UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA Sílvia Helena Meneguin Bravin HIGIENIZAÇÃO DAS MÃOS COMO PRECAUÇÃO SINESTÉSICA, POR ININTELIGIBILIDADE HUMANA E INSTITUCIONAL PARA O NÃO APARENTE Botucatu 2021 ii Sílvia Helena Meneguin Bravin HIGIENIZAÇÃO DAS MÃOS COMO PRECAUÇÃO SINESTÉSICA, POR ININTELIGIBILIDADE HUMANA E INSTITUCIONAL PARA O NÃO APARENTE Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestra em Enfermagem – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Acadêmico. Profa. Associada Silvia Cristina Mangini Bocchi Orientadora Botucatu 2021 iii FICHA CATALOGRÁFICA iv FOLHA DE APROVAÇÃO DE MESTRADO Nome: Silvia Helena Meneguin Bravin Título: Higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Curso de Mestrado Acadêmico e Doutorado da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Mestra em Enfermagem. Aprovada em: 22/01/2021. BANCA EXAMINADORA Professora Associada Silvia Cristina Mangini Bocchi Orientadora e presidente da comissão Professora Titular Kazuko Uchikawa Graziano Escola de Enfermagem da USP - São Paulo Professora Associada Wilza Carla Spiri Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP v Esta pesquisa recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), por meio de concessão de bolsa Demanda Social (Código de Financiamento 001). vi DEDICATÓRIA A DEUS, pela eterna possibilidade de poder recomeçar e aprender. Ao meu pai, João Milton, por ter me dado a oportunidade de estudar. À minha mãe, Dirce. Mãe maravilhosa, forte, sábia e guerreira, que me ensinou que o caminho para crescer está pautado no estudo e na honestidade. Ao meu querido amigo Marco Antônio Nagao que me encorajou e me fortaleceu nos momentos mais difíceis, com palavras e pensamentos positivos. À minha amada filha, Marina, razão da minha vida, dos meus sonhos, fonte inspiradora de luta e vitória pela sua felicidade. vii AGRADECIMENTOS Ao meu marido, Luis Fernando, por ter me dado condições de poder realizar este sonho. À equipe de enfermagem do Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, por contribuir prontamente para a realização deste trabalho. viii AGRADECIMENTO ESPECIAL À minha querida amiga, conselheira e orientadora, Profa. Silvia Cristina Mangini Bocchi, sem cuja doçura, bondade e dedicação não teria sido possível a realização deste sonho. Gratidão eterna a essa mulher maravilhosa. ix EPÍGRAFE “Não existem sonhos impossíveis para aqueles que realmente acreditam que o poder realizador reside no interior de cada ser humano. Sempre que alguém descobre esse poder, algo antes considerado impossível se torna realidade”. Albert Einstein x Bravin SHM. Higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente [dissertação]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unesp; 2021. RESUMO Objetivos: Compreender a experiência interacional da equipe de enfermagem com a microbiota de suas mãos e com as mensagens para higienizá-las, por meio de cartazes nos cenários de trabalho, assim como elaborar modelo teórico representativo dessa experiência. Método: Pesquisa qualitativa, aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa. As entrevistas individuais foram audiogravadas e transcritas na íntegra. A saturação teórica deu-se a partir da análise da 17ª entrevista, à luz da Teoria Fundamentada nos Dados, com oito enfermeiros e nove técnicos de enfermagem, a maioria lotada em unidades de internação, com um ou mais anos de tempo de trabalho em hospital público de grande porte do estado de São Paulo. Interpretaram-se a experiência e o modelo teórico à luz dos referenciais teóricos: Interacionismo Simbólico, Teoria do Comportamento Planejado e Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (HumanizaSUS). Resultados: As categorias identificadas e as relações teóricas estabelecidas possibilitaram o desenvolvimento de processo analítico e explicativo das ações e das interações que compõem a experiência, por três subprocessos: (a) concebendo o não aparente dos microrganismos de domínio psicossocial para a ininteligibilidade humana na higienização das mãos; (b) instituição hospitalar elevando a insensibilidade do não aparente; (c) despertando para a higienização das mãos e do ambiente por meio de sensações sensíveis. Mediante o realinhamento dos componentes que formaram esses subprocessos, pode-se descobrir uma categoria designada central que os abarca, constituindo, então, o processo da experiência, denominado: higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente: experiência da equipe de enfermagem. Considerações finais: O modelo sinalizou o fenômeno ininteligibilidade humana para o não aparente como um dos maiores desafios psicossociais em arremeter a equipe de enfermagem à higienização das mãos, uma vez que esta é mais suscetível a realizá-la quando exposta a sensações sensíveis (sinestésicas), assim como apontou a própria instituição hospitalar/CCIRAS, elevando essa insensibilidade para o não aparente. xi Descritores: Higiene das mãos; Equipe de enfermagem; Microbiota; Pesquisa qualitativa. xii Bravin SHM. Hand hygiene as a synesthetic precaution, due to human and institutional unintelligibility of the non-apparent [thesis]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unesp; 2021. ABSTRACT Objectives: To understand the interactional experience of the nursing team with the microbiota of their hands and with the messages to clean them, through posters in work scenarios, as well as to develop a theoretical model which is representative of this experience. Method: Qualitative study approved by the Research Ethics Committee. The individual interviews were audio-recorded and transcribed in full. Theoretical saturation took place from the analysis of the 17th interview, in the light of the Grounded Theory, with eight nurses and nine nursing technicians, most of whom had been working in the inpatient units of a large public hospital in the state of São Paulo for one or more years. The experience and the theoretical model were interpreted in the light of the theoretical frameworks: Symbolic Interactionism, Theory of Planned Behavior and the National Policies for Humanization of Care and Management Practices at SUS (HumanizaSUS). Results: The identified categories and the established theoretical relationships enabled the development of an analytical and explanatory process of the actions and interactions that comprise the experience, by three subprocesses: (a) conceiving the non-apparent of microorganisms in the psychosocial domain for human unintelligibility in hand hygiene; (b) a hospital raising the insensitivity of the non-apparent; (c) awakening to hand and environment hygiene through sensitive sensations. Through the realignment of the components that formed these subprocesses, it is possible to discover a central designated category that encompasses them, thus constituting the process of experience, called: hand hygiene as a synesthetic precaution, in the face of human and institutional unintelligibility of the non-apparent: the experience of the nursing team. Concluding remarks: The model signaled the phenomenon of human unintelligibility of the non-apparent as one of the greatest psychosocial challenges in leading the nursing team to hand hygiene, once the nursing staff is more susceptible to perform it when exposed to sensitive sensations (synesthetic), as well as pointed out the fact that the hospital/Hospital Infection Control Committee raises such insensitivity to the non-apparent. Descriptors: Hand hygiene; Nursing team; Microbiota; Qualitative research. xiii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS HCFMB - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu FMB - Faculdade de Medicina de Botucatu IRAS - Infecção Relacionada à Assistência à Saúde OMS - Organização Mundial da Saúde OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCF - Teoria do Comportamento Planejado TFD - Teoria Fundamentada nos Dados UI - Unidade de Internação UTI - Unidade de Terapia Intensiva xiv LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Subprocessos, categorias, subcategorias e elementos relativos à experiência interacional da equipe de enfermagem com a lavagem das mãos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................................. 19 Quadro 2 - Categoria A1. Lidando como o não aparente: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019............................................................... 56 Quadro 3 - Categoria A2. Invisibilidade microbiológica induzindo o humano ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir a disseminação de patógenos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................ 58 Quadro 4 - Categoria A3. Deparando-se com dificuldades nas atividades educativas de demonstrar a concretude da microbiota das mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................................. 58 Quadro 5 - Categoria A4. Desmotivando-se frustrado por resultados insatisfatórios de intervenções educativas para aumentar adesão à higienização das mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................................................................................................... 59 Quadro 6 - Subcategoria B1.1. Não promovendo a educação continuada: elementos e códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................................................................................................... 60 Quadro 7 - Subcategoria B1.2. Responsabilizando a enfermagem por surtos de infecções e não outros membros da equipe de saúde. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................................................................ 62 Quadro 8 - Subcategoria B1.3. Não promovendo o conhecimento ou protocolos de prevenção de infecção: elementos e códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019........................................................................... 63 Quadro 9 - Subcategoria B1.4. Restringindo o livre acesso aos índices de infecção aos enfermeiros: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................................................................................................... 64 Quadro 10 - Subcategoria B1.5. Deixando de compartilhar resultados de auditorias para higienização das mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................................................................................. 65 xv Quadro 11 - Categoria B1.6. Descuidando-se da comunicação visual para higienização das mãos: elementos e códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................................................................................. 66 Quadro 12. Categoria B2. Observando a relação entre sobrecarga de trabalho e o descenso da frequência e qualidade de higienização das mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................................. 68 Quadro 13 - Categoria B3. Deparando-se com a estrutura física como barreira para higienização das mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................................................................................................... 68 Quadro 14 - Categoria B4. Trabalhando com provisionamento quantiqualitativo inadequado de materiais para higienização das mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................... 69 Quadro 15 - Categoria B5. Seção de educação continuada não se responsabilizando por atividades de ensino relativas à infecção hospitalar: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................... 69 Quadro 16 - Categoria C1 - Defrontando-se com talco nas mãos depois da retirada das luvas: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019..... 70 Quadro 17. Categoria C2. Deparando-se com resíduos do álcool gel e ressecamento nas mãos: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019.................................................................................................................... 71 Quadro 18. Categoria C3 - Associando a contaminação das mãos a material biológico aparente: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019... 72 Quadro 19. Categoria C4 - Constatando que está sendo observado: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019................................................... 72 Quadro 20. Categoria C5. Considerando a higienização das mãos como autoproteção: códigos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019............ 73 xvi SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................... 1 2. OBJETIVOS................................................................................................... 5 3. MÉTODO........................................................................................................ 6 3.1. Tipo de pesquisa..................................................................................... 6 3.2. Cenário e atores..................................................................................... 6 3.3. Procedimentos éticos e de coleta de dados......................... .. 7 3.4. Procedimento de análise dos dados....................................................... 8 3.5. Referenciais teóricos........................................................... 10 3.5.1. Interacionismo Simbólico............................................................ 11 3.5.2. Teoria do Comportamento Planejado (TCP).............................. 13 3.5.3. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (HumanizaSUS)......................................................................... 15 4. RESULTADOS............................................................................................... 18 4.1. Caracterização dos atores....................................................................... 18 4.2. A experiência da equipe de enfermagem................................................ 18 4.3. O modelo teórico..................................................................................... 32 5. DISCUSSÃO.................................................................................................. 34 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 44 7. REFERÊNCIAS.............................................................................................. 45 ANEXO 1. PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP..................................... 51 APÊNDICE 1. TERMO CONSENTIDO LIVRE E ESCLARECIDO DE PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA........................................................................ 55 APÊNDICE 2. QUADROS COM CÓDIGOS RELATIVOS AO PROCESSO DE ANÁLISE............................................................................................................. 57 1 1. INTRODUÇÃO As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRASs) são inconformidades que acometem milhares de pessoas em todo o mundo e estão entre as principais morbimortalidades relacionadas às intervenções clínicas, sendo, dessa forma, consideradas um problema de saúde pública que, muitas vezes, poderia ser evitado(1). Significativa sobrecarga financeira acometendo o sistema de saúde público e o privado, devido ao uso de antimicrobianos de última geração para combater microrganismos multirresistentes, impactando em internações prolongadas, em mortalidade e causando grande transtorno na vida das pessoas acometidas(1-2). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em cada 100 pacientes internados, dez, em países em desenvolvimento, e sete, em países desenvolvidos, irão adquirir pelo menos uma IRAS. Centenas de milhões de pacientes, em todo o mundo, são acometidos por IRASs, o que demonstra o grande impacto social e econômico dessas infecções, além de evidenciar a qualidade da assistência nos serviços de saúde atrelados à segurança do paciente(3-5) O crescente custo da saúde, associado à escassez de recursos materiais e humanos e à infraestrutura hospitalar inadequada, é fator preocupante e relevante para o gerenciamento de recursos financeiros e administrativos(6). Medidas simples e de baixo custo podem ajudar na prevenção das IRASs e no controle dos custos hospitalares, tal como a higienização das mãos(4). A higienização das mãos é comprovadamente a medida de maior impacto na prevenção e controle das IRASs devido à sua praticidade e custo-benefício, uma vez que impede a infecção cruzada. No entanto, apesar de ser uma ação simples e de baixo custo, o não cumprimento dessa prática entre os profissionais assistenciais de saúde, em âmbito mundial, continua sendo um dos maiores desafios no controle de infecção nos serviços de saúde(7-8). Sabe-se que as infecções associadas ao processo de cuidar em saúde, muitas vezes, tornam-se invisíveis, mas desafiam continuamente as instituições de saúde em seu enfrentamento(9). Nesse sentido, a OPAS e OMS lançaram o slogan mundial: “Uma Assistência Limpa é Uma Assistência Mais Segura”, como primeiro desafio global na segurança 2 do paciente, envolvendo ações para aumentar a adesão e a eficiência da higienização das mãos nos serviços de saúde(10). A higienização das mãos é, sem dúvida, um indicador de qualidade assistencial associada à segurança do paciente, condição que exige a prevenção de infecção como a principal estratégia para o fortalecimento de suas intervenções, lembrando que a higienização das mãos no momento certo salva vidas(11). Em virtude desse contexto, o tema higiene efetiva das mãos tem sido enfaticamente abordada no mundo, em face de sua relevância para a redução de IRASs. Dessa forma, pesquisadores vêm tentando aprofundar seus conhecimentos acerca do monitoramento e estratégias para ampliar a adesão dos profissionais de saúde à prática de higienização das mãos(7,12). Ressalta-se que os profissionais da saúde têm papel primordial no processo de disseminação de microrganismos patogênicos e, nesse sentido, a equipe de enfermagem, por ter maior contato com o paciente, ocupa lugar de extrema importância na prevenção e controle das infecções. Para isso, é necessário que permaneça atualizada para desempenhar suas funções fundamentadas em evidências científicas(13). Contudo, estudos mostram que, apesar de os profissionais terem conhecimento sobre a importância da higienização das mãos na prevenção de infecção, a taxa de adesão a essa prática ainda é considerada muito baixa(14-15). Considerando o cenário mundial, a OMS recomenda o uso de estratégia multimodal, por meio da implementação de várias ações, para enfrentar diferentes obstáculos e barreiras comportamentais relativas à adesão dos profissionais à higienização das mãos(16). Os componentes-chave dessa estratégia são: (1). Alteração de sistema: assegurar que a infraestrutura necessária esteja disponível para permitir a prática de higienização das mãos pelos profissionais de saúde. Isso inclui dois elementos essenciais: - acesso a um fornecimento contínuo e seguro de água, bem como de sabonete líquido e papel-toalha; - acesso imediato a preparações alcoólicas para a higienização das mãos no ponto de assistência; (2). Formação/Educação: fornecer a todos os profissionais de saúde capacitação regular sobre a importância da higienização das mãos, com base na abordagem “Meus Cinco Momentos para a Higienização das Mãos” e os procedimentos corretos para a fricção antisséptica e higiene das mãos; (3). Avaliação e feedback: monitorar as práticas de higienização 3 das mãos e a infraestrutura, juntamente com as percepções e os conhecimentos relacionados entre os profissionais da saúde, fornecendo aos funcionários retroalimentação sobre desempenho e resultados; (4). Lembretes no local de trabalho: alertar e lembrar os profissionais de saúde sobre a importância da higienização das mãos e sobre as indicações e procedimentos adequados para realizá-la; (5). Clima de segurança institucional: criar um ambiente e percepções que facilitem a sensibilização sobre questões de segurança do paciente, garantindo a consideração de melhoria da higienização das mãos como máxima prioridade em todos os níveis, incluindo: (a) a participação ativa em nível institucional e individual; (b) a consciência da capacidade individual e institucional para mudar e melhorar (autoeficácia); (c) parcerias com pacientes e organizações de pacientes(17). Para essa proposta, cada componente merece esforços igualmente importantes, específicos para alcançar a efetiva implementação e manutenção. Contudo, um, em específico, despertou-nos inquietação: o componente quatro, relativo a cartazes utilizados no local de trabalho para alertar e lembrar os profissionais de saúde sobre a importância da higienização das mãos, indicando procedimentos adequados para realizá-la(10). Esse contexto, associado a resultados de estudo apontando nenhuma mudança observada onde existiam apenas cartazes e folhetos afixados, sem que houvesse atividades educacionais concomitantes(18), e a escassez de pesquisas sobre o objeto arremeteram às primeiras inquietações: — Como se configura a experiência interacional da equipe de enfermagem com cartazes sobre higienização das mãos, afixados no cenário hospitalar? Outra inquietação que influenciou na proposição deste estudo foi: — Como essa mesma equipe vem interagindo com a situação de invisibilidade da microbiota em suas mãos? Essas perguntas advêm da suposição de o fenômeno invisibilidade da microbiota das mãos constituir uma das barreiras à adesão desses profissionais ao procedimento higienização das mãos, inferência esta decorrente de resultados de estudos na área da saúde e, especificamente, sobre as situações de risco demonstrarem pessoas mais atentas e com maior competência e habilidade de lidar com situações sensíveis (concretas), quando comparadas aos eventos não capturados pelos sentidos. Estes assumem características de invisibilidade (não 4 concretude), arremetendo as pessoas ao distanciamento de situações reais de saúde e dos riscos que se instalam silenciosamente(19-20). Para responder às inquietações e às conjecturas, delinearam-se os objetivos deste estudo. 5 2. OBJETIVOS  Compreender a experiência interacional da equipe de enfermagem com a microbiota de suas mãos e as mensagens para higienizá-las por meio de cartazes nos cenários de trabalho.  Elaborar modelo teórico representativo dessa experiência. 6 3. MÉTODO 3.1. Tipo de pesquisa A apreensão do objeto de estudo “experiência interacional da equipe de enfermagem com a microbiota de suas mãos e as mensagens sobre higienização das mãos por meio de cartazes” demandou pesquisa qualitativa interpretativa, na abordagem da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), conduzida segundo os Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(21) . A pesquisa qualitativa é uma forma de investigação social que retrata o sentido adotado pelas pessoas em suas experiências e no mundo no qual elas vivem. Tem a finalidade de compreender, descrever e interpretar fenômenos sociais conforme percebidos pelos indivíduos, grupos e culturas. Pesquisadores utilizam as abordagens qualitativas para explorar comportamentos, sentimentos e experiências de pessoas e descobrir o âmago de suas vidas. Os teoristas que utilizam a TFD, conhecida internacionalmente como Grounded Theory, investigam processos e interações sociais(22). 3.2. Cenário e atores Realizou-se a pesquisa em hospital público do estado de São Paulo, com abrangência populacional de dois milhões de pessoas, provenientes de 75 municípios. Com área de construção de 70 mil m2, o hospital dispõe de 385 leitos, com perfil de até 417 leitos operacionais e 52 leitos instalados de UTI (30 adultos, 15 neonatais e sete pediátricos), 198 consultórios médicos e 31 salas especializadas. Realiza, em média, dois milhões de exames, 650 mil consultas, 25 mil internações e 12 mil cirurgias por ano. Essa instituição conta com um centro avançado de diagnósticos clínicos e por imagens; possui serviços de quimioterapia, hemodiálise, endoscopia, hemocentro e endoscopia; moderno centro cirúrgico geral com 13 salas em funcionamento e capacidade para 18 cirurgias e centro obstétrico com três salas. Dispõe de três salas para atendimentos cirúrgicos ambulatoriais e conta com 1.164 servidores técnico- administrativos, 276 médicos/docentes, 32 enfermeiros/docentes, 330 residentes e 78 aprimorandos. 7 Desta pesquisa participaram dois grupos amostrais (“E” e “T”), constituídos por membros da equipe de enfermagem: enfermeiros responsáveis por unidades de internação (E) e técnicos de enfermagem (T). Selecionaram-se os enfermeiros aleatoriamente, com base na lista de contatos fornecida pela Gerência de Enfermagem do cenário estudado e, a partir dela, levantaram-se os contatos e convidaram-se os técnicos de enfermagem alocados em suas unidades, a princípio em unidades de internação e, posteriormente, na UTI. Contudo, percebeu-se que a experiência dos alocados na UTI era semelhante à dos técnicos de enfermagem das unidades de internação, portanto, decidiu-se não progredir com as coletas com esses profissionais. Como critérios de inclusão, os atores, além de aceitarem participar da pesquisa, deveriam estar trabalhando na instituição há mais de um ano. 3.3. Procedimentos éticos e de coleta de dados Realizou-se a coleta de dados após aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa – CEP (CAAE 1 15786719.7.0000.5411, Parecer: 3.448.724) (Anexo 1) e assinatura do Termo Consentido Livre e Esclarecido de Participação em Pesquisa (TCLE) (Apêndice 1). A técnica de coleta de dados deu-se por entrevista individual. Foi realizada de setembro a outubro de 2019 (antes da chegada, ao Brasil, da pandemia COVID-19), com duração entre 15 e 20 minutos, pela própria pós-graduanda, que estava preparada para conduzir entrevistas não diretivas e em profundidade, sob a supervisão de sua orientadora. O primeiro contato com os atores se deu por telefone, e mediante o aceite do convite, agendavam-se o local e o horário para realização das entrevistas. As entrevistas ocorreram em local de escolha dos participantes, de maneira a salvaguardar o sigilo e o anonimato das participações, assim como o de suas informações. Teve-se o cuidado de recepcionar os atores em sala privativa, devidamente preparada com aparelho de gravação. Posteriormente, a entrevistadora se apresentava, agradecendo a presença do participante e fazia a leitura do TCLE, culminando na assinatura do documento de concordância. Todos os enfermeiros e técnicos de enfermagem convidados aceitaram e não desistiram de participar da pesquisa, inclusive concordaram em ler e validar a experiência e o modelo teórico 8 configurados a partir da análise das entrevistas concedidas, não sendo necessárias novas coletas. De posse do TCLE assinado, a entrevistadora realizava a contextualização da infecção hospitalar como problema de saúde pública mundial e de responsabilidade do profissional, assim como da recomendação da estratégia multimodal da OMS, para a implementação de várias ações relativas à adesão dos profissionais à higienização das mãos(16). No final de sua explanação projetava, em tela, três figuras (Figuras 1, 2 e 3), sendo a “1” com uma mão aberta desnuda, para que representasse “mãos limpas” quando o entrevistado a comparasse com a Figura “2”, com microrganismos estilizados, e a Figura “3”, com um cartaz mostrando o procedimento correto de higienizá-las, ou seja, as duas últimas emitiam mensagens sobre a concretude da microbiota das mãos e a necessidade de se realizar o procedimento corretamente. Durante o desenvolvimento da entrevista, o entrevistador fazia três perguntas norteadoras: — Como tem sido a sua experiência na prevenção e controle das IRASs? — Como é lidar, no cotidiano, com a não concretude da microbiota de suas mãos? — Como tem se configurado a sua experiência, ao longo do tempo, com cartazes sobre higienização das mãos? Figura 1. Foto de uma mão sinalizando a mão aparentemente limpa. Figura 2. Foto de cartaz afixado acima de pias para higiene das mãos, no local de estudo. Figura 3. Foto de cartaz afixado acima de pias, com a técnica de higienização das mãos, no local de estudo. 9 3.4. Procedimento de análise dos dados Ao término das entrevistas, estas foram transcritas na íntegra, submetidas à análise manual pela pós-graduanda e validadas pela orientadora com formação e experiência em operacionalizar os passos do referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)(23), conforme os passos descritos: (1º) Microanálise: realizou-se a análise detalhada, linha por linha, das entrevistas, necessária para gerar categorias iniciais (com suas propriedades e dimensões), sugerindo relações entre elas e uma combinação de codificação aberta e axial; (2º) Codificação aberta: efetivou-se o processo analítico dos dados, por meio do qual se identificaram os conceitos, suas propriedades e dimensões. Nessa etapa, reduziu-se grande quantidade de dados codificados, ao nomear agrupamentos de itens (códigos) com similaridade de significados e, consequentemente, de elaboração de conceitos. Um conceito é a representação abstrata de evento, objeto, ação ou interação que um investigador identifica como sendo significativa nos dados. No referencial metodológico utilizado, as categorias são conceitos derivados dos dados que representam fenômenos. Os conceitos começam a se constituir quando o analista inicia o processo de agrupá-los ou classificá-los em termos mais abstratos, em categorias; (3º) Codificação axial: conduziu-se o processo de relacionar as categorias às suas subcategorias, segundo suas propriedades e dimensões, sistematicamente. Etapa de análise importante para a construção da teoria; (4º) Codificação seletiva: por fim, executou-se o processo de integração e de aprimoramento da teoria. Na integração, organizaram-se as categorias em torno de um conceito central (categoria central), por meio do emprego de várias técnicas: descrição da história, utilização de diagramas, classificação e notas de revisão. Conforme preconizado por esse tipo de pesquisa, as etapas de coleta e análise dos dados se deram, concomitantemente, até que se obtivesse a saturação teórica, a partir da análise da oitava entrevista com enfermeiros, e da nona, com técnicos de enfermagem, as quais geraram experiências semelhantes e, portanto, possibilitaram a metassíntese das experiências e modelos teóricos, que foi, em decorrência, designada experiência da equipe de enfermagem. Por fim, a experiência e o modelo teórico apresentados foram validados pelos atores, após a solicitação das pesquisadoras para que realizassem a leitura e 10 avaliassem se estes reproduziam suas experiências e se havia alguma informação a complementar ou suprimir. Por unanimidade os autores aprovaram e não sugeriram mudanças. Na TFD, a amostragem se dá por saturação teórica, quando nenhum dado novo ou relevante emerge, ou seja, quando as informações começam a ser repetidas e dados novos ou adicionais não são encontrados; quando as categorias se apresentam bem desenvolvidas e relacionadas, de forma a configurar o modelo teórico(23). A TFD foi desenvolvida inicialmente por dois sociólogos americanos - Barney Glaser e Anselm Straus, em 1967(23). É um referencial metodológico interpretativo e sistemático, cuja finalidade é construir indutivamente uma teoria assentada nos dados. Segundo seus idealizadores, o método consiste na descoberta e no desenvolvimento de uma teoria a partir das informações resultantes e analisadas sistematicamente e comparativamente(23). A pesquisa interpretativa deriva do reconhecimento básico dos processos interpretativos e cognitivos inerentes à vida social e enfatizados nas abordagens de estudos qualitativos e de pesquisas indutivas. Na TFD, o investigador busca processos que estão ocorrendo na cena social, partindo de uma série de hipóteses, que, unidas umas às outras, podem explicar o fenômeno, combinando abordagens indutivas e dedutivas(24). A teoria fundamenta-se nos dados, não num corpo existente de teoria, mas busca-se acrescentar novas perspectivas ao entendimento do fenômeno, estabelecendo categorias conceituais que servem para explicar o dado. Dessa forma, a teoria é gerada por um processo de indução, cujas categorias analíticas emergem dos dados e são elaboradas conforme o trabalho progride(23-25). Em 1986, Chenitz e Swanson consideraram a TFD um método sistemático de coletar, organizar e analisar dados que são extraídos do mundo empírico, aquele onde os enfermeiros desenvolvem a sua prática e buscam compreendê-la profundamente, portanto, produzindo conhecimento por meio de teorias relativas ao seu processo de trabalho(26). 11 3.5 – Referenciais teóricos Primeiramente, estabeleceu-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico para interpretar a experiência e o modelo teórico emersos, contudo, à medida que a análise foi se consolidando, fez-se necessário associar outros referenciais. A contento, elegeu-se o segundo referencial teórico: a Teoria do Comportamento Planejado (TCP)(27) teve a finalidade de fundamentar estratégias de enfrentamento do fenômeno ininteligibilidade humana para o não aparente. Por último, adotou-se a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (HumanizaSUS)(28), especificamente, para aprofundar a interpretação do modelo teórico sobre a influência do estilo de gestão na percepção dos membros da equipe de enfermagem quanto à concretude dos microrganismos patogênicos e, consequentemente, no movimento dos atores para higienização das mãos e prevenção das IRASs. 3.5.1. Interacionismo Simbólico O Interacionismo Simbólico tem sido utilizado como uma abordagem relativamente distinta para o estudo da vida e da ação humana em grupo(29). Seu objeto consiste em compreender como as pessoas criam significados durante a interação social e como elas se apresentam aos outros e constroem o próprio ego/identidade, estabelecendo seu papel na interação com outros. O centro desse referencial teórico reside na noção de que as pessoas agem como agem, devido ao entendimento e interpretação que fazem das situações. Os conceitos do Interacionismo Simbólico são: símbolo, self, mente, assumir o papel do outro, ação humana e interação social(30). - Símbolo É o conceito central, pois, segundo o Interacionismo Simbólico, sem ele não se pode interagir uns com os outros. É uma classe de objetos sociais, utilizada para representar alguma coisa. Os símbolos são desenvolvidos socialmente, por meio da interação; eles não são concordados universalmente dentro dos grupos humanos, mas são arbitrariamente estabelecidos e mudados pela interação dos seus atores; existe uma linguagem de sons e gestos que é significativa e inclui regras permitindo que se combinem os sons ou gestos em declarações significantes. Para ser simbólico, o organismo cria ativamente e manipula símbolos na interação com os outros (30). 12 - Self No Interacionismo Simbólico, o self é um objeto social em relação ao qual o indivíduo age. O ator configura o self na interação com os outros. O self não somente surge na interação, mas como todo objeto social, é definido e redefinido na interação. Surge, na infância, inicialmente, com os pais e outros significativos, mudando constantemente à medida que a criança vivencia novas experiências interagindo com outros. “Como eu me vejo, como eu me defino, o julgamento que faço de mim mesmo são altamente dependentes das definições sociais que encontro durante minha vida” - Mente Mente é a ação que usa símbolos e dirige esses símbolos em relação ao self. É o indivíduo tentando fazer algo, agir em seu mundo. É a comunicação ativa com o self, por meio da manipulação de símbolos. O mundo é transformado em um mundo de definições por causa da mente; a ação é resposta não a objetos, mas à interpretação ativa do indivíduo a esses objetos(30). Mente é a interação simbólica do organismo humano com seu self. - Assumir o papel do outro Este conceito está intimamente relacionado aos anteriores porque consiste em atividade mental e torna possível o desenvolvimento do self, a aquisição e o uso de símbolos e a própria atividade mental. “É por meio da mente que os indivíduos entendem o significado das palavras e as ações de outras pessoas”(30). - Ação humana A interação com o self e com os outros leva o indivíduo a tomar decisões que direcionam o curso da ação. As ações são causadas por um processo ativo de tomada de decisão pelo sujeito que envolve a definição da situação e esta, por sua vez, envolve interação consigo mesmo e com os outros. Dessa forma, é a definição da situação feita pelo ator que é central para como a ação ocorrerá(30). 13 - Interação social Conforme apresentado, todos os conceitos básicos para o Interacionismo Simbólico surgem da interação e são parte dela. Quando interagimos, nós nos tornamos objetos sociais uns para os outros, usamos símbolos, direcionamos o self, engajamo-nos em ação mental, tomamos decisões, mudamos direções, compartilhamos perspectivas, definimos realidade, definimos a situação e assumimos o papel do outro(30). 3.5.2. Teoria do Comportamento Planejado A busca pela compreensão do comportamento humano tem sido objeto de estudo de inúmeras teorias que, de alguma forma, tentam compreender os fatores que influenciam, explicam e motivam as ações do indivíduo, seja por meio de seu julgamento, escolhas, valores ou tomada de decisão, etc. A Teoria do Comportamento Planejado (Theory of Planned Behavior - TPB), desenvolvida por Ajzen (1991) (Figura 4), fundamenta-se em um modelo motivacional derivado das teorias cognitivo-sociais, que apontam a relação entre atitude e comportamento, sendo que o comportamento é determinado pela intenção (motivação) para agir (efetivar o comportamento) ao aderir ao ponto de vista de outras pessoas, com relação ao comportamento em questão e pela percepção de controle sobre o comportamento, que está associada à expectativa de sucesso em realizar um comportamento(31). Na TCP a intenção comportamental precede imediatamente o comportamento, que é determinado por três fatores(31): (a) atitude - avaliações do indivíduo quanto aos resultados esperados no desempenho do comportamento; (b) norma subjetiva, que se refere à pressão social percebida, ou seja, quando o comportamento em questão é visto de forma positiva por outras pessoas; (c) controle comportamental percebido - que trata das percepções do sujeito, em relação ao quanto de controle tem-se sobre a realização do comportamento. A atitude em relação ao comportamento tem relação diretamente proporcional com a intenção. Quando o indivíduo tem uma avaliação positiva do comportamento a ser realizado, a intenção em realizar um determinado procedimento aumenta. Para Ajzen, a atitude é a percepção do indivíduo (positiva ou negativa) relacionada à realização futura de um comportamento específico(31). 14 Essa teoria ainda ressalta que cada um desses três determinantes do comportamento de intenção é formado por suas respectivas crenças: (a) as crenças comportamentais - produzem uma atitude favorável ou desfavorável à sua realização; (b) as crenças normativas - resultam da pressão social; são relativas à percepção de referentes sociais sobre o comportamento e resultam na norma subjetiva. Ressalta-se que as crenças de controle podem facilitar ou impedir a intenção de um comportamento mediante o comportamento percebido(31). Quanto mais favoráveis são as atitudes e as normas subjetivas, maior o controle percebido e maior deve ser a intenção pessoal de realizar o comportamento(31). Figura 4 – Fatores determinantes da intenção de comportamento. Fonte: Ajzen I. The theory of planned behavior. Organ Behav Hum Decis Process [Internet]. 1991 Dec 1 [cited 2019 May 21];50(2):179–211. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/074959789190020T?via%3Dihub Ajzen ressalta, ainda, que as atitudes das pessoas decorrem, de forma espontânea e consistente, de crenças acessíveis na memória que orientam o comportamento correspondente. O número e os tipos de crenças acessíveis variam com a motivação e a capacidade de processar informações relevantes para a atitude e com o contexto. Com base nessas considerações, sabe-se que a perspectiva da ação fundamentada é compatível com evidências de processos automáticos de ativação de atitudes e comportamentos e com a constatação de que as atitudes podem variar com o contexto em que são expressas(31-33). 15 3.5.3. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (HumanizaSUS) Lançada em 2003, a Política Nacional de Humanização (PNH) baliza a operacionalização dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), no contexto de seus serviços, visando as mudanças nos modos de gerir o cuidar(28) . A PNH estimula a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários na construção de processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto que, muitas vezes, produzem atitudes e práticas desumanizadoras, inibindo a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde em seu trabalho e dos usuários no autocuidado(28) . Para a política, humanizar significa inclusão das diferenças nos processos de gestão e de cuidado, com mudanças construídas coletivamente e compartilhadas, visando a produção de novos modos de cuidar e novas formas de organizar o trabalho. Dessa maneira, o movimento inclusivo dos trabalhadores na gestão é fundamental para que eles, cotidianamente, reinventem seus processos de trabalho e sejam agentes ativos das mudanças no serviço de saúde. A PNH, também, prevê a inclusão de usuários e suas redes sociofamiliares nos processos de cuidado como um recurso para a ampliação da corresponsabilização no autocuidado(28). Os princípios da PNH são: (a) Transversalidade: permear todas as políticas e programas do SUS(28) ; (b) Indissociabilidade entre atenção e gestão: em que trabalhadores e usuários devem participar ativamente do processo de tomada de decisão nas organizações de saúde e nas ações de saúde coletiva, para o cuidado e a assistência em saúde, inclusive assumindo o papel de protagonistas com relação à sua saúde e à do outro (28) ; (c) protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos: na gestão da produção de saúde, ampliam-se e respeitam-se a autonomia e a vontade das pessoas envolvidas, valorizando-as e incentivando-as a compartilharem responsabilidades, ou seja, o exercício da corresponsabilidade(29). A PNH se apoia em orientações clínicas, éticas e políticas, sinalizadas em determinados arranjos de trabalho, segundo as diretrizes: (a) acolhimento; (b) gestão participativa e cogestão; (c) ambiência; (d) clínica ampliada e compartilhada; (e) valorização do trabalhador; (d) defesa do direito dos usuários(28) : 16 (a) Acolhimento: refere-se ao reconhecimento do que o outro traz como legítima e singular necessidade de saúde, sustentado na relação entre equipes/serviços e usuários/populações. Está fundamentado no valor das práticas de saúde e é construído de forma coletiva, a partir da análise dos processos de trabalho, e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuários com sua rede socioafetiva. Com a escuta qualificada às necessidades do usuário, é possível garantir o seu acesso oportuno às tecnologias adequadas às suas necessidades, ampliando a efetividade das práticas de saúde. Fato que assegura que todos sejam atendidos com prioridades a partir da avaliação de vulnerabilidade, gravidade e risco; (b) Gestão participativa e cogestão: cogestão pode ser traduzida na inclusão de novos sujeitos nos processos de análise e decisão quanto à ampliação das tarefas da gestão. É um espaço de realização de análise dos contextos, da política em geral e da saúde em particular, em lugar de formulação e de pactuação de tarefas e de aprendizado coletivo. As rodas de discussões configuram-se em importante estratégia para se colocar as diferenças em contato, de modo a produzir movimentos de desestabilização que favoreçam mudanças nas práticas de gestão e de atenção. Existem vários arranjos de trabalho que garantem a participação, como: colegiados gestores, mesas de negociação, contratos internos de gestão, câmara técnica, grupo de trabalho, dentre outros; (c) Ambiência: envolve a proposição de espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a privacidade, propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares de encontro entre as pessoas. Deve ser realizada por meio de discussão compartilhada do projeto arquitetônico, das reformas e do uso dos espaços de acordo com as necessidades de usuários e trabalhadores de cada serviço, sendo uma orientação que pode melhorar o trabalho em saúde; (d) Clínica ampliada e compartilhada: ferramenta teórico-prática para abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença, de forma não fragmentada. Essa diretriz assenta-se nos recursos para o diagnóstico, além do enfoque orgânico, mas por meio do estabelecimento de uma relação terapêutica profissionais- 17 usuários, possibilitando decisões compartilhadas e compromissadas com a autonomia e a saúde dos usuários do SUS; (e) Valorização do trabalhador: refere-se a dar visibilidade à experiência dos trabalhadores e incluí-los na tomada de decisão, apostando na sua capacidade de analisar, definir e qualificar os processos de trabalho. Essa valorização pode ser realizada, por meio de programas de formação em saúde e trabalho e de estratégias que possibilitam o diálogo, intervenção e análise do que causa sofrimento e adoecimento, do que fortalece o grupo de trabalhadores e do que propicia os acordos de como agir no serviço de saúde. É importante, também, assegurar a participação desses trabalhadores nos espaços coletivos de gestão; (f) Defesa dos direitos dos usuários: cabe aos serviços de saúde garantir os direitos dos usuários, assim como incentivar o conhecimento desses direitos e assegurar que eles sejam cumpridos em todas as fases do cuidado, desde a recepção até a alta. Todo cidadão tem direito a uma equipe que cuide dele, de ser informado sobre sua saúde e também de decidir sobre compartilhar ou não sua dor e alegria com sua rede social. 18 4. RESULTADOS 4.1. Caracterização dos atores Da equipe de enfermagem, participaram da pesquisa sete enfermeiras e um enfermeiro, com idades entre 31 e 40 anos, com tempo de trabalho de um a 13 anos, sendo sete de unidade de internação e um de terapia intensiva. Participaram, também, nove auxiliares de enfermagem, todos do sexo feminino, com idades entre 24 e 44 anos, com tempo de trabalho de um a 24 anos, sendo um de terapia intensiva e oito de unidades de internação. 4.2. A experiência da equipe de enfermagem Por meio da análise dos dados, segundo a TFD, possibilitou-se compreender a interação dos membros da equipe de enfermagem, enfermeiros e técnicos de enfermagem com a microbiota de suas mãos e a comunicação visual no cenário para higienizá-las, resultando em relações teóricas entre os componentes (subprocessos, categorias e subcategorias). Em decorrência, desenvolveu-se o processo explicativo e analítico das ações e interações referentes à experiência, representado pela categoria central intitulada: “Higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente: experiência da equipe de enfermagem” (Figura 5). Esse processo desdobrou-se em três subprocessos, os quais retratam o significado simbólico atribuído pelos membros da equipe de enfermagem e sua relação em sua experiência interacional com a higienização das mãos, a saber: concebendo o não aparente dos microrganismos de domínio psicossocial para a ininteligibilidade humana na higienização das mãos (A); instituição hospitalar elevando a insensibilidade do não aparente (B); despertando para a higienização das mãos e do ambiente por meio de sensações sensíveis (C), cuja árvore de categorias encontra- se no quadro 1, com respectivos códigos organizados em quadros (Apêndice 2). 19 Quadro 1. Subprocessos, categorias, subcategorias e elementos relativos à experiência interacional da equipe de enfermagem com a higienização das mãos. Hospital público do estado de São Paulo, 2019 Subprocessos categorias subcategorias Elementos A. Concebendo o não aparente dos microrganismos de domínio psicossocial para a ininteligibilidade humana na higienização das mãos A1. Lidando com o não aparente A2. Invisibilidade microbiológica induzindo o humano ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir disseminação de patógenos pelas mãos e superfícies A3. Deparando-se com dificuldades nas atividades educativas de demonstrar a concretude da microbiota das mãos A4. Desmotivando-se frustrado com resultados insatisfatórios de intervenções educativas para aumentar adesão à higienização das mãos B. Instituição hospitalar elevando a insensibilidade para o não aparente B1. CCIRAS se distanciando das unidades de internação B1.1. Não promovendo educação continuada B1.1.1. Oferecendo treinamento somente na admissão do funcionário B1.1.2. Não responsabilizando- se pela educação continuada B1.2. Responsabilizando a enfermagem por surtos de infecções e não outros membros da equipe de saúde B1.3. Não promovendo B1.31. Não possuindo 20 conhecimento ou protocolos de prevenção de infecção informações sobre a coleta de SWAB de vigilância B1.3.2. Deparando-se com a inexistência de protocolos de higienização das mãos de funcionários e visitantes B1.4. Restringindo o livre acesso da equipe de enfermagem aos índices de infecção hospitalar B1.4.1. CCIRAS restringindo aos enfermeiros o livre acesso aos índices de infecção Técnicos de enfermagem desconhecendo os índices de infecção das unidades de internação onde estão lotados B1.5. Deixando de compartilhar resultados de auditorias para higienização das mãos B1.6. Descuidando-se da comunicação visual para higienização das mãos B1.6.1. Percebendo cartazes sobre higienização das mãos antigos e desbotados B1.6.2. Observando que somente os cartazes não são suficientes para dar visibilidade aos microrganismos hospitalares B1.6.3. Sugerindo a troca, com periodicidade, de cartazes sobre 21 higienização das mãos por novos e com informações atualizadas B2. Observando a relação entre sobrecarga de trabalho e o descenso da frequência e qualidade de higienização das mãos B3. Deparando-se com a estrutura física como barreira para a higienização das mãos B4. Trabalhando com provisionamento quantiqualitativo inadequado de materiais para higienização das mãos B5. Seção de educação continuada não se responsabilizando por atividades de ensino relativas à infecção hospitalar C. Despertando para a higienização das mãos e do ambiente, por meio de sensações sensíveis, para se autoproteger C1. Defrontando-se com talco nas mãos depois da retirada das luvas C2. Deparando-se com as mãos com resíduos do álcool gel e ressecadas C3. Associando contaminação das mãos a material biológico aparente C4. Constatando que está sendo observado C5. Considerando a higienização das mãos como autoproteção 22 Concebendo o não aparente dos microrganismos de domínio psicossocial para a ininteligibilidade humana na higienização das mãos (A) é considerado pelo enfermeiro como um traço cultural e, portanto, uma das principais barreiras para a adesão ao procedimento no ambiente hospitalar, uma vez que, na interação com corpos insensíveis (não tangíveis), como os microrganismos, estes não se configuram imediatamente cognoscíveis aos órgãos de sentido humano, diante das dificuldades de interpretação da concretude de corpo(s) invisível(eis) a olhos nus (materialidade de um ser na forma física), caso não se manifeste(m) por meio de sinais e sintomas (característica sinestésica). Contexto este que interfere na interpretação e, portanto, nas atitudes, tornando objetos, procedimentos e evidências científicas incompreensíveis, indecifráveis e obscuras, ou seja, ininteligíveis no cotidiano do processo de trabalho da Enfermagem e de todos profissionais de saúde. Esse subprocesso encadeia quatro categorias: lidando com o não aparente (A1); invisibilidade microbiológica induzindo o humano ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir disseminação de patógenos (A2); deparando-se com dificuldade nas atividades educativas de demonstrar a concretude da microbiota das mãos (A3); desmotivando-se frustrado com resultados insatisfatórios de intervenções educativas para aumentar adesão à higienização das mãos (A4). Lidando com o não aparente (A1) é considerado uma das principais barreiras a arremeter o indivíduo à higienização das mãos, por se tratar de ação consciente e dependente de sinalizações de concretude interacional com o que é invisível (microrganismo), mesmo estando no cenário hospitalar e provido de conhecimento da relevância do procedimento para prevenção e controle das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRASs) (Quadro 2), conforme relatos da equipe de enfermagem: [...] Higienizar as mãos é de cada um [...]. Não basta ter o conhecimento e orientar que a lavagem das mãos é um meio mais importante de descontaminação, cada ser humano pensa de um jeito [...] (E5.3). [...] É muito mais que lavar as mãos, mais uma questão de consciência [...] sobre a concretude dos microrganismos nas mãos e, portanto, fazendo- se necessária higienizá-las (E2.3). [...] Eu não tenho dúvidas que a lavagem das mãos está ligada ao nível de consciência e costumes das pessoas (TE 8.2). [...] Tem pessoas que passam rapidinho a mão na água e está ótimo [...] (TE1.1), não levam a sério, não cumprem com o passo a passo da higienização das mãos, agem como estivessem em suas casas (TE8.3). [...] Assim como outras não lavam as mãos nem antes e nem depois de calçarem luvas [...] (TE1.2). [...] Já é do ser humano, acho que não é só dentro do hospital, mas se você tem a noção que a sujeira está visível, você tem mais esse cuidado para estar lavando mais vezes as mãos, pode ser até que por isso que as pessoas não tenham tanto essa consciência de que não é preciso estar visível para ser feita a lavagem das mãos [...] (TE4.2). 23 Invisibilidade microbiológica induzindo o humano ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir disseminação de patógenos pelas mãos e superfícies (A2). Trata-se de mecanismo de perpetuação dos microrganismos, devido a procedimentos ineficazes de descontaminação ou esterilização utilizados em estabelecimentos de saúde, em detrimento daqueles preconizados, os quais, na maioria das vezes, são culturalmente ignorados pelo humano, ao considerarem a limpeza, mesmo em cenário hospitalar, associada à não concretude de sujidade, ou seja, por um indivíduo regido pelo lema: é preciso ver para crer. Contexto que contribui para a disseminação de patógenos (Quadro 3), conforme referem os enfermeiros: [...] A questão de não visualizar os microrganismos torna tudo muito difícil. [...] A pessoa tende a não acreditar [...] naquilo que ela não vê [...] (E1.4). [...] Essa questão da invisibilidade faz com que a gente não se atente [...] para a questão da contaminação [...] (E2.1). [...] Eu não tenho dúvidas que a invisibilidade dos microrganismos influencia na sensação de estar com as mãos limpas, [...] porque você não está vendo as bactérias, elas são invisíveis, então você pensa que não as têm, mas realmente você está com elas [...] (E4.3). [...] Veja algumas experiências, eu tive que explicar para uma funcionária, mesmo ela estando aqui há 20 anos [...]. Eu pensei: — Meu Deus! Há quanto tempo ela faz isso errado? Ela não lava as mãos de um paciente para o outro. [...] Isso me preocupa muito! [...] Eu acho que as pessoas perdem a noção [...]. [...] Outra situação, o anestesista vem com o paciente contaminado e segurando a ficha anestésica na mão, sem protegê-la em um saquinho, colocando-a sobre as nossas coisas limpas e no prontuário […] (E8.5). Deparando-se com dificuldades nas atividades educativas de demonstrar a concretude da microbiota das mãos (A3) evidencia que o ser invisível é um obstáculo para a compreensão e percepção das pessoas, por não conseguirem visualizar, a olhos nus, a microbiota de suas mãos. No entanto, têm-se empregado algumas técnicas educativas, como uso de guache, luz negra, cultura de SWAB das mãos, para poder trazer à luz a concretude dos microrganismos para melhor compreensão dos indivíduos. Contudo, ainda sem efetividade (Quadro 4), conforme contam os enfermeiros: [...] Nós até fizemos a dinâmica com a luz negra para os funcionários perceberem o quanto não enxergamos o que está nas mãos [...] (E4.3). [...] Eu chego a colocar três luvas limpas e aí quando eu vou apertar ou abrir qualquer porta, eu tiro a luva de cima, que está contaminada e aperto com a luva limpa que está em baixo, mas há pessoas que continuam não fazendo isso. Aqui é muito difícil. Eu tenho que ficar chamando atenção, mostrando que está contaminando (E8.5). [...] Penso que seria interessante fazer algum exercício com a equipe, de colher a cultura das mãos e analisar junto deles, quais as bactérias que estão presentes. Acho que assim ficaria mais solidificado na cabeça das pessoas que realmente há bactérias nas mãos (E1.5). Desmotivando-se frustrado com resultados insatisfatórios de intervenções educativas para aumentar a adesão à higienização das mãos (A4) expressa o sentimento de impotência do enfermeiro em face da baixa adesão das pessoas à 24 higienização das mãos, mesmo após inúmeras e exaustivas orientações e treinamentos. Esse desânimo decorre da resistência dos próprios colegas de trabalho ao comprometimento com a mudança de hábitos e costumes, mesmo após investir- se em ações educativas para a prevenção da disseminação de patógenos (Quadro 5), conforme declaram os enfermeiros: [...] Percebo pessoas que não estão muito preocupadas com a higienização das mãos (E3.3). [...] Fala-se para as pessoas que chegam para passar visita lavar as mãos, faz comunicado e não se percebe nenhuma repercussão [...] (E7. 8). [...] Existem pessoas na equipe muito difíceis de se lidar, não dão nenhuma importância e, portanto, não fazem nada para que todas falem a mesma linguagem, de forma que não centralize em uma pessoa as preocupações com a necessidade de todos higienizarem suas mãos adequadamente. A pessoa mais preocupada, geralmente, é denominada como “a chata” da equipe. Eu estou cansada de falar e, na verdade, tem hora que eu nem falo mais (E8.3). Instituição hospitalar elevando a insensibilidade para o não aparente (B) reúne situações criadas no cenário hospitalar que pioram a percepção dos indivíduos sobre a concretude dos microrganismos patogênicos e, consequentemente, o movimento para higienizarem suas mãos. Esse subprocesso reúne cinco categorias: CCIRAS se distanciando das unidades de internação (B1); observando relação entre sobrecarga de trabalho e a frequência de higienização das mãos (B2); deparando-se com a estrutura física como barreira para a higienização das mãos (B3); trabalhando com provisionamento quantiqualitativo inadequado de materiais para higienização das mãos (B4); seção de educação continuada não se responsabilizando por atividades de ensino relativas à infecção hospitalar (B5). CCIRAS se distanciando das unidades de internação (B1) desperta sentimento de frustração, em face das posturas adotadas pela comissão, traduzidas em desafeiçoamento pela Enfermagem, como linha de frente no cuidado. Esses sentimentos emergem a partir de sinalizações que não fomentam a manutenção de processos efetivos de comunicação da comissão em apoio à Enfermagem, para o exercício de boas práticas, principalmente de uma área desafiante com que se lidar, que é a infecção hospitalar. Essa categoria agrupa seis subcategorias: não promovendo educação continuada (B1.1); responsabilizando a enfermagem por surtos de infecções e não outros membros da equipe de saúde (B1.2); não estabelecendo, a contento, protocolos de prevenção de infecção (B1.3); restringindo o livre acesso aos índices de infecção hospitalar (B1.4); deixando de compartilhar resultados de auditorias para higienização das mãos (B1.5); descuidando-se da comunicação visual para higienização das mãos (B1.6). 25 Não promovendo educação continuada (B1.1) acerca de temas relativos à infecção hospitalar gera, de certa maneira, decepção nos enfermeiros, principalmente pela adoção de uma postura essencialmente fiscalizatória, sem qualquer aproximação com a Seção de Educação Continuada para promover parcerias em processos educativos e não deixá-los sob responsabilidade unicamente dos enfermeiros de unidades de internações, quando seria essencial a CCIRAS manter um processo educacional continuado, acerca do tema infecção hospitalar e no tocante à higienização das mãos, de forma a reforçar, por meio de simulações, como o uso de guache e de luz negra, a concretude de microrganismos patogênicos no ambiente hospitalar. Essa subcategoria agrupa dois elementos: oferecendo treinamento somente na admissão do funcionário (B1.1.1); não se responsabilizando pela educação continuada (B1.1.2) (Quadro 6), conforme relatam: [...] Há uns dois anos é que a CCIRAS passou a oferecer capacitação admissional para membros da equipe de enfermagem sobre higienização e técnicas de antissepsia das mãos, assim como sobre as bactérias multirresistentes, contudo, aqueles que entraram antes estão desprovidos dessa abordagem [...] (E1.1). [...] Não se tem rotineiramente reuniões com a CCIRAS ou Seção de Educação Continuada [...], somente em épocas de surtos de infecção hospitalar [...], cada uma trabalhando individualmente [...] (E2.4). [...] Os membros da CCIRAS não priorizam treinamentos [...], só auditorias, principalmente de lavagem das mãos (E4.3). [...] Poderiam oferecer treinamentos [...], estarem mais próximos dos enfermeiros das unidades de internação, mas não [...] estabelecem nenhuma parceria conosco a não ser de ficarem nos cobrando (...) (E5.3). Sentimos que somente a enfermagem é responsabilizada pela infecção cruzada [...] (E4.5), [...] como se não existissem outros membros da equipe de saúde, como médicos residentes, especialistas, dentre outros, atuando junto aos pacientes nas unidades de internação [...] (E7.2). [...] Hoje mesmo, uma enfermeira da CCIRAS ficou nos observando durante o banho, sem falar nada, só anotando naquele livrinho e não orientava nada [...] (TE 9.3). [...] Faz aproximadamente seis anos que estou aqui, participei somente uma vez de treinamento sobre higienização das mãos (TE6.2). Eu não consigo entender, porque a CCIRAS cobra tanto da equipe de enfermagem se ela não nos oferece nada, como orientações e treinamentos [...] (TE 7.2). [...] Boa parte dos médicos não lavam as mãos e sempre a culpa das infecções recaem sobre a enfermagem [...] (TE3.2). Responsabilizando a enfermagem por surtos de infecções e não outros membros da equipe de saúde (B1.2) é ação depreciativa ao processo de trabalho da enfermagem que, apesar de assumir o cuidado nas 24 horas, há de se considerá-lo uma prática interprofissional; portanto, com outros trabalhadores da área da saúde, como: médicos professores e residentes, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, também envolvidos no processo de cuidar, (Quadro 7), como relata a equipe de enfermagem: [...] Eu tenho percebido, na vigência de surtos, que a equipe de enfermagem é sempre considerada a responsável pela infecção hospitalar (E3.4). Somente a enfermagem é responsabilizada pela infecção cruzada, apesar de outros profissionais, [...] não higienizarem as mãos antes e após atenderem pacientes (TE3.2). Esses profissionais, 26 geralmente, não são supervisionados quanto à higienização das mãos, somente a enfermagem (E4.4). Não promovendo conhecimento ou protocolos de prevenção de infecção (B1.3) desperta incerteza e insegurança nas pessoas responsáveis pela assistência, mediante a ausência de rotinas predefinidas de prevenção e controle de infecção pela instituição hospitalar. Essa subcategoria reúne dois elementos: não possuindo informações sobre a coleta de SWAB de vigilância (B1.3.1); deparando-se com a inexistência de protocolos de higienização das mãos de funcionários e visitantes (B1.3.2) (Quadro 8), como referem: [...] Eu percebo que o hospital não tem rotina definida de prevenção de infecção [...] (E4.2). [...] Nós temos poucos treinamentos de prevenção de infecção [...], apenas quando se chega no auge do número de infecções hospitalar é que se passa a cobrar e envolver toda a equipe, mas logo que diminui, não se dá continuidade, apenas alguma coisa mensal ou anual, vamos dizer, umas vezes ao ano [...] (E6.2). [...] Seria interessante, também, que o hospital nos fornecesse uma explicação melhor sobre os SWAB de vigilância. Às vezes até ficamos meio perdidos, perguntando: - Por que algumas enfermarias coletam SWAB e outras não? [...]. Em quais situações se colhe um SWAB e em outras não? [...] Por que o retal? Por que o oral e o nasal? [...] Penso que precisaríamos ter uma explicação sobre isso, ou seja, sermos mais bem informados, porque somos nós que estamos à frente do cuidado [...] (E1.7). [...] Acredito que as enfermarias desprovidas de protocolo de colheita de SWAB de vigilância devem ter muito mais pacientes contaminados [...] e como não se sabe, ficam ali espalhando para os outros [...]. Então, eu acho que deveria ser instituído em mais enfermarias a rotina de coleta de SWAB de vigilância [...], pois é uma forma de controlar melhor essas bactérias resistentes (E1.7). [...] Os visitantes também são orientados pela equipe de enfermagem da unidade de internação porque também podem trazer infecção para o paciente [...]; contudo, penso que como para os funcionários, os visitantes também não têm protocolo [...] (E7.5). Restringindo o livre acesso da equipe de enfermagem aos índices de infecção (B1.4) revela um distanciamento da CCIRAS das unidades de internação, no sentido de fornecer os dados mensais dos índices de infecção, sem que o enfermeiro precise realizar solicitações formais. O desconhecimento promove a desinformação, que dificulta intervenções de educação continuada. Essa subcategoria reúne dois elementos: CCIRAS restringindo aos enfermeiros o livre acesso aos índices de infecção (B.1.4.1); Técnicos de enfermagem desconhecendo os índices de infecção das unidades de internação onde estão lotados (B1.4.2) (Quadro 9), conforme conta a equipe de enfermagem: [...] Nós contamos com uma CCIRAS, contudo os enfermeiros não têm acesso facilitado aos índices de infecção de suas unidades de internação [...], por não divulgarem boletins ou relatórios [...], só se o enfermeiro solicitar [...] (E2.2). [...] Os dados de infecção hospitalar são colhidos pela Comissão e as unidades de internação não participam de nada [...] (E2.2). [...] Não se tem conhecimento dos indicadores de infecção, inclusive eu pedi para a CCIRAS, mas esses dados não são divulgados livremente [...]. É preciso fazer solicitação a um setor, estipulando o período que eu quero [...]. [...] Eu não tenho livre 27 acesso aos dados [...] (E4.2). [...] Não tenho conhecimentos dos índices de infecção da enfermaria, assim como acredito que nem os supervisores têm (E5.4). Nós, técnicos de enfermagem, não temos nenhuma informação sobre os índices de infecção hospitalar (TE8.3). Deixando de compartilhar resultados de auditorias para higienização das mãos (B1.5) gera nos profissionais sentimentos de ansiedade, frustração e desmotivação, pois esperam o retorno da observação realizada e as possíveis intervenções que podem ser propostas a partir dos resultados. Quando isso não ocorre, as pessoas ficam descrentes do serviço e percebem-se solitárias na luta pela promoção da higienização das mãos (Quadro 10), conforme contam: [...] Não tivemos nenhuma devolutiva sobre as observações realizadas pela equipe da CCIRAS [...]. Eu penso que não adianta, também, a pessoa ir ao setor e ficar observando médicos e a equipe de enfermagem, anotando sem dar qualquer devolutiva. Qual a razão da pessoa estar fazendo aquilo? Ele observou o que? Só ficam perguntas em nossas cabeças, sem qualquer retorno (E1.3). Eu fico pensando, do que valem as observações realizadas pela CCIRAS nas unidades de internações se ela não dá nenhum retorno aos enfermeiros (E4.3)? Descuidando da comunicação visual para higienização das mãos (B1.6) pode ser interpretado pelos atores do cenário hospitalar muito além das mensagens estilizadas do não aparente nas mãos humanas e, portanto, da necessidade de se realizar o procedimento correto de higienizá-las, mas também denotar certo distanciamento da CCIRAS das unidades de internações, quando esses atores deparam-se com cartazes antigos e desbotados, algumas vezes parcialmente afixados nas paredes das unidades de internação. Contexto este traduzido no descompasso da CCIRAS e, consequentemente, da instituição, como um dos maiores problemas de saúde pública, as IRASs. A experiência da equipe de enfermagem sugere a necessidade de atualização de cartazes e, até mesmo, de adotar estratégias inovadoras e mais eficazes. É ressaltado que os cartazes ajudam, mas, por si só, não são suficientes para conferir visibilidade ao que não é aparente aos olhos desnudos, mesmo associando atividades educativas contínuas, para a equipe de saúde sobre a necessidade de se higienização das mãos. Essa subcategoria reúne três elementos: percebendo cartazes sobre higienização das mãos antigos e desbotados (B1.6.1); observando que somente os cartazes não são suficientes para dar visibilidade aos microrganismos hospitalares (B1.6.2); sugerindo a troca, com periodicidade, de cartazes sobre higienização das mãos por novos e com informações atualizadas (B1.6.3) (Quadro 11), conforme dizem: 28 [...] Os cartazes certamente contribuem para chamar a atenção para como fazer a higienização das mãos e o tempo necessário para a realização do procedimento [...] (TE4.3), [...] assim como dos acompanhantes e familiares (TE9.3). [...] O cartaz se mantém visível somente quando é afixado, depois de um tempo acaba se tornando despercebido [...] (TE 8.2). [...] Eu pensei esses dias que poderiam trocar esses cartazes velhos e gastos [...] (E3.2). [...] Alguns estão até dependurados nas paredes [...] (E4.4). [...] Para mim, pelo menos, esses cartazes não me fazem muita diferença [...]. [...] Eu acho que funcionaria melhor se tivesse um alarmezinho sonoro [...] (E2.3), [...] veiculassem notícias mais impactantes [...] (E1.6). [...] Eu percebo que olham para os cartazes quando você coloca, talvez por uns dois meses, depois têm que ser trocados, pelo menos a cor (E8.7). [...] Entendo que só cartazes não são suficientes, talvez é preciso se utilizar de outras estratégias, como treinamentos com parte prática de coleta e análise microbiológica de material coletado por SWAB das próprias mãos dos participantes, mostrar notícias, resultados de estudos recentes sobre a importância da higienização das mãos [...]. É preciso investir mais na conscientização dessas pessoas [...] (E1.6). Observando a relação entre sobrecarga de trabalho e o descenso da frequência e qualidade de higienização das mãos (B2), principalmente em situações de déficit de recursos humanos, aumenta a sobrecarga de trabalho, que confere aflição a algumas pessoas por terem a consciência de que essa condição, associada à ausência de costume da higienização das mãos, pode favorecer o aumento das IRASs (Quadro 12), conforme relata a equipe de enfermagem: [...] Quando está lotada a unidade de internação, chegamos a não dar conta do serviço e a higienização das mãos fica comprometida e sabe-se que, geralmente, as pessoas preferem mais lavar as mãos do que ao álcool gel (E7.2). [...] Percebo que com o déficit de funcionários, a higienização das mãos é pouco realizada e isso aumenta ainda mais o risco de infecção […]. […] Tem dias que não temos tempo hábil para ir ao banheiro ou para comer. Sai de um paciente e já tem que ir para o outro. Nós sabemos que é preciso despender pelo menos 30 segundos para se realizar os passos adequados da higienização das mãos, mas infelizmente muitas vezes, demoro 15 segundos, metade do que deveria [...], mediante a dificuldade de lidar com a demanda de atividades, a higienização das mãos acaba sendo sacrificada, principalmente por esse déficit de funcionários que estamos vivendo e cada vez pior [...] (E8.1). [...] O certo é lavar e calçar as luvas, mas nem sempre é possível devido à correria, malmente conseguimos trocar as luvas de um paciente para o outro [...] (TE6.2). [...] Nós até lavamos as mãos, mas nem sempre como é preconizado. Pela rotina de muito trabalho que nos é imposta, muita coisa acaba passando e nem sempre as coisas são bem-feitas [...] (TE9.2). Deparando-se com a estrutura física como barreira para a higienização das mãos (B3) aponta para uma planta que não favorece a observação dos profissionais, uma vez que ela é desprovida de lavatórios em número e tamanho adequados, inclusive com quartos utilizados como isolamentos, contudo, sem lavatórios adequados para lavar as mãos e, portanto, favorecem a contaminação (Quadro 13), descreve a equipe de enfermagem: [...] Acho que a infraestrutura influencia na supervisão da lavagem das mãos da equipe, pela quantidade de pessoas e de quartos, a estrutura física acaba dificultando observar o que estão fazendo [...] (E8.6). [...] Tem poucos lavatórios e dispensers para o número de leitos e pacientes [...] (E7. 8). Veja, esse lavatório da unidade de internação é super 29 pequeno, as pessoas vão lavar as mãos e acabam encostando-as no lavatório. Eu sei que é antigo, mas porque não trocam (E2.2)? [...] Faltam lavatórios no corredor, tenho um no começo e outro no final. Eu acho que teria que ter mais, porque quando saio de determinados quartos, eu tenho que andar quase o corredor todo com as mãos sujas, para, então, ter acesso a um dos lavatórios [...] (E3.2). [...] Na unidade de internação só tem dois lavatórios no corredor, nós usamos mais esse, por ter mais água, contudo a pia é pequena e com torneira inadequada, onde corremos riscos de nos contaminar. Nos quartos dos pacientes não têm pias apropriadas para lavagem das mãos (TE6.1). [...] Tudo bem que a unidade de internação não tem estrutura física para isolamento, mas nós já chegamos a ter seis quartos em isolamentos, agora estamos com dois e os quartos continuam inadequados [...] (TE 7.2). Trabalhando com provisionamento quantiqualitativo inadequado de materiais para higienização das mãos (B4) é um contexto que frequentemente expõe os profissionais quando a instituição adquire materiais de baixa qualidade ou em quantidade insuficiente e, portanto, os profissionais ficam vulneráveis a riscos ocupacionais e os pacientes à disseminação de microrganismos hospitalares. Esses materiais apresentam defeitos que impossibilitam seu uso em pouco tempo, como é o caso dos dispensers de álcool gel ou de soluções antissépticas degermantes para higienização das mãos e até a falta de papel-toalha para secar as mãos (Quadro 14), como relatam os enfermeiros: [...] Trabalhamos com dispensers de pouca qualidade, vira e mexe pedimos para trocar, porque quebra. Então são várias pessoas fazendo força para o antisséptico degermante cair nas suas mãos e esses dias [...] pedimos para trocar novamente, não ficou uma semana e quebrou outra vez [...]. Ficamos com a clorexidina parada no dispenser e precisamos passar a usar a clorexidina degermante em frasco [...] (E1.8). [...] Conto apenas com dois dispensers de álcool gel no corredor da enfermaria [...], pouco para 16 leitos (E2.2). [...] Quando os dispensers quebram, o conserto é demorado. Houve um período que ficamos um tempo grande sem álcool gel para as mãos, mediante a morosidade para o reparo [...] (E3.2). [...] O papel toalha teria que ser adquirido de qualidade, porque, às vezes, as pessoas deixam de lavar as mãos, mediante as experiências negativas: tentando pegá-lo vem um tufo, um monte de papel [...], tendo que desprezar o excesso de papel no lixo, outras vezes despedaça e ainda pode ficar pedaços grudados nas mãos, quando não é um papel demasiadamente áspero [...] (E.7.7). Seção de educação continuada não se responsabilizando por atividades de ensino relativas à infecção hospitalar (B5) é uma dificuldade porque, nem sempre, o enfermeiro da unidade de internação tem disponibilidade para promover treinamentos envolvendo temas relativos à infecção hospitalar. Ademais, percebem-se enfermeiros da unidade e responsáveis pelo treinamento dos técnicos de enfermagem com relação à prevenção de infecção não se sentindo suficientemente capacitados para oferecerem treinamentos e, portanto, necessitando ser atualizados com novas normas e procedimentos (Quadro 15), como contam: [...] Os funcionários teriam que ser melhor orientados e não só pelos enfermeiros das unidades de internação, pois eles também precisam estar fundamentados para orientar os 30 técnicos de enfermagem (E7.8). [...] Nós somos obrigados a oferecer um treinamento a cada três meses. [...] Podemos trabalhar com infecção hospitalar ou não [...]. Eu tento trabalhar uma vez com um tema relativo à infecção hospitalar e, nas outras, com temas variados (E4.3). [...] O enfermeiro da unidade de internação é quem faz isso: propõe um programa, envia para a equipe de educação continuada, a qual se incumbirá da reserva de salas e de apoiar os enfermeiros nas inscrições dos funcionários, assim como nas atividades didáticas, inclusive no fornecimento de certificados [...] (E8.8). Despertando para a higienização das mãos e do ambiente, por meio de sensações sensíveis à sujidade, para se autoproteger (C) denota que o movimento da pessoa para lavar as suas mãos ou realizar a limpeza concorrente do ambiente associa-se às condições aparentes de sujidade, mediante a percepção visual, tátil ou olfativa de não limpeza, assim como em situações de estar sendo observado quanto à realização do procedimento ou para se autoproteger de microrganismos patogênicos reconhecidos ou de represálias. Esse subprocesso é sinalizado pelo encadeamento de cinco categorias: defrontando-se com talco nas mãos depois da retirada das luvas (C1); deparando-se com resíduos do álcool gel nas mãos (C2); associando contaminação das mãos a material biológico aparente (C3); constatando que está sendo observado (C4); considerando a higienização das mãos como autoproteção (C5). Defrontando-se com talco nas mãos depois da retirada das luvas (C1) é um estado de alerta à necessidade de higienização das mãos, mediante a evidência aparente de sujidade pela equipe de enfermagem. No uso de luvas sem talco, recentemente, observa-se diminuição da frequência da higienização (Quadro 16), conforme relatam os membros da equipe de enfermagem: [...] Eu penso que o fato de não enxergar ou sentir sujidades nas mãos [...] não desperta preocupação no indivíduo. Se você perceber que as mãos estão sujas, você não tem coragem de pegar ou realizar nada. Um exemplo é as mãos impregnadas de talco, após retirar as luvas, se você não as lavar, sairá marcando tudo. O fato de você não perceber sujidade nas mãos leva ao esquecimento de que é necessário lavá-las [...] (E2). [...] Quando as luvas eram entalcadas, as pessoas se dirigiam automaticamente ao lavatório para higienizar as mãos, hoje as luvas estão vindo sem talco e já não se vê mais esse hábito como antes [...] (E6). [...] Da equipe de saúde, a enfermagem é a que mais lava as mãos, porque é quem mais usa luvas e o pozinho delas nos faz lavar as mãos imediatamente ao retirá-las (TE3.2). [...] Ao invés de usar álcool gel, eu prefiro lavar as mãos com sabão, para retirar o talco das luvas que fica impregnado após desprezá-las (TE8.2). Deparando-se com as mãos com resíduos do álcool gel e ressecadas (C2) decorre da percepção tátil de sujidade nas mãos secas, mediante o resíduo do álcool, induzindo os membros da equipe de enfermagem imediatamente à higienização das mãos, assim como ao ressecamento da pele e, consequentemente, afastando-os do 31 uso do antisséptico por não conferir-lhes o bem-estar de limpeza e de maciez da pele, mesmo sabendo sobre os benefícios no controle da propagação de microrganismos (Quadro 17), conforme conta a equipe de enfermagem: [...] Eu acho que o álcool gel é pouco utilizado, mesmo os técnicos de enfermagem tendo sido orientados para sua utilização e os dispensers nos quartos e corredor. O uso se perdeu desde a sua implantação porque, além dos técnicos não terem o hábito de usá-lo, no início ele deixava resíduo e uma sensação ruim nas mãos depois de seco, parecendo que elas estavam meladas, sujas. Mesmo tendo mudado a marca do álcool gel, percebe- se que os técnicos lavam mais que passam o álcool [...] (E4.4). [...] Temos álcool gel espalhados pelo corredor e o que observo no dia a dia é que utilizamos pouco [...]. [...] As pessoas preferem lavar as mãos a usar o álcool. Eu, particularmente, tenho hábito de lavar muitas vezes as mãos, [...] durante o plantão [...] e sempre com clorexidina sabão [...] (E1). [...] Eu prefiro lavar as mãos ao invés de usar álcool gel, pois sua qualidade nem sempre é boa, ficando coalhado nas mãos e, mesmo sabendo que não deveria lavá-las imediatamente ao uso do álcool gel, eu prefiro (TE3.1). [...] Se eu usar concomitantemente o álcool gel e a lavagem das mãos, elas ficam ressecadas, porque daí eu tenho que lavar as mãos várias vezes [...] (TE4.1). Associando a contaminação das mãos e do ambiente a material biológico aparente (C3) constitui-se erro de interpretação do indivíduo, pela dificuldade de os órgãos de sentidos perceberem perigo de se contaminarem em situações não sensíveis, como exemplo na ausência de sangue ou outras secreções aparentes no paciente ou no ambiente (Quadro 18), relata a equipe de enfermagem: [...] Tem pessoas que prestam atenção, mas outras não estão preocupadas, como as que dizem: “Ah, eu só fui lá e apertei somente a barriga de um paciente e aproveitei para ver a barriga do outro. Eles não tinham nada, não têm nenhuma secreção.” Então, eu acredito que, dependendo da pessoa, a contaminação só será interpretada na presença de secreções [...] (E3). [...] Eu tento estimular os técnicos de enfermagem a higienizarem suas mãos, assim como a realizarem limpeza concorrente durante o plantão, mas eu percebo neles e em mim mesma que, às vezes, perdemos a consciência de contaminação na ausência de sangue ou uma secreção, por estar aparentemente limpo (E7). [...] Eu vejo que quando as pessoas estão com sujidade nas mãos, tendem a caprichar na lavagem das mãos [...] (TE1.2). [...] Quando você vê as mãos sujas ou acha que está contaminada. Por exemplo, entrei no quarto e só mexi no lençol, aí você não imagina que sua mão está igual quando toca no paciente e, às vezes, nem lava as mãos só porque relou, só lava se o paciente estiver sudoreico, grudento, daí a pessoa vai lavar as mãos porque acha que estão sujas [...] (TE5.2). Constatando que está sendo observado (C4) é um momento em que o seu comportamento habitual é desvelado, passando a realizar a higienização das mãos enquanto está sendo supervisionado, não representando a realidade do cotidiano, ou seja, é aquele indivíduo que ainda não assumiu a responsabilização pelo procedimento recomendado (Quadro 19), conforme relatam: [...] Também tem aquela estória “não lavei as mãos, mas ninguém está vendo” [...] (E2.2). [...] Observo que quando estou perto, realiza-se a higienização das mãos e, de longe, percebo que não se lava as mãos [...] (E4.5). [...] Você percebe que o indivíduo só lava as 32 mãos porque está sendo observado, no entanto, não tem essa prática no cotidiano [...] (E6.2). Considerando a higienização das mãos como autoproteção (C5) expressa preocupação dos profissionais em adquirir uma doença proveniente da assistência prestada e esse sentimento de medo suscita as pessoas a realizarem a higienização das mãos (Quadro 20), a equipe de enfermagem relata: [...] Tenho o cuidado de lavar as mãos quando eu saio do hospital, antes de pegar no volante do meu carro [...] porque sei que as pessoas da minha casa não têm nada a ver com isso, mas eu não sei se são todas as pessoas que têm esse cuidado com as roupas, com tudo que utilizamos no ambiente hospitalar [...] (E1.5). [...] Eu lavo muito bem as mãos [...], lavo a todo momento e utilizo álcool gel [...] (E5.2). [...] Eu tenho preocupação em lavar as mãos quando tenho a impressão que estão sujas, pois mesmo nós acabamos por colocar as mãos no cabelo, coçar o rosto. Desta forma, acho importante para não pegarmos infecção [...] (TE 8.2). [...] Como nós prestamos cuidados diretos ao paciente, sempre dá certa repulsão das nossas próprias mãos. Eu tenho um bebezinho de dois anos, não deixo ele nem chegar perto de mim enquanto não retirar essa roupa, tomar banho me esfregando. Não estou vendo os microrganismos em mim, mas tenho medo que ele chegue perto e se contamine [...] (TE 9.2). 4.3. O modelo teórico Mediante o realinhamento dos componentes nos subprocessos, descobriu-se uma categoria designada central que os abarcou, constituindo então o processo da experiência (modelo teórico), denominado: “Higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente: experiência da equipe de enfermagem” (Figura 5): 33 Figura 5. Diagrama – Categoria central – Higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente: experiência da equipe de enfermagem. Hospital público do estado de São Paulo, 2020 •A1. Lidando com o não aparente; •A2. Invisibilidade microbiológica induzindo o humano ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir disseminação de patógenos; •A3. Deparando-se com dificuldades nas atividades educativas de demonstrar a concretude da microbiota das mãos; •A4. Desmotivando-se frustrado com resultados insatisfatórios de intervenções educativas para aumentar a adesão à higienização das mãos. A. Concebendo o não aparente dos microrganismos de domínio psicossocial para a ininteligibilidade humana na higienização das mãos •B1. CCIRAS se distanciando das unidades de internação: não promovendo educação continuada (B1.1); responsabilizando a enfermagem por surtos de infecções e não outros membros da equipe de saúde (B1.2); não promovendo o conhecimento ou protocolos de prevenção de infecção (B1.3); restringindo o livre acesso da equipe de enfermagem aos índices de infecção hospitalar (B1.4); deixando de compartilhar resultados de auditorias para higienização das mãos (B1.5); descuidando-se da comunicação visual para higienização das mãos (B1.6); •B2. Observando a relação entre sobrecarga de trabalho e o descenso da frequência e qualidade de higienização das mãos; •B3. Deparando-se com a estrutura física como barreira para a higienização das mãos; •B4. Trabalhando com provisionamento quantiqualitativo inadequado de materiais para higienização das mãos; •B5. Seção de educação continuada não se responsabilizando por atividades de ensino relativas à infecção hospitalar. B. Instituição hospitalar elevando a insensibillidade para o não aparente •C1. Defrontando-se com talco nas mãos depois da retirada das luvas; •C2. Deparando-se com mãos com resíduos do álcool gel e ressecadas; •C3. Associando contaminação das mãos a material biológico aparente; •C4. Constatando que está sendo observado; •C5. Considerando a higienização das mãos como autoproteção. C. Despertando para a higienização das mãos e do ambiente, por meio de sensações sensíveis para se autoproteger 34 5. DISCUSSÃO Os resultados deste estudo corroboram sua suposição inicial acerca do fenômeno ininteligibilidade humana para o não aparente, ou seja, a invisibilidade como componente interveniente na interação humana, especificamente com objetos não cognoscíveis aos órgãos de sentidos, perpassando a saúde individual e coletiva, assim como o exercício da prática profissional. O modelo teórico emerso desta pesquisa, acerca da experiência interacional da equipe de enfermagem hospitalar com a microbiota de suas mãos, sinaliza a higienização das mãos como precaução sinestésica, por ininteligibilidade humana e institucional para o não aparente, ou seja, este é considerado, pelos atores entrevistados, como uma das principais barreiras para o seu movimento à higienização das mãos. Essa invisibilidade do mundo microbiológico induz o humano ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir a disseminação de patógenos pelas mãos e superfícies e, portanto, provavelmente acomete procedimentos de descontaminação ou esterilização em estabelecimentos de saúde. A contento, os resultados desta pesquisa caracterizaram a higienização das mãos como procedimento sinestésico, evidenciando a dificuldade de o humano lidar com o não aparente, ou seja, o microscópico. Mesmo com preparo profissional, a inteligibilidade humana para a higiene das mãos desperta por meio de sensações sensíveis e de autoproteção. O movimento da pessoa para higienização das mãos ou realizar limpeza concorrente no ambiente associa-se às condições aparentes de sujidade, mediante a percepção visual, tátil ou olfativa de não limpeza (símbolo = sujidade), assim como em situações de se perceberem observados quanto à realização do procedimento ou para se autoprotegerem de microrganismos patogênicos reconhecidos ou de represálias. Analisando esse movimento, à luz do Interacionismo Simbólico(30), verificaram- se símbolos com características sinestésicas que contribuem para evocar os atores à higienização das mãos, sendo eles: a sensação de sujidade nas mãos e descobrirem- se observados na realização do procedimento. Considerando os símbolos pertencerem a uma classe de objetos sociais empregados para representar algo, o modelo teórico apontou, primeiramente, autoproteção ante os riscos de autocontaminação e represálias por ser surpreendido não realizando o procedimento ou fazendo-o de forma errada. 35 Para o Interacionismo Simbólico, a mente é ação que usa símbolos e dirige-os em relação ao self. É o indivíduo tentando fazer algo, agir em seu mundo. É a comunicação ativa com o self, por manipulação de símbolos. O mundo é transformado em um mundo de definições por causa da mente; a ação é resposta não a objetos, mas à interpretação ativa do indivíduo desses objetos(30). O self é um objeto social em relação ao qual o indivíduo age, sendo este configurado na interação com os outros, podendo ser definido e redefinido na interação, como todo objeto social. O self surge na infância, inicialmente da interação com os pais e outros relativos, mudando constantemente à medida que a criança vivencia novas experiências, interagindo com outros(30). Culturalmente, o humano se desenvolve ouvindo: você já lavou as suas mãos? Suas mãos estão sujas, precisa lavá-las antes das refeições! Sejam as mãos caracterizadas como sujas, com sujidades ou com sujeira, a mensagem arremete à interpretação de que há algo concreto, visível nas suas mãos, como se fosse uma mancha, nódoa de poeira, barro, graxa ou qualquer substância grudenta. De forma que o modelo teórico emerso nesta pesquisa concebe o não aparente dos microrganismos de domínio psicossocial para a ininteligibilidade humana na higienização das mãos e, assim, os humanos não são preparados para lidar com o não aparente, ou seja, com o não cognoscível, como o mundo microbiológico requer. Para orientar intervenções para adesão da equipe de enfermagem ao procedimento de higienização das mãos, adotou-se a Teoria do Comportamento Planejado, tendo em vista que esse referencial sugere que sejam eleitas as principais crenças antecedentes às intenções comportamentais, que podem ser classificadas em: comportamentais, normativas e de controle. Escolheram-se duas, por considerá-las desfavoráveis à intenção comportamental de higiene das mãos e pelo fato de a segunda crença fomentar a primeira: ininteligência humana para o não aparente e instituição hospitalar elevando a insensibilidade do não aparente. Considerou-se ininteligibilidade humana para o não aparente uma crença comportamental, por esta induzir atitudes desfavoráveis dos atores e, consequentemente, influenciar negativamente a intenção de realizar a ação, ou seja, a higienização das mãos. Para a TCP, as pessoas tomam suas decisões de forma eminentemente racional e utilizam sistematicamente as informações que estão disponíveis, 36 considerando as implicações de suas ações antes de decidirem se devem ou não se comportar de determinada forma. Contudo, em relação à experiência da equipe de enfermagem com a higienização das mãos, a invisibilidade da microbiota a induz ao erro de percepção, julgamento e ação para prevenir a disseminação de patógenos pelas mãos e superfícies e, portanto, provavelmente a acometer procedimentos de descontaminação ou esterilização em estabelecimentos de saúde. A contento, pressupõe-se que estratégias cognoscíveis possam amenizar o fenômeno ininteligibilidade humana para o não aparente, aumentando a eficácia de intervenções para adesão à higienização das mãos e descenso das IRASs. Contudo, são escassas as pesquisas com alto poder de evidência para intervenções que utilizaram essas estratégias. Revisão sistemática, publicada em 2017, avaliou três pesquisas que utilizaram estratégias cognoscíveis, cujos resultados demostraram ligeira melhora na adesão ao procedimento, contudo, classificando-as com baixo poder de evidência, em razão de os delineamentos não terem analisado a efetividade dessas intervenções sobre as taxas de infecção ou colonização(34). O primeiro estudo observou aumento de 8,5% na adesão à higienização das mãos em unidades onde um cartaz exposto com mensagem relacionada às consequências para o paciente foi exibido, em comparação com uma ligeira diminuição de 0,29% nas unidades onde o cartaz veiculava mensagem relacionada às consequências à equipe de saúde(35). A segunda pesquisa investigou estratégias cognoscíveis olfativas (dispenser com sabonete com fragrância cítrica, escolhido anteriormente pela equipe dentre outras, por despertar sensações de limpeza e frescor) e visuais (um dispenser com sabonete gel com cartaz afixado acima com a imagem dos olhos castanhos de um homem idoso e sério e o outro dispenser com a imagem dos olhos azuis de uma mulher mais jovem). Em um nível de 5%, houve evidência significativa de que uma fragrância cítrica melhora significativamente a adesão à higienização das mãos, assim como o uso do dispenser com sabonete em gel com imagem dos "olhos masculinos(36). A terceira pesquisa avaliou um estímulo visual por luz em uma unidade de internação com duas antessalas adjacentes para higienização das mãos. Em uma, os médicos foram expostos a um lembrete do procedimento, que consistia em uma luz acesa sobre a pia quando eles entravam, comparada a uma sala controle, onde não havia a intervenção. Observou-se, no primeiro dia, na sala com a intervenção, 23% 37 dos médicos realizando a higienização das mãos, e elevando-se, no 14º dia, para 30%, enquanto na sala controle, iniciou com 7% e, no 14º dia, passou para 16%,