unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP CAROLINA DOMLADOVAC SILVA UM ESTUDO LÉXICO-SEMÂNTICO SOBRE A FARMACOPEIA DO BRASIL COLONIAL EM DOCUMENTOS DO SÉCULO XVIII ARARAQUARA – S.P. 2022 CAROLINA DOMLADOVAC SILVA UM ESTUDO LÉXICO-SEMÂNTICO SOBRE A FARMACOPEIA DO BRASIL COLONIAL EM DOCUMENTOS DO SÉCULO XVIII Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/ Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Estudos do Léxico Orientador: Prof a . Dr a . Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa Bolsa: CAPES/ PROEX ARARAQUARA – S.P. 2022 CAROLINA DOMLADOVAC SILVA UM ESTUDO LÉXICO-SEMÂNTICO SOBRE A FARMACOPEIA DO BRASIL COLONIAL EM DOCUMENTOS DO SÉCULO XVIII Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/ Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Estudos do Léxico Orientadora: Prof a . Dr a . Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa Bolsa: CAPES/ PROEX Data da defesa: 31/05/2022 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: __________________________________________________________________________________ Presidente e Orientador: Profa. Dra. Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/ Araraquara. __________________________________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Odair Luiz Nadin da Silva Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/ Araraquara. __________________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Regiani Aparecida Santos Zacarias Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/ Araraquara. __________________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Maria Cândida Trindade Costa de Seabra Universidade Federal de Minas Gerais. __________________________________________________________________________________ Membro Titular: Profa. Dra. Soélis Teixeira do Prado Mendes Universidade Federal de Ouro Preto. Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara À Nina, o ressignificado de minha vida. Ao Fernando, pelo amor e pelo carinho. AGRADECIMENTOS A meus pais pelos valores transmitidos, pelo incentivo e pelas oportunidades oferecidas; À minha orientadora, Prof a . Dr a . Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa, pelo apoio e compreensão diante de tempos difíceis, além do estímulo ao fazer lexicográfico; À Prof a . Dr a . Maria Tereza Camargo Biderman (in memoriam) pela inspiração e pelo legado nos estudos do léxico; Aos professores da Pós-graduação pelos cursos ministrados e pelo conhecimento compartilhado: Profa. Dra. Maria Cristina Parreira da Silva e Profa. Dra. Angélica Karim Simão Garcia (IBILCE), Prof. Dr. Odair Luiz Nadin da Silva (FCLAr), Profa. Dra. María Teresa Fuentes Morán (Universidad de Salamanca), Prof. Dra. Regiani Aparecida Santos Zacarias (UNESP-Assis), Prof. Dr. Daniel Soares da Costa (FCLAr), Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck (FCLAr), Profa. Dra. Caroline Carnielli Biazolli (FCLAr); Às colegas Amanda, Mayara, Gabriela e Mariana por me incentivarem com suas experiências de trabalho e de vida; Às amigas Ana Paula, Fernanda e Mariana pelo exemplo de determinação, disciplina e caráter, para além de nossa amizade duradoura; À amiga Suely por toda a ajuda e acolhimento; Aos funcionários da Biblioteca da FCLAr-UNESP pela ajuda precisa quando da localização e empréstimo de livros e pela assessoria técnica; À Seção de Pós-graduação pelo atendimento solícito e pelas informações precisas; O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, Número do Processo 88882.329984/2019-01. Todas as coisas do mundo não cabem numa palavra. Mas tudo cabe numa palavra, esta palavra tudo. (ANTUNES, 2002, p. 24-25) RESUMO A presente tese visa à sistematização e à organização das informações e do conhecimento relativo à farmacopeia empregada no tratamento e na cura das enfermidades que acometiam a população do Brasil Colonial (século XVIII) em um vocabulário de especialidade. Na primeira seção, apresenta-se o contexto histórico referente ao ciclo do ouro nas Minas Gerais, além das obras escolhidas para compor o corpus que se presta à leitura, à extração e à seleção das unidades lexicais especializadas. Observa-se ainda a prática médica e as estratégias de cura exercidas pelos cirurgiões-barbeiros para tratar os enfermos na época. Encontram-se, na segunda seção, as teorias linguísticas, mais especificamente voltadas aos Estudos do Léxico, das quais se vale este trabalho. Na terceira seção, expõe-se o processo de extração e seleção das unidades lexicais referentes ao domínio estudado. Verificam-se as unidades lexicais coligidas e analisam-se as mesmas pelas perspectivas qualitativa e quantitativa. Na quarta seção, organiza-se a macroestrutura do vocabulário da farmacopeia em campos lexicais, sistematizam-se e estruturam-se os verbetes para o protótipo de um vocabulário especializado. Elaboram-se, a partir de recortes do discurso médico do século XVIII, as definições para tais verbetes. A organização da nomenclatura deste vocabulário segue dois critérios: uma proposta para a estruturação conceitual do domínio estudado e um índice alfabético. Em relação à microestrutura do vocabulário, apresentam-se a classe gramatical, as possíveis variantes da palavra-entrada, as definições organizadas, além de exemplos extraídos do corpus. Finalmente, na quinta seção, encontra-se a análise léxico-semântica das unidades lexicais especializadas que designam os símplices utilizados para tratar as doenças que se manifestavam na pele da população brasileira. Considera-se que além de contribuição para as áreas de Estudos do Léxico, este trabalho seja também relevante nas áreas de História, Saúde, Ciências Médicas e afins. Palavras–chave: Lexicografia de Especialidade. Vocabulário especializado. Brasil Colonial. Campos lexicais. Medicina tropical. ABSTRACT The present thesis aims at the systematization and organization of information and knowledge related to the pharmacopoeia used in the treatment and cure of diseases that affected the population of Colonial Brazil (18th century) in a specialized vocabulary. In the first section, the historical context referring to the gold cycle in Minas Gerais is presented, in addition to the works chosen to compose the corpus that lends itself to reading, extraction and selection of specialized lexical units. It is also possible to observe the medical practice and the healing strategies used by barber-surgeons to treat the sick at the time. In the second section, there are the linguistic theories, more specifically focused on Lexicon Studies, which this thesis makes use of. In the third section, the process of extraction and selection of lexical units referring to the studied domain is exposed. The lexical units collected are verified and analyzed from a qualitative and quantitative perspective. In the fourth section, the macrostructure of the pharmacopoeia vocabulary is organized into lexical fields; the entries are systematized and structured for the prototype of a specialized vocabulary. Based on excerpts from the medical discourse of the 18th century, the definitions for such entries are elaborated. The organization of the nomenclature of this vocabulary follows two criteria: a proposal for the conceptual structuring of the studied domain and an alphabetical index. Regarding the vocabulary microstructure, are presented the grammatical class, the possible variants of the input word, the organized definitions, in addition to examples extracted from the corpus. Finally, in the fifth section, there is the lexical-semantic analysis of the specialized lexical units that designate the plants used to treat the diseases that manifested in the skin of the Brazilian population. It is considered that in addition to contributing to the areas of Lexicon Studies, this work is also relevant in the areas of History, Health, Medical Sciences and other similar areas. Keywords: Specialized Lexicography. Specialized vocabulary. Colonial Brazil. Lexical fields. Tropical medicine. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Folha de rosto da obra Erário Mineral 28 Figura 2 Folha de rosto da obra Prodigiosa Lagoa 30 Figura 3 Folha de rosto da obra Governo de Mineiros 32 Figura 4 Exemplo de uma lista de palavras (Word List) gerada pelo AntConc 50 Figura 5 Pré-seleção das unidades lexicais de especialidade 56 Figura 6 Legenda das obras de apoio 56 Figura 7 Campos lexicais para o vocabulário da farmacopeia 68 Figura 8 Hierarquia entre os campos lexicais considerados no protótipo 100 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Divisão da obra Erário Mineral 61 Quadro 1.1 Contextos extraídos da obra Erário Mineral para abonar as unidades lexicais recolhidas nos títulos dos tratados 62 Quadro 2 Divisão da obra Prodigiosa Lagoa 62 Quadro 2.1 Contextos selecionados na obra Prodigiosa Lagoa para abonar as unidades lexicais recolhidas no título e no subtítulo da mesma 63 Quadro 3 Divisão da obra Governo de Mineiros 63 Quadro 3.1 Contextos selecionados em Governo de Mineiros para abonar as unidades lexicais recolhidas nos títulos em que se dividem a obra 64 Quadro 4 Unidades lexicais de especialidade distribuídas em campos lexicais 69 Quadro 5 Modelo de verbete para o vocabulário da farmacopeia 99 Quadro 6 Exemplo de verbete do vocabulário da farmacopeia 99 LISTA DE ILUSTRAÇÕES BOTÂNICAS Ilustração 1 Abútua (Chondodenderon platyphyllum (St. Hil.) Myers) 113 Ilustração 2 Alfavaca (Ocimum nudicaule Benth.) 115 Ilustração 3 Alecrim (Rosmarinus officinalis L.) 116 Ilustração 4 Açafrão (Crocus sativus L.) 118 Ilustração 5 Alcatira (Astracantha gummifera Labill.) 126 Ilustração 6 Alho (Allium sativum L.) 127 Ilustração 7 Alho-porro (Allium porrum L.) 129 Ilustração 8 Aliária (Alliaria petiolata M. Bieb.) 130 Ilustração 9 Arruda (Ruta graveolens L.) 131 Ilustração 10 Almeirão-silvestre (Chicorium intybus L.) 133 Ilustração 11 Azeda (Rumex acetosa L.) 134 Ilustração 12 Aristolóquia (Aristolochia elegans Mast.) 138 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 14 1 APRESENTAÇÃO DO CORPUS 18 1.1 Banco de Dados do DHPB 19 1.2 O Brasil Colonial no século XVIII 21 1.2.1 O ciclo do ouro 21 1.2.2 A prática médica e os cirurgiões-barbeiros 23 1.2.2.1 Os Tratados Médicos 26 2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 35 2.1 Léxico e Ciência 36 2.1.1 Vocabulário de Especialidade 40 2.1.2 Lexicografia de Especialidade versus Terminografia 42 2.2 A teoria dos campos lexicais 44 3 METODOLOGIA 47 3.1 Extração e seleção das unidades lexicais de especialidade 48 3.1.1 Análise quantitativa 55 3.1.2 Análise qualitativa 60 4 ORGANIZAÇÃO DO VOCABULÁRIO DE ESPECIALIDADE 66 4.1 Os campos lexicais para o vocabulário da farmacopeia 67 4.2 O protótipo do “Vocabulário da farmacopeia nas Minas Gerais do Brasil Colonial” 98 4.2.1 Amostra do “Vocabulário da farmacopeia nas Minas Gerais do Brasil Colonial” 100 5 ANÁLISE LÉXICO-SEMÂNTICA DAS UNIDADES LEXICAIS QUE DESIGNAM SÍMPLICES 109 5.1 Os símplices 110 CONSIDERAÇÕES FINAIS 158 REFERÊNCIAS 161 APÊNDICE A – Nomenclatura 171 APÊNDICE B – Índice alfabético 189 INTRODUÇÃO 15 Nosso interesse pelas Ciências do Léxico deu-se enquanto participante do projeto do Dicionário Histórico do Português do Brasil – séculos XVI, XVII e XVIII (BIDERMAN; MURAKAWA, 2021) – o DHPB, no Laboratório de Lexicografia da FCLAr/ UNESP – campus de Araraquara. A curiosidade a respeito da história do Brasil e o interesse pela teoria lexicográfica direcionaram-nos à pesquisa de Mestrado, intitulada “O léxico das enfermidades na obra Erário Mineral (1735), de Luís Gomes Ferreira”; e à presente pesquisa de Doutorado, “Um estudo léxico-semântico sobre a farmacopeia no Brasil Colonial em documentos do século XVIII”. Consequentemente, a aproximação a textos históricos motivou-nos à organização de um conjunto vocabular particular, o da Farmácia e da Cirurgia. Os remédios símplices encontrados e receitados por cirurgiões-barbeiros para tratar os enfermos no século XVIII aguçaram-nos ainda mais o interesse por esta área do conhecimento. A escolha do corpus, bem como o tratamento lexicográfico das unidades lexicais, resulta dessa experiência adquirida tanto na realização do DHPB quanto no curso de Mestrado. Os documentos Erário Mineral (FERREIRA, 1735), Prodigiosa Lagoa descuberta nas Congonhas das Minas do Sabará, que tem curado a varias pessoas dos achaques, que nesta Relação se expõem (MIRANDA, 1749), e Governo de mineiros, mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez e mais léguas, padecendo por essa cauza os seus domésticos e escravos queixas, que pela dilaçam dos remédios se fazem incuráveis, no mais das vezes mortais (MENDES, 1770) 1 constituem nosso corpus de estudo, a partir do qual coligimos, organizamos e analisamos as unidades lexicais que designam remédios, instrumentos e tratamentos empregados nas enfermidades que acometiam a população das Minas, no século XVIII. Uma vez que descobrimos em tais obras verdadeira riqueza de informações acerca das doenças e das possíveis formas de cura experimentadas pela medicina tropical praticada na época, escolhemos trabalhar com o léxico relativo à farmacopeia e realizar um estudo léxico- semântico de parte das unidades lexicais especializadas listadas na nomenclatura do vocabulário da farmacopeia. 1 Obras constantes do Banco de Dados do DHPB: FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral. Lisboa Occidental: Officina de Miguel Rodrigues, 1735; MENDES, José Antonio. Governo de mineiros, mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez e mais léguas, padecendo por essa cauza is seus domésticos e escravos queixas, que pela dilaçam dos remédios se fazem incuráveis, no mais das vezes mortais. Oferecido ao Senhor Coronel Antonio Soares Brandão, cirurgião da Câmara de Sua Majestade Fidelíssima e Fidalgo de sua Casa, Cirurgião-mor dos Reinos, seus domínios e exércitos. Lisboa: Oficina de Antonio Roiz Galhardo, 1770; MIRANDA, João Cardoso de. Prodigiosa Lagoa descuberta nas Congonhas das Minas do Sabará, que tem curado a varias pessoas dos achaques, que nesta Relação se expõem. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1749. 16 Por meio do discurso cirúrgico-farmacêutico do século XVIII, buscamos contextualizar as unidades lexicais descritas no protótipo do “Vocabulário da farmacopeia nas Minas Gerais do Brasil Colonial”, constante da quarta seção deste trabalho, posto que o léxico de uma língua traduza parte de sua cultura. Ademais, os exemplos extraídos do corpus provam a existência, à época, de uma preocupação em relação à saúde da população. O objetivo geral desta pesquisa é, portanto, organizar um estudo léxico-semântico de viés cultural, relativo ao vocabulário da cura utilizada no tratamento das enfermidades que se manifestavam nas regiões mineradoras do Brasil Colonial, a partir de um corpus representativo da realidade linguística da época, abordando a problemática existente entre a Lexicografia Especializada e a Terminologia/ Terminografia. Os objetivos específicos são: i. Elaborar um vocabulário especializado relativo à farmacopeia referente ao contexto da mineração, especificamente no século XVIII; ii. Organizar o vocabulário da farmacopeia em campos lexicais; iii. Relacionar o discurso médico do século XVIII ao discurso médico atual, a partir da análise léxico-semântica das unidades lexicais especializadas; iv. Desenvolver reflexões científicas a respeito das divergências e congruências entre os conceitos de Lexicografia e de Terminologia, em especial entre Lexicografia de Especialidade e Terminografia; Na primeira seção de nosso trabalho, apresentamos o Banco de Dados do DHPB, de onde foram retirados os fragmentos das obras. Discorremos ainda sobre o contexto histórico relativo ao corpus de estudo, bem como sobre aspectos biográficos de seus autores, sua prática médica, e os Tratados Médicos por eles oferecidos. Além disso, contamos com o aporte teórico das Ciências do Léxico, mais especificamente da Lexicografia de Especialidade, melhor descritas na segunda seção desta tese. Apresentamos, na mesma seção, o modelo teórico dos campos lexicais – construído por Coseriu (1977) – utilizado para a organização da macroestrutura do vocabulário especializado. A metodologia de nossa pesquisa encontra-se exposta na terceira seção deste trabalho, em que se justificam os recortes lexicográficos efetuados, tendo em vista a grande quantidade de unidades lexicais especializadas que designam elementos da farmacopeia encontradas no corpus, tanto para o protótipo de vocabulário como para o estudo semântico. Podemos verificar os resultados de nossa pesquisa na quarta seção deste trabalho, na qual alocamos o protótipo do “Vocabulário da farmacopeia nas Minas Gerais do Brasil 17 Colonial”, bem como na quinta seção, em que apresentamos a análise semântica das unidades assinaladas. Acreditamos que nossa pesquisa possa contribuir não somente com as áreas dos Estudos do Léxico, mas também revelar parte da trajetória de algumas ciências, como História, Saúde, Ciências Farmacêuticas, Ciências Médicas e afins, por meio do contexto do Brasil Colonial. 1 APRESENTAÇÃO DO CORPUS 19 Nesta seção, apresentamos o corpus de análise utilizado no desenvolvimento de nossa pesquisa. Primeiramente, mostramos informações a respeito da organização e da elaboração do Banco de Dados do Dicionário Histórico do Português do Brasil - séculos XVI, XVII e XVIII – doravante Banco de Dados do DHPB –, no qual está contido o conjunto de textos escolhido como objeto de nosso estudo, a saber, três documentos publicados no século XVIII, os primeiros tratados de Medicina escritos no Brasil: i. Erário Mineral (1735), de Luís Gomes Ferreira, ii. Prodigiosa Lagoa descuberta nas Congonhas das Minas do Sabará, que tem curado a varias pessoas dos achaques, que nesta Relação se expõem (1749), de João Cardoso de Miranda, iii. Governo de mineiros, mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez e mais léguas, padecendo por essa cauza os seus domésticos e escravos queixas, que pela dilaçam dos remédios se fazem incuráveis, no mais das vezes mortais (1770), de José Antonio Mendes. Também discorremos a respeito de cada obra, contextualizando-as do ponto de vista do momento histórico e social, e apresentamos alguns fatos sobre a vida dos autores e suas experiências na qualidade de cirurgiões-barbeiros que faziam uso de uma medicina empírica e mais popular. Reunimos os aspectos históricos relativos ao Brasil Colonial, mais precisamente no século XVIII, abarcados pelos textos, e tratamos da atividade mineradora nas Minas Gerais do final do século XVII e início do século XVIII, que caracterizou o chamado “ciclo do ouro”. Discorremos ainda sobre a prática médica aplicada à época bem como sobre os cirurgiões-barbeiros e seu ofício, enquanto profissionais indispensáveis às condições de vida na Colônia. Por fim, comentamos os primeiros tratados médicos escritos no Brasil – obras elaboradas por tais profissionais. 1.1 Banco de Dados do DHPB O Banco de Dados do DHPB foi desenvolvido sob a coordenação da Prof a . Dr a . Maria Tereza Camargo Biderman e da Prof a . Dr a . Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa e possui caráter histórico-documental. Sua construção estabeleceu-se como condição necessária à elaboração do Dicionário Histórico do Português do Brasil - séculos XVI, XVII e XVIII (CNPq) (BIDERMAN; MURAKAWA, 2021) – doravante DHPB. Abrangendo um conjunto representativo dos mais 20 variados gêneros de textos escritos que remontam aos três séculos do período colonial brasileiro, essa base de dados documenta a língua portuguesa dessa época bem como parte da história da colonização portuguesa no Brasil. Tal conteúdo permitiu a elaboração de 10.470 verbetes, em que toda definição lexicográfica é acompanhada de exemplos abonados, o que torna a obra um documento comprobatório da língua em uso. Partindo do pressuposto de que “o corpus deve ter uma configuração que permita que ele seja reutilizável, podendo servir a outras pesquisas, além daquela para que foi inicialmente concebido” (BIDERMAN, 2001b, p. 80), essa extensa base de dados, tal como foi idealizada, oferece-se a outros recortes. Não só nossa pesquisa como diversos outros trabalhos têm sido desenvolvidos com base no Banco de Dados do DHPB 1 . A construção do banco de dados, mediante modelo informatizado, iniciou-se a partir da coleta e da seleção de diversos tipos de textos impressos sobre o Brasil Colonial, produzidos por portugueses aqui radicados ou que aqui estiveram, seguindo os pressupostos da Linguística de Corpus e buscando representar uma parte da realidade linguística dos séculos XVI, XVII e XVIII, no Brasil. Assim, o acervo documental com textos de variados gêneros perfaz o período de 1500 a 1808 – um período de 308 anos que se inicia com a Carta de Pero Vaz de Caminha e se encerra com a vinda e o estabelecimento da família real portuguesa no Brasil, devido à invasão napoleônica. Toda a etapa de digitalização, edição, ordenação dos textos, inclusão de ficha catalográfica, conversão de imagens em arquivos de texto, adaptando-os ao formato usado na elaboração dessa base de dados, foi desenvolvida no Laboratório de Lexicografia (LabLex) da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara-SP 2 . A etapa seguinte – de codificação e inserção de todo o conteúdo nos programas computacionais para processamento e gerenciamento de corpus, UNITEX 2.0 e PhiloLogic – foi realizada no Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), em São Carlos-SP. Tais programas permitiram a extração e a seleção da nomenclatura e dos contextos para a montagem do dicionário. O Banco de Dados do DHPB, gerado por meio de tais etapas, integra 7.492.472 ocorrências de palavras, cujo volume de textos somou 23.858 páginas digitalizadas. 1 Faz-se necessário esclarecermos que, desde 2021, tanto o dicionário quanto o corpus do DHPB encontram-se alocados em site próprio, disponível em: https://dicionarios.fclar.unesp.br/dhpb/, acesso em: 07 fev. 2022. No entanto, uma vez que nosso trabalho de pesquisa neste corpus se inicou em 2018, utilizamos a plataforma PhiloLogic até a conclusão deste. 2 Participamos do processo de constituição do corpus e construção do Banco de Dados do DHPB e, posteriormente, da organização, da revisão e da redação dos verbetes do DHPB, na qualidade de prestadora de serviço ao CNPq, durante sete anos (mar./2006 a dez./2012), no Laboratório de Lexicografia, da FCLAr- UNESP. 21 Atualmente, um segundo banco de dados complementa o primeiro, reunindo mais 2.049.249 ocorrências e somando mais 8.009 páginas digitalizadas (BIDERMAN; MURAKAWA, 2021, Apresentação), o que comprova a possibilidade de atualização constante de um corpus, também prevista por Biderman (2001, p. 80). Atualmente, tanto o banco de dados do DHPB quanto o dicionário construído a partir dele estão disponíveis para acesso online. Dentre o copioso volume de textos que compõem o Banco de Dados do DHPB, selecionamos como objeto de nosso estudo as obras intituladas Erário Mineral (1735), Prodigiosa Lagoa (1749) e Governo de Mineiros (1770), elaboradas respectivamente pelos cirurgiões-barbeiros portugueses Luís Gomes Ferreira, João Cardoso de Miranda e José Antonio Mendes, editadas e publicadas pela primeira vez em Lisboa. 1.2 O Brasil Colonial no século XVIII No final do século XVII, a colônia portuguesa sul-americana encontrava-se empobrecida, devido ao declínio da atividade açucareira ameaçada pela concorrência da produção nas Antilhas. Sua sorte era incerta e a solução encontrada pela metrópole foi investir na descoberta e na extração de metais preciosos no interior da Colônia, por meio do envio de ajuda técnica. 1.2.1 O ciclo do ouro André João Antonil (1711) 3 – pseudônimo de João Antônio Andreoni – situa o início das descobertas de ouro no Brasil, em Minas Gerais, entre as regiões dos vales do Rio das Mortes e do Rio Doce, durante o governo de Artur de Sá e Menezes, entre os anos de 1697 e 1702. Laima Mesgravis (2015), por outro lado, relata que na recém-descoberta terra das Américas as primeiras expedições exploradoras portuguesas realizaram tentativas frustradas de busca por sinais de ouro e metais preciosos. Mas que, apesar de fracassarem, tais expedições continuaram a ser incentivadas, já que ocasionalmente eram encontradas pequenas 3 Obra constante do Banco de Dados do DHPB: ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas, e minas; com varias noticias curiosas do modo de fazer o assucar; plantar e beneficiar o tabaco; tirar ouro das minas, e descubrir as da prata; e dos grandes emolumentos, que esta conquista da America Meridional dá ao Reyno de Portugal com estes, e outros gêneros, e contratos reaes. Lisboa: Na Officina Real Deslandesiana, 1711. 22 quantidades do metal em algumas regiões, como a do Rio Ibirapuera e próximas ao pico do Jaraguá, por exemplo. A autora conta que: Quando Portugal perdeu as minas de Monomotapa, na África do Sul, para os reinos negros da região, o governo metropolitano transferiu para a América, por volta de 1580, o aparelhamento humano e técnico que havia empregado na África. Assim, sob a direção de Pero Lopes de Sousa, vieram ao Brasil mineradores e forjadores que se instalaram em São Paulo e ensinaram a outros habitantes como procurar e reconhecer o minério (MESGRAVIS, 2015, p. 80). No século XVII, o bandeirante Fernão Dias Pais Leme foi incumbido pelo Reino de procurar ouro e pedras preciosas em troca de privilégios econômicos e políticos, tendo reunido recursos e se deslocado para a região mais tarde conhecida como Minas Gerais. No entanto, Fernão Dias encontrou somente turmalinas, e a descoberta de ouro, propriamente dita, deu-se em 1696, por seu genro Borba Gato, que mediante o anúncio da localização das minas de Sabará ao rei, recebeu o título de “guarda-mor das minas”. Simultaneamente, foram descobertas as minas da região de Vila Rica por outra bandeira, o que deu origem à “corrida do ouro”, em que milhares de pessoas se deslocaram para a região em busca do metal precioso, desde o final do século XVII, estendendo-se ao século XVIII. Antes relacionada aos engenhos de açúcar situados na zona litorânea nordestina, a economia colonial brasileira sofreu grande transformação com o desenvolvimento da mineração. A disseminação das notícias a respeito das descobertas e dos rendimentos consideráveis das amostras de jazida aurífera estimulou membros de todas as camadas sociais, o que acarretou o deslocamento da população para o interior da Colônia, além de atrair grande número de indivíduos naturais do Reino e de outros países (CANABRAVA, 1967). Sobre este fenômeno, Antonil (1711) atesta que testemunhou a chegada de inúmeras frotas de portugueses e outros imigrantes estrangeiros às Minas Gerais. Assim, o início do século XVIII foi marcado pelo deslocamento da população da Colônia para a região das minas, bem como pela vinda de imigrantes, principalmente portugueses, motivados pela ideia de que, com a descoberta de grandes aluviões de metais preciosos, a Colônia poderia proporcionar-lhes considerável fortuna. No início, entretanto, os mineiros sofreram com a falta de mantimentos, devido ao solo estéril da região. Conforme atesta Antonil (1711, p. 139): 23 SEndo a Terra que dá Ouro eſteriliſſima de tudo o que ſe ha miſter para a vida humana, & naõ menos eſteril a mayor parte dos caminhos das Minas; naõ ſe póde crer o que padecéraõ ao principio os Mineiros por falta de mantimentos, achando-ſe naõ poucos mortos com huma eſpiga de milho na maõ, ſem terem, outro ſuſtento. Para seu sustento surgiram as primeiras estalagens e o comércio foi fortemente estimulado: alimentos, vestuário, escravos, armas e cavalgaduras eram enviados de todas as partes do Brasil e do Reino e vendidos nas minas a preços elevados, caracterizando um período de grande inflação. Desse modo, a região das minas sofreu grande transformação. Da descoberta do ouro ao esgotamento de suas jazidas, a população se concentrou em torno do precioso metal, o comércio se desenvolveu e os arraiais tornaram-se núcleos urbanos e vilas, cuja população, em sua maioria, era composta por imigrantes principalmente portugueses, que vendiam seus bens e partiam para a Colônia em busca de fortuna; por homens livres nascidos na Colônia ou na Metrópole, marginalizados pela estagnação da economia açucareira, e por escravos africanos que não constituíam maioria, mas que devido à forma como se organizava o trabalho, passaram a circular num meio social mais complexo (FURTADO, C., 1986). Em razão das condições precárias em que viviam e trabalhavam muitos deles padeciam de males, muitas vezes, desconhecidos e para os quais nem sempre havia remédio. 1.2.2 A prática médica e os cirurgiões-barbeiros Considerando, assim, o contexto histórico de setecentos no Brasil e o auge do ciclo da mineração, podemos observar que o estado de Minas Gerais com sua densa população serviu de profícua experiência para a observação médica (FURTADO, J., 2005). Entre os imigrantes portugueses, desembarcavam em terras brasileiras cirurgiões e cirurgiões-barbeiros, os quais se tornaram indispensáveis, tendo em vista as condições insalubres de vida na época. A respeito de seu ofício, Furtado (2005) esclarece que praticavam uma medicina contrária à especialização das funções definida na legislação portuguesa, uma vez que desempanhavam atribuições 4 exclusivas de médicos, como prognósticos, curas, teorias sobre as doenças e prescrição de medicamentos; ou restritas a 4 Parte do ramo mais prático da Medicina em Portugal, o ofício desempenhado pelos cirurgiões-barbeiros era o de sangrar, extrair dentes, sarjar, lancetar, aplicar “bichas” (sanguessugas) e ventosas, além de cortar o cabelo e a barba (WISSENBACH, 2002). 24 boticários, como a produção de remédios próprios, o que se justificou não somente pela escassez de medicamentos tradicionais, que dificilmente chegavam às serras mineiras após longas travessias marítimas, como também pela disponibilidade local de ervas, cuja utilização aprendiam, muitas vezes, com os índios e os mestiços. Não se atinham apenas à tradição e às regras dos antigos, mas apoiavam-se na leitura sobre a medicina praticada na Europa e guiavam-se pela experiência da prática médica local e pela observação da evolução das doenças, experimentando e propondo meios de cura. Dentre os imigrantes atraídos pelas descobertas auríferas e, posteriormente, na luta pela ascensão social no Brasil Colonial, destacaram-se os seguintes cirurgiões-barbeiros portugueses e suas obras, elaboradas com a finalidade de associar o tratamento de várias enfermidades 5 aos produtos da terra: Luís Gomes Ferreira, que redigiu o Erário Mineral (1735); João Cardoso de Miranda, autor da Prodigiosa Lagoa descuberta nas Congonhas das Minas do Sabará, que tem curado a varias pessoas dos achaques, que nesta Relação se expõem (1749); e José Antonio Mendes, que escreveu Governo de Mineiros mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez e mais léguas, padecendo por esta causa os seus domésticos e escravos queixas, que pela dilação dos remédios se fazem incuráveis e as mais das vezes mortais (1770). Tais obras caracterizam-se como resultado da prática adquirida pelos autores enquanto cirurgiões-barbeiros, por meio da realização de diversas curas na recém-descoberta região mineradora no interior do Brasil, mais especificamente em Minas Gerais. Em contraposição ao ramo erudito da medicina em Portugal, exercido por médicos formados, tais autores de origem portuguesa aprenderam cedo a arte de cirurgião-barbeiro – ramo mais prático, “desempenhado por cirurgiões, parteiras, barbeiros, que realizavam sangrias e extraíam dentes, e algebristas, que tratavam ossos quebrados e músculos” (FURTADO, J., 2002, p. 3). Luís Gomes Ferreira nasceu na Vila de São Pedro de Rates, na província portuguesa do Douro. Teve contato com o ofício de cirurgião-barbeiro, em Lisboa, onde também concluiu formação no Hospital Real de Todos os Santos, licenciando-se em Cirurgia. Esteve na Bahia, em 1707, para uma curta estada; mais tarde, em 1710, estabeleceu-se nas Minas, também em busca de fortuna, tendo medicado em Sabará, por vinte anos, e em outros sítios da capitania que careciam de ajuda médica (VIOTTI, 2020). 5 Causadas pelas condições precárias de trabalho nas minas, pela falta de higiene, pelo ambiente tropical etc., tais enfermidades encontram-se arroladas e descritas no “Vocabulário das enfermidades, na obra Erário Mineral, de Luís Gomes Ferreira” (DOMLADOVAC-SILVA, 2017), parte de nossa dissertação de Mestrado. 25 João Cardoso de Miranda nasceu na freguesia de São Martinho de Cambres, junto à Lamego. Após especializar-se cirurgião, migrou para o Brasil e medicou entre a Bahia de Todos os Santos e as Minas Gerais, onde atendeu centenas de doentes e escreveu duas obras: a Relação cirúrgica, e médica na qual se trata, e se declara especialmente hum novo methodo para curar a infecção escorbutica (1747) 6 e a Prodigiosa Lagoa (1749) (VIOTTI, 2020). Na primeira, discorreu principalmente sobre sua fórmula para o tratamento do escorbuto, tendo encontrado certa dificuldade em obter licenças para a publicação; na segunda, relatou a eficácia de cura das águas da lagoa de Sabará, não só para uma grave doença dos olhos como também para diversas outras doenças para as quais experimentou significativa melhora (NOGUEIRA, 2011). José Antonio Mendes também se formou em Lisboa, no Hospital Real de Todos os Santos, tendo recebido licença de “cirurgião anatômico”. Quando no Brasil, percorreu o mesmo caminho de Miranda, estabelecendo-se inicialmente na Bahia e depois nas Minas Gerais. Chegou a comissário geral do cirurgião-mor na América, o que o fez, além de vistoriar hospitais e fiscalizar boticas periodicamente, conhecer o tipo de assistência disponível aos habitantes da Colônia. Publicou, em 1770, o Governo de mineiros, em que são apontadas as infecções escorbúticas, além do tratamento proposto por Miranda (VIOTTI, 2020). Em consequência da baixa renda pecuniária, da ausência de médicos, da falta de saneamento e, inclusive, do aumento da população, as condições de vida nas minas resultaram precárias, propagando-se assim inúmeras enfermidades, o que contribuiu para que os cirurgiões voltassem a praticar seu ofício. Entretanto, os medicamentos trazidos do Reino eram disponibilizados a preços exorbitantes e muitas vezes estragavam devido ao longo período de transporte ou mesmo pelo armazenamento indevido ou por passarem muito tempo nas boticas. As vilas onde estavam localizadas as boticas distavam muito dos arraiais, o que poderia colocar em risco a vida dos doentes, não somente pela demora, mas também pela ameaça de adquirirem outras doenças no caminho. Além disso, devido à diferença do clima e às más condições de moradia e trabalho, havia especificidades das doenças, para as quais o conhecimento adquirido em Portugal não era suficiente. 6 Obra constante do Banco de Dados do DHPB: MIRANDA, João Cardoso de. Relação cirurgica, e medica, na qual se trata, e declara especialmente hum novo methodo para curar a infecção escorbutica, ou mal de Loanda, e todos os seus productos, fazendo para isto manifestos dous especificoe, e mui particulares remedios. Lisboa: Na Officina de Manoel Soares, 1747. 26 Os cirurgiões-barbeiros inferiram que as doenças da região requeriam diferentes tipos de tratamentos e buscaram na cultura popular as ervas e os produtos locais, integrando-os à farmacopeia do Reino. Suas referências eram tanto a obra do médico da família real portuguesa João Curvo Semedo (1635-1719) (FURTADO, J., 2005), como suas amizades com outros cirurgiões, herbolários, químicos e farmacêuticos, que lhes instruíram sobre as características especiais das doenças e a necessidade de se incluírem ervas locais em seu tratamento. Viotti (2020, p. 196) atesta que Considerar as particularidades do doente mostrava-se, pois, um pressuposto para o sucesso das curas. Isso porque havia condições que poderiam potencializar ou mesmo causar a intercorrência de algum achaque, como a ingestão prévia de algum alimento ou um sintoma diferente do estabelecido na “cartilha” dos doutores, do mesmo modo que havia morbidades que se manifestavam de forma mais acentuada ou exclusiva em uma “classe” de pessoas. Os tratados médicos escritos pelos cirurgiões-barbeiros advêm dessa prática e do entendimento de que as doenças que se manifestavam nas Minas exigiam tratamentos diferentes dos que eles já conheciam e dominavam. 1.2.2.1 Os Tratados Médicos Surge, então, nas Minas do século XVIII, uma medicina empírica, mais popular e prática, em cuja descrição destacam-se os autores e as respectivas obras que compõem nosso corpus de estudo. Assim, [...] ao contrário do [que] ocorrera nos séculos anteriores no Brasil, os tratados médicos redigidos sobre a experiência adquirida na capitania do ouro não foram escritos por médicos formados, mas sim por cirurgiões, ou cirurgiões-barbeiros. Homens práticos, eles aliavam a arguta observação dos casos que assistiam à medicina erudita apreendida nos livros e, dessa mescla, produziam um novo conhecimento que oscilava entre o popular e o erudito (FURTADO, J., 2005, p. 90). Tais obras comprovam a ousadia de seus autores, que desconsiderando a prerrogativa dos médicos e o privilégio dos boticários, receitavam a ingestão de medicamentos e descreviam suas fórmulas e métodos de fabricação. Em razão de sua formação como cirurgiões julgavam-se mais bem preparados que os barbeiros sem nenhuma formação, até 27 então, responsáveis pela realização de tais práticas. Foram precursores, à época, em reunir conselhos práticos concernentes a uma medicina caseira baseados na doutrina galênica 7 , não tendo alcançado, no entanto, grande repercussão na ciência médica erudita do período (FURTADO, J., 2005). Ferreira, Miranda e Mendes, juntamente às suas respectivas obras, destacam-se no contexto da mineração, nas Minas Gerais do século XVIII, por relatarem a vivência e o cotidiano marcado pelo trabalho exaustivo da atividade mineradora e suas consequências à saúde dos trabalhadores e dos escravos, “mesclando conhecimentos eruditos e empíricos sobre as doenças e as práticas de cura” (ABREU, 2013, p. 22-23). Seus pacientes – em geral, escravos – viviam em péssimas condições de alimentação, trabalho e moradia, e eram enviados aos cirurgiões-barbeiros pelos seus senhores para que se restabelecessem dos diversos achaques que os molestavam. E assim, buscando conhecer a especificidade das doenças e dos tratamentos locais, esses cirurgiões-barbeiros estabeleceram, no Brasil, um tipo de medicina tropical. Registraram em seus manuais de medicina doméstica suas experiências no período em que estiveram na Colônia, contribuindo para a configuração de uma medicina tropical de base empírica, fundada pela atuação de cirurgiões-barbeiros e boticários, que inseriam elementos naturais da Capitania nas receitas de seus remédios (FURTADO, J., 2005). Chernoviz (1879, p. 23, grifo do autor) explica que os medicamentos dividiam-se em: [...] officinaes ou magistraes. Chamão-se officinaes os medicamentos que devem achar-se já promptos nas boticas, como xaropes, vinhos, extractos, tinturas, conservas, emplastos, unguentos, etc. Estes podem conservar-se por muito tempo, e alguns até mais de um anno. Suas receitas estão inseridas em obras especiaes chamadas Pharmacopéas ou Codigos pharmaceuticos; forão estabelecidas estas receitas quer por uma junta de medicos, quer por autores de nomeada, e achão-se sanccionadas por lei ou pela maior parte dos medicos do paiz. Chamão-se medicamentos magistraes ou extemporaneos, os que não são preparados senão segundo as formulas de cada medico, e quando os doentes precisão d’elles, e são: poções, cozimentos, emulsões, pílulas, collyrios, linimentos, cataplasmas, etc. Estes não podem, em geral, conservar-se por muito tempo sem se alterarem. 7 De Galeno, médico grego de grande importância depois de Hipócrates, cuja influência é permanente na obra de Luís Gomes Ferreira. Baseada na teoria dos humores, sua medicina tratava a doença pelo seu oposto, adaptando- a ao clima e às condições locais. Assim, concluiu que os tratamentos a serem ministrados nas Minas – região de clima frio – deveriam basear-se em produtos quentes (FURTADO, J., 2002). 28 Passamos, a seguir, a uma breve explanação do conteúdo de cada obra que perfaz o corpus de nosso estudo. Além da folha de rosto em que constam dados relevantes à identificação das obras, outras partes merecem ser comentadas. Na folha de rosto do Erário Mineral (FERREIRA, 1735) (figura 1), por exemplo, encontramos informações, como título, indicações sobre a divisão da obra, a quem é dedicada, dados sobre o autor, local, data de impressão e licenças. Figura 1: Folha de rosto da obra Erário Mineral Fonte: Ferreira (1735). No início da obra, podemos notar o emprego do discurso laudatório em uma nobre carta-dedicatória do autor em louvor “à Purissima Virgem Maria Nossa Senhora da Conceyçaõ, mãy advogada de todos os peccadores” como forma de “mais a reſtituir, que a offerecer”, uma vez que se considera seu “fiel eſcravo” (FERREIRA, 1735, Carta- dedicatória). No “Prologo ao Leytor”, entretanto, o autor aproxima-se do leitor mediante o emprego de uma linguagem mais coloquial, persuadindo-o a aceitar o texto e a não interpretar mal sua obra. Em tom irônico, repreende o leitor crítico, alegando que muitas vezes este impede a publicação de obras úteis à sociedade, uma vez que intimida possíveis autores (MUZZI, 2002). 29 Após as licenças necessárias a qualquer publicação durante a Inquisição – “do Santo Officio”, “do Ordinario” e “do Paço” –, são anexados poemas dedicados à obra e a seu autor, com a finalidade de proteger o texto contra a crítica e a censura, comuns no período, codificando-o segundo os pressupostos culturais e ideológicos da época (MUZZI, 2002). Essa estratégia é denominada paratexto e é utilizada por Gomes Ferreira para defender-se em relação aos seus escritos perante possíveis críticas ao caráter prático e empírico de sua condição de cirurgião-barbeiro: “Eſcrevo obſervaçoens, e naõ autoridades” (FERREIRA, 1735, Prólogo). Tal estratégia pode ser observada no próprio título da obra, uma vez que o significado de “erário”, por extensão a “tesouro público” ou “fisco” remete a recurso público e valoroso. Ou igualmente no prólogo, quando Ferreira (1735) esclarece seu objetivo: “remediar” a necessidade de médicos em “tão remotas partes”. Na sequência, o “Index dos tratados e capitulos, que contém eſte livro” e o “Indice das observaçoens, que ſe contém neſte livro” são acompanhados de alguns comentários do autor em relação a cada tratado que compõe a obra. Por fim, no “Proemio”, o autor explicita o conteúdo da obra, exemplificando suas experiências práticas com a Medicina e a Cirurgia e induzindo o leitor à apreciação de seu tesouro. É conveniente ressaltar que no Banco de Dados do DHPB não foi contemplada a parte que antecede o texto principal do Erário Mineral, somente o texto principal foi selecionado na fase de coleta dos textos para a montagem do banco de dados. Utilizamos em nosso trabalho, entretanto, a versão digitalizada do original da obra (1735), bem como a versão organizada por Júnia Ferreira Furtado (2002), que além de reeditar a obra completa em linguagem moderna, traz ainda a contribuição de outros teóricos, por meio de estudos críticos acrescidos ao volume. Essa versão oferece ainda um glossário definido como “observações sobre o universo vocabular médico-cirúrgico do Erário Mineral, de Luís Gomes Ferreira”, do qual também fazemos uso; um “glossário de termos médicos, cirúrgicos, químicos e farmacêuticos”; além de um “glossário de médicos”, onde se encontram elencados os diversos autores antigos citados por Ferreira, no Erário Mineral. 30 Na figura 2, a seguir, apresentamos a folha de rosto da Prodigiosa Lagoa descuberta nas Congonhas das Minas do Sabará, que tem curado a varias pessoas dos achaques, que nesta Relação se expõem (MIRANDA, 1749), onde também encontramos informações sobre sua identificação, como título, local, data de impressão e licenças. Figura 2: Folha de rosto da obra Prodigiosa Lagoa Fonte: Miranda (1749). Várias enfermidades curadas pelas águas da Lagoa Grande, de Sabará – mais tarde conhecida como Lagoa Santa – encontram-se arroladas nesta obra de João Cardoso de Miranda. O contato do cirurgião com a lagoa deu-se em função de curar uma grave doença dos olhos, para a qual observou rápida e eficaz melhora (NOGUEIRA, 2011). Ademais, conforme relata Murakawa (2013, p. 89), “da leitura do relato, depreende-se que o cirurgião Cardoso de Miranda tomou conhecimento de todos os fatos a partir das anotações feitas pelo Pe. Pedro de Miranda [...]”. Este, por sua vez, soube dos efeitos positivos das águas da lagoa por parte do proprietário da engenhoca localizada próxima ao desaguadouro da lagoa, que havia curado um “formigueiro” banhando-se em suas águas. A notícia sobre a eficácia das águas da lagoa de Sabará espalhou-se rapidamente e, mediante a examinação da composição destas, constatou-se a presença de quantidade considerável de vitríolo (denominação popular dos sulfatos) e aço, substâncias utilizadas 31 como remédios para o tratamento de diversas enfermidades, por meio do uso tanto externo quanto interno de tais águas. O cirurgião-barbeiro experimentou, mais tarde, as virtudes das águas da lagoa na cura de diversas outras doenças relacionadas à vida e ao trabalho dos escravos nas minas e propôs- se a escrever um relato em reverência a tais virtudes. Destarte, Miranda descreve fisicamente a Lagoa Grande, além de enumerar a eficácia e o uso de suas águas para diversas doenças. Menciona os atributos naturais da lagoa, que se mostrava amena e constante independentemente das mudanças climáticas. Segundo Nogueira (2011, p. 37), o título da obra associa “as características naturais da lagoa e as bênçãos provedoras do céu”, uma vez que o emprego do adjetivo “prodigiosa” remete a “extraordinário, maravilhoso, milagroso” (SILVA, 1789, v. 2, p. 508). Nogueira ainda acrescenta que A crença nas “águas santas” possui vínculo direto com os usos e explicações do sobrenatural cristão como recurso de cura. Não raro eram receitados em tratados médicos do período sacramentos como o batismo ou a aplicação de água benta como parte da terapia, num mundo que aproximava organicamente doenças e feitiços; curas e intercessão divina (NOGUEIRA, 2011, p. 37). Nas últimas quinze páginas de sua obra, Miranda relata as primeiras 112 curas operadas pelas águas da “prodigiosa lagoa”, listando “cuidadosamente o nome, a idade, a procedência, a doença e a quantidade de banhos necessários para a melhora ou cura definitiva das pessoas que procuraram a lagoa” (NOGUEIRA, 2011, p. 41). De acordo com Murakawa (2013, p. 99), o objetivo de Miranda neste relato foi expor as propriedades curativas das águas da Lagoa Grande, não tendo mencionado nenhum medicamento que pudesse ser aplicado às enfermidades descritas. Entretanto, quando fala em “remédios frescos” ou “purgas”, “certamente, refere-se o autor àqueles preparados com a variedade de ervas que encontrou na capitania”. 32 Por fim, apresentamos na figura 3 a folha de rosto da obra Governo de Mineiros mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez, e mais léguas, padecendo por esta causa os seus domésticos e escravos queixas, que pela dilação dos remédios se fazem incuráveis, e a mais das vezes mortais (MENDES, 1770), com as informações sobre o título, a divisão da obra, a quem é dedicada, dados sobre o autor, local, data de impressão e licenças. Figura 3: Folha de rosto da obra Governo de Mineiros Fonte: Mendes (1770). Em relação a essa obra, Viotti (2020, p. 193) declara que “pelo seu extenso título, transparece a intenção do autor em produzir uma espécie de manual para auxiliar diretamente os que, constantemente, não podiam contar com a assistência de profissionais da saúde”. O tratado é introduzido por um soneto laudatório, do capitão-mor José Xavier de Valladares e Souza, em que são descritos “os problemas que, entre outros fatores, motivaram a seu autor a elaborá-lo, bem como as expectativas dele concorrer para diminuição dos sofrimentos provocados por tantas moléstias que grassavam na Colônia” (EUGÊNIO, 2009, p. 233). No Proêmio da obra, Mendes justifica sua elaboração, cujo intuito era expor o preparo e o uso de remédios contra as enfermidades que acometiam a população das minas. E, ao 33 longo dos quinze capítulos, em que se divide sua obra, o cirurgião lista “algumas das principais doenças da população em geral e, em particular, as dos negros” (EUGÊNIO, 2009, p. 234). Assim como Ferreira e Miranda, José Antonio Mendes também pretendia informar os senhores a respeito dos tratamentos disponíveis aos escravos, que trabalhavam arduamente na mineração e em outros serviços pesados. Em seu manual, versou não somente sobre o escorbuto, mas também sobre outros achaques, como erisipela, tumores, edemas, carbúnculo, doenças intestinais, além de ferimentos em geral. E é assim, abordando o cotidiano dos escravos, o tráfico negreiro, o sistema de mineração, as crenças, a alimentação, a vida familiar da época, entre outros temas, que esses cirurgiões trazem em seus tratados de medicina informações sobre as doenças, as práticas curativas, os remédios disponíveis, os costumes e outras características do Brasil e da região das Minas Gerais (FURTADO, 2005). Destarte, conclui Viotti (2020, p. 194) que: Ferreira discorre longamente sobre os envenenamentos e as pontadas, Miranda dá atenção aos males dos olhos (oftalmias, chagas na córnea, névoas, leucomas), Mendes fala do fleimão, uma espécie de abcesso infeccionado [...] As doenças que se manifestavam na pele, ao que parece, muito recorrentes em toda sorte de habitantes das Minas, mereceram a atenção de Ferreira, Miranda e Mendes: relatos e prescrições sobre chagas diversas, bexigas, sarampos, icterícias e feridas abundam nos manuais. A sistematização e a organização das informações e do conhecimento – com vistas à elaboração de um vocabulário especializado – em relação à farmacopeia, ou “arte de preparar e compor medicamentos, ou livro que a ensina” (HOUAISS, 2009) empregada na cura das enfermidades presentes no contexto da mineração do século XVIII, nas Minas Gerais do Brasil Colonial – justificam a escolha de tais obras, que constituem alguns dos primeiros tratados de Medicina escritos em língua portuguesa. As obras de Ferreira (1735), Miranda (1749) e Mendes (1770), verdadeiros inventários médicos, atestam que já havia uma prática médica, no período do Brasil Colonial, realizada por cirurgiões ou cirurgiões-barbeiros, uma vez que estes partem de uma descrição criteriosa dos males frequentes em Minas Gerais, das experiências na cura e de uma importante relação de medicamentos utilizados na época com suas respectivas funções. 34 Apresentada a contextualização social e histórica do corpus de estudo, passemos aos pressupostos teóricos que orientam a escrita de nossa tese de Doutorado. 2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 36 Nesta seção, apresentamos os princípios teóricos que regem a elaboração de nossa tese de doutoramento. Discorremos brevemente sobre o léxico e as ciências que o abarcam: Lexicologia, Lexicografia e Terminologia. Justificamos, em seguida, o protótipo de um vocabulário de especialidade, explanando nossa proposta por meio das teorias da Lexicografia de Especialidade e da Terminologia/ Terminografia. Suscitamos assim a discussão sobre as divergências e congruências existentes entre tais termos, e manifestamos nossa posição em relação à qual das teorias oferece melhor suporte teórico ao estudo de um vocabulário de especialidade. Por fim, dissertamos sobre a teoria dos campos lexicais, enquanto aporte teórico para a macroestrutura de nosso vocabulário. 2.1 Léxico e Ciência Denomina-se léxico o universo de palavras que os falantes têm à sua disposição para se expressar, isto é, o repertório vocabular pertencente a um determinado estado da língua. O léxico pode ser considerado a riqueza vocabular de uma comunidade linguística através de sua história, uma vez que, segundo Biderman (2001b), o sistema léxico de uma língua representa a experiência cultural acumulada por uma sociedade no decorrer do tempo. A autora afirma também que O léxico de uma língua natural constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo. Ao dar nomes aos seres e objetos, o homem os classifica simultaneamente. Assim, a nomeação da realidade pode ser considerada como a etapa primeira no percurso científico do espírito humano de conhecimento do universo. Ao reunir os objetos em grupos, identificando semelhanças e, inversamente, discriminando os traços distintivos que individualizam esses seres e objetos em entidades diferentes, o homem foi estruturando o mundo que o cerca, rotulando essas entidades discriminadas. Foi esse processo de nomeação que gerou o léxico das línguas naturais (BIDERMAN, 2001a, p. 13) Trata-se de um sistema aberto em constante evolução – gradualmente e de maneira quase que imperceptível algumas palavras caem em desuso, outras se integram à língua e outras sofrem mudança de sentido. Tal flexibilidade dificulta a apreensão e a descrição do léxico em sua totalidade, pois 37 [...] como o léxico está em perpétua mutação e movimento, acompanhando as mudanças socioculturais, nenhum dicionário conseguirá registrar fidedignamente esse acervo, pois as unidades complexas encontram-se em estágios diferentes de cristalização (BIDERMAN, 1996, p. 34). A utilização que um indivíduo usuário da língua faz do léxico está diretamente ligada à formação de seu vocabulário. Caracterizam o vocabulário individual a seleção e o emprego que o indivíduo faz desse acervo aberto de palavras disponíveis em seu idioma. Concernente a essa relação, Biderman (1996, p. 27) esclarece: [...] o vocabulário exerce um papel crucial na veiculação do significado, que é, afinal de contas, o objeto da comunicação lingüística. A informação veiculada pela mensagem faz-se, sobretudo, por meio do léxico, das palavras lexicais que integram os enunciados. Sabemos, também, que a referência à realidade extralingüística nos discursos humanos faz-se pelos signos lingüísticos, ou unidades lexicais, que designam os elementos desse universo segundo o recorte feito pela língua e pela cultura correlatas. Assim, o léxico é o lugar da estocagem da significação e dos conteúdos significantes da linguagem humana. A autora ainda observa que Por outro lado, o léxico está associado ao conhecimento, e o processo de nomeação em qualquer língua resulta de uma operação perceptiva e cognitiva. Assim, no aparato lingüístico da memória humana, o léxico é o lugar do conhecimento, sob o rótulo sintético de palavras - os signos lingüísticos (BIDERMAN, 1996, p. 27). Assim, dentro do léxico de uma determinada língua, cada indivíduo falante desta detém apenas uma parcela do léxico total; são as intersecções (“microssistemas léxicos”) existentes entre os repertórios lexicais de cada um que tornam possível a comunicação entre si (BIDERMAN, 2001b, p. 180), além de demonstrarem a complexidade de descrição do vocabulário. Em suma, “[...] léxico é o conjunto abstrato das unidades lexicais da língua; vocabulário é o conjunto das realizações discursivas dessas mesmas unidades” (BIDERMAN, 1996, p. 32). A incessante expansão do léxico bem como sua especialidade está diretamente ligada à evolução técnica e científica, uma vez que novos termos surgem a fim de darem conta da designação de novas realidades. Concernente a esse processo, Biderman (2001a, p. 15) observa que 38 [...] cada comunidade humana que forja o seu instrumental lingüístico para designar conceitos novos utiliza o modelo lingüístico herdado por seu grupo social. Assim os termos técnico-científicos são gerados com base na lógica da língua em questão, segundo os padrões lexicais nela existentes. As ciências do léxico – a Lexicologia, a Lexicografia, a Terminologia e a Terminografia – têm como objeto de estudo o léxico, e como finalidade sua descrição. Sumariamente, de acordo com uma visão linguística mais tradicional, a Lexicologia se ocupa do estudo científico do vocabulário; a Lexicografia, da análise linguística para a confecção de dicionários; e a Terminologia, de um subconjunto do léxico de uma língua, ou cada área específica do conhecimento humano (DUBOIS et al., 2006). Sob esse ponto de vista, a Lexicografia seria considerada a parte aplicada da Lexicologia – sua base teórica –, assim como a Terminografia em relação à Terminologia. Em concepções mais atuais, entretanto, Lexicologia e Lexicografia são compreendidas “como ciências independentes, de modo que trabalhos e produtos lexicológicos não precisam ser necessariamente lexicográficos e vice-versa” (COSTA, 2015b, p. 17). No entanto, é mais difícil compreender tal questão no âmbito da Terminologia e da Terminografia, uma vez que essa separação não se dá tão claramente por seus processos e produtos estarem sempre interrelacionados (COSTA, 2015b). Uma vez que consideram a dimensão significativa da palavra, tais disciplinas fazem fronteira com a Semântica – disciplina à qual se atribui o estudo das significações linguísticas. Essas, por sua vez, são incessantemente geradas a partir da junção dos eixos paradigmático e sintagmático, responsáveis pela complexidade das redes semântico-lexicais em que se estrutura o léxico. De acordo com Matoré (1953) o objetivo da Lexicologia é particular, parte do estudo do vocabulário para tentar explicar uma sociedade. O autor afirma que a Lexicologia pode ser definida como uma disciplina sociológica que utiliza as palavras enquanto material linguístico. Desta forma, as palavras são consideradas por ele como o reflexo de um estado da sociedade. Cambraia (2013, p. 183) afirma que, apesar das lacunas encontradas na teoria de Matoré, “é possível, sim, articular critérios internos (semânticos) e externos (sociais) para representar a estrutura do léxico de uma época [...]”. Na mesma linha, Abbade (2011, p. 1332) assevera: Cada palavra selecionada nesse processo [do discurso] acusa as características sociais, econômicas, etárias, culturais... de quem a profere. 39 Partindo dessa premissa, estudar o léxico de uma língua é abrir possibilidades de conhecer a história social do povo que a utiliza. Biderman (2001a, p. 17) esclarece que, em relação à língua portuguesa, a “Lexicografia só começou, de fato, nos séculos XVI e XVII com a elaboração dos primeiros dicionários monolíngues e bilíngues” e que, no português, os dicionários técnico-científicos “são obra do século XX”. Tocante à concepção do termo terminologia, Cabré (1999) afirma ser polissêmico, uma vez que tanto pode designar uma disciplina que se ocupa dos termos especializados, uma prática representada pelo conjunto de princípios designados à recopilação de termos, ou ainda o produto resultante dessa prática, correspondente ao conjunto de termos de uma determinada especialidade. Nossa pesquisa apoia-se sobre a terceira acepção, uma vez que tem como objeto de estudo último a terminologia entendida como vocabulário prototípico de uma área de especialidade. A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) apresentada por Cabré concebe o termo enquanto unidade linguística que exprime conceitos técnicos e científicos, mas que não deixa de ser signo de uma língua natural (geral). A esse respeito, acrescenta Marzá (2012, p. 103, tradução nossa): [...] as linguagens de especialidade poderiam ser definidas como subconjuntos da língua (variedades funcionais ou registros), parcialmente coincidentes com a língua comum e que são utilizadas como instrumento de comunicação formal e funcional entre especialistas de um determinado assunto 1 . Considerando a dimensão textual e discursiva e admitindo a variação conceptual e denominativa dos termos, Cabré (1999) apresenta alguns princípios e condições, nos quais baseia sua reflexão teórica para propor uma visão alternativa de estudo das unidades terminológicas. Dentre eles, ressaltamos o “princípio da poliedricidade do termo”, de acordo com o qual as unidades terminológicas são multifacetadas, pois integram ao mesmo tempo aspectos linguísticos, cognitivos e sociais. Sob o ponto de vista da TCT, fora do contexto as unidades lexicais não são “nem palavras, nem termos, mas somente potenciais termos ou não-termos [...] o caráter de termo é ativado em função de seu uso em contexto e situação adequados” (CABRÉ, 1999, p. 123, 1 […] los lenguajes de especialidad podrían definirse como subconjuntos de la lengua (variedades funcionales o registros), parcialmente coincidentes con la lengua común y que se utilizan como instrumento de comunicación formal y funcional entre especialistas de una determinada materia (MARZÁ, 2012, p. 103). 40 tradução nossa) 2 . Acordes com o raciocínio de Cabré (1999, p. 123, tradução nossa, grifo da autora) entendemos que: Os termos são unidades lexicais, ativadas distintamente por suas condições pragmáticas de adequação a um tipo de comunicação. Compõem-se de forma ou denominação e de significado ou conteúdo. A forma é constante; mas o conteúdo se distingue pelo modo de seleção de traços adequados a cada tipo de situação e é determinado pelo contexto, pelo tema, pela perspectiva de abordagem do tema, pelo tipo de texto, pelo emissor, pelo destinatário e pela situação 3 . Julgamos relevante também a “condição de especialização”, apontada por Cabré (1999), segundo a qual o grau de especialização de um texto assenta-se no modo como ele conduz sua temática, condicionando tanto sua densidade terminológica, como a variação expressiva para referir-se a um mesmo conceito. 2.1.1 Vocabulário de Especialidade Considerando a intenção de apresentarmos um vocabulário de especialidade e o propósito da Terminologia de atender às necessidades específicas de um domínio, tomamos por vocabulário a lista total das ocorrências que figuram em nosso corpus de estudo (DUBOIS et al., 2006) e, a partir desta lista, efetuamos um recorte do léxico relativo aos elementos pertencentes ao domínio da “farmacopeia” 4 , tal como figuram em documentos do século XVIII. A partir de uma perspectiva histórica, tais unidades foram organizadas em campos lexicais, de acordo com a teoria de Coseriu (1977), sobre a qual discorremos no subitem 2.2 deste capítulo. Elaboramos assim um protótipo de vocabulário da farmacopeia, em que contemplamos as 33 primeiras unidades lexicais especializadas referentes ao campo lexical dos “remédios”, isto é, <> (BLUTEAU, 1712-1728, v. 7, p. 232) e ao microcampo lexical dos “símplices”, ou <> (BLUTEAU, 1712-1728, v. 7, p. 650) (v. Capítulo 4). 2 [...] ni palabras ni términos sino sólo potencialmente términos o no términos [...]. El carácter de término lo activan en función de su uso en un contexto y situación adecuados (CABRÉ, 1999, p. 123). 3 Los términos son unidades léxicas, activadas singularmente por sus condiciones pragmáticas de adecuación a un tipo de comunicación. Se componen de forma o denominación y significado o contenido. La forma es constante; pero el contenido se singulariza en forma de selección de rasgos adecuados a cada tipo de situación y determinado por el ámbito, el tema, la perspectiva de abordaje del tema, el tipo de texto, el emisor, el destinatario y la situación (CABRÉ, 1999, p. 123). 4 Ou, conforme mencionado anteriormente: “arte de preparar e compor medicamentos, ou livro que a ensina” (HOUAISS, 2009). 41 Acordes com os critérios de Haensch et al. (1982) para a tipologia de obras lexicográficas podemos afirmar que o vocabulário da farmacopeia caracteriza-se, formalmente, como obra lexicográfica de caráter linguístico, monolíngue, de extensão reduzida, cuja descrição semântica resulta da informação reunida por meio da utilização de um corpus. Registra um subconjunto léxico com marcação diatécnica, codificação seletiva, que segue o critério cronológico sincrônico, uma vez que destaca uma seleção do vocabulário de uma língua, em um momento determinado. Para a organização da macroestrutura do vocabulário que ora propomos recorremos ao princípio da onomasiologia, uma vez que aplicando a teoria dos campos lexicais (COSERIU, 1977) partimos dos conceitos (significados, ideias) para chegar às unidades lexicais correspondentes (significantes, palavras). Segundo Castillo Carballo (2003, p. 85, tradução nossa), a finalidade do critério onomasiológico “é a codificação, na medida em que ajuda o usuário a dispor dos vocábulos que designam com exatidão as ideias que quer expressar” 5 . Nesse tipo de agrupamento, é primordial que se considerem as associações existentes entre conteúdos, não somente da perspectiva da língua, mas também das coisas (HAENSCH et al., 1982). Por outro lado, a microestrutura de nosso trabalho segue a ordenação semasiológica, em que se parte do signo em busca da indicação dos conceitos. Cada campo ou microcampo lexical reúne as respectivas unidades lexicais especializadas, isto é, os verbetes com o lema (definiendum) e as informações lexicográficas (definiens), em ordem alfabética. A organização das informações relativas à farmacopeia aplicada nas enfermidades comuns ao contexto aurífero das Minas Gerais do século XVIII fundamenta, portanto, nossa proposta de elaboração de um vocabulário de especialidade. Desta maneira, adentramos a uma parte da Lexicografia denominada Lexicografia de Especialidade, que para alguns autores é considerada uma disciplina com características semelhantes à Terminografia, no entanto diferente desta; para outros estudiosos é considerada totalmente semelhante à Terminografia. Vejamos, a seguir, alguns pontos de vista em relação a essa discussão, bem como nossa posição sobre qual teoria se adequa melhor ao nosso trabalho. 5 “[…] es la codificación, en la medida en que ayuda al usuario a disponer de los vocablos que designam con exactitud las ideas que quiere expresar” (CASTILLO CARBALLO, 2003, p. 85). 42 2.1.2 Lexicografia de Especialidade versus Terminografia Tendo em vista que em nossa dissertação de Mestrado (cf. DOMLADOVAC-SILVA, 2017) tratamos do léxico específico de um domínio, versando sobre a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), de Cabré (1999), sentimos necessidade de aprofundar a discussão sobre as relações entre os conceitos de Lexicografia de Especialidade e Terminologia/ Terminografia. Abordaremos, assim, nesta subseção a trajetória da discussão de tais conceitos e de que modo estes se relacionam com o vocabulário especializado proposto. Conforme coloca Costa (2015a, p. 44): Para alguns, Lexicografia Especializada e Terminografia são técnicas, ciências ou disciplinas independentes, para outros são técnicas que, embora diferentes, possuem pontos de intersecção, e há ainda os que afirmam que são sinônimos, isto é, variantes denominativas para uma mesma atividade. Schierholz (2012), ao suscitar a discussão sobre as diferenças e semelhanças entre Lexicografia de Especialidade e Terminografia, assume o ponto de vista de que tais atividades são paralelas tanto na prática quanto na teoria. O autor afirma que, Segundo uma antiga concepção, o trabalho com dicionários de especialidade é constituído de duas atividades: o lexicógrafo deve reunir o léxico de especialidade em ordem alfabética e da forma mais completa possível, enquanto o terminólogo deve desenvolver e comparar os campos conceituais [...]. Portanto, todo lexicógrafo de especialidade deveria ser tanto um lexicógrafo quanto um terminólogo (SCHIERHOLZ, 2012, p. 383). Nesse sentido, Marzá (2012, p. 111, tradução nossa) esclarece que, Se entendêssemos a lexicologia (e sua vertente aplicada, a lexicografia) e a terminologia (e sua vertente aplicada, a terminografia) como disciplinas linguísticas independentes, e entendêssemos que, como afirmava Wüster (1979), ambas lidam com diferentes objetos de estudo – as palavras, no caso da lexicologia, e os conceitos (representados por termos), no caso da terminologia – e usam diferentes abordagens – a terminologia deve ir do conceito ao termo (enfoque onomasiológico) e a lexicologia, do termo ao conceito (enfoque semasiológico) – então, faria sentido separar taxativamente a lexicologia da terminologia (e o mesmo em relação às suas vertentes aplicadas) 6 . 6 Si entendiéramos la lexicología (y su vertiente aplicada, la lexicografía) y la terminología (y su vertiente aplicada la terminografía) como disciplinas lingüísticas independientes y entendiéramos que, tal y como afirmaba Wüster (1979), ambas tratan objetos de estudio distintos – las palabras en el caso de la lexicología y los conceptos (representados por términos) en el caso de la terminología – y utilizan enfoques distintos –la terminología debe ir del concepto al término (onomasiológico) y la lexicología del término al concepto 43 Contrários à posição mais tradicional de Schierholz (2012), Bergenholtz e Tarp (2010) defendem a opinião de que Lexicografia Especializada e Terminografia estão em posição de equivalência enquanto única disciplina com denominações diferentes. Também reforça tal pensamento Finatto (2014, p. 248), quando afirma que “Terminografia é um sinônimo para Lexicografia Especializada ou Lexicografia de Linguagem Especial” 7 . Com base na discussão abordada nos subitens anteriores para o estabelecimento do que vem a ser o léxico de especialidade, não teria sentido contrapormos os conceitos de Terminografia e Lexicografia de Especialidade, uma vez que tal ponto de vista conceberia a Terminologia como uma disciplina independente e diferenciada da Lexicologia, e com um objeto de estudo particular. Dessa maneira, associamos tais conceitos e adotamos mais uma vez o pensamento de Marzá (2012, p. 110-111, tradução nossa), ao considerar que [...] a terminologia pode ser explicada a partir da linguística e, mais precisamente da lexicologia, e tanto o objeto de estudo – no caso de se querer dividi-lo – da lexicologia quanto da terminologia pertencem à linguagem natural e, portanto, inserem-se no campo de estudo da linguística; além disso, a condição de termo pode ser explicada a partir da ativação de uma série de características semânticas das unidades lexicais quando utilizadas em contextos de especialidade, e a distinção na metodologia utilizada na elaboração dos respectivos produtos terminográficos e lexicográficos (a tradicional dicotomia entre as abordagens onomasiológica e semasiológica, respectivamente) não é válida na perspectiva aqui adotada e que faz uso de corpus textual 8 . Acompanhando o raciocínio da autora, também julgamos artificial e desnecessária a distinção tradicional entre Lexicologia ↔ Terminologia/ Lexicografia ↔ Terminografia. Destarte, apoiados na TCT de Cabré e em sua concepção linguístico-comunicativa, defendemos uma abordagem da Terminologia a partir da Lexicografia. Dessa maneira, a denominação comum – “Lexicografia de Especialidade, ou seja, uma lexicografia que estuda (semasiológico) – entonces tendría sentido separar taxativamente la lexicología de la terminología (y lo mismo respecto a sus vertientes aplicadas) (MARZÁ, 2012, p. 111). 7 Terminography is a synonym for Specialized Lexicography or Special-Language Lexicography (FINATTO, 2014, p. 248). 8 [...] la terminología puede explicarse desde la lingüística y, más exactamente desde la lexicología y que tanto el objeto de estudio – en caso de querer parcelarlo – de la lexicología como de la terminología pertenecen al lenguaje natural y por tanto entran dentro del campo de estudio de la lingüística; además, la condición de término puede explicarse a partir de la activación de una serie de rasgos semánticos de las unidades léxicas cuando éstas se utilizan en contextos de especialidad y la distinción en la metodología utilizada en la elaboración de los respectivos productos terminográficos y lexicográficos (la tradicional dicotomía entre los enfoques onomasiológico y semasiológico respectivamente) tampoco es válida según la perspectiva adoptada aquí y que hace uso de corpus textuales (MARZÁ, 2012, p. 110-111). 44 as unidades tematicamente especializadas e que inclui todos os tipos de dicionários ou inventários lexicais especializados” 9 (MARZÁ, 2012, p. 111, tradução nossa, grifo da autora) – compromete-se a reunir em um único arcabouço teórico diferenças que não são reais entre as duas disciplinas. Nessa mesma direção, Marzá (2012, p. 111-112, tradução nossa, grifo da autora) ainda reforça: Pela perspectiva linguístico-comunicativa pode-se afirmar que a terminologia é lexicologia especializada ou uma lexicologia das unidades lexicais especializadas por pertencer ao léxico do falante e, portanto, também à linguística e à linguagem natural. Assim, consideramos o rótulo “lexicografia especializada” como mais preciso, integrativo e comunicativo em sua abordagem, do que “terminografia” 10 . A TCT auxilia-nos, portanto, enquanto subsídio teórico para a definição do que vem a ser o termo, orientando-nos, primeiramente, na recolha das unidades lexicais especializadas com o intuito de estabelecer a macroestrutura a ser adotada na pesquisa, bem como de comprovar que o objeto de estudo se caracteriza como texto de especialidade. 2.2 A teoria dos campos lexicais Levando-se em consideração as afirmações anteriores, serve-nos de modelo teórico para a organização da macroestrutura de nosso vocabulário a teoria dos campos de lexicais, de Coseriu (1977), – sistema que reúne em um mesmo conjunto palavras que representam um campo conceptual comum devido às relações semânticas que estabelecem entre si. O autor esclarece que Um campo lexical é, do ponto de vista estrutural, um paradigma lexical que resulta da repartição de um conteúdo lexical contínuo entre diferentes unidades dadas na língua como palavras e que se opõem de maneira imediata umas às outras, por meio de traços distintivos mínimos. […] Mas um campo lexical pode também estar incluído em outro campo, de nível superior. Toda unidade dada na língua como palavra é um lexema. Uma unidade semântica 9 [...] lexicografía especializada, esto es, una lexicografía que estudia las unidades temáticamente especializadas y que abarca todo tipo de diccionarios o inventarios léxicos especializados por la temática (MARZÁ, 2012, p. 111). 10 [...] desde una perspectiva lingüística y comunicativa puede afirmarse que la terminología es lexicología especializada o una lexicología de las unidades léxicas especializadas por pertenecer al léxico del hablante y por tanto también a la lingüística y al lenguaje natural. De ahí que consideremos la etiqueta “lexicografía especializada” como más exacta, integradora y comunicativa en su enfoque que la etiqueta “terminografía” [...] (MARZÁ, 2012, p. 111-112). 45 que equivale ao conteúdo unitário de todo um campo lexical é um arquilexema (COSERIU, 1977, p. 146, tradução nossa, grifo nosso) 11 . Por meio de tal sistema, as unidades lexicais compiladas são catalogadas de modo a se relacionarem semanticamente com outras unidades do sistema linguístico, através da ordem lógica e da associação de conceitos. Assente na teoria de Coseriu (1977), Abbade (2011, p. 1332, grifo da autora) afirma que “os campos lexicais representam uma estrutura, um todo articulado, onde há uma relação de coordenação e hierarquia articuladas entre as palavras que são organizadas à maneira de um mosaico: o campo léxico”. A autora ainda conclui que “a teoria dos campos lexicais proposta por Eugenio Coseriu nos dá a possibilidade de realizar um levantamento de um léxico específico e, consequentemente, poder conhecer algum aspecto específico da sociedade em que se está realizando tal estudo” (ABBADE, 2011, p. 1342). O intuito de sistematizar e analisar as informações relacionadas à cura no contexto da mineração do século XVIII, no Brasil Colonial, e, por este viés sócio-histórico, buscar compreender a sociedade em questão através de seu vocabulário farmacêutico fundamentam a proposta de elaboração de um estudo léxico-semântico, a partir da organização de um vocabulário especializado. A natureza léxico-semântica das relações estabelecidas entre as unidades lexicais de um campo lexical será explanada no capítulo referente à “análise léxico-semântica de unidades lexicais que designam símplices” (v. Capítulo 5). Dessa maneira, conduzimos nossa pesquisa à elaboração de um vocabulário especializado, organizado em conformidade com a teoria dos campos lexicais. Esta pesquisa está fundamentada, portanto, nas teorias supracitadas, e julgamos que sirva de contribuição não só para as áreas de Estudos do Léxico, mas também para as áreas de História, Saúde, Ciências Farmacêuticas, Ciências Médicas e áreas afins. Apresentamos nas próximas seções as etapas do fazer dicionarístico que percorremos para chegar ao protótipo de vocabulário da farmacopeia, produto resultante de nossa proposta de pesquisa. Oferecemos, assim, uma amostra de 33 verbetes constantes de tal vocabulário, 11 Un campo léxico es, desde el punto de vista estructural, un paradigma léxico que resulta de la repartición de un contenido léxico continuo entre diferentes unidades dadas en la lengua como palabras y que se oponen de manera inmediata unas a otras, por medio de rasgos distintivos mínimos. [...] Pero un campo léxico puede también estar incluido en otro campo, de nivel superior. Toda unidad dada en la lengua como palabra es un lexema. Una unidad semántica que equivale al contenido unitario de todo un campo léxico es un archilexema (COSERIU, 1977, p. 146). 46 fazendo um recorte no seguinte esquema hierárquico: farmacopeia (arquilexema) > Farmácia (macrocampo lexical) > remédios (campo lexical) > símplices (microcampo lexical); além da análise léxico-semântica de unidades lexicais especializadas referentes a símplices, compiladas em nosso corpus de estudo e que compõem o vocabulário da farmacopeia. 3 METODOLOGIA 48 Nesta seção, discorremos sobre os procedimentos metodológicos adotados no processo de nossa pesquisa. Tendo em mente os pressupostos dos Estudos do Léxico, buscamos estudar as bases teóricas que nos permitiram uma melhor compreensão dos conceitos de Lexicografia de Especialidade, Terminologia e Terminografia, considerando-se a intenção de organizarmos um vocabulário da farmacopeia utilizada para restabelecer a saúde da população da região das minas, no período do Brasil Colonial, mais precisamente no século XVIII. A metodologia de nosso trabalho envolve as etapas de leitura dos objetos de consulta, extração e seleção das unidades lexicais, e análises quantitativa e qualitativa das mesmas. Dissertamos sobre tais etapas, valendo-nos para tal da metodologia da Linguística de Corpus, por meio de uma abordagem sincrônica do passado, de acordo com o método dedutivo para as investigações terminológicas de cunho descritivo. 3.1 Extração e seleção das unidades lexicais de especialidade Iniciamos nosso trabalho por meio da leitura dos tratados medicinais que constituem o corpus de nossa pesquisa, a saber: o Erário Mineral (FERREIRA, 1735), a Prodigiosa Lagoa (MIRANDA, 1749) e o Governo de Mineiros (MENDES, 1770). Para tal, utilizamos o Banco de Dados do DHPB, que através da plataforma PhiloLogic permitiu-nos o acesso às partes de cada texto. As obras em questão registram e informam sobre as doenças que acometiam a população da região das Minas Gerais e sobre as formas de cura por meio do uso de ervas e plantas naturais – prática decorrente do contato entre índios, negros e portugueses. Logo, essa primeira etapa nos oferece um panorama a respeito do contexto histórico- social, da atividade extrativista mineradora, do trabalho exaustivo de quem acreditava que faria fortuna, das condições de vida precárias da época, das doenças contraídas devido ao trabalho penoso, bem como dos procedimentos de cura colocados em prática pelo gentio da terra e pelos cirurgiões-barbeiros vindos de Portugal. Para a extração das unidades lexicais que ocorrem nos documentos selecionados, contamos com o auxílio do programa de gerenciamento de bases textuais denominado PhiloLogic, bem como do AntConc 3.5.8 (Windows) 2019. Trata-se de ferramentas computacionais aliadas à Linguística de Corpus: a primeira suporta o Banco de Dados do DHPB, em que está contido nosso corpus de estudo, e permite a consulta a todos os contextos necessários à nossa pesquisa; a segunda é capaz de gerar listas de palavras (Word List) em 49 ordem alfabética ou de frequência, bem como listas de combinatórias lexicais (Clusters/ N- Grams), de onde se extraem lexias complexas compostas por dois ou mais itens. Vale ressaltar a importância defendida por Biderman (2001b) de se consultar um corpus para testar hipóteses ou fornecer evidências na pesquisa linguística. Somente através dessa “coletânea de textos selecionados segundo critérios linguísticos, codificados de modo padronizado e homogêneo” (BIDERMAN, 2001b, p. 79), que pode ser tratado mediante processos informáticos, pode-se apontar como funciona uma língua natural em escala reduzida. Posto que o corpus em análise esteja contido no Banco de Dados do DHPB, que por sua vez pode ser acessado através do PhiloLogic, fizemos uso deste tanto para verificar se algumas unidades lexicais encontradas em glossários e manuais de apoio ocorrem, de fato, no corpus em questão, como para consultá-las e destacar os contextos em que aparecem. Embora o PhiloLogic seja capaz de fornecer listas de palavras e ocorrências, ele não possibilita o tratamento informatizado conjunto de todos os arquivos que compõem o corpus em uma única lista 21 . Assim, por meio deste programa, a tarefa de reunir todas as lexias em uma única lista e em ordem alfabética tornou-se inviável, uma vez que utilizamos 29 arquivos diferentes. Utilizamos, destarte, como também na ocasião de nosso curso de Mestrado, outro programa de gerenciamento de bases textuais, o AntConc, para a obtenção de uma lista de palavras (Word List), facilmente gerada após o processamento dos arquivos em formato .txt. Tal processamento considera como corpus único o conjunto de arquivos selecionados. Nosso corpus de estudo constitui, portanto, um recorte de uma pequena parte do Banco de Dados do DHPB. O AntConc possui diversos recursos, dentre eles, a opção de escolha de organização das listas em ordem alfabética ou por ordem de frequência de ocorrência, e permite ainda que as listas de palavras geradas sejam salvas em formato .txt e transformadas em arquivo .doc para que sejam editadas. Assim, ao selecionarmos a aba Word List (lista de palavras), optarmos por Sort by Word (organizar por palavras, isto é, por ordem alfabética) e acionarmos o comando Start (iniciar), o programa nos entrega uma lista completa das lexias encontradas, juntamente com a frequência de ocorrência (Freq) com que essas aparecem no corpus 21 Na ocasião de nosso curso de Mestrado (cf. DOMLADOVAC-SILVA, 2017), efetuamos testes com alguns programas, como o editor de textos Microsoft Office Word 2007, por exemplo, ou o programa editor de planilhas Microsoft Office Excel 2007, mas ambos revelaram-se inadequados ao gerenciamento de corpora. 50 considerado como um todo. A figura 4 apresenta o layout do programa, após a sequência de comandos descrita: Figura 4: Exemplo de uma lista de palavras (Word List) gerada pelo AntConc Fonte: Elaboração própria. Ao selecionarmos a aba Clusters/ N-Grams (combinatórias/ n-gramas), podemos determinar o tamanho das combinatórias lexicais (duas ou mais palavras) e, ao processarmos os textos, o programa nos oferece uma lista completa das combinatórias encontradas (nesse caso, de duas a três palavras). Como nem toda combinatória lexical recuperada automaticamente é, de fato, uma unidade lexical especializada do domínio considerado, a lista de combinatórias lexicais (Clusters/ N-Grams) gerada pelo AntConc para a extração de possíveis expressões, locuções ou unidades fraseológicas foi analisada a fim de que se reconhecessem as unidades especializadas. Para selecionarmos na lista de palavras as lexias de nosso interesse, isto é, pertencentes ao domínio da farmacopeia, contamos com o apoio de outras obras referentes à Medicina ou à cura, tanto escritas no período considerado, como atuais. São elas: a) Polianteia medicinal (1697), composta pelo Dr. João Curvo Semedo; b) Relação cirúrgica, e médica na qual se trata, e se declara especialmente hum novo methodo para curar a infecção escorbutica (1747), de João Cardoso de Miranda; c) História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil, pertencente à Medicina (1969), escrita pelo cirurgião português Francisco Antonio de 51 Sampaio, em que descreve as virtudes de inúmeras plantas, além dos métodos de sua utilização na cura de algumas doenças; d) Formulario ou Guia medica contendo a descripção dos medicamentos, as dóses, as molestias em que são empregados, as plantas medicinaes indigenas do Brasil, o Compendio alphabetico das aguas mineraes, a escolha das melhores formulas, um Memorial therapeutico, e muitas informações uteis (1879, 10ª ed.), de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz. A décima edição é aumentada e acompanhada de 324 ilustrações intercaladas ao texto, além de seis mapas balneários. Consta na sexta edição do Diccionario de medicina popular, do mesmo autor, que a 14ª edição do Formulario, publicada em 1890 em Paris, foi “reformada segundo o novo Codigo pharmaceutico francez, [e] adoptado, por ordem do Governo, como Pharmacopea legal do Brazil” (CHERNOVIZ, 1890, n.p.); e) Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorios para uso das familias, contendo a descripção das Causas, symptomas e tratamento das moléstias; as receitas para cada molestia; As plantas medicinaes e as alimenticias; As aguas mineraes do Brazil, de Portugal e de outros paizes; e muitos conhecimentos uteis (1890, 6ª ed.), também escrito pelo doutor em Medicina Pedro Luiz Napoleão Chernoviz. A sexta edição é aumentada e acompanhada de 913 ilustrações intercaladas ao texto; f) A cura pelas ervas e plantas medicinais brasileiras (1979), de Ricardo Lainetti e Nei Seabra de Brito; g) As ervas que curam (1983), de Roberto Weil; h) Plantas que curam (1984), de Jean de Sillé; i) “Glossário: observações sobre o universo vocabular médico-cirúrgico do Erário Mineral, de Luís Gomes Ferreira” (FERREIRA, 2002), organizado pelos professores Bruno Flávio Lontra Fagundes e Sérgio Goes de Paula, presente na edição do Erário Mineral organizada pela historiadora e professora Júnia Ferreira Furtado; j) “Glossário”, presente em Âncora Medicinal: para conservar a vida com saúde (2004), parte da reedição de outra obra contemporânea ao nosso objeto de estudo, a saber, o primeiro tratado de Nutrição publicado em língua portuguesa, escrito pelo Dr. Francisco da Fonseca Henriques (mais conhecido como Dr. Mirandela), médico de D. João V, em 1721, e modernizado pelos 52 professores Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, Sílvio de Almeida Toledo Neto e Heitor Megale; k) Farmacopeia Brasileira, volume 2 (BRASIL, 2010b). Para análise das definições das unidades lexicais especializadas e possível classificação dessas como unidades lexicais pertinentes ao domínio em questão consultamos as seguintes obras de referência da língua portuguesa: i. Vocabulario Portuguez e Latino (1712-1728), de D. Raphael Bluteau; ii. Diccionario da lingua portugueza (1789; 1813), de Antonio de Moraes Silva; iii. Grande Diccionario Portuguez ou Thesouro da Língua Portugueza (1871- 1874), de Dr. Frei Domingos Vieira; iv. Formulario ou Guia medica contendo a descripção dos medicamentos, as dóses, as molestias em que são empregados, as plantas medicinaes indigenas do Brasil, o Compendio alphabetico das aguas mineraes, a escolha das melhores formulas, um Memorial therapeutico, e muitas informações uteis (1879, 10ª ed.), de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, uma vez que este é organizado em verbetes; v. Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorios para uso das familias, contendo a descripção das Causas, symptomas e tratamento das moléstias; as receitas para cada molestia; As plantas medicinaes e as alimenticias; As aguas mineraes do Brazil, de Portugal e de outros paizes; e muitos conhecimentos uteis (1890, 6ª ed.), de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz; vi. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0 (2004), de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; vii. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2009.3 (2009) 22 , de Antonio Houaiss e Mauro de Salles Villar; viii. Dicionário Histórico do Português do Brasil: séculos XVI, XVII e XVIII (2021), organizado por Maria Tereza Camargo Biderman e Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa. As oito obras de referência selecionadas caracterizam-se como dicionários semasiológicos – partem do significante para apresentar o significado – e suas entradas estão organizadas em ordem alfabética. As versões digitais de Houaiss (2009) e Ferreira (2004) possibilitam ao consulente outras formas de acesso às entradas por meio de hiperlinks ou da 22 Doravante, referimo-nos a este dicionário, simplesmente, como Houaiss (2009). 53 busca avançada, por exemplo. Com relação à macroestrutura de tais obras, vale observar que a de Bluteau (1712-1728) é a única bilíngue (latim-português), além de pioneira na prática lexicográfica a partir de corpora; e as de Chernoviz (1879, 10ª ed.; 1890, 6ª ed.) são as únicas de especialidade. Os demais dicionários são monolíngues de língua portuguesa. Constam da microestrutura dos dicionários selecionados algumas informações sobre a expressão do signo, bem como algumas de ordem pragmática, a saber: i. Bluteau (1712-1728) destaca em alguns dos verbetes selecionados a marca linguística de especialidade (ex.: “Termo Pharmaceutico”); é copioso em informações etimológicas e enciclopédicas. ii. Silva (1789; 1813) destaca informações etimológicas, a categoria gramatical, o gênero, além da marca linguística de especialidade (ex.: “t. de Farmac.” = termo de Farmácia). Constitui o primeiro dicionário moderno da Lexicografia portuguesa. iii. Vieira (1871-1874) também traz a categoria gramatical e o gênero, seguidos de informações etimológicas. Notam-se as marcas linguísticas de especialidade incorporadas ao texto do verbete (ex.: “Em Botanica, [...]”), assim como as variantes gráficas da palavra. iv. Chernoviz (1879, 10ª ed.) indica a sinonímia, a significação em francês, o nome botânico em latim (quando o medicamento é uma planta), é abundante em informações enciclopédicas e ilustrado por 324 imagens intercaladas ao texto, além de seis mapas balneários; é especializado em medicina popular. v. Chernoviz (1890, 6ª ed.) é também especializado em medicina popular; destaca o nome científico, quando é o caso, bem como seu respectivo criador; é ilustrado por 913 figuras intercaladas ao texto, e rico em informações enciclopédicas. vi. Ferreira (2004) reúne em seus verbetes informações sobre ortoépia, etimologia, categoria gramatical, léxico especializado (rubricas); ordena numericamente as acepções; traz exemplos e contempla locuções. Por ser eletrônico, oferece ainda a opção de utilização de cores para distinção de cada informação da microestrutura. vii. Houaiss (2009) também destaca informações etimológicas, a categoria gramatical, o gênero, as marcas linguísticas (diatécnicas, diatópicas, diafásicas), além de ordenar numericamente suas acepções; o dicionário é 54 abundante na sinonímia e também possibilita maior interatividade, uma vez que é eletrônico. Os dicionários de Ferreira (2004) e de Houaiss (2009) auxiliam-nos enquanto parte do discurso moderno. viii. O DHPB (2021) registra a categoria gramatical, o gênero, as variantes, as acepções ordenadas numericamente, as expressões sintagmáticas (e/ ou locuções) e a primeira datação (primeira vez que a unidade ocorre no Banco de Dados do DHPB). No DHPB, tanto as variantes gráficas como as acepções aparecem abonadas e acompanhadas das respectivas informações: autor do texto, datação, obra, código e página relacionados à organização do banco de dados, de onde foi retirada. Mais recente do que os outros dicionários consultados, o DHPB traz definições que se baseiam no valor semântico das palavras no contexto considerado, úteis para registrar possíveis variações semânticas, uma vez que abarcam o léxico de um período mais antigo (séculos XVI, XVII e XVIII). Seis das obras, inclusive a mais recente, foram elaboradas a partir de corpora com- postos por textos do século XVIII ou mesmo anteriores, justificando-se assim sua escolha e utilização, uma vez que nosso corpus também se insere neste período e, portanto, no mesmo universo discursivo. Quanto à lematização, quase todos os dicionários adotados consideram como entrada do verbete somente “as unidades lexicais constituídas de um único vocábulo, mesmo nos casos em que este não seja empregado fora de um determinado contexto ou expressão fixa” 23 (PORTO DAPENA, 2002, p. 174, tradução nossa), seguindo a prática geralmente aceita na Lexicografia; lexias complexas e fraseologias são consideradas subentradas e tratadas na microestrutura do verbete. Entretanto, as duas obras de autoria de Chernoviz, por caracterizarem-se como obras de especialidade, não seguem a mesma prática, de modo que esse critério para lematização não ocorre. No vocabulário aqui organizado, assim como no Diccionario e no Formulario de Chernoviz, as unidades lexicais são plenas de significado e independem de outra unidade lexical, sejam elas simples ou complexas. A leitura e a análise das obras de apoio e referência selecionadas para o encaminhamento de nossa pesquisa constituíram os procedimentos essenciais, por meio dos 23 “[...] las unidades léxicas constituidas por un único vocablo, aun en aquellos casos en que éste carezca de uso fuera de un determinado contexto o expresión fija [...].” (PORTO DAPENA, 2002, p. 174). 55 quais puderam ser extraídas e analisadas as unidades lexicais referentes ao campo lexical pretendido. A partir dessa etapa e