EDSON LUIS REZENDE JUNIOR A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESPANHOLA NO CENTRO DE LÍNGUAS DA UNESP FCL/ASSIS Presidente Prudente / SP 2020 EDSON LUIS REZENDE JUNIOR A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESPANHOLA NO CENTRO DE LÍNGUAS DA UNESP FCL/ASSIS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de Presidente Prudente, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: “Processos Formativos, Ensino e Aprendizagem”. Orientadora: Dra. Rozana Aparecida Lopes Messias Presidente Prudente / SP 2020 Vocês chegaram de mansinho, aos poucos foram ocupando espaço e quando eu menos esperava já os amava muito. Por isso, dedico-lhes esse trabalho! Obrigado Totti, Lelê e Lenta. AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente: A minha orientadora, professora Dra. e amiga Rozana Messias que me incentivou a seguir firme na luta pela educação e que nos momentos mais difíceis me acalmou e orientou. A minha grande amiga, companheira de cafés e de conversas sobre a vida Nayara Cristina quem pacientemente me ouviu falar inúmeras vezes sobre a dissertação sempre com atenção. Sem você a trajetória teria sido muito mais difícil! A minha mãe, Edivania Almeida quem desde pequenino me ensinou a lutar com garra por aquilo que desejamos e a nunca desistir. A Meu Pai Edson, minha avó Teresinha Ruzene, em memória, por toda sua força e meu tio Evanir quem me incentivou a cursar uma faculdade. A meu parceiro de vida Jaime Fernandes pelas inúmeras vezes em que discutimos esse trabalho, por acreditar em mim e me dar força para terminá-lo. Obrigado pelo carinho! A professora Dra. Kelly Cristiane responsável por esse meu interesse em desenvolver pesquisa e pela grande formação que tive enquanto graduando de espanhol. Obrigado pelos bons conselhos e por me acompanhar em toda minha trajetória. A minhas amigas da pós-graduação, especialmente, Renata Daniela e Michele Mariana pelo carinho, educação e afeto com que me receberam em Presidente Prudente. A minha amiga Patrícia Gabriela, pela grande ajuda na cidade nos momentos em que mais precisei. A meus amigos de vida Luiz Felipe e Fábio Alves. Ao professor Dr. João A. Telles idealizador do CLDP e quem gentilmente aceitou integrar a pesquisa e a todos estudantes que gentilmente colaboraram com a pesquisa. As professoras: Dra. Elianeth Hernandes pela leitura atenta que realizou na qualificação e pelas grandes dicas para o trabalho; A Dra. Ana Luzia Videira Parisotto e a Dra. Renata Portela Rinaldi, coordenadoras do grupo de pesquisa “Formação de Professores e Práticas de Ensino na Educação Básica e Superior” pela acolhida afetuosa junto ao grupo. As professoras da E.M.E.F.E.I Carlos Bueno de Toledo com quem aprendi muito em meu primeiro ano como professor formado: Rosangela Braun, Sueli Souza e Helena Bueno. Aos funcionários da pós-graduação em educação da FCT – Presidente Prudente. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal- amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, NENHUM desses passa pelos alunos sem deixar sua marca (FREIRE, 2015, p. 64, grifos nosso). REZENDE JR. Edson L. A formação inicial de professores de língua espanhola no Centro de Línguas da UNESP FCL/Assis. 2020. 167f. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente/SP. RESUMO: Os Centros de Línguas e Desenvolvimento de Professores (CLDP) da UNESP são espaços de extensão universitária, articulados ao ensino e à pesquisa, envolvidos com o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras (LE) e existentes nos três câmpus universitários que possuem o curso de Letras, licenciatura. O CLDP de Assis, nosso objeto de estudo, surgiu em 2010, vinculado ao departamento de Educação e Letras Modernas e, desde sua criação, caracteriza-se como um Centro preocupado com a formação inicial de professores, com a realização de estágios e de pesquisas acadêmicas. Assim, tendo esse contexto como parâmetro, traçamos como objetivo geral desta pesquisa analisar quais os efeitos do CLDP da UNESP FCL/Assis para a formação inicial de professores de língua espanhola. Para isso, selecionamos como sujeitos de pesquisa os estudantes egressos da área de espanhol, de 2010 a 2017, as supervisoras desta área e o professor idealizador do projeto. Pautamos nosso trabalho na pesquisa qualitativa, principalmente, na obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos, pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada e a possibilidade de dar voz a todos os participantes. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram o questionário e a entrevista semiestruturada, e nossa análise baseou-se na delimitação progressiva do foco de estudo, na formulação de questões analíticas, no aprofundamento da revisão de literatura e no uso extensivo de comentários, observações e especulações ao longo do desenvolvimento do trabalho. Como categorias de análise discorremos sobre: (I) o perfil dos estudantes egressos de espanhol que participaram do CLDP; (II) o que eles dizem de suas participações no projeto; (III) algumas marcas deixadas pelo Centro na vida profissional desses estudantes; (IV) as observações das professoras supervisoras e do professor idealizador e (V) a organização e o uso do tempo-espaço nesse contexto. Por fim, os resultados demonstram que: (a) há uma valorização por parte dos discentes em participar do projeto que vai além do tempo de estágio obrigatório; (b) há um consenso da importância das reuniões pedagógicas, porém, apresenta-se também a necessidade de reorganização das mesmas; (c) é positivo a inserção de licenciandos como professores desde que essa ação esteja pautada na autonomia e sob supervisão; (d) 70% dos respondentes apresentam sua experiência em eventos acadêmicos e 80% dos egressos afirmam que o projeto teve influência na escolha profissional e; (e) há a necessidade de mais discussões sobre materiais didáticos, sobre a curricularização da extensão e da organização do tempo-espaço no projeto. PALAVRAS – CHAVE: Centro de línguas e desenvolvimento de professores, Formação de professores, Estudo de língua estrangeira, Língua espanhola, Extensão universitária. REZENDE JR. Edson L. Teachers initial development of spanish language in the Languages Center of UNESP FCL/Assis. 2020. 167f. Dissertação. Programa de Pós- Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente/SP. ABSTRACT: Languages Centers and Teachers Development (in portuguese CLDP) of UNESP are university extension spaces, link to teaching and research, involved with teaching and learning of foreign languages (in portuguese LE) and existent in all three university campus that have Letters course, graduation. The CLDP of Assis, our study focus, created in 2010, linked to Education department and Modern Letters, since of its creation, it is characterized as a Center concerned with initial teachers training, with the completion of internships and academics researches. Like this, our general research masters aim is to analyze what the effects of CLDP UNESP FCL/Assis have for the initial teachers training of Spanish language. For this, we select as research subjects all the students of spanish area, of 2010 until 2017, the supervisors from spanish area and creator teacher of project. We elaborate our work in the qualitative research, mainly, for obtaining descriptive data about people, spaces, process and by direct contact of researcher with study situation and the possibility to give voice all the participates. The collect data instruments that we used were questionnaire and interview, and our analyze was based in the focus delimitation of study, creation of analytical questions, in the reading of works about theme and in the extensive use of comments, observations and speculation. Like categories of analyze we tell about: (I) the students profile that finished course and that participed of CLDP; (II) what they speak about their participation in the Project; (III) some marks left by CLDP in students’ professional life; (IV) the observations of supervisors teachers and the creator teacher and; (V) organization and using of the time-space in this context. Lastly, the results demonstrate that: (a) there is a valorization of the students for to participate in this project that is bigger than the time of internships; (b) there is a sense of importance about pedagogic meetings, but there is necessary of reorganized it; (c) is positive the introduction of students as teachers since that this action is based in the autonomy and under supervision; (d) 70% of respondents present their experience in academic congress and 80% these affirm that the project has influence in their professional choice and; (e) there is a necessity of more discuss about didactic materials, extension circularization and organization of project time-space. KEY WORDS: Training teacher, Study of foreign language, Spanish language, University extension, Languages Center and Teachers Development. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Processo de Formação ..................................................................................... 31 FIGURA 2 - Processo de formação não linear ...................................................................... 32 FIGURA 3 - Aspectos do ensino e da formação de professores de LE .................................. 34 FIGURA 4 - Diferença entre método, abordagem comunicativa e pós-método ..................... 46 FIGURA 5 - Formação de professor de ELE ........................................................................ 57 FIGURA 6 - Busca no e-mail do CLDP ............................................................................... 65 FIGURA 7 - E-mail enviado aos estudantes egressos ........................................................... 66 FIGURA 8 - Horário das aulas no CLDP ............................................................................. 78 FIGURA 9 - Modelo de declaração de monitoria ................................................................. 80 FIGURA 10 - Armazenamento físico dos dados do CLDP ................................................... 81 FIGURA 11 - Agenda Teleduc ............................................................................................. 82 FIGURA 12 - Material de Apoio para as aulas de L.E. ......................................................... 83 FIGURA 13 - Leituras para a formação de professores de L.E ............................................. 83 FIGURA 14 - Visualização de Mensagem ............................................................................ 84 FIGURA 15 - Organização no drive do Gmail ..................................................................... 85 FIGURA 16 - Espaço físico do CLDP .................................................................................. 86 FIGURA 17 - Espaço físico do CLDP após a reforma direcionada ao Teletandem ............... 86 FIGURA 18 - Planta térrea do espaço físico do CLDP ......................................................... 86 FIGURA 19 - Locais de estudos prévios da língua espanhola ............................................... 93 FIGURA 20 - Perfil dos estudantes egressos da área de espanhol ......................................... 97 FIGURA 21 - Implicações do CLDP na formação inicial de professores ............................ 113 FIGURA 22 - Profissões atuais dos estudantes egressos ..................................................... 114 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Abordagens de língua estrangeira e formação de professores ............................... 28 Quadro 2: Concepções sobre ensinar línguas ........................................................................ 37 Quadro 3: Objetivos a serem seguidos na abordagem comunicativa ..................................... 40 Quadro 4: Diferentes interpretações da abordagem comunicativa ......................................... 42 Quadro 5: Características do Pós-Método e da Abordagem Comunicativa Crítica ................ 45 Quadro 6: Desenvolvimento da pesquisa qualitativa ............................................................. 61 Quadro 7: Horário dos cursos de espanhol ministrados no 2º semestre de 2019 .................... 78 Quadro 8: Quadro de horários de monitoria no CLDP .......................................................... 79 Quadro 9: Motivos que tornam o centro de línguas um terceiro espaço ................................ 88 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Divisão dos respondentes por sexo e período ....................................................... 91 Gráfico 2: Estudo de espanhol antes da graduação ............................................................... 93 Gráfico 3: Bolsas de estudo .................................................................................................. 94 Gráfico 4: Participação em intercâmbios e outros projetos de extensão ................................ 96 Gráfico 5: Ano de participação no CLDP ............................................................................. 98 Gráfico 6: Participação em eventos científicos ..................................................................... 99 Gráfico 7: Importância da participação no CLDP ............................................................... 100 Gráfico 8: Importância das orientações pedagógicas .......................................................... 104 Gráfico 9: Influência do CLDP na profissão atual .............................................................. 115 SIGLAS E ABREVIATURAS ABEL Associação brasileira de livros BNCC Base nacional comum curricular CENEX Centro de extensão CES Câmara de ensino superior CLAC Curso de línguas aberto a comunidade CLDP Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores CNE Conselho nacional de educação CP Conselho pleno E/LE Espanhol como língua estrangeira FCL Faculdade de Ciências e Letras LDB Lei de diretrizes e base nacional LE Língua estrangeira LICOM Programa línguas para a comunidade MERCOSUL Mercado comum do Sul OCEM Orientações curriculares para o ensino médio PNLD Programa nacional do livro didático PROEX Pró-reitoria de extensão UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UNESP Universidade estadual paulista USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 14 Objetivos e pergunta de pesquisa: ..................................................................................... 15 A formação inicial de professores na extensão universitária – relatos de projetos .............. 15 Experiência com o CLDP e descrição da pesquisa ............................................................ 20 I. FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA........... 26 1.1 O que entendemos por formação inicial de professores de LE? ................................... 26 1.2 Abordagem Comunicativa e Pós-Método .................................................................... 39 1.3 Histórico do ensino de língua espanhola no Brasil e formação inicial de professores de espanhol ........................................................................................................................... 47 II. OS CENTROS DE LÍNGUAS DA UNESP – METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA ......................................................................................................................... 58 2.1 Pesquisa qualitativa e justificativa do trabalho ............................................................ 58 2.2 Instrumentos de coleta e análise dos dados .................................................................. 63 2.3 Os Centros de Línguas a partir das resoluções da UNESP ........................................... 69 2.4 O Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores da UNESP FCL/Assis .......... 75 2.5 O terceiro – espaço ..................................................................................................... 87 III. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS .................................................................... 90 3.1 Perfil dos estudantes egressos do CLDP FCL/Assis .................................................... 90 3.2. O que os estudantes dizem sobre o CLDP FCL/Assis? ............................................... 97 3.3 “Marcas deixadas” pelo CLDP FCL/Assis na vida profissional dos estudantes egressos ....................................................................................................................................... 108 3.4. O que dizem as entrevistas? Início do projeto, currículo e formação inicial .............. 115 3.5. Tempo-Espaço no CLDP: as reuniões pedagógicas na formação inicial ................... 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 131 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 138 ANEXOS .......................................................................................................................... 145 APÊNDICES .................................................................................................................... 164 14 INTRODUÇÃO Nesse trabalho pautamo-nos na resolução do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Pleno (CNE/CP) nº 2 de 2015, a qual define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior, principalmente, a formação de professores que ocorre em cursos de licenciatura ofertados em universidades e institutos de ensino superior particulares ou públicos destinados respectivamente “à preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério na educação básica” (BRASIL, 2015). Neste âmbito voltamo-nos para os cursos de Letras que possuem, de acordo com o Parecer da Câmara de Ensino Superior (CNE/CES) 492/2001, o intuito de “formar profissionais interculturalmente competentes, capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, no contexto oral e escrito, e conscientes de sua inserção na sociedade e das relações com o outro” (BRASIL, 2001, p. 30). Para tal ação, os cursos de Letras têm seu currículo organizado a partir de conteúdos básicos sobre estudos linguísticos e literários e podem estar voltados para a formação em uma única língua (português, libras, língua estrangeira) ou uma formação que contemple os estudos da língua materna junto à estrangeira (habilitação dupla). Além disso, um profissional das Letras “deve ser capaz de refletir teoricamente sobre a linguagem, de fazer uso de novas tecnologias e de compreender sua formação profissional como processo contínuo, autônomo e permanente” (BRASIL, 2001, p. 30). Uma das maneiras de se alcançar os objetivos propostos nas resoluções apresentadas é a realização do ensino, da pesquisa e da extensão. Desse modo, cabe à universidade não apenas fornecer o conhecimento teórico por meio de aulas, mas, fomentar nos estudantes a autonomia por meio do desenvolvimento de pesquisas, principalmente, nas categorias de iniciação científica e também por meio da realização de projetos de extensão, os quais, aproximam os futuros profissionais da comunidade local. A extensão universitária visa ainda possibilitar que o estudante tenha um contato mais próximo à realidade, com situações que demandarão um conhecimento teórico e prático. Assim, espera-se que esses profissionais consigam em um processo de reflexão unir as outras duas categorias que sustentam a universidade, o ensino e a pesquisa. Dito isso, nosso escopo de pesquisa observa a um projeto de extensão intitulado Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores (CLDP) que possibilita a graduandos do curso de Letras da UNESP, Faculdade de Ciências e Letras (FCL) de Assis, atuarem como professores de línguas estrangeiras sob a supervisão de docentes do curso das respectivas 15 línguas. Com o intuito de organizar nossa introdução a dividimos nos seguintes tópicos: (I) objetivos e pergunta norteadora do trabalho; (II) contribuições da extensão à formação inicial de professores de línguas estrangeiras a partir das conclusões de trabalhos acadêmicos; e (III) nosso contato com o CLDP e a estrutura da dissertação por seção. Objetivos e pergunta de pesquisa: Temos como objetivo geral desta pesquisa analisar, a partir dos dados coletados junto ao professor idealizador e aos participantes da área do espanhol (professoras supervisoras e alunos egressos) do Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores da UNESP FCL/Assis, quais os efeitos desse contexto para a formação inicial de professores de língua espanhola. Os objetivos específicos e complementares ao objetivo geral são:  Caracterizar os participantes envolvidos com o CLDP, de 2010 até 2017, em relação aos conhecimentos prévios da língua espanhola, interesses em cursar Letras – espanhol e sua participação no CLDP.  Caracterizar o CLDP por meio da leitura e da análise de documentos acerca da extensão universitária na UNESP, das listas de cursos ofertados, dos relatórios organizados pelos participantes do mesmo e da entrevista com o professor idealizador do centro.  Identificar, junto às supervisoras da área do espanhol, quais suas percepções acerca das implicações do projeto na formação de professores de espanhol como língua estrangeira.  Identificar, junto aos alunos egressos, quais motivos os levaram a participar do CLDP e que efeitos oriundos de tal participação observam em sua formação como professores de espanhol. Ao delimitar tais objetivos, buscamos responder à seguinte pergunta norteadora “quais os efeitos do CLDP na formação inicial do professor de língua espanhola como língua estrangeira?”. A formação inicial de professores na extensão universitária – relatos de projetos Inicialmente, com o intuito de discutir os efeitos do CLDP na formação inicial de professores de espanhol como língua estrangeira (ELE) entramos em contato, a partir de publicações acadêmicas, com outros projetos que assim como o Centro de Línguas ofertam o ensino de línguas estrangeiras à comunidade universitária de cada campus e à comunidade 16 externa. Nossa intenção ao realizarmos tal ação é de mostrar que existem outros projetos que assim como o CLDP proporcionam aos licenciandos o contato com a docência ainda na graduação e por mais que nossa pesquisa seja a primeira do CLDP, a nível de pós-graduação, outros modelos de projetos podem ser observados. Portanto, os trabalhos foram dispostos em ordem cronológica e seguidos das problematizações trazidas por cada um. O primeiro deles é o de Dutra e Magalhães (2000) que apresentam um relato de experiência no ensino de francês e inglês junto ao Centro de Extensão da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Para elas, o Centro permite que os estudantes participantes realizem uma reflexão sobre metodologias de ensino a partir da elaboração de diários reflexivos, em suas palavras, “a escrita desses diários proporciona ao professor- aprendiz a oportunidade de pensar sobre o que faz em sala de aula, visando compreender o porquê da prática de ensino” (p. 63). Além disso, as autoras argumentam que “o diálogo e a reflexão crítica sobre os problemas enfrentados na sala de aula levam a uma melhor formação do futuro professor, que desenvolve sua autoconfiança no processo” (idem, p. 64). Em suas análises estruturam três contribuições que julgam serem pertinentes à formação inicial e que o contato com a extensão universitária proporcionou aos graduandos, sendo elas, construção da confiança, reflexões sobre as reações dos alunos (participantes do Centro) e discussões sobre as atitudes do professor-estagiário (tendo como base os diários elaborados). Um segundo trabalho encontrado foi o de Manchur, Suriani e Cunha (2013), no qual, discutem que “a extensão universitária é um dos caminhos para desenvolver uma formação acadêmica completa, que integra teoria e prática numa comunicação com a sociedade e possibilita uma troca de saberes entre ambos” (p. 335). Os autores apresentam um relato dos professores em formação que atuam num curso pré-vestibular comunitário na Universidade Estadual do Centro Oeste em Guarapuava – PR. Esses autores acreditam que “os acadêmicos que participam de projetos de extensão possuem uma oportunidade a mais de inserção na realidade que encontrará quando tornar-se um profissional” (idem, p. 338). Além disso, um aspecto positivo para os graduandos de licenciaturas ao integrarem-se no referido projeto é o fato de planejarem atividades metodológicas em horários extraclasse e as praticarem dentro de uma sala de aula. O terceiro trabalho encontrado (ALMEIDA, 2014) apresenta o programa Línguas para a Comunidade (LICOM) do qual faz parte o Projeto de Línguas para a Comunidade, ambos desenvolvidos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A autora discute dois pontos, 17 vistos como, principais na extensão: “o serviço oferecido à comunidade e o aprimoramento do licenciando” (p. 07). Determo-nos em algumas observações relacionadas ao segundo item. Segundo Almeida (2014) a importância da extensão na formação de professores é a circulação de saberes existentes nesse contexto e a alternância de posições dos atores envolvidos nele (p. 08). Assim, essas ações permitem que o estudante desenvolva seu perfil profissional e, também, ao professor-supervisor fazer-se ouvinte e narrador, valorizando a construção dos saberes constituídos pelos outros atores no espaço extensionista. Além disso, a ocupação do espaço universitário possibilita uma “dessacralização” desse contexto e uma aproximação do sentimento de pertencimento e do sentido de bem público. O quarto trabalho é o de Maranguape e Araujo (2014), também inserido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro no programa LICOM, com um projeto Línguas Estrangeiras para a Terceira Idade. Em seu texto, os autores discorrem sobre o projeto, sobre as especificidades de se ensinar língua espanhola a alunos adultos e resumem as contribuições do mesmo para a formação inicial da seguinte maneira: Os bolsistas têm a possibilidade de ampliar a inter-relação de ensino e pesquisa, desenvolver metodologias pedagógicas, deixar surgir de seu dia a dia práticas inovadoras por meio da ampliação de seus conhecimentos, tudo isso contribuindo para a construção de sua identidade docente (p. 24). Ferreira e Batista (2016), quinto trabalho, divulgam uma experiência de ensino de línguas em dois projetos de extensão vinculados a Universidade Federal da Paraíba. De suas discussões destacamos a compreensão por parte dos estudantes de Letras vinculados ao projeto relacionados à realidade profissional, pois, para eles, “o aluno tornar-se-á professor ao avaliar-se a partir de suas dúvidas e desafios durante o percurso e [reflete] criticamente sobre sua prática, logo, compreendendo como uma determinada atividade pode ser redirecionada ou melhorada” (p. 378). Os autores argumentam ainda que a participação no projeto permitiu aos envolvidos questionarem-se acerca do que podem ou precisam aprender. Das conclusões do trabalho percebemos que o projeto contribuiu com a formação inicial ao (I) permitir que os estudantes de Letras assumissem o papel docente em uma etapa inicial ampliando sua articulação do que é aprendido em aula (universidade) com a prática; (II) realizar orientação a partir da presença da coordenadora em sala; e (III) discutir a elaboração de diários reflexivos sobre as aulas ministradas. 18 Já Mikulis Jr, Ferreira e Carlos (2018), sexto trabalho, apresentam um Centro de Línguas Estrangeiras para a Comunidade desenvolvido em Ponta Grossa – PR e entrevistam cinco professores egressos desse Centro que atualmente atuam como docentes universitários. As discussões baseiam-se nas respostas obtidas a partir da seguinte pergunta “Qual a influência do Centro de Línguas Estrangeiras para a Comunidade na sua formação?”. Entre as contribuições listadas podemos identificar (I) o fato de o projeto permitir que os estudantes atuassem ainda na graduação como professores de língua estrangeira (LE) e formassem na prática sua identidade docente; (II) possibilitar pôr em prática elementos e estratégias didáticas, métodos e procedimentos avaliativos; (III) descobrir-se pessoal e profissionalmente; (IV) ser professor antes do término da graduação e descobrir se se identificava com a profissão; e (V) obter experiência profissional antes mesmo de se graduar. O sétimo trabalho encontrado foi o de Bevilaqua, Santo e Farias (2019), no qual, apresentam um curso de línguas realizado em Pelotas – RS e dizem que “ desde o primeiro contato com o projeto, o graduando tem o dever e responsabilidade de preparar aulas, separar materiais, estabelecer objetivos e corrigir tarefas e avaliações” (p. 02). Para eles, essas funções corroboram para a criação de um sentimento de competência e autonomia no futuro professor, que, por sua vez, compreende melhor a maneira com que gosta de trabalhar e dividir suas funções. Nos sete trabalhos relatados percebemos que alguns pontos vistos como contribuição à formação inicial se repetem como, por exemplo, o ingresso na sala de aula como professor de língua estrangeira antes do término do curso, a construção da identidade profissional e a aproximação da teoria com a prática. Essas primeiras conclusões enfatizam a importância de se abordar projetos de extensão que visam a formação inicial de professores. Assim, observarmos que alguns cursos públicos de Letras (da região sudeste do país), principalmente aqueles que ofertam ao menos o ensino de uma língua estrangeira, estendem suas atividades ofertando cursos de línguas à comunidade externa e interna ao campus1, por exemplo, o Centro de Extensão (CENEX) da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)2, o Centro Interdepartamental de Línguas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP)3, o Curso de Línguas Aberto 1 Esclarecemos que os sete trabalhos apresentados anteriormente discutiam contribuições da extensão, num sentido mais amplo, à formação inicial de professores e não se referiam especificamente a Centros de Línguas. Por isso, julgamos necessário discutir o funcionamento de alguns projetos que se assemelham ao nosso foco de pesquisa a fim de estabelecer comparações entre eles e, principalmente, demonstrar a existência de outros trabalhos como o CLDP. 2 https://cenex.letras.ufmg.br/ 3 http://clinguas.fflch.usp.br/ 19 à Comunidade (CLAC) da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)4 e o Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores (CLDP) da Universidade Estadual Paulista (UNESP)5. Dos cursos mencionados os três primeiros cobram um valor para adesão (participação) às aulas representado por mensalidades e o CLDP da UNESP cobra uma taxa semestral6. Observamos também que todos os projetos oferecem bolsas de estudo e que nenhum deles possui, em sua página da internet, um portal de transparência ou qualquer menção ao uso, aquisições, realização de eventos ou contrato de professores com o valor arrecadado. Entre as formas de atuação docente (mencionadas na apresentação de cada projeto em suas respectivas web página) percebemos que: a) os cursos do CENEX, da UFMG, são ministrados por alunos da graduação em Letras selecionados entre os melhores do curso; b) os cursos do Centro Interdepartamental de Línguas, da USP, são ministrados por docentes já graduados (não há menção à seleção destes); c) no CLAC, da UERJ, as aulas são ministradas por alunos dos cursos de graduação em línguas e selecionados por concurso; e d) os cursos ofertados pelo CLDP, da UNESP, são ministrados por licenciandos do curso de Letras sob a orientação de um docente da graduação de respectiva língua e estão vinculados à pró-reitoria de extensão (PROEX). Ao observarmos a constituição histórica desta última universidade certificamos, segundo informações de sua web página7, que ela foi criada em 1976 a partir da incorporação dos Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo. Entre os institutos, destacava-se a presença significativa de unidades universitárias formadas pelas Faculdades de Filosofia voltadas preferencialmente para a formação de professores que comporiam os quadros das escolas secundárias do estado. Desse conjunto, fazem parte os câmpus de Assis, de Araraquara e de São José do Rio Preto, que ofertam o curso de Letras, licenciatura plena (câmpus que também possuem atualmente um Centro de Línguas consolidado). Essas faculdades, desde sua formação, estiveram fundamentadas no tripé que identifica a instituição acadêmica, sendo ele, a docência (ensino), a pesquisa e a extensão. A partir destas informações compomos o corpo de trabalho desta pesquisa tendo como esteira as atividades desenvolvidas no campus de Assis, no espaço do Projeto de Extensão 4 https://www.clacufrj.org/ 5 https://www2.unesp.br/portal#!/proex/acoes-da-extensao/centro-de-linguas/apresentacao/ 6 Essa informação não consta na página do projeto, porém, como discutiremos na segunda seção do trabalho e nesta introdução, nossa vivência nos permite detalhar as atividades desenvolvidas junto ao CLDP da FCL/Assis. 7 https://www.assis.unesp.br/#!/instituicao/sobre/ 20 aqui considerado. Esclarecemos que essa unidade da UNESP oferece o curso de Licenciatura em Letras com habilitação dupla, em língua portuguesa e uma língua estrangeira (alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês). A seguir detalharemos nosso contato inicial com o CLDP e a estrutura dessa dissertação. Experiência com o CLDP e descrição da pesquisa Para falar de nossa experiência com o CLDP utilizamos de uma descrição mais subjetiva, por se tratar da vivência pessoal do pesquisador, e de um resgate de sua trajetória com a língua espanhola durante a graduação, principalmente as ações condizentes ao Centro de Línguas. Apresentamos a narrativa em itálico de forma a diferenciá-la da descrição da pesquisa e das seções dessa dissertação que fazemos após a mesma. Diferentemente de muitos estudantes de Letras de 2011, ano em que ingressei no curso, eu chegava à universidade com o sonho de ser professor, mais especificamente, professor de espanhol. Sonho cultivado ainda criança e impulsionado pela experiência que tive durante três anos num curso de espanhol ofertado aos sábados de manhã pelo Centro de Línguas do estado de São Paulo8 que então se encontrava na minha cidade de origem. Na UNESP, pude conhecer muitos projetos de extensão e participar de alguns, entre eles, o CLDP. Eu me encontrava eufórico no primeiro ano, participei de aulas de inglês básico, de espanhol intermediário, da monitoria do projeto na área administrativa e pude ajudar como professor nas aulas de espanhol básico (ação que me enchia de orgulho). Na época, ainda um adolescente com dezessete anos eu não percebia o quanto o projeto me constituía como professor, pois quando estava no CLDP me sentia acolhido e era um espaço que me divertia ao mesmo tempo em que me ensinava. Só eu sei o quanto no meu imaginário as doutorandas que por ali estavam eram admiradas, além disso, eu só descobri a pós-graduação vivenciando o Centro de Línguas. Nesse início de 2011, lembro de ser contemplado com uma bolsa de permanência, de precisar de um professor orientador, de ter escrito desesperado para a professora de espanhol, vice coordenadora do CLDP na época, e de pedir a ela que abrisse uma vaga para 8 O Centro de Estudo de Línguas (CEL) oferece aos alunos matriculados em escolas da rede estadual a oportunidade de aprender novos idiomas. Em todo o Estado de São Paulo, mais de 200 unidades disponibilizam cursos de inglês, espanhol, francês, alemão, italiano, mandarim e japonês, conforme a demanda de cada região. 21 mim junto ao seu grupo de orientandos. Essa bolsa consolidou minha participação e marcou não só minha permanência na universidade, mas forjou meu perfil de pesquisador. Foram tantas atividades num ano que acabei, logo no segundo ano em 2012, ocupando a bolsa da administração do CLDP. Daí então, passei em muitos momentos a abrir e fechar o laboratório, local onde o projeto se encontra, a participar na organização das inscrições para os cursos, das pastas dos professores, do agendamento de salas, etc. Confesso que eu não me sentia tão preparado como professor e por diversas vezes desabafava com a supervisora de espanhol minhas angústias e receios. Durante as minhas primeiras experiências como professor de espanhol eu acompanhei duas professoras, elas também estavam em formação com a diferença de que eram mais velhas no curso, e hoje vejo que devo muito a elas, pois ambas me davam espaço nas aulas, me enturmavam com os alunos e me motivavam a seguir em frente. Nesse interim, a pesquisa de iniciação científica9 também me dava um gás para as aulas e, por diversas vezes, eu utilizava do tempo que tinha com o Teletandem10 para tirar dúvidas e perguntar sobre curiosidades do México a fim de levá-las às aulas. Algumas vezes, consegui fazer uma chamada de vídeo durante a minha aula para que os alunos pudessem presenciar como era conversar com um estrangeiro. Era o momento em que a língua ganhava vida e fugia a regras gramaticais e materiais didáticos. Houve também, a realização de pequenos projetos com as turmas, sempre motivados pelas reuniões com o grupo e as supervisoras de espanhol, como por exemplo, o trabalho com lendas, com escrita e adaptação de músicas, pequenos teatros, etc. Obviamente, hoje vejo que faltaram muitas informações nesses projetos, mas a primeira experiência se torna eterna na memória, junto com o nervosismo, a ansiedade, o preparo de várias atividades com medo de sobrar tempo, de faltar tempo, de não ser entendido, entre outras coisas que passavam na cabeça. Chegando ao terceiro ano em 2013, foi o momento de sair um pouco de minha zona de conforto e pleitear uma bolsa de intercâmbio. No segundo semestre do ano, consegui ir ao 9 A iniciação cientifica foi financiada pela PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) sob o título de “Experiências de aprendizagem de espanhol / língua estrangeira mediadas pelo Teletandem” registrada pelo número de processo: 19349. 10 O Projeto Teletandem Brasil da UNESP - Universidade Estadual Paulista, Brasil, reúne estudantes universitários brasileiros que desejam aprender uma língua estrangeira com estudantes de outros países que estão aprendendo português. Ao aprender uma língua estrangeira no Teletandem, cada parceiro é aluno por uma hora, aprendendo e praticando uma língua com o outro parceiro. Então eles trocam de papéis e trocam de idioma. As interações ocorrem através do Skype ou Zoom, pois, oferecem comunicação gratuita de voz, texto e webcam, para que os parceiros possam colaborar de qualquer lugar do mundo (http://www.teletandembrasil.org/). 22 Chile e logo depois, em 2014, à Bolívia11. Em ambos países busquei por Centro de Línguas, com os quais, eu pudesse me vincular, realizar estágios e estabelecer vínculos. No Chile atuei como ajudante de uma professora de português num Centro que já ofertava aulas de português e foi minha primeira experiência ensinando minha língua como língua estrangeira. Na Bolívia o Centro de línguas da universidade não ofertava português, mas quando apresentei uma proposta de um semestre de aulas voluntárias eles a receberam de braços abertos. A procura foi tão grande, para minha surpresa, que de uma turma com vinte alunos eu abri duas com mais de trinta em cada uma. Essas experiências foram significativas para minha formação, tanto profissional quanto pessoal, e julgo ter tido interesse em buscá-las devido as vivencias anteriores que tive no CLDP. Regressando ao Brasil, em 2014, eu ainda tinha um pouco mais de um ano de curso e uma das minhas primeiras ações foi voltar ao CLDP, pois tinha combinado com as professoras supervisoras que quando eu voltasse eu apresentaria tudo que vivi nas aulas de espanhol e assim o fiz. No ano seguinte, já no último ano de curso, passei a atuar no PIBID que desenvolvia suas atividades no Centro de Línguas do Estado de São Paulo, ainda que eu não me encontrava em minha cidade natal era o contexto onde tudo começou. Por fim, poder experenciar ser professor ainda na graduação me deu uma base mais sólida de como agir em sala de aula, por onde começar, a quem e onde recorrer quando houvessem dúvidas e principalmente me enchia de um orgulho próprio por sentir que eu contribuía (ainda que de uma maneira singela) com a sociedade. Eu não sabia tão claramente, mas essas experiências só aumentavam meu desejo de levar todo esse conhecimento a outros garotos e garotas que, assim como eu, são muitas vezes excluídos socialmente e subjugados pelo sistema. Finalizada essa narrativa que demonstra alguns efeitos pessoais do projeto voltamo-nos à constituição do CLDP. Este surgiu em 2010 como uma continuação de um projeto temático “Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos”, financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo12, que visava (e ainda visa) proporcionar a alunos 11 Ambos intercâmbios foram financiados pela AUGM (Associação Universidades Grupo Montivideo), sendo que o primeiro foi uma parceria com a Universidad Santiago de Chile (USACH) e o segundo com a Universidad Mayor, Real y Pontificia de San Francisco Xavier de Chuquisaca (USFX). 12 Informações sobre o projeto temático, financiamento, trabalhos acadêmicos desenvolvidos e a duração do mesmo podem ser consultadas na página da Fapesp - https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/1222/teletandem-brasil- linguas-estrangeiras-para-todos/. 23 brasileiros, estudantes de uma língua estrangeira, experiências em interações com alunos estrangeiros aprendizes de português. Com a finalização do Teletandem (2007 – 2010) como projeto temático, o professor João Antônio Telles, idealizador dessa ação, implementou o CLDP como um projeto de extensão na UNESP FCL/Assis, atuando como professor coordenador durante os três primeiros anos de sua existência. Por esse motivo, incluímos no presente trabalho uma entrevista com o professor e reiteramos que, embora o Teletandem tenha finalizado seu financiamento, isso não significou o fim de suas ações no campus de Assis. Atualmente, ambas as ações estão vinculadas ao curso de Letras, utilizam do mesmo espaço físico, contribuem para o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras no campus e para o projeto de internacionalização da UNESP13. Outras iniciativas na área de formação de professores de línguas estrangeiras e no ensino de línguas da FCL/Assis somam-se a estas duas, entre as quais destacamos o projeto “Idiomas sem Fronteiras” financiado pelo Governo Federal e que atende alunos de graduação e pós-graduação strictu sensu, o “Programa de Ensino de Línguas em Tarumã”, uma parceria entre a universidade e o município de Tarumã, que, também, possibilita aos alunos da graduação em Letras ministrarem aulas de línguas estrangeiras (espanhol e inglês) para estudantes do Ensino Fundamental II e Médio e o “Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)”, financiado pela CAPES, no qual estudantes de licenciaturas atuam nas escolas públicas como estagiários supervisionados por um docente da instituição parceira. Ressaltamos que, apesar de também inserir estudantes de graduação na prática da docência, esses programas não se equiparam ao CLDP quanto ao número de línguas ofertadas e ao formato de inserção e supervisão dos estudantes. Ademais, O CLDP funciona como um centro de apoio para os projetos mencionados anteriormente. Além disso, justificamos a escolha desse tema a partir do papel que este projeto desenvolve (e busca desenvolver) na formação inicial de professores de LE e pelas características do local para o desenvolvimento de pesquisas. A relevância deste estudo pode ser descrita por ser este o primeiro trabalho desenvolvido em nível de pós-graduação cujo foco de estudo é o Centro de Línguas, tal fato, traz um caráter pioneiro a pesquisa. 13 Um exemplo mais claro das ações e do processe (projeto) de internacionalização pode ser visto em: https://www2.unesp.br/Home/proex/mostra_arq_multi.php?arquivo=8915 24 Nesse cenário, para o desenvolvimento da presente investigação, utilizamos a abordagem qualitativa, a qual baseia-se nos seguintes princípios: a) ter contato direto com o ambiente natural e o pesquisador como seu instrumento principal de coleta; b) possuir caráter predominantemente descritivo; c) buscar os significados atribuídos pelos atores investigados e d) trabalhar com uma análise indutiva. Desse modo, na tentativa de responder a nossa pergunta norteadora, pautamo-nos na análise das resoluções que oficializam as atividades de extensão na UNESP (UNESP 2012, 2016, 2017, 2018), de um questionário enviado aos alunos egressos do CLDP (participantes da área de espanhol de 2010 a 2017) e das entrevistas realizadas com as professoras supervisoras da área do espanhol e com o professor idealizador do projeto. A partir do exposto, organizamos essa dissertação de modo que na primeira seção apresentamos, inicialmente, uma discussão sobre a formação inicial de professores de línguas estrangeiras, entendida num sentido mais amplo, como um profissional reflexivo e autônomo. Nessa seção, elencamos as principais concepções de ensino de línguas estrangeiras e como essas refletem (ou estão compreendidas) numa concepção de formação de professores passando pelos diferentes métodos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, a abordagem comunicativa e o período pós-método. Ainda na primeira seção, trazemos uma discussão acerca da especificidade na formação inicial de professores de espanhol como língua estrangeira. Em sua construção, apresentamos um panorama do ensino da língua espanhola no Brasil, as influências externas e políticas para a implementação dessa língua e a característica do professor de espanhol num país fronteiriço com países hispano-falantes. Já na segunda seção, detalhamos nossa concepção de pesquisa qualitativa, quem são e como foram localizados os participantes, os instrumentos de coleta utilizados e seus objetivos, o método de análise e de tratamento dos dados coletados. Nessa seção, descrevemos também o nosso objeto de pesquisa (o CLDP) com um levantamento de seu histórico, do funcionamento da área administrativa (secretaria), do funcionamento da área pedagógica (horário de aulas, disposição das salas, deveres dos alunos participantes, bolsistas e voluntários), da organização de eventos, dos cursos ofertados e fotos do local com o intuito de ilustrar o espaço para o leitor. Na terceira seção, discutimos algumas categorias de análise do material coletado, sendo elas, (I) o perfil dos estudantes egressos do CLDP; (II) o que eles dizem de suas participações no projeto; (III) algumas marcas deixadas pelo Centro na vida profissional desses estudantes; 25 (IV) as observações das professoras supervisoras e do professor idealizador e (V) a organização e o uso do tempo-espaço no CLDP. Por fim, encerramos com as considerações finais da pesquisa e possíveis discussões sobre encaminhamentos futuros em relação às atividades desenvolvidas pelo CLDP, nossas referências bibliográficas, nos anexos constam todos os documentos referentes à consolidação do projeto dentro da UNESP e à caracterização das atividades (horários, edital de seleção de professores, divulgação das inscrições, etc). 26 I. FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Na presente seção, discutimos a formação inicial do professor de língua estrangeira, num sentido mais amplo, a fim de compreender o que caracteriza esse processo. Para isso, nossa discussão permeia o campo da educação e da linguística aplicada com o intuito de enriquecer as análises posteriores. Partimos da historicidade do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras (LE) em contexto nacional e de como as mudanças ocorridas influenciaram a formação destes professores. Após essa etapa, apresentamos algumas ideias sobre a abordagem comunicativa e a pedagogia pós-método como alternativas para a predeterminação dos métodos de ensino de LE e, finalmente, discorremos sobre o ensino da língua espanhola no Brasil e as especificidades de se formar professores dessa língua. 1.1 O que entendemos por formação inicial de professores de LE? Segundo Leffa (1999), o Brasil possui uma tradição no ensino das línguas, inicialmente as clássicas e, posteriormente, as modernas tais como francês, inglês, alemão, italiano e espanhol. A princípio, o ensino de LE se deu com a chegada da Família Real, em 1808, e com a criação do Colégio Pedro II, em 1837 “e finalmente com a reforma de 1855, que o currículo da escola secundária começou a evoluir para dar ao ensino das línguas modernas um status pelo menos semelhante ao das línguas clássicas” (idem, p. 14). Esse período, também, caracterizou-se pela falta de metodologia adequada ao ensino de LE. Na Primeira República (1889 - 1930), Chaguri (2012) afirma que “os escritos deixados daquela época não mencionam muitas informações, como acontece no Império, e o que sabemos de fato é que, em 1898, as três línguas que aparecem juntas desde o primeiro até ao sétimo ano são o francês, inglês e o alemão” (p. 07). Posterior a isso, incorpora-se o italiano como língua estrangeira e em “grau de importância e número de anos aparece o francês em primeiro lugar, depois o inglês, o alemão e o italiano” (PICANÇO, 2003, p. 28 apud idem). Em 1942, com a Reforma Capanema, as línguas passam a ter um papel importante para a educação brasileira, uma vez que, “a principal finalidade do ensino passou a ser a formação geral, pela qual, o curso secundário passou a ser dividido em dois ciclos: ginasial e colegial14” (CHAGURI, 2012, p. 14). Por um lado, 14 Segundo Rodrigues (2012, p. 24) “Vale recordar que, naquele momento, eram dois os níveis escolares: Primário, que compreendia os primeiros 4 anos de escolaridade, dos 7 aos 11 anos da criança; e Secundário, que, por sua vez, dividia-se em dois ciclos: o primeiro, denominado Ginasial, tinha 4 anos de duração, enquanto que o 27 “a educação nacional ficou centralizada no Ministério de Educação, de onde partiam praticamente todas as decisões, desde as línguas que deveriam ser ensinadas, a metodologia a ser empregada pelo professor e o programa que deveria ser desenvolvido em cada série do ginásio e em cada ano do colégio” (LEFFA, 1999, p. 18). Por outro lado, “todos os alunos, desde o ginásio até o científico ou clássico, estudavam latim, francês, inglês e espanhol” (LEFFA, 1999, p. 19) e a metodologia adotada perpassava as ideias do ensino pelo método direto. Mais adiante, em 1961 houve a promulgação da Lei de Diretrizes e Base Nacional (LDB), período em que ocorreu uma desvalorização do ensino de línguas, no qual, é “sugerida a oferta de uma LE nas escolas onde fosse possível ser ensinada, mesmo em condições de caráter mínimo. Por isso, a lei transformou-a numa disciplina complementar comum para parte diversificada” (CHAGURI, 2012, p. 17, grifos nossos). Já a LDB de 1971 permitiu que “muitas escolas tirassem a língua estrangeira do 1º. grau [atual ensino fundamental], e, no segundo grau [atual ensino médio], não oferecessem mais do que 01hora por semana, às vezes durante apenas um ano” (LEFFA, 1999, p. 19). Ainda nesse período, o inglês ganhou espaço entre as LE e “necessitava de um método de ensino que atendesse aos objetivos de industrialização do país [... sendo que] o áudio-lingual era o mais indicado para atender às novas exigências” (CHAGURI, 2012, p. 19). Por fim, a LDB de 1996 incluiu obrigatoriamente uma LE no currículo do ensino fundamental e médio, além de outra, de caráter opcional, no nível médio, deixando claro a sua preocupação com a necessidade do ensino de uma LE nas escolas do país (mais adiante retomamos esse assunto). Contudo, a preocupação em relação ao método que deveria ser utilizado pelos professores nas escolas do país não era mais uma ideia fixa, uma vez que, adotou-se o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (CHAGURI, 2012). Essas mudanças ocorridas na oferta das línguas, a exclusão do ensino das línguas clássicas e a redução da carga horária para as LE modernas (LEFFA, 1999) influenciavam a criação, ou não, de cursos superiores e a busca por profissionais capacitados para atuarem nesse campo. Além do mais, as abordagens15 de ensino (métodos) foram sendo revistas no decorrer da história. A seguir, apresentamos um quadro com as principais abordagens presentes no ensino de línguas no Brasil. segundo, que durava 3 anos, supunha a divisão dos estudantes entre os cursos Clássico e Científico, de acordo com suas preferências acadêmicas”. 15 Entendemos aqui abordagem segundo Almeida Filho (2001, p. 19) “A abordagem é mais ampla e abstrata do que a metodologia por se endereçar não só ao método, mas às outras três dimensões de materialidade do ensino, a saber, a do planejamento após a determinação dos objetivos, a dos materiais (que se escolhem ou se produzem) e a do controle do processo mediante avaliações”. 28 Quadro 1: Abordagens de língua estrangeira e formação de professores ABORDAGEM CONCEPÇÃO DE LÍNGUA CARACTERÍSTICAS VISÃO DE PROFESSOR DE LE Gramática e Tradução Língua é simplesmente um sistema independente composto de partes separadas umas das outras.  Ensino da LE pela língua materna;  Os três passos essenciais para a aprendizagem da língua são: (a) memorização prévia de uma lista de palavras, (b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e (c) exercícios de tradução e versão (tema);  É uma abordagem dedutiva, partindo sempre da regra para o exemplo;  Tem domínio da terminologia gramatical e o conhecimento profundo das regras do idioma com todas as suas exceções;  Domina o conteúdo a ser ensinado;  Ocupa um lugar de maior destaque que o estudante (Visão vertical); Método Direto Língua é um sistema situacional / oral que exige do aluno um processo de indução em sua aprendizagem.  A LE se aprende através da LE;  O estudante aprende por indução;  A língua materna nunca deve ser usada na sala de aula;  A transmissão do significado dá-se através de gestos e gravuras, sem jamais recorrer à tradução;  O aluno deve aprender a "pensar na LE";  A ênfase está na língua oral, mas a escrita pode ser introduzida já nas primeiras aulas;  Tem domínio da oralidade (fluência oral e boa pronúncia);  Faz a integração das quatro habilidades na seguinte sequência: ouvir, falar, ler e escrever;  A técnica da repetição é usada para o aprendizado automático da língua;  Ocupa um lugar de maior destaque que o estudante (Visão vertical); Método da Leitura Língua é um sistema escrito que permite uma compreensão da cultura e literatura de outro povo.  Procurava-se criar condições que propiciassem a leitura, tanto dentro como fora da sala de aula.  O ensino de línguas deveria antes visar o gosto pela cultura e literatura do povo estudado;  Ênfase na língua escrita com a reformulação das regras de gramática, fixando-se no essencial para compreensão;  O aluno deveria ser exposto diretamente à LE;  Tem domínio da terminologia gramatical e um bom conhecimento das regras do idioma;  Faz uso predominantemente de uma única habilidade: ler;  Ocupa um lugar de maior destaque que o estudante (Visão vertical); 29 Audiolingual Língua é um processo mecânico de estímulo e resposta que por meio da repetição o aluno a adquire.  Ênfase na língua oral (o aluno deveria primeiro ouvir e falar, depois ler e escrever);  Criação de laboratórios de línguas com gravações de falantes nativos (pronúncia perfeita);  A língua era vista como um hábito condicionado que se adquiria através de um processo mecânico de estímulo e resposta (repetição);  Preocupação em evitar que os alunos cometessem erros (análise contrastiva);  Perguntas eram desencorajadas;  A gramática era ensinada através da analogia indutiva.  Tem domínio da oralidade (fluência oral e boa pronúncia);  É um exemplo a ser seguido pelo aluno;  Ênfase na oralidade (como principal função da língua);  Ocupa um lugar de maior destaque que o estudante (Visão vertical); Abordagem Comunicativa Prática social atrelada à comunidade que a usa (não existe fora do evento comunicativo que a constitui).  Língua entendida como um conjunto de eventos comunicativos (funções);  Aprendizagem em espiral (do expoente linguístico mais simples ao mais complexo);  O uso de linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos participantes;  Rejeição de diálogos artificiais (material autêntico) e uso de diferentes textos;  Não existe ordem de preferência na apresentação das quatro habilidades linguísticas nem restrições quanto ao uso da língua materna;  Os cursos devem ser planejados a partir das necessidades e interesses dos alunos;  O professor deixa de exercer seu papel de autoridade, de distribuidor de conhecimentos, para assumir o papel de orientador;  Faz uso das quatro habilidades (ler, escrever, ouvir, falar) em diferentes ordens segundo o objetivo do aluno;  O professor deve mostrar sensibilidade aos interesses dos estudantes, encorajando a participação e acatando sugestões;  Predomínio de trabalhos em grupo; FONTE: REZENDE JR, 2020 (adaptado de LEFFA, 1988). 30 Observando o quadro, percebemos que, nas primeiras abordagens (gramática e tradução, leitura, direta e audiolingual), o professor de LE ocupava um lugar central na sala de aula e foi, aos poucos, dividindo o cenário educacional com o aluno, que vai ganhando representatividade e importância nesse espaço (abordagem comunicativa). Ademais, o professor passa de uma concepção detentora de todo saber, seja ele gramatical ou oral, para a figura de orientador e colaborador do trabalho a ser realizado em grupo. Desse modo, podemos dizer que esse profissional: Antes ocupava um estrado na frente dos alunos em posição superior; depois desceu do estrado, mas permaneceu ainda destacado na frente de todos; mais tarde saiu da posição de destaque e misturou-se com os alunos; com o tempo dividiu suas tarefas pedagógicas com objetos e recursos de aprendizagem, incluindo material impresso, laboratórios de línguas e computadores; atualmente tem trabalhado também a distância, mediado por tecnologias e alunos monitores. (LEFFA, 2012, p. 404). A partir das mudanças de paradigma apresentadas podemos descrevê-las em três eixos principais, sendo eles: a) em relação à concepção de língua estrangeira na qual vamos de uma visão sistêmica para uma visão funcionalista; b) em relação ao ensino de línguas estrangeiras que passamos de uma visão instrutiva para uma construtivista; e c) em relação ao papel do professor e de como era concebida sua formação, na qual saímos de uma visão de autoridade, passamos para uma visão colaborativa até chegarmos a uma visão crítica. Por visão crítica da formação de professores, entendemos, segundo Leffa (2008), que a formação inicial de professores de LE corresponde a uma preparação mais complexa, que envolve a fusão do conhecimento recebido no contexto institucional com o conhecimento experimental e uma reflexão sobre esses dois primeiros tipos de conhecimentos. Segundo o autor, “a formação de um professor de línguas estrangeiras envolve o domínio de diferentes áreas de conhecimento, incluindo o domínio da língua que ensina e o domínio da ação pedagógica necessária para fazer a aprendizagem da língua acontecer na sala de aula” (p. 354). Concordamos com as afirmações de Leffa (2008) e acreditamos que mais do que fazer a aprendizagem acontecer o professor de LE precisa refletir em como seu estudante aprende e replanejar seu curso segundo seu público alvo, discorreremos sobre isso mais adiante. Assim, os processos de formação inicial de professores de LE devem contribuir para a construção de um profissional reflexivo, crítico e comprometido com a educação. Além de tudo isso, ressaltamos que, ao mencionarmos o termo “formação” o diferenciamos de treinamento, mais 31 pautado nas concepções inicias de língua, segundo as abordagens apresentadas no quadro anterior. Logo: Formação é diferente [pois] busca a reflexão e o motivo por que uma ação é feita da maneira que é feita. Há, assim, uma preocupação com o embasamento teórico que subjaz à atividade do professor. Enquanto que o treinamento limita-se ao aqui e agora, a formação olha além. (LEFFA, 2008, p. 355) Esse processo pode ter início na própria teoria (conhecimento recebido institucional nos cursos de graduação), chegando à prática (conhecimento experimental ou experencial) e passando para uma reflexão que realimenta a teoria dando início a um novo ciclo (LEFFA, 2008). O autor ilustra suas ideias da seguinte maneira: FONTE: LEFFA, 2008, p. 356. Por mais que concordemos com o processo ilustrado na figura acima, acreditamos que não haja uma ordem linear dos acontecimentos e que por ser um processo cíclico há também a possibilidade de se voltar à ação anterior. Em outras palavras, as setas que indicam as etapas pelas quais a formação caminha, teoria, prática e reflexão, podem aparecer numa ordem inversa com a retomada de algum ponto que não tenha ficado claro no percurso ou sem uma ordem pré-estabelecida, na qual a teoria seja o primeiro item do processo de formação. FIGURA 1 - Processo de Formação 32 Essas ideias contribuirão para a exemplificação das atividades realizadas no CLDP e como o projeto vê as reuniões pedagógicas desenvolvidas com os participantes, as aulas ministradas por eles e o processo de formação imbricada nesse contexto. A seguir, ilustramos nossa concepção de formação a partir de Leffa (2008). FIGURA 2 - Processo de formação não linear FONTE: REZENDE JR, 2019 (Adaptado de LEFFA, 2008). Por fim, Leffa ainda menciona que esse processo de formação almeja alcançar um profissional consciente de seu campo de estudo e de trabalho, engajado politicamente e crítico. O autor enfatiza que tal processo tem continuidade quando o discente sai da universidade, percorrendo toda sua trajetória como professor de LE. Além disso, o autor também reforça que “a sala de aula não é uma redoma” (2008, p. 354) isolada de todo o seu contexto, sendo que o que acontece em seu interior está condicionado ao que se passa lá fora. Dando prosseguimento a esse pensamento, Almeida Filho (2001) compartilha com Leffa (2008) da visão de que a formação inicial do professor de LE deve basear-se numa preparação que lhe permita explicar suas ações e as razões pelas quais age de determinada maneira. Nas palavras do autor, “os professores de línguas precisam, entre outras cousas, produzir o seu ensino e buscar explicar porque procedem das maneiras como o fazem” (p. 19). Para tanto, o autor corrobora com o exposto e descreve algumas competências que deveriam ser inerentes às ações dos professores de LE e que lhes permitiriam alcançar a concepção de formação aqui mencionada. 33 As competências previstas são as seguintes: competência implícita (que se desenvolve em nós a partir das experiências de aprender língua(s) que vivemos), competência teórica (corpo de conhecimentos que podemos enunciar), competência aplicada (o ensino que podemos realizar orientado e explicado pela competência teórica que temos), competência linguístico- comunicativa (a língua que se sabe e se pode usar) e a competência profissional (nosso reconhecimento do valor de ser professor de língua, nossa responsabilidade pelo avanço profissional próprio e dos outros e as ações correspondentes) (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 20, grifos nossos). Neste trabalho, nos deteremos à competência aplicada, pois a entendemos como a fusão da competência implícita com a competência teórica (em que a primeira vai sendo suprimida) e que requer conhecimentos da competência linguístico-comunicativa e profissional. Em resumo, a competência aplicada é aquela competência desenvolvida pelo professor para viver profissionalmente aquilo que sabe teoricamente e que consegue explicar quando necessário (saber o porquê faz tal coisa) (ALMEIDA FILHO, 2000, 2001, 2004). Nas palavras do autor, “essa competência vai gradualmente substituindo a implícita, fortalecida por um saber fazer novo, e que se explica quando interpelado, indagado ou questionado” (idem, 2011, p. 123). Almeida Filho (2001), assim como Leffa (2008), esclarece que todo professor de LE age segundo uma abordagem (filosofia) de ensino e ao comparar tal afirmação com suas competências reforça que “para ensinar profissionalmente uma língua hoje o professor precisa mais do que uma competência espontânea implícita. Ele ou ela precisa ser mais do que prático-experiente, embora a prática seja constitutiva de quem vai ensinar” (ALMEIDA FILHO, 2006, p. 11). Desse modo, o que até aqui tratamos como componentes da formação do professor de LE (sua concepção de língua, sua abordagem e métodos) somam-se às competências mencionadas acima e podem ser ilustradas segundo um diagrama, figura 3, elaborado por Almeida Filho (2001), a fim de exemplificar os conflitos e os acordos (concessões) estabelecidos durante o processo de se ensinar/aprender uma nova língua e como todos esses aspectos estão interligados à formação de professores de LE. 34 FIGURA 3 - Aspectos do ensino e da formação de professores de LE FONTE: ALMEIDA FILHO, 2001, p. 21. Assim, ao observarmos a figura, podemos perceber que, num contexto mais amplo, o professor sofre influências de um âmbito externo à escola, como mencionado anteriormente por Leffa (2008). Essas interferências podem direcionar a escolha da abordagem, baseado em sua competência (profissional, linguística, etc). Tais esferas macro (influências externas, abordagem) se refletem nos objetivos dos cursos, no planejamento, na escolha (ou não) de materiais ou na construção desses, nas experiências pessoais e nas avaliações a serem desenvolvidas. Nesse mesmo sentido, Almeida Filho (2001, p. 25) conclui que: Pode-se tomar o rumo básico de ensinar e aprender o sistema primeiro e ir ensaiando o uso paulatinamente ou pode-se viver a comunicação (mesmo que precariamente no início) e, nela, aprender a língua e, em alguns momentos, sobre ela. Esse segundo caminho é o que tenho tomado como o caminho da abordagem comunicativa e o primeiro o da abordagem sistêmica pela forma (gramatical). Esse excerto nos permite, uma vez mais, relacionar as ideias de Almeida Filho (2001) com as de Leffa (2008), mais especificamente, sobre as mudanças de paradigmas e de como se aprende e se ensina línguas estrangeiras, de como a concepção de língua do professor determinará o método a ser utilizado por ele e de como todas essas características influenciam ou são influenciadas na / pela formação inicial. 35 Por esse prisma, Almeida Filho (2011) também menciona que o conceito de língua evolui com o passar do tempo, basta considerarmos que ela era entendida como um conjunto de regras, passou a estruturas explicitadas em padrões, depois feixes de recursos funcionais, ação social, ação social constituidora de identidades, de relações e do conhecimento e chegou a ser compreendida como uma ação linguajeira transformadora. Por fim, reforçamos que a experiência tanto de aprendizagem quanto de ensino de línguas corroborará com a formação inicial desde que pensada num processo cíclico de reflexão, autorreflexão e reflexão sustentada em teorias. Nesse processo de formação, cabe- nos questionar também “se, de fato, quem ensina uma nova língua na escola ensina só o sistema em si, ou se também e, talvez principalmente, o uso situado e (culturalmente) apropriado da língua-alvo, além de outras coisas” (ALMEIDA-FILHO, 2011, p. 115). Assim sendo, concordamos que: Os professores de línguas, assim como os outros professores, não podem chegar a plenitude profissional sem anos iniciais de sólida e bem orientada formação na carreira, porém logo após seu ingresso na profissão, necessitam para sempre de cuidados constantes, supervisão, respeito, oportunidades de crescimento – e por que não admiti-lo – melhor remuneração pelo seu trabalho. O professor seguramente necessita de cuidadosa iniciação formadora (mesmo que não esteja realmente “formado” ao formar-se!) nos cursos de graduação, durante o Programa Geral de Formação de Professores (licenciatura) (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 46). Para a professora Vieira-Abrahão (2001a), “os professores interpretam e moldam suas experiências fazendo uso de repertórios de valores, conhecimentos, teorias e práticas” (p. 153). Esta autora busca em Zeichner e Liston (1996) três fontes das teorias práticas dos professores que podem contribuir com nossas reflexões acerca da formação inicial de professores de LE. São elas: a) experiência pessoal (experiências de cada um, incluindo as como aluno, professores, pais); b) conhecimento transmitido (todo conhecimento adquirido por meio de discursos de outras pessoas, livros, cinema, e outros registros); e c) valores pessoais (os valores adquiridos social e culturalmente) (VIEIRA-ABRAHÃO, 2001a, 2001b). Assim, Vieira-Abrahão (2001a) menciona que ao pensarmos no professor, incluindo aqueles em formação, não podemos nos esquecer de que essas fontes “interagem e se misturam para constituir uma teoria prática de um professor, o que quer dizer que o significado dado a uma experiência é altamente dependente, mas não determinado por valores individuais, experiências pessoais e conhecimento transmitido” (p. 154). Em outras palavras, teoria prática ou teoria aplicada consiste na materialização da junção das experiências, 36 pessoais e profissionais, somado ao conhecimento teórico-científico adquirido, durante e depois da formação inicial, e também acrescido de seus valores pessoais. Os três componentes apresentados por Vieira-Abrahão (2001a, 2001b) nos permitem perceber que a segunda categoria, conhecimento transmitido, no qual se encaixariam as aulas ofertadas pela universidade, consiste em apenas uma das fontes de teorias que constitui o professor. Por um lado, essas reflexões induzem a autora questionar “o tipo de formação que vem sendo desenvolvido pelas universidades e até que ponto estamos formando bem tanto para a realidade da escola de idiomas como para a realidade do ensino fundamental e médio público e privado” (VIEIRA-ABRAHÃO, 2006, p. 56). Por outro lado, em nossa concepção de formação de professores, não compreendemos as aulas no ensino superior como um conhecimento ‘transmitido’, mas, sim como um momento de reflexão, no qual, criamos condições para a circulação do conhecimento. Sendo que esta última não se dá numa visão hierárquica ou autoritária e sim num processo dialógico e democrático. Portanto, para a autora, é importante dar oportunidade para que o licenciando em Letras possa iniciar sua construção como profissional e saiba que esta não se encerra ao término do curso, mas, o introduza numa prática reflexiva que cobre do aluno-professor comprometimento em sua formação e criticidade com as leituras realizadas em sala. Portanto, ela reforça a necessidade de: promover uma reflexão sobre os conceitos de método e abordagem, sobre as principais abordagens e métodos de ensino, sobre técnicas e estratégias a elas associadas, sobre as teorias de aquisição, resultados de pesquisas na área, produzidas no Brasil e no exterior, sobre a questão da formação do professor e do ensino de línguas no contexto nacional etc, pois é a partir daí que se torna possível que os alunos-professores façam escolhas fundamentadas na construção de suas próprias teorias e práticas de sala de aula (VIEIRA-ABRAHÃO, 2001, p. 156). Pensando nestes conceitos (abordagem, método, técnicas e estratégias), a autora apoiada nas ideias de Richards (2002, apud VIEIRA-ABRAHÃO, 2006, p. 57) afirma “que as diferentes maneiras de formar professores são construídas sobre diferentes perspectivas do que seja o ato de ensinar línguas: uma ciência, uma tecnologia, um artesanato ou uma arte16”. 16 Portanto, dependendo da visão que temos, selecionamos diferentes abordagens para nossas aulas de LE e podemos voltar ao quadro 1, no qual, perceberemos como cada concepção de língua pressupõe uma concepção de ser professor de LE. 37 Dedicaremos a seguir a explicação dada a cada uma das perspectivas mencionadas por Richards (idem). Observando as características das duas primeiras concepções sobre ensinar línguas podemos intuir que o professor assume uma postura mais passiva em relação a sua prática, pois, num primeiro momento compreende e desenvolve tarefas segundo um princípio de aprendizagem, características de técnico – transmissor, e num segundo momento seleciona o que irá fazer segundo uma teoria e monitora o desempenho dos alunos, características de um aplicador. Assim: A perspectiva tecnicista de ensinar e formar professores é claramente caracterizada como tendo papéis bem definidos para os teóricos e para os professores: teóricos concebem e constroem o conhecimento, os professores compreendem-no e implementam-no. Não é atribuição do professor, de acordo com esta perspectiva, criar novos conhecimentos e teorias e sim executar o que lhe é prescrito (VIEIRA-ABRAHÂO, 2006, p. 58). A terceira concepção talvez seja a única que trate o professor como um agente capaz de criar teoria a partir de suas observações e tentativas, indícios de uma abordagem reflexiva. Essa visão na formação de professores representa um avanço em relação às concepções anteriores, pois rompe com essa ideia de teórico versus professor apresentada por Vieira- Abrahão (2006) no excerto acima. Por fim, a autora menciona que “iniciada com Dewey, no início do século XX, e retomada por Schon, na década de oitenta, a visão de profissional reflexivo tem sido disseminada e adotada em muitos dos programas de formação de professores no exterior e no Brasil” (VIEIRA-ABRAHÂO, 2006, p. 58). A seguir apresentamos um quadro com as concepções mencionadas pela autora: Quadro 2: Concepções sobre ensinar línguas Concepções Características Concepções de pesquisa científica *Compreender os princípios científicos gerados de pesquisas empíricas. *Desenvolver tarefas e atividades baseadas em princípios de aprendizagem. *Monitorar o desempenho nas tarefas para verificar se o desempenho desejável é atingido. 38 Concepções teórico filosóficas *Compreender a teoria e os princípios gerados de arcabouços lógicos, filosóficos, políticos e morais. *Selecionar planejamento, materiais e tarefas baseadas na teoria. *Monitorar seu ensino de acordo com a teoria. Concepções arte e artesanato *Tratar cada situação de ensino como única. *Identificar as características particulares de cada situação. *Tentar diferentes estratégias de aprendizagem. *Desenvolver abordagens pessoais de ensino. FONTE: VIEIRA-ABRAHÃO, 2006. Concordamos que “o modelo reflexivo, contrariamente aos modelos mais tradicionais, enfatiza o fato de que as pessoas raramente entram em situações de formação com a mente vazia ou com atitudes neutras, o que é especialmente verdadeiro quando se fala de professor [...]” (VIEIRA-ABRAHÃO, 2001b, p. 64-65). Nesse modelo, cíclico, retomamos as ideias de Leffa (2008) acerca da junção do conhecimento teórico com o conhecimento experencial sob a luz de reflexões para novas ações e reforçamos que um deve contribuir com informações para o outro “isto é, o professor em formação pode refletir sobre o conhecimento recebido à luz da experiência de sala de aula, e a experiência de sala de aula pode alimentar as sessões de conhecimento recebido” (idem)17. Segundo Alarcão (2011) “a noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores” (p. 44). Essa definição da autora vai ao encontro das ideias de Vieira-Abrahão (2006), a qual rompe com visões mais reprodutivistas e tecnicistas da formação inicial do professor de LE. Alarcão (2011) ainda menciona que contextos formativos com base na experiência e no diálogo assumem um papel de enorme relevância, pois permitem aos envolvidos um triplo diálogo, ou seja, um diálogo consigo mesmo, um diálogo com os que construíram conhecimento e são referência na área e um diálogo com a própria situação. Pensando nesses contextos, a autora destaca algumas estratégias de grande valor formativo para os professores 17 Maiores detalhes e exemplificações traremos na seção de análise dos dados coletados juntos aos participantes do CLDP. Porém, podemos observar em Vieira-Abrahão, 2001b, como a autora organiza suas aulas de prática de ensino no curso de Letras a partir deste modelo reflexivo. Outro exemplo de como as diferentes concepções de língua estrangeira influenciam na formação e na prática laboral do professor pode-se ver em Vieira-Abrahão, 2010. 39 com destaque à pesquisa-ação, uma vez que o “móbil da formação nos profissionais adultos advêm do desejo de resolver problemas que encontram na sua prática cotidiana” (p. 51). Por fim, pelas características expressas sobre a visão e a formação do professor reflexivo julgamos importante detalhar um pouco mais a ideia de abordagem comunicativa, pois, como já mencionamos no quadro 1, esta rompe com o papel de autoridade do professor e possibilita que este desempenhe a função de orientador, e além disso pressupõe que os cursos devam ser planejados a partir das necessidades dos estudantes o que discutiremos mais fortemente com o conceito de pós-método. 1.2 Abordagem Comunicativa e Pós-Método A abordagem comunicativa começa a surgir no Brasil com as pesquisas na área de Linguística Aplicada no final de 1960, quando há nesse momento um repensar dos processos de ensino e aprendizagem de línguas (COUTO, 2016, p. 35). Tal abordagem vinculada, inicialmente, a uma visão nocional-funcional de língua que [...] considera como prioritário se comunicar na LE com adequação a cada situação, adquirir as quatro destrezas (compreender, falar, ler e escrever), aprender o vocabulário e as estruturas necessárias às situações apresentadas, que são escolhidas segundo as necessidades dos alunos. Ademais de se levar em conta a correção linguística, se valoriza também a adequação à situação e ao contexto, o qual supõe a participação ativa e a interação dos estudantes (FERNÁNDEZ, 2010, p. 79, tradução nossa).18 Percebemos nesta abordagem um maior interesse ao contexto social no qual a interação acontecerá e à adequação do uso que se faz da LE. Segundo Vieira-Abrahão (2011, p. 156), “ a abordagem comunicativa surgiu em um momento em que os métodos, enquanto pacotes fechados com procedimentos pré-definidos e estanques, já começavam a entrar em crise, propondo no lugar de prescrições, princípios norteadores para uma prática pedagógica”. Essa mudança na compreensão do ensino de línguas supera o foco no professor, quando este entendia o processo de ensino como transmissão de conhecimento, e supera também uma ênfase nos conhecimentos linguísticos, ou seja, no uso correto da língua e nas estruturas gramaticais e lexicais. Baptista (2004, p. 1456) reforça essas ideias dizendo que pela visão da 18 No original: […] considere como prioritario comunicarse en la LE con adecuación a cada situación, adquirir las cuatro destrezas (entender, hablar, leer y escribir), aprender el vocabulario y las estructuras necesarias a las situaciones planteadas, que se eligen según las necesidades de los alumnos. Además de tener en cuenta la corrección lingüística, se valora también la adecuación a la situación y al contexto, lo cual supone la participación activa y la interacción de los estudiantes (FERNÁNDEZ, 2010, p. 79). 40 abordagem comunicativa “a atuação linguística não ocorre no vácuo, ao contrário disso, é resultado da interação e da negociação entre os interlocutores numa dada situação comunicativa”. Assim, interagir, em uma dada situação comunicativa, supõe uma intencionalidade prévia que atenda a certos propósitos dos sujeitos envolvidos. Além disso, a interação é permeada por determinadas convenções, regras tanto do código linguístico quanto do social e do cultural. Enfim, a interação se insere em um contexto que, por sua vez, é social e histórico (idem, p. 1457). Todo esse contexto fez com que aparecesse o conceito de competência comunicativa que, segundo Baptista (2004), compreende a competência linguística, associada ao conhecimento da língua e a capacidade de empregá-la; a competência sociolinguística, associada ao conhecimento e às destrezas para o uso da língua numa dimensão social e cultural; e a competência pragmática, associada à organização e estruturação de mensagens para a realização de funções comunicativas. Já, segundo Canale (1980, apud Couto, 2016), a competência comunicativa poderia ser dividida em quatro sub competências, sendo elas: a gramatical que representar o código linguístico; a sociolinguística entendida como a habilidade de adequação do discurso aos diversos contextos; a discursiva que corresponde à capacidade de se produzir discursos coerentes e coesos, e a estratégica que marca uma compreensão do sujeito para as dificuldades apresentadas nos processos comunicativos. Em suma, em ambas as divisões da competência comunicativa, percebemos que “agora são exigidos conhecimento socioculturais, discursivos e estratégicos para se aprender uma LE” (COUTO, 2016, p. 36). Para Vieira-Abrahão (2015), a abordagem comunicativa permite uma melhor execução do modelo reflexivo pois, segundo a autora, essa abordagem carrega consigo características em comum com o modelo pós-método e dá início à mudança de pensamento sobre propostas e processos de ensino-aprendizagem de línguas em sala de aula e na formação docente. A seguir apresentamos uma lista com alguns objetivos que devem ser levados em consideração por professores ao organizarem uma aula de LE tendo como base a abordagem comunicativa. Quadro 3: Objetivos a serem seguidos na abordagem comunicativa Organizar o planejamento de ensino levando-se em conta os interesses e necessidades comunicativas dos alunos; Priorizar aspectos semânticos e discursivos da língua alvo e não aspectos linguísticos; 41 FONTE: REZENDE JR, 2020 (Adaptado de VIEIRA-ABRAHÃO, 2015). Obviamente, nem todos os princípios são contemplados em uma única aula, porém, tê- los em mente ao planejar um curso possibilitará ao docente aproximar-se da prática comunicativa e do conceito de competência comunicativa como explicitado anteriormente. Vieira-Abrahão (2015) ainda destaca a presença de duas versões da abordagem comunicativa: a forte e a fraca. Na primeira, a língua é aprendida a partir de seu uso, na comunicação propriamente, sem interferência e controle do professor. Já na segunda versão, os aprendizes aprendem primeiramente sobre a língua para depois a usarem na comunicação. Exemplificando, podemos dizer que: Em nosso país, pode-se encontrar a primeira versão em escolas de idiomas ou centros de línguas, enquanto que a segunda parece predominar no ensino de línguas nos cursos de Letras nas universidades, em decorrência da preocupação não só com o desenvolvimento da competência comunicativa, mas também com o desenvolvimento da competência linguística do futuro professor. Entende-se que ele precisa ter um profundo conhecimento da estrutura da língua-alvo para poder ensinar (VIEIRA-ABRAHÃO, 2015, p. 28). Ambas versões são importantes de serem discutidas na formação inicial e, principalmente, explicitadas segundo os objetivos de cada contexto de ensino. Além disso, Ensinar a gramática em nível discursivo e pragmático e não como uma metalinguagem; Desenvolver as 4 habilidades (ler, escrever, compreender e ouvir) de forma integrada, desde o início do processo de ensino e aprendizagem; Usar linguagem autêntica em sala de aula (trabalho com materiais de uso social); Promover a compreensão intercultural e o processo de alteridade nos estudantes; Envolver o aluno na interação em língua-alvo por meio do desenvolvimento de atividades (ou tarefas) comunicativas em pares ou em grupos, com foco na resolução de problemas; Permitir a função mediadora ou de suporte da língua materna na aprendizagem de uma língua estrangeira; Prestar atenção a variáveis afetivas e aos diferentes estilos de aprendizagem dos alunos; Avaliar a proficiência por meio de unidades discursivas reais que o aprendiz pode, de fato, realizar; 42 para Vieira-Abrahão (2015), a abordagem comunicativa empresta algumas características das abordagens anteriores para ir aprimorando-as até chegar numa versão crítica do ensino de LE. O quadro a seguir ilustra as informações apresentadas pela autora: Quadro 4: Diferentes interpretações da abordagem comunicativa INTERPRETAÇÕES CARACTERÍSTICAS COMUNICATIVIZADA Procuram dar ao estruturalismo uma roupagem nova, apenas comunicativizando uma ou outra tarefa, sem alterar concepções básicas de linguagem, de ensinar e de aprender. Por exemplo: continuar com o livro didático gramatical e introduzir jogos e músicas. FUNCIONALIZADA Referem-se ao primeiro momento da abordagem comunicativa (movimento nocional-funcional) e organizam as experiências de aprendizagem a partir de noções e funções comunicativas, como, por exemplo, fazer um pedido em um restaurante, solicitar a conta, despedir-se. INOCENTE Priorizam a comunicação, a interação propositada, mas não consideram o discurso na sua dimensão sócio histórica, de problematizar o mundo e as relações na aprendizagem da língua alvo. ULTRA COMUNICATIVOS/ ESPONTANEÍSTAS Consideram que ser comunicativo é ser espontâneo, o que dispensa qualquer tipo de planejamento. Para eles, a promoção de uma grande quantidade de comunicação em sala de aula já é suficiente. CRÍTICA Preocupam-se com as reflexões teóricas sobre a abordagem comunicativa, considerando importantes todas as fases do processo de ensino e aprendizagem. O objetivo é promover o ensino e aprendizagem por meio da construção de um discurso histórico e (politicamente) crítico. Dentro desta perspectiva, inserem-se as propostas de ensino temático, projetual e interdisciplinar. FONTE: VIEIRA-ABRAHÃO, 2015, p. 29. Com a leitura da proposta, observamos que a abordagem comunicativa se inicia com a função de trazer a comunicação (real) para a sala de aula, e que inicialmente, adotamos pequenas estratégias comunicativas junto aos materiais existentes sem grandes mudanças na estrutura das aulas, após esse momento, acreditávamos que apenas a interação (comunicação) 43 seria suficiente e chegamos a uma visão mais crítica do ensino de línguas, no qual, o contexto histórico é parte importante do processo de ensino e aprendizagem. Couto (2016, p. 37) aponta algumas críticas à abordagem comunicativa, pois, [...] ainda que represente uma contraposição à perspectiva estrutural de língua, [ela] recebeu críticas por ter facilitado a manutenção da língua nos currículos sem problematizar questões relativas à diversidade e pluralidade linguística. Além disso, por focar nas funções e nos usos da linguagem, acabou promovendo uma visão muito utilitária para os processos de ensino- aprendizagem, sem se preocupar com as variadas vozes e as relações de poder que se apresentam nos discursos. E, por fim, ao tratar de aspectos culturais, tendeu a abordar mais os estereótipos. Por fim, essas críticas encaixam-se nos primeiros modelos da abordagem comunicativa e contribuem para pensarmos numa versão mais crítica do ensino de línguas, ou seja, numa pedagogia do pós-método. Nessa discussão, Prabhu (1990 apud MENEGAZZO e XAVIER, 2004, p. 119) reforça que a procura pelo melhor método é algo utópico, pois para este autor o sucesso de um curso depende de uma série de fatores ou variáveis que influenciam na aprendizagem do aluno. Essas variáveis podem estar relacionadas ao próprio aluno (ex. suas aspirações, personalidade, estilo de aprendizagem), ao professor (ex. sua motivação, habilidade, atitude frente à língua que ensina) e à organização educacional (ex. objetivos da escola, carga horária, recursos). Leffa, também trata desse modelo designado de pós-método, ou não busca por um método único, e menciona que: A solução [é] nem a aceitação incondicional de tudo que é novo nem a adesão inarredável a uma verdade que, no fundo, não é de ninguém. Nenhuma abordagem contém toda a verdade e ninguém sabe tanto que não possa evoluir. A atitude sábia é incorporar o novo ao antigo; o maior ao menor, o grau de acomodação vai depender do contexto em que se encontra o professor, de sua experiência e de seu nível de conhecimento (LEFFA, 1988, p. 229). É importante salientar que os diferentes métodos de ensino incentivaram o comércio de livros didáticos, ou seja, esses manuais seguiam as novas tendências da produção acadêmica e reforçavam o discurso de escolas particulares sobre a supremacia de seu modelo de ensino em comparação com as demais, gerando assim, uma competição de mercado em busca de capital. Menegazzo e Xavier (2004) enfatizam também, que em algumas escolas o uso do método é uma forma de padronizar a prática pedagógica dos professores. Tal prática lhes permite ofertar cursos de treinamento explicando “o que” e “como” deve ser ensinado, pautando-se no livro didático adotado e trazendo, desse modo, uma sensação de conforto e 44 segurança para o professor. Essa visão mais técnica do professor vai de encontro com a visão de Leffa (2008) e Almeida Filho (2001), na qual o professor deve ter consciência do porquê faz o que faz e deve também buscar estabelecer um equilíbrio entre teoria – prática – reflexão. Vieira-Abrahão (2011), apoiando-se nas ideias de Tudor (2001), menciona que “cada contexto de ensino e aprendizagem é único e que as opções metodológicas devem ser feitas à luz dos fatores humanos e contextuais específicos a cada situação de ensino” (p. 158). Ademais, a autora acredita que as tomadas de decisão quanto ao quê e ao como ensinar devem ser locais e de acordo com cada contexto de ensino. Para Kumaravadivelu (2001), há uma insatisfação com o conceito de método como princípio organizador do ensino e da formação de professores de LE. Para tal autor, a pedagogia pós-método pode: (a) facilitar o avanço de um ensino de idiomas sensível ao contexto, baseado em uma verdadeira compreensão das particularidades linguísticas, socioculturais e políticas locais; (b) oferecer uma ruptura na relação e no papel entre teóricos e profissionais para capacitar aos professores a constituir sua própria teoria da prática; (c) tocar na consciência sociopolítica que os participantes trazem consigo a fim de ajudar na busca [pessoal] por formação de identidade e transformação social19 (KUMARAVADIVELU, 2001, p. 537). Assim, a pedagogia pós-método ao mostrar-se sensível às particularidades locais e às características dos sujeitos envolvidos rejeita a defesa de um conjunto de procedimentos e de princípios predeterminados que visam realizar um conjunto de metas e objetivos previamente estabelecidos. Ou seja, não há espaço para treinamentos ou objetivos padronizados para todos os estudantes e/ou professores e sim procedimentos didáticos segundo as necessidades e especificidades contextuais que se apresentam. Portanto, a pedagogia pós-método envolve: A busca de uma alternativa para o método e não de um método alternativo; a autonomia do professor e um pragmatismo baseado em princípios. Segundo Kumaravadivelu (2003) a condição pós-método “empodera” os professores a construírem teorias pessoais de ensino e estratégias locais e inovadoras para os diferentes contextos de aprendizagem; reconhece o potencial do professor para lidar com limitações impostas pelo contexto institucional e o professor como aquele que tem habilidade para desenvolver uma abordagem crítica que lhe permita a auto-observação, a auto-análise e a auto-avaliação, de 19 No original: (a) facilitate the advancement of a context-sensitive language education based on a true understanding of local linguistic, sociocultural, and political particularities; (b) rupture the reified role relationship between theorists and practitioners by enabling teachers to construct their own theory of practice; and (c) tap the sociopolitical consciousness that participants bring with them in order to aid their quest for identity formation and social transformation. 45 forma a promover eficiência de seu trabalho, construindo a relação teoria e prática (VIEIRA-ABRAHÃO, 2011, p. 160). A partir do exposto, Kumaravadivelu (2001) conceitua a pedagogia pós-método a partir de três pedagogias: da particularidade, da praticidade e da possiblidade. Vieira-Abrahão (2015), considerando esses três princípios e as características da abordagem comunicativa, elabora um quadro com as características em comum desses dois modelos. A seguir, apresentamos o quadro elaborado pela autora: Quadro 5: Características do Pós-Método e da Abordagem Comunicativa Crítica PEDAGOGIA PÓS-MÉTODO ABORDAGEM COMUNICATIVA Parâmetro da particularidade: busca facilitar o avanço de uma pedagogia sensível ao contexto, que se baseia numa compreensão real de particularidades locais, socioculturais e políticas. Busca pelo atendimento dos interesses e necessidades dos alunos e consideração dos contextos de ensino e aprendizagem. Parâmetro da praticidade: o professor na prática, de posse de ferramentas de exploração, está apto a produzir seu próprio ensino e suas teorias (foco na reflexão e ação contínuas). Análise da abordagem pelo professor, de modo a se conscientizar de sua prática e buscar uma forma mais adequada de ensinar (foco na ação e na reflexão). Parâmetro da possibilidade: procura reconhecer a consciência sociopolítica dos participantes do processo de ensino e aprendizagem como catalizadora para a busca permanente de formação de identidades e transformação social. Interpretação crítica da abordagem comunicativa: promoção do processo de ensino e aprendizagem por meio da construção de um discurso histórico e crítico. Consideração das identidades dos participantes e busca pela transformação social. FONTE: VIEIRA-ABRAHÃO, 2015, p. 33. Percebemos pelo quadro que a pedagogia pós-método e a abordagem comunicativa, especificamente, seu modelo crítico, possuem traços em comum, como por exemplo, o interesse pelos estudantes, produção das ferramentas de ensino segundo a prática e experiência do professor e, também, a relevância da consciência histórica e sociopolítica dos sujeitos envolvidos na aprendizagem de uma LE. Desse modo: 46 A abordagem comunicativa foi, a meu ver, um primeiro movimento pós- método, já que se afastou do método enquanto conjunto de procedimentos, técnicas e estratégias pré-estabelecidas a serem aplicadas em toda e qualquer situação de aprendizagem, sem considerar o aprendiz e o contexto, e propôs um conjunto de princípios orientadores para uma prática situada, sensível ao contexto, ao professor e aos aprendizes, que permite uma maior autonomia ou agenciamento por parte do docente (VIEIRA-ABRAHÃO, 2015, p. 36). Além disso, não podemos esquecer que o método coloca “os teóricos na posição de produtores de conhecimento, assumindo um papel central no desenvolvimento de teorias de ensino e aprendizagem, enquanto que os professores [são] consumidores ou aplicadores deste