Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):827-9 Congenital ptosis associated with fatty infiltration of levator eyelid muscle Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botu- catu - Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesqui- ta Filho” - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil. 1 Residente de Oftalmologia do Departamento de Oftalmo- logia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - Uni- versidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil. 2 Professora Livre Docente do Departamento de Oftalmo- logia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNESP - Botucatu (SP) - Brasil. 3 Professora Doutora do Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências da UNESP - Botucatu (SP) - Brasil. 4 Professora Doutora do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil. 5 Professor Titular do Departamento de Bioestatística do Instituto de Biociências - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil. Endereço para correspondência: Silvana Artioli Schellini. Depto de OFT/ORL/CCP - Faculdade de Medicina de Botucatu - Campus Universitário - Botu- catu (SP) CEP 18618-000 E-mail: sartioli@fmb.unesp.br Recebido para publicação em 01.03.2006 Última versão recebida em 25.05.2006 Aprovação em 26.05.2006 Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência dos Drs. Ana Estela Besteti Pires Ponce Sant’Anna e José Amé- rico Bonatti sobre a divulgação de seus nomes como revisores, agradecemos sua participação neste processo. Cristiano Pinheiro Leite1 Silvana Artioli Schellini2 Cláudia Helena Pellizzon3 Mariângela Esther Alencar Marques4 Carlos Roberto Padovani5 INTRODUÇÃO A blefaroptose congênita é uma condição uni ou bilateral, na qual existe queda da pálpebra superior. Ocorre geralmente como um defeito isolado, em crianças sadias, embora possa estar associada a outras anormalidades. Em geral, é uma condição idiopática, persistente, descoberta logo após o nasci- mento. Na maioria dos casos apresenta-se como um quadro não progressi- vo, sem causa identificável, com sinais e sintomas aparentemente confina- dos à pálpebra superior(1). Dentre os tipos de ptose, o grupo composto pelas ptoses congênitas é um dos mais importantes, não só pela alta freqüência, uma vez que compre- endem 50% de todos os casos de ptose, como também pelo caráter amblio- pigênico desta afecção, decorrente do obscurecimento do eixo visual, pro- vocado pelo abaixamento da margem palpebral(2). Há diminuição da abertura palpebral, com redução da distância entre a margem palpebral superior e o reflexo corneal na posição primária do olhar (MRD), além da diminuição da excursão do músculo levantador da pálpebra superior (MEPS). A função do músculo levantador geralmente está relacio- nada com o grau de ptose, e sua função pobre ou ausente é refletida pela ausência da prega palpebral superior(3). O tratamento da ptose congênita é eminentemente cirúrgico. Dentre as técnicas cirúrgicas, a ressecção do MEPS permanece, na maioria dos casos, como primeira opção. A quantidade de ressecção é determinada pela função Quantidade de gordura no músculo levantador da pálpebra de portadores de ptose congênita Descritores: Blefaroptose/congênito; Befaroptose/epidemiologia; Pálpebras/patologia; Músculos oculomotores/patologia; Análise quantitativa Objetivo: Quantificar a gordura presente no músculo levantador da pálpebra de portadores de ptose congênita, correlacionando este achado com fatores clínico-epidemiológicos desta afecção. Métodos: Vinte e duas amostras de músculo levantador da pálpebra superior, provenientes de portadores de ptose congênita, foram avaliadas morfometricamente, com o intuito de quantificar a gordura presente nos espécimes e correlacionar este achado com características como idade, sexo, grau de ptose e função do músculo levantador. Resultados: Não houve correlação entre a quanti- dade de gordura encontrada no músculo levantador de portadores de ptose congênita e os dados clínicos dos pacientes estudados. Conclusão: A quantidade de gordura presente no músculo levantador da pálpebra superior, nas condições do presente estudo, não está associada com idade, sexo, grau de ptose ou função do músculo levantador. Novos estudos serão necessários para avaliar a real alteração que ocorre no músculo levantador da pálpebra de indivíduos com ptose palpebral. RESUMO 69(6)08.p65 15/12/06, 14:24827 Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):827-9 828 Quantidade de gordura no músculo levantador da pálpebra de portadores de ptose congênita do músculo levantador e pela gravidade da ptose. O objetivo da cirurgia envolve, não somente a prevenção da ambliopia, como também o efeito cosmético(4). A patogênese da ptose congênita permanece controversa. Alguns defendem tratar-se de uma disgenesia, onde haveria um defeito no desenvolvimento do músculo; outros preferem classificar o processo como uma distrofia, que representaria um processo herdado, caracterizado por fraqueza e emaciação do músculo(4). Achados histológicos como perda das estria- ções, diminuição do diâmetro das fibras musculares, retração do sarcolema, alinhamento dos núcleos, degeneração fibrosa e gordurosa da fibra muscular falam a favor de distrofia(5). A disfunção muscular parece estar associada ao achado de infil- tração lipídica no músculo levantador(6), porém, faltam estu- dos que comprovem esta associação. O objetivo deste estudo é quantificar a gordura presente no músculo levantador de indivíduos com ptose congênita, correlacionando este achado com fatores clínico-epidemioló- gicos dos portadores. MÉTODOS Foram incluídos neste estudo portadores de ptose congê- nita submetidos à ressecção do músculo levantador da pálpe- bra superior, no Hospital das Clínicas da UNESP - Botucatu, entre dezembro de 1998 a fevereiro de 2004. Os pacientes foram selecionados, retrospectivamente, através do banco de dados do Serviço de Patologia deste hospital. Os dados relati- vos ao histórico dos pacientes (sexo, idade, grau de ptose e função do músculo levantador) foram obtidos por meio da revisão do prontuário médico. A ptose foi classificada em leve, quando a MRD era de 2 milímetros, moderada quando a medida era igual a 1 milímetro e grave, quando os valores eram iguais a zero ou negativos. A função do músculo levantador foi classificada como boa, quando o paciente apresentava excursão da pálpebra superior igual ou acima de 10 milímetros, ou fraca, quando apresentava excursão menor ou igual a 5 milímetros. Os espécimes cirúrgicos, obtidos quando da cirurgia para correção da ptose por ressecção do músculo levantador, fo- ram preservados em formaldeído 10%, embebidos em parafina, seccionados em cortes de 5 µm e corados por Hematoxilina- Eosina. Foi realizado exame morfométrico, após digitalização foto- gráfica dos espécimes, pelo software Leica Q.Win, através do módulo semi-automático. Usando este programa, foram men- suradas as alturas das áreas ocupadas pela gordura dentro do espécime, fornecendo valores que posteriormente foram agru- pados em tabela Excell e avaliados estatisticamente usando-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney, para correlacionar a quantidade de gordura com as variáveis qualitativas, e o coeficiente de correlação de Spearman, para verificar associa- ção com a idade. O nível de rejeição para hipótese de nulidade foi fixado em menor que 5% (p<0,05). RESULTADOS Vinte e dois espécimes anátomo-patológicos de músculo levantador, provenientes de 22 pacientes submetidos à corre- ção cirúrgica da ptose por meio da ressecção do MEPS, com diagnóstico clínico de ptose congênita, foram analisados atra- vés de estudo morfométrico, interessando quantificar a gor- dura presente no material. Dos 22 pacientes, 14 eram do sexo masculino e 8 do sexo feminino, com idades variando entre 4 meses a 25 anos. Onze casos foram clinicamente classificados como tendo ptose mo- derada, e outros 11, como tendo ptose grave. Não havia ne- nhum caso de ptose leve dentre os pacientes estudados. Ape- nas 2 pacientes foram classificados como tendo uma função boa do MEPS, enquanto 20, tinham função fraca. A tabela 1 correlaciona a quantidade de gordura encontra- da no estudo histológico com o sexo, não tendo sido encon- trada diferença estatisticamente significativa com relação a este parâmetro de estudo (p>0,05). Em relação à idade, foi encontrado um coeficiente de correlação de 0,14 (p>0,05), não demonstrando associação entre as variáveis. A tabela 2 mostra a relação entre o grau de ptose e a quantidade de gordura. Não foi demonstrada associação entre as variáveis. A relação entre a quantidade de gordura e a função do músculo levantador é demonstrada na tabela 3. Mais uma vez, não se verificou associação entre as variáveis. DISCUSSÃO Apesar da infiltração gordurosa em músculos levantado- res ser um achado clínico constantemente observado em por- Tabela 2. Mediana e semi-amplitude total da quantidade de gordura em função do grau de ptose Moderada Grave Resultado do (n=11) (n=11) teste estatístico 673,78 ± 663,42 1149,20 ± 571,92 1,02 (p>0,05) Tabela 1. Mediana e semi-amplitude total da gordura em função do sexo Masculino Feminino Resultado do (n=14) (n=8) teste estatístico 801,24 ± 777,98 941,45 ± 542,27 0,55 (p>0,05) Tabela 3. Mediana e semi-amplitude total da quantidade de gordura em função da função do músculo levantador Masculino Feminino Resultado do (n=14) (n=8) teste estatístico 875,54 ± 663,42 934,00 ± 668,80 0,11 (p>0,05) 69(6)08.p65 15/12/06, 14:24828 Arq Bras Oftalmol. 2006;69(6):827-9 Quantidade de gordura no músculo levantador da pálpebra de portadores de ptose congênita 829 tadores de ptose palpebral (observação pessoal), no presente estudo não se confirmou que a quantidade de gordura presen- te nos espécimes de MEPS, provenientes de ptoses congêni- tas, tenha correlação positiva com idade, sexo, grau de ptose e função do músculo levantador. A ptose congênita é uma condição bastante conhecida clinicamente. Entretanto, sua patogênese ainda é controversa, podendo resultar de um defeito primário do MEPS, como uma miopatia, que pode ter surgido de uma disgenesia do comple- xo do levantador, ou de fibrose, com diminuição da quantida- de de fibras, como se a doença representasse uma forma locali- zada de distrofia muscular(3-5). A ptose congênita pode também ser considerada uma de- sordem do desenvolvimento, em virtude da ausência de acha- dos histológicos confiáveis que caracterizassem distrofia(3). Assim, três seriam as razões principais para a dificuldade em classificar a patogênese da ptose congênita: 1) a represen- tatividade das amostras histológicas obtidas da ressecção cirúrgica é insuficiente, uma vez que demonstram parte do MEPS, e não o músculo como um todo; 2) o desenvolvimento normal do músculo levantador ainda é desconhecido, em fun- ção da falta de estudos embriológicos e fetais; 3) o sistema de classificação por si só é inapropriado, uma vez que utiliza uma classificação baseada em músculos esqueléticos. Destaca-se, ainda, o fato de muitos dos achados distróficos, na verdade, decorrerem de artefatos da preparação do material. A evidên- cia contra a hipótese distrófica seria o fato das distrofias musculares estarem associadas ao caráter hereditário, fato este pouco associado a ptose congênita(3). Estudando 20 portadores de ptose involucional, observa- ram-se deiscência da porção média do ligamento de Whitnall, deslocamento lateral da placa tarsal da pálpebra superior e degeneração gordurosa do músculo levantador da pálpebra superior, na área do ligamento de Whitnall(6). Outros também encontraram degeneração gordurosa no músculo levantador em 10% dos casos de ptose involucional(7) e no músculo de Müller e levantador de 9 dos 115 portadores de ptose congêni- ta ou adquirida(8). Apesar de não se ter encontrado no presente estudo corre- lação entre o grau de ptose e a quantidade de gordura presen- te no músculo levantador da pálpebra, esta observação pode ter ocorrido devido ao fato de que a área de ressecção está sempre próxima do local onde existe menor quantidade de músculo e maior quantidade de aponeurose muscular, ou seja, a área mais próxima da placa tarsal. Também não foram utilizadas preparações especiais para avaliação da gordura e, no preparo do material, parte da gordu- ra pode ter sido perdida pelo processo de inclusão que é feito em altas temperaturas, usando Xilol como solvente. Desta forma, características específicas do músculo levantador se- riam mais bem avaliadas usando outros métodos de microsco- pia óptica e também avaliações em microscopia eletrônica. CONCLUSÃO A quantidade de gordura presente em espécimes de mús- culo levantador da pálpebra superior de indivíduos com ptose congênita, nas condições do estudo, não está associada com idade, sexo, grau de ptose ou função do músculo levantador. Novos estudos são necessários para avaliar a real alteração que ocorre no músculo levantador da pálpebra de indivíduos com ptose palpebral. ABSTRACT Purpose: To quantify the fat in the levator muscle of patients with congenital ptosis, as related to clinical and epidemiological aspects of this disease. Methods: Twenty-two levator muscle samples of the superior eyelid from patients with congenital ptosis were morphometrically evaluated with aim of establishing a relationship between the fat quantity and age, sex, ptosis degree and levator muscle function. Results: According to our results the fat in the levator muscle of patients with congenital ptosis is not related to gender or epidemiologic aspects. Conclu- sion: Fat amount in the levator muscle from congenital ptosis is not related to age, sex, ptosis degree or levator muscle function. Other studies will be necessary to show the real alterations in the levator muscle related to eyelid ptosis. Keywords: Blepharoptosis/congenital; Blepharoptosis/epide- miology; Eyelids/pathology; Oculomotor muscles/pathology; Quantitative analysis REFERÊNCIAS 1. Clark BJ, Kemp EG, Behan WM, Lee WR. Abnormal extracellular material in the levator palpebrae superioris complex in congenital ptosis. Arch Oph- thalmol. 1995;113(11):1414-9. 2. Cruz AAV. 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