MILENA SANTOS MAYER MUSEU, HISTORIOGRAFIA E PATRIMÔNIO: a trajetória do Museu do Tropeiro e a institucionalização de um lugar de memória ASSIS 2022 MILENA SANTOS MAYER MUSEU, HISTORIOGRAFIA E PATRIMÔNIO: a trajetória do Museu do Tropeiro e a institucionalização de um lugar de memória ASSIS 2022 Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), para a obtenção do título de Doutora em História (Área de Conhecimento: História e Sociedade) Orientadora: Fabiana Lopes da Cunha Bolsista: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 Para todas as professoras que encontrei pelo caminho; elas que, na medida em que atuaram como docentes, também exerceram poderosas influências para que sigamos na construção por uma sociedade mais equitativa e justa para todos, em especial às mulheres. AGRADECIMENTOS À minha família, em especial minha mãe Terezinha, que me apoiou de todas as formas possíveis. Ao meu companheiro André pelo incentivo, compreensão e suporte durante essa jornada, minha gratidão e meu amor. À professora Dra. Fabiana Lopes da Cunha por sua orientação, pelos conhecimentos partilhados e por ter contribuído significativamente para meu crescimento profissional e acadêmico. Às professoras Dra. Célia Reis Camargo e Dra. Elizabeth Johansen pela atenção e contribuição no processo de qualificação e por terem aceitado participar do processo de defesa. Do mesmo modo, agradeço à professora Dra. Maria Julieta Weber Cordova e ao professor Dr. Rodrigo Christofoletti por tão generosamente terem aceitado o convite para compor a banca final. A todos os docentes e colaboradores do Programa de Pós-graduação em História da UNESP pela contribuição para meu desenvolvimento intelectual e profissional. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Portanto, agradeço e destaco o papel fundamental dos órgãos e iniciativas que apoiam e viabilizam a produção científica no Brasil. A todas as pessoas que conheci no Museu do Tropeiro ou através dele e que de alguma forma colaboraram para a realização desta pesquisa em especial: Amélia Podolan Flugel, Ana Flávia Gerhards. Araci Pianoswki (in memoriam), Bernadete Wrobel (in memoriam), Daniele Cristine Martins, Fabiana Hey Pinto, Henrique Serra Marcondes, João Maria Ferraz Diniz (in memoriam), Joel Lourenço, José Carlos Ferreira, Léa Cardoso Villela, Solange Cristina Neves. Por fim, ao meu irmão Miguel (in memoriam) que há alguns anos avisou a irmã recém-formada em História sobre um concurso para trabalhar em um museu em Castro. Infelizmente ele não lerá esse agradecimento, porque fazemos parte das mais de 660.000 famílias brasileiras que perderam um ente querido durante a pandemia da Covid 19 que ainda nos aflige. Fio d’água Não quero ser o grande rio caudaloso Que figura nos mapas. Quero ser o cristalino fio d’água Que canta e murmura na mata silenciosa. Helena Kolody MAYER, Milena Santos. Museu, historiografia e patrimônio: a trajetória do Museu do Tropeiro e a institucionalização de um lugar de memória. 2022. 332f. Tese – (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis/Franca, 2022. RESUMO A pesquisa tem como fio condutor a investigação e a análise da trajetória do Museu do Tropeiro, instituição museológica localizada no interior do Brasil, na cidade de Castro, estado do Paraná. Desde o final da década de 1970 o museu seleciona, conserva, pesquisa e expõe uma determinada perspectiva acerca do comércio de gado muar na região Sul e suas implicações sociais e culturais no município. A atividade tropeira iniciou-se no período colonial a partir da necessidade do transporte de animais pelo território brasileiro. Essa prática pode ser avaliada como um fenômeno global, uma vez que o uso de animais foi, durante muito tempo, o principal meio de transporte da humanidade. Entretanto, no Brasil meridional, este movimento se desenvolveu com a peculiaridade da comercialização e do deslocamento do gado muar. As tropas de mulas eram transportadas da região dos pampas, que hoje corresponde ao estado do Rio Grande do Sul, até a cidade de Sorocaba, no estado de São Paulo. Na sequência eram vendidas para serem utilizadas em outros pontos do país como meio de transporte às pessoas e às mercadorias. Desta forma, foram constituídos extensos caminhos que possibilitaram a integração de parte do território brasileiro que estava distante do relativamente conhecido litoral. Os tropeiros, homens que conduziam e comercializavam estes animais, necessitavam pernoitar ou assentar em determinados locais para o próprio descanso e para o restabelecimento das tropas. Um dos principais pontos de parada era a região dos Campos Gerais, no atual estado do Paraná. Propícia pela sua vegetação de campo, a região tem como organização administrativa mais antiga o atual município de Castro, originalmente “Pouso do Iapó”. Passados aproximadamente 200 anos, em 1977, a cidade inaugurou o seu Museu Público Municipal, que além de temático, foi o primeiro do país dedicado à história da atividade tropeira. Posto isto, a tese busca compreender contradições e circunstâncias que envolveram a criação do Museu, sua trajetória e suas implicações à comunidade. Os resultados foram obtidos a partir da análise da produção historiográfica sobre a atividade tropeira, da massa documental institucional produzida entre os anos de 1975 e 2007, bem como das reflexões teórico-metodológicas ancoradas em autores como Pierre Nora, Jacques Le Goff, Françoise Choay, Ulpiano Bezerra de Meneses José Reginaldo Gonçalves e Nestor Canclini, entre outros autores que pensaram os conceitos de memória e patrimônio cultural. Instrumentalizada pelas estratégias propostas pela Micro-história, esta pesquisa almejou perceber a historicidade do Museu do Tropeiro enquanto um lugar de memória com o objetivo de analisar especificidades que envolveram o conjunto de ações sociais estabelecidas a partir de um museu, diante das problemáticas suscitadas pelos processos de seleção e/ou o reconhecimento de um patrimônio cultural. Palavras-chave: Museu do Tropeiro. Patrimônio Cultural. Lugar de Memória. MAYER, Milena Santos. Museum, historiography and heritage: the trajectory of the ‘Museu do Tropeiro’ and the institutionalization of a place of memory. 2022. 332f. Thesis - (Doctorate in History) - Faculty of Sciences and Languages, Paulista State University, Assis/Franca, 2022. ABSTRACT The research is based on the investigation and analysis of the trajectory of the 'Museu do Tropeiro', a museological institution located in the interior of Brazil, in the city of Castro, state of Paraná. Since the end of the 1970s, the museum selects, preserves, researches, and exhibits a certain perspective about the cattle mule trade muar in the southern region and its social and cultural implications in the municipality. The muleteer activity started in the colonial period from the need to transport animals through the Brazilian territory. This practice can be evaluated as a global phenomenon, since the use of animals was, for a long time, the main means of transportation for mankind. However, in southern Brazil, this movement developed with the peculiarity of trading and moving cattle muar. The troops of mules were transported from the pampas region, which today corresponds to the state of Rio Grande do Sul, to the city of Sorocaba, in the state of São Paulo. They were then sold to be used in other parts of the country as a means of transportation for people and goods. In this way, extensive roads were built, which enabled the integration of part of the Brazilian territory that, until then, was far from the known and populated coast. The muleteers, the men who drove and traded these animals, needed to stay overnight or settle in certain places for their own rest and for the troops' recovery. One of the main stopping points was the Campos Gerais region, in the current state of Paraná. Propitious for its field vegetation, the region has as its oldest administrative organization the current municipality of Castro, originally "Pouso do Iapó". Approximately 200 years later, in 1977, the city inaugurated its Municipal Public Museum, which, besides being thematic, was the first in the country dedicated to the history of the muleteer activity. Having said this, the thesis seeks to understand contradictions and circumstances that involved the creation of the Museum, its trajectory and its implications to the community. The results were obtained from the analysis of the historiographic production about the muleteer activity, the institutional documental mass produced between the years 1975 and 2007, as well as from theoretical and methodological reflections anchored in authors such as Pierre Nora, Jacques Le Goff, Françoise Choay, Ulpiano Bezerra de Meneses José Reginaldo Gonçalves and Nestor Canclini, among other authors who have thought about the concepts of memory and cultural heritage. Instrumentalized by the strategies proposed by Microhistory, this research aimed to understand the historicity of the Museu do Tropeiro as a place of memory. The goal was to analyze specificities that involved the set of social actions established from the museum, in face of the problems raised by the processes of selection and/or recognition of the aforementioned cultural heritage. Keywords: Tropeiro Museum. Cultural Heritage. Place of Memory. LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Glossário 70 QUADRO 2 Anotações da agenda de 1977 150 QUADRO 3 Correspondências Expedidas 174 QUADRO 4 Correspondências Recebidas 177 QUADRO 5 Imóveis tombados em Castro – PR 181 QUADRO 6 Correspondências entre Judith Carneiro de Mello e Pietro Maria Bardi 183 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAMT Associação de Amigos do Museu do Tropeiro AMCG Associação dos Municípios dos Campos Gerais CPC Coordenadoria do Patrimônio do Paraná CTG Centro de Tradições Gaúchas CTNP Companhia de Terras do Norte do Paraná FEAMBRA Federação de Amigos de Museus do Brasil Grafipar Gráfica Editora Paraná Cultural IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAM Instituto Brasileiro de Museus ICOM International Council of Museum (Conselho Internacional dos Museus) IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MASP Museu de Arte de São Paulo MHL Museu Histórico de Londrina MP Ministério Público MT Museu do Tropeiro PARANATUR Paraná Turismo PPC Preservação, Pesquisa e Comunicação SAMP Sociedade de Amigos do Museu Paranaense SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENATRO Seminário Nacional sobre Tropeirismo – Bom Jesus-RS SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional TELEPAR Telecomunicações do Paraná S.A. WFFM World Federation of Friends of Museums LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Limite da Província de São Paulo e Curitiba (Jean-Baptiste Debret) 30 FIGURA 2 O Jaguariçatu (Jean-Baptiste Debret) 30 FIGURA 3 Caminho das Tropas da região dos Campos Gerais 33 FIGURA 4 Rotas dos tropeiros no Sul do Brasil (séculos XVIII e XIX) 35 FIGURA 5 Acampamento noturno dos viajantes (Jean-Baptiste Debret) 40 FIGURA 6 Tropeiros paulistas (Jean-Baptiste Debret) 40 FIGURA 7 Sala A-12 do Museu Paulista “Consagrada ao passado de Santos, às feiras de Sorocaba, às tropas e scenas de estrada” 47 FIGURA 8 Sala A-13 do Museu Paulista “Scenas de estrada. Feiras de Sorocaba. Fazendas antigas” 48 FIGURA 9 Aprontando um burro de carga para viajar (Maximilian von Wied- Neuwied) 72 FIGURA 10 Monumento do Tropeiro de Sorocaba-SP 80 FIGURA 11 Corte da tropa (Henrique Távola) 83 FIGURA 12 Abaixo-assinado referente à Feira de Sorocaba 84 FIGURA 13 Placas internas do Museu do Tropeiro 130 FIGURA 14 Iapó (Jean-Baptiste Debret) 146 FIGURA 15 O imóvel sede do Museu do Tropeiro durante o processo de restauro 146 FIGURA 16 Interior do imóvel do Museu do Tropeiro 147 FIGURA 17 O imóvel durante o processo de restauro 147 FIGURA 18 Judith Carneiro de Mello na sede do Museu do Tropeiro 148 FIGURA 19 Panfleto de divulgação da 1ª Feira do Artesanato 169 FIGURA 20 Exposição do Museu do Tropeiro 1 170 FIGURA 21 Exposição do Museu do Tropeiro 2 170 FIGURA 22 Feira de artesanato na calçada do Museu do Tropeiro 171 FIGURA 23 Feira de Artesanato em Esteio – RS 171 FIGURA 24 Imagens de peças do Museu do Tropeiro publicados no livro de Pietro Maria Bardi 186 FIGURA 25 Rico habitante de São Paulo, que conduz suas mulas com cargas de açúcar (Aimé-Adrien Taunay) 187 FIGURA 26 Jornal do Iapó (1975) 195 FIGURA 27 Museu enfrenta 1º problema (O Bravo) 197 FIGURA 28 Nosso Museu é Pioneiro (Jornal do Iapó) 198 FIGURA 29 Alfredo Rusins (Revista VUP) 199 FIGURAS 30 e 31 Notas no Jornal do Iapó (1978) 200 FIGURA 32 Horários de funcionamento (1978) 201 FIGURA 33 Nota sobre o Pouso Tropeiro (1990) 203 FIGURA 34 Sala do Pouso, representação baseada na aquarela Acampamento noturno dos viajantes de Jean-Baptiste Debret 209 FIGURA 35 Sala do Pouso, vitrine com prato de ágata e talheres 209 FIGURAS 36 e 37 Sala da Casa do Tropeiro 210 FIGURAS 38 e 39 Fragmentos da exposição de longa duração do Museu do Tropeiro 211 FIGURA 40 Fragmentos da exposição de longa duração, ao fundo Sala de Aferição e a porta de acesso a Sala de Arte Sacra 212 FIGURA 41 Loja de Rapé (Jean-Baptiste Debret) 213 FIGURA 42 Fragmento da Sala Testemunho de uma Época 213 FIGURAS 43 e 44 Fragmentos da Sala de Arte Sacra 214 FIGURA 45 Planta baixa do Museu do Tropeiro 215 FIGURA 46 Escravo negro conduzindo tropas na província do Rio Grande (Jean-Baptiste Debret) 218 FIGURA 47 Imagem da exposição do Museu do Tropeiro no artigo A mantegueira 219 FIGURA 48 Casa nº 6 da Praça Sant’ Ana do Iapó 227 FIGURA 49 Casa de Sinhara – Sala de Jantar 227 FIGURA 50 Casa de Sinhara – Sala de Estar 228 FIGURA 51 Casa de Sinhara – Quarto do Casal 229 FIGURA 52 Casa de Sinhara – Cozinha 229 FIGURA 53 Passagem de uma tropa durante o evento Pouso Tropeiro – Fazenda Marumbi 234 FIGURAS 54 e 55 Feijão do Tropeiro 237 FIGURA 56 Sede da Fazenda Capão Alto - Fotografia produzida para publicação do Museu do Tropeiro 244 FIGURA 57 Espetáculo de Luz e Som 246 FIGURA 58 Leitura da Carta de Sesmaria 246 FIGURA 59 Posse da Ordem Carmelita 246 FIGURA 60 Passagem da tropa 246 FIGURA 61 Cópia da fotografia de Nhá Mariquinha – Guardiã do Chafariz 249 FIGURA 62 Elenco do espetáculo de inauguração do Chafariz da Costa 250 FIGURA 63 Espetáculo de inauguração do Chafariz da Costa 251 FIGURA 64 Página do álbum Castro Antiga: imagens e lembranças (1) 255 FIGURA 65 Página do álbum Castro Antiga: imagens e lembranças (2) 255 FIGURA 66 Página do álbum Castro Antiga: imagens e lembranças (3) 256 FIGURA 67 Página do álbum Sesmarias, Velhas Fazendas e Quilombos: campos de Castro (1) 257 FIGURA 68 Página do álbum Sesmarias, Velhas Fazendas e Quilombos: campos de Castro (2) 258 FIGURAS 69 e 70 Páginas do álbum Castro – Antiga Sant’Ana do Iapó: Patrimônio Cultural e Arquitetônico 260 FIGURA 71 Página do álbum Castro – Antiga Sant’Ana do Iapó: Patrimônio Cultural e Arquitetônico 262 FIGURA 72 Imagem do álbum Sant’Ana do Iapó: Castro nasceu aqui 262 FIGURA 73 Indumentária tropeira – I Seminário de Tropeirismo 266 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16 Capítulo 1 - O tropeiro na historiografia brasileira ........................................................................ 23 1.1. O lugar do tropeiro na História do Brasil: “os clássicos” ...................................................... 25 1.2. José Alípio Goulart e Aluísio de Almeida: o tropeiro como tema central .......................... 62 1.3. O tropeiro e tropeirismo na Academia e nos estudos regionais ............................................ 88 1.4. Castro: o Pouso do Iapó ........................................................................................................... 102 Capítulo 2 - Museus: pontes e portais... .................................................................................... 107 2.1. História, Memória e Patrimônio Cultural: a problemática dos museus. ............................ 109 2.2. Judith Carneiro de Mello e um museu para Castro .............................................................. 118 2.3. Apresentando as fontes e a metodologia ................................................................................ 130 Capítulo 3 – Museu do Tropeiro: construindo um lugar de memória ................................ 136 3.1. O museu no papel: leis, datas e nomes .................................................................................. 138 3.2. Uma casa para o museu ............................................................................................................ 144 3.4. Museu e sociedade: ações e associações ................................................................................ 165 3.4.1. As “Feiras de Artesanato” .................................................................................................... 168 3.4.2. Correspondências: entre contatos pessoais e relações profissionais ............................... 173 3.4.3 Associação de Amigos do Museu do Tropeiro - AAMT ................................................ 188 3.5. “Saiu no jornal”: Museu do Tropeiro e a comunicação da imprensa. ................................ 192 Capítulo 4 - Usos do patrimônio cultural: ação e comunicação .......................................... 205 4.1. Seguindo um roteiro: “uma exposição permanente”? .......................................................... 206 4.2. Casa de Sinhara: o Museu do Tropeiro em outro espaço. ................................................... 222 4.3. O Museu do Tropeiro e os “teatros da memória” ................................................................. 232 4.3.1. Espetáculo de Luz e Som ...................................................................................................... 241 4.3.2. Chafariz da Costa: “revitalização” e espetáculo ................................................................ 248 4.4. O Museu do Tropeiro e o “laboratório da história” .............................................................. 252 4.4.1. Seminário de Tropeirismo: interlocuções e reflexões ....................................................... 265 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 276 LISTA DE FONTES ...................................................................................................................... 282 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 288 ANEXO A - Quadro com pesquisas acadêmicas que apresentam como palavras-chave o termo “tropeiro”/“tropeirismo” ou que abordam ou tangenciam o tema. ............................................ 304 ANEXO B – Transcrição “Os Grandes Tropeiros” de David Carneiro (1963) ....................... 307 ANEXO C – Álbum Inauguração do Museu do Tropeiro (20 de janeiro de 1977) ................. 315 ANEXO D – Material de divulgação 1977 ................................................................................... 317 ANEXO E – Registro de tombamento da sede do Museu do Tropeiro. ................................... 318 ANEXO F – Roteiro da Exposição de Longa Duração (2001) .................................................. 319 ANEXO G – Capas das publicações do Museu do Tropeiro. ..................................................... 326 ANEXO H – Publicações do Museu do Tropeiro ........................................................................ 327 ANEXO I – Publicações de autoria de João Maria Ferraz Diniz. .............................................. 327 ANEXO J – Imagens do prédio do Museu do Tropeiro após o falecimento de Judith Carneiro de Mello (2007 – 2012) ................................................................................................................... 329 ANEXO K – Restauro e reorganização do Museu do Tropeiro (2014-2017) .......................... 330 AMEXO L - Exposição após restauro da sede (2017) ................................................................ 331 16 INTRODUÇÃO Aos vinte e hum dias do mês de janeiro de mil novecentos e setenta e sete, centésimo vigésimo ano da elevação da cidade de Castro à categoria de cidade, centésimo quinquagésimo quinto ano da Independência do Brasil e ano da Proclamação da República foi inaugurado oficialmente, na presença das excelentíssimas autoridades e do público abaixo assinados o Museu do Tropeiro, com o objetivo de evocar aquela figura histórica do Brasil Colônia, dos séculos XVIII e XIX que tanto contribuiu para a formação da Sant’Ana do Iapó, hoje cidade de Castro, bem como de muitas outras cidades nas Províncias, hoje Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Ata de Inauguração do Museu do Tropeiro (1977). Eis o modo como se inicia o documento que oficializa a inauguração do Museu do Tropeiro, objeto principal desta pesquisa. Mas, antes de iniciarmos propriamente esta introdução, pedimos licença para relatar o caminho percorrido. Consideramos que estas informações podem ser úteis para o entendimento da proposta, principalmente por se tratar de uma pesquisa do campo da História. Apreendemos que o processo de investigação é dinâmico, por vezes marcado por angústias, inquietações, equívocos, novos problemas e, também, de perspectivas1. Dessa forma, relatamos que a proposta inicial da Pesquisadora era compreender a relação entre tropeirismo e cultura material na região que corresponde atualmente aos Campos Gerais do estado do Paraná, mais especificamente sobre a Vila de Castro, posto que esta era referência administrativa para a região no fim do século XVIII e início do século XIX. Nos interessávamos por identificar e avaliar quais seriam os artefatos do cotidiano da população inventariada naquele período. O objetivo era compreender as transformações, rupturas ou continuidades no contexto social, econômico e político a partir da cultura material salvaguardada no Museu do Tropeiro. Contudo, após os questionamentos oriundos do processo de doutoramento e mediante o amadurecimento do projeto, nos deparamos com problemas não antes supostos, ou talvez apenas camuflados pelo discurso da instituição detentora das fontes de pesquisa. Ou também, devido ao local de trabalho da Pesquisadora que, até então, atuava como Técnica Cultural na instituição (de outubro de 2012 a agosto de 2018). 1 O texto foi redigido na primeira pessoa do plural, uma vez que a Autora considera que esta pesquisa é o resultado de um trabalho coletivo. 17 Algumas noções que antes pareciam inatas ou espontâneas, passaram a ser colocadas em xeque. Possivelmente, ainda que estivéssemos cientes da subjetividade que envolve toda e qualquer investigação, pensamos que, a partir de uma perspectiva agora de pesquisadora, tivéssemos de fato conseguido o tão controverso “afastamento do objeto”, logrando êxito de atingir o distanciamento necessário, naquele olhar que move o desenvolvimento das ciências a partir do estranhamento dos movimentos pretensamente comuns da vida humana. A despeito do conhecimento teórico adquirido na Academia, nos parece que, apenas após esta emersão das atividades laborais, é que foi possível enxergar os processos e notar as práticas da construção dos conceitos e das narrativas presentes no cotidiano do museu. A proposta inicial era baseada na reflexão entre cultura material, tropeirismo e patrimônio cultural no município de Castro, com base no acervo tridimensional do Museu do Tropeiro. Contudo, começamos a estabelecer os seguintes questionamentos: a expressão “tropeirismo”, por exemplo, como e de que forma ela foi criada e quais as bases históricas e historiográficas dessa designação? Em algum momento essa noção foi problematizada? Quem ou qual meio emprega ou recorre àquela concepção? Quanto ao Museu do Tropeiro de Castro- PR, qual é o lugar e o papel dessa instituição museológica na construção e na divulgação de um conhecimento sobre o passado da região e período histórico? Por que a cidade de Castro possui museu histórico temático e não mais um museu histórico municipal com galeria de prefeitos, conterrâneos ilustres e máquinas de escrever? Os (as) leitores (as) que conhecem instituições museológicas pelo interior do Brasil compreenderão essa referência. Seria possível analisar os bens culturais do Museu do Tropeiro, sem conhecer a fundo sua origem, o modo como foram reunidos e a trajetória da própria instituição? Não podemos dizer que esta Pesquisadora não refletia sobre alguns aspectos dessas questões no desenvolvimento das suas atividades. Entretanto, admitimos que elas não apareciam na primeira proposta. A partir de então, principalmente através dos diálogos estabelecidos com a Orientadora desta pesquisa, buscamos compreender as razões que levaram o Museu do Tropeiro, há 45 anos, produzir e comunicar uma narrativa sobre a história de uma cidade e de uma região, promovendo pesquisas e salvaguardando determinados patrimônios culturais, tornando-se uma sólida instituição museológica. Então, os rumos da pesquisa foram alterados. A princípio realizaríamos um estudo a partir do acervo de um museu, agora nos propomos a compreender as contradições e as circunstâncias que envolveram a criação de um museu histórico, sua trajetória e suas implicações na sociedade. Segundo Meneses (2013, p.14), “rigorosamente, todos os museus são históricos”, uma vez que “o museu tanto pode operar dimensões de espaço como de tempo”. Todavia, no 18 Brasil, “somente na década de 20 do século XX é que se condensa o museu histórico como categoria distinta das demais (MENESES, 2013, p. 15). A escrita do passado em museus históricos já foi tema de outros trabalhos, como nas obras de Lilia Moritz Schwarcz (1996), Ana Claúdia Fonseca Brefe (1999; 2005) Myrian Sepúlveda dos Santos (2006), entre outros. Ambas partiram de grandes e afamados museus, aqueles dedicados a história da nação, e abordaram a influência dos seus diretores e pesquisadores na atuação, na visibilidade dessas instituições e nas reverberações delas sobre a escrita da história e na história dos museus no Brasil. O termo ‘museu’ advém do grego antigo mouseion, que significa o “Templo das Musas”. As musas seriam filhas de Mnemosine, deusa da memória, e de Zeus, o mais poderoso de todos os deuses. Museus são, portanto, lugares de memória, mas são também lugares de poder (CHAGAS, 2006). Conseguimos perceber essa relação nos estudos citados acima, mas também na prática da vida profissional em um museu. De forma pitoresca, logo no início das atividades laborais da Pesquisadora, ainda recém-graduada em História, um senhor morador da comunidade de Catanduva de Fora, interior do município de Carambeí, a poucos quilômetros de Castro, levou ao museu uma folha de papel onde constava, por escrito, a história de uma imagem de Nossa Senhora Imaculada Conceição, que teria sido encontrada em um rio por um pescador e que seria a origem da Capela daquela comunidade, que fora construída por volta de 1880. O senhor mostrou o que ele havia escrito e solicitou o carimbo da instituição e que uma funcionária do Museu do Tropeiro escrevesse no papel exatamente assim: “passado pelo museu”. Aquele senhor, que infelizmente não recordamos o nome, entendia que o ato de “passar”, ou seja, do “transportar” daquelas suas anotações através do museu, lhe daria credibilidade. Nota-se, portanto, a presença da ideia de autoridade por parte do senhor à instituição. Essa concepção de um espaço de autoridade diz respeito a “origem do museu moderno, com suas funções de pesquisa, educação, valorização do racionalismo, método e classificação” (POULOT, 2013, p. 63). Após o chamado “século das luzes” diversos autores indicam o século XIX como o “século dos museus”. Segundo Poulot, foi a partir desse período que surgiu na Europa a necessidade de ampliação de acesso ao público, desencadeando o desenvolvimento dos sistemas de organização das exposições e das coleções. Entretanto, “os verdadeiros usuários dos museus continuaram sendo os studiosi e os artistas, que se beneficiavam sempre em condições privilegiadas” (POULOT, 2013, p. 63). O historiador Ulpiano Bezerra de Meneses (2013) escreveu que no continente americano a origem é um pouco diversa. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre os anos 19 1740 e 1870, há, certamente, a influência do iluminismo europeu, entretanto, há também a presença dos ideais republicanos, o crescimento da classe média e o início da profissionalização da ciência. “Educação popular e pesquisa acadêmica são eixos que o compromisso americano desenvolveu a partir de museus complexos, basicamente modelados como museus de História Natural, aos quais também se integra a atuação de sociedades históricas e arquivos” (MENESES, 2013, p. 22). No Brasil, o autor lembrou que “o modelo oitocentista é, também, o do museu de História Natural, no qual se insere organicamente a Antropologia e, como um enclave evocativo e celebrativo, a História” (MENESES, 2013, p. 22) 2. A historiografia produzida sobre a temática, reiteradamente aponta que o nacionalismo foi um forte aliado das instituições museológicas, pois foi através de uma busca por uma ideia de nação, retomado no século XX, que se deu uma nova perspectiva aos espaços museológicos e ao patrimônio histórico e cultural brasileiro. Segundo Maria de Lourdes Horta, as coleções brasileiras foram “institucionalizadas nos ‘grandes museus nacionais’ durante a década de 30, época de perfil político-nacionalista e que coincide com a criação do SPHAN3” (HORTA, 1987, p. 160), hoje IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão responsável pela identificação, documentação e promoção do patrimônio cultural brasileiro, que dedicou-se, inicialmente, à preservação dos bens imóveis dos Séculos XVI, XVII e XVIII, prioritariamente de arquitetura religiosa (FONSECA, 2017, p. 116). Para Ana Maria Alves Machado (2013) a relação dos museus e de outras instituições culturais com o SPHAN, teve como principal articulado o seu diretor, Rodrigo de Melo e Franco, o qual esteve à frente do órgão de 1936 até 1967. O nacionalismo dos anos 1930 marcariam a missão política das instituições museais, em busca da construção e consolidação da nação brasileira: “essa mentalidade específica de organização e preservação da história pátria será a mesma que prevalecerá como tônica determinante do modelo de formatação da história de diversas localidades, através dos museus municipais” (MACHADO, 2013, p. 154). O museu público municipal de Castro começou a tomar forma a partir do ano de 1975, momento em que “os museus são utilizados como instrumentos de veiculação de discursos oficiais, com tendências a efetivação do ideal do regime militar” (MACHADO, 2013, p. 154). 2 Em 1818, 10 anos após da vinda da família real, cria-se o Museu Real com o objetivo de propagar os conhecimentos das ciências naturais no Reino do Brasil. Ainda no século XIX são criados espaços como: Museu do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), Museu do Exército (1864), Museu da Marinha (1868), Museu Paraense Emilio Goelgi (1871), Museu Paranaense (1876) e o Museu Paulista (1895). 3 Através do Decreto-lei n° 25 de 30 de novembro de 1937. 20 Todavia, internacionalmente, esta mesma década é caracterizada pela Nova Museologia, principalmente com a discussão da mesa-redonda organizada pela UNESCO, que ocorreu na cidade de Santiago, no Chile, em 1972. Ocasião em que este campo do conhecimento, a Museologia, estabeleceu formalmente diretrizes para uma atuação voltada à diversidade cultural, à defesa do patrimônio das minorias étnicas e para a integração dos museus com as comunidades locais. É nesse contexto que se iniciou a trajetória do Museu do Tropeiro. A literatura consultada expõe que há um incentivo à criação de museus históricos municipais e outros museus foram criados neste mesmo período no Paraná. Entretanto, em Castro há uma característica peculiar: optou-se por um museu histórico temático. O próprio nome escolhido indica seu objetivo. Mas por qual razão surge a proposta de um museu temático? Por que e de que maneira o tropeiro tornou-se principal elemento para a política de preservação do patrimônio cultural do município? Para responder essas e outras questões já apresentadas precisamos seguir os passos de uma “custosa”4 jornada. O primeiro capítulo tem por objetivo promover reflexões por meio da identificação das informações necessárias para todo o restante do trajeto. Fazendo uma analogia com uma tropeada, é no primeiro capítulo que juntamos as “traias” que nos acompanharão até o destino. Para além do conteúdo presente nos escritos acerca da atividade tropeira, sentimos a necessidade de pensar qual é o lugar do tropeiro na história do Brasil, ou melhor, em quais narrativas ele aparece e de que maneira foram construídas. Essa intenção teórica-metodológica é profundamente marcada pela leitura de Michel de Certeau (1982) acerca da escrita da história e da operação historiográfica. Dessa forma, o texto discorre sobre as considerações relacionadas com a atividade tropeira produzidas por historiadores e intelectuais considerados nesta pesquisa e em outros trabalhos como autores “clássicos” da historiografia brasileira, da temática e da chamada historiografia regional ou local. Além destes, com o objetivo de contribuir às futuras pesquisas, apresentamos um levantamento da produção acadêmica entre os anos de 1960 até a primeira década dos anos 2000. A expectativa é que após a leitura do primeiro capítulo, seja possível compreender o referencial teórico que embasou a criação, a manutenção e as ações do Museu do Tropeiro. É importante salientar que este capítulo não é construído sobre uma noção hierárquica de produção do conhecimento histórico. Nossa intenção não foi construir uma reflexão de oposição, 4 Termo que a pesquisadora aprendeu com a dona Abgail Mainairdes, artesã, moradora da área rural de Castro, que produz artefatos utilitários para montaria como coxonilhos e baixeiros com lã de carneiro. Certa vez relatando sobre o seu ofício, Abgail declarou que “o baixeiro é fácil de fazer, mas o coxonilho é custoso”. Uso do termo e essa nota é uma forma que encontramos de deixar registrado aqui a gratidão e o reconhecimento a todas e a cada uma das pessoas que conhecemos durante nossa trajetória profissional no Museu do Tropeiro. 21 “clássicos” versus Academia versus memorialistas, mas sim, somar e investigar a contribuição de cada uma destas perspectivas. O segundo capítulo apresenta as reflexões teóricas que inspiraram nosso entendimento acerca da problemática dos museus diante dos conceitos de memória e de patrimônio cultural. É neste momento que apresentamos Judith Carneiro de Mello, diretora da instituição durante todo nosso recorte de pesquisa, bem como esclarecemos quais fontes estavam disponíveis e de que maneira elas foram “interrogadas”. Judith esteve à frente deste museu por aproximadamente 30 anos, entre 1975 e 2007, quando faleceu, e estas sãos as bases temporais da pesquisa. No entanto, acreditamos que o conhecimento histórico ocorre enquanto processo e, portanto, estas datas não foram encaradas como marcos temporais rígidos e instransponíveis. Sobre a sustentação teórico-metodológica, informamos que os principais autores são Jacques Le Goff (2013), Françoise Choay (2017), Pierre Nora (1993,2008), Ulpiano Bezerra de Meneses (1930) José Reginaldo Gonçalves (1996) e Nestor Canclini (2015). Fundamentados nas análises destes historiadores e antropólogos, problematizamos a categoria de patrimônio cultural diante dos vestígios levantados durante a pesquisa, concebendo, portanto, esta categoria e os lugares de memória como instrumentos políticos e sociais. Além disso, recorremos a historiadores, geógrafos, geólogos, sociólogos, entre outros pesquisadores, que estudaram o tema, mais os teóricos da museologia, posto a especificidade do objeto de pesquisa. Explicamos que, por meio dos instrumentos oferecidos pela micro- história, buscamos compreender a concepção e a trajetória de um lugar de memória, bem como o modo como um determinado tema foi selecionado e/ou reconhecido enquanto patrimônio cultural através da criação e dos desdobramentos promovidos por um museu. No terceiro capítulo, Museu do Tropeiro: construindo um lugar de memória, tratamos dos processos de instauração e apresentação da nova instituição. Legislação, primeiras ações, busca por contatos com pesquisadores e outras instituições, além analisarmos vestígios acerca das ressonâncias diante da comunidade por meio da Associação de Amigos do Museu do Tropeiro e da imprensa local. Ao longo dos seus primeiros 30 anos de vida, o museu desenvolveu diversas atividades para a sociedade, seja como um teatro de memória ou como um laboratório de história. Portanto, inspirados por essa reflexão aparentemente dicotômica, no quarto capítulo analisamos as exposições de longa e curta duração, os espetáculos, as palestras e as pesquisas para publicações realizadas pelo museu. Por fim, explicamos que para organizarmos nossas ideias, subdividimos a trajetória do Museu do Tropeiro em três fases: os primeiros anos de instauração e apresentação, marcados 22 pelo entendimento de um retorno social, representado pelas feiras de artesanato organizadas na rua em frente ao museu, e a busca por contatos com pesquisadores e outras instituições; um segundo período ao qual identificamos como fase de reestruturação, que ganhou força na década de 1990 e promoveu mudanças materiais e organizacionais; e uma última fase, período de consolidação por meio dos “grandes eventos” e da concretização de publicações próprias. Ao chegar no destino, conferimos o conteúdo das canastras e as bruacas que fomos completando ao longo do caminho e indicamos nossas considerações e resoluções às questões levantadas em cada pouso. De antemão, queremos deixar claro em quem pensávamos enquanto percorríamos na construção desta tese: colaboradores(as) do Museu do Tropeiro de Castro, pesquisadores(as) e professores(as) que recorrem a instituição para desenvolver seus projetos didáticos ou de pesquisas; todos os cidadãos e cidadãs castrenses. Esperamos oferecer, nestas páginas, os subsídios para que a compressão acerca da institucionalização de um lugar memória para Castro inspirem reflexões, ressignificações e ressonâncias que despertem e impulsionem as potencialidades sociais, culturais e educativas que vislumbramos e concebemos quando pensamos em um museu. 23 CAPÍTULO 1 - O TROPEIRO NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA Esta é a história. Um jogo da vida e da morte prossegue no calmo desdobramento de um relato, ressurgência e denegação da origem, desvelamento de um passado morto e resultado de uma prática presente. Ela reitera, um regime diferente, os mitos que se constroem sobre um assassinato ou uma morte originária, e que fazem da linguagem o vestígio sempre remanescente de um começo tão impossível de reencontrar quanto de esquecer. Michel de Certeau (1982) Em a Escrita da História, Certeau (1982) advertiu que um historiador, quando produz história, estabelece uma articulação entre a vida e a morte. É a partir de um lugar social, por meio de determinados procedimentos e métodos de análise, que um pesquisador consulta suas fontes e constrói uma narrativa sobre o passado. Um discurso sobre o outro. Outros sujeitos em outras temporalidades. Portanto, partimos dessa proposta teórico-metodológica para compreender, neste capítulo, de que maneira o tropeiro, ou então, “os tropeiros” foram retratados na escrita da História do Brasil. Nos próximos parágrafos tentaremos perceber “o dito e o não dito” acerca desse personagem eleito como protagonista por um “pequeno” museu de uma “pequena” cidade no “interior” do Paraná5. Antonie Prost (2015), outro historiador francês, escreveu que a história, antes de ser uma prática científica, é prática social, afirmação que reiteramos e estendemos para o campo dos museus e dos processos museológicos. Portanto, para compreendermos a trajetória de um museu histórico que possui um tema, a priori, bem definido, como “a história do tropeiro”, precisamos entender como essa, ou estas, histórias foram construídas pela historiografia, seja ela acadêmica ou não. Sabemos que a instituição e diversos pesquisadores, que fomos encontrando no decorrer da investigação, tratam o tema como axiomático. De forma recorrente é apresentado com o sufixo “ismo” - tropeirismo e definido como mais um ciclo econômico da “História Nacional”. Entretanto, apreendemos, desde as primeiras lições sobre o ofício de historiador, que devemos questionar, duvidar, problematizar e perceber as intenções e as perspectivas. Deste modo, nossas reflexões são propostas a partir de um posicionamento fundamentado em leituras relacionadas com a História Cultural, o que significa afirmar que os sujeitos e suas práticas culturais são constituídos e construídos ao longo do tempo, por meio de processos históricos, compreendendo também os conceitos, as 5 O Museu do Tropeiro foi inaugurado no ano 1977, portanto, este é o recorte temporal a que recorremos para selecionar as referências bibliográficas centrais desta discussão e que nortearam a construção deste capítulo. No entanto, para atingir nossos objetivos, informamos que o leitor irá encontrar também algumas referências publicadas posteriormente e que complementam e nos auxiliam na construção da pesquisa. 24 ideias e as narrativas historiográficas (BURKE, 2008; CHARTIER, 2002; HUNT, 1992; PESAVENTO, 2012). Para Fernando Novais e Rogerio Forastieri da Silva o “discurso do historiador responde, desde sempre, à necessidade da narrativa do acontecimento para a constituição da memória social e configuração de nossa própria identidade”, (NOVAIS; SILVA, 2013, p. 18). Entendimento fundamental para pensar também a pluralidade do conceito de patrimônio cultural e o papel dos museus diante dos processos de construção e reconstrução da História6. Grande parte do que lemos, desde o início do caminho percorrido para a nossa formação profissional e acadêmica, está presente no texto que ora construímos, principalmente no que diz respeito aos campos da Teoria da História e da História da Historiografia. O historiador é um profissional que constantemente (re)pensa o próprio ofício, talvez porque todas as histórias são, ao mesmo tempo, uma História da História (PROST, 2015). José Carlos Reis avaliou que a teoria e a metodologia ocupam papel central na cultura histórica, aliás teoria-metodologia, como propõe o autor. Concordamos com esse entendimento pois, por tratar-se de ciência, a História requer um raciocínio metodológico com fundamentação teórica. As teses produzidas pelos historiadores são obras “edificadas” sobre estrutura, e essa estrutura é a teoria. Dessa forma, é impreterível e auspicioso o diálogo da História com distintos campos do conhecimento como a Filosofia, a Sociologia e a Antropologia, pois, outras ciências fundamentam noções das quais o historiador pode se apropriar ou se inspirar para pensar os seus objetos de estudo (REIS, 2019). Por fim, a concepção deste capítulo passou também pela compreensão da noção de regimes de historicidade, proposto por François Hartog (2014). O autor nos convida a analisar as formas como as sociedades se relacionam com o tempo, pois, as experiências do tempo orientam o modo como o passado é tratado/percebido em distintos períodos. Para nós, é 6 A noção de patrimônio cultural como uma categoria interdisciplinar que é constituída ao longo do tempo em determinados contextos de disputas políticas, econômicas e sociais é o ponto de intersecção que conduz todas as reflexões desta pesquisa. Entendemos que a definição de patrimônio cultural se constitui enquanto um processo e também uma prática. Dessa forma, veremos no momento oportuno de que maneira os vestígios materiais ou intangíveis relacionados à atividade tropeira foram submetidos a um processo de patrimonialização e quais foram os encadeamentos dessa ação. Essa concepção de patrimônio cultural foi elaborada a partir das seguintes leituras: CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, UNESP, 2017; CHUVA, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. Revista do Patrimônio, Brasília, DF, n. 34, 2012b, p. 147-165. CHUVA, Márcia. Preservação do Patrimônio Cultural no Brasil: uma perspectiva histórica, ética e política. In: CHUVA, Márcia; NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos (Orgs.). Patrimônio cultural: políticas e perspectivas de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X: 2012; FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2017; FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. 25 pertinente acompanhar o raciocínio de que as articulações e as interpretações para a escrita da história se alteram e são alteradas ao longo dos processos históricos. Durval Muniz Albuquerque Junior explicou que o conceito de regime de historicidade não se trata de uma percepção abstrata, pois, pode ser experienciado no contato com os textos. Recorrendo à etimologia das palavras, bem como à sensível capacidade de criar metáforas, o autor estabeleceu uma aproximação entre os termos dieta e regime alimentar, percebendo o conhecimento histórico como um espaço de informação e simulação para a experimentação e a “degustação” de outros tempos (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2019). “O regime de historicidade, assim como o regime alimentar, implica em dado modo de organizar a vida em função do tempo, implica a adoção de modos de viver, de maneiras de vivenciar o dia a dia” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2019, p. 216). A palavra dieta é de origem grega e indica moderação, equilíbrio ou instruções para o momento da alimentação. Assim, um “regime de historicidade também implica o regramento de nossa relação com o tempo, implica a adoção de códigos através dos quais nos permitimos e proibimos dadas percepções e vivências do tempo” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2019, p. 217)7. Subscrevemos, portanto, que o tempo, o lugar social, a teoria e o método atuam, inspiram e delimitam, proporcionalmente, a forma e o conteúdo da escrita do passado. Vejamos, neste primeiro capítulo, o caso dos escritos acerca da história do tropeiro na historiografia brasileira. 1.1. O lugar do tropeiro na História do Brasil: “os clássicos” O sociólogo e crítico literário Antônio Cândido (1995) recomendou que três obras seriam fundamentais para o entendimento histórico e sociológico do Brasil. Segundo o intelectual, os três grandes “clássicos” brasileiros seriam: Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre (1933), Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda (1936), e Formação 7 José Carlos Reis (2019) também nos auxilia nessa reflexão quando explica e exemplifica a noção de regimes de historicidade a partir da produção historiográfica sobre a escravidão no Brasil, e identifica três momentos distintos: o primeiro sob um “regime de historicidade passadista”, de 1930 a 1940, com Gilberto Freyre e uma interpretação que aproximava o senhor e o escravo em uma relação aparentemente bem sucedida; o segundo de 1960 a 1970, com a rejeição da chamada “democracia racial” e a denúncia do passado e da coisificação do negro a partir de uma perspectiva que estava sob o “regime de historicidade marxista-futurista”; e por fim, entre 1980 e 1990, sob o “regime de historicidade presentista”, aponta que as investigações buscam a compreensão do escravizado como sujeito do seu tempo, sem a imposição de idealizações ou ajuizamentos. Há, portanto, três visões sobrepostas que utilizam as mesmas fontes documentais. Sobre “regimes de historicidade” ver: HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. REIS, José Carlos. Regimes de Historicidade e historiografia. In: O lugar central da teoria- metodologia na cultura histórica. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. 26 do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior (1942). Inclusive no prefácio de Raízes do Brasil, Cândido escreve que aquela publicação nascera como um “clássico” (CÂNDIDO, 1995). Mas o que determina ou define uma obra como “clássica”? “Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos” (CALVINO, 2013, p. 10). Para Calvino, os livros considerados “clássicos” são aqueles que “chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram” (CALVINO, 2013, p. 8). É uma obra literária que marca não só o contexto e o momento em que foi escrita, como também a recepção e as interpretações provocadas no decurso dos tempos. O termo “clássico” pode ser recebido com receio ou então causar uma certa hesitação em leitores cautelosos e atentos, talvez por sugerir a noção de que existam obras com juízos unânimes ou valiosas em si mesmas. Entretanto, convém esclarecer que, nesta pesquisa, concebemos que “não existe uma obra ou uma tradição literária que seja valiosa em si” (EAGLETON, 2006, p. 17), pois as distinções são inclinadas à objetivos e critérios específicos. “Assim como uma obra pode ser considerada como filosofia num século, e como literatura no século seguinte, ou vice-versa, também pode variar o conceito do público sobre o tipo de escrita considerado como digno de valor” (EAGLETON, 2006, p. 17). Terry Eagleton observou que o status de cânone literário não é posição estável e definitiva. Portanto, recorremos ao uso das aspas quando empregamos o dito vocábulo e explicamos que se trata de obras de referência para a historiografia brasileira. Por mais que seja uma tarefa complexa e polêmica definir quais seriam essas obras, nos parece que há uma certa regularidade em relação a determinados autores. Essa caracterização pode ser observada pelo número de edições de suas publicações, pelas recorrentes citações em investigações posteriores ou também pela reiterada presença de suas produções nos currículos dos cursos universitários de História. Podemos citar nomes como Francisco Adolfo de Varnhagen, João Francisco Lisboa, Joaquim Nabuco, Capistrano de Abreu, Oliveira Vianna, Oliveira Lima, Manuel Bomfim, Afonso d’Escragnolle Taunay, Luís 27 da Câmara Cascudo, Octávio Tarquínio de Sousa, Gilberto Freyre, Serafim Leite, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré e José Honório Rodrigues8. Retomando o pressuposto de que o conhecimento histórico é sempre um pouco de História da Historiografia, seguiremos uma ordem cronológica de publicação, reconhecendo que faz parte do metiér do historiador retomar o que já foi escrito sobre o assunto de interesse9. Iniciamos com Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), o visconde de Porto Seguro, que produziu uma vasta bibliografia com trabalhos em diversas áreas, entretanto a obra História Geral do Brasil, publicada em 1854 e 1857 (dois volumes) é considerado seu maior empreendimento (GUIMARÃES, 2018). Varnhagen é natural da cidade de Sorocaba, São Paulo. Filho do engenheiro alemão Coronel Friedrich Ludwig Wilhelm Varnhagen e de Maria Flávia de Sá Magalhães, de nacionalidade portuguesa (GUIMARÃES, 2018). Trata-se de um historiador do século XIX10. Período marcado pela ascensão das ciências e das tecnologias, do desenvolvimento dos meios de transporte e da comunicação. A teoria da evolução de Charles Darwin, as descobertas na área da química e da medicina de Louis Pasteur, Robert Koch e Joseph Lister, as teorias filosóficas e sociológicas de August Comte e Karl Marx e ainda a psicanálise de Sigmund Freud são algumas das expressões desse momento no contexto europeu. E é neste período que a História também procurou ocupar seu espaço dentro do campo científico. A historiografia do século XIX, com base nos princípios positivistas, é caracterizada, principalmente, pelo registro de uma história oficial. Construída a partir da consulta a documentos institucionais com viés essencialmente político e uma pretensa busca pela verdade. Todavia, o que nos interessa, no momento, é anotar que, para além das habituais ressalvas à produção historiográfica daquele período, é importante reconhecer que os acontecimentos históricos não são isentos, irrefutáveis e/ou herméticos, e que para compreendê-los é preciso seguir certos passos sustentados em alguma metodologia. 8 Maurício Parada e Henrique Estrada Rodrigues organizaram e publicaram em 2018 uma antologia intitulada Os historiadores: clássicos da história do Brasil, uma obra composta por ensaios que apresentam e analisam todos os autores citados. Sabemos que a concepção de uma antologia, passa por um processo de seleção que dificilmente encontra a unanimidade ou completude, no entanto, observadas as considerações já expostas, e todo o processo de levantamento de autores e obras de referência para esta pesquisa, compartilhamos e recorremos ao mesmo recorte desta recente coletânea. Ver: PARADA, Maurício; RODRIGUES, Henrique Estrada (Orgs.). Os historiadores: clássicos da história do Brasil, vol. 4: dos primeiros relatos a José Honório Rodrigues. Petrópolis, RJ: Vozes: PUC-Rio, 2018. 9 Informamos que não abordaremos todos esses autores, pois estabelecemos um recorte, selecionando aqueles que produziram obras que trataram ou tangenciaram a temática da atividade tropeira no Brasil meridional. 10Sobre Varnhagen ver: CEZAR, Temístocles. Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência. Topói, v.8, n.15, jul./dez.2007. 28 A despeito dos novos objetos, novos problemas e novas fontes assimilados e propostos a partir da Escola dos Annales e mais tarde da Nova História Cultural (BURKE, 2008; 2011; LE GOFF, NORA, 1995), a Academia e os pares continuam confiando e “exigindo” que os historiadores averíguem suas informações em documentos11. Portanto, a crítica que gostaríamos de registrar diz respeito mais a restrição de quais seriam esses documentos do que necessariamente sobre os métodos propostos ainda lá no século XIX (PROST, 2015). Contudo, a subjetividade e o lugar do autor também compõem a complexa tarefa de produzir conhecimento histórico. Em História Geral do Brasil, Varnhagen (1877) construiu uma narrativa sobre a formação da Colônia e o papel dos portugueses nesse processo. Conforme as características já levantadas, a obra não apresenta problematizações e todo o processo histórico é construído como se não houvesse conflitos, resistências ou rupturas. São perceptíveis o etnocentrismo europeu e a valorização da cultura portuguesa em detrimento da cultura indígena e da africana, fundamentais para entender a constituição da nação brasileira. Encontramos na obra uma menção ao termo tropeiro, no Tomo Segundo, quando o autor falou sobre a expansão da colonização europeia: Quanto aos sertões do Maranhão, cremos que devem ter elles sido especialmente frequentados pelos Bahianos, pelo simples facto de serem ahi designados com este nome todos os tropeiros e gente do interior que em outras províncias se designam por caipiras (VARNHAGEN, 1877, p. 759, grifo nosso). Não há nessa obra uma caracterização ou descrição do tropeiro como uma atividade econômica singular ou específica. No entanto, é preciso destacar essa interpretação de tropeiro como “gente do interior” ou “caipira”, uma vez que essa informação será importante no decorrer da análise. Ao longo da pesquisa, buscando outros indícios da presença da atividade tropeira do Brasil meridional nas obras de Varnhagen, encontramos um artigo publicado em 1945 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Escrito por Clado Ribeiro de Lessa (1945) o texto apresentou aspectos da vida e da obra daquele historiador. Lessa transcreveu um relato de 1840, publicado por Varnhagen no ano de 1867: Achando-me em São Paulo, em fins de 1840, empreendi uma viagem pelo sul da Província, depois de haver ido a derramar uma lagrima no triste vale, onde aprouvera ao Criador que eu aparecesse neste mundo. Já pela altura de Paranapitanga, onde me demorei alguns dias, comecei a ouvir contar muitos casos cruéis assaltos e invasões de Índios, que, quando lhes aprazia, chegavam até ali com suas correrias, e traziam a todos cheios de temor e espanto. Passando, porém, mais 11 Considerando a ampliação da ideia de documento como todo e qualquer vestígio produzido pelos seres humanos e/ou que registram/carregam informações acerca do homem no tempo. 29 ao sul, a fazenda de Morungava, confim atual da província de São Paulo com a de Paraná, dela desmembrada, não só ouvi contar novas histórias de assaltos de Bugres, como fui informado que andavam eles mui perto, e que eu e meus companheiros poderíamos no dia seguinte ser atacados na estrada, ao atravessar um bosque, felizmente de curta extensão. Apesar desta notícia, era essencial partir nesse dia; porque tínhamos a vantagem de ir em maior número, associando-nos a outros tropeiros, já mais acostumados a semelhantes cenas. Ao chegarmos à beira do mato vi que todos os meus companheiros e seus camaradas e vaqueanos, sem dizer palavra, tiravam as espingardas dos arções e com elas engatilhadas, e como prestes a dispararem, prosseguiam, e me disseram de fazer outro tanto com as minhas duas pistolas. Felizmente os tais Índios Bugres, que segundo os meus companheiros, andavam por ali, e nos deviam estar tucaiando, ou por nos verem em suficiente número, ou porque notaram que íamos mui prevenidos, e eles não gostam de ataques em que corram o menor risco, deixaram-nos passar sem nos enviar nenhuma frechada, a que houvéramos correspondido com um disparo à carga cerrada. Note-se que se passava isto, nada menos que na estrada real, bastante frequentada por todas essas tropas e pontas de gado que concorriam à feira de Sorocaba, etc” (VARNHAGEN apud LESSA, 1945, p. 80-81, grifo nosso). E a viagem continua passando por Ponta Grossa e Palmeira até chegar em Curitiba. Lessa transcreveu essa experiência com o intuito de compreender os discursos de Varnhagen sobre os povos originários do Brasil. Mas, o leitor deve ter percebido que para essa pesquisa o relato é interessante porque há o registro da presença de tropeiros justamente na região que hoje corresponde ao Paraná: a Fazenda Morungaba ou Morungava12, que atualmente pertence ao município de Sengés13 e está situada entre os rios Itararé e Jaguaricatu. Para nos localizarmos nesse itinerário, devemos explorar estas paragens: 12 Pertenceu ao Brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar, esposo da Marquesa de Santos. Está localizada em uma área que corresponde a uma das mais antigas sesmarias, concedida por Carta Régia em 21 de janeiro de 1721. “Morungava é palavra abanheen que significa assemblea ou grande reunião de guerreiros, localizada no morro de mesmo nome da fazenda” (LEÃO, 1926, p. 1373 apud GOMES, 2007, p. 103). Segundo Gomes (2007), em 1772 a Fazenda Morungava pertencia ao Sargento-mor Antônio Francisco de Andrade, morador da Parnaíba. Entre os anos de 1783 a 1788, os herdeiros de Antônio Francisco de Andrade venderam a fazenda para o alferes José Novais Dias. O último proprietário a usar mão-de-obra escrava foi o Coronel Jordão do Canto e Silva, falecido em 1918. Herança de seu bisavô, o capitão-mor José Felix da Silva. Ver: GOMES, Josélia Maria Loyola de Oliveira. Significações e Ressignificações do Patrimônio Cultural: as Fazendas Históricas e o Turismo nos Campos Gerais do Paraná. 2007.162p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 200. 13 Aqui cabe ressaltar que o autor relata que fez essa viagem em 1840. O Paraná emancipou-se da Província de São Paulo em 1853 e o registro que ele faz dessa viagem é publicado em 1867. 30 FIGURA 1: Limite da Província de São Paulo e Curitiba – Jean-Baptiste Debret Fonte: BANDEIRA, Júlio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Obra completa 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2008, p.290 FIGURA 2 – O Jaguariçatu. 1827 – Jean-Baptiste Debret Fonte: BANDEIRA, Júlio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Obra completa 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2008, p. 291. As imagens acima retratam a região descrita por Varnhagen e são atribuídas ao pintor francês Jean Baptiste Debret (1768-1848). Debret integrou a Missão Artística Francesa de 1817 e publicou, em 1831, a obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, destacando aspectos da sociedade e da natureza brasileira daquele momento. Além do pintor, outros viajantes (artistas, naturalistas, exploradores, entre outros), assim como o visconde de Porto Seguro, registraram impressões e memórias de suas passagens por esta região durante o 31 século XIX14. Estes testemunhos foram e ainda são amplamente utilizados como fontes para as produções historiográficas. Sobre esse mesmo local, poucos anos antes, em 1820, o francês Auguste Saint’Hilaire relatou que: Depois de atravessar uma mata bastante sombria, cheguei ao Rio Jaguaricatu, um dos afluentes do Itararé. Esse rio, de pouca largura, é vadeável na época da seca, mas após chuvas prolongadas ele se torna tão caudaloso que os cavalos e burros não podem atravessá-lo a nado sem o risco de serem arrastados pela corrente. Durante o tempo que permaneci em Morangava vários despachos urgentes tinham ficados retidos nessa propriedade porque não se podia atravessar o rio com segurança. Quando cheguei à sua beira, as águas tinham baixado pouco de volume; minha bagagem foi transportada numa canoa e os burros atravessaram a corrente a nado (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 33, grifo nosso). Estes registros subsidiaram uma imagem dessa região, denominada de Campos Gerais, como um local de passagem15. Os caminhos, vindos do Sul em direção a Sorocaba, convergiam para esses confins que até 1853 pertencia a Província de São Paulo. Esse peculiar torrão foi designado por Saint-Hilaire como “paraíso terrestre do Brasil” (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 27), vejamos parte dessa descrição: Esses campos constituem inegavelmente uma das mais belas regiões que já percorri desde que cheguei à América; suas terras são menos planas e não se tornam tão monótonas como as nossas planícies de Beuce, mas as ondulações do terreno não chegam a ser tão acentuadas de maneira a limitarem o horizonte. Até onde a vista pode alcançar, descortinam-se extensas pastagens; pequenos capões onde sobressai a valiosa e imponente araucária surgem aqui e ali nas baixadas, o tom carregado de sua folhagem contrastando com o verde claro e viçoso do capinzal. De vez em quando apontam rochas nas encostas dos morros, de onde se despeja uma cortina de água que se vai perder no fundo dos vales [...] (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 15-16). 14 Inclusive Dom Pedro II, então Imperador do Brasil, registrou em um dos seus diários de viagem uma breve nota sobre a atividade tropeira na região, mais especificamente na cidade de Castro: “29 de maio de 1880 (sábado) [...] Passeio até o rio Iapó, afluente do Tibagi. Ponte longa de madeira, em mau estado e é caminho de S. Paulo. Bonita vista da ponte para ambos os lados, e do alto do além. O rio com a cheia cobriu uma das margens, ficando um cercado dentro d’água. O rio é piscoso e ao jantar serviram o tabarana. A Câmara proibiu certos meios de pescar e vedou-o nos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro. Conversei no passeio com Manuel Inácio do Canto e Silva, que disse-me ter dividido as fazendas entre os filhos e possuírem todos de 7 a 8.000 reses. Murici fala de 12.000. Pareceu-me pelo que ouvi a diversos que não cuidam muito de melhorar a criação. Canto e Silva atribuiu a diminuição do gado a fazer mais conta alugar os pastos aos criadores de mulas de São Paulo” (SANTOS, 2008, p. 32, grifo nosso). Ver: SANTOS, Francisco Marques (Org.). D. Pedro II: diário da visita à Província do Paraná. Ponta Grossa, UEPG, 2008. 15 O geógrafo alemão Reinhard Maack (1981) definiu Campos Gerais como uma zona fitogeográfica natural, com campos limpos e matas de galerias ou capões isolados de floresta ombrófila mista, onde aparece o pinheiro araucária. Uma região de aproximadamente 19.060 km², utilizados predominantemente para a criação intensiva de gado bovino, desde a fronteira com o Estado de Santa Catarina até o limite com o Estado de São Paulo (MAACK, 1981). O Dicionário Histórico dos Campos Gerais (2020), fundamentado em Maack (1981), adota uma definição que preserva os critérios naturais, mas também privilegia os aspectos históricos de identidade regional e, portanto, registra que ela abrange o território que apresenta vínculo com a atividade tropeira, onde é possível observar a influência na cultura e nos costumes, presentes nos hábitos preservados no cotidiano da população. Ver DICIONÁRIO HISTÓRICO DOS CAMPOS GERAIS. Disponível em: https://www2.uepg.br/dicion/. Acesso em: 04.abr.2021. https://www2.uepg.br/dicion/ 32 De fato, um lugar de beleza natural ímpar. Outrossim, o aspecto físico foi provavelmente um dos principais fatores para que o caminho das tropas passasse por essas localidades. É o que afirmam os geólogos Antônio Liccardo e Gil Piekarz (2017). Segundo estes especialistas, a geodiversidade dos Campos Gerais composta por capim abundante, formação de cânions de água e relevo marcado pela presença das formações de arenito, foram fundamentais e até determinantes para o desenvolvimento deste caminho. O transporte de animais na magnitude com que se sucedeu neste período - tropas com mais de 800 ou 1000 animais eram comuns - exigiu uma logística que foi influenciada, e até mesmo determinada pelo meio físico, em última instância fatores geomorfológicos e geológicos. Foram necessários imensos planaltos com água, pasto e declividade adequados para a manutenção física dos animais, assim como eram críticas as passagens e travessias por rios, desfiladeiros e terrenos abruptos. Uma análise da geomorfologia ao longo do caminho mostra o quanto a geologia foi caprichosa e determinante para a existência do tropeirismo nestas regiões (LICCARDO; PIEKARZ, 2017, p. 24, grifo nosso). Saint-Hilaire, reiteradamente, comentou sobre essa atividade pecuária dos Campos Gerais: “homens de todas as classes, operários, agricultores, no momento em que ganham algum dinheiro, partem para o sul, onde compram burros bravos para revendê-los em sua própria terra ou em Sorocaba” (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 19). As excelentes pastagens dos Campos Gerais são aproveitadas como invernada para as numerosas tropas de burros que vem do Rio Grande do Sul, divididas em pontas de quinhentos a seiscentos animais. As tropas chegam em fevereiro, depois de atravessarem o Sertão de Viamão, entre Lapa e Lajes, onde perdem muito peso. Comumente, em lugar de forçarem os animais a prosseguir viagem, os tropeiros deixam-nos descansar nos Campos Gerais até outubro, quando então seguem para Sorocaba. No começo da invernada os camaradas que acompanharam a tropa até ali são mandados de volta, com a exceção de dois ou três, sendo contratados outros quando se reiniciam a viagem (SAINT-HILAIRE, 1995, p. 23). Sobre as características dos Campos Gerais e a identificação dos caminhos e rotas utilizadas para o desenvolvimento dessa atividade foi necessário “desviar ligeiramente o rumo” para recorrermos aos relatos de viajantes e às pesquisas específicas sobre a temática, como é o caso da obra Tropeirismo e Geodiversidade no Paraná de Liccardo e Piekarz (2017). Vejamos o mapa artístico elaborado para a publicação: 33 FIGURA 3 – Caminho das Tropas na região dos Campos Gerais Fonte: LICCARDO, Antonio; PIEKARZ, Gil. Tropeirismo e Geodiversidade no Paraná. Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2017. p. 26. 34 Para avançarmos, é preciso explicar que antigas trilhas dos povos originários do Brasil propiciaram esses acessos. Aquelas rotas que foram também utilizadas pelos bandeirantes são gêneses das contemporâneas vias de comunicação (SCHMIDLIN, POLINARI, MANFREDINI, 2009). São conhecidos e estudados alguns desses trajetos, entretanto a rota denominada “Caminho do Viamão” ou “Estrada da Mata”, que partia de Viamão (RS) até a Vila de Sorocaba, em São Paulo, cruzando os campos de Lajes, em Santa Catarina, ingressando em território paranaense após cruzar Rio Negro, os campos da Lapa, e seguindo para os Campos Gerais, é a rota mais conhecida e referenciada. Esse percurso tem sua origem vinculada à viagem de Cristóvão Pereira de Abreu que ocorreu entre os anos de 1731 e 1732. “Durante esta primeira comitiva foram conduzidas aproximadamente 3000 mulas, ‘inaugurando’ assim um caminho que ligava a região de Viamão aos campos de Curitiba” (GOULART, 1961, p. 37). Este trajeto estava sendo preparado desde 1727, por Francisco de Souza e Faria, sob ordem do governador da capitania de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. “O mesmo governador teria criado, em fevereiro de 1732, o Registro de Curitiba, instituição que controlaria a cobrança dos impostos de circulação de animais naquele novo caminho” (GIL, 2009, p. 45). Tais explanações, fundamentadas em investigações mais recentes e específicas, foram indispensáveis para que sigamos o percurso deste capítulo. Para visualizar e compreender as localizações espaciais e as rotas citadas elaboramos a partir das referências bibliográficas e demandas desta pesquisa o seguinte mapa16: 16 Informamos que ambos os mapas são concepções artísticas do geógrafo Brendo Francis Carvalho. 35 FIGURA 4 – Rotas dos tropeiros no Sul do Brasil (séculos XVIII E XIX) Fonte: Elaborado por Brendo Francis Carvalho e Milena Santos Mayer. 36 Retomemos nosso itinerário e a proposta de examinar autores e obras selecionados como referência à História da Historiografia Brasileira. Verificamos que pelo entendimento do que seria História, enquanto campo do conhecimento, no século XIX, a questão da atividade tropeira e suas especificidades ainda não poderiam, ou não deveriam, ser contemplados em uma História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen, por exemplo. As informações registradas naquele período foram encontradas, sobretudo, em relatos de viagem, ordinárias anotações daquele tempo presente. Para nossa reflexão é relevante lembrar que aquele historiador registrou que tropeiros eram “gente do interior” que em alguns lugares do país eram chamados de “caipiras”, além disso, anotou também que eram sujeitos acostumados com as adversidades impostas pelo trabalho de condução de animais em meio a trilhas e caminhos inóspitos ou hostis. Partiremos agora para a obra de Capistrano de Abreu (1853-1927), um autor nascido ainda no século XIX, mas que produziu e publicou seus escritos no século seguinte. Natural de Maranguape, no Ceará, Capistrano é filho do major da Guarda Nacional Jerônimo Honório de Abreu e Antônia Vieira de Abreu. Após cursar Humanidades, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde atuou como jornalista, pesquisador, bibliotecário da Biblioteca Nacional e professor do Colégio Pedro II (GONTIJO, 2006). A historiadora Rebeca Gontijo apontou que Capistrano estava inserido em um contexto de “crescente interesse a respeito do povoamento do interior, com destaque para o surgimento dos caminhos e das cidades, que, ao lado do estudo sobre o ser nacional, deveria contribuir para a construção de uma nova narrativa sobre a nação” (GONTIJO, 2018, p. 172). Portanto, este polígrafo tratou de temas que, até então, raramente apareciam nos livros de História, “tais como as festas, a família, as bandeiras, as minas, as estradas e a criação do gado (GONTIJO, 2018, p. 173). Para José Honório Rodrigues, Abreu elaborou “a mais profunda e aguda página de periodização da História do Brasil jamais escrita na nossa historiografia” (RODRIGUES, 1978, p. 134). A obra que ora analisamos é o “clássico” Capítulos de História Colonial, publicado em 190717. Contudo, vejamos primeiramente o 17 Informamos que em obra anterior, Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, de 1899, Capistrano já havia registrado a atividade tropeira de mulas xucras, destacamos a seguinte passagem: “A estrada de Sorocaba a Porto Alegre e ao território das Missões teve sua importância quando vinham as feiras dezenas de milhares de bestas, mas sua influência durou pouco e esvaiu-se com a introdução do vapor”. Ver: ABREU, Capistrano de. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu, Livraria Briguiet, 1930, p. 73-74. 37 entendimento de História de Capistrano, explicado por Gontijo, estudiosa deste intelectual e de suas obras18: O autor compreende que, para que algo seja histórico, deve possuir uma realidade ou uma permanência posterior às circunstâncias de sua ocorrência, seja como desdobramento do próprio processo histórico, seja como testemunho documental. Em outros termos, as ações e movimentos que compõem aquilo que podemos designar por experiência só se tornam efetivamente históricos se obtiverem sucesso, no sentido de produzirem resultado ao longo do tempo. Como se o histórico correspondesse ao conjunto de resultados objetivos das ações (GONTIJO, 2018, p. 188). Concordamos que há uma pré-disposição ao reconhecimento das consequências dos acontecimentos. Dessa forma, em Capítulos da História Colonial, quando o autor tratou da ocupação do território que correspondia à então Província de São Paulo, escreveu que a região de Curitiba “atraiu pouca população, e medrou precariamente enquanto não lhe deu vida o comércio de trânsito, principalmente de muares, procedentes do Sul” (ABREU, 1998, p.117, grifo nosso). Sobre esse comércio, Capistrano registrou que após o declínio das atividades mineradoras, ainda no século XVIII, os habitantes da colônia precisavam buscar alternativas para a subsistência, como a agricultura de cereais, a plantação de cana, de fumo, de algodão e a atividade que nos interessa, a pecuária. “Com o tempo avultou a produção ao ponto de criar-se uma indústria especial de transportes, confiada aos históricos e honrados tropeiros” (ABREU, 1998, p.154, grifo nosso). “Históricos e honrados”, vejamos que em Capistrano começamos a encontrar os indícios para responder de que forma a atividade tropeira é abordada na historiografia brasileira. No princípio do século, começavam a despertar da hibernação devida às minas e aos grandes êxodos por elas provocados em São Paulo. A agricultura aos poucos se reanimava; existiam numerosos engenhos de açúcar e de aguardente; duvidava-se ainda que o clima permitisse a grande cultura do algodão e do café. A mais importante fonte de receita consistia no comércio de trânsito, de Mato Grosso, de Goiás, de parte de Minas e dos sertões do Sul. Já funcionava a famosa feira anual de Sorocaba (ABREU, 1998, p. 209, grifo nosso). Há, portanto, menção à atividade pecuária no território paulista, todavia, avaliando o recorte temporal do Brasil Colônia, a ênfase das narrativas sobre aquele território ficava por conta, principalmente, da dinâmica das bandeiras e dos bandeirantes. Segundo Capistrano, as “bandeiras eram partidas de homens empregados em prender e escravizar o gentio indígena. O 18 Ver também: GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói, 2006. Tese (Doutorado em História) ICHF, Universidade Federal Fluminense. Niteroi, 2006. 38 nome provém talvez do costume tupiniquim, referido por Anchieta, de levantar-se uma bandeira em sinal de guerra” (ABREU, 1998, p. 108). Faltam documentos para escrever a história das bandeiras, aliás sempre a mesma: homens munidos de armas de fogo atacam selvagens que se defendem com arco e flecha; à primeira investida morrem muitos dos assaltados e logo desmaia-lhes a coragem; os restantes, amarrados, são conduzidos ao povoado e distribuídos segundo as condições em que se organizou a bandeira. Nesta monotonia trágica (ABREU, 1998, p. 109). Nesta obra, antes de tecer elogios aos tropeiros, verificamos um discurso sobre o bandeirante, que não é aquele conhecido discurso celebrativo exposto em narrativas de memoriais ou monumentos, assunto que iremos abordar posteriormente19. Por ora, indicamos que o autor evidencia um tom crítico à atividade bandeirante, contrapondo, inclusive, o argumento da conquista e ampliação do território nacional. O historiador registra que as bandeiras foram marcadas por “despovoamento e depredação” (ABREU, 1998, p. 110). Disse ele: “compensará tais horrores a consideração de que por favor dos bandeirantes pertencem agora ao Brasil as terras devastadas?” (ABREU, 1998, p. 112). Sobre a ocupação do interior do país, percebemos que atribuiu grande visibilidade para a atividade pecuária, pois a solução para o problema da ocupação deste vasto território teria sido o gado vacum. “O gado vacum dispensava a proximidade da praia, pois como as vítimas dos bandeirantes a si próprio transportava das maiores distâncias [...], dava-se bem nas regiões impróprias ao cultivo da cana [...]; pedia pessoal diminuto” (ABREU, 1998, p. 132). Nesse momento, o autor tratou especialmente da ocupação das regiões que hoje correspondem ao Norte e ao Nordeste, mas para nós é importante apontar a intenção de registrar aspectos da cultura material20 comuns no cotidiano da lida com animais de corte e de carga. Pode-se apanhar muitos fatos da vida daqueles sertanejos dizendo que atravessaram a época do couro. De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforje para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz (ABREU, 1998, p. 135). Já sobre a região Sul, Capistrano considerou que “o movimento de ocupação se operou com muita lentidão por parte de Portugal, acompanhando o litoral do Paraná e Santa Catarina, 19 Quando tratarmos da obra de Affonso de Taunay e do Museu Paulista. 20 “Suporte material, físico, imediatamente concreto, da produção e reprodução da vida social” (MENESES, 1983, p. 112). 39 e continuou do mesmo modo ainda depois de 1640” (ABREU, 1998, p. 185). Além disso, indicou que “para o terreno acidentado provavam melhor os muares, mais sóbrios, mais resistentes, de passo mais seguro, importados de além Uruguai” (ABREU, 1998, p. 185). E finalmente, após mencionar a “famosa feira anual de Sorocaba”, escreveu que “nos Campos Gerais do Paraná viviam bastante criadores, mas a verdadeira zona pastoril do Sul ostentava-se nas terras rio-grandenses” (ABREU, 1998, p. 210). Novamente, agora voltando- se para o sul, o autor descreveu detalhadamente elementos da vida material desse movimento: A escassez de lenha obrigava a comer a carne quase crua, apenas sapecada no lume, produzido por dejeções animais ou gravetos, e comida quase sempre sem mastigar. Ao mate, beberagem primeiro descoberta nos sertões de Guairá e depois propagada pelos jesuítas, atribui-se a atenuação dos males que deviam resultar desta dieta. A superfície ligeiramente ondulada, o descampado quase onipresente, a facilidade de alimentação, a abundância de cavalgaduras convidava à locomoção. Viajava-se principalmente no verão, quando raras vezes chovia, os rios levavam pouca água e aumentava o número de vaus; a importância destes em capitania onde não havia pontes manifestava-se nos passos sem conta que a cada instante se encontram designando localidades. Serviam-se às vezes de pelotas, canoas frágeis feitas de pele. De passagem fique notado que também aqui houve uma época do couro. Dormia-se ao relento: os aperos do animal serviam de leito. Estendiam por terra a grande peça chamada carona, o lombilho substituía o travesseiro, sobre a carona punham o pelego e por cima de tudo deitavam-se embrulhados no poncho e de cabeça descoberta. Avigorou-se a tendência ao nomadismo com a circunstância de passar por ali a fronteira, uma fronteira disputadíssima, que qualquer dos confinantes ambicionava estender, e de entre ambos se meteram os campos neutrais, em que nenhum tinha direito de penetrar, por isso mesmo violados a cada instante, máxime da parte do Rio Grande. Os combates regulares não subiram a muitos, mas as surpresas, as arreatas, os encontros singulares, as incursões de contrabandistas constituíam fato quotidiano. Forçosamente os rio-grandenses tornaram-se aventureiros e soldados; só por militares tinham atenção; a Saint-Hilaire deram o título de coronel. A quem não montava bem ou não sabia laçar de cavalo xingavam de baiano ou maturango (ABREU, 1998, p. 211, grifo nosso). A descrição da atividade passa, essencialmente, pela enumeração de diversos artefatos e a exposição de seus usos. Além de mencionar o surgimento de localidades próximas aos vaus, justamente a condição que teria propiciado a fundação da cidade de Castro-PR21. Portanto, este trecho evidencia que a historiografia ofereceu subsídios e informações para a construção da narrativa proposta pelo Museu do Tropeiro. Retomamos as produções historiográficas como referências bibliográficas, mas também, e principalmente, como fontes para a nossa produção do conhecimento acerca do tema e do objeto dessa pesquisa. Avaliamos que essa perspectiva de apresentação do contexto material e dos hábitos do cotidiano, abordagem que também veremos nos autores seguintes, é resultado da justaposição das fontes consultadas, entre elas as representações elaboradas por Jean Baptiste Debret e a 21 Vau é o trecho raso do rio, que se pode passar a pé ou a cavalo: CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010, p. 670. 40 preponderância das observações e juízos do naturalista Sant-Hilaire. Vejamos mais algumas imagens de Debret que elucidam a citação de Capistrano de Abreu e comunicam parte da tipologia do acervo do museu: FIGURA 5 – Acampamento noturno dos viajantes, 1835 – Jean-Baptiste Debret Fonte: BANDEIRA, Júlio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Obra completa 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2008, p.575. FIGURA 6 – Tropeiros Paulistas Fonte: BANDEIRA, Júlio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Obra completa 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2008, p. 597. Prosseguindo com a proposta de localizar os tropeiros em análises e pesquisas sobre a História da Brasil, selecionamos o historiador, jurista e sociólogo Oliveira Viana (1883-1951). Francisco José de Oliveira Viana nasceu na então província do Rio de Janeiro, filho do 41 fazendeiro e coronel da Guarda Nacional Francisco José de Castro Viana e de Balbina de Oliveira Viana. Sua obra é marcada pelo destaque aos aspectos rurais de formação do país. Maria Stella Bresciani (2005; 2018) explicou que o autor procurou “desmembrar” os estudos sobre a sociedade brasileira “de modo a distinguir três histórias diferentes: a do norte, a do centro-sul, a do extremo sul”. Descrevendo e analisando “habitats de populações diferenciadas - no sertão o sertanejo, na mata o matuto e nos pampas o gaúcho” (BRESCIANI, 2018, p. 225). Abordaremos seu primeiro livro, Populações meridionais do Brasil, publicado originalmente em 1920. Percebemos que ao longo da obra, que o autor confirma a leitura de Bresciani, escrevendo, por exemplo, que no vasto território brasileiro constituiu-se uma “sociedade de hábitos e costumes caracteristicamente rurais” (VIANA, 2005, p. 70). Para ele “o sentimento da vida rural estava perfeitamente fixado na psicologia da sociedade brasileira: a vida dos campos, a residência nas fazendas, a fruição do seu bucolismo e da sua tranquilidade se tornou uma predileção dominante da coletividade” (VIANA, 2005, p. 77). É preciso observar essa perspectiva do autor de que o brasileiro “sempre se afirma um homem do campo” e que “todas as pessoas capazes de posição procuram preferencialmente a roça” (VIANA, 2005, p. 77-79). Identificamos também um ponto de vista atravessado por adjetivos, generalizações e juízos, supostamente ancorados em discursos científicos (eugenia e teorias raciais). Oliveira Viana escreveu sobre como o poder político aproximava-se de uma “aristocracia rural” no Brasil: “depois de três séculos de paciente elaboração, a nossa poderosa nobreza rural atinge, assim, a sua culminância: nas suas mãos está agora o governo do país” (VIANA, 2005, p. 93). Esse aspecto também é fundamental para compreendermos a relação entre o poder político no Paraná e a atuação dos grandes proprietários de terras e de animais da região dos Campos Gerais (como veremos mais adiante). “O meio rural é, em toda parte, um admirável conformador de almas. Dá-lhes a têmpera das grandes virtudes e as modela nas formas mais puras da moralidade” (VIANA, 2005, p. 99). “Virtude e moralidade” novamente são características destacadas nas narrativas analisadas até o momento. Para Viana (2005) os quadros sociais formados no interior do Brasil não possuíam grandes mobilidades, as relações sociais seriam “estáveis, permanentes e tradicionais”. “Sociedade rarefeita, de círculo vicinal limitado, todos, por isso mesmo, se nomeiam, se cumprimentam e mantêm entre si uma certa comunidade de simpatias e afeições” (VIANA, 2005, p. 99). E assim o autor descreveu algumas dessas características, como a prática de 42 cumprimentar a todos, “como se todos os viajores e transeuntes fossem conhecidos velhos da vizinhança, ou amigos de longa data” (VIANA, 2005, p. 99). Há, entretanto, certos sentimentos e certos preconceitos – índices infalíveis de nobreza moral – que têm para esses desdenhados matutos uma significação medievalmente cavalheiresca. O respeito pela mulher, pela sua honra, pelo seu pudor, pela sua dignidade, pelo seu bom nome, por exemplo. Ou o sentimento do pundonor pessoal e da coragem física, que faz com que o matuto, ferido na sua honra, desdenhe, como indigno de um homem, o desagravo dos tribunais e apele, de preferência, como nos tempos da cavalaria, para o desforço das armas. Quatro qualidades possui o nosso homem rural, cuja influência na nossa história política é imensa: quatro qualidades que constituem o mais genuíno florão da nossa nobreza territorial. Uma é a fidelidade à palavra dada. Outra, a probidade. Outra, a respeitabilidade. Outra, a independência moral (VIANA, 2005, p. 101, grifo nosso). Assim que nos deparamos com essa descrição, lembramos da exposição e do material de divulgação do Museu do Tropeiro. Vejamos abaixo o chamado Código do Tropeiro: Competia ao tropeiro: Não deixar porteira aberta; respeitar a propriedade alheia; saudar a todos que encontrasse em caminho; nunca chegar à casa de alguém pelo lado da cozinha; respeitar as mulheres; ser leal aos companheiros; ser correto nos negócios; honrar a palavra dada (ROMAGUERA NETTO, 2002, p. 56-57). Estas palavras integravam um painel da exposição de longa duração do Museu do Tropeiro, entre os anos de 2002 e 2013, seguidas dos nomes de homens que exerciam o ofício no município de Castro. Adiantamos esse dado sobre a exposição do Museu Tropeiro para que possamos ir “acomodando” essas referências em nossa “bagagem”, pois elas serão úteis ao longo da jornada. Capistrano de Abreu já havia transmitido a apreciação de que os tropeiros seriam “homens honrados”, Oliveira Viana corrobora para essa caracterização, estendendo-a para o “homem rural” (com posses): Entre os senhores, a rigorosa observância das promessas é um dos títulos principais da sua ascendência aristocrática. O “fio da barba”, da tradição popular, vale para eles tanto quanto o documento mais autêntico. Os seus atos não precisam, para o pontual desempenho, a razão e o sinal dos tabeliães. Mais do que a força das leis, o pundonor fazendeiro lhes garante o desencargo no dia e hora aprazados. Os nossos partidos políticos, aliás, têm a chave de sua força e da sua coesão nessa qualidade admirável (VIANA, 2005, p. 102, grifo nosso). Até o momento, observamos que para estes dois primeiros autores a atividade tropeira do sul do país dialoga diretamente com as interpretações acerca de uma “essência” rural brasileira. Outro ponto que chama a atenção é que quando o tema aparece, é tratado com certo caráter heroico e estabelece aproximações ou comparações com a figura do bandeirante. 43 Há dois tipos principais de bandeiras. Há as bandeiras de guerra e há as bandeiras de colonização. Este segundo tipo domina na expansão paulista para o sul, na colonização dos campos paranaenses, catarinenses e rio-grandenses e no povoamento da orilha meridional até Laguna. Os bandos sertanistas de simples exploração do sertão, de prea ao índio, de caça ao ouro, de combate aos quilombos pertencem ao primeiro tipo (VIANA, 2005, p. 144, grifo nosso). Em um tom diverso de Capistrano de Abreu, Oliveira Viana afirmou que as transumâncias do período colonial brasileiro ocorreram de maneira disciplinada por causa do “pulso de ferro do cabo da tropa: um Afonso Sardinha, um Pascoal de Araújo, um Bartolomeu Bueno, um Matias Cardoso, um Antônio Raposo, um Manoel Preto, um Borba Gato, um Fernão Dias, um Domingos Jorge” (VIANA, 2005, p. 145). Para o autor fluminense, a atividade pecuária foi uma operação conjunta ao processo de ocupação “iniciado” pelas bandeiras. “Em nossa história o pastoreio é o antecedente obrigatório da agricultura” (VIANA, 2005, p. 145). O sinal de passagem e de conquista dos sertanistas seria o curral: “depois de metido o gado, alega esse fato, e os dispêndios e as lutas com o gentio – e pede a sesmaria, assim preliminarmente ‘povoada’” (VIANA, 2005, p. 145). Depois do curral vem a fazenda, o engenho, o arraial, a povoação, a vila. Lajes é um exemplo. Curitiba, outro. Palmas, ainda outro. São povoações que se fundam com o fito de “reunir os moradores dispersos” pelos latifúndios. O vaqueiro é, então, em nossa história o vanguardeiro da civilização. É o batedor dos engenhos. Anuncia- os; prepara o meio para sua instalação; abre clareiras a fogo; afugenta as feras; bate o índio, e o expulsa e assegura por toda parte a tranqüilidade indispensável ao labor das sementeiras (VIANA, 2005, p. 146). Este livro tratou especificamente das populações do Brasil meridional, como o próprio título sugere, sendo assim, por uma perspectiva regional, vemos que a pecuária alcança visibilidade e até um certo tom de notoriedade na narrativa. A todo momento procuramos apontamentos concretos sobre a atividade tropeira e é preciso advertir o quanto é raro localizar o termo tropeiro, propriamente dito. As nomenclaturas comuns são: bandeirante, sertanista e vaqueiro. O desenvolvimento da indústria pastoril e principalmente a descoberta dos belos campos rio-grandenses e platinos trazem uma profunda modificação a esses meios rudimentares de transporte. Desses campos opimos sobem para S. Vicente e S. Paulo grandes manadas. Cristóvão Pereira, por exemplo, em 1731, consegue arrebanhar 3.000 cavalgaduras e as introduz em S. Paulo (VIANA, 2005, p. 147). 44 Até mesmo Cristóvão Pereira de Abreu, aquele que é indicado por alguns autores como “o primeiro tropeiro” desse comércio de muares, não recebeu tal indicação22. E o autor continuou: “os grandes centros de irradiação bandeirantes são assim abundantemente providos de animais de montaria e de carga. O problema da mobilização das bandeiras fica extremamente facilitado” (VIANA, 2005, p. 147). Portanto, neste trecho, a atividade tropeira aparece como uma atividade acessória ao movimento bandeirante. Nessa toada, o autor citou a atual cidade de Castro quando se referiu a alta capacidade migratória dos paulistas “que ameaçava de êxodo geral os distritos de Curitiba, Príncipe23 e Castro. Tanto que as autoridades se queixam dos habitantes em razão de mania que têm de se mudarem para a Província do Rio Grande” (VIANA, 2005, p. 150). Ratificando a ideia de mobilidade e uma “notável capacidade colonizadora” das populações de origem vicentista. Ainda sobre essa população que se estabeleceu no Paraná o autor escreveu que a “emigração de mestiços superiores, isto é, daqueles capazes de se confundirem, pela sua aparência, com os brancos da massa emigrante, é esplendidamente confirmada pela análise da estrutura antropológica da população dos campos paranaenses” (VIANA, 2005, p. 150). A fonte utilizada por ele são os relatos de Saint-Hilaire: Seria erro, diz ele, pensar que a maioria dos habitantes dos campos gerais são mestiços. É muito mais considerável nesta região o número dos brancos realmente brancos do que nos distritos de Itapeva e Itapetininga (São Paulo); e, na época da minha viagem, raro era o artesão da cidade de Castro que não pertencesse à nossa raça por todos os costados. Bem diversamente dos pobres mestiços que povoam os campos perto de Itapeva, os moradores dos campos gerais são geralmente altos e bem-feitos, de cabelos castanhos e tez corada e trazem na fisionomia o cunho da bondade e da inteligência. São as mulheres, na sua maior parte, sumamente bonitas; têm as faces cor de rosa e nos traços delicadezas tais como nunca notei em brasileira alguma (SAINT-HILAIRE apud VIANA, 2005, p. 171-172). Por fim, destacamos na construção narrativa de Viana a aproximação entre a atividade pecuária do Sul com a belicosidade e o caudilhismo. Essa correlação entre a anarquia e o pastoreio explica-se, em parte, pela infixidez a que esse regime econômico submete a população inferior. O trabalho do pastoreio 22 Cristóvão Pereira de Abreu (1678-1755) é apresentado pelo Arquivo Público de sua terra natal (Ponte de Lima – Portugal) como um militar e comerciante de gado no Brasil. “Tropeiro, foi um dos principais contribuintes para a integração territorial do Rio Grande do Sul no Brasil. Figura proeminente na história do Sul Brasileiro, nasceu na freguesia de Fontão, em Ponte de Lima, em 13 de julho de 1678, sendo filho de João de Abreu Filgueira (que mais tarde passou a assinar João de Abreu Figueiredo) e de sua mulher Leonor de Amorim Pereira, moradores naquela freguesia, no lugar de S. Cristóvão. Atravessou o Atlântico, ainda muito novo, e dedicou-se ao negócio da extração, aquisição e comercialização dos couros bovinos na Colônia do Sacramento, integrando-se na principal atividade económica daquela região”. Ver: LOUREIRO, José Carlos de Magalhães. Cristovão Pereira de Abreu (1678-1755). Arquivo Municipal de Ponte de Lima. Disponível em: https://arquivo.cm- pontedelima.pt/pages/895?poi_id=125. Acesso em: 25.set.2021. 23 Vila do Príncipe é atual cidade da Lapa no Paraná. https://arquivo.cm-pontedelima.pt/pages/895?poi_id=125 https://arquivo.cm-pontedelima.pt/pages/895?poi_id=125 45 abre aos vaqueiros maiores lazeres, vastos interregnos de sesta quotidiana. De forma que, nas zonas do criatório, a plebe rural se afaz muito naturalmente aos hábitos da gandaíce e da vagabundagem. O regime agrícola, mesmo como se pratica entre nós, exige, ao contrário, do homem, uma atividade contínua, um labor intenso, nas arrotéias, nas semeações, nas cardagens, nas colheitas. Por isso, as nossas populações exclusivamente agrícolas se mostram sempre d