UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP GUSTAVO MOLINA APRIGIO GOMES O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO TARDIO: Análise do caso de Singapura ARARAQUARA – SP 2022 GUSTAVO MOLINA APRIGIO GOMES O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO TARDIO: Análise do caso de Singapura Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Ciências Econômicas, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Eduardo Strachman Co-orientador: Vitor Guidorzzi Girotto ARARAQUARA – SP 2022 Gomes, Gustavo Molina Aprigio G633p O papel do Estado no processo de desenvolvimento tardio: Análise do caso de Singapura / Gustavo Molina Aprigio Gomes. – Araraquara, 2022 32 p. : il, tabs. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Ciências Econômicas) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientador: Eduardo Strachman Coorientador: Vitor Gudorzzi Girotto 1. Indústria. 2. Desenvolvimento econômico. 3. Política industrial. I. Título. GUSTAVO MOLINA APRIGIO GOMES O PAPEL DO ESTADO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO TARDIO: Análise do caso de Singapura Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Ciências Econômicas, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Eduardo Strachman Co-orientador: Vitor Guidorzzi Girotto Data da entrega: 27/07/2022 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Vitor Guidorzzi Girotto Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Membro Titular: Leandro Pereira Morais Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara RESUMO Este trabalho tem como objetivo apresentar aspectos gerais de teorias de desenvolvimento e sua aplicação em economias que realizaram este processo de forma tardia. Para isso observa-se o caso de Singapura, antiga colônia inglesa na região sudeste da Ásia que ao longo da segunda metade do século XX passou por diversas mudanças internas afim de alcançar níveis mais altos de renda e desenvolvimento. Destaca-se o papel da indústria e composição da balança comercial neste processo. Além disso, são apresentadas as medidas que consolidaram a cidade-estado de Singapura como importante praça para serviços financeiros. Neste processo destaca-se o papel do Estado para promover o aumento da complexidade das cadeias produtivas locais e alterar a inserção internacional. Palavras-chave: Indústria, desenvolvimento econômico, política industrial, inserção internacional ABSTRACT This paper aims to present general aspects of development theories and their application in economies that have undergone this process late. To this end, the case of Singapore is observed, a former British colony in Southeast Asia that throughout the second half of the twentieth century underwent several internal changes in order to achieve higher levels of income and development. The role of industry and trade balance composition in this process is highlighted. In addition, the measures that consolidated the city-state of Singapore as an important center for financial services are presented. In this process, the role of the state to promote an increase in the complexity of local production chains and to change the international insertion is highlighted. Keywords: Industry, economic development, industrial policy, international insertion. LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 – PARTICIPAÇÃO DO SETOR FINANCEIRO NO PIB 27 LISTA DE TABELAS TABELA 1- REMUNERAÇÃO DE EMPREGADOS – INCLUINDO SALÁRIOS BASE, BÔNUS, BENEFÍCIOS SOCIAIS E CONTRIBUIÇÃO PARA O CPF 20 TABELA 2 - FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO - MILHÃO US$ 21 TABELA 3 - COMPOSIÇÃO SETORIAL DO PIB DE SINGAPURA 22 TABELA 4 - INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO - ESTOQUE AO FIM DO ANO EM MILHÃO DE DÓLARES DE SINGAPURA (S$) 23 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACU Asian Currency Unit CPF Central Provident Fund ECI Economic Complex Index EDB Economic Development Board MAS Monetary Authority of Singapore NWC National Wages Council PAP People’s Action Party QFB Qualifying Full Bank SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10 2. BREVE SÍNTESE DO DEBATE ACERCA DO DESENVOLVIMENTO ........ 12 3. O DESENVOLVIMENTO RECENTE DE SINGAPURA ................................ 17 3.1 Caminho do desenvolvimento de Singapura .............................................. 18 3.1.1. O desenvolvimento industrial ................................................................. 20 3.1.2. O despontamento dos serviços financeiros ............................................ 23 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 28 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 30 10 1. INTRODUÇÃO Países desenvolvidos possuem características em comum, sendo uma das principais o pioneirismo no processo de industrialização. Este pioneirismo permitiu que essas economias, hoje centrais, criassem um cenário que permitisse e acelerasse o próprio crescimento. Assim, economias que foram submetidas a um passado colonial e enfrentaram fortes restrições comerciais e geográficas e que hoje possuem elevados indicadores econômicos e sociais são exceções e merecem ainda mais atenção (CHANG, 2002). A heterogeneidade no grau de desenvolvimento atingido por regiões e nações é um tema recorrente nos estudos econômicos e explorar suas causas, assim como os fatores que permitem que determinadas economias cresçam e se desenvolvam mais que outras, é um tema que permite constante exploração. Entender o caminho adotado por países que com passado colonial, as diferentes formas de restrições internas e externas que se servem de entraves ao desenvolvimento, o papel da indústria e do Estado, dentre outros fatores, são questões fundamentais para a proposição de planos e/ou estratégias de desenvolvimento para nações que, ao longo da história e por diferentes razões, ainda não obtiveram sucesso no plano do desenvolvimento socioeconômico. A cidade-estado de Singapura é um dos poucos casos de países que obtiveram êxito em um processo de desenvolvimento tardio, em um ambiente onde já haviam economias fortes e consolidadas. Rejeitando o ideal clássico de desenvolvimento liderado pela especialização e livre comércio, a referida cidade- estado pode ser usada como exemplo para nações que buscam alcançar elevado grau de desenvolvimento. A metodologia adotada neste trabalho consiste, inicialmente, no levantamento e revisão de literatura nas áreas de (I) economia política, (II) macroeconomia, (III) desenvolvimento econômico e (IV) geografia relacionadas ao processo de desenvolvimento econômico recente do sudeste asiático, e, em especial, de Singapura. Para análise de desempenho setorial de Singapura, serão utilizados dados estatísticos como a taxa de crescimento do produto, desempenho comercial e financeiro, indicadores sociais de renda e qualidade de vida, dados demográficos e outros. 11 Este trabalho tem como objetivo principal desenvolver uma análise sobre o processo de desenvolvimento econômico e social na cidade-estado de Singapura, processo que teve início após sua independência do domínio colonial inglês (1959) e perdura até os dias de hoje. Para tal, busca-se analisar como Estado atuou na indução do processo de industrialização, tendo em vista o modelo de desenvolvimento regional e as mudanças na inserção internacional. Para cumprir com os objetivos propostos o artigo foi dividido em quatro sessões. A primeira consiste nesta breve introdução. A Segunda apresenta e discute brevemente as principais teorias de desenvolvimento. Na sessão seguinte é feita uma análise do processo de desenvolvimento asiático, considerando aspectos históricos e geográficos com foco em Singapura. Por fim, a última sessão apresenta as considerações finais. 12 2. BREVE SÍNTESE DO DEBATE ACERCA DO DESENVOLVIMENTO Desde a instituição do capitalismo, após a Revolução Industrial em meados do século XVIII, há uma forte discussão sobre qual deve ser a função do Estado. De um lado, teóricos ligados ao liberalismo clássico, defendendo uma participação mínima do Estado, afirmando que sua existência gera distorções e ineficiência dentro da economia. Esta corrente acredita que apenas o capital privado conseguira ser alocado de forma eficiente e garantir o desenvolvimento econômico. Assim, o Estado deveria estar presente apenas em setores específicos e com o menor tamanho possível1. Por outro lado, existem teóricos, como Kalecki (1966 [1993]) e Myrdal (1965), que se opõem à visão de Estado mínimo, afirmando que a atuação do Estado é fundamental para alcançar níveis mais altos de desenvolvimento. Acredita-se que um Estado planejador e, eventualmente empreendedor, aliado do capital privado é fundamental para alcançar o desenvolvimento econômico e social. Com as crescentes diferenças entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos ao longo do século XX , houve um aumento dos estudos relacionados aos determinantes de crescimento. As divergências sobre como os determinantes no longo prazo podem ser explicados são muitas, tais como o debate entre modelos de crescimento endógenos e exógenos, desenvolvimento liderado por industrialização e comércio internacional, e o subdesenvolvimento e pobreza como etapa do processo de desenvolvimento. A literatura econômica apresenta uma diversidade de propostas sobre qual o caminho ideal para uma economia se desenvolver. Esta divergência de ideias considera os desafios únicos, relacionados aos ambientes interno e externo, que as diversas economias precisaram enfrentar. Principalmente as economias que passaram por este processo de forma tardia, em sua maior parte ex-colônias. Com isso, deve-se considerar que, para o sucesso de uma tentativa de desenvolvimento é fundamental que se leve em consideração o contexto 1 Um exemplo das distorções que resultam da existência e forte participação do Estado é o rent seeking. Esta prática se caracteriza pelo uso do Estado para benefícios individuais ou de pequenos grupos. Essa manipulação resulta em ganhos individuais sem ganhos ou até mesmo resultando em perdas de renda coletiva. (TULLOCK, 1967). 13 histórico, sua composição social e institucional, e a forma com que estas economias se inserem na economia mundial. Alguns exemplos da diversidade de propostas podem ser através da comparação das obras de autores como Celso Furtado e Raúl Preibisch, representantes do pensamento cepalino; ou da contribuição de Paul Rosenstein- Rodan e Ragnar Nurkse, teóricos focados no estudo e formulação de propostas para o desenvolvimento de nações europeias, ou também a partir da contribuição associada aos pensamentos keynesiano e schumpeteriano, dentre outros. Não é parte do escopo deste trabalho analisar e sintetizar de forma profunda as teorias do desenvolvimento. No entanto, há importantes elementos associados a estas teorias que ajudam a entender as características e peculiaridades do desenvolvimento de Singapura. A análise adotada aqui enfatiza estes elementos e a associação entre eles e o caso da cidade-estado será feita na sessão seguinte. Entre os teóricos do desenvolvimento no pós-guerra destaca-se Paul Rosestein-Rodan. De origem polonesa e formação dentro da escola austríaca, sua contribuição está relacionada a formulação teórica do desenvolvimento endógeno e participação do Estado na economia em países subdesenvolvidos. Em sua argumentação, Rodan tem como alvo as economias do leste europeu, que necessitavam passar por um complexo processo de industrialização (MORAES, 2021). Em sua teoria do Big Push (1943), Rosestein-Rodan afirma que para uma economia atingir níveis mais elevados de desenvolvimento é fundamental que ocorra um desenvolvimento em bloco de setores industriais. O autor faz uma analogia de sua teoria com o momento de decolagem de uma aeronave, afirmando que apenas é possível alçar voo após se atingir uma velocidade mínima no solo. A ideia de industrialização gradual, onde o surgimento de uma indústria puxa o surgimento de indústrias complementares é rejeitado, devendo haver um choque industrial (ganho de velocidade) e por consequência alcançam- se níveis mais altos de desenvolvimento (FERNANDES; MOREIRA, 2015). Um dos principais problemas das economias baseadas no setor primário é o excesso de mão de obra, que resulta em desproporção do fator trabalho em relação ao fator capital, resultando em baixa produtividade. Assim, a industrialização dessas economias pode ser considerada um processo 14 antinatural (CARDOSO, 2018), pois gera uma tendência de concentração do capital nas regiões que já são industrializadas e desenvolvidas, aumentando ainda mais as desigualdades. Dado o caráter não natural do desenvolvimento tardio, é fundamental que haja um agente capaz de planejar e coordenar a alocação de recursos para ganho de escalas. Assim existência e atuação do Estado se mostra necessária. Em relação a participação do Estado na economia Rodan (1969) caracteriza dois modelos de industrialização. O primeiro, o modelo de economia fechada e planificado, onde o Estado atua como empreendedor, é criticado e não recomendado. Já o modelo de economia aberta e comércio interacional, com o Estado atuando como planejador e participando conjuntamente com o capital privado, é apontado como o ideal. O ponto fundamental para o entendimento da tese do Big Push é a necessidade de aplicação de elevado volume de capital de forma simultânea e em setores complementares. Aqui fica clara a importância do papel do Estado, uma vez que são necessários investimentos volumosos e planejados, que muitas vezes operam com baixa lucratividade por longos períodos, invertendo, assim, a lógica de mercado. Em outras palavras, o Estado precisa participar do investimento de forma direta ou indireta, pois é fundamental para o surgimento de industrias e alteração da matriz produtiva nacional. O investimento industrial é necessário, porém arriscados e, às vezes, pouco atrativo para o capital privado, sendo necessária a criação de um ambiente favorável por exemplo, com oferta de crédito subsidiado, ou investimento direto, com o Estado criando diretamente uma indústria e incentivando o capital privado a criar setores complementares para atender uma nova demanda. Outro teórico fundamental para entendermos a importância do Estado no processo de desenvolvimento econômico é Ragnar Nurkse. Sua principal contribuição se dá a partir da teorização sobre a existência de um círculo vicioso de pobreza, que por diversos fatores impedem que economias subdesenvolvidas alcancem níveis elevados de progresso. Para romper este ciclo, o Estado também possui papel fundamental. A ideia de ciclo vicioso está ligada a uma relação causa-consequência que se retroalimenta. No modelo proposto por Nurkse (1955 [1957]), a causa do baixo nível de desenvolvimento é encontrada tanto no lado da oferta quanto na 15 demanda. Com restrição de capital e baixo nível de poupança e investimento, a renda interna se mantém em níveis constantemente baixos, fragilizando o mercado interno e desestimulando o investimento produtivo. Com isso inicia-se novamente o ciclo. (RICHERS, 1970). Em certo ponto as ideias de Nurkse conversam com a teoria do Big Push de Rosestein-Rodan, destacando o papel da indústria, do Estado e os ganhos de produtividade como fundamentais para o progresso. Um eventual problema apresentado por Nurkse e que reforça a importância da atuação estatal no processo de planejamento e formulação de política econômica, é o chamando efeito demonstração. Esta situação é caracterizada por alterações no padrão interno de consumo causado pelo aumento de renda resulta em tendência inflacionária e deterioração da capacidade doméstica de poupar e investir. Com a alteração nos padrões de consumo, possivelmente ocorrerá uma concentração de renda e investimentos em setores pouco relevantes para a economia como um todo. Cardoso (2018), indica que a teoria de Nurkse está diretamente ligada ao papel do mercado interno como agente responsável pela geração das mudanças desejadas. Apenas o desenvolvimento do mercado interno e ganhos de produtividade tem capacidade de romper com o que se chama de “ciclo vicioso de pobreza”. Além disso, com o objetivo de atender uma crescente demanda interna, a tendência é que ocorram choques de produtividade, resultando no processo de substituição de importações e alteração das pautas importadoras e exportadoras. Assim, altera-se a inserção no cenário comercial internacional alterando o estoque e fluxo de capital de dada economia e cria-se a base para o passo seguinte no processo. Apesar das singularidades dessas teorias, as mesmas compartilham elementos em comum: o dinamismo industrial. Outras correntes de pensamento também enfatizam o papel do desenvolvimento industrial, da demanda doméstica, e aprofundam mais o debate ao tratar de questões como o papel do investimento e dos setores financeiro e bancário no financiamento do investimento. Schumpeter (1911) relaciona diretamente o processo de desenvolvimento com a atividade do empresário. O autor caracteriza a economia como um fluxo circular e o processo de desenvolvimento como uma perturbação no equilíbrio, 16 que tem sua origem em mudanças internas no setor produtor e não mudanças de demanda por parte do consumidor. Outro elemento importante que o autor apresenta é a distinção entre o crescimento de uma economia e seu desenvolvimento, definindo aumento de renda via alterações de demanda como “mudança de dados” que não necessariamente estão ligados a algum fenômeno novo. Dentro da ideia de que o desenvolvimento se inicia de forma endógena na atividade produtiva, Schumpeter (1911) destaca a importância do crédito neste processo. Dada a definição de desenvolvimento como o resultado de novas combinações de elementos realizadas inicialmente do lados dos produtores, a eliminação das combinações anteriores se dá também através da disponibilidade de capital. Crédito pode ser definido como criação de poder de compra, resultado de volumes de capital temporariamente ociosos. Com acesso ao crédito, o empresário tem capacidade de realizar combinações sem necessidade de quebrar com o fluxo circular anterior. Isso é importante pois o novo fluxo circular, responsável pelo passo seguinte no processo de desenvolvimento, utiliza a estrutura anterior até que possa substitui-la. Com o exposto nos parágrafos anteriores, conclui-se que o crédito tem um melhor uso se destinado aos empresários para aplicação no setor produtivo e não para o consumo. Assim, observa-se o importante papel do crédito no processo de desenvolvimento, abrindo mais uma possível frente de atuação estatal. Cada economia possui suas particularidades, no geral regiões caracterizadas como de baixa renda possuem propensão marginal ao consumo maiores e baixo nível de poupança. Assim, se faz necessária um agente racional com maior capacidade de planejamento e alocação, podendo este papel ser exercido pelo Estado. Realizando atividades de investimento direto ou indireto, através da promoção de investimento do capital privado e uso eficiente de políticas monetárias e fiscais. Além disso, deve-se considerar a atração de capital estrangeiro como forma de financiamento. Para casos onde se faz necessária a criação da demanda e desenvolvimento do mercado interno, pode-se expandir o investimento estatal. Já para situações em que o mercado já está desenvolvido e o consumo interno 17 precisa ser estimulado, faz-se necessária uma abordagem diferente para a atuação estatal. Conforme exposto, pode-se concluir que a grande questão acerca do processo de industrialização está relacionada ao seu financiamento. A escassez de capital somada a alta propensão ao consumo e baixa produtividade exigem participação e abordagem especial por parte do Estado. 3. O DESENVOLVIMENTO RECENTE DE SINGAPURA Uma das principais economias globais atualmente, a pequena cidade- estado de Singapura ocupa um pequeno território formado por ilhas situadas no extremo da península da Malásia. Durante os séculos XIX e XX o território serviu como colônia inglesa e, por sua localização privilegiada, a colônia ganhou importância como entreposto comercial. Durante a Segunda Guerra Mundial a região foi invadida e passou a ser controlada pelo Japão, que expandia sua influência pela região do Oceano Pacífico. Com o fim da Segunda Guerra, a Inglaterra retomou o poder sobre sua colônia (1945). Em 1963, Singapura conquistou sua independência em relação a Inglaterra. Dada a proximidade cultural e fatores geográficos, uniu-se com o país vizinho para formar a Federação da Malásia. A união com o país vizinho durou pouco, em 1965 Singapura tornou-se completamente independente. Desde os primeiros anos após a independência o governo local se mostrou politicamente forte, personificado na figura de Lee Kuan Yew que ocupou o cargo de primeiro ministro entre os anos de 1959 a 1990. Com fortes políticas de controle social o People’s Action Party (PAP) conseguiu aplicar as políticas econômicas e sociais planejadas. Um dos caminhos para o sucesso foi a criação e fortalecimento de instituições como o Economic Development Board (EDB), responsável pelo desenvolvimento e aplicação de estratégias que visavam transformar o que antes era uma economia pequena e extremamente dependente dos fluxos de comércio de mercadorias em um dos principais centros financeiros, industriais e comerciais do mundo. O sucesso atingido por Singapura não pode ser atribuído simplesmente ao acaso. Outras economias – tanto na Ásia como em outras regiões do mundo – com histórico colonial e restrições externas semelhantes não conseguiram alcançar os mesmos níveis de desenvolvimento. (KUNIO, 2004). 18 Wong (2000) relaciona a infraestrutura e ambiente institucional criado pelos antigos colonizadores como elemento chave neste processo. Esse ambiente, atrativo ao capital privado, permitiu que a cidade-estado fosse o destino de diversas multinacionais durante o processo de globalização iniciado após a década de 1960. Essa relação entre Estado e capital industrial privado, em forma de investimento direto, pode ser apontada como elemento chave no processo de desenvolvimento. Segundo o departamento de estatísticas de Singapura (2021) uma população de 5,6 milhões de habitantes está distribuída em um território de apenas 728.0 km2, resultando em uma densidade populacional de 7,810 pessoas por km2. O país tem uma taxa bruta de natalidade de 8,5 e 1,8 de mortalidade para cada 1000 habitantes. Já a taxa de mortalidade infantil é de 1,8 para 1000 nascidos vivos. A taxa de alfabetização para os residentes com 15 anos ou mais atinge 97,1% da população, o PIB a preços correntes é de, aproximadamente, 533.351 milhões de dólares de Singapura (S$), frente a S$2.157,4 milhões em 1960, e o PIB per capita a preços correntes é de S$ 97.798 contra S$ 13.107 em 1960. Em razão da diversidade étnica, são adotados quatro idiomas oficiais: Inglês, Malaio, Mandarim e Tâmil. 3.1 Caminho do desenvolvimento de Singapura Dada a restrição geográfica e inexistência de terras férteis, a cidade- estado se viu forçada a seguir pelo caminho da industrialização imediatamente após sua independência do império inglês. A inexistência de um setor agroexportador, tradicional em economias coloniais, representou um aspecto positivo e um negativo para o processo de industrialização local. Se, por um lado, não existia um setor responsável pela criação de divisas que pudesse impulsionar a economia recém nascida, por outro, não ocorreu competição interna por recursos afim de promover aumento de renda em um setor pouco interessante para a inserção internacional de uma economia, com baixa produtividade e incapaz de proporcionar dinamismo. (SERRA, 1996) O processo de desenvolvimento de Singapura, iniciado na década de 1960, pode ser dividido em três fases, cada uma com características distintas porém com destaque contínuo para o papel do Estado no planejamento e execução de cada etapas, interligadas e dependentes uma das outras. Aqui, 19 cabe destacar que o Estado se aliou ao capital privado internacional a fim de promover o desenvolvimento. O esforço e comprometimento foi com o projeto de desenvolvimento, não se mantendo preso a correntes de pensamento específicas. Diferentes ideias foram adotadas e adaptadas conforme o cenário interno e externo se alterava, com o objetivo de promover não apenas aumentos de renda, mas garantir um papel de destaque na economia global. O primeiro momento de aumento de renda em Singapura se deu após a independência, na primeira metade da década de 1960. O esforço industrial inicial teve como objetivo principal a solução do problema de desemprego na época (8,2% em 1970, por exemplo). Os baixos salários da época foram responsáveis por atrair indústrias intensivas em mão-de-obra. Neste momento o foco a produção de bens intensivos em mão de obra resultou em um baixo nível de complexidade econômica. O continente como um todo sofria com esse problema, tendo se aproveitado do processo de dispersão global de indústrias iniciado durante a década de 1960, resultado principalmente do aumento de custos de produção nas economias centrais. Com isso foi possível, aos poucos, que algumas economias avançassem em relação a sua complexidade produtiva. No fim da década de 1960 e início de 1970, deu-se a segunda etapa do processo de industrialização de Singapura. Paulatinamente, a indústria intensiva em mão-de-obra foi abandonada e substituída pela indústria intensiva em capital. Essa alteração não ocorreu por acidente: investimentos em educação a fim de promover a capacitação da mão-de-obra local e aumentos de salário foram responsáveis por expulsar a indústria antiga outras economias da região e atrair indústrias que seriam responsáveis por permitir o passo seguinte no processo de elevação da renda média local. Neste momento, o foco da produção deixou de ser a substituição de importações - cujo foco era o mercado interno - e passou a ser o setor exportador de produtos de alto valor agregado, oque fez com que Singapura passasse a ter um novo papel no cenário internacional. 20 Tabela 1- Remuneração de empregados – Incluindo salários base, bônus, benefícios sociais e contribuição para o CPF 1980 1990 2000 2010 2020 Valor bruto (em milhão de US$) 9.680,5 28.529,8 68.714,7 126.303,8 203.723,3 Valor % do PIB 37,42% 40,47% 41,49% 38,63% 42,76% Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos em The Singapore Departament of Statistics, 2022. O terceiro momento do processo de desenvolvimento se deu entre as décadas de 1980 e 1990, e é caracterizado pela consolidação da indústria de alta tecnologia e crescimento do setor de serviços financeiros. O setor teve seu marco fundado em 1968 e foi desenvolvido de forma paralela com a atividade industrial. Porém, apenas nas décadas seguintes a cidade-estado assumiu o papel de centro financeiros na região da Ásia e Pacífico. A partir da década de 1980 o país passou a ser o polo organizador de serviços financeiros para a alocação em outras economias da região (HEW, 2005) Ao longo da segunda metade do século XX, o governo local aproveitou- se da saída do setor produtivo de companhias sediadas nas economias centrais para implementar políticas públicas. Foram conduzidas diferentes políticas internas relacionadas principalmente a educação, salários e incentivos industriais a fim de garantir não apenas aumento de renda mas também sua melhor distribuição. 3.1.1. O desenvolvimento industrial A alteração da matriz produtiva e balança comercial foi fundamental para o processo de desenvolvimento econômico de Singapura. Zagato et al. (2019) destaca a importância do aumento da complexidade e das cadeias produtivas para o desenvolvimento dos países. Singapura se mostrou um exemplo de sucesso nesse modelo de transformação, saindo de uma economia produtora de bens de baixo valor para produção de bens de alto valor agregado. Atualmente, Singapura aparece na sexta colocação no ranking de economias mais complexas, de acordo com o Economic Complexity Index (ECI) de 2021. A composição da balança comercial teve papel fundamental na criação de cadeias produtivas mais complexas, com produção de bens e serviços mais sofisticados e aumentos de renda. 21 O crescimento industrial e a inserção internacional de Singapura se deu de forma intencional através de planejamento centralizado estatal, apesar desse processo ter tido como base o capital privado internacional. Entre as principais medidas adotas para conduzir o desenvolvimento industrial, destacam-se as políticas salariais e de incentivos ao financiamento industrial. Como apresentado anteriormente2, o desenvolvimento industrial de Singapura se deu por fases distintas e bem definidas. Os primeiros passos para a constituição da indústria local se deram logo após a independência, caracterizado principalmente pela substituições de importações e com foco no mercado interno, que na época incluía a Malásia. O segundo período industrial se deu entre 1966 e 1973. A atração de indústrias intensivas em mão-de-obra e com foco em exportação se deu através de uma série de incentivos como redução de tarifa de importação de maquinário industrial e redução de imposto sobre o lucro de empresas exportadoras. Outra política para o ganho de competitividade se deu através do Employment Act que entre outras medidas reduziu o poder de sindicatos e instituiu um rígido controle salarial. Tabela 2 - Formação bruta de capital fixo - Milhão US$ 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 Construção e Obras (Setor Público) 50,9 289,7 2.137,5 3.107,4 9.104,5 12.013,5 12.762 Equipamento de transporte (Setor Público) 2,6 7 26,1 31,5 67,7 83,8 410,9 Máquinas e Equipamentos (Setor Público) 6,3 70,6 329,3 1.110,2 1.024,9 1.178,2 1.158,5 Produtos de Propriedade Intelectual (setor público) na na 14 168,9 759,3 1.320,1 2.439,7 Construção e Obras (Setor Privado) 58,5 488,2 2.172 5.278,3 15.500 31.533,4 21.150,7 Equipamento de transporte (Setor Privado) 26 201,4 2.219,6 3.424,2 4.708,4 6.501,3 6.073,1 Máquinas e Equipamentos (Setor Privado) 60,6 831,6 3.263,1 8.438 18.343,9 20.562,7 22.343,1 Produtos de Propriedade Intelectual (setor privado) na na 62,5 803,1 4.034,2 10.415 33.807,9 TOTAL 204,9 1.888,5 10.224,1 22.361,7 53.542,9 83.607,9 100.145,9 2 Sessão 3.1 Caminho do desenvolvimento de Singapura 22 Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos em The Singapore Department of Statistics, 2022. O crescimento da indústria intensiva em mão de obra inicialmente solucionou o problema de desemprego contudo criou uma pressão para o aumento salarial. Afim de combater os efeitos da crise do petróleo da década de 1970 e manter a competitividade das exportações privilegiou-se o setor intensivo em mão-de-obra. Através do National Wages Council (NWC)3 houve um esforço em manter o crescimento salarial abaixo do crescimento produtivo. Com a retomada de níveis altos de crescimento econômico, que foi de 13,3% em 1972 para 3,98% em 1975, se recuperando para 7,77% em 1978 a preços correntes (WorldBank, 2022) foi possível começar a moldar a indústria local. O período entre 1979 e 1984 se caracterizou pelo catching-up tecnológico. Atividades como a produção têxtil, montagem de eletrônicos e manutenção naval perdem espaço para produção e desenvolvimento de eletrônicos e indústria química-farmacêutica. Tabela 3 - Composição setorial do PIB de Singapura 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 Manufatura 10,58% 17,45% 26,53% 24,40% 25,86% 20,77% 19,95% Construção 3,14% 6,61% 6,01% 4,58% 4,95% 4,40% 2,42% Utilidades 2,64% 2,87% 2,34% 1,88% 1,65% 1,46% 1,27% Outras bens industriais 3,70% 2,56% 1,51% 0,32% 0,09% 0,04% 0,03% Comércio (atacado e varejo) 27,88% 22,97% 16,37% 12,28% 12,52% 18,10% 18,30% Transporte e armazenamento 11,88% 9,01% 11,44% 10,80% 9,34% 7,73% 5,62% Alojamento e Serviços Alimentares 3,78% 3,26% 3,86% 3,36% 2,30% 1,86% 1,40% Informação e Comunicação 2,33% 1,78% 2,44% 2,67% 3,53% 3,53% 5,17% Finanças e Seguros 3,33% 5,07% 8,87% 13,04% 9,42% 10,39% 14,63% Imobiliário, Serviços Profissionais e Serviços Administrativos e de Apoio 6,79% 8,65% 6,96% 9,30% 10,58% 12,84% 12,36% Outras Indústrias de Serviços 15,33% 11,62% 8,10% 9,30% 9,51% 9,92% 10,24% Propriedade de Habitações 3,19% 2,66% 1,86% 3,43% 3,48% 3,47% 3,94% Impostos 5,42% 5,48% 3,71% 4,64% 6,78% 5,48% 4,65% Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos em The Singapore Department of Statistics, 2022. O mesmo NWC que no período anterior foi responsável por promover a competitividade internacional via redução de custos de produção agora seria 3 Órgão composto por membros do governos, representantes sindicais e empresários para negociação e definição de políticas relacionadas aos salários. 23 responsável por promover uma nova estrutura industrial. Com aumento dos custos salariais via aumento de contribuição ao Central Provident Fund (CPF)4, expulsou-se a indústria intensiva em trabalho para economias vizinhas. A segunda metade da década de 1980 trouxe novos conflitos em relação aos custos salariais. A competitividade novamente foi garantida às custas do controle de custos via redução salarial. Esta redução se deu de forma indireta, uma vez que os cortes ocorreram no percentual salarial de contribuição ao CPF. Tabela 4 - Investimento direto estrangeiro - Estoque ao fim do ano em milhão de dólares de Singapura (S$) 1970 1980 1990 2000 2010 2020 Ativos 1.398,30 11.201,70 53.151,50 178.979,10 589.953,10 2.063.676,50 Empréstimos na na na 12.473,40 75.160,30 78.098,50 Total na na na 191.452,50 665.113,40 2.141.775 Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos em The Singapore Departament of Statistics, 2022. Apesar do crescente investimento pressões inflacionárias se foram controladas. Com forte atuação no planejamento da economia as contas públicas foram rigidamente controladas, havendo quase sempre superávit. Dessa forma, não houve necessidade de recorrer ao crédito internacional para financiamento e foi possível controlar a expansão da base monetária, acompanhando o crescimento local. 3.1.2. O despontamento dos serviços financeiros Diversos fatores contribuíram para o surgimento de mais um importante centro financeiro, diferente das praças já consolidadas como Londres, Frankfurt e Nova York. O crescimento econômico da Ásia, principalmente da região sudeste, o aumento do número de empresas multinacionais e consequente fluxo de moedas estrangeira, além do aperto das condições de crédito nos Estados Unidos, encontraram em Singapura um ambiente institucional solido e profissionais altamente qualificados. Com essa combinação, a nova praça se distinguiu de regiões como Caribe, caracterizado quase que exclusivamente pela 4 Principal ferramenta de segurança social local. Trata-se de uma contribuição proporcional ao salário feita por cada trabalhador que pode ser usada para diferentes fins como aposentadoria e financiamento de moradia. 24 atividade de empresas offshore, atuando na realização de arbitragem e fonte de financiamento de projetos de desenvolvimento no continente. Hodjera (1978), Jin (1996) e Hew (2005) definem a concessão da licença de funcionamento para o Bank of America, no ano de 1968, como marco fundador do mercado de capitais asiático. A partir de então, o governo local tomou diversas medidas visando integrar a economia local com o resto do mundo, a fim de consolidar a cidade-estado como principal centro financeiro do continente, desbancando praças como Hong Kong e Tóquio. A criação de um novo centro financeiro no continente também se deu pela necessidade de economias periféricas de recursos (HODJERA, 978) A abertura para o setor financeiro internacional se deu de forma altamente regulada pela Monetary Authority of Singapore (MAS). O principal mecanismo para essa abertura foi a criação da Asian Currency Unit (ACU), metodologia contábil específica para operações realizadas por não residentes. Além disso, a MAS se mostrou altamente seletiva para a concessão de licenças de operações, permitindo a atuação apenas de empresas consideradas sólidas e que apresentassem poucos riscos para o ambiente recém criado. A abertura para instituições financeiras globais se deu de forma a impedir a competição com instituições locais. Com fortes restrições para a prestação de serviços para residentes, bancos estrangeiros tinham um papel complementar aos bancos locais. Com o objetivo de atrair o capital internacional, foram adotadas diversas medidas para diminuir a burocracia e aumentar a lucratividade de negócios realizados. Dentre as medidas, destacam-se a isenção da ACU dos controles cambiais aplicados, cortes de imposto retido de 10% sobre os rendimentos de juros de depósitos em moeda estrangeira não residentes. Em 1972, a MAS extinguiu a reserva mínima de 20% para instituições que possuíam obrigações de depósito em moedas estrangeiras, requisito até então obrigatório para instituições que operavam com ACU. Esta medida foi particularmente importante pois permitiu o aumento do lucro em operações de crédito offshore. Adicionalmente, em 1973 foi reduzido o imposto sobre o rendimento líquido em operações em atividades offshore. Operações antes taxadas em 40% passaram a ter um tributo de 10%. (HODJERA, 1978). 25 Mesmo com a forte abertura e dependência dos fluxos de capitais internacional, Singapura não sofreu de forma tão severa os efeitos da crise asiática na década de 1990, crise esta pela falta de liquidez e fuga de capital, resultante da incerteza e especulação contra as moedas na região. Apesar da incerteza do período, foram tomadas uma série de medidas a fim de abrir ainda mais a economia para as instituições financeiras estrangeiras. Além de mudanças em relação a atuação, houve um aumento do número de empresas. De acordo com Hew (2005) a quantidade de empresas autorizadas a atuar no setor financeiro (seguradoras, bancos, ACU, companhias de gestão de fundos e etc.) passou de menos de 100 na década de 1970 para aproximadamente 450 na década de 1990. A partir da década de 1990, a relação entre os bancos nacionais e os estrangeiros passou por mudanças. Para encarar essa nova fase de abertura econômica uma série de fusões aconteceram entre bancos locais, eventualmente envolvendo até mesmo companhias estrangeiras, visando a expansão geográfica. A nova fase de abertura é marcada principalmente pelo aumento do número de instituições estrangeiras e maior competição entre instituições locais e estrangeiras. O ano de 1999 foi o ponto inicial de um projeto de liberalização bancária de cinco anos coordenado pela MAS. Tornar o ambiente bancário mais forte em razão da nova onda de globalização e de mudanças tecnológicas foi o principal objetivo do projeto. A mudança na atuação de bancos estrangeiros tem dois elementos fundamentais: mais acesso ao mercado interno e criação de novas licenças de atuação. Um cenário em que bancos estrangeiros e locais tinham função complementar, com atividades distintas passou a ser um cenário altamente competitivo. Em um primeiro momento a MAS introduz uma nova modalidade de licença para atuação bancária, chamada Qualifying Full Bank (QFB). Esta nova autorização permitia criação de agências e caixas de autoatendimento. Apesar do objetivo ser aumentar o número de empresas no setor, a concessão de licenças continuou rigorosa. Ao final do ano 2000 apenas quatro instituições haviam recebido essa nova autorização. Associada à criação do QFB, a MAS alterou a licença padrão para bancos estrangeiros. Entre as mudanças, estão o aumento de limite de empréstimos e 26 redução de restrições a operações de swap cambial envolvendo dólares de Singapura. Diferente da nova licença QFB a autorização para Bancos Restritos, que licenciou a maior parte das instituições estrangeiras nas décadas anteriores, a tinham suas agências limitadas a uma unidade e proibição de contas ou depósitos inferiores a $250.000 de clientes não bancários. A nova fase do sistema bancário permitiu maior facilidade nos processos de fusões e aquisições entre instituições locais e estrangeiras, contudo manteve- se um rígido controle referente a participação acionária, visando manter equilíbrio em relação a participação acionária das instituições locais. O mês de junho de 2001 marca o início da segunda etapa de abertura bancária e representa uma abertura ainda maior para instituições estrangeiras. Com isso aumenta-se a concorrência no setor, antes protegido por uma clara divisão entre atividades de atacado e varejo5. Ademais, foram removidos obstáculos antes existentes para a população residente, como acesso ao crédito em moeda local. Concomitante a isso, passa a existir uma demanda para produtos financeiros mais complexos, o que permite dar um passo seguinte na consolidação de Singapura como um centro financeiro internacional. Com as medidas adotadas, as atividades do setor bancário de atacado expandiu-se. Mais uma vez a MAS alterou sua forma de concessão de licenças de funcionamento. Extinguiu-se o modelo anterior: licenças de atuação Offshore foram progressivamente extintas e licença para atividades restritas (Full Restrited) foram substituídas por “Banco Atacado”. Tais mudanças permitiram que essas companhias estrangeiras operassem contas correntes e aceitassem depósitos em moeda local acima de S$250.000. 5 Em 2021 a MAS renomeou a licença de “Restrict Bank” para “Wholesale Bank”. A licença de funcionamento para bancos restrito impunham um série de restrições, como o limite mínimo para conta de deposito e apenas uma agência para atendimento. Essa mudança tinha como objetivo refletir de forma mais precisa a nova gama de produtos financeiros disponíveis. (HEW, 2005) 27 Gráfico 1 - Participação do setor financeiro no PIB Fonte: Elaboração própria a partir de dados obtidos em The Singapore Departament of Statistics, 2022 Conforme apresentado, pode-se observar que o crescimento do setor financeiro década a década, não apenas aumentando sua participação no PIB mas também tornando mais complexo a fim de atender as novas demandas domésticas. 3,33% 5,07% 8,87% 13,04% 9,42% 10,39% 14,63% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 Finanças e Seguros PIB 28 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O exemplo de Singapura mostra que é possível que uma economia subdesenvolvida com passado colonial alcance níveis elevados de desenvolvimento socioeconômico. A modernização do país se deu através da aliança de políticas públicas com o capital privado internacional, cabendo ao Estado o papel de condutor neste processo. A industrialização tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento de uma economia. Apesar das diferentes abordagens sobre o assunto há uma ideia central de que apenas a indústria é capaz de proporcionar ganhos de produtividade e renda. Assim, o caminho para o desenvolvimento não parece estar na especialização e no comércio internacional, uma vez que economias subdesenvolvidas tendem a produzir em sua maior parte bens primários de baixo valor agregado e necessitam importar bens manufaturados. Raúl Prebisch (2000 [1949]) e Hans Singer (1950) analisam essa diferença entre termos de troca e sua tendência de longo prazo. Com a crescente diferença entre os termos de troca de bens manufaturados e primários, o comércio internacional não se mostra um caminho de crescimento sustentável. Contudo, a industrialização em países subdesenvolvidos apresenta obstáculos difíceis de serem transpostos exclusivamente pelo capital privado, uma vez que o processo de industrialização demanda investimentos volumosos de capital, por vezes, incapazes de serem supridos pelo capital privado. Além disso, a incapacidade de planejamento integrado de diversos setores e sua execução pelo setor privado é outro fator que coloca o Estado na liderança deste processo. A industrialização em Singapura se deu de forma gradual e por etapas, começando pela substituição de importações e culminando na exportação de bens e serviços de alto valor agregado, o que conferiu ao país uma nova inserção na economia internacional. Frequentemente economias subdesenvolvidas passam por momentos de industrialização, contudo ocorre uma estagnação na chamada “armadilha da renda média”. Caracterizada pelo crescimento e industrialização parcial de uma economia. Há industrialização nos setores pré-existentes e ganho de produtividade, contudo insuficiente para realizar o catching-up tecnológico. Essa 29 industrialização proporciona um aumento do nível de renda, contudo não permite alterar a matriz produtiva e sua a inserção internacional. O nível de complexidade econômica e as cadeias produtivas permanecem praticamente inalteradas. (ZAGATO et al, 2019) Em Singapura, o Estado se mostrou fundamental para impedir a estagnação da indústria, principalmente através de políticas de incentivos e subsídios, para atrair investimento direto estrangeiro; políticas salariais, visando eliminar a indústria intensiva em trabalho; e na formação de poupança interna e financiamento. O Estado mostrou sua capacidade de conduzir o desenvolvimento industrial, desde a passando da indústria de substituição de importações para a exportação de alto valor. Com isso, houve uma aproximação tecnológica e de complexidade em relação as economias centrais, resultando em aumento de renda e um novo papel no cenário internacional. 30 REFERÊNCIAS BIELSCHOWSKY, R.; DA SILVA, C. E. S; VERNENGO, M. Visão de conjunto. In: BIELSCHOWSKY, R. Padrões de desenvolvimento econômico (1950-2008). Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégico (CGEE), 2013, p. 21 – 77. BIELSCHOWSKY, R. Introdução do estudo sobre padrões de desenvolvimento em 13 países – esquema analítico. In: BIELSCHOWSKY, R. Padrões de desenvolvimento econômico (1950-2008). Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégico (CGEE), 2013, p. 09 – 20. CANUTO, O. O Padrão de Financiamento na Industrialização coreana. Revista de Economia Política, vol. 14, n. 3 (55), julho-setembro/1994 CARDOSO, F. G. O círculo vicioso da pobreza e a causação circular cumulativa: retomando as contribuições de Nurkse e Myrdal. Boletim Informações Fipe, n.383, p.13 -18, 2012 CARDOSO, F. G. 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