UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
GUSTAVO GARCIA TONIATO
A IMPRENSA DO RIO DE JANEIRO E O CONCEITO DE REPÚBLICA (1820- 1822)
FRANCA
2019
GUSTAVO GARCIA TONIATO
A IMPRENSA DO RIO DE JANEIRO E O CONCEITO DE REPÚBLICA (1820- 1822)
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para
obtenção do título de Mestre em História. Área de
Concentração: História e Cultura Política.
Orientador: Prof. Dra. Marisa Saenz Leme
FRANCA
2019
GUSTAVO GARCIA TONIATO
A IMPRENSA DO RIO DE JANEIRO E O CONCEITO DE REPÚBLICA (1820- 1822)
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em
História. Área de Concentração: História e Cultura Política.
BANCA EXAMINADORA
Presidente:__________________________________________________________________
Prof. Dra. Marisa Saenz Leme
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
1º Examinador: ______________________________________________________________
Profa. Dra. Márcia Regina Capelari Naxara
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
2º Examinador: _____________________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Gomes Cabral
Universidade Católica de Pernambuco
1º Suplente: ________________________________________________________________
2º Suplente: ________________________________________________________________
Franca, ___ de ______________ de 2019.
Dedico este trabalho às minhas duas avós que perdi
ao longo da produção desta dissertação: Maria José
Peres Toniato e Aparecida Garcia. Onde quer que
estejam, saibam que vocês estão sempre em meus
pensamentos...
AGRADECIMENTOS
Apesar dos trabalhos acadêmicos serem obras autorais, é sempre bom lembrar que todo
trabalho que é feito só é possível devido as inúmeras instituições e pessoas que cercam os
pesquisadores. Essa é minha pequena, porém sincera, homenagem as que tornaram esse
trabalho possível.
No universo de pessoas que me possibilitaram chegar até aqui as primeiras que devem
ser agradecidas, sem dúvidas, são meus pais Denival Guilherme Toniato e Neusa Regina Garcia
Toniato que ofereceram todo o apoio financeiro e emocional que me permitiram chegar até
aqui.
Depois deles, a pessoa mais importante foi minha orientadora a Profa. Dra. Marisa
Saenz Leme, que pacientemente me orientou em todas as fases deste longo trabalho, e colocou
fé na minha capacidade de realizá-lo.
Meus familiares, Rodrigo Garcia Toniato; Bruna Pastrello; Sandra Garcia; Rita Susana
Cordeiro Garcia; Eliane Toniato; Fabrício de Souza Garcia e Ione de Souza Garcia.
Dos amigos que me ajudaram a chegar até aqui são inúmeros, tantos velhos quanto
novos, são eles:
Bárbara Schneider de Figueiredo, Fernando Pereira dos Santos e Larissa Biatto de
Azevedo, que além de serem ótimos amigos, e que me acompanharam nos momentos mais
difíceis, sempre me serviram de inspiração de competência, trabalho e companheirismo.
José Paulo Rodrigues Correa e Daniela Sampaio Alvarez, que sempre me cederam um
teto para ficar nos momentos de necessidade, e cuja companhia sempre apreciei.
Abner Neemias Cruz, Vinícius Tadeu Vieira Campelo dos Santos e Marcus Caetano
Domingos, meus amigos orientandos. Nesses anos da pós-graduação eles foram valorosos
companheiros com quem eu pude trocar minhas experiências e angústias no processo de escrita.
Wagner Antônio dos Santos Correia; Thomas Mendonça Garcia; Rafael Teruo de Barros
Nacagawa; Ygor Renato Fernandes; Thales de Assis Pinto. Meus amigos de Bauru e Marília
que de tão próximos nessa jornada, muitas vezes eu esquecia as distâncias geográficas que nos
separavam.
Aos amigos do Grupo de Pesquisa Historiar, em especial à Júlia Souza e às professoras
doutoras Marcia Regina Capelari Naxara e Virgínia Célia Camilotti.
Agradecimento aos meus outros amigos Barbara Aniceto; Levi Yoriyaz; Vinicius
Okubara; Vinicius Carlos da Silva; Henrique Makita; Rogério Saraiva; Jonas de Paula Vieira;
Paulo Rollo; Maria Luiza Garcia; Victoria Siqueira Pereira; Guilherme Bagagi; Bianca Mattos;
Thiago Torres Tezzon; Henrique Zorzeto Figueiredo de Lima; Katia Lima; Thiago Peres
Rodrigues; Allan Felipe Silva; Bruna Baldo; Iris Fabri Paiva; Denis Wan-Dick Corbi; Mayara
Brandão Venturini; Tamyres Lucas; Cesar Neves Ortiz; Débora Eduarda Schol; Brenda
Karolayne; Rodrigo Santos; Patricia Domene Russo; Fernando Claudio Silva ;Vinicius Soares
Lima; Jéssica Capelini; Vinicius Soares Lima; Bruno Pedrosa Carvalho; Raphael S. Vibancos
Lisboa; Elane Conceição Anias; Laura Odette Dorta Jardim; Rafael Fernandes e Gabriel Frias.
Por fim gostaria de agradecer os profissionais que me ajudaram a chegar até aqui: minha
psicóloga Bettina Menezes, que sem dúvidas foi essencial na minha vida durante os anos do
mestrado; Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro que gentilmente participou da minha banca de
qualificação; Prof. Dr. Flávio Gomes Cabral pela sua participação em minha banca de defesa;
Neide Nakaoka, que tornou possível minha matrícula na pós-graduação; Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais de Franca, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e a
todos os seus profissionais.
E agradeço à CAPES, pois o presente trabalho só foi concretizado devido o fomento da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil.
“[...] Ou trata-se de Monarchia Representativa, ou de Democracia: cumpre que nos
entendamos; e toca ao Congresso desenganar-nos: porque nós amamos a liberdade, mas
aquella liberdade que reúne as vantagens da virtude, das luzes filantrópicas, dos sentimentos
religiosos, da Dignidade Real.” (RCF, XVI, 26 de fevereiro de 1822)
TONIATO, Gustavo Garcia. A Imprensa do Rio de Janeiro e o Conceito de República
(1820-1822). 2019. 296 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2019.
RESUMO
Na fase de emancipação do lado brasileiro do Reino Unido de Portuga, Brasil e Algarve e início
do Primeiro Reinado, a imprensa se transformou em um importante instrumento de elaboração
e veiculação de ideias, projetos e debates públicos. No universo dos impressos da Corte do Rio
de Janeiro, um dos grupos políticos que disputou os rumos institucionais da nascente Império
do Brasil foi acusado de “tentar mudar a forma de governo”, ou seja, de atentar contra o regime
monárquico estabelecido, visando à instauração de uma república. Propomo-nos a analisar o
conceito de república veiculado por este grupo de periodistas, – responsável pela editoração
dos periódicos Reverbero Constitucional Fluminense, Correio do Rio de Janeiro e O Sylpho –
seus projetos para a nascente brasileira, bem como sua possível associação a ideais
republicanos. Esta busca se pautará pela investigação dos usos e significados dos conceitos de
república/republicanismo nos panfletos que circularam na imprensa da Corte do Rio de Janeiro,
bem como da análise de um dos periódicos deste grupo o Reverbero Constitucional Fluminense
de forma a apreender as possíveis linguagens políticas desses publicistas da independência.
Conduziremos esta investigação por meio da análise do referido periódico e de panfletos
impressos na coleção “Guerra literária - Panfletos da Independência (1820-1823)”, visando a
reconstrução das comunidades de linguagem onde esses impressos circularam e os possíveis
significados cujos esses escritos poderiam assumir enquanto lances linguísticos dentro dessas
comunidades.
Palavras-chave: Independência; Imprensa; República; Reverbero Constitucional Fluminense;
Panfletos.
ABSTRACT
In the emancipation phase of the Brazilian part of the United Kingdom of Portugal, Brazil and
Algarve and the beginning of the Emperor Pedro I reign, the press became an important
instrument for the elaboration and dissemination of ideas, projects and public debates. In the
Rio de Janeiro court one of the political groups that disputed the institutional directions of the
nascent Brazilian Empire, and used the press has one of ours instruments of influence the
political process , was accused of “trying to change the form of government”, that is, to attack
the established monarchical regime, whit the objective of establishment of a republic. We
propose to analyze the concept of republic conveyed by this group of journalists, - responsible
for the publishing of the periodicals Reverbero Constitucional Fluminense, Correio de Rio de
Janeiro and O Sylpho - their projects for the rising Brazilian Empire, as well as their possible
association with republican ideals. This research was guided by the investigation of the uses
and meanings of the concepts of republic / republicanism in the pamphlets that circulated in the
press of the Court of Rio de Janeiro, through the Guerra literária - Panfletos da Independência
(1820-1823), as well as the analysis of one of the journals of this group, the Reverbero
Constitucional Fluminense. In order to apprehend the possible political languages of these
independence publicists, with the goal at the reconstruction of the langue where these printings
circulated and the possible meanings whose writings could assume as paroles within this
langue.
Key words: Independence of Brazil; Press; Republic; Reverbero Constitucional Fluminense;
pamphlets.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Relação dos números, páginas e tipografia do primeiro tomo do R.C.F
........................................................................................................................ 132
TABELA 2 - Relação dos números, páginas e tipografia do primeiro tomo do R.C.F.
(continuação) ................................................................................................ 133
TABELA 3 - Relação das referências a “republicanismo” nos panfletos analisados
........................................................................................................................ 240
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1: FORMAS DE CLASSIFICAÇÃO DOS GRUPOS POLÍTICOS NA
INDEPENDÊNCIA ............................................................................................................... 19
1.1 Classificações Binárias .............................................................................................. 22
1.2 Exaltados e Moderados, um terceiro elemento no debate? ................................... 47
1.3 Considerações finais do capítulo .............................................................................. 73
CAPÍTULO 2: IMPRENSA LIBERAL E REPÚBLICA NA HISTORIOGRAFIA DA
INDEPENDÊNCIA ............................................................................................................... 80
CAPÍTULO 3: LINGUAGENS CONSTITUCIONAIS .................................................. 146
CAPÍTULO 4: LANCES REPUBLICANOS .................................................................... 228
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 278
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 282
12
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, propõe-se o estudo de como se concebeu a ideia de república na
imprensa do Rio de Janeiro, no processo de desintegração do Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves e a instituição do Império do Brasil. Nesse período, que compreende os anos de
1820 a 1822, adotamos dois acontecimentos como marco temporal da pesquisa: a Revolução
Liberal do Porto de 1820 e o rompimento definitivo com Portugal, ocorrida em finais de 1822.
Esse marco foi adotado por abarcar uma conjuntura de profunda instabilidade política no
Império Português, e um intenso debate público em torno da forma como o Estado Luso-
Brasileiro e, posteriormente, o Estado Brasileiro, deveria se organizar.
O processo de reorganização das relações entre as partes europeia e americana da
monarquia Luso-brasileira teve início com a deflagração da Revolução Liberal do Porto, em 24
de agosto de 1820, que objetivava regeneração do Império Português por meio da adoção de
um Estado Liberal.1 Os revolucionários do Porto, a fim de atingir esse objetivo, convocaram as
Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, que se reuniram em 24 de janeiro de
1821, tendo seus membros eleitos por intermédio do sistema estabelecido pela Constituição de
Cádiz2, grande referência dos liberais vintistas.
Apesar de se prever a participação de deputados das províncias da América Portuguesa
nas Cortes, as discussões acerca de como seria organizado o Estado Luso-Brasileiro iniciaram-
se sem a presença da deputação “brasiliense”3. As dissonantes posições entre deputados
brasileiros e portugueses sobre a relação entre os reinos levaram à ruptura definitiva entre eles
no ano 1822, discórdia que se concentrou em como os portugueses dos dois lados do Atlântico
entendiam o Império. De um lado, os portugueses europeus o encaravam como um único corpo
1 COSTA, E. V. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 9. ed. São Paulo: Ed. UNESP, 2010. p.44.;
Cf. NEVES, L. M. B. P. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de
Janeiro: Revan: FAPERJ, 2003.; Cf. BERBEL, M. R. Independência do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1999.
2 “A base para a representação fora fixada em 30.000 cidadãos, dando o excedente de 15.000 direito a um deputado
a mais. O Cálculo pelo qual se orçou a população brasileira foi o do ano da chegada da Corte ao Rio de Janeiro,
computando-se a população livre em 2.323.386 habitantes, o que dava ao Brasil uns 70 deputados (cerca de 50
chegaram a exercer o mandato) para uns 130 de Portugal. O sistema eleitoral era complicado, abrangendo quatro
graus. Os moradores de cada Freguesia elegiam compromissários, que por sua vez designavam um eleitor
paroquial, na razão de 11 votantes e 200 fogos. Os eleitores paroquiais, reunidos, na cabeça da comarca, escolhiam
em escrutínio secreto os últimos eleitores, que na proporção de 3 para 1 (15 eleitores elegiam 5 representantes) e
igualmente por sufrágio secreto, procediam na capital da província à seleção final dos deputados.” LIMA, O. O
movimento da Independência: o Império brasileiro. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962. p. 102.
3 DIÁRIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINÁRIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA. n.1, Lisboa, 1821.
p. 2. Assembleia da República. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2016.
13
político indivisível. Já os portugueses americanos, em especial os da província de São Paulo,
concebiam-no como formado por dois reinos autônomos: Reino do Brasil e Reino de Portugal
e Algarves. Adjacente ao conflito da organização política do Império português regenerado,
também se impôs um conflito comercial4 entre as partes constituintes do Reino Unido, devido
às diferentes visões acerca da forma como seria organizado o comércio exterior do Império.
A ruptura definitiva entre os reinos se deu mediante a união de parte das elites brasileiras
com o Príncipe Regente, em reação à intervenção das Cortes nos assuntos do Reino do Brasil.
Essa intervenção foi avaliada pelos contemporâneos, ao menos em termos do discurso, como
um plano para transformar novamente a parte americana do Reino Unido em uma colônia,
retirando-se do solo americano as instituições que haviam sido transferidas de Portugal com a
vinda da Corte para o Rio de Janeiro; e, sobretudo, trazendo a perda da autonomia provincial
conquistada com a formação de juntas locais após a Revolução do Porto. Uma vez que o projeto
do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves faliu com a decisão pela independência, iniciou-
se uma nova fase no debate político brasileiro, na qual foi pensada qual a relação das províncias
do Império com a corte do Rio de Janeiro.
No contexto da Independência brasileira, a instauração da liberdade de imprensa pelos
revolucionários do Porto é ponto fundamental para o nosso estudo, uma vez a mesma
possibilitou a criação de diversos periódicos tanto na América Portuguesa quanto em Portugal,
iniciando um período de intenso debate acerca de quais seriam os rumos institucionais do
Estado Luso-Brasileiro. Desta forma, a imprensa, por meio de seus jornais e panfletos, tornou-
se um importante espaço de debate, no qual as decisões tomadas pelas cortes portuguesas, pela
regência de D. Pedro e pelas juntas governativas se transformaram em objeto de críticas
públicas.5
Dessa forma, a Revolução do Porto rompeu a interdição ao debate político público que
existia no Império Português, levando à reorganização dos mecanismos de censura. Assim,
possibilitou a veiculação de projetos políticos que, até então, estavam confinados a espaços
privados e às intrigas palacianas.6 Este fato levou a emergência de uma esfera pública de debates
e de um tipo de prática política característica da modernidade.7 Como é de conhecimento
4 Cf. ROCHA, A. P. A recolonização do Brasil pelas cortes: história de uma invenção historiográfica. São Paulo:
Ed. UNESP, 2009.; Cf. BERBEL, M. R. Deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas de 1821-22. Novos
Estudos. São Paulo: CEBRAP, 1998.
5 OLIVEIRA, C. H. L. S. A Astúcia Liberal: Relações de mercado e projetos políticas no Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragança Paulista: EDUSF: Ícone, 1999. p. 109.
6 SLEMIAN, A. Vida política em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006. p. 138.
7 KOSELLECK, R. Crítica e crise: uma contribuição a patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
Contraponto: Ed. PUC-Rio: EDUERJ, 1999. p. 108.
14
comum, o Rio de Janeiro se inseriu no grande movimento de florescimento da produção e
circulação de impressos que ocorreu no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em
decorrência do movimento revolucionário de 1820.8
Esse movimento de crescimento da produção de impressos e da constituição de uma
arena pública foi típico da Modernidade, sendo uma das marcas do rompimento de práticas
políticas associadas a um tipo de organização política tradicional de matriz absolutista. De
forma que se observou um processo de modernização da política, conforme descrito por
Koselleck, em que o debate político gestado na esfera privada – e que se constituiu com o
banimento da discussão pública devido aos conflitos religiosos no mundo cristão-católico
posteriores aos movimentos da reforma e contrarreforma - tomou os espaços de manifestação
que antes eram reservados apenas ao monarca. O próprio ato de se debater em público sobre os
rumos do Estado colocou em curso um movimento que desarticulou os regimes absolutistas.9
Portugal, por sua vez, não foi exceção a esse movimento.
É neste grande contexto de ascensão da modernidade, ressignificação do espaço público
e do papel da censura na circulação de informação que se inseriram os grandes debates que
permearam o período. Com base na documentação que elencamos e, com auxílio da bibliografia
e no objetivo traçado, organizamos este trabalho na tentativa de reconstruir os elementos gerais
desta comunidade de linguagem constitucionalista e como o conceito república se inseria dentro
desta linguagem.
Objetivamos reconstruir aspectos da comunidade de debates que se formou após a
eclosão da Revolução do Porto, com base nos apontamentos metodológicos feitos de Pocock10,
a fim de compreender como os escritores do período utilizaram-se do conceito república nestes
debates. Estes usos estavam inseridos dentro de debates em torno do conteúdo da Constituição
Portuguesa e, posteriormente, da Constituição brasileira, feitos pelas Cortes constitucionais em
Lisboa e, posteriormente, pela Assembleia Constituinte de 1823.
Achamos, pois, por bem começar analisando as formas como a questão constitucional
foi debatida pela imprensa panfletária do período bem como pelo periódico Reverbero
Constitucional Fluminense, a qual chamamos mais adiante no texto de linguagens
constitucionais. Nestas linguagens utilizou-se, em alguns momentos, o termo república. Este
8 SLEMIAN, A. Vida política em tempo de crise: Rio de Janeiro (1808-1824). São Paulo: Hucitec, 2006. p. 24-
25.
9 KOSELLECK, R. Crítica e crise: uma contribuição a patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
Contraponto: Ed. PUC-Rio: EDUERJ, 1999. Cf. Capítulo 2.
10 POCOCK, J. G. A. Linguagens do ideário político, São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2013.
15
termo foi empregado com o objetivo de descrever postulados políticos específicos, bem como
ações que foram tomadas por determinados atores na disputa pelo poder. A esses usos do
conceito república nomeamos de lances republicanos, visto que eles só podem ser entendidos
se inseridos dentro do debate constitucionalista.
A fim de prosseguir nesta tarefa de reconstruir os elementos de comunicabilidade dos
impressos da Independência organizamos um corpus documental que concentrou panfletos e
periódicos produzidos na cidade imperial do Rio de Janeiro11. Limitamo-nos à futura capital
imperial, devido ao escopo geográfico da pesquisa; contudo, quando necessário recorremos, de
maneira complementar, a escritos que circularam nessa cidade, mas que não foram produzidos
na mesma, de forma que apreenderemos elementos que são presentes no debate gestado ali.
Para realizar este trabalho de compreensão do conceito república e seus usos,
selecionamos o periódico Reverbero Constitucional Fluminense.12 O periódico foi editado pelo
grupo político conhecido como o Grupo do Ledo13, em referência ao publicista Joaquim
Gonçalves Ledo, conhecido liberal. Grupo que também editou os periódicos Correio do Rio de
Janeiro, escrito por de João Soares Lisboa, e o Shylpho; sua atuação foi comentada por nós no
capítulo que trata sobre a historiografia do período.
O Reverbero Constitucional Fluminense foi o principal periódico deste agrupamento.
Datando de 1822, o periódico foi selecionado devido às acusações de republicanismo que os
seus redatores receberam de seus adversários. Ledo e seus associados foram processados, com
acusações como “tentar mudar a forma de governo”; ou seja, foram acusados de serem
republicanos. Esse processo ficou conhecido na historiografia como o Processo dos Cidadãos,
ou “Bonifácia”.14 Apesar das perseguições que sofreram por causa deste processo apenas um
membro deste grupo foi preso, o editor do Correio do Rio de Janeiro, João Soares Lisboa.
Posteriormente, Lisboa se juntou a Confederação do Equador, de 1824, vindo a falecer em
combate contra as forças imperiais.
Juntamente a este periódico elencamos os panfletos organizados por José Murilo de
Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile, na coleção Guerra literária - Panfletos da
11 Termo utilizado para descrever o Rio de Janeiro por Marco Morel. Cf. MOREL, M. As transformações dos
espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial, (1820-1840). São Paulo:
Hucitec, 2005.
12 REVERBERO CONSTITUCIONAL FLUMINENSE. Rio de Janeiro. 1821-1822. Disponível em:
. Acesso em: 10 jan. 2019.
13OLIVEIRA, C. H. L. S. A astúcia liberal. Relações de mercado e projetos políticas no Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragança Paulista: EDUSF: Ícone, 1999.
14 Sobre o processo ver: LEITE, R. L. Republicanos e libertários: pensadores radicais no Rio de Janeiro (1822).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
16
Independência (1820-1823) 15 que abarca quase a totalidade dos panfletos que circularam no
período da Independência. Abrange uma alargada variedade de textos produzidos nas duas
partes do atlântico e que contém neles boa parte do debate público que foi levado a cabo no
período16. Escolhemos essa documentação, pois elas nos permitiram ter acesso a várias formas
de mobilização dos conceitos que investigamos. Ao longo do trabalho de leitura desses
panfletos também realizamos uma segunda seleção, visto a quantidade de material presente na
coleção, priorizando a leitura e a análise de 56 panfletos, em um universo de 318, divididos nos
seguintes gêneros por seus editores: 14 Cartas; 16 Análises; 8 Sermões, Orações e Discursos; 8
Diálogos, Catecismos, e Dicionários; 5 Relatos; 5 Manifestos, Proclamações Representações,
Protestos, Apelos e Elogios.
Destacamos também duas questões-chave que guiaram a escolha desta documentação:
onde estes textos foram produzidos? Por onde estes textos circularam? Levantamos estas
questões, visto a explosão da produção de periódicos que se verificou com o decreto que
instituía a liberdade de imprensa, conquistada pelos revolucionários do Porto em 1820 e que
criou uma esfera pública de debates.17 Esfera pública que foi compartilhada por escritores dos
dois lados do Atlântico, porque estes panfletos e periódicos que foram produzidos no período
não restringiam a sua circulação em seu local de produção. Circulava para além de seu local de
origem, tanto por meio da venda quanto por meios indiretos, como a citação de material por
outros escritores.
Esse dado nos fez adotar a perspectiva, que também foi adotada por outros trabalhos
célebres sobre o período e referenciada no primeiro e segundo capítulo do trabalho, de que tanto
a cultura política, quanto a comunidade de linguagem eram compartilhadas pelo conjunto do
Império português. É importante lembrar que nosso foco foram às especificidades que
encontramos na produção impressa do Rio de Janeiro. Pensando nessa dualidade do que seria
uma comunidade de linguagem lusófona e como ela opera em nível local, buscamos analisar
esse debate da imprensa dentro do constitucionalismo que estava em circulação no conjunto do
Império. Este debate entre o local e geral foi feito com auxílio da bibliografia que trata do
15 CARVALHO, J. M.; BASTOS, L.; BASILE, M. Introdução geral: A independência dos Brasil narrada pelos
panfletos políticos. In: CARVALHO, J. M.; BASTOS, L.; BASILE, M. (Org.). Guerra literária: panfletos da
Independência (1820-1823): Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
16 As únicas ressalvas que trazemos no uso desta coleção é quanto aos panfletos que não se encontram na coleção,
entre estes os produzidos por José da Silva Lisboa, pelo volume de material produzido pelo mesmo, o que fez com
que os editores considerassem que estes não cabiam na coleção e dos panfletos encontrados na Oliveira Lima
Library, da Catholic Universty off América, por dificuldades nas negociações e por isso não foi possível reunir
esse material naquela coleção. Para mais informações ver: Ibid., p.22.
17 MOREL, M. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade
Imperial, (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
17
processo de Independência, em conjunto com a documentação local e, pontualmente, por
publicações de outras localidades. Estes três instrumentos nos ajudaram a captar os sentidos
linguísticos produzidos no Rio de Janeiro em torno do conceito república.
Os panfletos e o periódico que foram analisados nesse trabalho foram produzidos tanto
em tipografias que pertenciam aos órgãos de Estado, quanto em estabelecimentos particulares.
Os textos que foram produzidos se utilizando de equipamentos controlados pelo governo
instalado no Rio de Janeiro aparecem com as seguintes marcações: Tipografia Regia; Imprensa
Nacional; Tipografia Nacional; Real Tipografia do Rio de Janeiro; Regia Oficina Tipográfica;
não havendo uma padronização nos termos utilizados para designar a tipografia oficial entre os
anos de 1820-1824. Quanto aos materiais produzidos por particulares, encontramos
identificações das seguintes tipografias: Impressão de Silva Porto, & Ca; Tipografia de Mor. E
Garcez; Tipografia do Diário; Tipografia Morandiana.
Com base na documentação e na bibliografia que levantamos organizamos o trabalho
em quatro capítulos: 1. Formas de classificação dos grupos políticos na independência; II.
Imprensa liberal e república na historiografia da independência; III. Linguagens
Constitucionais; IV: Lances Republicanos.
O foco do capítulo I foi recuperar parte dos inúmeros trabalhos que se dedicaram à
Independência, visando mostrar as balizas interpretativas desse importante evento histórico,
que foi considerado fundador tanto do Estado quanto da nacionalidade brasileira. A partir deste
objetivo, nos concentraremos em analisar, na vasta bibliografia disponível sobre a
Independência brasileira, os trabalhos que se propuseram a discutir os projetos de Estado e
Nação na América portuguesa do começo da década de 1820.
Buscamos, então, no capítulo II apresentar como a bibliografia tratou especificamente
os materiais e temas que trabalhamos nesta dissertação, com foco em compreender como os
membros do Grupo do Ledo, o Reverbero Constitucional Fluminense, a imprensa e o
republicanismo foram tratados pela historiografia da Independência.
A partir desta análise buscamos entender como os periodistas da Independência foram
classificados nos diversos rótulos empregados na Historiografia, tais como: liberal,
conservador, republicano, exaltado, moderado etc. Esta retomada da historiografia se fez
necessária, pois nos permitiu reavaliar os trabalhos passados e nos fornecem subsídios para a
análise documental, juntamente com nossas concepções teórico-metodológicas, permitindo-nos
estabelecer nossos próprios parâmetros interpretativos e balizando as linhas gerais de nossa
análise.
18
Com base nos apontamentos feitos nos capítulos I e II iniciamos nossa análise
documental. Adotamos como metodologia de trabalho a tentativa de reconstruir os jogos
linguísticos entre os lances linguísticos e as comunidades de linguagem que circularam na
imprensa fluminense durante os agitados anos que se seguiram a Revolução do Porto. Buscamos
compreender os possíveis lances republicanos empregados por aqueles escritores.
Desta forma o foco principal dos capítulos III foi se concentrar na discussão do que seria
esta comunidade de linguagem que os escritores da América Portuguesa estavam inseridos.
Realizamos esta análise a partir dos usos que encontramos da palavra constituição e seu
antônimo despotismo pelos escritores do Reverbero Constitucional Fluminense e dos panfletos
que circularam no período.
No capítulo IV, fizemos o mesmo movimento de análise, mas focando-nos
especificamente no termo república em função destas concepções de constitucionalismo e
despotismo que encontramos em nossa análise apresentada no capítulo III. Por fim, nas
considerações finais trouxemos nossos apontamentos do conjunto do trabalho.
19
CAPÍTULO 1: FORMAS DE CLASSIFICAÇÃO DOS GRUPOS POLÍTICOS NA
INDEPENDÊNCIA
Não é tarefa fácil classificar as tendências políticas do Brasil da primeira
metade do século XIX. Muitos já se aventuraram por este caminho e os
resultados nem sempre são afinados entre si. Um conjunto de abordagens, por
exemplo, aponta para a homogeneização, na medida em que as elites políticas
estariam unificadas e delimitadas, em sua maioria, pela escolha da monarquia,
da unidade territorial brasileira e pela manutenção da escravidão. Perspectiva
que não se distancia, em suas conclusões, dos que buscam explicar as
manifestações políticas como reflexos diretos de uma instância econômica,
quando a política aparece sempre e necessariamente como subordinada à
lógica de atividades da economia. Numa percepção diametralmente oposta, há
os que chegam a confundir grupos ou posições individuais com “correntes de
pensamento”, o que gera uma multiplicidade enganosa de posições.·.
Com a acertada advertência de Marco Morel iniciamos o primeiro ponto a ser explorado
neste trabalho: as duas formas – das três disponíveis - de classificação dos grupos políticos da
independência encontradas na historiografia. Essas formas classificatórias são divergentes entre
si, de forma que identificamos que os autores se dividiram basicamente em três tipos de sistema
de classificação. O primeiro que trataremos é o que organiza estes grupos políticos da
independência em um quadro de duas forças políticas; um segundo grupo que os organiza em
um conjunto de três forças. Sobre o terceiro tipo de classificação, que acaba por negar que haja
diferenças significativas entre os grupos políticos da independência, faremos um breve
comentário nesta introdução.
Nota-se também que entre os sistemas de classificação binários e “trinários”, na maioria
dos casos, não se dedicaram a explicar os motivos que os levaram a classificar esses agentes
políticos desta forma específica, apresentando a catalogação, muitas vezes, como algo dado, ao
invés de problematizado. Também é importante frisar que esses sistemas classificatórios, além
de criarem uma padronização dos autores políticos em rótulos estanques, seguem, em sua
maioria, um padrão fixo em sua composição do espectro político da independência.
Desta forma, nos sistemas que se organizaram em eixos binários, as nomenclaturas que
encontramos se polarizam nas palavras conservador e liberal, sendo comumente chamados de
conservadores aqueles que se organizaram em torno de pautas que visavam o fortalecimento da
Monarquia e miravam a centralização dos poderes em torno do Rio de Janeiro. Os chamados
liberais eram os adeptos de um poder descentralizado organizado nas províncias e tinham como
pauta o fortalecimento do poder legislativo na forma de uma assembleia. É também interessante
notar que esses sistemas classificatórios organizados nos eixos centralização e
20
descentralização não levam em consideração o papel das câmaras no ordenamento Institucional
do Império.
Nos sistemas que se organizaram em torno de eixos “trinários”, se preservam as
nomenclaturas “conservador” e “liberal”. Esta forma de classificação se diferencia da binária
pela inclusão de um terceiro polo político no debate, hora um polo de mediação entre as forças
liberais e conservadoras, hora colocado como uma forma radicalizada do pensamento
considerado liberal. Não há, nos autores trabalhados, uma radicalização do polo conservador
no debate público da independência brasileira. As nomenclaturas utilizadas para categorizar
este terceiro grupo fazem referência ao seu posicionamento no espectro político, e as pautas
que defendiam têm maior importância na construção das formas de classificação que os
historiadores “trinários” elaboraram.
Já nos sistemas classificatórios que não encontraram diferenças significativas entre os
grupos políticos da independência brasileira – e que reproduzem o velho ditado dos tempos do
Império “nada mais conservador que um liberal no poder” – destacamos que os mesmos partem
de análises sociológicas e economicistas. Eles identificam, dessa forma, uma elite política
homogênea, baseada na grande propriedade da terra e na mão de obra servil, sem qualquer
grupo social que pudesse rivalizar o seu poder até o fim do século XIX, que assistiu à
emergência de setores urbanos e à entrada do Exército Imperial no cenário político nacional.
Sobre estes, há de se destacar o apontamento de José Murilo de Carvalho:
[...] mesmo sem fazer um levantamento exaustivo das várias teses a respeito
da origem social e da ideologia dos partidos imperiais, podemos relacionar
três posições radicalmente distintas. Há os que negam qualquer diferença entre
os partidos, principalmente o Conservador e o Liberal; há os que os
distinguem em termos de classe social; há os que os distinguem por outras
características, como a origem regional ou a origem rural ou urbana.·.
Achamos importante destacar o comentário sobre a existência desta forma de
classificação, na medida em que ele nega as diferenças entre os grupos, pois acreditamos que
os autores que adotaram essa abordagem trazem informações importantes acerca das
semelhanças entre estes grupos políticos que disputavam a direção do processo de separação
do Reino Unido. Para além de apontar essa semelhança, a negativa das diferenças entre os
grupos políticos se encontra nas interpretações clássicas sobre o Brasil. Como exemplo de
representantes desta forma classificatória, destacamos os trabalhos de Raimundo Faoro, com
21
sua obra Os Donos do Poder1, e Caio Prado Junior com a obra Formação Evolução Política do
Brasil2.
Em ambas as obras, os autores elencam fatores extra políticos que determinam todo o
funcionamento do sistema político, fazendo com que a política imperial seja apenas uma
fachada de um jogo, cujo resultado está decidido de antemão. No primeiro caso, na obra de
Faoro, tudo já está decidido pela burocracia estatal, representada pelo estamento burocrático,
que em suas dimensões hipertrofiadas não dá margem para o surgimento de uma sociedade civil
autônoma que permitiria a disputa política nos moldes liberais. No segundo caso, de Caio Prado,
as forças econômicas da grande propriedade rural escravista determinariam o jogo político e a
disputa entre liberais e conservadores não passaria de fachada, pois os interesses escravistas
estariam assegurados, não importando quem vencesse as eleições.
Admitindo-se a premissa de que a política é determinada por fatores extra políticos tais
como, por exemplo, classe social e interesses econômicos, acreditamos que pesquisa aqui
empregada se tornaria invalidada e inútil, na medida em que o jogo político da independência
estaria condicionado a fatores extra políticos, como a economia ou a formação social, sendo os
escritos políticos meros reflexos destes aspectos da sociedade. Contudo, acreditamos que as
análises socioeconômicas são fundamentais para entender os processos políticos, e esses
clássicos são incontornáveis para entendimento do processo de independência brasileira.
Por fim, é importante frisar que faremos uma apresentação de autor por autor,
ressaltando como cada um deles interpretou o período da independência dos “brasis”. No
sentido de que a coleção de províncias que compunham a América portuguesa não tinha sua
unidade assegurada no período, bem como quais eram os interesses em jogo naquele processo,
a fim de compreender como estes criaram seus sistemas classificatórios, uma vez que todos o
fazem com referência à sua interpretação geral deste momento histórico. Devido a este objetivo,
faremos uso recorrente de citações diretas, com o intuito de alcançar um melhor didatismo e
precisão na apresentação destes autores e seus sistemas classificatórios.
Com base nestas considerações iniciais, apresentaremos, agora, os critérios que
encontramos em alguns autores que considerados chave na historiografia brasileira os quais nos
permitiram apresentar uma visão panorâmica da produção historiográfica dos últimos cinquenta
anos, a fim de apreender os seus métodos de classificação que acabaram por produzir essas
análises em eixos “trinários”, binários.
1 FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo: Globo Editora,
2012.
2 PRADO JUNIOR, C. Evolução política do Brasil e outros estudos. 11. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1979.
22
1.1 Classificações Binárias
Dos dois sistemas classificatórios que apresentados (o binário e o “trinários”), o que se
mostra mais comum na historiografia é aquele que separa os grupos políticos na independência
de forma binária. Dentro deste sistema binário as nomenclaturas mais comuns encontradas nas
obras que analisamos são as que colocam os dois polos do debate político com os nomes liberal
e conservador. Feitas essas considerações, demonstraremos, então, como alguns autores
construíram as diversas denominações em suas obras.
Nos trabalhos de José Murilo de Carvalho, os grupos políticos da independência são
conceituados na obra A Construção da Ordem, que tem como tese central:
[…] sugerir uma explicação alternativa, ou melhor, uma explicação que dê
peso maior, embora não exclusivo, a um fator até agora desprezado. Parte-se
da ideia de que a decisão de fazer a independência com a monarquia
representativa, de manter unida a ex-colônia, de evitar o predomínio militar,
de centralizar as rendas públicas, foi uma opção política entre outras possíveis
na época.·.
Ou seja, Carvalho buscou em sua tese uma explicação eminentemente política como
motivo pelo qual as províncias americanas que formavam o Reino do Brasil organizaram-se em
uma monarquia imperial e centralizada, com um governo representativo de caráter civil, avesso
a militarismos, tomando um caminho totalmente diverso das experiências emancipacionistas da
América Latina e dos Estados Unidos da América; com exceção da experiência mexicana, que
elegeu um imperador logo após sua independência da Espanha. Desta forma, para Carvalho, a
chave interpretativa que explicaria a singularidade brasileira entre os estado-nações do
continente se encontraria na existência de “[…] uma elite ideologicamente homogênea devido
a sua formação jurídica em Portugal, a seu treinamento no funcionalismo público e ao
isolamento ideológico em relação a doutrinas revolucionárias.” 3.
A partir destes três elementos, Carvalho interpreta como se formou uma elite que tornou
possível, ou construiu a possibilidade da formação de uma monarquia constitucional no
processo de desagregação da parte americana do império português. A principal explicação de
Carvalho acerca do que teria tornado possível à formação desta elite nos moldes que
3 Ibid., p. 39.
23
permitissem essa solução monárquica constitucional se encontra em torno de dois conceitos que
ele se utiliza a fim de caracterizar esta elite política da América portuguesa da década de 1820.
Os conceitos utilizados são: socialização e treinamento social.
Para além de explicar o porquê de essas elites serem homogêneas a ponto de
conseguirem manter a unidade da América portuguesa, seguindo o caminho inverso do que
aconteceu com a América espanhola, é a partir da ideia de socialização e treinamento social que
Carvalho divide os grupos políticos da independência. Aqui cabe um destaque importante, uma
vez que para Carvalho: “Até 1837, não se pode falar em partidos políticos no Brasil. As
organizações políticas e para políticas que existiram antes da Independência eram do tipo
sociedade secreta, a maioria sobre influência maçônica.” 4. Ou seja, não se pode falar em
partidos políticos para o autor no período.
A partir destas premissas, Carvalho aponta que esta elite se distingue por conta do ensino
superior, especificamente o recebido na Universidade de Coimbra, e pela circulação da mesma
em cargos na burocracia portuguesa, especificamente a carreira no judiciário. Esses dois
elementos são a base do que ele chama de socialização e treinamento social, que foram
adquiridas ao longo da vida dos componentes que formavam a elite que deu cabo a
independência brasileira na forma constitucional monárquica. Desta forma, achamos
importante destacarmos o papel que Carvalho atribui ao ensino superior. Segundo o autor:
Elemento poderoso de unificação ideológica da elite imperial foi à educação
superior. E isto por três razões. Em primeiro lugar, porque quase toda a elite
possuía estudos superiores, o que acontecia com pouca gente fora dela: a elite
era uma ilha de letrados num mar de analfabetos. Em segundo lugar, porque a
educação superior se concentrava na formação jurídica e fornecia, em
consequência, um núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades. Em
terceiro lugar, porque se concentrava, até a Independência, na Universidade
de Coimbra e, após a Independência, em quatro capitais provinciais, ou duas,
se considerarmos apenas a formação jurídica. A concentração temática e
geográfica promovia contatos pessoais entre estudantes das várias capitanias
e províncias e incutia neles uma ideologia homogênea dentro do estrito
controle a que as escolas superiores eram submetidas pelos governos tanto de
Portugal como do Brasil.5
Ou seja, no espaço geográfico da Universidade de Coimbra, os membros das elites
receberam uma série de habilidades nos estudos jurídicos, que moldaram a sua concepção de
Estado em direção a um modelo de organização que tinha respaldo na ilustração portuguesa,
4 CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 8.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 204.
5 Ibid., p. 65.
24
centralizado e absolutista. Para além deste modelo, a centralização dos estudos em Coimbra
permitiu, por meio do controle das leituras e dos currículos, que os membros desta elite fossem
blindados de ideias revolucionárias que estavam em circulação no ambiente intelectual europeu.
Por fim, a convivência neste espaço permitiu estabelecer um senso de identidade único através
dos laços que os membros das diversas partes do império português criaram naquela instituição,
e é com base na participação, ou não, nesta universidade que Carvalho categoriza os grupos
políticos da independência em dois polos distintos, aos quais ele não tem a preocupação em
estabelecer nomes.
O autor tenta demonstrar que os advindos desta universidade tiveram um
comportamento político homogêneo em comparação ao restante dos atores que ele analisou
comportamento este que se caracterizaria por um conservadorismo político, ou seja, se refere
aos que, na historiografia e nos sistemas binários que estamos analisando comumente, são
entendidos como o grupo dos conservadores.
Para além da caracterização pelo local de estudo, Carvalho também faz uma análise das
profissões que os membros da elite política do império ocupavam, encontrando uma
correspondência entre as carreiras do judiciário e da administração pública e os que
apresentavam comportamento conservador, com o magistrado como o grande representante
ideal deste grupo político. Segundo Carvalho:
Por outro lado, embora a posição centralista dos magistrados coincidisse com
os interesses do grande comércio e da grande agricultura de exportação, ela
decorria antes de sua formação e posição dentro do Estado do que do fato de
se circularem socialmente a esses setores. Os magistrados comportavam-se de
maneira mais homogênea do que os padres, independentemente de sua origem.
Tanto era centralista e conservador o magistrado do Rio de Janeiro, terra dos
grandes cafeicultores, como o era o de Minas, terra de padres libertários. Além
disso, a coincidência dos interesses dos magistrados com os proprietários e
comerciantes não se dava sempre.·.
Destaca-se nesta citação, para além do que já havíamos referenciado no parágrafo
anterior acerca das características dos magistrados, que a atuação política destes não pode ser
entendida em termos de adesão automática aos interesses dos grandes proprietários rurais,
escravistas que estavam ligados ao comércio internacional, mesmo que as suas práticas
centralizadoras pudessem servir a estes interesses, garantindo o apoio destes estratos sociais a
suas políticas que levaram a construção do Estado imperial brasileiro.
Em contraste com os magistrados coimbrãos, há um o segundo grupo político que
Carvalho analisa: os que não fazem parte dessa ordem nascida na universidade de Coimbra, e
25
que realizaram seus estudos em terras brasileiras, que não tiveram acesso ao ensino superior, e
os que tiveram acesso à educação superior, mas que a realizaram em outra instituição, que não
em Coimbra. Em ambos os casos, Carvalho considera que este grupo de pessoas, de
características heterogêneas, ao contrário do primeiro grupo, foram mais permeável a ideias
revolucionárias e de contestação da ordem, seja ela a portuguesa, ou a imperial no pós-
independência. Sobre este contraste, Carvalho diz:
Esse conservadorismo [dos formados em Coimbra] contrasta com o
comportamento político dos que se formaram em outros países europeus,
sobretudo na França, e dos que se formaram no Brasil, aos quais,
estranhamente, parecia ser mais fácil entrar em contato com o Iluminismo
francês. As academias, as sociedades literárias, as sociedades secretas,
formadas no Brasil, e as próprias rebeliões que precedem a independência
exibem quase que invariavelmente a presença de elementos formados na
França ou influenciados por ideias de origem francesa, os primeiros em geral
médicos, os segundos, padres.·.
Observar-se-á que se o primeiro grupo foi formado por magistrados, o segundo tem
como representantes os médicos e os padres, sendo nesses estratos que Carvalho encontrou os
comportamentos políticos que tipicamente são atribuídos aos liberais. Por consequência, esse
grupo seria o responsável pelas forças centrípetas que agiriam na construção do estado imperial,
na luta pela autonomia provincial e descentralização dos poderes do Estado. É importante
destacar que Carvalho não apresenta uma explicação para sua estranheza quanto à penetração
de ideias francesas no Brasil, uma vez que não se debruça na socialização e treinamento social
específica desses padres e médicos, sendo a principal caracterização dos mesmos a oposição ao
grupo coimbrão. Contudo, ao se analisar a origem social dos padres e a dos magistrados,
Carvalho conclui:
[…] embora pudesse haver mais padres de origem social modesta do que
magistrados, não estava aí a principal causa de seu comportamento diferente.
O comportamento dos padres políticos de Minas Gerais, São Paulo e Ceará
estava mais próximo do dos fazendeiros dessas áreas e se aproximava do
liberalismo que os caracterizava – fundamentalmente de oposição à
interferência do governo central em seus domínios. Os de Pernambuco, pelo
maior contato com a sociedade urbana, se aproximavam mais de um
liberalismo democratizado, sem avançar muito no campo da reforma social.·.
Ou seja, o autor atribui o comportamento liberal dos padres à socialização que eles
tinham com os fazendeiros, os quais tinham aversão às interferências governamentais em seus
negócios particulares e pleiteavam maior participação política provincial. De certa forma, o
26
sistema classificatório de Carvalho acabou por criar uma dicotomia entre uma elite que seria
nacional, homogênea, centrípeta e conservadora com uma segunda elite, não nacional, mas
local, heterogênea, centrífuga e liberal, ambas diferenciadas pelos fatores de socialização e
treinamento social, o do primeiro grupo unificado por Coimbra e pela magistratura e o do
segundo grupo fragmentado nas províncias, nos seminários e por alguns membros da elite que
conseguiram mandar seus filhos às universidades europeias.
Destacamos também que várias personalidades, segundo o sistema classificatório
desenvolvido por Carvalho, que seriam incluídas como membros conservadores ou liberais de
acordo com os critérios de socialização e treinamento social não se encaixam em seu sistema
classificatório. A título de exemplo, poderíamos recorrer a três figuras proeminentes das
articulações que levaram a independência brasileira que tiveram marcada atuação liberal:
Cipriano Barata, formado na Universidade de Coimbra, mas não no curso jurídico, participante
da revolução pernambucana de 1817 e publicista, além de um crítico feroz de Dom Pedro I;
José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro na época da
independência e um dos articuladores da mesma no Rio de Janeiro, também formado em
Coimbra e Juiz de fora, envolvido com o grupo de Joaquim Gonçalves Ledo, notório liberal;
Joaquim Gonçalves Ledo que frequentou sem concluir o curso de direito na Universidade de
Coimbra, publicista e conhecido liberal.
Ou seja, apesar dos fatores de socialização e treinamento social das elites políticas serem
reconhecidamente fatores fundamentais a fim de se entender os processos políticos em curso
em qualquer sociedade, eles, por si só, não conseguem explicar a totalidade dos
comportamentos políticos e, no caso específico da obra de Carvalho, têm muito mais sucesso
em explanar certa homogeneização de práticas políticas do grupo dos conservadores e de sua
atuação mais coesa na disputa política da América portuguesa recém independente e têm menos
sucesso em expor a atuação e prática política da elite que estava apartada deste treinamento
social e socialização específica.
Outro viés de estudo que pode ser adotado é o de Cecilia Helena L. de Salles Oliveira,
apresentado em sua obra A Astúcia Liberal6, na qual procurou identificar os nexos entre as
relações de mercado e as práticas políticas no período da independência, de forma a
compreender como os interesses mercantis se articularam a práticas e formulações políticas na
defesa de formas institucionais específicas, demonstrando como o jogo de interesses mercantis
6 OLIVEIRA, C. H. L. S. A Astúcia liberal. Relações de mercado e projetos políticas no Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragança Paulista: EDUSF: Ícone, 1999.
27
se manifestou no decorrer dos episódios que desencadearam o processo de independência
brasileira.·.
Para realizar esta tarefa, a autora descreve o processo de mercantilização da terra, que
ocorreu nos meados do século XVIII e teve acentuada expansão com a chegada da família real
em 1808. Com isso, pretende demonstrar como novas terras foram incorporadas à produção
mercantil no entorno do Rio de Janeiro, atendendo aos interesses dos pequenos e médios
proprietários de terra. Esse processo levou a um deslocamento da população pobre, composta
por posseiros, foreiros, artesãos e rendeiros, que não tinha como comprar terras próximas ao
núcleo urbano do Rio de Janeiro7, o que causou sua pauperização.
É neste contexto de incorporação de mercados e pauperização de parte da população do
Rio de Janeiro que se inscreve, para Salles Oliveira, a produção e reprodução de discursos
políticos. Salientamos aqui que essa relação não se constituiu de maneira mecânica como se
esses interesses determinassem as demandas em si, de forma que as proposições identificadas
como liberalizantes e ocorridas no período estouraram tanto na parte europeia do império
português, quanto nas partes americanas de maneira simultânea8, não sendo, desta forma, uma
importação de ideais estranhos ao contexto brasileiro.
Nesse sentido, o reajustamento dos interesses entre determinados setores da
sociedade fluminense e as pretensões dos revolucionários em Portugal
constituía uma das facetas da complicada movimentação política. O cerne da
luta que se tratava no início da década de 1820 encontrava-se no mercado
interno, no equacionamento de projetos, reivindicações e ambições de grupos
proprietários antagônicos radicados no Rio de Janeiro e nas províncias·.
Com base nestes apontamentos, Oliveira identificou dois grupos políticos que tinham
capacidade de intervenção organizada no processo de independência no Rio de Janeiro e os
classificou a partir da associação deles com interesses ligados a questões de disputas pelo
controle dos cargos públicos, de acesso a terra e mão de obra.
Desta forma, a autora identifica como liberal o agrupamento ligado a Joaquim
Gonçalves Ledo, sendo que este grupo ocupou o centro de sua análise. Para ela, o grupo em sua
formação social: “[...] encontrava respaldo junto a atacadistas fluminenses e portugueses e a
donos de engenhos e lavouras mercantis do Recôncavo e de Goitacazes [...]” 9, que haviam
7 Ibid., Cf. Capítulo 2.
8 Ibid., p. 105.
9 OLIVEIRA, C. H. L. S. A Astúcia liberal. Relações de mercado e projetos políticas no Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragança Paulista: EDUSF: Ícone, 1999. p. 107.
28
conseguido destacada ascensão econômica e buscavam ampliar sua influência na condução dos
negócios públicos, como forma de garantir seus interesses.
Em oposição ao grupo do Ledo, se encontrariam outro grupo, definido na seguinte
passagem: “O ’partido’ ao qual Silvestre [Pinheiro Ferreira] se referia era constituído por nobres
e empreendedores portugueses emigrados que haviam fixado interesses no mercado fluminense
[...]” 10. O grupo já estava encastelado na burocracia estatal criada por D. João VI no Rio de
Janeiro e ameaçavam o controle de capitais e mão de obra dos produtores que já estavam a
muito ali estabelecidos.
É importante destacar também que ambos os grupos, aquele composto pelos nobres
emigrados e o composto por partidários de Joaquim Gonçalves Ledo, possuíam inspirações
liberais em sua prática política e em seus projetos de construção do que viria a ser a nova
engenharia institucional do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a partir de uma tradição
de reformas que remontam à ilustração portuguesa. Ambos os grupos discordavam sobre a
atuação dos liberais em Portugal11, contudo os nobres também partilhavam de uma visão liberal
para o novo ordenamento político português. Sobre os nobres emigrados, Salles Oliveira diz:
Não concordavam com a atuação dos liberais em Portugal e muito menos
aceitavam a posição assumida pelo grupo de Ledo e pelos setores que lhe
davam sustentação. Porém almejavam construir um Império português no
Brasil, alicerçado também em práticas liberais, uma vez que propunham
“reformas” institucionais que aprofundassem a política desenvolvida no
decorrer do governo joanino, acreditando que a exploração dos recursos
naturais disponíveis e a “civilização” do “povo” seriam as bases do “progresso
material e moral” de uma futura “nação” poderosa.·.
Há, todavia, um terceiro grupo de pessoas que Salles Oliveira aponta como grupo de
interesse e pressão no momento da independência. Contudo, não incluímos a autora dentro do
rol de autores que usaram sistemas “trinários” para a classificação dos grupos políticos da
independência, pois os interesses deste terceiro grupo, os pauperizados pelo movimento de
mercantilização do trabalho e da terra, segundo Salles Oliveira, não apresentam atuação política
organizada, mesmo influindo diretamente em alguns eventos, como na Revolta da Praça do
Comércio12. Eles não conseguiram ter acesso direto à administração do Reino do Brasil e no
10 Ibid., p. 127.
11 Ibid., p. 127.
12 OLIVEIRA, C. H. L. S. A Astúcia liberal. Relações de mercado e projetos políticas no Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragança Paulista: EDUSF: Ícone, 1999.
Cf. Capítulo 3. Em 21 de abril de 1821 ocorreu a reunião que iria indicar os deputados que representariam a
província do Rio de Janeiro nas Cortes Constituintes de Lisboa e que ocorreu na Praça do Comércio. Originalmente
a reunião seria realizada em um local fechado, contudo, por pressão do grupo de Ledo, a mesma foi transferida
29
processo de separação deste com Portugal foram constantemente mobilizados em favor do
grupo de Ledo, os liberais.
O processo de pauperização que atingia rendeiros foreiros, pequenos
proprietários, artesãos, jornaleiros e trabalhadores por empreitada, em
decorrência do movimento de mercantilização da produção e da terra,
viabilizou sua mobilização a favor da movimentação preparada pelo grupo de
Ledo·.
Essa mobilização dos pauperizados não fazia, nesse caso, que os mesmos se
confundissem com o grupo do Ledo, se constituindo em um grupo de interesse à margem dos
desdobramentos da briga em torno do controle da burocracia do Reino Unido instalada no Rio
de Janeiro e do acesso aos mercados. Essas parcelas da população eram tratadas de maneira
semelhante a como os nobres emigrados tratavam os pauperizados, ou seja, como cidadãos de
segunda classe. Essa relação de subordinação mostrou-se presente nos desdobramentos à
Revolta da Praça do Comércio, onde os liberais planejavam uma junta governativa de província;
a reunião terminou em fracasso, sendo violentamente reprimida pelas forças joaninas. O
processo que resultou dessa Revolta, que intencionava punir os responsáveis pelo movimento,
serviu, segundo Oliveira, para reforçar as clivagens sociais que os liberais mantinham com a
plebe. Sobre o processo, a autora afirma:
O processo tornou-se um instrumento político no sentido de preservar a
imagem dos homens detentores de riqueza e prestígio na província, além de
indicar, com nitidez, as distâncias entre “cidadãos” e “não-cidadãos”. A
“plebe amotinada”, a “gente ordinária de veste”, na opinião de pessoas
influentes como Nogueira da Gama, José da Silva Lisboa, Mariano José
Pereira da Fonseca e José Joaquim de Faro, não era “igual a eles, homens
“ilustrados”“. Muito menos Ledo, Clemente Pereira e Santos Portugal
admitiam a “semelhança”. Uma das práticas desses liberais era fazer alianças
fluidas e oportunistas com pequenos proprietários, artesões, soldados e
mascates tentando manipular suas reivindicações. Porém, isso não queria dizer
que os considerassem “iguais”, pois, no jogo do mercado, esses contendores
não possuíam o poder que os proprietários exerciam.13
para a Praça do Comércio. Durante a reunião para a indicação dos representantes às cortes, o grupo de Ledo
articulou-se com camadas populares, a fim de pressionar os eleitores a indicar não só a deputação que iria a Lisboa,
como também eleger uma junta governativa de província conforme os ditames das Cortes de Lisboa. Contudo no
decorrer da reunião, o grupo de Ledo perdeu o controle da multidão que à acompanhava. Esta multidão, composta
por membros que foram alijados do processo eleitoral passou a fazer reinvindicações que fugiam aos interesses do
grupo de Ledo, e do grupo dos Nobres emigrados que Oliveira cita ao longo do seu trabalho, o que gerou forte
reação do governo real ainda instalado no Rio de Janeiro a fim de dissolver a assembleia que já havia saído do
controle.
13 OLIVEIRA, C. H. L. S. A Astúcia liberal. Relações de mercado e projetos políticas no Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragança Paulista: EDUSF: Ícone, 1999. p. 147.
30
Também vale destacar que a autora demonstra que as alianças e agrupamentos políticos
não foram fixos no processo de independência, havendo mudanças de postura e realinhamentos
ao sabor dos acontecimentos. Além disso, evidencia como os interesses se alinharam e se
desalinharam no decorrer dos conflitos que vieram à tona por ocasião da reorganização da
monarquia portuguesa, de forma que reafirmavam clivagens sociais preexistentes e buscavam
garantir os interesses de seus executores. Esses realinhamentos políticos chamam muita
atenção, principalmente pelo trecho que trata diretamente de um dos impressos centrais de nossa
análise, o Reverbero Constitucional Fluminense. Segundo Salles Oliveira:
De outra parte, abria-se campanha contra a prática exercida pela Junta de
governo mineira, a mesma que poucos meses antes os redatores do jornal
haviam apoiado (RCF, nº XX e XXV, março/ abril/ 1822, 1º vol.). Seus
membros deixavam de ser “constitucionais” para se tornarem “facciosos” e
“republicanos” por tentarem construir um governo autônomo em relação à
autoridade do Regente14
Essa breve citação mostra a mudança de posicionamento do periódico frente às posturas
que estavam sendo tomadas pelo grupo de Ledo através de seu periódico. A temática girava em
torno da Junta Governativa de Província Mineira, a qual teve em sua formação uma postura de
autonomia em relação ao governo do Rio de Janeiro e ao governo de Lisboa.15 Esta postura se
modificou quando não era mais conveniente ao grupo de Ledo, uma vez que este se associou
ao projeto emancipacionista em torno do príncipe regente, cujo um dos principais objetivos era
manter a unidade do Reino do Brasil, unidade que a postura autonomista da junta mineira
colocava em risco.
Isso é demonstrativo, mais uma vez, de que o jogo da identificação política dos grupos
da independência é um problema de extrema complexidade. Uma vez que a conjuntura política
da emancipação se mostra fluida, e que as alianças de ontem se quebram amanhã, dinâmica que
desafia os sistemas explicativos produzidos até o momento e nos impõe uma postura crítica
frente à bibliografia e aos documentos que serão analisados ao longo do trabalho. Por fim,
gostaríamos de destacar que o sistema classificatório de Oliveira se constrói sobre bases
pragmáticas, vinculando interesses de mercado a posicionamentos políticos, em um ambiente
de ascensão do liberalismo político; apesar disso, isso se desenvolve sem criar uma relação
14 Ibid., p. 190.
15 Sobre a junta governativa de província mineira conferir: SILVA, A. R. C. Constitucionalismo, autonomismos e
os riscos da "mal-entendida liberdade": a gestação do liberalismo moderado em Minas Gerais, de 1820 a 1822.
Tempo, Niterói, v. 18, n. 33, p. 243-268, 2012. Disponível em: . Acesso em: 06 jul. 2019.
31
mecânica entre as demandas materiais e as proposições políticas. A autora também mostra que
há uma massa de excluídos que não cabem no seu sistema classificatório, uma vez que essa
massa não consegue conduzir uma luta política organizada em torno dos seus interesses difusos.
Continuando nossa explanação sobre os sistemas binários, passamos agora à obra de
Ilmar de Mattos. O autor fez, em sua tese denominada O Tempo Saquarema16, uma
diferenciação entre os grupos que compunham o cenário político da América Portuguesa no
processo de independência, e no período pós-emancipação; seu ponto central é o estudo da
formação daquilo que ele define como classe senhorial e seu grupo dirigente, os Saquaremas.
Mattos define que esta classe senhorial funda sua prática e teoria política em torno da
manutenção de dois monopólios: o monopólio mão de obra, ou seja, o controle sobre a massa
de escravos existentes no Império, e o monopólio da terra, a manutenção da grande propriedade
rural.
O processo de formação desta classe senhorial estaria intimamente ligado ao processo
de estruturação do Estado Imperial, sendo impossível dissociá-los. Ambos os procedimentos
são vistos por Mattos em uma perspectiva de longa duração, que encontra suas raízes na
colonização portuguesa, fundando-se no próprio sentido desta colonização. Apesar de seu
trabalho se dedicar, com maior afinco, ao período que ficou conhecido como “as regências”,
sua classificação nos serve como parâmetro para o período da independência, uma vez que, a
classe senhorial ainda que não estivesse completamente desenvolvida se encontra em processo
de formação.
A fim de compreender o processo de formação desta classe senhorial, do Império e, por
consequência, dos dois grupos políticos que Mattos aponta para o período, Luzia e Saquarema,
faz-se necessário aprofundar em como ele define esse processo de formação. Segundo Mattos:
O primeiro deles é compreender os processos de construção do Estado
imperial e de constituição da classe senhorial, nos termos de uma restauração
e de uma expansão. O segundo consiste na demonstração da relação
necessária, embora não natural, entre ambos os processos, relação propiciada
pela intervenção consciente e deliberada de uma determinada força social, a
qual se forja a si própria como dirigente no movimento dessa intervenção: os
Saquaremas. 17
Como visto neste pequeno trecho, para Mattos, o processo de formação da classe
senhorial e do estado imperial é engendrado na ideia de restauração e expansão. Expansão e
16 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004.
17 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p.14.
32
restauração são conceitos que remetem a um objeto específico. O que foi restaurado? O que se
procurava expandir? Ambas as forças, expansão e restauração, estavam orientadas e, por
consequência, a própria construção que Mattos aponta para o que, ele chama de moeda colonial,
ou seja, a construção do Império e de sua classe dirigente estaria orientada para a retomadas
dos pactos que estavam, até então, vigentes desde o período colonial, o chamado pacto colonial.
Observar-se-á que essa afirmação gera pelo menos três perguntas: Qual é a natureza
deste pacto? Se havia a necessidade de restaurá-lo, quer dizer que ele estava em risco ou havia
sido quebrado? O que significa a expansão deste pacto colonial? Outro ponto importante a ser
destacado é que Mattos encara o que ele chama de moeda colonial como um conjunto de
relações sociais, e não um contrato entre partes. Sobre a natureza do pacto, Mattos diz:
[…] Ora, um pacto é sempre um acordo entre as partes, mesmo que a relação
que se estabelece possa distinguir-se por uma assimetria. O pacto colonial que
então se restaurava, também o era: a presença dos interesses ingleses
predominantemente como um dos contratantes pressupunha a presença de
interesses determinados do lado Império do Brasil, não sob a forma de uma
justaposição, e sim de modo complementar e contraditório.·.
O primeiro ponto a ser destacado sobre a natureza deste pacto é que Mattos não encara
a independência brasileira como um movimento de rompimento do antigo pacto colonial que
estava sendo novamente imposto ao Reino do Brasil pelas Cortes de Lisboa. Pelo contrário, a
independência brasileira visava justamente à recomposição desse acordo, agora não mais unido
aos interesses da metrópole portuguesa, e sim aos interesses do capital inglês. O que preservava
essa relação de subordinação aos interesses britânicos era a forma com a qual o Império se
ligaria aos interesses do capital internacionalizado. O desdobramento dessa afirmação é se
perguntar a quais interesses e propósitos esse recunhar da moeda colonial atendia. A resposta
dessa pergunta, para Mattos, é que ela, a moeda colonial, atendia ao reestabelecimento dos
monopólios que estruturariam a relação entre colono e colonizador. Ainda segundo Mattos:
Por ser tanto referência quanto o elemento estruturante desse desdobramento,
o monopólio constitui-se no elemento que une as duas faces da moeda
colonial, assim como lhe confere o calor. De um lado, a “cara”, ou a face
metropolitana, apresentando-se por meio do Reino ou do Estado Moderno; de
outra, a “coroa” ou a face colonial, na forma da Região, face geralmente
oculta, impossível de ser pensada isoladamente da primeira, mas guardando
também existência própria, um processo particular que não se restringe à mera
reprodução da História metropolitana ou dos sucessos de outra região
qualquer.·.
33
Desta forma, os monopólios, além de fundarem essa classe senhorial em formação, que
se construiu concomitantemente ao Estado Imperial, servem de liga ao pacto colonial. Sobre os
monopólios, o autor afirma: “[…] da relação entre colono e colonizador resultava o monopólio
daquele sobre a mão-de-obra, as terras e os meios de trabalho.” 18. Ou seja, são eles que dão
sustentação à área de agricultura-mercantil-escravista, de produção orientada para o mercado
externo, associada aos grandes capitais internacionais, área esta que se formou desde os
primórdios da colonização portuguesa na América. Destacando sempre que esta relação era
assimétrica, ao mesmo tempo complementar e, em alguns casos, conflitante.
Esta sociedade que se formara desde a colonização se construiu de maneira
hierarquizada. A partir deste pressuposto, Mattos apresenta uma nova dicotomia presente nesta
sociedade: entre os colonos e os colonizados. Os colonos são aqueles que detinham os
monopólios já citados, além de escravos e terras. Os colonizados eram aqueles que estavam à
margem destes monopólios, os que não eram senhores de terra com grande cabedal de escravos.
Os primeiros pertenciam às atividades da agricultura de exportação, os segundos eram ligados
às atividades de abastecimento interno, por exemplo, a criação de gado. Os colonos:
Na medida em que eram proprietários em condições coloniais; em que ao
complementar por meio de uma produção os interesses metropolitanos
acabavam por se contrapor a eles por estarem obrigados a um consumo; em
que se relacionavam de modo contraditório, por meio da ideologia do favor,
com os homens livres e pobres; e em que opunham seu modo de vida e suas
concepções aos de outros contingentes sociais; os plantadores escravistas
construíam lentamente sua individualização, possibilitavam o recorte de uma
região e pareciam mesmo constituir uma classe social.·.
Ou seja, essas diferenciações no seio da sociedade colonial acabaram por forjar uma
nova classe social ao longo dos séculos, e a construção do estado imperial é parte deste
processo. Essa nova classe social se fundou nos monopólios coloniais e dependia destes para a
sua reprodução, fazendo com que a própria independência brasileira, vista como um
rompimento com uma metrópole e, em consequência, do pacto colonial, na verdade fosse o
contrário, uma restauração deste pacto que vinha sendo ameaçado pela interferência inglesa na
proibição do tráfico negreiro e por agitações revolucionárias, a exemplo da revolução de 1817
em Pernambuco.
Desta forma, para Mattos, a independência cumpriu uma função de restauração da
moeda colonial, reafirmando as hierarquias existentes no seio da sociedade colonial, ao mesmo
18 Ibid., p. 39.
34
tempo em que reforçava as hierarquias entre as diversas partes do império, dentro de uma longa
tradição aristocrática difundida pelos séculos de colonização portuguesa. Essa relação
explicaria também a adoção do título de Imperador e não de Rei por D. Pedro I 19 Sem a
compreensão de que essa sociedade que deu base à formação da classe senhorial, que é de
caráter aristocrático, fica impossível compreender esses agrupamentos políticos que levaram à
emancipação e estavam por se constituir enquanto classe no período que é o enfoque de Mattos,
o chamado Tempo Saquarema. De forma que:
Podemos dizer, por um lado, que este sentimento aristocrático – síntese da
visão da política e da sociedade prevalecente à época da Maioridade –
expressava um fundo histórico forjado pela colonização, que as forças
predominantes na condução do processo de emancipação política não
objetivaram alterar: o caráter colonial e escravista dessa sociedade. Anotemos,
contudo, que tomar em consideração esse fundo não significa recolher apenas
seus aspectos mais estritamente econômicos, mas também evidenciar o papel
que as relações pessoais e raciais cumpriam nessa sociedade. E, por outro lado,
dizer também que ele reponta como manifestação da importância que o
liberalismo possui no duplo movimento que distinguia esta sociedade no
momento em questão: a construção do Estado Imperial e a constituição da
classe senhorial.·.
Foi descrita a sociedade, cuja caracterização foi reproduzida anteriormente em sucintas
linhas a fim de uma melhor compreensão do sistema classificatório desenvolvido por Mattos,
sendo o sistema baseado em dois conceitos que se referem a 2/3 dos espaços de sociabilidade
que existiam no Império do Brasil. Na visão do autor: a casa, a rua e o estado; que também
correspondiam a outros três conceitos mobilizados pelos contemporâneos, mas que não se
confundiam com estes três espaços: o mundo do governo, do trabalho e da desordem. Sobre
estes três mundos, Mattos diz:
Governo, Trabalho e Desordem – os mundos constitutivos do Império do
Brasil, mundos que se tangenciavam, por vezes se interpenetravam, mas que
não deveriam confundir-se, por meio da diluição de suas fronteiras, mesmo
que os componentes da “boa sociedade” fossem obrigados a recorrer à
repressão mais sangrenta a fim de evitar que tal acontecesse.·.
Governo e estado; casa e trabalho; rua e desordem. Esta era a hierarquia dos mundos e
dos espaços a se preservar, o que só era possível com a restauração da moeda colonial, que
mantinha essa hierarquia através dos monopólios da mão e obra e da terra. É importante também
destacarmos a associação entre a rua e a desordem, visto que era nesse espaço onde se
19 Ibid., p. 94.
35
encontravam os elementos que fugiam à ordem que se tentava restaurar. Ou seja, era na rua que
estavam os elementos da sociedade que não compunham a classe senhorial em formação e não
estavam ligados à agricultura de exportação. Estavam fora da ordem escravista, tanto não se
encaixavam nela quanto pressionavam por mudanças. Para Mattos:
[…] Fundar o Império do Brasil, consolidar a instituição monárquica e
conservar os mundos distintos que compunham a sociedade faziam parte do
longo e tortuoso processo no qual os setores dominantes e detentores de
monopólios construíam a sua identidade como uma classe social.·.
Feito este parêntese, apresentamos duas citações que são centrais para entender o
sistema classificatório de Mattos. Uma delas concerne ao que é o Governo da Casa e a outra
sobre Governar o Estado. Sobre o Governo da Casa, o autor diz:
Governar a Casa era, sobretudo governar a família, e nesta se incluíam os
próprios escravos, pois estes, como lembra S. B. de Holanda, então
“constituíam uma simples ampliação do círculo familiar, que adquiria com
isso todo o seu significado original e integral”. Governar a escravaria consistia
em não apenas fiscalizar o trabalho da massa de escravos, ou em escolher com
acerto os feitores e saber evitar-lhes as exagerações, mas sobretudo em criar
as condições para que as relações de poder inscritas na ordem escravistas
fossem vivenciadas e interiorizadas por cada um dos agentes, dominadores ou
dominados. Governar a Casa era exercer, em toda a sua latitude, o monopólio
da violência no âmbito do que a historiografia de fundo liberal convencionou
denominar de poder privado.20
O Governo da Casa é, para Mattos, o domínio do poder privado dos senhores de terra.
Não fica claro em sua obra se esses senhores de terra seriam apenas aqueles ligados ao mercado
externo, que estariam no topo da hierarquia social descrita por ele, ou a todo o processo
produtivo, o que incluiria aqueles que se dedicavam ao tráfico de escravos, ao comércio de
grosso trato e à agricultura de abastecimento para o mercado interno. O que é claro é que os
membros da casa eram elementos essenciais à ordem e pertenciam ao mundo do trabalho.
Antagonizando o Governo da Casa, temos o Governo do Estado, o qual segundo Mattos:
[…] consistia, pois, em não só coibir as exagerações dos que governavam a
Casa, tanto no que diz respeito ao mundo do governo, quanto no que tange ao
mundo do trabalho, mas em sobretudo empreender as tarefas que eram
entendidas como transcendentes às possibilidades daqueles, entre as quais
avultava a de propiciar a continuidade dos monopólios que fundavam a classe.
20 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 132.
36
Governar o Estado era, no fundo e no essencial, elevar cada um dos
governantes da Casa à concepção de vida estatal.21
Ou seja, cabia ao Governo do Estado fazer as mediações necessárias a fim de limitar o
poder privado, evitando que ele cometesse abusos em suas atribuições. Assim, não colocaria
em risco o processo de recunhar a moeda colonial, que já se encontrava ameaçado com a
ingerência inglesa que pressionava o governo português e, consequentemente o brasileiro, a pôr
fim ao tráfico escravista. É importante também destacar que no papel de contenção aos
possíveis abusos do Governo da Casa, o Governo do Estado acaba por ter um papel civilizador
e homogeneizador sobre toda a classe senhorial.
Quanto ao que seria um governo da rua, o espaço da desordem, Mattos não faz uma
conceituação, apenas frisa, ao longo de seu trabalho, que os três mundos que compõe o Império
estão em constante conflito. Desta forma, excluindo-se a rua, que não apresenta representante
no jogo político da classe senhorial e, por consequência, do Império, o embate pelo controle do
Estado se organizaria em torno daqueles que privilegiariam o governo da casa em oposição aos
que privilegiariam o governo do estado. O que não quer dizer, claramente, que aqueles que
privilegiassem um dos dois não pudessem ocupar as duas esferas.
O primeiro agrupamento que trataremos é o que privilegiava o governo da casa e ficou
conhecido, na obra de Mattos, por luzia ou liberal. O segundo é o que privilegia o governo do
estado e foi nomeado de saquarema ou conservador. É importante fazer uma pequena ressalva:
apesar de nomeá-los como saquaremas e luzias, Mattos deixa bem claro que existem subgrupos
dentro desses dois polos que compõem o jogo político imperial. Saquaremas e luzias são dois
destes subgrupos encontrados e, devido à sua importância para o entendimento do período,
acabaram por nomear todo o seu agrupamento correspondente.
Os chamados luzias, que privilegiaram o Governo da Casa, têm como principal
característica, segundo Mattos, a noção de liberdade que os coloca em oposição ao governo, ou
seja, enxergam o Governo do Estado como fonte de arbitrariedades e riscos para sua liberdade
de exercer o poder privado. Desta forma, segundo o autor, para entendermos os liberais,
precisamos de duas concepções: “[…] de um lado. Casa = Liberdade e Colono (depois Cidadão
Ativo) = Liberal; de outro, e de modo complementar, Estado = Ausência de Liberdade (ou
Autoridade) e Colonizador (ou “Pés-de-chumbo”) = Não Liberal.” 22. Essa primeira proposição,
que segundo o autor é largamente difundida pela historiografia, não basta para entender os
21 Ibid., p. 132-133.
22 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 146.
37
liberais, uma vez que a Casa não disputava supremacia apenas com o Estado, mas também com
a Rua. Para Mattos “O que era entendido como “triunfo” do princípio democrático fazia
repontar as contradições da Liberdade, estabelecendo as clivagens entre os primeiros Liberais:
a Casa não se opõe apenas ao Estado; ela se opõe também à Rua.”23.
Poderíamos então, a partir dessas premissas, de que Casa representava a Liberdade, o
Estado a sua ausência e a Rua a desordem, discutir se Mattos pode ser classificado entre os
autores que consideram que existem mais de duas facções políticas no período da
independência. Isso seria possível devido seu trabalho de identificação de um terceiro espaço
social que compunha a política imperial, a rua, a qual era vista pelos membros da classe
senhorial em formação como inimiga do Estado e da Casa. Outro indício que aponta nesse
sentido é que Mattos, ao longo de sua descrição sobre os liberais, acaba por citar um grupo que
ele nomeia de “exaltados”, que estariam no seio dos luzias. Este foi tratado, ao longo de toda a
obra, como um grupo heterogêneo que, segundo Mattos, não demonstrou capacidade de
organizar as diversas facções que o compunham.
Apesar destes dois indícios, acreditamos que é mais acertada a visão de que este trabalho
deva ser classificado dentro dos sistemas binários. Isso porque os possíveis agentes que
comporiam uma terceira força, representante da Rua, estariam à margem do jogo político
imperial e não apresentaram, segundo Mattos, capacidade de articular uma oposição organizada
à chamada classe senhorial, fazendo com que o jogo político ficasse confinado nas disputas que
ocorriam no interior desta classe. O que não quer dizer também que o jogo político estar
confinado a elite excluía a disputa de projetos de Estado que acontecia dentro dela; muitas
vezes, como, por exemplo, na Confederação do Equador ou na Rebelião Liberal de 1842 em
São Paulo e Minas Gerais, essas divergências e projetos tenham entrado em choque de forma
violenta.
Feita mais esta ressalva e retornando às características que distinguiam os luzias,
precisaremos retomar a questão da relação entre autoridade e liberdade para Mattos. Isso se faz
necessário, uma vez que, para o autor, a relação que os liberais faziam entre esses dois conceitos
não pode ser entendida de maneira dicotômica; ou seja, não é uma oposição pura e simples entre
liberdade e autoridade, conforme mostrada anteriormente. Ao contrário, deve ser entendida
dentro de uma relação de dialética.24 Desta forma, Mattos afirma: “Neste ponto, podemos
estabelecer uma primeira conclusão, a qual nos conduz ao abandono de nossa proposição
23 Ibid., p. 147.
24 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 151.
38
inicial: os Liberais – ou para garantir a Liberdade da Casa ou para assegurar a Igualdade
entre o Povo – devem estar no governo do Estado”.25
Esta relação entre liberdade e autoridade é muito importante para entender os meandros
do processo classificatório desenvolvido por Mattos. Esta relação se encontra no cerne da
diferenciação entre luzias e saquaremas, ajudando a explicar o motivo pelo qual se formou uma
hierarquia entre os grupos políticos do Brasil imperial, cujo topo os luzias não conseguiram
ocupar. Segundo o autor:
Porque a Câmara dos Deputados, como Representação nacional, aparecia
como a expressão de um contrato que se de um lado implicava a perda de uma
liberdade natural que distinguiria cada indivíduo e cada Casa, de outro
significava a garantia de um mecanismo que permitia neutralizar o Poder,
sempre entendido como despótico, quanto o ganho de “liberdade civil e da
propriedade de tudo que possui”, na formulação de Rousseau. Não obstante,
justamente aí residia uma das razões de sua fraqueza. A sua concepção de
Liberdade não deixava de implicar uma Igualdade […].26
Por conter uma implicação de igualdade, a concepção de liberdade seguida pelos luzias,
calcada na supremacia da representação nacional na câmara dos deputados, colocava em risco
a sociedade hierarquizada que as elites buscavam preservar recunhando a moeda colonial. Essa
posição colocava em risco a própria existência da classe senhorial ao mobilizar um conceito de
liberdade que dava aos elementos da rua, que estavam fora da ordem, ou no campo da desordem,
a possiblidade de se igualarem ao topo da sociedade, dissolvendo, assim, as hierarquias sociais.
Ainda segundo Mattos:
Assim, a desigualdade na política correspondia à desigualdade na sociedade.
Importava não confundir a Liberdade com a Igualdade, mesmo que por vezes
desta pudessem servir-se para a consecução de seus propósitos e a manutenção
dos privilégios sociais. A Casa deveria permanecer distinta da Rua e da Praça
Pública, embora nelas pudesse derramar-se em determinadas circunstâncias
como recurso para alcançar seus objetivos.27
Isto é, era essencial para os luzias que a Casa não se confundisse com a Rua e que a
liberdade não se confundisse com a igualdade. Feito este último apontamento quanto aos luzias,
passemos agora a tratar sobre grupo que fazia oposição a esses liberais, os chamados
conservadores ou saquaremas. Se o primeiro grupo, luzia, se caracterizava pela supremacia do
25 Ibid., p. 150.
26 Ibid., p. 154.
27 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 155.
39
governo da Casa e do mundo do Trabalho, os saquaremas seguiam um caminho inverso, no
qual a supremacia se encontraria no Governo do Estado.
O princípio fundador da prática saquarema não estava ligado à liberdade, e sim à
autoridade. Isso era possível por conta da articulação de um conceito de liberdade diverso do
dos luzias, o que lhes permitiu articular a questão da liberdade e autoridade em uma relação que
não daria margem aos desejos de igualdade que poderiam ser expressos por membros que
pertenciam ao mundo da rua, ou que àqueles que pertenciam a Rua e eram mobilizados pelo
mundo da Casa. Desta forma, quando eles estivessem em posição de ocupar o Governo do
Estado, não se sentiriam constrangidos politicamente por usar todos os meios necessários à
manutenção da ordem, condição básica de reprodução da moeda colonial em restauração. Ainda
segundo Mattos:
Ora, tal inspiração era tão mais significativa quanto nos recordamos do peso
até então representado pelo conceito moderno ou negativo de liberdade e das
discussões propiciadas pelas divergências entre os teóricos que o sustentavam
quanto à amplitude da área de não interferência, pois se, de um lado, os
partidários do livre-arbítrio, como Locke, Mill, Constant e Tocqueville,
defendiam certa área mínima de liberdade pessoal que não devia ser
absolutamente violada, sob risco de o despotismo se instalar, de outro se
apresentavam os que argumentavam ser necessário ampliar a área de controle
centralizado e reduzir a do indivíduo, como condição da própria preservação
deste.28
A concepção de liberdade então trazida pelos saquaremas, que também mobilizaram um
instrumental teórico liberal, subordina liberdade a legitima autoridade estatal, como condição
sine quo non29 da existência desta. Se os saquaremas são liberais e seu princípio fundador é o
da autoridade, impõe-se a pergunta: a qual autoridade os saquaremas se referiam quando
discutiam esse princípio? A resposta para essa pergunta está diretamente ligada ao conteúdo
liberal do grupo conservador, quer dizer, se pregava a supremacia da autoridade da razão.
Mattos discorre:
Se se desejava a supremacia da Razão Nacional […] tornava-se necessário
reforçar o Poder, pondo-o acima dos interesses partidários, “porque – como
frisava Bernardo Pereira de Vasconcelos – discussões entre partidos são
infructuosas”. Retomava-se Hobbes, para quem a Razão exigia e reclamava a
existência do Estado, mas somente a partir da existência deste a Razão
tornava-se tanto política quanto moral. “É a autoridade, não a verdade, que faz
a lei […]”.30
28 Ibid., p. 159.
29 Expressão em latim que pode ser traduzida por “sem a/o qual não pode ser”.
30 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 160-161.
40
Ao afirmarem o princípio da razão através da autoridade, os saquaremas se colocam em
oposição ao valor da liberdade. Estes estavam em posição de melhor reproduzir as hierarquias
sociais que estavam subjacentes à ordem que buscavam preservar e, por consequência, criavam
as condições indispensáveis para a manutenção dos monopólios que fundavam a Classe
Senhorial. Suas concepções de liberdade não os constrangiam a assumir um discurso de
igualdade que colocasse em risco a ordem estabelecida, problema enfrentado pelos luzias
quando assumiram o Governo do Estado; pelo contrário, os saquaremas reafirmavam as
diferenças entre os homens e, segundo Mattos:
Ao afirmarem seres os homens desiguais , em seus dotes naturais e
habilidades, até o mais profundo cerne de seus seres, o conceito de Liberdade
adotado pelos Regressistas lhes permitia não apenas se desembaraçar da noção
de igualdade que tanto confundia os Liberais; também permitia que a
desigualdade natural entre os homens se desdobrasse em desigualdade na
sociedade, reservando a cada indivíduo um lugar distinto.31
Com a noção de hierarquia e autoridade firmadas em seus princípios, os saquaremas
conseguiram colocar-se no topo da hierarquia política do Império brasileiro, reproduzindo a
desigualdade natural que pregavam em uma efetiva desigualdade social. Nela, cada um dos
mundos que compunham o Império tinha o seu lugar bem definido na hierarquia, com o Estado
no topo, seguido pela Casa e, por fim, a Rua. Como conseguiram essa supremacia, os
saquaremas construíram uma direção da classe senhorial como o próprio formato que a ex-
colônia portuguesa assumiu desde sua emancipação. De acordo com Mattos:
Assim, os Saquaremas eram dirigentes – diríamos melhor, intelectuais da
classe senhorial em constituição – porque, estando no governo do Estado, não
se limitaram ao exercício de uma dominação. Por meio da “difusão das luzes”
e da promoção do “espírito de associação”, puderam estar no governo da Casa.
Não deixaram de estar também, quase que por decorrência, nas ruas e na praça
pública. Processo crucial em cujo decorrer os Saquaremas, intimamente
ligados ao Estado, a si próprios se elaboravam, ampliando seus quadros e suas
perspectivas, por meio de uma operação que consiste na transformação dos
nascidos na esfera da vida econômica e, até então, a ela ligados de modo quase
exclusivo, fazendo de cada qual um elemento qualificado, em seu respectivo
lugar, para uma direção uma organização que estão pressupostos no
desenvolvimento de uma sociedade que faz parte do conjunto das “Nações
Civilizadas”.32
31 Ibid., p. 162.
32 MATTOS, I. R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 170.
41
Ou seja, os conservadores assumiram um papel civilizatório frente aos outros mundos e
espaços daquela sociedade em formação, reforçando as hierarquias herdadas do período
colonial. Conseguiam, assim, estar ao mesmo tempo no Governo do Estado e no Governo da
Casa, consolidando, sua supremacia no mundo do trabalho, pois disciplinavam o poder privado,
e no mundo do governo, já que ocuparam efetivamente os aparelhos estatais, garantindo seu
domínio sobre a classe senhorial em um movimento inverso do desejado pelos seus adversários
luzias, que fracassaram em manter domínio sobre o Estado. Segundo Mattos, isso produz a
seguinte consequência:
Afirmar que os Liberais não conseguem estar no governo do Estado significa
afirmar também – por meio de uma complementaridade que se constitui a
partir da consideração do Estado imperial consolidado - que os Saquaremas
nele estão, assim como os demais Conservadores que a estes se mantêm
unidos. Significa dizer ainda mais: os Saquaremas para exercerem uma
Autoridade, isto é, para estar no governo do Estado, devem estar no governo
da Casa. E, efetivamente, o conseguiram.33
Como vimos ao longo da exposição, Mattos versa sobre a sociedade da América
portuguesa que se fez independente na forma de um Império. Mostrando como a elite política
daquela sociedade garantiu seus interesses econômicos - os monopólios da terra e mão de obra
escrava - e se inseriu no mercado capitalista mundial, hostil aos seus interesses escravistas. De
forma que a institucionalidade imperial se formou em conjunto com sua classe dirigente, a
classe senhorial. Para o autor, é no seio desta classe que ocorre toda a disputa política, e estava
à margem desse jogo todos os que não tinham os requisitos necessários para integrar esse
restrito clube.
Para descrever as diferenciações desta classe. Mattos não se utiliza de uma clivagem
econômica, visto que isto a separava do resto da sociedade imperial em formação. Mas sim em
uma divisão que tem origem em percepções de mundo diferentes, calcadas em concepções de
liberdade conflitantes. Essas percepções colocavam o mundo do Governo e do Trabalho em
choque, ambos buscando a supremacia no novo estado a se construir, de forma a preservar os
monopólios que fundavam a classe senhorial e estavam ameaçados pelas pressões externas
daquela sociedade, e que colocavam toda a hierarquia social, construída nos séculos de
colonização, em risco. Ou seja, as clivagens políticas dentro desta classe em formação se deram,
para Mattos, por razões de caráter político, não de natureza social ou econômica.
33 Ibid., p. 169. (grifo do autor)
42
O próximo estudo que iremos expor é o de Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves,
Corcundas e Constitucionais: A cultura política da independência (1820 – 1822), que tem
como objeto de estudo a cultura política nos tumultuados anos do processo que começou com
a Revolução Liberal do Porto, em 1820, e culminou com a independência brasileira, em 1822.
Seu objetivo foi compreender a formação dessa cultura política,34 seus referenciais intelectuais,
bem como as práticas de sociabilidade que deram origem a mesma, procurando, assim,
compreender como se desenrolou o processo de independência brasileira.
É na primeira parte de sua obra que Neves se concentrou em delimitar quais personagens
tiveram relevância durante o processo político que teve como consequência a independência
brasileira. Neves busca essas informações com o objetivo de analisar a trajetória de formação e
socialização das personagens proeminentes da independência e traça as linhas gerais que
balizavam a cultura política dessa independência. Com esse foco, ela acabou por formar dois
grupos de pessoas. Um deles foi denominado elite política e outro de elite intelectual. A partir
da caracterização desses grupos, ela traçou as linhas gerais da cultura política da independência.
A autora se utilizou de análises de origem socioeconômica a fim de caracterizar essas elites
(política e intelectual), e os resultados de sua pesquisa apontam no sentido da falta de
homogeneidade social que as definia. Segundo Neves: “Em primeiro lugar não se pode falar de
uma homogeneidade social, em relação aos membros das elites, embora parte substancial deles
fosse recrutada entre os setores sociais dominantes” 35.
Sob essa premissa, o primeiro grupo que apresenta é a chamada elite política que,
segundo a autora, se constituía de membros da burocracia portuguesa, que circulavam em
postos administrativos e judiciários em todo o Império Português. Também é importante
destacar que a grande maioria teve acesso a Universidade de Coimbra, o que demonstra que os
mesmos, para a autora, vinham de estratos sociais com influência e riqueza bem estabelecida e
“[…] verificou-se que a maior parte originava-se do meio rural e do ambiente urbano das
atividades mercantis, como também, no decorrer de suas vidas, tornaram-se proprietários de
terra, principalmente donos de engenhos e negociantes.” 36 Também se destaca que seus
quadros prestaram serviços ao Estado português dentro da lógica da ilustração portuguesa.
Segundo Neves:
34 NEVES, L. M. B. P. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de
Janeiro: Revan: FAPERJ, 2003.
35 NEVES, L. M. B. P. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da