado pelo historiador Áureo Busetto, vinculado à Universidade 21 Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Ele, além de se destacar no esforço para a formação de pesquisadores e de grupos de pesquisa dedicados a estudos históricos sobre a TV, realizou pesquisas e publicações sobre a televisão, como, entre outras: Em busca da caixa mágica: o Estado Novo e a televisão (2007), Relações entre TV e poder político (2007) e Sem aviões da Panair e imagens da TV Excelsior no ar: um episódio sobre a relação regime militar e televisão (2009). Tais estudos ocupados com as relações entre a televisão e o poder político são fundamentais para posicionarmos a FCBTVE no campo televisivo brasileiro, para pensarmos, entre outras coisas, a visão dos profissionais da televisão e dos agentes políticos no momento em que o uso educativo de meio televisivo tem seu debate ampliado e, posteriormente, quando o modelo comercial, então único, passa conviver com emissoras educativas, assim como os possíveis interesses dos governos militares com relação aos meios de comunicação, notadamente a televisão e especificamente as emissoras educativas. Destacamos também o livro Televisão e Política: uma história dos canais e redes de TV do Paraná (1954-1985), resultante da tese de doutorado de Osmani Ferreira da Costa e publicado em 2015. Este estudo, apesar de ter como foco principal a televisão em um estado federativo específico, contempla o período pesquisado por esta pesquisa, além de trazer luz para várias questões nacionais, notadamente sobre o jogo político para a obtenção de concessões televisivas no Brasil. Também pertencentes ao grupo de pesquisadores citados acima, mas tratando de emissoras educativas e de programas educativos, destacam-se as pesquisas de mestrado em História: Telecurso 2° Grau: paradigma no ensino pela TV e legitimação política da Rede Globo, 1977-1981, defendida em 2011, e Por uma televisão cultural- educativa e pública: a TV Cultura de São Paulo, 1960-1974, defendida em 2010 e publicada em 2011. Ambos os trabalhos estão alinhados com a temática desta pesquisa. O primeiro, de autoria de Wellington Amarante de Oliveira, sobremaneira por mostrar como a principal emissora comercial do período vai se posicionar diante do debate e da criação de emissoras educativas, inclusive fazendo parcerias com a FCBTVE para algumas de suas produções. O segundo, de nossa autoria, por buscar apresentar as relações, notadamente políticas que tornaram possíveis o surgimento de uma emissora comercial com o nome de TV Cultura, em 1960, e que posteriormente, com os estímulos promovidos pela ditadura militar para o estabelecimento de emissoras educativas no Brasil, seria comprada pelo Governo do 22 Estado de São Paulo, em 1967, e entraria no ar em 1969, mantendo o mesmo nome, mas como a primeira emissora educativa daquele estado federativo e com a pretensão de uma autonomia administrativa que seria garantida pela Fundação Padre Anchieta. Em ambas as pesquisas a FCBTVE é abordada, assim como em alguns trabalhos acadêmicos que comentaremos logo a seguir, mas principalmente para ressaltar as iniciativas federais relativas à televisão educativa, não como objeto de análise histórica. Portanto, após procedermos um minucioso levantamento, constatamos que, apesar de a FCBTVE ser entendida em teses e dissertações, principalmente na área de Comunicação, ocupadas com emissoras educativas ou usos educativos da televisão brasileira, como um ponto fundamental das políticas federais para o estabelecimento de programas e emissoras educativos, ainda não existe um trabalho acadêmico que a tenha elegido como objeto de estudo. Em geral, os estudos que tratam em algum momento sobre a FCBTVE passam ao largo de procedimentos de pesquisas que invistam mais detidamente na busca ampla de fontes empíricas, pautadas pela historicização e análise daquela instituição como resultante de um feixe de relações sócio-históricas constantes tanto em sua formação como em seu desenvolvimento. Dessa forma, a FCBTVE tem sido abordada por essas pesquisas dentro de “contextos históricos” ou “panorama histórico”, resultando, quase sempre, em analisar a instituição como “pano de fundo histórico” para o estabelecimento de programas e emissoras educativos. Entretanto, podemos destacar o livro produzido pela jornalista Liana Milanez, TVE: cenas de uma história (2007), publicado quando da comemoração do cinquentenário da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa e sob a coordenação editorial de Beth Carmona, então presidente da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP). Apesar de se tratar de um resgate histórico, desde a criação da FCBTVE até a fundação da ACERP em 1997, o livro traz um rico conjunto de dados referentes à nossa temática de pesquisa, que estão sendo utilizados, sem, contudo, dispensar o necessário confronto com as informações obtidas na pesquisa documental realizada para a concretização deste trabalho de doutorado. 23 Do ponto de vista teórico-metodológico, esta pesquisa de doutorado se pautou por alguns pressupostos elaborados por Pierre Bourdieu e Roger Chartier,4 os quais possibilitam que o historiador se ocupe em entender e compreender sócio- historicamente a estrutura e dinâmica do universo televisivo, sem perder de vista a relação tempo espaço, e igualmente cuide dos esquemas de percepção e avaliação e de ação social próprio do conjunto dos agentes integrados a emissoras televisivas e dos meios de comunicação como um todo. Buscando, assim, analisar as relações que tornaram socialmente possível a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, encetadas tanto no interior do mundo midiático quanto as desempenhadas no universo que o engloba, como o político. Tendo como intento explicar aquela instituição, por meio de dados e informações consultados em pesquisa empírica, que permitam compreender as relações internas e os agentes a ela integrados, ocupando notadamente com o que diz respeito à propriedade, ao organograma, ao nível tecnológico e às finanças. Visando também analisar as relações da FCBTVE com as demais instituições e agentes do mundo televisivo e suas conexões com os demais meios de comunicação social, sem deixar de focar nas novas formas de perceber, avaliar e agir dos agentes do universo midiático brasileiro decorrentes dos debates, inciativas e possibilidade relativos ao uso educativo dos meios de comunicação e especificamente após a criação daquela instituição e de emissoras educativas. Julgamos necessário o entendimento das relações da FCBTVE com o domínio do político e do econômico, cuidando notadamente da questão da propriedade e das finanças, porém observando a natureza da propriedade e as fontes e recursos financeiros, relações que permitirão precisar o grau de autonomia da instituição. Não perderemos de vista as relações da FCBTVE com domínios sociais específicos, como o educacional. E, por fim, as relações entre a instituição e suas produções com o público consumidor. Perspectivas de análise que possibilitam ao historiador fugir das armadilhas do pensamento essencialista/substancialista, calcado na noção de que os bens culturais, no caso em tela a FCBTVE, teria essência ou substância em si mesma, uma vez que exige um pensar relacional. Ou seja, buscar compreender essa Fundação como 4 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.; BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Cia das Letras, 1996.; BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.; BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. 24 resultante de um feixe de diversas e diferentes relações sociais que, encetadas por grupos sociais portadores de poderes díspares, tornaram possíveis que instituições, emissoras e programas educativos fossem pensados, produzidos, criados, classificados e legitimados socialmente. Enfim, relações sociais que permitiram que a FCBTVE e seus produtos existissem. Tais pressupostos teóricos somados a algumas formulações elaboradas por Michel de Certeau,5 possibilitam ao historiador manter a sua pesquisa afastada da redutora e cômoda noção de que apenas a mídia influencia o público consumidor, o qual seria, quase sempre, tomado como passivo, pois ela centra-se na concepção de que as relações entre mídia e o seu público não são de vetor único, isto é, somente a televisão influencia e molda os seus telespectadores, mas são entendidas como uma relação de vetor duplo, dado que os dois se influenciam mutuamente. O desnível de forças entre produtores midiáticos e seu público nos ajuda a pensar a aceitação dos telespectadores brasileiros por determinados gêneros de programas, o sucesso ou insucesso de alguns programas educativos, apesar de sua demanda social, e as mudanças nos rumos da programação, notadamente de centros produtores e emissoras educativas, em decorrência de suas relações com os telespectadores. As assertivas de John Corner acerca da pesquisa histórica sobre a TV também têm contribuído para o desenvolvimento deste trabalho.6 Segundo esse estudioso da área de Comunicação, a televisão apresenta cinco aspectos fundamentais, cada qual merecedor da atenção dos pesquisadores ocupados com o seu estudo. O primeiro deles é pensar a televisão como instituição, como indústria e suas organizações, enquadrada pela política e pela gestão empresarial. No caso do nosso estudo necessitamos estabelecer um contraponto entre as emissoras comerciais estabelecidas no Brasil, com sua organização, seja em seu primeiro momento mais amadorístico ou posteriormente com uma estrutura empresarial, visando principalmente seus rendimentos, com as emissoras educativas pensadas e efetivadas com o objetivo maior de serem centros produtores de programas educativos relevantes para os brasileiros e não visando lucro. Essa concepção para a função de emissoras educativas é também relacionável com o segundo aspecto indicado por Corner que é a televisão como produtora, cujo foco recai sobre a cultura 5 CERTEAU, Michel de. As invenções do cotidiano. Vol. 1. Petrópolis: Vozes, 2000. 6 CORNER, John. Finding data, reading patterns, telling stories: inssues in the histotiography of television. Media, Culture & Society, v. 25, n. 2, p. 273-280, mar. 2003. 25 profissional e a prática profissional. No Brasil, a produção televisiva educativa surge exatamente como complementar às práticas das emissoras comerciais. Apesar de concorrerem entre as preferências dos telespectadores, a criação da FCBTVE e de emissoras educativas ocorrem para suprir a carência de programas educativos oferecidos pelas emissoras comerciais. Devemos levar em consideração também a dificuldade que a programação educativa terá em encontrar uma linguagem atraente, além da falta de profissionais especializados nesse tipo de programação, para que não se resumissem a aulas televisionadas. Essas questões estão conectadas também ao terceiro aspecto abordado por Corner que é pensar a televisão como representação e forma, pois, quando existe um aumento da programação educativa no Brasil, a televisão comercial, hegemônica, já havia estabelecido uma estética própria e alinhada aos telespectadores brasileiros, expediente que representa mais um desafio a ser enfrentado pelas produções educativas. Pensar as ligações da televisão com a cultura brasileira seria seguir o quarto aspecto elencado por Corner. Contudo, segundo o próprio autor, esse caracteriza-se como um dos mais difíceis aspectos a serem conseguidos pelo pesquisador. Enfocar a televisão e sua produção como fenômenos socioculturais, ligados a um determinado momento histórico, sem perder de vista os interesses políticos do momento, buscando entender, por exemplo, porque determinados gêneros de programas televisivos não conseguiram aceitação dos telespectadores brasileiros, assim como, determinados gêneros fizeram tanto sucesso. Ou seja, entender a relação entre o que é oferecido pela televisão e o que é procurado pelos telespectadores para entendermos porque as emissoras educativas e a programação educativa não conquistaram o gosto de amplas parcelas da população brasileira. Por fim, o último aspecto indicado por Corner é pensar a televisão como tecnologia, um experimento científico que, ao mesmo tempo, se tornou um item doméstico e um recurso crescente e poderoso à mudança na estética social. Entretanto, como o próprio autor ressalta, dificilmente seria possível esmiuçar todos esses aspectos em uma só pesquisa, pois não se trataria de uma demanda por uma história total do meio. Mas, o historiador ocupado com a televisão que optar por um ou mais aspectos deve ter no horizonte que não se deve perder de vista as interconexões entre esses fatores. Esta pesquisa se fundamentou também pelas orientações oferecidas pelo historiador francês Jean-Noël Jeanneney para a realização de uma história política da televisão. Com relação à autonomia da televisão do ponto de vista da influência do 26 poder político, Jeanneney oferece critérios que julgamos valorosos para o entendimento da relação entre as emissoras e concessionários televisivos e os diferentes governos desde o início do meio no Brasil, notadamente do governo militar com a FCBTVE. Segundo o historiador, devemos levar em consideração o peso do governo na sociedade; no caso desta pesquisa, trata-se de uma ditadura militar onde existe uma centralização do poder, além de costumes herdados do passado, como, por exemplo, de restrição à liberdade de imprensa e a política de concessões radiofônicas serem concentradas desde sempre, no Brasil, no poder Executivo. Outro ponto atentado por Jeanneney é a capacidade de ação do Estado sobre a informação televisiva, levando em consideração a utilização de recursos financeiros como exemplos de controle. Os governos que apresentam o controle das finanças públicas (fixação de taxas de impostos, verbas orçamentárias e subsídios ou taxas especiais de juros para empréstimos na rede oficial de bancos) podem apresentar em um episódio ou outro e até mesmo em uma série deles, a concessão ou a cessão de benefícios de acordo com suas pretensões. Com isso, podem limitar a independência da televisão e utilizar de suas prerrogativas para o jogo de força relacionado à outorga de canais e à renovação de concessões televisivas.7 Mas, principalmente no que tange à FCBTVE e às emissoras educativas não comerciais criadas no Brasil, pois, dependentes de recursos públicos para sua manutenção, podem ser forçadas a afrouxarem sua autonomia administrativa e estarem sujeitas às vontades dos governantes e das conjunturas do momento. A televisão brasileira se estabeleceu por intermédio de um modelo comercial. Entretanto, em outras partes do mundo, em momentos próximos, a televisão estreava e se estabelecia tendo outros modelos televisivos como hegemônicos, como o público e o de governo. Nos mais diversos países e com diferentes modelos televisivos a discussão sobre o papel educativo do meio sempre esteve presente, ainda que com diferentes concepções. Para buscar distinguir aqueles diferentes modelos televisivos, temos utilizado as conclusões do professor colombiano e pesquisador em comunicação, televisão e educação, Omar Rincón, elaboradas a partir das discussões levantadas por artigos de pesquisadores latino-americanos, como Jesús Martín Barbero e Diego Portales Fuentes, que integram o livro Televisão Pública: do consumidor ao cidadão. Segundo Rincón, a televisão comercial seria aquela que tem, 7 JEANNENEY, Jean-Noël. Uma história da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996, p. 228-31. 27 primeiramente, fins lucrativos, o que não equivale a afirmar que toda emissora que vende pauta publicitária seja necessariamente comercial. A televisão pública teria um compromisso com a construção do caráter público, o que não significa asseverar que as empresas privadas de televisão não tenham qualquer compromisso com tal construção. O caráter público de uma emissora de televisão se encontraria decisivamente ligado à renovação permanente das bases comuns da cultura de um determinado país, por meio de uma programação inclusiva de todos seus cidadãos. Deve-se levar em conta que a radiodifusão como um todo é pública, uma vez que mesmo as emissoras privadas possuem seus compromissos legais, como a exibição de programas culturais e educativos, necessita da utilização do espaço eletromagnético e está ligada a uma determinada sociedade. Por sua natureza, os canais privados têm a opção de expressar o ponto de vista de seus proprietários, mas, necessariamente, respeitando a legislação e as normas éticas relativas à comunicação. Às emissoras públicas concernem, por sua vez, expressarem o ponto de vista da diversidade. A televisão comercial busca a grande audiência, privilegiando os gêneros e estilos de programas de suposta maior demanda e com formatos comprovados. A televisão pública pode se esforçar para buscar novos formatos e atender a demanda de públicos minoritários.8 Rincón busca também definir os conceitos de televisão pública e televisão de governo. Segundo o autor, existiram e ainda existem emissoras rotuladas de públicas apenas pelo fato de pertencerem aos Estados ou comunidades e em decorrência de dependerem de subvenções do poder público. Nesses casos, o caráter “público” da televisão se daria mais pela questão de quem é seu proprietário do que pela missão ou filosofia da emissora. Essas televisões careceriam de um projeto que englobasse os conceitos contemporâneos de democracia, cidadania, sociedade civil e consumo cultural. O potencial de transformação do caráter público estaria minado caso a definição de TV pública se referisse apenas ao aspecto governamental, o que deixaria o meio como presa fácil à manipulação e à corrupção. A soberania da televisão privada residiria em cada proprietário e a da televisão governamental no Estado. A televisão pública residiria em um regime legal e organizacional garantidor de autonomia de gestão e pluralidade de mensagens. O sentido público seria mais complexo que o governamental. Ele não se esgotaria no governamental, nem no 8 RINCÓN, Omar. Conclusões. In: RINCÓN, Omar (Org.). TV Pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung, 2002, p. 332-4. 28 estatal. Apresentasse como um imperativo inscrito no serviço e finalidade da televisão.9 Como o Brasil opta pelo modelo estadunidense, inclusive com o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, tendo sua inspiração no código de comunicações dos Estados Unidos, de 1934, há como consequência um desequilíbrio maior na programação televisiva entre informação, educação e entretenimento, elementos que Asa Briggs e Peter Burke denominam como uma tríade quase que sagrada para os meios de comunicação social.10 Entretanto, com o lugar que a televisão foi ocupando na vida cotidiana e suas possibilidades de influência sobre os cidadãos, setores da sociedade estadunidense e europeia passaram a discutir mais firmemente e dirigir a atenção para os riscos da informação única, expediente que se estendeu pela América Latina. Percebeu-se, assim, a necessidade de alargar o conjunto das emissões televisivas. Segundo Jeanneney: relativamente a televisão quanto mais o tempo passa, menos legitimo é concentrar a atenção na informação única. Impõe-se a necessidade de alargar ao conjunto das emissões, pelo lugar que tomaram na vida quotidiana dos cidadãos e a influência que podem ter nos seus hábitos, nas suas práticas culturais, nos seus comportamentos cívicos e na própria evolução das mentalidades.11 Essa demanda reacendeu o debate sobre a problemática dos modelos televisivos e deu margem para a coexistência destes (duplo setor), que poderia ser marcada pelo equilíbrio e pelas riquezas da diversidade. No Brasil, desde o início da televisão, existiram debates e iniciativas para a constituição de alternativas ao modelo televisivo comercial. Entretanto, somente no final da década de 1960 as emissoras comerciais dividiram o espectro eletromagnético brasileiro com emissoras de outra natureza. As emissoras surgidas como alternativa às emissoras comerciais tiveram as mais diversas vinculações e razões sociais. Portanto, defini-las como públicas ou estatais (ou de governo) sempre permeou as pesquisas relacionadas a esta temática. Todavia, independente dessas definições, todas as emissoras criadas sem finalidade comercial tiveram como intento serem emissoras educativas e complementares às emissoras privadas. Inclusive, sob o aspecto legal, segundo Alexandre Fradkin, só existiriam dois tipos de emissoras de 9 RINCÓN, Omar. Conclusões. In: RINCÓN, Omar (Org.). TV Pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung, 2002, p. 330-2. 10 BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História social da mídia: de Gutenberg à internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 193. 11JEANNENEY, Jean-Noël. Uma história da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996, p. 241. 29 televisão no Brasil: a comercial e a educativa. Qualquer outra denominação utilizada não teria respaldo legal.12 Sendo assim, podemos afirmar que, a partir de 1968, quando vai ao ar a TV Universitária de Pernambuco, primeira emissora educativa brasileira, até 1981, ano final da periodização desta pesquisa, quando a FCBTVE dá lugar à FUNTVÊ, existiram efetivamente dois modelos televisivos: o comercial e o educativo, o qual buscamos precisar ao longo deste trabalho, tendo como eixo norteador a FCBTVE. Para fazermos uma história política da televisão educativa no Brasil tendo como eixo norteador a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, de acordo com o que mostramos até aqui, é necessário um amplo leque de fontes. Porém, é no cumprimento desse item que reside a chaga do historiador, dada a penúria e as dificuldades de acesso às fontes necessárias para a concretização de uma história da televisão. Ao escolher a televisão como objeto ou fonte de estudo, os historiadores se deparam com dificuldades, como a existência e as condições técnicas de arquivos e o acesso à documentação audiovisual das empresas. Como ressalta Jeanneney, quando se volta para o audiovisual, a situação se agrava, pois são dispendiosas e penosas a conservação e a consulta dos arquivos de imagem e de som, e não adianta nutrir ilusões com relação ao uso de entrevistas e depoimentos como fontes, pois, como alerta o historiador francês: “Os profissionais dos meios de comunicação social raramente têm um pensamento histórico e, na memória dos atores, o que predomina frequentemente é a anedota, mais que a cronologia verdadeira e o sentido dos movimentos do conjunto”.13 No Brasil, com a preponderância do modelo comercial de televisão, grande parte do que se produziu e é produzido em matéria de audiovisual se deve à iniciativa privada. O caráter de serviço público das emissoras de televisão que deveria ser central em suas grades de programação também não é extensivo ao acesso público de seus arquivos audiovisuais. A produção televisiva é, geralmente, arquivada pelas próprias emissoras, o que acaba gerando uma série de obstáculos ou impedimentos ao acesso dessa produção. Deve-se considerar ainda que muito do material escrito 12 FRADKIN, Alexandre. A TVE ou não é?. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2016. 13 JEANNENEY, Jean-Noël. Uma história da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996, p. 6. http://radiodifusaoeducativa.blogspot.com.br/ 30 ou impresso, envolvido com a produção televisiva, como pautas, memorandos e scripts, comumente não é arquivado.14 Com relação às emissoras televisivas educativas, a situação melhora um pouco. Apesar de uma maior facilidade com relação ao acesso, na maioria dos casos, os arquivos documentais não são bem organizados e seus acervos possuem lacunas. Além disso, por não terem, ou estarem em vias de ter, seu material digitalizado, o acesso fica limitado ou impossibilitado. Vale lembrar que, apesar do caráter público, em alguns casos, são vetadas reproduções fotográficas e limitadas as fotocópias de documentos, além da cobrança pelo tempo acessado de material audiovisual. Com tais ressalvas, nossa pesquisa de doutorado foi desenvolvida, do ponto de vista da pesquisa bibliográfica, com base na busca de informações e dados encontrados na literatura específica sobre a TV brasileira, notadamente as ocupadas com a sua história, a sua estrutura e dinâmica, seus agentes e sua programação, e centrando a atenção no momento de desenvolvimento da televisão sob o regime militar. Mesmo que tenham sido produzidos com preocupações e perspectivas de análise diferentes das adotadas nesta pesquisa, os trabalhos ocupados com os estudos sobre a comunicação social e a TV no Brasil forneceram elementos empíricos, dando espessura historiográfica para este estudo histórico. Esses trabalhos, como não poderia deixar de ser, foram confrontados entre si e com as fontes primárias consultadas em pesquisa documental. Para o desenvolvimento desta pesquisa, consultamos atos internacionais e documentos federais, notadamente do Poder Executivo, do Ministério da Educação, do Ministério das Comunicações e do Ministério da Relações Exteriores relativos à FCBTVE e o uso educativo da televisão no Brasil de uma maneira geral, e a legislação brasileira relacionada à televisão e, especificamente, à televisão educativa. Tivemos acesso à coletânea Teleducaçao no Brasil, 1958-1970: organização e planejamento – uma contribuição, elaborada pelo general Taunay Drummond Coelho Reis, membro da Liga de Defesa Nacional (LDN) e do Conselho Nacional de Telecomunicações CONTEL. Lançada em 1972, trata-se de uma reunião de documentos relativos à 14 BUSETTO, Áureo. Imagens em alta indefinição: produção televisiva brasileira nos estudos históricos. In: GAWRYSZEWSKI, Alberto (Org.) Imagem em debate. Londrina: Eduel, 2011, p. 168-9; BUSETTO, Áureo. Vale a pena ver de novo: organização e acesso a arquivos televisivos na França, Grã-Bretanha e no Brasil. História (São Paulo), Franca, vol. 33, n° 2, p. 380-407, jul./dez. 2014, p. 389-99. 31 televisão educativa, como decisões e portarias do CONTEL, apresentados na íntegra, em ordem cronológica, precedidos de uma apresentação por parte do organizador. Examinamos também os relatórios de atividades, publicações comemorativas, estudos, contratos, estatutos, atas de reuniões, cartas, convênios e memorandos da FCBTVE. Compulsamos documentos do presidente Médici constantes no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), como: anotações, cartas, entrevista, despachos e telegramas relacionados à televisão brasileira e à censura prévia de uma maneira geral. Foram analisados ainda documentos do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE). Com relação a periódicos, consultamos matérias, artigos, reportagens e editoriais dos jornais O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo, e da revista Veja, além de utilizarmos também as edições dos periódicos Diário de S. Paulo e O Cruzeiro examinadas anteriormente quando de nossa pesquisa de mestrado. A escolha desses periódicos para o atual trabalho se baseou em critérios de tiragem e representação para o período abordado, além de suas relações e intenções com o meio televisivo. Selecionamos dois jornais cariocas, Jornal do Brasil e O Globo, pois a FCBTVE vai se estabelecer e, posteriormente, operar uma emissora de TV no Rio de Janeiro. Vale lembrar que seus proprietários obtiveram concessões televisivas, ainda que a do JB não tenha se concretizado com a operação de um canal de televisão. A família Mesquita, proprietária do paulista O Estado S. Paulo, até onde é sabido, nunca revelou publicamente interesse em ter um canal de televisão ou entrou em disputa por concessão de canal televisivo. Entretanto, teve entre suas preocupações o papel cultural e educativo que a televisão pudesse desempenhar. A revista Veja, pertencente à Editora Abril, participante de concorrência pública para concessão de canal televisivo e editora de material de apoio para cursos televisionados, ao longo dos anos militares, consolidou-se como o semanário mais importante do Brasil, notadamente por seu noticiário político. Por fim, os dois periódicos acrescentados, O Cruzeiro e Diário de S. Paulo, se justificam por pertencerem aos Diários e Emissoras Associados, grupo com interesses diretos no setor da comunicação social e que exerceu um papel hegemônico nos primeiros anos da televisão brasileira. Portanto, os quatro periódicos escolhidos, e os dois acrescidos, apesar de suas distintas linhas editoriais, deram ampla cobertura e colaboraram para o debate sobre o desenvolvimento do setor televisivo brasileiro. 32 Vale ressaltar que nossa pesquisa aos periódicos não se restringiu à consulta e análise única e exclusivamente de cadernos ou colunas especializadas em televisão. Julgamos de fundamental importância folhear página a página as edições diárias dos jornais ou semanais das revistas. Com olhar atento podemos perceber mudanças, transições, continuidades sobre nosso objeto de pesquisa. Os periódicos podem apresentar, em diferentes cadernos ou sessões, temáticas, matérias, opiniões, reflexões, críticas sobre a televisão e/ou discussões que a perpassam. A consulta página a página é fundamental para a busca e entendimento de informações sobre a propriedade das empresas, além de posicionamentos políticos, econômicos, sociais e culturais dos periódicos. Atentamo-nos também para as mudanças de editores chefes, dos colunistas e informações sobre o jornalista ou crítico que escreveram nos jornais ou revistas. Buscamos ainda levantar pistas e informações das posições adotadas pelos periódicos, quer, mais amplamente, na sociedade que integram, quer, mais especificamente, sobre a televisão. Com base nesse conhecimento pudemos melhor compreender e posicionar historicamente a visão social de mundo, as representações, os interesses dos periódicos consultados, sobremaneira em relação a assuntos, fatos e processos relacionados à televisão de forma geral, e, especificamente, à TV educativa. Compulsamos também, no Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil (CPDoc JB), todas as edições dos Cadernos de Jornalismo e Comunicação, editado pelo Jornal do Brasil, mas comercializado de forma separada. Primeiramente com publicações mensais e posteriormente bimestrais, tendo em seu conselho de redação Alberto Dines, Luís Carlos de Oliveira, Octavio Bomfim e Emílio Zola Florenzano, circulando entre os anos de 1965 e 1974. O objetivo do Cadernos de Jornalismo, posteriormente Cadernos de Jornalismo e Comunicação, era tratar sobre os mais diversos aspectos do mundo midiático, como: teorias da comunicação, prática profissional, função social dos meios de comunicação, relações com o poder público, propaganda, avanços tecnológicos e o uso educativo dos meios de comunicação. Sobre esse último, dedicou uma edição exclusivamente à televisão educativa em 1971. Consultamos ainda as edições disponíveis na Biblioteca Nacional (BN) das revistas PN, Tecnologia Educacional e Espaço Funtevê. A revista PN, de publicidade e negócios, circulou semanalmente entre os anos de 1950 e parte dos de 1960, com 33 cerca de 29.000 assinantes, cujo slogan era: “PN – a revista dos homens que decidem”. Em uma de suas edições abordou, sob o título: O escândalo da TV Educativa no Brasil, sobre a tentativa de implantação da que seria a primeira emissora educativa do Brasil, idealizada por Edgard Roquette-Pinto, no início da década de 1950.15 A Tecnologia Educacional era uma revista da Associação Brasileira de Teleducação, fundada em 1971, com publicações bimestrais.16 E, a Espaço Funtevê, uma publicação mensal de circulação interna da instituição sucedânea da FCBTVE. Foi criada em 1983 tendo como característica uma apresentação gráfica bastante simples. Segundo seu primeiro editorial, teria como objetivo aprimorar a aplicação e desenvolvimento de tecnologias educacionais, cuidando do legado de Gilson Amado, Roquette-Pinto e Humberto Mauro. O material selecionado por meio da pesquisa das edições dos periódicos supracitados permitiu compreender as posições de empresas do setor da comunicação impressa e de segmentos socioculturais sobre a televisão, além de possibilitar à análise dos debates, iniciativas e possibilidades, tanto de segmentos sociais como governamentais, relativas ao uso educativo da TV, à criação de emissoras com esta finalidade e, sobremaneira, à FCBTVE. Com a documentação relativa à FCBTVE, ao governo federal e à televisão educativa de uma maneira geral, foi possível caracterizar e analisar os princípios, práticas e resultados dessa instituição, especificamente, as alternativas à televisão comercial brasileira de forma extensiva. Essa documentação possibilitou definir as relações sócio-históricas que tornaram possível a FCBTVE e como os profissionais que a dirigiram ou produziram a sua programação buscaram adaptar ou dar respostas às suas diretrizes ou aos problemas interpostos no seu desenvolvimento. Os documentos do IBOPE trazem luz tanto a questões nacionais quanto específicas da audiência televisiva, seja regional, seja local. Esses documentos permitem perceber os formatos e gêneros de programas de maior demanda, em cada 15 Tivemos conhecimento sobre a existência de um exemplar da revista PN que trataria sobre a iniciativa de Roquette-Pinto para a instalação de uma emissora educativa no Rio de Janeiro por meio do livro TVE: cenas de uma história, de Liana Milanez. 16 A Associação Brasileira de Teleducação (ABT), fundada em julho de 1971, com o objetivo de ser uma entidade privada, de caráter científico e que prestaria serviços técnicos na área de tecnologia educacional, congregando profissionais voltados para a educação, principalmente os que se ocupariam com a introdução e desenvolvimento de tecnologias educacionais capazes de ampliar a área de ação e melhorar o nível de ensino no Brasil. Sediada no Rio de Janeiro, na década de 1970, sua estrutura compreendia dezesseis estados federativos e suas ações englobavam a promoção de encontros, cursos, pesquisas, assessorias e publicações. 34 período abordado por esta pesquisa, trazendo indícios para as possíveis influências na produção das programações educativas. Portanto, caracterizam de estimável valor para o entendimento da aderência da audiência às práticas complementares ao modelo comercial televisivo brasileiro, como as produções da FCBTVE. Além das fontes apresentadas até aqui, tínhamos previsto em nosso projeto de pesquisa a consulta da produção audiovisual da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa. A análise deste material poderia suscitar novas questões e oferecer novas respostas para o nosso estudo histórico proposto. Pois, não objetivávamos tratar este material como meras ilustrações de comentários ou conclusões, como aparenta ser a tendência de alguns estudos históricos. Tínhamos como intento analisar o conteúdo dos programas produzidos pela FCBTVE explicitando suas especificidades de formatos e suas transformações ao longo dos anos, demarcando em que termos foram decompostas as unidades estratégicas de seleção e combinação da construção de sua narrativa paralelamente à utilização dos códigos da linguagem televisiva. Entretanto, diferentemente do que havia sido informado no momento de confecção do projeto de doutorado, os audiovisuais do período que compreende esta pesquisa não estavam disponíveis para consulta. O que pudemos constatar em visita ao “Arquivo da Penha”,17 de responsabilidade da Empresa Brasil de Comunicação (EBC-RJ) e da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), é que muito dos audiovisuais do período correspondente a esta pesquisa se deterioraram e muitos documentos escritos foram perdidos dadas às péssimas condições de preservação e à falta de equipamentos com tecnologia que permitam a digitalização dos audiovisuais produzidos pela FCBTVE durante a década de 1970. Apesar das dificuldades de acesso, ou sua impossibilidade no caso dos audiovisuais da FCBTVE, é possível afirmar que as pesquisas realizadas forneceram subsídios que, confrontados com a bibliografia específica, possibilitou o desenvolvimento dos objetivos propostos, inclusive fornecendo dados sobre produções audiovisuais daquela Fundação. Contudo, achamos relevante frisar que os pesquisadores que incluem, ou pretendem incluir, a televisão como seu objeto de 17 O chamado “Arquivo da Penha” foi inaugurado em março de 1985 com o nome de Centro de Multimeios Padre José de Anchieta, sobre responsabilidade da sucessora da FCBTVE, a FUNTEVÊ. Nos dias de hoje, ele funciona como um depósito de documentos escritos e audiovisuais das várias instituições antecessoras à EBC. Em suas dependências com condições insalubres, se encontram também, em avançado processo de deterioração, equipamentos televisivos, o primeiro veículo de externa da TVE do Rio de Janeiro, mobílias de escritório, computadores, além de veículos abandonados da EBC e da TV Brasil. 35 estudo e fonte de pesquisa, dado que se configura como um tema presente, amplo, contemporâneo e relacionado com as diversas instâncias sociais, culturais e políticas, devem empenhar-se em encontrar alternativas diante das dificuldades ou impedimentos ao acesso a materiais ligados a ela e preocupar-se com questões como a criação de arquivos públicos destinados à memória audiovisual e à acessibilidade dos arquivos das emissoras televisivas. Com base nas considerações apresentadas até aqui, dividimos o texto de nossa tese em quatro capítulos. No primeiro, denominado Debates e iniciativas acerca do uso educativo da televisão Pré-Ditadura Militar, identificamos e historiamos o debate e as primeiras iniciativas voltadas para elaboração de representações e práticas ocupadas com o modelo de televisão educativa no Brasil e que serviram de base para o projeto de criação da FCBTVE. Para tanto, abordamos desde os primeiros projetos para a implantação de uma emissora educativa, passando pelos primeiros programas educativos transmitidos pelas emissoras comerciais e os primeiros telecursos alinhados ao currículo escolar nacional, muitos deles produzidos recorrendo a parcerias entre as emissoras comerciais e o poder público. No segundo capítulo, nomeado A ciação da FCBTVE e os estímulos federais para a televisão educativa, remontamos e analisamos o trabalho, o projeto, o plano e as ideias, investidos para a criação da FCBTVE, desde a primeira comissão formada para estudar sua viabilidade, em 1964, até sua inauguração em 1967. Para isso, julgamos necessário historiarmos sobre a série de medidas provindas do governo, que visaram encampar as iniciativas relativas aos usos educativos da televisão e estimular a criação de emissoras televisivas educativas. No terceiro capítulo, intitulado A FCBTVE e a coordenação nacional da televisão educativa, promovemos o entendimento histórico da atuação da FCBTVE durante toda a sua existência, como centro criado com a incumbência de facilitar, promover, analisar, acompanhar e gerenciar os esforços relativos ao desenvolvimento da televisão educativa no Brasil e suas relações com a sucessão de organismos criados pelo governo federal, visando a racionalização do sistema, mas que geraram conflitos de atribuições, promovendo mudanças e reestruturações naquela fundação. Por fim, no quarto capítulo, nomeado A FCBTVE e a produção de programas educativos, miramos o entendimento da FCBTVE como centro produtor de programas educativos alinhados às diretrizes educacionais do Ministério da Educação e Cultura, 36 que foram transmitidos por emissoras educativas e comerciais, em horários obrigatórios por força de lei, e as diretrizes aplicadas à TV Educativa do Rio de Janeiro, canal 2. 283 CONCLUSÂO A criação Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa foi um marco na política do regime militar de encampação das iniciativas relativas ao uso educativo da televisão no Brasil. Entretanto, durante sua existência, entre 1967 e 1981, ela se deparou com uma missão praticamente impossível. A FCBTVE deveria coordenar uma rede de emissoras educativas criadas de forma independente, a partir dos estímulos do governo federal, e que sofriam com as mais variadas carências. Além disso, sua principal missão era produzir programas educativos que fossem atrativos e substituíssem a escola formal, sanando os graves problemas educacionais do Brasil. Como se não bastassem esses encargos, a FCBTVE deveria operar um canal de televisão que servisse de modelo para as demais emissoras educativas e de cabeça de rede para as TVEs. Entretanto, o governo militar não proporcionou as condições necessárias para o cumprimento dessas atribuições. A FCBTVE sofreu com problemas financeiros, intervenções administrativas, disputas com órgãos criados para atividades que conflitavam com sua atuação, além de se estabelecer no mesmo momento em que as emissoras educativas estavam sendo criadas, não tendo ainda sua estrutura formada para poder coordenar as atividades ligadas à televisão educativa no Brasil. A televisão educativa no Brasil foi concebida como substitutiva e complementar. Diferente do que ocorreu em outras partes do mundo, notadamente em países da Europa Ocidental, a televisão educativa brasileira visava substituir à educação formal, como solução para os graves problemas educacionais do país. Ela surgia como uma alternativa mais rápida e barata para levar educação às pessoas que estavam à margem do sistema escolar. Complementar, em função de no Brasil o modelo comercial ser hegemônico, tendo como consequência a administração das emissoras girando em torno do lucro, com uma programação visando basicamente seus índices de audiência para a conquista de novos telespectadores e consequentemente de publicidade para os seus intervalos comerciais; sendo assim, a televisão educativa deveria preencher as lacunas deixadas por essa programação. As emissoras educativas objetivavam uma “programação cultural”, muitas das vezes com “ares elitistas”, diferente da “programação popular” apresentada pelas televisões comerciais. Mesmo quando o 284 tema era esporte, por exemplo, foi dada prioridade aos amadores ou aos eventos que as emissoras comerciais não se interessaram, notadamente por questões financeiras. Emissoras estatais também teriam uma característica complementar, pois deveriam ser criadas em zonas desinteressantes comercialmente, para a ocupação do território brasileiro pela televisão, principalmente por questões de segurança nacional e propaganda do regime militar. Apesar de terem existido projetos e iniciativas para o estabelecimento da televisão educativa desde o início da televisão no Brasil, eles partiram de esforços individuais ou de pequenos grupos de entusiastas, como o formado por Roquette- Pinto, mas que não obtiveram as condições necessárias para a concretização de seus sonhos. A principal conquista nesse sentido foi o estabelecimento de alguns programas educativos, por vezes em parceria com o poder público, nas grades das emissoras comerciais de televisão. Ainda assim, os mais notórios, como os idealizados por Gilson Amado, foram utilizados para preencher a grade de programação da TV Continental, do Rio de Janeiro, que passava por problemas financeiros, sem condições de competir no setor televisivo com as mesmas práticas das suas concorrentes. Assim, a televisão educativa só vai ter condições de ser estabelecida durante o regime militar. A partir de 1964, as iniciativas com relação aos usos educativos da televisão passam a ser uma diretriz da política federal. O governo militar encampou as definições e iniciativas com relação à televisão educativa e buscou criar condições para instituí-la como solução para as carências educacionais e televisivas. Durante a ditadura militar é que foi estabelecido no Brasil um modelo complementar à televisão comercial, a televisão educativa. Foi durante aquele regime que a televisão educativa foi estimulada por meio de medidas federais e passou a ter respaldo legal. Apesar de toda emissora televisiva brasileira ter seus compromissos com a educação desde os primeiros ordenamentos legais relativos à radiodifusão, foi durante o governo militar que o modelo televisivo educativo foi consagrado pela legislação, por meio do Decreto n° 236, de 1967. A partir desse decreto estava legalmente estabelecido o duplo setor no Brasil. O Decreto n° 236 somado à criação da FCBTVE marcam uma segunda fase para a televisão educativa no país. Ela estaria saindo da fase romântica para uma fase de racionalização de suas atividades. O governo militar, estrategicamente, investiu pesado no setor das telecomunicações brasileiras. Esses investimentos proporcionaram o 285 desenvolvimento das emissoras comerciais que puderam estabelecer suas redes e aumentar sua presença no território brasileiro. Oportunidade que foi melhor aproveitada pela Rede Globo, que por meio de suas relações com os militares se consolidou como uma das maiores e mais influentes emissoras do mundo. A Rede Globo serviu aos governos militares como instrumento de inculcação ideológica do regime, ao mesmo tempo, que recebeu uma série de benefícios para tanto. Foi favorecida diretamente, como na CPI Globo/Times-Life, e indiretamente, na cassação da TV Excelsior. O estabelecimento da televisão educativa no Brasil não possui origens estritamente nacionais. Havia iniciativas nesse sentido em diversas partes do globo, promovidas por uma série de fundações e associações, e pela UNESCO. A televisão era apresentada como uma ferramenta que poderia acelerar a resolução dos déficits educacionais em vários países. Além disso, onde foi estabelecido o modelo comercial de televisão, como México e Estados Unidos, as emissoras educativas surgiram com uma função complementar às emissoras comerciais. Boa parte das medidas tomadas pelo governo militar para o estabelecimento da televisão educativa no Brasil foi uma sobreposição das medidas tomadas, algum tempo antes, nos Estados Unidos. A influência estadunidense nos governos militares brasileiros, que abrangia a educação, foi estendida para a televisão educativa. Entretanto, as medidas do governo federal para o estabelecimento da televisão educativa, na prática, se mostraram limitadas. Apesar da política de concessões ter visado atender todo o território brasileiro, as emissoras educativas criadas pelas secretarias de Educação, universidades e fundações, partiram do estímulo federal, porém com projetos únicos e isolados. Cada uma das nove emissoras que conseguiram se estabelecer em termos definitivos até 1981 teve uma concepção diferente. Muitos estados buscaram estabelecer suas emissoras apenas para atender as diretrizes federais, mas sem contar com o devido planejamento. Com projetos singulares para a criação de emissoras educativas e com a FCBTVE tendo o seu desenvolvimento concomitante aos dessas emissoras, foi praticamente impossível a coordenação das atividades nessa área. Os organismos federais criados após a FCBTVE foram estabelecidos com os mesmos vícios. Apesar de poderem até ser bem concebidos, na prática eles quase não tiveram efetividade, pois careciam de estrutura física, de pessoal e financeira. Ademais, o conflito de atribuições em decorrência das séries de siglas criadas atrapalhou bastante um 286 sistema coeso e centrado na mão do governo federal como queriam os militares. Mesmo tentando à sua maneira tornar os órgãos responsáveis pela televisão educativa mais autoritários e centralizadores, com intervenções diretas, os resultados não apareceram. A FCBTVE coordenaria todas as atividades relativas à televisão educativa no Brasil. Com a criação do PRONTEL, em 1972, ela não teria mais essa atribuição, mas na prática pouca coisa mudou. Posteriormente, no final da década de 1970, deveria responder à SEAT, perdendo ainda mais autonomia e funções de coordenação. Até que, em 1981, ela deixou de existir para dar a lugar a FUNTEVÊ, que integraria a televisão, rádio, cinema e informática educativos. Com relação a ser responsável por um canal de televisão, que deveria ser um modelo para as demais emissoras educativas e cabeça de rede de uma futura rede de emissoras com essa finalidade, a FCBTVE também teve uma série de dificuldades. Primeiramente, ela encamparia a TV Nacional, de Brasília, buscando resolver dois problemas com uma medida só, pois a emissora ia de mal a pior. Posteriormente, como sua sede acabou não sendo estabelecida no Distrito Federal, passou a operar um canal televisivo no Rio de Janeiro. Entretanto, com a criação da RADIOBRÁS, começaram as incertezas sobre a TV Educativa do Rio de Janeiro, pois ela deveria ser transferida para o novo organismo, o que acabou não ocorrendo. Além de a RADIOBRÁS não ter as condições necessárias para a encampação, era praticamente impossível separar o que era da emissora e o que era do TELECENTRO. Mas, o “departamento de milagres” da FCBTVE conseguiu iniciar as transmissões em definitivo da TV Educativa do Rio de Janeiro, em 1977. A atuação da FCBTVE como centro produtor de programas educativos foi sua atividade de maior sucesso. Apesar de ter funcionado em seus cinco primeiros anos de forma improvisada e precária, com o convênio estabelecido com o governo alemão as condições de produção mudaram sensivelmente. Mesmo com a falta de recursos necessários para a sua missão de atender à demanda de programas educativos atrelados aos currículos escolares a serem transmitidos pelas emissoras comerciais e educativas, além da necessidade de produzir para o seu Canal 2, por meio de parcerias com emissoras comerciais e com recursos de organismos públicos ligados a cada produção, foi possível atender a boa parte das necessidades com programas de relativa qualidade e com alguns programas de relativo sucesso. 287 No Brasil, das mais diversas formas e em diferentes momentos, foi defendida a mesma coisa: que um país com gigantescas dimensões territoriais não poderia abrir mão dos meios de comunicação, que iam se desenvolvendo, para sanar os graves problemas educacionais de seu povo. Apesar de uma política mal elaborada que obteve resultados práticos muito limitados quando comparados ao que foi propagandeado pelo próprio governo militar, a televisão educativa sempre foi plenamente justificável no país. Poucos se oporiam ao seu uso para sanar os problemas educacionais brasileiros. Como a causa era nobre, a televisão educativa pode até ter servido para fundamentar altos investimentos financeiros pelas esferas federais, municipais e estaduais. Em linhas gerais, nem mesmo as emissoras comerciais eram contra as emissoras educativas, desde que fossem estabelecidas de maneira complementar e sem a possibilidade de competição pelo mercado publicitário e sem também efetivarem o fantasma da estatização de todo o sistema televisivo. As próprias emissoras educativas, notadamente a FCBTVE, produziriam conteúdos que seriam exibidos pelas emissoras comerciais em cumprimento aos horários compulsórios por força da lei. Mais que isso, a televisão educativa proporcionou até ganhos para emissoras comerciais. Algumas não tinham condições financeiras para preencher suas grades de programação e passaram a ter com os programas educativos produzidos e cedidos pela FCBTVE. Outras foram responsáveis por coproduções, como a Rede Globo, com financiamentos públicos, que lhes renderam prestígio público e ganhos financeiros, ajudando a consolidá-la frente às suas concorrentes. Entretanto, as poucas emissoras educativas que se destacavam conseguiam tal feito muito mais por seus projetos originais do que pelos incentivos federais. Os governos militares foram fundamentais para a criação das emissoras educativas, mas essas não contaram com uma organização sólida, fértil e coerente para o estabelecimento de uma rede nacional de emissoras educativas que chegasse a todos os brasileiros e atingisse os objetivos de “escola dos que não tinham escola”, sanando os déficits educacionais, e de “levar a cultura erudita às massas”, como alternativa às emissoras comerciais. As produções educativas recebiam críticas no sentido de serem de “elite” quando tratavam de cultura e de “chata” quando davam aulas, sendo então pouco atrativas. Se, de um lado, entre os anos de 1964 até o início da década de 1980, as iniciativas por uma televisão educativa no Brasil, existentes desde o início da década 288 de 1950, foram encampadas e potencializadas pelo governo militar e concretizadas na criação e operação da FCBTVE e de emissoras educativas, os resultados almejados por meio desse modelo televisivo estiveram longe de se tornar uma realidade. 289 FONTES Jornais Diário de S. Paulo, São Paulo, período 01/1950 – 12/1974. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, período 01/1964 – 12/1981. O Estado de S. Paulo, São Paulo, período 01/1950 – 12/1981. O Globo, Rio de Janeiro, período 01/1964 – 12/1981. Revistas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TELEDUCAÇÃO. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, período 01/1977 – 12/1977. JORNAL DO BRASIL. Cadernos de Jornalismo e Comunicação, Rio de Janeiro, período 1965-1974. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, período 01/1950-12/1974. PN, Rio de Janeiro, 19 dez. 1960. Veja, São Paulo, período 9/1968-12/1981. Documentos do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. Assistência Nacional de TV, período 1977. ______. Assistência de Televisão Mensal, período 1977-1978. ______. Boletim de assistência de televisão, período 1954-1978. ______. Pesquisa sobre veículos, período 1960-1961. ______. Programas que tiveram índices, período 1968. ______. Televisão Diária Nacional, período, 1975-1976. ______. TV Diária, período, 1977-1979. ______. TV Geral, período 1979. _____. Tabulação Diária de Televisão, período 1978. 290 Documentos ministeriais BRASIL. Departamento Nacional de Telecomunicações. Portaria n° 1961, de 20 de agosto de 1975. Autoriza a FCBTVE a executar serviço auxiliar de radiodifusão, para enlace entre estúdio e transmissor. BRASIL. Departamento Nacional de Telecomunicações. Portaria n° 1962, de 20 de agosto de 1975. Autoriza a FCBTVE a executar serviço auxiliar de radiodifusão para reportagens externas. BRASIL. Departamento Nacional de Telecomunicações. Portaria n° 2034, de 28 de agosto de 1975. Autoriza a FCBTVE a executar serviço auxiliar de radiodifusão para comunicação de ordens de serviço. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria Geral. Programa Nacional de Teleducação: reunião de dirigentes de órgãos do MEC. Brasília, 1974. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Diretrizes básicas para a atuação da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, 1982. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n° 562, de 16 de outubro de 1989. BRASIL. Ministério da Educação e Ministério das Comunicações. Relatório da Comissão Interministerial: Portaria n° 546, de 15 de junho de 1977. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Coleção de Atos Internacionais, n° 656, 1971. BRASIL. Ministério das Comunicações. Autorização do Dentel para a instalação do serviço de radiodifusão educativa pela FCBTVE. Brasília, 1975. BRASIL. Ministério das Comunicações. Portaria n° 1961, de 20 de agosto de 1975. REIS, Taunay Drummond Coelho. Teleducação no Brasil, 1958-1970: organização e planejamento – uma contribuição. 1972. Documentos da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa e de suas sucedâneas FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE TV EDUCATIVA. Resumo do histórico da compra do terreno da av. Gomes Freire 474. Rio de Janeiro, 1970. ___________. Reformulação do Plano de Expansão do Telecentro em sua 1° etapa da 2° fase, acrescido da instalação da torre do Sumaré. Rio de Janeiro, 1974. ___________. Atas de reuniões do conselho curador e diretor da FCBTVE. Rio de Janeiro, 1973-1980. 291 ___________. Carta ao Governador do Estado do Rio de Janeiro: pedido de prorrogação de prazo para entrega do Telecentro. Rio de Janeiro, 10 jun. 1976. ___________. Relatório de Atividades, 1977. ___________. Conclusão do Conselho Curador da FCBTVE a respeito do Plano de atividades para 1978. Rio de Janeiro, 1978. ___________. Registro em Cartório da reforma no estatuto da FCBTVE. Rio de Janeiro, 1978. ___________. Estatuto da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa. Rio de Janeiro, 1978. ___________. Contrato de prestação de serviços de produção, apresentação, veiculação e comercialização de uma série de programas diários de televisão, entre FCBTVE e Daniel Azulay Produções. Rio de Janeiro, 1979. ___________. Contrato de prestação de serviços de produção de uma série de programas diários para televisão, entre FCBTVE e Migliaccio Produções Artísticas. Rio de Janeiro, 1981. ___________. Convênio entre Embrafilme e FCBTVE para coprodução de uma série de programas para televisão destinado ao público infanto-juvenil. Rio de Janeiro, 1980. ___________. Projeto TV na Escola. Rio de Janeiro, 1981. ___________. Revista Espaço Funtevê, período, 01/1983- 12/1983. FUNTEVÊ. TVE: objetivos e linhas gerais de ação. Rio de Janeiro, 1982. __________. TV-Educativa, Rio de Janeiro, Canal 2. Rio de Janeiro, 1982. FUNDAÇÃO ROQUETTE-PINTO. A fundação Roquette-Pinto e as suas dificuldades atuais. Rio de Janeiro, 1990-1997. _________. Centro Nacional de TV Educativa Gilson Amado: histórico. Rio de Janeiro, s. d.. _________. Dados informativos sobre a Fundação Roquette-Pinto, 1967-1998. Rio de Janeiro, s. d.. _________. Histórico da Fundação Roquette-Pinto (ex-FUNTEVÊ) TV Educativa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, s. d.. _________. Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa. Rio de Janeiro, s. d.. _________. Relação de presidentes e diretores, 1967-2007. Rio de Janeiro, 2007. 292 Outros documentos relativos a FCBTVE e a Teleducação no Brasil ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TECNOLOGIA EDUCAIONAL. A proposta pedagógica da Fundação Maranhense de Televisão Educativa, 1981. ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Perspectivas para a educação brasileira – os meios de comunicação – 1981. ESTADO DO MARANHÃO. Contrato de doação condicionada que entre si celebram o Estado do Maranhão e a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa. São Luís, 1981. FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Perfis das ocupações de teleducação. Rio de Janeiro, 1977. FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. Projeção de Audiência e de Resultados de Aprovação dos Telecursos de 1° e 2° Graus, 1982. OLIVEIRA SOBRINHO, José Bonifácio. Carta endereçada ao presidente da FCBTVE: termos de entendimento para a produção do Sítio do Pica-pau Amarelo. Rio de Janeiro, 19 ago. 1975. RADIOBRÁS. Termo de convênio operacional entre a Empresa Brasileira de Radiodifusão e a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa. Rio de Janeiro, 1978. Legislação BRASIL. Decreto n° 20.047, de 27 de maio de 1931. Regula a execução dos serviços de radiocomunicações no território nacional. BRASIL. Decreto n° 21.111, de 1° de março de 1932. Aprova o regulamento para a execução dos serviços de radiocomunicação no território nacional. BRASIL. Decreto n° 24.655, de 11 de julho de 1934. Dispõe sobre a concessão e a execução dos serviços de radiodifusão e dá outras providências. BRASIL. Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. BRASIL. Decreto n° 52.026, de 26 de maio de 1963. Aprova o Regulamento Geral para Execução da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. BRASIL. Lei n. 5.198, de 3 de janeiro de 1967. Cria sob forma de Fundação, o Centro Brasileiro de TV Educativa. BRASIL. Decreto-Lei n° 236, de 28 de fevereiro de 1967. Complementa e modifica a Lei número 4.117 de 27 de agosto de 1962. 293 BRASIL. Decreto n° 60.959, de 13 de abril de 1967. Aprova o Estatuto da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa. BRASIL. Decreto n° 72.634, de 16 de agosto de 1973. Outorga a concessão à Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa p