UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” – UNESP FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO (FAAC) CURSO DE RELAÇÕES PÚBLICAS JONATHAN WILIANS DE OLIVEIRA LUCAS AUAD DA SILVA LARIZZATTI O FASCÍNIO ETERNO PELO NAZISMO: UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA IDEOLOGIA NAZISTA E SEUS VETORES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO BAURU 2021 JONATHAN WILIANS DE OLIVEIRA LUCAS AUAD DA SILVA LARIZZATTI O FASCÍNIO ETERNO PELO NAZISMO: UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA IDEOLOGIA NAZISTA E SEUS VETORES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Públicas. Orientador: Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente. BAURU 2021 AGRADECIMENTOS – JONATHAN À minha mãe Andréia, sem a qual eu não estaria aqui. Obrigado por sempre dizer que o que eu fizesse estaria bem feito, embora muitas vezes não estivesse. Obrigado por dar seu sangue pra criar a mim e aos meus irmãos, e, mesmo com nossos desentendimentos, estar comigo todo dia. “Oti”. À minha avó Lourdes, que me criou, me fez quem sou, cuidou de mim. Obrigado não é o suficiente pra agradecer tudo, mas é o que eu posso te dedicar aqui. Te amo, e espero demonstrar isso em cada atitude minha. Ao meu pai, Cristiano, e aos meus irmãos, Wagner e Vitor, que através do companheirismo e ensinamentos foram alicerces pra que eu pudesse me erguer até onde eu estou hoje. E à toda a minha família, que acompanhou esse processo de duas faculdades e sempre me auxiliou, inclusive os que já foram. Amo vocês. Aos meus professores e professoras, que trouxeram a esses quatro anos o conhecimento necessário para eu afirmar com todas as minhas forças: mudar de curso para Relações Públicas foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida. E também para construir esse trabalho. Aos membros da banca, Osvando e Laan, e principalmente ao meu orientador, Max, que desde a primeira aula que me deu me deslumbrou com sua solicitude, sua oratória e sua visão de mundo. Ali eu soube que ele seria meu orientador, e esse trabalho não seria o mesmo sem ele. Aos meus amigos, de todos os lugares, do CTI, do curso de Sistemas de Informação, de Relações Públicas, do resto da vida. Vocês são muitos e eu tenho orgulho de dizer que são a família que eu escolhi. Vocês foram meu ponto de paz em muitos momentos durante esses quatro anos, minha risada sincera e os juízes que eu precisava para o tanto de coisas que eu fazia. Eu não seria nada sem cada um de vocês, e espero que se sintam representados nessas linhas, porque é impossível escrever tudo que sinto (e com nomes). Ao meu amigo-irmão Lucas, o Pipe, que me buscou para fazer comigo esse trabalho, que não era mais um como foi durante toda a graduação, era diferente, era o nosso futuro. Aqui estamos, obrigado pela confiança, pela parceria desde o primeiro dia, por todos os trabalhos anteriores e por este também, sem você não teria o mesmo resultado. E, por último, a Deus, pois como diria a sabedoria contemporânea, sigo fazendo Ele de escudo. A todos os aqui citados e lembrados, meu muito obrigado mais sincero. AGRADECIMENTOS – LUCAS A minha família, Sérgio, Karin e Luiza por todo o apoio e compreensão. Me moldando e educando para eu ser que sou hoje. A minha companheira Laís, que esteve sempre ao meu lado, me suportando nesse momento em que as vezes o estresse falava mais alto, me amparando e sempre estando ao meu lado, nos bons e nos maus momentos. Aos meus irmãos da República Capela, pela amizade que fiz e que levarei para toda a vida. Aos amigos de faculdade, com quais cultivei muitos bons momentos e aprendizados. Ao meu irmão e dupla de trabalho Jonathan, cultivando uma amizade desde o primeiro dia que me mudei para realizar o curso. A todos aqueles que estiveram ao meu lado durante esses 4 anos caminhada no curso de Relações Públicas. Aos professores, pelos ensinamentos que tornaram possível a realização de minha graduação, aos membros da banca, Osvando e Laan, e, em especial, ao meu orientador, professor Max, por ser essa pessoa que me mostrou a ver o mundo com mais humanidade, e que se dispôs a conduzir a realização deste trabalho, sempre muito solícito e atencioso com as dúvidas e questionamentos que foram levantados. A todos vocês, meu muito obrigado. RESUMO Mesmo com sua derrota na Segunda Guerra Mundial, o nazismo encontra vetores até hoje na sociedade, tendo atualmente um crescimento desses vetores. Mas, para além das células explicitamente neonazistas, há políticas semelhantes às adotadas no Terceiro Reich que são aplicadas atualmente, de forma velada, sem que se enxergue seu caráter potencialmente nazista, e, consequentemente, seus perigos. Utilizando a metodologia baseada na análise de conteúdo, tal como proposta por Laurence Bardin, e tendo como recorte específico bibliografia especializada, este trabalho pretende identificar os mecanismos utilizados por tal discurso para persuadir a população, chegando inclusive ao poder em diversas partes do mundo. Além disso, o trabalho busca traçar comparativos entre a ideologia nazista e as políticas e discursos reproduzidos pela nova direita, bem como propor aos profissionais de Relações Públicas uma reflexão de como evitar a propagação do discurso nazista, através da promoção da cidadania e do respeito pelos direitos humanos. Palavras-chave: Nazismo; Análise de Conteúdo; Mídia; Sociedade; Relações Públicas; Política. ABSTRACT Even with its defeat in the Second World War, Nazism still finds vectors in society today, and these vectors are currently growing. But, in addition to the explicitly neo- Nazi cells, there are policies similar to those adopted in the Third Reich that are applied today, in a veiled way, without seeing its potentially Nazi character, and, consequently, its dangers. Using the methodology based on content analysis, as proposed by Laurence Bardin, and having a specific specialized bibliography, this work intends to identify the mechanisms used by this speech to persuade the population, even reaching power in different parts of the world. In addition, the work seeks to draw comparisons between Nazi ideology and the policies and discourses reproduced by the new right, as well as to propose to Public Relations professionals a reflection on how to avoid the spread of Nazi discourse, through the promotion of citizenship and respect for human rights. Key-words: Nazism; Content Analysis; Media; Society; Public Relations; Policy. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6 1 Hitler: surgimento e trajetória ao poder .................................................................... 8 1.1 A pessoa e seus ódios ....................................................................................... 8 1.2 A guerra, o político e a chegada ao poder ....................................................... 13 2 A nova direita nazifascista: crise democrática e reciclagem histórica .................... 23 2.1 As semelhanças políticas contextuais .............................................................. 23 2.2 Os líderes e a legitimidade ............................................................................... 28 2.2.1 Bolsonaro ................................................................................................... 30 2.2.2 Trump ........................................................................................................ 34 2.2.3 Outras lideranças pelo mundo ................................................................... 36 2.3 O neonazismo .................................................................................................. 38 3 Comunicação: mídia, propaganda, política e poder ............................................... 44 4 Metodologia e Análise ............................................................................................ 51 4.1 Metodologia ..................................................................................................... 51 4.2 Introdução às categorias .................................................................................. 53 4.3 Categorização .................................................................................................. 56 4.3.1 Ódio e preconceito: .................................................................................... 56 4.3.2 Ultranacionalismo: ..................................................................................... 60 4.3.3 Propaganda e mídia: .................................................................................. 63 4.3.4 Anticomunismo: ......................................................................................... 68 4.4 Análise e Resultados ....................................................................................... 69 4.5 As semelhanças entre Bolsonaro e o nazismo ................................................ 72 5 O papel das Relações Públicas no combate ao nazismo ....................................... 75 6 Considerações Finais ............................................................................................. 78 Referências ............................................................................................................... 80 6 INTRODUÇÃO Nada melhor do que iniciar a introdução que utilizando as observações de Rubens Casara, que podem servir como guia para o nosso trabalho: Para além do crescimento de movimentos explicitamente neonazistas, há um grande perigo em ignorar o modo de pensar e agir que levou ao nazismo, o que dele permanece ainda nas sociedades contemporâneas e a forma como esse conjunto discursivo, normativo e ideológico é atualizado e reproduzido nos dias de hoje. Por evidente, não basta perceber o ridículo que se revela em performances escandalosamente copiadas da estética nazista, como a do ex-secretário de cultura de Jair Bolsonaro, mas de compreender e desvelar o perigo que se esconde em discursos e práticas que partem das mesmas premissas, perversões e princípios que inspiraram os criminosos nazistas. (CASARA, 2020, p. 120). A derrota do nazismo ao final da Segunda Guerra Mundial não significou seu fim como ideologia. Grupos neonazistas se reinventaram e cresceram vertiginosamente, adaptando seus discursos para a modernidade e para o local onde estão inseridos, conforme observa a antropóloga Adriana Dias (2018, p. 170). Mas, as políticas nazistas não se bastam em sua literalidade, e sim em ações veladas que se revelam próximas à ideologia de Hitler. Embora tenha sido tratado por muito tempo como um tabu, a demonização do nazismo colaborou diretamente para a não compreensão dos fenômenos políticos ligados a essa ideologia, que permearam por muito tempo na sociedade moderna. Para Zygmunt Bauman, (1998, p. 15): Ou então fazem remontar as origens do Holocausto a fatos mais do que conhecidos: os séculos de guetos, discriminação legal, massacre e perseguição dos judeus na Europa cristã — dessa forma apresentando-o como uma consequência pavorosamente única, mas absolutamente lógica do ódio étnico e religioso. Sobre a demonização do nazismo e suas características sociológicas, Bauman segue (1998, p. 18): O indizível horror que permeia nossa memória coletiva do Holocausto (ligado de maneira nada fortuita ao premente desejo de não encarar essa memória de frente) é a corrosiva suspeita de que o Holocausto possa ter sido mais do que uma aberração, mais do que um desvio no caminho de outra forma reto do progresso, mais do que um tumor canceroso no corpo de outra forma sadio da sociedade civilizada; a suspeita, em suma, de que o Holocausto não foi uma antítese da civilização moderna e de tudo o que ela representa (ou pensamos que representa). Suspeitamos (ainda que nos recusemos a admiti- lo) que o Holocausto pode ter meramente revelado um reverso da mesma sociedade moderna cujo verso, mais familiar, tanto admiramos. E que as duas faces estão presas confortavelmente e de forma perfeita ao mesmo corpo. O que a gente talvez mais tema é que as duas faces não possam mais existir uma sem a outra, como verso e reverso de uma moeda. 7 Dessa forma, colocar o nazismo como algo extraordinário, e não como um fenômeno sociológico, desacelerou os estudos e os esforços para evitar sua propagação. O mundo pôde observar, mesmo após o fim da guerra, políticas como o Apartheid, de segregação racial, ditaduras ultranacionalistas e militarizadas, como a brasileira e a chilena, e ações anti-imigração, consumadas pelo Reino Unido após sua saída da União Europeia e utilizadas por Donald Trump como método para alavancar sua candidatura (BBC, 2016). Por isso, atualmente observamos no mundo uma nova onda conservadora, de uma extrema-direita violenta em suas políticas, mas, principalmente, em seus discursos. Vários países possuem em seus representantes executivos figuras que flertam, discreta ou escancaradamente, com o ultranacionalismo totalitário e com ideais nazistas. Alguns deles foram eleitos democraticamente, se aproveitando da crise da legitimidade da democracia representativa (CASTELLS, 2016, p. 16) e da “política do escândalo” (CASTELLS, 2018, p. 21), como Trump e Bolsonaro, outros galgaram suas posições com golpes, como Juan Guaidó. Portanto, o objetivo deste trabalho é identificar o que torna o discurso nazista algo ainda propagado na atualidade e os motivos disso. Para isso é necessário discutir e definir as similaridades da nova direita com a ideologia nazista. Analisaremos a ascensão de Hitler e de representantes da nova direita ao poder, a fim de identificar eventuais semelhanças contextuais, bem como alguns aspectos do neonazismo para auxiliar na compreensão dessas nuances. Além disso, discorreremos sobre o papel das comunicações na propagação e na manutenção de ideologias, buscando visualizar formas de aplicação das atividades de Relações Públicas para evitar esta problemática. Para entender como esses fenômenos se relacionam à ascensão da ideologia nazista, devemos aplicar uma pesquisa descritiva, já que ela “atende de forma mais adequada a intenção de estudos, que pretendem expor as características de determinado fenômeno” (VERGARA, 2006, apud SILVA; FOSSÁ, 2013, p. 6). Pesquisa essa realizada através de um método chamado análise de conteúdo, popularizado por Laurence Bardin (2011, p. 17), que o descreveu primeiramente como “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a "discursos" (conteúdos e continentes) extremamente diversificados.” 8 O método se faz adequado, pois, conforme dito por Bauer e Gaskell (2002), citados por Andressa Silva e Maria Fossá (2013, p. 2), ele possui um caráter social, já que essa técnica compõe conclusões para a interpretação de um texto de acordo com o contexto social de sua época, objetivamente. Dessa forma, comparando as situações sociais de ambos os fenômenos, podemos identificar e trabalhar na erradicação das similaridades, de forma a evitar um novo rompante dessa ideologia execrável. 1 Hitler: surgimento e trajetória ao poder Este capítulo tem como objetivo acompanhar o surgimento de Adolf Hitler e sua trajetória ao poder na Alemanha, onde se firmou como líder de um dos regimes mais sangrentos e preconceituosos da história. 1.1 A pessoa e seus ódios Segundo Rees (2012, p. 10), “Em 1913, quando Adolf Hitler estava com 24 anos, nada em sua vida apontava para o futuro líder carismático da Alemanha.”. Hitler não nasceu em berço de ouro, ou mesmo em terras alemãs. Austríaco da pequena cidade de Braunau am Inn, sua caminhada até Munique foi turbulenta desde o princípio. [...] Hitler não se dava bem com o pai, que o surrava. Seu pai morreu em janeiro de 1903, aos 65 anos, e sua mãe sucumbiu ao câncer, quatro anos depois, em dezembro de 1907, com apenas 47 anos. Órfão aos 18 anos, Hitler perambulou entre Linz, na Áustria, e a capital Viena, e em 1909, passou grandes privações durante alguns meses, até receber uma pequena quantia em dinheiro de presente da tia, o que o permitiu se estabelecer como pintor. Ele não gostava de Viena. Julgava uma cidade ordinária e impura, repleta de prostituição e corrupção. Só aos 24 anos, ao receber a modesta herança do pai, no valor de 800 Kronen, que pôde deixar a Áustria e buscar abrigo em Munique, a cidade “alemã”, lugar que mais tarde disse ser o que “mais se apegou, do que qualquer outro lugar do mundo” (REES, 2012, p. 10). Embora as obras posteriores a Hitler o colocassem nessa época como “um indivíduo inadequado social e emocionalmente, com uma vida sem direção” (REES, L. 2012, p. 11), não era assim que o mesmo se enxergava. Desde sua infância se considerava predestinado a ser alguém importante. Segundo Hitler, em trecho de sua autobiografia “Mein Kampf (Minha Luta)” (2009, p. 8), seu dom de falar já estava em 9 desenvolvimento ao se tornar uma espécie de líder de seu grupo escolar. Também se via como um revolucionário político e artístico, atribuindo essas características a si devido ao seu incansável estudo da história (HITLER, 2009, p. 14). Em sua passagem por Viena, após a morte de seus pais, Hitler veio a provar o que ele descreveu como “um raio que lhe atingiu de um céu limpo” (HITLER, 2009, p. 17, tradução nossa). Sua reprovação na Academia de Belas-Artes de Viena lhe causou um choque, já que ele pressupunha a aprovação como certa. Para Ian Kershaw, historiador inglês e estudioso da história alemã: A cidade em que Hitler moraria nos cinco anos seguintes era um lugar extraordinário. Mais do que qualquer outra metrópole europeia, Viena tipificava as tensões — sociais, culturais, políticas — que marcaram a virada de uma época, a morte do mundo do século XIX. Elas plasmariam o jovem Hitler. (KERSHAW, 2010, p. 50). Os cinco anos na capital austríaca são descritos por Hitler como de miséria e sofrimento, porém, nesse período, o chanceler alemão se atentou para duas existências que passaria a considerar inimigos diretos do povo germânico: o marxismo e o judaísmo (HITLER, 2009, p. 18). O primeiro deles passou a abominar cedo, quando trabalhou em uma construção. Segundo o próprio Hitler (2009, p. 28, tradução nossa): As atividades dos social-democratas (como Hitler se referia aos marxistas da época) não pareceram antipáticas para mim na época. Eu achava que era algo bom, que eles estavam tentando melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Na época, eu ainda era inocente e estúpido o suficiente para acreditar que isso era verdade. No ramo da construção, Hitler teve seu primeiro contato com os social- democratas. Primeiramente, sentiu-se forçado a juntar-se ao sindicato, recusando essa proposta por, segundo ele, não conhecer o real papel dessa organização, e não querer ser forçado a nada (HITLER, 2009, p. 29). Nas semanas que seguiram, ele definiu que “não há poder no mundo que o forçaria a se juntar à uma organização cujos membros agissem da forma que eles (social-democratas) agiam” (HITLER, 2009, p. 29-30, tradução nossa). Sobre o que falavam no local quando o assunto era política, Adolf Hitler (2009, p. 29, tradução nossa) foi enérgico: [...] Eles eram contra tudo: a nação, porque pensavam que era uma invenção das “classes capitalistas” (Eu ouvia isso constantemente!); Eles eram contra a Pátria, que para eles era uma ferramenta da classe privilegiada para explorar os trabalhadores; a autoridade da lei era uma forma de oprimir a classe operária; as escolas eram instituições para treinar escravos e escravocratas; a religião era um meio de entorpecer o povo para que eles 10 pudessem ser explorados; a moral era um símbolo da estúpida paciência de cordeiro do povo. Não havia nada que eles não arrastassem na lama. Seus ideais patrióticos e nacionalistas o fizeram discordar veementemente dos trabalhadores ali organizados, e ele passou a estudar para contrariá-los. Após discussões e mais discussões calorosas, onde Hitler julgou estar se tornando mais informado que seus adversários a cada dia, o restante dos trabalhadores forçou Hitler a se retirar, dando ele a escolha de sair do emprego ou ser empurrado do andaime, ato que Hitler diz ter sido de terrorismo e violência (HITLER, 2009, p. 30). O historiador Ian Kershaw (2010, p. 65-66) traz outra visão sobre esse período, como mostra o trecho a seguir: A história que (Hitler) contou em Mein Kampf a respeito de ter aprendido sobre sindicalismo e marxismo através dos maus-tratos recebidos quando trabalhara na construção civil é quase certamente fictícia. [...] É provável que a “lenda” tenha se baseado na propaganda antissocialista difundida na Viena da época. Quanto à ação dos social-democratas para conseguir vetores, Hitler chamou de envenenamento das massas, e também culpou a burguesia vienense pelo sucesso que a doutrina em questão tinha na época, dizendo que a social-democracia se aproveitava das ações destes contra o povo, já que os burgueses trabalhavam contra as reivindicações dos trabalhadores por melhores condições de trabalho (HITLER, 2009, p. 31-32). Para enfatizar essa visão, sustentava: Nossos políticos e nossa burguesia nunca conseguirão retificar esses pecados do passado. Ao resistir a todas as tentativas de curar os males sociais, semearam o ódio, e aparentemente justificaram a afirmação de que apenas o Partido Social-Democrata representava os interesses dos trabalhadores. Acima de tudo, a classe privilegiada forneceu a desculpa moral para a existência dos sindicatos, que sempre foram os maiores fornecedores do partido político socialista (HITLER, 2009, p. 33, tradução nossa). Para Hitler, em certo momento, a social-democracia deixou de se preocupar com a representação dos direitos dos trabalhadores, pois se os trabalhadores não estivessem insatisfeitos e ressentidos, não haveria como utilizá-los como exército de sua doutrina (HITLER, 2009, p. 35). Para Kershaw (2010, p. 72) “[...] não há necessidade de procurar, além do vigor do nacionalismo pangermanista de Hitler, uma explicação para seu ódio ao internacionalismo dos social-democratas.” A partir daí, com seu já nutrido ódio pela doutrina marxista, que negava a nação e os heróis por ele aclamados, Hitler passa a relacioná-la com uma raça: os judeus. 11 Inicialmente, Hitler mesmo não se colocava mesmo como antissemita. Enxergava o judaísmo apenas como uma religião e se sentia, inclusive, incomodado com o antissemitismo de alguns veículos da imprensa, conforme observado no trecho seguinte: “O tom da imprensa antissemita em Viena parecia indigno da tradição cultural de um grande povo. Fiquei incomodado com a memória de certos acontecimentos da Idade Média, que eu não queria ver repetidos” (HITLER, 2009, p. 37, tradução nossa). Porém, o chanceler alemão acabou por se aproximar dessa mesma imprensa, pois, para ele, a imprensa tradicional não fazia jus à grandeza alemã, diminuindo a figura do Kaiser e exaltavam a cultura francesa, ao invés de sua própria. Essa aproximação fica evidente no trecho a seguir: “Eu tive que admitir que um dos jornais antissemitas, “O Jornal do Povo Alemão” (Das deutsche Volksblatt), era mais honrado nesse caso (ao tratar da política alemã e do respeito à figura do Kaiser).” (HITLER, 2009, p. 38, tradução nossa). A partir disso, houve um momento que Hitler retrata como a mais difícil mudança pela qual passou (HITLER, 2009, p. 39). Ao considerar os ideais antissemitas presentes na imprensa da qual tinha se aproximado, Hitler passou a observar mais e mais as pessoas de Viena, passando a caracterizar pela aparência os judeus dos que ele considerava verdadeiros alemães. Dessa maneira, as diferenças passaram de ser uma mera distinção de forma, para ser uma questão de raças. Segundo Hitler (2009, p.39, tradução nossa): Mesmo eu não podia mais duvidar que esta era uma questão sobre uma raça em si e não sobre alemães de uma crença religiosa particular. [...] Onde quer que eu fosse agora, eu via judeus e quanto mais eu via, mais claramente meus olhos os distinguiam de outras pessoas. Para enfatizar a base estética que essa impressão de Hitler sobre os judeus carregava, destacamos o trecho: Era óbvio, por sua aparência suja, que não eram amantes de banho. Lamento dizer que isso ficou muito claro, mesmo com os olhos fechados. Eu estava frequentemente enjoado com o cheiro daqueles que usavam cafetão. Além disso, suas roupas estavam sujas e eles geralmente pareciam pobres. Tudo isso era pouco atraente por si só, mas tudo ficou mais repugnante quando se percebeu que a impureza ia além da sujeira pessoal e chegava às manchas de lama morais dessas pessoas (HITLER, 2009, p.40, tradução nossa). O ditador alemão passou a associar as coisas que o desagradavam à presença dos judeus, seja na arte, na literatura, na imprensa, chegando a compará-los com a Peste Negra, que havia assolado a Europa na Idade Média (2009, p.40-41). Esse 12 processo da construção da repulsa aos judeus se assemelha muito ao desenvolvido contra os marxistas. Ambos os procedimentos fizeram com que Hitler direcionasse suas leituras às obras que exaltavam o nacionalismo, contrárias, portanto, a aceitação da diversidade e pluralidade cultural que compõem uma nação. Na passagem seguinte, relacionada com a imprensa, destaca-se a visão que Hitler passou a ter dos judeus, associando-os ao que previamente detestava: Quanto mais fundo eu ia, mais minha admiração prévia diminuía. O estilo ficou intolerável. O conteúdo era plano e superficial. A objetividade foi transformada em mais uma mentira do que uma verdade - e claro que os editores eram judeus! [...] Agora eu conseguia ver os sentimentos liberais dessa imprensa sob uma nova luz. O tom digno em responder aos ataques que sofriam, bem como as respostas silenciosas, agora se revelavam como um truque tanto esperto quanto baixo. Suas pomposas críticas teatrais sempre favoreceram autores judeus, enquanto suas desaprovações não caíam em ninguém além dos alemães. A constante e silenciosa zombaria com Guilherme II revelou que eles tinham um plano. Sua defesa da cultura e da civilização francesa também contribuía para os seus esquemas. [...] O senso comum deles era tão nocivo a tudo que era alemão, que só poderia ser intencional. Mas quem tinha interesse nisso? Era tudo mero acaso? Aos poucos eu fiquei inseguro. (HITLER, 2009, p.41, tradução nossa). Ao passar por essa epifania do ódio, por fim, Hitler liga o povo judeu à social- democracia, a qual ele já repugnava. Sobre essa associação Hitler (2009, p. 42, tradução nossa) diz: Me obriguei a pelo menos tentar ler este jornalismo marxista, mas quanto mais eu lia, mais eu detestava. Então eu tentei me aproximar dos fabricantes dessas palavras maliciosas. Do editor em diante, eram todos judeus. Eu peguei todos os panfletos social-democratas que eu podia e olhei para os nomes dos autores. Judeus. Eu notei o nome de quase todos os seus líderes. A maioria deles também eram membros do "povo escolhido", os judeus, fossem eles representantes no governo ou secretários dos sindicatos, presidentes de organizações ou agitadores de rua. Hitler havia convencido a si mesmo de que os judeus não eram alemães, o que para ele foi intimamente satisfatório (HITLER, 2009, p. 42). Sendo assim, o próprio povo, enganado, era digno do seu amor e admiração, e não da culpa, exclusivamente judia/marxista (HITLER, 2009, p. 42-44). No fim do segundo capítulo do Mein Kampf (Minha Luta), o chanceler alemão diz: “Eu acredito que estou agindo hoje no espírito do Criador Todo-Poderoso. Ao ficar de guarda contra os judeus, estou defendendo a obra do Senhor.” (HITLER, 2009, p. 45, tradução nossa). Com isso, podemos compreender alguns nuances da formação de Adolf Hitler como pessoa, seu forte nacionalismo e o ódio por judeus que acabou por levar ao Holocausto. Algumas dessas particularidades também possuem forte influência em sua formação como político, como veremos a seguir. 13 1.2 A guerra, o político e a chegada ao poder Apesar de todas as transformações do pensamento pelas quais Adolf Hitler passou durante sua trajetória em Viena, que o forjaram como pessoa como vimos nas páginas anteriores, a mudança para Munique e a Primeira Guerra Mundial foram pontos decisivos na construção do personagem político que ele foi, bem como do cenário que proporcionou sua chegada ao poder. Ainda em Viena, Hitler refletiu muito sobre a política local e como era praticada, chegando em Munique com opiniões claras quanto ao funcionamento do parlamentarismo e da democracia. Ele acreditava em algo mais centralizado, em figuras de ideais heroicos, como se pode observar na passagem seguinte: Nunca se esqueça de que a maioria não pode substituir um homem. A maioria sempre representa estupidez e covardia. Cem covardes não fazem um herói assim como cem tolos não fazem um homem sábio. Quanto menos responsabilidade o líder individual tem, mais candidatos políticos sentirão que devem devotar seus “dons” lamentáveis à nação (HITLER, 2009, p. 56, tradução nossa). O chanceler alemão disse que antes apreciava a ação do parlamento, de bases inglesas, como um bom homem de pensamentos liberais, e é exatamente por isso que era pouco simpático ao parlamento austríaco e à representação popular, já que os pensamentos social-democratas traíam a raça alemã (2009, p. 52). Mas, sobre sua opinião sobre o parlamento, Hitler (2009, p. 53, tradução nossa) o avaliava da seguinte maneira: Um ano de calma observação foi o suficiente para mudar absolutamente, ou melhor, destruir minha antiga opinião sobre a natureza da instituição. Eu não me opus mais à forma distorcida que o Parlamento assumiu na Áustria. Não, agora eu não poderia mais reconhecer o Parlamento como um órgão governamental. Até agora, eu só tinha visto a ruína do Parlamento austríaco pela falta de uma maioria alemã, mas agora eu via destruição em toda a natureza e caráter da instituição. Além disso, Hitler associava a democracia parlamentarista ao marxismo conforme demonstrado no trecho: “A Democracia do Ocidente, hoje, é a precursora do marxismo e, sem ela, o marxismo seria impensável. Só ela dá a essa praga a superfície sobre a qual crescer” (2009, p. 53, tradução nossa). Essa visão veio de sua 14 experiência e de suas observações da prática política sobre a forma como funcionava o parlamento. Com isso, podemos visualizar pontos que levaram Adolf Hitler a entender o governo da forma que pensava, ou seja, mais centralizado. Essa opinião sobre o parlamento e sua função influenciou diretamente na forma como ele tentou tomar o poder antes de sua prisão em 1923, bem como na maneira como executou sua governança durante o período do Terceiro Reich. Para enfatizar essa visão, destacamos o trecho: “Precisamos de outra revolução na Alemanha, não a revolução socialista, burguesa e judaica de 1918, mas uma revolução nacionalista, a fim de restaurar a força e a grandeza do país [...] Precisamos de uma revolução, de derramamento de sangue e de uma ditadura [...] Não precisamos de um parlamento nem de um governo como os atuais” (HAUNER, 1923, apud RANGE, 2018, p. 63). Na Munique pré-Primeira Guerra Mundial, Adolf Hitler viveu um período que ele descreve como “o mais feliz e, de longe, o mais satisfatório da minha vida.” (HITLER, 2009, p.83, tradução nossa). Mas, para Kershaw (2010, p. 88), “Não há indícios de que ele (Hitler) tenha tomado qualquer medida em Munique para melhorar suas pobres e declinantes perspectivas de carreira. Estava tão à deriva quanto estivera em Viena”. Porém, o período que viria após essa calma seria determinante na construção de Adolf Hitler e das condições que o levariam ao poder. Segundo Kershaw (2010, p. 85): A Primeira Guerra Mundial tornou Hitler possível. Sem a experiência da guerra, a humilhação da derrota e a instabilidade resultante da revolução, o artista fracassado e marginal social não teria descoberto o que fazer da vida, não teria entrado para a política e encontrado seu ofício de propagandista e demagogo de cervejaria. E, sem o trauma da guerra, da derrota e da revolução, sem a radicalização política da sociedade alemã que esse trauma provocou, o demagogo não teria audiência para sua mensagem estridente e cheia de ódio. O legado da guerra perdida propiciou as condições para que os caminhos de Hitler e do povo alemão começassem a se cruzar. Sem a guerra, seria impensável um Hitler no assento de chanceler que havia sido ocupado por Bismarck. A chegada da guerra foi recebida por Hitler, e por muitos outros alemães, com muito entusiasmo, como se observa na passagem seguinte: No início de agosto de 1914, ele estava entre as dezenas de milhares de habitantes de Munique tomados por um delírio emocional, entusiasmados com a perspectiva da guerra de forma apaixonada. Como aconteceu com tantos outros, seu júbilo se transformaria depois em profunda amargura. No caso de Hitler, o pêndulo emocional posto em movimento pelo início da guerra oscilou com mais violência do que para a maioria. “Arrebatado por entusiasmo tempestuoso”, escreveu ele, “caí de joelhos e agradeci aos céus 15 com o coração transbordante por conceder-me a boa fortuna de me permitir viver nesta época.” (KERSHAW, 2010, p. 92). Como o próprio trecho revela, esse entusiasmo se transformaria em amargura. O campo de batalha era duro, conforme enfatiza Hitler (2009, p. 107, tradução nossa): [...] o terror substituiu o romance da batalha. O entusiasmo gradualmente esfriou e a excitação selvagem foi sufocada por um medo mortal. Para cada homem, chegou o momento em que ele teve que lutar entre o instinto de autopreservação e as obrigações do dever. E, com a derrota alemã, se iniciava o movimento que deu as condições necessárias para que Hitler ascendesse ao poder. Para ele, a Alemanha havia sido traída, e entregue aos social-democratas e aos judeus, e então, enquanto ainda estava hospitalizado em Pasewalk após ser cegado por gás mostarda, decidiu entrar para a política (KERSHAW, 2010, p. 106). Para Laurence Rees (2012, p. 14): Os atrativos de uma história tão dramática na formação do mito são óbvios. O soldado nobre da frente de combate, traído por políticos corruptos e egoístas, agora decide dedicar a vida pela salvação de seu país. Tudo se encaixa. Porém, embora enredos de ficção possam dar certo assim, isso raramente acontece na vida real. E a prova é que, até ali, a grande “missão” de Hitler não tinha nada de sólido. Essa transição de forma de poder não foi bem aceita por parte da sociedade, conforme diz Peter Ross Range em seu livro “1924: O ano que criou Hitler”, que chamava os responsáveis por essa alternância no poder de “os criminosos de novembro”. A citação a seguir destaca esse sentimento: A mudança súbita no pós-guerra de 1918, da monarquia berlinense de quatrocentos anos dos Hohenzollern para um sistema parlamentarista nunca antes testado — uma revolução vinda do alto — jamais foi aceita por completo pelos nacionalistas de extrema direita, por muitos membros das forças militares e por partes da elite política. (RANGE, 2018, p. 15). É nessa extrema direita que Adolf Hitler encontraria apoio para sua ascensão. Ainda, a crise econômica se instalou no território germânico, segundo Range (2018, p. 15-16), a inflação fez com que um simples ovo custasse cerca de oitenta bilhões de marcos, as poupanças da população foram destruídas para o pagamento das dívidas de guerra, e os fazendeiros não colocavam suas produções no mercado pois o dinheiro conseguido não valeria nada no dia seguinte, e essa falta de alimentos gerou revolta na população. Além disso, de acordo com Range (2018, p. 16-18), a perda de alguns territórios, e a falta de autonomia do exército e no seu próprio território, estipuladas no Tratado de Versalhes em 1919, e também faltavam empregos para os milhões de 16 homens desmobilizados pós-Primeira Guerra, o que gerou uma atmosfera propícia para revoluções, e para os chamados putschs (golpe ou tentativa de golpe/tomada de poder). O período de construção como político de Adolf Hitler começa ainda no exército, quando foi enviado pelo capitão de seu regimento, Karl Mayr, em um curto curso onde Hitler aprenderia mais sobre como atacar o marxismo e promover o nacionalismo, e lá já se notava o dom da oratória presente no chanceler do Terceiro Reich, tantas vezes observado em outros momentos da história (RANGE, 2018, p. 26- 27). Após essa experiência, veio o primeiro contato com o Partido Trabalhista Alemão, que mais tarde viria a se tornar o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou, Partido Nazista. O partido o acolheu, e lá se iniciou sua trajetória como político. O trecho a seguir relata o que alguns companheiros de partido viam na figura de Hitler, nas palavras de Dietrich Eckart, cérebro do partido na época: “Precisamos de um líder que não se incomode com o estrondo de uma metralhadora [...] O melhor seria um operário que também saiba discursar [...] e que não fuja de alguém brandindo uma cadeira na sua cara. Tem que ser solteiro — e então vamos arrebanhar as mulheres!” Parecia uma descrição quase perfeita do destemido antigo estafeta da infantaria que se interessava por política. Em Hitler, Eckart começou a achar que tinha encontrado o seu homem. (HEIDEN, 1936, apud RANGE, 2018, p. 31). Hitler passou a agir como uma espécie de arauto do partido, viajando por vários lugares e inflando multidões com as ideias antissemitas e ultranacionalistas características de seu futuro governo (RANGE, 2018, p. 34). Adolf Hitler parecia já saber, na época, a importância da propaganda para o sucesso de sua ideologia, se apresentando para os mais variados públicos, e enfatizando: ““Não faz diferença alguma que eles riam de nós ou nos insultem”, escreveu depois. “O principal é que nos mencionem.”” (RANGE, 2018, p. 35). No “Mein Kampf”, que ainda não tinha sido escrito quando ingressou no partido, Hitler (2009, p. 392) diz: Quando eu me juntei ao Partido dos Trabalhadores Alemães, eu imediatamente tomei conta de toda a propaganda. Eu sabia que era a área mais importante no momento. No início não era necessário ocupar o cérebro com problemas organizacionais, e sim era importante espalhar as ideias do movimento para um alto número de pessoas. A propaganda deve vir antes dos detalhes de organização de um movimento, para que se possa ter o número de pessoas necessárias para construir essa organização. No período que antecedeu sua prisão em 1923, Hitler conheceu pessoas que viriam a ser pilares da Alemanha Nazista, como Hermann Göring, importante 17 comandante da Força Aérea, e Rudolf Hess, vice-Fuhrer, e começou a colecionar uma legião de seguidores. Segundo Range (2018, p. 51), “A adesão ao partido nazista, pelos padrões locais, subira astronomicamente — de vinte mil para 55 mil apenas em 1923.” Neste momento, Hitler já era líder do partido, com poderes internos quase que ditatoriais (RANGE, 2018, p. 38-39). No final de 1923, a tensão entre os diversos poderes existentes era gritante, e as revoltas começaram a eclodir. Segundo Range (2018, p. 64), do espectro que diz respeito à chegada de Hitler ao poder: Havia três forças em jogo no tabuleiro: a equipe do líder nazista, incluindo os paramilitares; o triunvirato de Kahr, Lossow e Seisser, com o seu controle sobre a divisão da Reichswehr da Baviera e a polícia estadual; e o governo nacional de Berlim, incluindo o exército alemão, embora a lealdade dos seus membros fosse muitas vezes incerta. Então, após divergências de ideias com as lideranças locais, afirmadas nas figuras que compunham o triunvirato: Gustav Ritter von Kahr, comissário geral da Baviera; Otto von Lossow, comandante da Divisão da Baviera do exército alemão; e o coronel Hans von Seisser, chefe da polícia estadual da Baviera; Hitler tenta um putsch, que ele julgou ser bem sucedido a princípio, já que o triunvirato, que antes não concordava com algumas das ideias revolucionárias de Hitler e seu partido, se rendeu perante o uso de força arquitetado pelos nazistas. O putsch chegou com certa violência às instituições consideradas marxistas/social-democratas, como jornais, com a tomada (ou tentativa) de instituições militares, e com repressões à judeus. Porém, ao deixar a incursão no comando de Erich Ludendorff, antigo soldado da Primeira Guerra Mundial, e agora um dos comandantes do partido, para tentar persuadir os soldados de um dos quartéis, que não queriam receber ordens, Hitler cometeu um erro. Ludendorff liberou o triunvirato, até então feito de refém, por conta dos mesmos jurarem lealdade dando a palavra de honra deles. Em liberdade, o triunvirato passou a agir contra o putsch, o que resultou no fracasso da empreitada, e, posteriormente, na prisão de Hitler. (RANGE, 2018, p. 88-103). Sobre esse fracasso, Range (2018, p. 10) disserta: O fracassado putsch — um esforço para desestabilizar tanto o governo bávaro quanto o alemão — foi uma derrota significativa para o nascente líder nazista e seu movimento pequeno, porém radical. O ano que Hitler passou na prisão — virtualmente 1924 inteiro — foi o preço que ele pagou por sua tentativa prematura de chegar ao poder. Ele não apenas arruinou a maior jogada que um político pode fazer, mas também perdeu prestígio: foi descartado por alguns como um palhaço extremista que levou seus seguidores ao desastre e à morte. 18 No entanto, ao ser libertado, Hitler havia convertido seu mergulho na desgraça e obscuridade em um trampolim para o sucesso. O golpe de estado abortado acabou se revelando a melhor coisa que podia ter acontecido a ele e aos seus planos indisfarçáveis de se tornar ditador da Alemanha. Se não tivesse passado o ano de 1924 na prisão de Landsberg, talvez nunca emergiria como o político redefinido e recarregado que acabou ganhando o controle da Alemanha, infligiu a guerra ao mundo e perpetrou o Holocausto. O ano que derrubou Hitler — do final de 1923 até o final de 1924 — e que deveria ter encerrado sua carreira, foi, na verdade, o momento crítico da transformação dele, de um revolucionário impetuoso para um jogador político paciente com uma visão a longo prazo da conquista do poder. Na prisão, Hitler escreveu o “Mein Kampf (Minha Luta)”, que viria a se tornar uma espécie de bíblia do nazismo. O período enclausurado Hitler posteriormente chamou de “minha educação universitária às custas do estado” (FRANK, 1953 apud RANGE, 2018, p. 12). Para tratar da chegada de Hitler à chancelaria alemã, se faz necessário um recorte da realidade alemã no período após a sua soltura da prisão em Landsberg. Enquanto reestruturava o Partido Nazista, aumentando gradativamente a participação do Partido nas eleições, conforme mostra a passagem seguinte: Hitler emergiu de Landsberg não apenas como o líder do Partido Nazista, mas de grande parte da direita Völkisch. Agora, ele também acreditava que os nazistas deveriam tentar um novo caminho para ganhar o poder – o das urnas. Conforme sua famosa afirmação, “Se vencê-los nos votos demorar mais que vencê-los nos tiros, pelo menos os resultados serão garantidos pela própria Constituição deles!” (REES, 2012, p. 45). Em 1932, a representação do Partido Nazista no parlamento era de 38%, e Hitler, em disputa perdida pela presidência da Alemanha, já possuía 37% dos votos válidos (REES, 2013, p.58). Para explicar essa exponencial crescente, é essencial falar sobre a Crise de 29 e seus impactos no território alemão. A quebra da bolsa de valores de Wall Street, por conta da grande especulação financeira, abalou os Estados Unidos, na época, principal potência econômica mundial e credor de muitos países, e isso também teve seu reflexo no país germânico. De acordo com Rees (2012, p. 52): Até janeiro de 1930, apenas quatro meses depois da quebra de Wall Street, havia mais de três milhões de alemães desempregados – levando-se em conta os trabalhadores de meio período, esse número talvez chegasse a quatro milhões. Nessa atmosfera de crise, muitos alemães ouviam atentamente a mensagem de “solidariedade” e união nacional proferida por Hitler. A esperança nas instituições, por parte do povo, começava a se esvair. O governo da época, composto pela união dos Democratas Sociais e do Partido Liberal Popular, não conseguia estancar a crise, e, em 1932, havia mais de seis milhões de alemães desempregados. Para enfatizar o sentimento de descrença com as 19 instituições atuais e a polarização do poder na Alemanha pré-1933, Johanez Zahn, citado por Rees (2012, p. 53), diz: “Seis milhões de desempregados, o que isso significava?” diz Johannes Zahn, que na época era um jovem economista. “Seis milhões de desempregados com três pessoas em uma família, são seis vezes três, que é igual a 18 milhões de pessoas sem comida! E quando um homem estava desempregado, naquela época, então só restava uma coisa: ou ele se tornava um comunista, ou um membro da SA (ou seja, um soldado nazista)”. Conforme podemos observar no trecho acima, a iminente crise da jovem democracia alemã enfraqueceu diversos grupos, e fortaleceu outros, como o Partido Nazista e o Partido Comunista. De acordo com Richard J. Evans, em seu livro “A Chegada do Terceiro Reich”, “A filiação nacional (do Partido Comunista) disparou de 117 mil em 1929 para 360 mil em 1932, e seu poder eleitoral aumentava de eleição para eleição." (2010, p. 268). Porém, a desvinculação com a social-democracia, através da constante insistência em condenar a República de Weimar como “fascistas” que os separava firmemente, e a pobreza proveniente da Grande Depressão, foram duros golpes nos comunistas em ascensão, já que os membros do partido eram de classe mais baixa (EVANS, 2010, p. 273). Ao mesmo tempo, o povo passava a ver em Hitler uma figura quase messiânica. Max Weber, importante sociólogo, diz sobre isso: "não basta que um líder carismático seja um “herói”, ele tem de ser um “profeta” (apud REES, 2012, p. 41). E Hitler criou essa imagem com maestria, unindo seu passado como “herói” de guerra e a “missão” que ele havia reservado para si (REES, 2012, p. 57). Para o povo, Hitler vendia um salvador, para os soldados, vendia a salvação da vergonha que passaram (REES, 2012, p. 54). Em sua obra, Evans disserta sobre os diversos testemunhos que comparavam a imagem de Hitler a de um “profeta”, como previa Weber. O trecho a seguir ilustra isso: (ouvi) o líder Adolf Hitler falar em pessoa. Depois disso, só havia uma coisa para mim: ou vencer com Adolf Hitler, ou morrer por ele. A personalidade do Líder me encantou por completo. Aquele que conhece Adolf Hitler com um coração puro e sincero vai amá-lo de todo o coração. Vai amá-lo não em nome do materialismo, mas pela Alemanha. (MERKL, 1975 apud EVANS, 2010, p. 253) E Evans prossegue (2010, p. 254): Existem muitos outros testemunhos desse tipo, desde um metalúrgico antissemita nascido em 1903 que descobriu em uma reunião com Hitler em 1927 que “nosso líder irradia um poder que torna todos nós fortes”, até outro 20 camisa-parda, nascido em 1907, que declarou ter caído sob o fascínio de Hitler em 1929, em Nuremberg: “Como seus olhos azuis faiscavam quando as tropas de assalto marchavam diante dele à luz das tochas, um mar infindável de labaredas ondulando pelas ruas da antiga capital do Reich” Por fim, para enfatizar essa visão messiânica que Hitler possuía nesse momento, Theodor Eschenburg (apud REES, 2012, p. 57) é categórico: “Eu nunca mais tive uma experiência igual – como um homem podia dominar uma reunião em massa, de forma tão cativante – como ele fez, em Sportpalast (em Berlim). Aquilo me impressionou enormemente e, ao mesmo tempo, me assustou. Fiquei ali sentado, e à minha volta, direita, esquerda, à frente e atrás, os Socialistas Nacionais estavam dando gritinhos de empolgação. Isso aconteceu quando ele (Hitler) entrou, como um Deus. Um messiânico. Foi simplesmente impressionante e assustador, simultaneamente.” Adolf Hitler, mesmo perdendo a eleição para presidência em 1932, era a principal força política da Alemanha, e não entraria em acordo com o presidente eleito Paul von Hindenburg enquanto não conseguisse a chancelaria, recusando inclusive o cargo de vice-chanceler, já que isso representaria subordinação. Entre trocas de chanceleres e acordos políticos de Hitler, Hindenburg começou a cogitar a possibilidade de ceder à pressão de Adolf pela chancelaria, acreditando que os poderes atuais conseguiriam controlar sua governança, e então, Hitler, no dia 30 de janeiro de 1933, se torna chanceler alemão (REES, 2012, p. 61-67). Hitler e seus apoiadores e companheiros de partido seguiram seu projeto, tomando para si setores-chave, como o exército e a polícia, e iniciando a conhecida política de violência contra seus adversários (EVANS, 2010, p. 343-345). A ascensão do Terceiro Reich teve sua base na forte repressão e perseguição de opositores, principalmente comunistas, e controle das mídias e do aparato militar, mas, além de tudo, era uma ascensão legítima, feita através dos meios democráticos e de acordo com a constituição vigente, quase que em sua totalidade, como previra Hitler. Em ato votado, em um parlamento quase sem oposição, a Lei Plenipotenciária, que basicamente dissolvia o parlamento, dando poder para que o Reichstag governasse por decretos, foi aprovada por maioria massiva. (EVANS, 2010, p. 381). É importante também observar a política praticada no Reich até a Segunda Guerra. A austeridade econômica caminhava junto com uma grande violência sistêmica, conforme pode ser verificado nas linhas seguintes: Bem antes do final da República de Weimar, os especialistas haviam agarrado a oportunidade propiciada pela crise financeira para argumentar que o melhor modo de reduzir o fardo impossível da previdência sobre a economia era impedir a classe mais baixa de se reproduzir, submetendo-a à 21 esterilização forçada. Assim, não levaria muitos anos para haver menos famílias indigentes para se sustentar. (EVANS, 2010, p. 403). Ainda sobre isso, Evans (2010, p. 404) sustenta: Assistentes sociais e administradores da previdência já há muito estavam propensos a ver os requerentes como parasitas e preguiçosos. Agora, encorajados pelos novos funcionários de alto escalão empossados pelas administrações nazistas locais e regionais, podiam dar rédea solta a seus preconceitos. A pobreza, antes mal vista, passa a ser “criminalizada”, e as instituições passam a trabalhar para deixar a vida dos destituídos “desagradável” (EVANS, 2010, p. 405). A austeridade promovida, além de violenta, era eugenista. O trecho a seguir ilustra bem o pensamento da época: Médicos e equipes foram postos na rua; muitos, sobretudo se eram judeus, foram para o exílio. Os nazistas argumentaram que todo o sistema de medicina social desenvolvido pela República de Weimar era montado para evitar a reprodução dos fortes por um lado e sustentar as famílias dos fracos por outro. A higiene social deveria ser abolida; a higiene racial devia ser introduzida em seu lugar. (GROSSMAN, 1997, apud EVANS, 2010, p. 403). A “nazificação” do estado alemão ainda promovia um enxugamento da máquina pública, baseada na posição política. De acordo com Evans, a Lei para a Restauração do Serviço Público Profissional servia para fazer uma alusão à profissionalização corporativa dos que serviam a máquina pública, mas, na realidade, promovia cortes e demissões daqueles que não estavam alinhados com a ideologia do governo (EVANS, 2010, p. 408). Evans (2010, p. 409), ressalta que “As demissões e rebaixamentos tiveram o efeito acessório, e longe de não premeditado, de reduzir os gastos do governo, bem como impor uma conformidade racial e política”. É importante ressaltar que essa austeridade violenta atingia sistematicamente os judeus. Por outro lado, a economia alemã passava por reformas e crescimento, com políticas de empregabilidade para aqueles que eram verdadeiramente alemães. Segundo William L. Shirer, em seu livro “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”, concedeu-se generosamente isenção de impostos às firmas que elevassem seus gastos de capital e aumentassem o emprego” (2008, p. 320). A recuperação econômica teve base no rearmamento, e os fundos para isso foram os confiscos realizados de bens dos “inimigos do Estado”, em sua maioria, judeus. (SHIRER, 2008, p. 321-322). Além disso, houve uma clara planificação nas artes alemãs, dando a elas a face nacionalista do Reich. Isso incluiu o expurgo de artistas que não simpatizavam 22 com a nova administração, tendo migrado da Alemanha cerca de dois mil artistas das mais diversas áreas a partir de 1933 (EVANS, 2010, p. 418-444). O que acontece na Alemanha pré-Segunda guerra é o sucesso da implantação dessas políticas e do estabelecimento de Adolf Hitler no poder, cada vez mais centralizado na figura do Fuhrer. A busca pelo “espaço vital”, conceito abordado por Hitler no “Mein Kampf”, e a “purificação da raça alemã”, seguiram a todo vapor no período de 1939 à 1945, quando Hitler se suicidou. Observar a construção e o sucesso de seu personagem político, o que é abordado neste capítulo, é de suma importância para a compreensão da manutenção de elementos nazifascistas na atualidade. A crise democrática, as políticas de austeridade, o anseio por salvação, o uso massivo da propaganda, o ódio ao estrangeiro e às minorias, e o controle da mídia e do poder vigente, são elementos cruciais para o entendimento de fenômenos contemporâneos a nós. Além disso, suas políticas repressivas e orientadas à exclusão são agendas ainda hoje adotadas pela nova direita. Essa ascensão dos governos de direita na atualidade, e a existência de verdadeiros cultos nazistas, exploraremos a seguir. 23 2 A nova direita nazifascista: crise democrática e reciclagem histórica Este capítulo tem como objetivo apresentar a nova direita que está em ascensão nos quatro cantos do mundo, vencendo eleições e conquistando apoio popular. Além disso, buscaremos semelhanças na ascensão de Hitler e dessa nova onda conservadora, a fim de definir os elementos que a causaram. 2.1 As semelhanças políticas contextuais A atual ascensão neoconservadora se deve a inúmeros fatores, sendo um deles a crise da democracia vigente. Segundo Manuel Castells, em sua obra “Ruptura: A crise da democracia liberal” (2018, p. 10) há uma crescente insatisfação do povo com o modelo representativo, pois a classe política passou a defender seus próprios interesses ao invés do interesse público. [...] Mais de dois terços dos habitantes do planeta acham que os políticos não os representam, que os partidos (todos) priorizam os próprios interesses, que os parlamentos não são representativos e que os governos são corruptos, injustos, burocráticos e opressivos (CASTELLS, 2018, p. 11). Castells atribui a crise da legitimidade política à globalização econômica e comunicacional, e à crise financeira e do capital especulativo de 2008, dizendo também que essa implosão econômica é reflexo direto do modelo capitalista (CASTELLS, 2018, p. 15-16). Essa afirmação se sustenta com as ideias do autor, para quem Na raiz da crise de legitimidade política está a crise financeira, transformada em crise econômica e do emprego, que explodiu nos Estados Unidos e na Europa no outono de 2008. Foi, na realidade, a crise de um modelo de capitalismo, o capitalismo financeiro global, baseado na interdependência dos mercados mundiais e na utilização de tecnologias digitais para o desenvolvimento de capital virtual especulativo que impôs sua dinâmica de criação artificial de valor à capacidade produtiva da economia de bens e serviços. De fato, a espiral especulativa fez colapsar uma parte substancial do sistema financeiro e esteve prestes a gerar uma catástrofe sem precedentes. À beira do precipício, os governos, com nosso dinheiro, salvaram o capitalismo. (CASTELLS, 2018, p.16). As medidas protecionistas tomadas pelos governos perante à crise evidenciaram “a falácia da ideologia neoliberal que argumenta a nocividade da intervenção do Estado nos mercados” (CASTELLS, 2018, p. 16), já que 24 demonstravam que o modelo de estado vigente trabalha na proteção do sistema econômico vigente e na manutenção dos poderes e privilégios. A política de austeridade que priorizava a economia (refletida nos bancos e grandes empresas) afetou de forma contundente a população europeia e de países periféricos, porém, nos Estados Unidos, país onde se deu a eclosão da crise, a política adotada foi de protecionismo, aumentando os gastos públicos para sair da crise, o que aconteceu antes da Europa. A crise, no âmbito europeu, se estendeu ao Estado de bem-estar. (CASTELLS, 2018, p. 17). A política de austeridade é alvo de críticas recorrentes. Esther Solano Gallego, em seu livro “O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil” (2018, p. 83) diz que “a austeridade não é irracional, tampouco estritamente errada; ela nada mais é que a imposição dos interesses de classes dos capitalistas”. Para enfatizar o viés desse tipo de política, e observá-las de um recorte brasileiro, Gallego (2018, p. 84) complementa: Essa perspectiva traz luz para a realidade brasileira, nas quais as políticas de austeridade acontecem em um período de extrema instabilidade política e de aumento das tensões de classe. Nesse contexto, a austeridade justapõe as vítimas dos cortes (principalmente a parcela mais pobre da população) com os perpetradores dessas políticas - as elites econômicas e um governo subserviente. No Brasil, a austeridade entrega a ambição de décadas da direita e dos segmentos políticos mais conservadores: revogar o contrato social da Constituição Federal de 1988 e aprofundar as reformas neoliberais. O exemplo palpável dessa austeridade no cenário brasileiro se dá na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, a qual congela os gastos públicos por 20 anos, principalmente com saúde e educação, o que afeta diretamente a população mais pobre do país, que depende dos serviços públicos (ALESSI, 2016). Essa visão entra diretamente em acordo com o que observou Castells sobre o detrimento das classes mais pobres em função da economia, e também com a austeridade nazista, que favorecia um povo em detrimento dos judeus. No trecho a seguir, Gallego sustenta essa visão, e podemos notar a similaridade entre as políticas adotadas em ambas as épocas: O Estado que deve ser atacado não é aquele das máquinas de guerra, da repressão policial ou do desrespeito aos cidadãos. O Estado a ser desmontado é aquele que, segundo essa visão, concederia direitos demais - ou mesmo quaisquer direitos às pessoas ou grupos “errados”. Se o neoliberalismo desmontou o Estado de bem-estar social, a nova direita quer atacar o Estado como ente que garante direitos civis, direitos humanos (GALLEGO, 2018, p. 36). 25 Castells (2018, p. 18-19) destaca também a corrupção como uma das causas da crise da legitimidade, mas, na corrupção, encontra algo mais profundo. O sistema vigente a torna possível e desejável, conforme mostra a citação seguinte: É a ideologia do consumo como valor e do dinheiro como medida do sucesso que acompanha o modelo neoliberal triunfante, centrado no indivíduo e em sua satisfação imediata monetizada. Na medida em que as ideologias tradicionais – fossem as igualitaristas da esquerda ou aquelas a serviço dos valores da direita clássica – perderam firmeza, a busca do sucesso pessoal através da política relaciona-se com a acumulação pessoal de capital aproveitando o período em que o indivíduo detém posições de poder (CASTELLS, 2018, p. 19). Ainda, é interessante observar a teoria que Castells coloca em sua obra, sobre uma exposição midiática que trabalha para inspirar desconfiança e reprovação moral na classe política, a “política do escândalo”, que foi teorizada por John Thompson (CASTELLS, 2018, p. 21). Essa teoria contribui de maneira brutal para a crise da legitimidade atualmente em vigor. Trazendo para a realidade brasileira, para fins de exemplificação, há um intenso esforço midiático em propor uma narrativa maniqueísta e moralista aos casos de corrupção que ocorreram no Brasil a partir de 2006, e isso tem como fim a singularização do PT (Partido dos Trabalhadores) como “único responsável pelos desvios éticos na política brasileira” de acordo com Gallego (2018, p. 25), para quem Reportagens em jornais e redes de televisão, processos judiciais, investigações policiais e boatos gerados na internet retroalimentaram-se, gerando uma nuvem de informações verdadeiras, duvidosas, ou indubitavelmente falsas que estigmatizava o PT - e, por consequência, toda a esquerda - como encarnação da desonestidade e do mal (GALLEGO, E. S. 2018, p. 25). A posição da mídia tradicional e das organizações reacionárias, pautada na “política do escândalo”, criou desconfiança e polarizou a política de maneira maniqueísta de forma eficaz, e isso deu espaço para que se levantasse outra das grandes forças na ascensão da nova direita: as “fake news”. As “fake news”, em tradução literal, significam notícias falsas, e foram utilizadas de maneira massiva como propaganda pela nova direita, já que normalmente continham mentiras que conferiam à esquerda um caráter de decadência moral. O “conservadorismo cultural” como estratégia eleitoral foi adotado pela nova direita, em oposição a um suposto “marxismo cultural”, que é imoral e busca destruir a família e a religião (GALLEGO, 2018, p. 36-38). Quanto ao perigo dessa narrativa, Gallego (2018, p. 39) alerta: 26 O mais perigoso dessa aceitação mainstream da teoria da conspiração do marxismo cultural é que ela traz junto de si outras ideologias do nazifascismo: a aceitação das teorias da degeneração (cultural, e, no caso do mundo euroamericano, racial), a obsessão com teorias da conspiração vagas que repetem que “eles” estariam tentando destruir você, ameaçar sua família, sua propriedade e sua vida. Como de costume, esse “eles” sempre precisa ser vago, amplo, e maleável: professores doutrinadores, artistas degenerados, banqueiros socialistas ou globalistas da ONU. A volta do marxismo/comunismo como inimigo público, fomentada pela grande mídia e reverberante nas redes sociais online, pode e deve ser observada pela sua semelhança com os ideais do nazifascismo, já que usa da polarização política e demonização das ideologias marxistas, ou mesmo de políticas sociais, para alcançar o poder e mantê-lo. Essa reformulação do conservadorismo, somadas à ação das “fake News”, sendo um exemplo entre elas o “Kit Gay”, suposto kit com materiais eróticos, que seria distribuído para crianças por Fernando Haddad, candidato do PT nas eleições de 2018, caso este vencesse o pleito (BARRAGÁN, 2018), forneceu a esquerda a estigma da indecência moral, enquanto incutia no povo o medo e o ódio às políticas de igualdade. Essa construção da mídia dominante vai além da imoralidade na esquerda, ela incita o preconceito. O trecho a seguir nos introduz a essa questão: [...] Forma-se um nexo importante entre a percepção da corrupção petista e o preconceito de classe. De 2006 em diante, após cada eleição presidencial os analistas se debruçavam sobre os mapas de votação para constatar que a vantagem eleitoral do PT provinha das regiões mais pobres do país, em particular do Nordeste. Seria sintoma de que o eleitorado pobre era desinformado, ou, pior, carente de ética, disposto a votar em “ladrões” desde que eles lhe oferecessem ganhos, como os programas de garantia de renda (GALLEGO, 2018, p. 25). O comportamento moralista criado pelo “conservadorismo cultural” e amplamente difundido na mídia, segundo Gallego (2018, p. 37), conseguiu “vilanizar políticas que envolviam imigrantes e refugiados, homossexuais e minorias étnicas sob o signo de que tudo isso não passaria de uma conspiração ‘comunista’ para erodir a ‘civilização ocidental’, e, junto com ela, o capitalismo”. A vilanização é afirmada pela própria ação legislativa, como impedimento da aprovação de projetos de lei que garantem direitos para a população LGBTI+, como o Projeto de Lei (PL) 122/2006, o “Projeto de Lei Anti-Homofobia” e o PL 612/2011 (que reconhece uniões entre pessoas do mesmo sexo) (GALLEGO, 2018, p. 99-100). Além disso, essa abordagem incita a violência também por parte do povo. Houveram casos onde escolas ou professores são denunciados ao Ministério Público por 27 “promover ideologia de gênero”, que nada mais é do que tratar questões como identidade de gênero ou feminismo em aula (BETIM, 2020). Fernando Holiday, deputado pelo MBL (Movimento Brasil Livre), partido responsável por incentivar a gravação dos professores para esse tipo de denúncia, em ações vinculadas ao projeto Escola Sem Partido, admitiu em entrevista para Felipe Betim, do jornal EL PAÍS, que a sua defesa do projeto “[...] muitas vezes teve como efeito colateral uma demonização do professor, que já é um profissional extremamente desvalorizado pelo Estado e pela sociedade brasileira” (BETIM, 2019). Como reflexo dessa vilanização, o Brasil segue no topo dos países que mais matam a população trans (JUSTO, 2020). Porém, esse tipo de abordagem midiática pautada na política do escândalo não tem seus reflexos apenas em solo brasileiro. Em 2016, em um plebiscito, o Reino Unido votou por sua saída da União Europeia, no momento que ficou conhecido como Brexit (uma abreviação para Britain Exit, que significa “saída britânica”, em tradução literal). Este movimento, da visão dos seus partidários, era para reafirmação da soberania britânica, mas, em sua expressão imediata, o Brexit atacou diretamente a imigração (CASTELLS, 2018, p. 47). De acordo com Castells (2018, p. 48): [...] O controle das fronteiras se apresentou como solução mágica para eliminar a competição no emprego e nos serviços e, de quebra, proporcionar uma proteção maior contra o terrorismo global, esquecendo que a maioria dos atos terroristas procede de pessoas criadas no país. [...] Castells (2018, p. 50) defende ainda que o voto a favor do Brexit, por parte do povo, foi porque este se sente abandonado e marginalizado. Mas os arquitetos e a elite política e midiática utilizaram o movimento como uma plataforma anti-imigratória. A intolerância se tornou plataforma eleitoral para a direita, como no caso de Trump, que fazia campanha ferrenha contra a imigração de seus vizinhos mexicanos (BBC, 2016). O ódio e preconceito como plataforma eleitoral eram também uma estratégia adotada pelo Partido Nazista pré-Segunda Guerra Mundial, bem como o controle midiático feito para que se normalizasse esse ódio. Para Gallego (2018, p. 39): Mais do que simplesmente anticomunista, a nova direita flerta com ideias do nazifascismo e, consciente ou inconscientemente, contribui para normalizá- las. Quando são criticados por esses aspectos se refugiam em questões de "liberdade de expressão" e de uma suposta "hegemonia da esquerda". Por inépcia ou intenção fazem com que os piores pesadelos da humanidade voltem à pauta, devidamente legitimados. 28 Essa normalização do nazifascismo passa pela não compreensão de suas características políticas, que incansavelmente se repetem, em uma espécie de reciclagem histórica. Portanto, devem ser observadas suas lideranças e sua relação com o poder vigente, como faremos a seguir. 2.2 Os líderes e a legitimidade Embora a direita queira a crise democrática e se aproveite dela para sua ascensão, é pelos mecanismos tradicionais da democracia que ela costuma se alçar ao poder. A legitimidade institucional tem papel chave nas antigas e novas empreitadas da direita política no governo, mesmo que os mecanismos para tal sejam utilizados em seus limites constitucionais. Franz Von Papen, um dos responsáveis pela chegada de Hitler à chancelaria alemã, escreveu que “[...] Hitler se tornou chanceler “através dos processos normais democráticos”” (PAPEN, 1952 apud REES, 2012, p. 66), conforme demonstramos no Capítulo 1 deste trabalho. Ora, se mesmo o abertamente antidemocrata Adolf Hitler tomou o poder utilizando os mecanismos e falhas que ela possuía, não é diferente o que faz a nova direita. Sobre a aversão à democracia e sua utilização como meio de alavanca, Goebbels (1935 apud REES, 2012, p. 48) disse: “Nós entramos no parlamento de modo a nos abastecer no arsenal da democracia com suas próprias armas... Se a democracia é tão imbecil a ponto de nos prover bilhetes (ferroviários) gratuitos e salários para esse trabalho, isso é assunto dela... Nós debochamos ao cooperar com esse monte de bosta fedorenta... Não chegamos como amigos, nem como neutros. Chegamos como inimigos. Como o lobo que irrompe em meio ao rebanho, é assim que chegamos.” Para ilustrar o uso dos aparelhos democráticos para fins antidemocráticos, trazemos o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em um áudio vazado, o senador Romero Jucá afirmava que o processo de impeachment era um acordo “com o Supremo, com tudo”, para estancar as feridas abertas pela Operação Lava Jato (EL PAÍS, 2016). Embora tenha um caráter golpista, o processo de impeachment foi todo feito pelos trâmites legais, com o aparato legislativo da democracia brasileira. Quanto a isso, Ivana Jinkings, Kim Doria e Murilo Cleto, em seu livro “Por que gritamos golpe? - Para entender o impeachment e a crise política no Brasil”, dizem (2016, p. 57): 29 [...] O que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se preferir, mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais” [...] Ainda, falam também sobre a extensão desses golpes pela América Latina, que em lugares como Bolívia e Equador fracassaram, mas que obtiveram sucesso em Honduras e Paraguai (JINKINGS; DORIA; CLETO. 2016, p. 56). Tais derrotas tem a ver com 1) a conjuntura econômica difícil, devido à queda dos preços do petróleo e de outras commodities e 2) os limites e as contradições dos processos de mudança nos dois países. Mas elas demonstram também a capacidade das forças burguesas e oligárquicas de manipular, enganar e desorientar setores significativos da população, graças a seu monopólio dos meios de comunicação (imprensa, TV etc.) (JINKINGS; DORIA; CLETO. 2016, p. 56). Isso gerou ainda mais pressão e desconfiança nas estruturas democráticas, e essa desorientação levou à eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. A eleição presidencial, que é o ápice da forma democrática, coloca no poder uma figura recheada de preconceitos explicitados. Quanto a relação entre esses dois momentos, Rubens. R. R. Casara, em seu livro “Bolsonaro: O mito e o sintoma”, (2020, p. 28) diz que: [...] A ruptura com as “regras do jogo democrático”, necessária para obter êxito em um processo de impeachment sem a existência de um “crime de responsabilidade” (golpe, portanto), pode ser apontado como o ponto zero da ascensão do bolsonarismo. A eleição de Jair Bolsonaro pode ser apontada como o resultado do “monstro” criado para derrubar, fora dos marcos constitucionais, uma presidente eleita democraticamente. Com o esqueleto deste “monstro” montado pela crise democrática, pela utilização massiva e nociva das mídias, e pela propaganda pessoal anti-establishment “em torno de pautas abertas e abstratas (“defesa da família brasileira”, “contra a corrupção”, contra “tudo o que está aí” etc.)” (CASARA, 2020, p. 44), a eleição de Jair Bolsonaro é legitimada democraticamente. Essa abrangência grande e abstração do discurso era também uma característica de Hitler em sua campanha. Para ilustrar isso, destacamos a seguinte passagem: Crucialmente, Eschenburg – um sofisticado crítico político – reconheceu que “Hitler não prometeu nada. Era sempre: ‘somente pelo povo alemão’. E ‘nós temos de libertar o povo do marxismo’. Mas ele não fazia promessas concretas. Isso eu pude enxergar com bastante facilidade... apenas admirei sua técnica” (REES, 2012, p. 57). 30 É importante ressaltar que não são todos os setores que são alinhados diretamente com essas rupturas, e sim, são frutos dela. Para Gallego (2018, p. 62): Quando um caminhoneiro sobe no caminhão parado pelo protesto e grita pela intervenção militar, ele não quer viver rodeado de tanques e pedir licença para ir trabalhar. Quer sim poder pagar suas dívidas, seu aluguel, alimentar seus filhos e seguir sua vida, mas o caminho que acha para isso é pedir essa mudança. O ultra-autoritarismo é vendido para o povo como uma resposta à crise, e o neoliberalismo se alimenta dessa crise criada por ele mesmo para fabricar e perseguir “culpados” por ela, retratados em seus inimigos políticos (CASARA, 2020, p. 76-77). Portanto, discutiremos a seguir a trajetória ao poder de algumas lideranças da nova direita, como Bolsonaro e Donald Trump, além das semelhanças entre as campanhas deles com a campanha de Hitler ao poder, e eventuais alinhamentos de discurso e apoio entre ambos. 2.2.1 Bolsonaro Não é de maneira impensada que o discurso de posse de Jair Bolsonaro falava em “se libertar do socialismo, se libertar da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto” (JOVEM PAN, 2019). Quase como uma caricatura do anseio por um salvador, Jair Bolsonaro tem como nome do meio a palavra Messias. E, com sua campanha baseada no slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, Jair conquistou a maioria válida dos votos válidos no Brasil. Em uma reflexão, Casara (2020, p. 63) diz: [...] Como descrever a eleição de uma pessoa que naturaliza tortura? Como tanta gente votou em um homem que declarou preferir ver o filho morto a aceitá-lo gay? Como votaram em uma pessoa que considera o estupro como algo natural e que ainda declara achar relações inter-raciais uma coisa promíscua? [...] Explicar a vitória democrática de Bolsonaro vai além da crise política discutida anteriormente. O anseio por salvação de uma crise, por parte do povo, é uma das similaridades da campanha bolsonarista com a campanha nazista pelo controle do Reich. Conforme discutido no Capítulo 1 deste trabalho, o povo alemão via em Hitler uma figura messiânica, vinda para salvá-los. Para enfatizar essa semelhança, trazemos o trecho a seguir: A figura de Bolsonaro também despertava profunda admiração. Nenhum adolescente entrevistado defendeu a volta da ditadura, mas achavam importante os valores de "pulso", "ordem", "disciplina", "mão forte" e 31 "autoridade" neste momento de crise nacional. Enquanto todos os meninos se colocaram contra tortura e censura, sendo inclusive críticos da ação policial nas comunidades, eles viam na imagem do militar uma forma de "último recurso", isto é, um pedido de socorro de jovens que já foram tomados pelo desalento. Este é o caso de Rique (21 anos), [...] Ele passa o dia entre a casa e a Igreja Universal que frequenta. Deus e Bolsonaro , para ele, são duas formas de salvação de uma vida indigna (GALLEGO, 2018, p. 58). Bolsonaro se vendia como alguém contra o sistema. Mas, a auto propaganda anti-establishment de Bolsonaro era, no mínimo, contraditória. Antes de ser eleito à presidência, Jair já era político há quase 30 anos, com apenas dois dos seus projetos aprovados (POTTER, 2018). Sua família também fez carreira na política, seu filho Flávio é senador, Carlos, vereador da cidade do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado estadual por São Paulo. O sucesso de Bolsonaro tem começo e fim no seu controle da mídia, seja ela digital ou tradicional. Sobre isso, o próprio disse: "Se eu falasse manso, não estaria nos jornais amanhã. Observem as reportagens” (TAVARES, 2016). Suas falas, em tom debochado, ganhavam a mídia tradicional que o criticava, ao mesmo tempo que ganhava a exaltação de pessoas nas mídias direitistas. O processo parece com o adotado por Hitler após o fracasso do putsch. Estar nos holofotes era prioritário para o chanceler alemão, conforme ele diz, “A política não trata de propostas e programas, mas de trabalho demorado e duro até que as pessoas possam equiparar algum desconhecido com uma ideia política. Acho que atingi esse ponto. E é por isso que o putsch foi de certa forma útil para o nosso movimento. Ninguém pode dizer que sou desconhecido agora, e isso nos dá uma base para recomeçarmos” (HANFSTAENGL, 1957 apud RANGE, 2018, p. 260-261). Parte da mídia desacreditava da possibilidade de vitória de Bolsonaro, devido ao seu modus operandi midiático, de declarações fortes, conforme demonstra Tavares (2016) dizendo que “bravatas, como o elogio a um torturador, o deixam quase sem chance de vitória”. Mas Bolsonaro não contava apenas com essas mídias. Utilizando do aparato completo do fornecimento de dados das redes sociais, havia um “exército” de defensores de suas ideias. Com a “revolução numérica”, as pessoas passaram a ter vontades condicionadas a partir de informações e dados selecionadas por terceiros com motivação comercial, política e ideológica. Dentro dessa dinâmica, proliferam-se as fake news, mentiras com força de verdade utilizadas para condicionar comportamentos e produzir ódios, em especial quando confirmam preconceitos enraizados na sociedade. No Brasil, fala-se na existência de um “gabinete do ódio”, primeiramente, ligado à campanha e, depois, ao governo de Jair Bolsonaro. Em recente pesquisa, coordenada pelas professoras Isabela Kalil (FESPSP) e Marie Santine (UFRJ), na qual foram analisados dados qualitativos e quantitativos no cruzamento entre etnografia virtual, mapeamentos de redes sociais e inteligência artificial 32 revelou que 55% das publicações favoráveis ao governo de Jair Bolsonaro eram feitas por robôs (CASARA, 2020, p. 50). Além da massa eleitoreira, cativada pelo seu “carisma do homem comum” (CASARA, 2020, p. 71) e pelo incessante trabalho nas mídias, Bolsonaro contava com outras forças para se colocar e se manter no poder. O alinhamento econômico neoliberal, que tem como sua principal figura o Ministro da Economia, Paulo Guedes, fez com que o poder econômico apoiasse abertamente o bolsonarismo. Quanto ao tipo de projeto apresentado, Casara (2020, p. 55) argumenta que: O projeto neoliberal a que Jair Bolsonaro aderiu, é apresentado e vendido como uma política de inovação, de modernização, quando não de ruptura com práticas antigas. A propaganda neoliberal, de fórmulas mágicas e revolucionárias, torna-se no imaginário da população a nova referência de transformação e progresso. O neoliberalismo, porém, propõe mudanças e transformação com a finalidade de restaurar uma “situação original” e mais “pura”, onde o capital possa circular e ser acumulado sem limites. Esse movimento é sustentado pelo neoconservadorismo, que Gallego (2018, p. 27-28) define como um movimento que, como uma “evolução” do conservadorismo que tentava preservar valores e instituições, tenta restaurar a autoridade da lei, a ordem, e implantar um Estado mínimo que não interfira na livre iniciativa econômica. Embora militar e político de carreira, o Estado em seu governo tinha que ser mínimo e austero, sem perder seu poder coercitivo. Como observa Casara (2020, p. 77), “utiliza-se o discurso nacionalista para reforçar o neoliberalismo e melhor atender os interesses do poder econômico”. Sobre o nacionalismo autoritário de Bolsonaro, Casara (2020, p. 77) o coloca como um “fake nacionalism”, já que não há a priorização da economia interna, havendo no lugar o apoio aberto ao capitalismo global e, sendo assim, o discurso nacionalista foca na produção de supostos inimigos (comunistas, bolivarianos, etc.). Mas, como sua imagem vende “valores e ordem”, seu nacionalismo realiza a manutenção da militarização. Projetos como o excludente de ilicitude, que proíbe a prisão em flagrante de militares por mortes causadas em operações (G1, 2019), dando margem para mais execuções policiais, em um país onde, apenas na Grande São Paulo, o número de pessoas mortas por policiais militares aumentou em 60% de janeiro a abril de 2020 (ACAYABA; ARCOVERDE. 2020), são pautas recorrentes da agenda do Governo Bolsonaro. Além disso, cabe a observação de que as mortes são concentradas na população negra, totalizando 80% dos mortos pela polícia (ADORNO; DIAS. 2020) e na periferia, em uma espécie de projeto de limpeza social. Frases como a de Wilson 33 Witzel, governador afastado do Rio de Janeiro, que disse: “A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo” (VEJA, 2018), fazem sucesso pelo seu apelo moral. O sucesso público desse tipo de abordagem é intrinsecamente ligado à produção de um inimigo interno. Quanto a essa visão, Gallego (2018, p. 71) diz: Cria-se, de um lado, o “cidadão de bem”, trabalhador (ou proprietário) e ordeiro, e, de outro, o vagabundo, vândalo, drogado, arruaceiro, o indivíduo fora das bordas que delimitam o possível autorizado pela ordem. Por meio da combinação do medo com a percepção de uma força acima das leis, legitima- se a violência. A norma se impõe pela força (e apoia-se nas leis) e sua lógica é a da produção do anormal, do patológico, em relação ao qual ela deve agir com rigor para curá-lo, eliminá-lo ou, ao menos, anulá-lo. A estigmatização da cultura periférica como inimigos da ordem causa essa dicotomia, e pode ser comparada com as práticas nazistas no que dizem respeito à demonização de uma parcela social: na época nazista, os judeus e marxistas, agora, a classe mais baixa e as minorias sociais. A política praticada beira o eugenismo. Para enfatizar essa semelhança, destacamos o trecho a seguir: Todavia, não é preciso muito esforço para perceber a semelhança entre a ilimitação nazista e a rejeição do bolsonarismo a qualquer limite externo (ético, jurídico, científico etc.). De igual sorte, tanto quanto os atuais ideólogos bolsonaristas, os nazistas apostavam em cálculos de interesse e na "técnica" como parte importante de sua ideologia. Hoje, se substituirmos as ideias de "raça alemã" e "lei do sangue" por "tradicional família brasileira" e "moral brasileira" ou a demonização dos "judeus" pela de "esquerdistas", "gays", e "lésbicas", alguns discursos frequentes nos anos 1930 na Alemanha pareceriam estranhamente familiares (CASARA. 2020, p. 120). Há, porém, um inimigo em comum, que não precisa ser substituído nas frases: o marxismo. Como trabalhado anteriormente, o conceito de marxismo cultural cria “um adversário comunista praticamente onipresente: na educação pública, na mídia, nos ativistas dos direitos civis, na indústria do entretenimento, etc.” (GALLEGO. 2018, p. 39). Resgatando esse inimigo dessa maneira, assim como feito na ditadura militar brasileira da qual é fã confesso, Bolsonaro cria um ambiente é naturalizado o absurdo, e há uma ode à ignorância (CASARA, p. 65). Por fim, Casara (2020, p.146-147) vê na eleição de Bolsonaro um sintoma social de uma sociedade brasileira que se recusa a se reconhecer: uma que crê na violência, no racismo, no machismo, na homofobia e no anti-intelectualismo como uma forma de solução das mazelas causadas por uma crise construída pelo próprio modelo liberal do qual ele é adepto. 34 Esta é a trajetória e o modo de governo de Jair Messias Bolsonaro, mas, vale observar que mesmo seus principais aliados no período de eleição, como o ex-Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, e como o atual governador do Estado de São Paulo, João Dória, estão tentando se desvencilhar da imagem já desgastada de Bolsonaro. Moro renunciou ao seu cargo já acusando Bolsonaro de intervir na justiça (ISTOÉ, 2020), e Dória usa da conquista da vacina Coronavac, contra o Covid-19, de plataforma política, atacando a cúpula de governo de Bolsonaro, expondo seu negacionismo científico (MARTINS; BRAGANÇA; BRITO. 2021). Ambos adotam uma postura de moderação e centro político, tentando se afastar da extrema direita, mesmo tendo influenciado diretamente a campanha de Jair em 2018. Isso pode ser a tendência vencedora para as próximas eleições, já que tivemos um termômetro na derrota de Trump em 2020, como veremos a seguir. 2.2.2 Trump Utilizando-se de estratégias como parecidas com a de Bolsonaro para sua eleição, mas ainda antes, em 2016, em uma espécie de prenúncio do que aconteceria aqui, Donald Trump foi eleito, nos Estados Unidos da América. Celebridade e apresentador televisivo, Trump já tinha espaço no imaginário do eleitor estadunidense (DELCOLLI, 2020), além de possuir um império em dinheiro construído como empresário do ramo da construção civil, que incluíam conglomerados de torres de luxo e cassinos (THOMAS, 2016). Suas declarações fortes e preconceituosas, como dizer que os vizinhos mexicanos eram estupradores, ladrões, e que iria construir um muro para que eles não migrassem até seu país (CASTELLS, 2018, p. 32) atraíram um novo tipo de eleitorado. Segundo Castells (2018, p. 39): [...] Desse sentimento de exclusão das manifestações culturais dominantes e das categorias protegidas em termos de direitos especiais, surgiu a necessidade de uma afirmação dos esquecidos da política identitária: o homem branco. Nesse caldo de cultura floresceram grupos racistas, neonazistas e antissemitas, que haviam ficado na penumbra e viram chegar seu momento. Organizaram-se como alt-right (direita alternativa) e começaram a influir na campanha de Trump através de sua presença em meios de comunicação xenófobos com uma crescente reputação entre os nativistas americanos. [...] 35 Além do alinhamento com os neonazistas, com os antissemitas e com os racistas, havia outra semelhança com as campanhas de Hitler e Bolsonaro para suas chegadas ao poder: o controle das massas com a oratória e com a mídia. E isso era, de certa forma, fácil para alguém de sua exposição midiática. Essa similaridade é retratada na passagem seguinte: [...] Trump liderou um movimento. Sua relação com o eleitorado foi direta, em comícios para multidões, com discursos incendiários. E sua estratégia, fundamentalmente midiática. Ele descobriu, desde as primárias, como estar sempre na mídia sem necessidade de pagar por ela. A troco de declarações escandalosas e polêmicas que as redes sociais amplificavam e os meios de comunicação se apressavam em reportar, geralmente para criticá-las (CASTELLS, 2018, p. 33) A eleição pode ser decidida de acordo com a manipulação da opinião pública, principalmente através de técnicas de segmentação de público, onde o acesso a certas informações é restringido pelas plataformas, e os indivíduos, condicionados a votarem de certa maneira, conforme observa Casara (2020, p. 46-47). Juntamente com a exposição midiática orgânica, havia outra estratégia, muito semelhante à de Bolsonaro com seu “gabinete do ódio”. O escândalo da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que auxiliou em sua campanha, mostrou sobre como o uso das mídias poderia ser feito hoje em dia. De acordo com o G1 (2018) “A Cambridge Analytica teria comprado acesso a informações pessoais de usuários do Facebook e usado esses dados para criar um sistema que permitiu predizer e influenciar as escolhas dos eleitores nas urnas”. Dessa forma, embora feita de forma democrática, a eleição de Donald Trump possui muitos poréns a serem explorados. Mas, o principal ponto a se questionar é: como um empresário e apresentador televisivo conseguiu se vender como um candidato anti-establishment? As linhas a seguir introduzem essa discussão: [...] Trump identificou a globalização como inimigo do povo, ecoando um sentimento geral, sobretudo entre os trabalhadores. E ainda teve o topete (termo bem apropriado) de responsabilizar seus amigos financistas de Wall Street pela miséria das pessoas. Acrescentando a essa tese um discurso contra a intervenção militar no mundo para não desperdiçar vidas americanas em benefício de povos que não merecem isso [...] (CASTELLS, 2018, p. 32). O que Trump desejava e vendia era o desejo de muitos americanos: medidas protecionistas. Os interesses de Trump estavam na proteção de seus negócios, mas, um povo se recuperando de uma crise econômica e amedrontado de outra era tudo que ele precisava, já que suas medidas, para esse povo, significavam a manutenção 36 de seus empregos em detrimento dos imigrantes. Por isso, 67% dos votos válidos da “classe operária” foram para Trump (CASTELLS, 2018, p. 35). A construção dessa imagem anti-sistêmica durou até após sua eleição, pois, “Como qualquer outro presidente dos Estados Unidos, ele se dobrou ao poder de Wall Street, que tanto havia vilipendiado na campanha” (CASTELLS, 2018, p. 41). Mas, em contrapartida, todas as políticas pautadas na destilação do ódio e no negacionismo científico foram mantidas no seu plano de governo, como demonstra a citação seguinte: Mas nas outras políticas não se afastou muito de suas ousadas promessas eleitorais. Tentou revogar a reforma no sistema de saúde de Obama; pressionou as empresas automobilísticas para que não se deslocalizassem para o México; reduziu impostos (sobretudo para os ricos); tentou proibir a entrada de muçulmanos no país, pelo fato de serem muçulmanos; endureceu a política anti-imigrante; perdoou a repressão policial às minorias; amparou e “entendeu” os grupos racistas da alt-right; empenhou-se (sem grande êxito, até o momento) em construir o muro da ignomínia na fronteira com o México; anulou os principais tratados comerciais multilaterais, em particular no Pacífico, na América do Norte e na América Latina; anunciou a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas; confrontou, e em alguns casos insultou, vários dirigentes políticos europeus (embora tenha se apaixonado por Macron); ameaçou iniciar uma guerra contra a Coreia do Norte; insinuou a intervenção militar na Venezuela; voltou à Guerra Fria com Cuba, apesar de no passado ter feito negócios ilegalmente com a ilha (CASTELLS, 2018, p. 41). Há de se ressaltar que algumas dessas tentativas foram bloqueadas pelas instituições do poder, devido a sua inconstitucionalidade. A política de Trump não foi um sucesso completo, vide sua derrota nas eleições de 2020 para Joe Biden (G1, 2020), o que pode significar o avanço de uma política de centro, mais moderada e menos sensacionalista em suas palavras, mas igualmente encaixadas no establishment. Além disso, recentemente, Donald Trump foi banido da rede social Twitter, devido a incitação à violência (OLIVEIRA, 2021), além de ter suas publicações constantemente vetadas por disseminar notícias falsas, já que ele contestava o resultado da eleição, chamando-o de fraude (IG, 2020). Isso pode significar uma menor tolerância a esse tipo de política por ele praticado. Essa é a trajetória e o modo de governo de Donald Trump. 2.2.3 Outras lideranças pelo mundo 37 Para além de Bolsonaro, no Brasil, e Trump nos Estados Unidos da América, a crise econômica e democrática permitiu a ascensão da direita em vários locais do mundo. Algumas dessas lideranças são interessantes de serem observadas, já que dão alguns exemplos de como podem funcionar as políticas do neoconservadorismo liberal. Um destes personagens, sem dúvida, é Steve Bannon. Bannon foi um dos estrategistas de Trump em sua campanha, e ganhou notoriedade por participar de vários movimentos de direita pelo mundo, inclusive no Brasil. Para Castells (2018, p. 40) a visão de Bannon é: [...] é criar um movimento popular capaz de se perpetuar no poder por meio de uma política de infraestruturas que proporcione emprego reservado à classe operária branca, uma oposição sistemática à imigração e uma islamofobia institucional que coloque a segurança nacional no centro da política, em contraposição às elites globalizadoras. Bannon é ex-Vice Presidente da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que faz publicidade especializada e segmentada por perfil, responsável por um escândalo de vazamento e uso de dados de perfis do Facebook para propaganda política, o que acabou influenciando na vitória de Donald Trump, como vimos anteriormente. Segundo Christopher Wylie, um dos cérebros da Cambridge Analytica, em entrevista para o EL PAÍS, o Brexit também não teria ocorrido sem o auxílio da empresa (GUIMÓN, 2018). Bannon também possui proximidade com diversas outras lideranças de direita no mundo, inclusive da família Bolsonaro, que teve inclusive um representante na festa de aniversário de Steve, em 2018, o deputado Eduardo Bolsonaro. Bannon foi inspiração para a propaganda digital feita na campanha de Jair Bolsonaro, embora negue envolvimento direto com sua eleição (PIRES, 2020). Outros líderes com proximidade com Bannon são Viktor Orbán, da Hungria, Matteo Salvini, da Itália, e Marine Le Pen, da França. Todos estes, juntamente com Eduardo Bolsonaro, faziam parte do The Movement, “articulação criada por Bannon para unir lideranças ultradireitistas mundiais” (PIRES, 2020). Para Bannon, Salvini e Bolsonaro são os melhores representantes do de um movimento populista, nacionalista e tradicionalista, que tem como base a família tradicional e a guerra contra o “marxismo cultural” (VERDÚ, 2019). 38 Salvini é de um partido que tem reputação cética quanto à União Européia, com muitos do partido querendo que a Itália abandone a União, em um movimento parecido com o Brexit. Além disso, possui um discurso forte anti-imigração (BBC, 2019). Viktor Orbán segue na mesma linha, inclusive afirmando que a imigração de muçulmanos seria uma ameaça para a Europa, transformando-a em “‘uma Europa com uma população mestiça e nenhum senso de identidade’” (BBC, 2019). Segundo Heller (2019): Orbán se dirige à etnia húngara e, dentro dela, exclusivamente a seus seguidores. Não considera os membros da oposição como húngaros. Em sua opinião, os liberais, os socialistas e os demais membros da oposição traem o país, por exemplo, ao votarem contra a Hungria (ou seja, o Fidesz) no Parlamento Europeu. A essência da ideologia dominante poderia ser resumida da seguinte forma: os húngaros são os melhores, os mais inteligentes, os mais trabalhadores, os mais democratas, e sempre são mal interpretados pelos abomináveis liberais e comunistas. O discurso empregado por Orbán, portanto, se assemelha de forma clara ao utilizado por Hitler, que foi demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho. Ao não considerar seus adversários semelhantes, qualquer ação contra eles se torna válida, nessa lógica. Orbán orquestrou então uma “batalha cultural”, a fim de controlar a produção científica do país para que não se reproduzisse nada além do discurso de seu partido (HELLER, 2019). Esta ação é análoga à planificação das artes feita por Adolf Hitler. Estas são algumas das lideranças da nova direita que ganharam força pelo mundo. Ainda há países como a Espanha, com o Vox, e a Alemanha, com a Alternativa para a Alemanha (AfD) que possuem uma ascensão nas políticas de direita, principalmente com o discurso anti-imigratório (BBC, 2019). Porém, para além da nova direita, do neoconservadorismo, e do perigo de suas políticas, há a proliferação de células explicitamente nazistas, conhecidas como neonazistas, que defendem de maneira não velada as políticas de Hitler, como veremos a seguir. 2.3 O neonazismo Nos capítulos anteriores observamos as políticas da nova direita, que são semelhantes às adotadas no período nazista, e servem de trampolim para esse tipo de ideologia. Todas elas são praticadas de forma velada, não escancarando seus 39 interesses para não afastar o povo dessas medidas e provocar uma resposta contundente das classes mais baixas. Porém, há também aqueles que praticam e disseminam a ideologia nazista de maneira não velada, conhecidos como neonazistas. Esses grupos, inflamados por políticas alinhadas à extrema direita, vem crescendo e ganhando corpo. Segundo a antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, que pesquisa a área desde 2002, em 2019 haviam 334 células neonazistas ativas no país (IHU, 2019). Para Adriana Dias, “A sociedade brasileira está se nazificando. As pessoas que tinham a ideia de supremacia guardada em si viram o recrudescimento da direita e agora estão podendo falar do assunto com certa tranquilidade.” (IHU, 2019). Na entrevista, Adriana Dias ainda afirma que há uma intenção clara desses grupos em cooptar o homem médio da sociedade, fazendo com que os termos e ideais racistas se tornem difundidos e aceitos pela massa (IHU, 2019). Em sua tese de doutorado, Dias aborda uma peculiaridade dos neonazistas: o negacionismo. Para ela: Os neonazistas são negacionistas. Negam a historiografia da perseguição dos judeus, a qual ocorreu desde sempre – desde Roma à Inquisição, incluindo o Holocausto – porque é preciso demonizar o judeu, convertê-lo no inimigo conveniente [...] (DIAS, 2018, p. 157). Essa particularidade pode ser entendida como revisionismo histórico, já que tenta substituir acontecimentos por uma visão particular e enviesada. Segundo Pierre Vidal-Naquet, em seu livro “Os assassinos da memória - ‘Um Eichmann de papel’ e outros ensaios sobre o revisionismo” afirma que “O objetivo da operação é perfeitamente claro: trata-se de privar ideologicamente uma comunidade do que representa sua memória histórica” (1988, p. 40). Vidal-Naquet a