Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara – SP Ewerton de Oliveira Mera Poética e Figuratividade: uma análise de “Io” (Ovídio, Metamorfoses, I, 583–747) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras Araraquara/SP 2013 ii Ewerton de Oliveira Mera Poética e Figuratividade: uma análise de “Io” (Ovídio, Metamorfoses, I, 583–747) Orientador: Prof. Dr. Márcio Thamos Araraquara/SP 2013 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Câmpus de Araraquara como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharel em Letras. iii Aos meus pais, Cláudio e Beth, e à minha segunda mãe, Vó Bilita. iv AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, ao meu orientador, Prof. Dr. Márcio Thamos, que ao longo de toda a minha graduação guiou-me pelos caminhos acadêmicos e mostrou-me o verdadeiro valor da pesquisa científica. Obrigado pela destreza com as palavras e atenção com os mínimos detalhes. E obrigado por me apresentar à poesia de Ovídio, que nunca deixará de me fascinar. À minha mãe, Beth, que sempre se dispôs a me ouvir quando queria conversar (e eu converso muito). Obrigado por todos os cafés e discussões em torno da mesa do café e por me apoiar em todas as minhas decisões, não deixando de mostrar os erros que eu cometeria quando essas eram tomadas com precipitação. Sem seu cuidado e atenção, meus pés caminhariam por estradas erradas. Ao meu pai, Cláudio, por me mostrar, desde criança, que a humildade e o respeito são qualidades essenciais ao ser humano e, infelizmente, cada vez mais esquecidas pelas pessoas. Obrigado por me ensinar que um trabalhador dedicado espera muito tempo, mas ao final colhe frutos maciços e eternos. À minha avó materna, Remilda, carinhosamente chamada pelos netos de Vó Bilita, que acompanha meus passos desde os meus primeiros passos. Obrigado por todas as orações e desejos de boa prova. Sem essa fé única, não haveria passos a dar. Aos meus tios e primos, sempre dispostos a perguntar como andava a faculdade. Aos amigos que conheci quando ingressei na faculdade, em especial à Duda, que sempre me fez rir nos momentos mais difíceis e se dispôs a me ouvir quando eu mais precisava; à Verona, que sempre dividiu suas alegrias e suas ansiedades comigo e manteve o cuidado com a beleza (mesmo quando calçava pantufas); à Amália, minha dileta colega latinista, sempre tornando o dia mais brilhante com sua fina ironia; à Dani, guerreira de estágio e do momento mais difícil: o fim da graduação. Ao Ale, companheiro de dias ensolarados e chuvosos, manejando tudo com infinita paciência. Obrigado por me ensinar inglês e a ouvir todas as camadas da música. E por último, mas não menos importante, à FAPESP, que confiou neste projeto e o apoiou financeiramente em meu último ano de graduação. A todos vocês, meu muitobrigado sem medidas. v RESUMO O trabalho apresenta o desenvolvimento de uma investigação científica que procura abordar o texto latino valendo-se do instrumental teórico que nos fornecem a Poética e a Semiótica Literária, focalizando principalmente os aspectos da figuratividade da expressão. Para tanto, buscou-se tomar os efeitos de sentido captados pela percepção, através da leitura do texto, como dados de base na investigação do arranjo particular da linguagem. Como resultado dessa investigação, produziu-se um discurso metalinguístico capaz de lançar luz sobre os recursos básicos da figuratividade poética determinantes da expressão. Essa análise e descrição do texto concentrou-se principalmente na primeira etapa dos procedimentos da figurativização, isto é, a figuração do discurso, quando um tema é revestido por figuras semióticas. Além disso, foram redigidas notas de referência à tradução de apoio selecionada, com comentários concernentes a dados gerais de cultura, necessários a uma compreensão mais integral da obra (fornecendo assim subsídios básicos para a leitura do original em latim). Palavras-chave: Figuratividade, Ovídio, Metamorfoses. vi ABSTRACT This paper presents the development of a scientific investigation that addresses the Latin text using theoretical concepts of Linguistic, Literary Poetic and Semiotic in order to focus mainly on aspects of the figurative expression. Therefore, the meaning effects raised by the perception through the reading of text were taken as baseline data to investigate the particular arrangement of language, responsible for expression of these effects. As a result of this investigation, a metalinguistic discourse was produced about the basic features of the poetic figurativity of the text. This analysis and description had a focus mainly on the first step of the procedures of figurativization, i.e., the figuration of the discourse, when a theme is coated by semiotic figures. In addition, reference notes were drafted to accompany the selected translation of support, with general comments about the culture (mythology, history, geography, philosophy, etc.), necessary data to an more comprehensive understanding of the text (these notes shall provide basic subsidies for reading the original Latin). Keywords: Figurativity, Ovid, Metamorphosis. vii SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 1 1.1. O latim como língua materna ........................................................................... 1 1.2. O embasamento teórico para o estudo e a análise da figuratividade ............ 2 2. SOBRE O AUTOR LATINO OVÍDIO E O EPISÓDIO DE IO ............................................ 4 3. “IO”: O TEXTO ORIGINAL EM LATIM E A TRADUÇÃO DE APOIO ............................. 5 3.1. O texto original em latim ................................................................................... 5 3.2. Sobre Bocage e sua tradução de “Io” ............................................................... 8 4. ANÁLISE DO TEXTO ................................................................................................ 13 4.1. As notas de cultura ........................................................................................... 13 4.2. A análise de “Io” .............................................................................................. 20 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 31 1. Referências ........................................................................................................... 31 2. Bibliografia consultada ....................................................................................... 32 1 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho, intitulado “Poética e Figuratividade: uma análise de ‘Io’ (Ovídio, Metamorfoses, I, 583–747)”, busca descrever os conceitos fundamentais apreendidos através das leituras de base realizadas e realizar uma breve apresentação sobre o autor estudado, Ovídio, e sobre o poeta português Bocage, cuja tradução é utilizada como apoio para o trabalho com o texto original. Ademais, prestará conta do trabalho realizado com o episódio sobre Io, uma bela jovem transformada em novilha por Júpiter, localizado entre os hexâmetro 583 e 747 das Metamorfoses, redigindo notas sobre dados gerais de cultura – como referências à mitologia do texto original –, e, dessa forma, realizando um estudo de base para a análise do corpus selecionado para a pesquisa. Apresentará também a análise da figuratividade presente no episódio do mito de Io, buscando identificar suas principais figuras e como elas se relacionam, revelando significados sugeridos pelo texto latino. Procura-se, assim, a partir da análise dos efeitos de sentido suscitados pela leitura, descrever e explicar o que o texto diz e como o faz. 1.1. O latim como língua materna É preciso enfatizar, antes de tudo, que o entendimento do latim pensado no âmbito deste trabalho é o de uma língua de cultura, que possui suas funcionalidades e seus recursos próprios, como qualquer outra língua materna. Portanto, o latim falado entre os antigos romanos também possuía a sua vertente estilizada, trabalhada literariamente, que carrega um alto grau de significação. Fala-se do latim que chegou até nós através das obras literárias dos grandes autores romanos, por exemplo; esses que, pouco a pouco, lapidaram a língua do dia a dia e a transportaram para o nível poético, para o nível literário. Vale notar o comentário de Alceu Dias Lima em seu artigo “O enunciado latino e a iniciação científica”, em que diz: ensino busque ocultar sua carrancuda face de mestre-escola tecnicamente mal equipado; o que por trás dessa máscara se descobre é 2 sempre e só a aparência pseudo-erudita com a qual, à falta de motivação racional, esse ensino vai garantindo seu quinhão no prestígio que o latim das humanidades lhe tem conferido pelos séculos fora (2006, p. 14). Ou seja, o latim não deveria ser visto meramente como um instrumento erudito, uma ferramenta que auxilia aqueles que apenas desejam conseguir certo status que aparentemente os coloque acima dos demais, tomando essa língua clássica como algo de casca reluzente, mas de interior vazio. Deve ser entendida, ao contrário, como uma língua legítima, igual a qualquer outra que existiu ou que ainda existe, uma vez que se entende, com o mesmo autor, que “‘o latim é uma língua viva do passado’ e, portanto, só em relação a esse passado cabem as providências que diferenciam o seu ensino do de qualquer língua estrangeira do presente” (LIMA, p. 19, 1995). Naturalmente, o mesmo pensamento é válido para o estudo de textos latinos, como se procurou observar no desenvolvimento da análise aqui apresentada. 1.2. O embasamento teórico para o estudo e a análise da figuratividade Em um texto, é possível que o autor preencha o esquema narrativo com temas ou com figuras, criando um discurso temático ou figurativo. José Luiz Fiorin destaca que a oposição “tema x figura” pode sugerir uma polarização entre as ideias de “abstrato” e “concreto”, respectivamente. “No entanto, é preciso ter em mente que concreto e abstrato não são termos polares que se opõem de maneira absoluta, mas constituem um continuum em que se vai, de maneira gradual, do mais abstrato ao mais concreto” (FIORIN, 2005, p. 91). Ou seja, as figuras encontradas em um texto nem sempre remeterão a um correspondente concreto em nosso mundo ou em um mundo imaginado, podendo também ser verbos de ação, adjetivos, etc. Em Caminhos da semiótica literária, Denis Bertrand revela uma visão ampla dos conceitos relacionados à figuratividade, pois esta “[...] faz surgir aos olhos do leitor a ‘aparência’ do mundo sensível” (2003, p. 21), sendo a mimesis na literatura, ao representar através do texto os elementos presentes no mundo real. Dessa forma, o leitor que lê os elementos de um texto realiza um reconhecimento, pois ele os “[...] experimenta sem cessar em sua experiência sensível” (BERTRAND, 2003, p. 29). Assim, a título de exemplificação, apresenta-se uma breve análise de uma fábula de Fedro (séc. I d.C.): 3 “A raposa e as uvas” Forçada pela fome, uma raposa tentava apanhar um cacho de uva numa alta videira, saltando com todas as suas forças. Como não conseguisse alcançá-lo, afastando-se, diz: “Ainda não estás maduro; não quero comer-te verde.” Os que desdenham com palavras as coisas que não conseguem fazer, deverão aplicar a si este exemplo. (DEZOTTI, 2003, p. 87) O léxico utilizado pelo autor concretiza o cenário, juntamente com a personagem e o conflito que ela vivencia: o adjetivo “alta”, por exemplo, fornece uma qualidade à videira, onde está localizado o cacho de uvas desejado pela raposa. O narrador apresenta o conflito da personagem que, após ver que não alcançaria a alta videira, desdenha seu objeto de desejo. Dessa maneira, a presença das figuras ambienta uma cena baseada no mundo real: têm-se “raposa”, “cacho de uva”, “maduro” e “verde”. Esses elementos compõem uma rede figurativa que desperta o reconhecimento do leitor, fazendo surgir a aparência do mundo sensível. Já os dois últimos versos, que podemos considerar como a “moral”, possuem um revestimento temático, fazendo uso de termos abstratos para explicitar qual o “tema” – no caso, a justificativa infundada da raposa por não conseguir comer as uvas – e realizando um discurso de caráter dissertativo. No mesmo texto literário temos, pois, a realização de dois discursos: o narrativo e o dissertativo. Ambos encontram expressão no texto através da chamada “vocação imagética do texto literário”, pois como Márcio Thamos afirma: [...] a vocação imagética do texto literário encontra, pois, as condições naturais para sua realização, quer na narração quer na descrição, [...] a partir da figuratividade, enquanto, por outro lado, a dissertação se constitui na maneira ideal de desenvolvimento do discurso científico, no qual imperam necessidades denotativas na expressão de um tema. (2011, p. 150). 4 2. SOBRE O AUTOR LATINO OVÍDIO E O EPISÓDIO DE IO Publius Ouidius Naso (Públio Ovídio Nasão), ou, mais simplesmente Ovídio, nasceu em 43 a. C., ano da morte de Cícero, sendo de uma geração mais nova do que a de Virgílio, e morreu em 17 d. C. Filho de um nobre cavaleiro, frequentou, em Roma, a renomada escola de retórica dos famosos mestres Aurélio Fusco e Pórcio Latrão ao lado de seu irmão, um ano mais velho. Ovídio sempre apreciou as controvérsias da psicologia dos personagens; os discursos em que dá conselhos a um personagem histórico ou mitológico que precisa tomar uma decisão difícil é uma amostra de seus dotes de compreensão e vigor linguístico (ALBRECHT, 1997, p. 729). Sendo considerado um dos maiores poetas da Roma Antiga, Ovídio produziu uma obra extensa e variada, apresentando sofisticação e cuidado excepcionais com a escrita. Sua produção é composta pelas seguintes obras: Heróides (Heroidum epistolae), Amores (Amores), A arte de amar (Ars amatoria), Os remédios do amor (Remedia amoris), Produtos de beleza para o rosto da mulher (De medicamine faciei feminae), Metamorfoses (Metamorphoseon libri), Fastos (Fasti), Cantos tristes (Tristia), Cartas pônticas (Epistolae ex Ponto), Íbis e Haliêutica. Nas Metamorfoses, considerado um trabalho da maturidade do poeta, escrito entre 2 e 8 d. C., Ovídio retoma os temas mitológicos que havia visitado nas Heróides, criando uma obra extensa: um grande poema versado em hexâmetros, ao longo de quinze livros, em que o autor trata do surgimento dos elementos que compõem o mundo e também da transformação ocorrida com diversos seres e figuras da mitologia através de metamorfoses. É interessante notar que as Metamorfoses não se enquadram facilmente em um gênero literário específico. Como afirma Zélia de Almeida Cardoso em A Literatura Latina: “Não é uma epopeia, apesar do tom épico, dos versos hexâmetros e do emprego sistemático da narração. Não se caracteriza também como poema didático” (2003, p. 83). Do mesmo modo, dificilmente se pode dizer que se trata de um poema lírico. É uma obra, pois, que não se deixa classificar em um determinado gênero literário, tornando-se singular entre as demais obras produzidas pelo autor. 5 Em “Io”, o autor latino conta a transformação de uma bela jovem em uma alva novilha, fruto de uma das peripécias amorosas de Júpiter que, seduzido e apaixonado, tenta raptá-la, mas é logo interrompido por sua furiosa esposa Juno, desconfiada das verdadeiras intenções do grande deus. Para testá-lo, Juno pede ao marido que lhe dê a novilha de presente; ele, não vendo como recusar tal pedido, entrega Io transformada à mulher que, enciumada, coloca o pastor Argos para vigiá-la. Enquanto Io pasta nos campos e lamenta por sua nova forma, a criatura grotesca de cem olhos a segue, até que Mercúrio, enviado por Júpiter, desce à Terra e consegue matar Argos. Nesse momento, Io foge e chega até às margens do rio Nilo, onde se ajoelha e pede que Júpiter lhe devolva a verdadeira forma. Quando Io retoma seu aspecto humano, da novilha apenas a cor branca mantém. Ovídio finaliza o episódio contando que ela passou a ser venerada como deusa entre os egípcios. 3. “IO”: O TEXTO ORIGINAL EM LATIM E A TRADUÇÃO DE APOIO 3.1. O texto original em latim Segue-se o texto original em latim – de acordo com a edição adotada como referência (Les Belles Lettres). Metamorfoses, I, 583–747: Inachus unus abest imoque reconditus antro Fletibus auget aquas natamque miserrimus Io 585 Luget ut amissam; nescit uitane fruatur, An sit apud manes; sed quam non inuenit usquam, Esse putat nusquam atque animo peiora ueretur. Viderat a patrio redeuntem Iuppiter illam Flumine et: “O uirgo Ioue digna tuoque beatum 590 Nescio quem factura toro, pete” dixerat “umbras Altorum nemorum” (et nemorum monstrauerat umbras) “Dum calet et medio sol est altissimus orbe. Quodsi sola times latebras intrare ferarum, Praeside tuta deo nemorum secreta subibis, 595 Nec de plebe deo, sed qui caelestia magna Sceptra manu teneo, sed qui uaga fulmina mitto. Ne fuge me.” Fugiebat enim; iam pascua Lernae Consitaque arboribus Lyrcea reliquerat arua, Cum deus inductas lata caligine terras 600 Occuluit tenuitque fugam rapuitque pudorem. Interea edios Iuno despexit in agros Et noctis faciem nebulas fecisse uolucres 6 Sub nitido mirata die, non fluminis illas Esse nec umenti sensit tellure remitti; 605 Atque suus coniunx ubi sit circumspicit, ut quae Deprensi totens iam nosset furta mariti. Quem postquam caelo non repperit: “Aut ego fallor, Aut ego laedor” ait; delapsaque ab aethere summo Constitit in terris nebulasque recedere iussit. 610 Coniugis aduentum praesenserat inque nitentem Inachidos uultus mutaverat ille iuuencam. Bos quoque formosa est; speciem Saturnia uaccae, Quamquam inuita, probat nec non et cuius et unde, Quoue sit armento, ueri quase nescia, quaerit. 615 Iuppiter e terra genitam mentiur, ut auctor Desinat inquiri. Petit hanc Saturnia munus. Quid faciat? crudele suos addicere amores; Non dare, suspectum est. Pudor est qui suadeat illinc, Hinc dissuadet amor. Victus pudor esset amore; 620 Sed leue si munus sociae generisque torique Vacca negaretur, poterat non uacca uideri. Paelice donata, non protinus exuit omnem Diua metum timuitque Iouem et fuit anxia furti, Donec Arestoridae seruandam tradidit Argo. 625 Centum luminibus cinctum caput Argus habebat; Inde suis uicibus capiebant bina quietem, Cetera seruabant atque in statione manebant. Constiterat quocumque modo, spectabat ad Io; Ante oculos Io, quamuis auersus, habebat. 630 Luce sinit pasci; cum sol tellure sub alta est, Claudit et indigno circumdat uincula collo. Frondibus arboreis et amara pascitur herba Proque toro terrae, non semper gramen habenti, Incubat infelix limosaque flumina potat. 635 Illa etiam supplex Argo cum bracchia uellet Tendere, non habuit quae bracchia tenderet Argo; Et conata queri mugitus edidit ore Pertimuitque sonos propriaque exterrita uoce est. Venit et ad ripas, ubi ludere saepe solebat, 640 Inachidas ripas, nouarque ut conspexit in unda Cornua, pertimuit seque exsternata refugit. Naides ignorant, ignorat et Inachus ipse Quae sit; at illa patrem sequitur sequiturque sorores, Et patitur tangi seque admirantibus offert. 645 Decerptas senior porrexat Inachus herbas; Illa manus lambit patriisque dat oscula palmis Nec retinet lacrimas, sed, si modo uerba sequantur, Oret opem nomenque suum casusque Ioquatur. Littera pro uerbis, quam pes in puluere duxit, 650 Corporis indieium mutati triste peregit. “Me miserum!” exclamat pater Inachus inque gementis Cornibus et niueae pendens cervice iuuencae, “Me miserum!” ingeminat “tune es quaesita per omnis, Nata, mihi terras? Tu non inuenta reperta 655 Luctus eras leuior. Retices nec mutua nostris Dicta refers; alto tantum suspiria ducis Pectore, quodque unum potes, ad mea uerba remugis. 7 At tibi ego ignarus thalamos taedasque parabam Spesque fuit generi mihi prima, secunda nepotum. 660 De grege nunc tibi uir et de grege natus habendus. Nec finire licet tantos mihi morte dolores; Sed nocet esse deum praeclusaque ianua leti Aeternum nostros luctus extendit in aeuum.” Talia maerentem stellatus submouet Argus 665 Ereptamque patri diuersa in pascua natam Abstrahit. Ipse procul montis sublime cacumen Occupat, unde sedens partes speculatur in omnes. Nec superum rector mala tanta Phoronidos ultra Ferre potest natumque uocat, quem lucida partu 670 Pleias enixa est, letoque det imperat Argum. Parua mora est alas pedibus uirgamque potenti Somniferam sumpsisse manu tegimenque capillis; Haec ubi disposuit, patria Ioue natus ab arce Desilit in terras. Illic tegimenque remouit 675 Et posuit pennas; tantummodo uirga retenta est. Hac agit, ut pastor, per deuia rura capelas, Dum uenit, adductas, et structis cantat auenis. Voce noua captus custos Iunonis et arte: “Quisquis es, hoc poteras mecum considere saxo” 680 Arguis ait “neque enim pecori fecundior ullo Herba loco est aptamque uides pastoribus umbram.” Sedit Atlantiades et euntem multa loquendo Detinuit sermone diem iunctisque canendo Vincere harundinibus seruantia lumina temptat. 685 Ille tamen pugnat mollis euincere somnos Et, quamuis sopor est oculorum parte receptus, Parte tamen vigilat. Quaerit quoque (manque reperta Fistula nuper erat) qua sit ratione reperta. Tum deus: “Arcadiae gelidis in montibus” inquit 690 “Inter hamadryadas celeberrima Nonacrinas Naias una fuit; nymphae Syringa uocabant. Non semel et satyros eluserat illa sequentes Et quoscumque deos umbrosaque silua feraxque Rus habet. Ortygiam studiis ipsaque colebat 695 Virginitate deam; ritu quoque cincta Dianae Falleret et posset credi Latonia si non Corneus huic arcus, si non foret aureus illi. Sic quoque fallebat. Redeuntem colle Lycaeo Pan uidet hanc pinuque caput praecinctus acuta 700 Talia uerba refert...” Restabat uerba referre Et precibus spretis fugisse per auia nympham, Donec harenosi placidum Ladonis ad amnem Venerit; hic illam cursum impedientibus undis, Vt se mutarent, liquidas orasse sorores; 705 Panaque, cum prensam sibi iam Syringa putaret, Corpore pro nymphae calamos tenuisse palustres; Dunque ibi suspirat, motos in harundine uentos Effecisse sonum tenuem similemque querenti; Arte noua uocisque deum dulcedine captum: 710 “Hoc mihi colloquium tecum” dixisse “manebit;” Atque ita disparibus clamis compagine cerae Inter se iunctis nomen tenuisse puellae. 8 Talia dicturus uidit Cyllenius omnes Succubuisse oculos adopertaque lumina somno. 715 Supprimit exemplo uocem firmatque soporem, Languida permulcens medicata lumina uirga. Nec mora, falcato nutantem uulnerat ense Qua collo est confine caput saxoque cruentum Deicit et maculat praeruptam sanguine rupem. 720 Arge, iaces; quodque in tot lumina lumen habebas Exstinctum est centumque oculos nox occupat una. Excipit hos uolucrisque suae Saturnia pennis Collocat et gemmis caudam stellantibus inplet. Protinus exarsit nec tempora distulit irae 725 Horriferamque oculis animoque obiecit Erinyn Paelicis Argolicae stimulosque in pectore caecos Condidit et profugam per totum terruit orbem. Vltimus inmenso restabas, Nile, labori; Quem simul ac tetigit, positisque in margine ripae 730 Procubuit genibus resupinoque ardua collo, Quos potuit solos, tollens ad sidera uultus, Et gemitu et lacrimis et luctisono mugitu Cum Ioue visa queri est finemque orare malorum. Coniugis ille suae complexus colla lacertis, 735 Finiat ut poenas tandem rogat: “In” que “futurum Pone metus;” inquit “nunquam tibi causa doloris Haec erit”; et Stygias iubet hoc audire paludes. Vt lenita dea est, uultus capit illa priores Fitque quod ante fuit; fugiunt e corpore saetae, 740 Cornua decrescunt, fit luminis artior orbis, Contrahitur rictus, redeunt umerique manusque Vngulaque in quinos dilapsa absumitur ungues; De boue nil superest, formae nisi candor, in illa; Officioque pedum nymphe contenta duorum 745 Erigitur metuitque loqui, ne more iuuencae Mugiat, et timide uerba intermissa retemptat. Nunc dea linigera colitur celeberrima turba. (OVIDE, 2009, p. 38-48) 3.2. Sobre Bocage e sua tradução de “Io” Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), genuíno poeta neoclássico português, como vasto conhecedor de sua língua e da cultura clássica, transpôs a riqueza da obra ovidiana de forma a lhe dar um status poético também em língua portuguesa. Foi após ter sido preso, em 1797, que Bocage enveredou pelos caminhos da tradução. Segundo Hernâni Cidade, em Bocage: a obra e o homem, o poeta 9 aproveita a rica biblioteca dos Oratorianos e exerce-se na tradução da [...] Pharsalia, de Lucano, e das Metamorphoses, de Ovídio. Aplicação proveitosa, que o ia educando em hábitos de trabalho esforçado e contínuo, que jamais conhecera [...] (1978, p. 89). Assim, Bocage traduz trechos das Metamorfoses para o português. Sua versão do texto de Ovídio servirá como apoio para os estudos deste trabalho, optando-se por apresentar um espelhamento entre o texto original em latim e a tradução portuguesa do poeta Bocage, seguida de breves comentários a referências de cultura da Antiguidade Clássica. Segue-se a tradução do episódio do mito de Io realizada por Bocage (reproduzem-se aqui as notas de rodapé da edição utilizada)1: IO (Livro I, 583, 747) Nos fundos lares Ínaco escondido Alteia com seu pranto as águas suas; Io, a filha gentil, perdida chora: Não sabe se está viva, ou se entre os manes: 5 Mas porque não a encontra em parte alguma, Em nenhuma do Globo a julga o triste, E o pior se lhe antolha ao pensamento. Volver do pátrio rio a vira Jove; “Virgem digna de Júpiter, guardada 10 Para felicitar (lhe disse o Nume) No tálamo suave um ente humano! Procura as sombras dos fechados bosques (E aos bosques lhe apontou), a calma aperta, Dos céus está no cume o Sol fervendo. 15 Se temes ir sozinha aonde há feras, De um deus acompanhada irás segura; Não de um deus inf’rior, porém daquele Que o cetro universal na mão sustenta, E o raio irresistível arremessa. 20 Não, não fujas de mim.” (Que ela fugia.) Já de Lerna as pastagens, e os frondosos Arvoredos Liceus Io passara: Eis em névoas o deus sumindo a terra, Lhe prende os passos, e o pudor lhe usurpa. 25 Juno os olhos entanto aos campos volve. E estranha em claro dia haver tal névoa, Névoa tão densa como os véus noturnos, Que das águas não sai, nem sai das terras2. Olha em torno de si, não vê o esposo, 30 E suspeitosa, pelo haver colhido Já vezes cento em amorosos furtos, 1 Uma vez que não há correspondência justalinear entre hexâmetros e decassílabos, dá-se aqui uma numeração autônoma ao excerto traduzido por Bocage. 2 Névoa tão densa como os véus noturnos / Que das águas não sai, nem sai das terras: as névoas, que a deusa não via sair das águas, eram as que costumavam resultar do ímpeto com que o Peneu, rio da Tessália, rebentava, e caía do monte Pindo. Ovídio, Metamorfoses, I. [Nota de Bocage]. 10 Não o achando nos Céus – “Ou eu me engano, Ou lá me agravam” – (diz) e, deslizada Da etérea habitação, parou na Terra, 35 Onde o sombrio horror desfez num ponto. Mas o consorte pressentiu-lhe a vinda, E em cândida novilha por cautela De Ínaco a prole transformado havia, Que depois de novilha inda é formosa. 40 Satúrnia, a seu pesar, lhe dá louvores, Pergunta de quem é, donde viera, Pergunta a que manada enfim pertence (De estar longe do caso indícios dando) – Que a terra a produziu – responde Jove, 45 Para não ser o autor mais inquirido: Nisto Satúrnia em dádiva lha pede. O amante que fará? Cruel, se entrega Os seus amores; - se os não dá, suspeito; O que o pejo aconselha, amor impugna: 50 Vencido pelo amor seria o pejo; Porém se a sua irmã, se a sua esposa Negar uma novilha, um dom tão leve, Pode talvez não parecer novilha, Já na posse da adúltera, não despe 55 A deusa todavia o seu receio; Teme a Jove, e do agravo está mordida. Argos, o filho de Arestor lhe ocorre, E quer que lha vigie, e dele a fia. De Argos cinge a cabeça um cento de olhos, 60 Olhos, que dois a dois o sono alternam: Desvelados os mais na presa cuidam. Em quaisquer posições atento a guarda, Volta-lhe as costas, e tem Io à vista. Permite-lhe pascer enquanto é dia; 65 Em transmontando o Sol vai ferrolhá-la, E um laço injusto lhe torneia o colo. Folhas agrestes, amargosa relva Morde, rumina a triste; em vez de leito Dão-lhe nem sempre de erva o chão forrado, 70 Matam-lhe as sedes em corrente impura. Súplices braços estender quisera Para o seu guardador; mas que é dos braços? Intenta dar um ai, solta um mugido: Treme do som, da sua voz se espanta. 75 Um dia às margens vai, onda brincava, Às margens paternais vê n’água as pontas. E, medrosa de si, foge do rio. Ínaco ignora, as Náiades não sabem Quão pertencente lhe és, gentil novilha. 80 Ei-la os segue; às irmãs, ao pai, que a admiram, Não só deixa que a toquem, mas se of’rece. O velho ervas lhe colhe, e chega aos beiços; Ela lhe lambe as mãos, as mãos lhe beija; Terno pranto lhe corre, e se pudera 85 Socorro a desditosa invocaria, Seu nome, os fados seus articulara; 11 Mas, com letras enfim suprindo vozes, Servindo-se do pé, na areia exprime O triste anúncio da mudada forma. 90 “Ó pai desventurado! (Ínaco exclama Abraçando a cerviz, pegado às pontas D’alva bezerra, da chorosa filha) Ó pai desventurado! (Ele repete) És tu, filha infeliz, tu, procurada 95 Tantas vezes por mim, e em tantas partes? Antes que ver-te assim, nunca te vira, Menor seria então minha amargura. Ah malfadada! Responder não sabes, Altos suspiros só do peito arrancas, 100 Mugir à minha voz é quanto podes. Não prevendo teus fados, eu outrora O toro3 nupcial te apercebia. Duas bem ledas esperanças tive: Primeira o genro foi, segunda os netos; 105 Esposo, e filhos nas manadas brutas, Querido meu penhor, terás agora. Nem posso tanto mal findar coa vida; Empece-me o ser deus; aferrolhadas, Defesas para mim da morte as portas, 110 Se estende a minha dor à eternidade.” O oculoso pastor, que lhe ouve as mágoas, Ao lamentável pai remove a filha. E vai apascentá-la em outros campos: Sentado, de alto monte a vê, e a tudo. 115 Que ela sinta, porém, tão duros males Não pode o rei dos Céus sofrer mais tempo: Chamando o filho, que de Maia4 houvera, Lhe ordena, lhe comete a morte de Argos. Mercúrio logo aos pés segura as asas; 120 Toma a vara sonífera, o galero, E, ataviado assim, demanda a Terra. Galero ali depõe, depõe talares, Somente o caduceu na mão conserva; Leva-o como pastor, que seu rebanho 125 Co toque do cajado aos pastos guia, E da canora flauta os sons difunde. Da nova, doce música tentado. Argos ao Númen diz: “Quem quer que sejas. Comigo aqui, pastor, sentar-te podes. 130 Sítio melhor não há para o rebanho, Nem para o guardador, assim na sombra, Como em fertilidade.” O deus se assenta; E em razões várias, que profere, e escuta, Vai-se-lhe o dia. Adormecer intenta 135 Com a avena5 os cem lumes veladores, Porém repugna o monstro aos moles sonos, E bem que os acolheu parte dos olhos, 3 Toro: leito 4 Filho de Maia: Mercúrio 5 Avena: Flauta. 12 Parte deles vigia. Enfim, porque era Da flauta a invenção recente ainda 140 A Mercúrio o pastor pergunta como, Por quem fora inventada. A isto o Nume Diz então: “Nas arcádicas montanhas Teve nome entre as ninfas Nonacrinas, Foi entre as Hamadríadas o assombro 145 A náiade Sírinx, Sírinx, a esquiva. Aos sátiros hirsutos se furtava, E aos mais deuses campestres, que a seguiam; Honrava nos costumes, no exercício, E uma flor virginal a Ortígia deusa. 150 Em traje venatório era Diana: A semelhança os olhos enganara Se arcos diversos não tivessem ambas, Sírinx um de marfim, Latônia um de ouro, E assim mesmo enganava. Ela, deixando 155 O sombrio Liceu, de Pã foi vista, De Pã, c’roado do pinheiro agudo6, E o deus falou-lhe assim...” Narrar faltava O que lhe disse o deus; que acesas preces A ninfa repulsara, e que fugira, 160 Perseguida por ele até as margens Do sereno Ládon; que ali parando, Pelo estorvo das ondas, deprecara Às cerúleas irmãs que a transformasse; Faltava referir que em vez da amada, 165 Crendo que já nas mãos a tinha presa, Pã somente abraçou palustres canas; Que enquanto suspirava, os ares nelas Fizeram tênue som, quase queixume; Que n’arte nova, que na voz suave 170 Enlevando-se todo, o deus dissera: “Tais colóquios sequer terei contigo.” Que às canas desiguais, com cera unidas, Dera seu nome a ninfa. Ia Cilênio Prosseguir, eis que vê do sono opressos 175 Os olhos todos. Súbito emudece, Roça-os coa vara, e lhe carrega o sono, Rápido logo alçando o ferro curvo, No vacilante colo o golpe acerta: Cai a cabeça; espadanando o sangue, 180 O sangue em borbotões macula o monte. Argos, jazes, enfim; de todo extinta A claridade está de tantos lumes: Sombra eterna te ocupa os olhos cento. Satúrnia lhos extrai, na cauda os prende 185 D’ave sua, e com eles a abrilhanta7. Mas freme a deusa, não retarda as iras; Da Argólica rival aos olhos, e alma Expõe a vexadora, horrenda Erínis. 6 De Pã c’roado do pinheiro agudo: este verso menos literalmente pode ser assim: Pã, que do pinho agudo a fronte enrama. [Nota de Bocage] 7 De ave sua e com eles a abrilhanta: a ave de Juno é o pavão. [Nota de Bocage] 13 Seus cruéis agrilhões lhe enterra a Fúria, 190 Por todo o mundo a prófuga persegue. Nilo, ao trabalho imenso, à espavorida Carreira universal tu só restavas. Tanto que imprime o pé nas margens tuas, Sobre os joelhos cai, e aos Céus erguendo 195 O que erguer só lhe é dado, os olhos tristes, Com prantos, e mugidos lutuosos Parece que se está queixando a Jove, E que dos males seus o fim lhe implora. Ele, o colo abraçando a sacra esposa, 200 Roga-lhe que remate a pena acerba. “Perde o temor (lhe diz) crê que incentivo Io não mais será de teus desgostos.” E o protesto formal coa Estige8 abona. Apenas se embrandece ao rogo a deusa, 205 Torna à mimosa ninfa o gesto antigo, Torna a ser de repente o que era dantes. Fogem do corpo as sedas, vão-se as pontas, O orbe, a forma ocular se lhe restringem, Abrevia-se a boca, os braços volvem, 210 Volvem-lhe as mãos também, também as unhas9; Já somente em dois pés será sustida, Da novilha não tem senão a alvura. Receando mugir, falar não ousa, E a desusada voz ensaia a medo. 215 Celebérrima deusa, agora a honram Aras, e incensos dos egípcios povos. (OVÍDIO, 2007, p. 79-91) 4. ANÁLISE DO TEXTO 4.1. As notas de cultura Seguem-se os versos do texto original em latim e, respectivamente, a tradução de Bocage, com breves comentários acerca das notas de cultura, em que são explicados os termos relevantes, destacados em negrito. Os trechos suprimidos do texto continham apenas a 8 Estige: na verdade substantivo masculino, o Estige, que é um dos rios dos Infernos. O sentido é: “invoca o Estige como testemunha”. 9 Volvem-lhe as mãos também, também as unhas: este é quase o único verso que não verti literalmente. Ovídio, segundo o seu gosto de circunstanciar miudamente as coisas (o que às vezes passa a defeito neste grande poeta), diz que o casco dos pés da novilha se desfez em cinco unhas; mas isto, que em latim não era humilde, em português até seria insuportável etc. [Nota de Bocage] 14 narração e termos de recorrência mais comum; portanto, foi dada uma preferência para os excertos em que se encontraram palavras que remetem aos dados de cultura mais relevantes para a compreensão da narrativa. - hex. (583-587): Inachus unus abest imoque reconditus antro Fletibus auget aquas natamque miserrimus Io Luget ut amissam; nescit uitane fruatur, An sit apud manes; sed quam non inuenit usquam, Esse putat nusquam atque animo peiora ueretur. Nos fundos lares Ínaco escondido Alteia com seu pranto as águas suas; Io, a filha gentil, perdida chora: Não sabe se está viva, ou se entre os manes: Mas porque não a encontra em parte alguma, Em nenhuma do Globo a julga o triste, E o pior se lhe antolha ao pensamento. Logo no início do texto, Ovídio apresenta ao leitor dois importantes personagens da história: Ínaco (Inachus), um deus-rio que, além de ser rei de Argos, é pai de Io; e esta que, por sua vez, torna-se uma das paixões de Júpiter pela beleza que possui, chamando a atenção do grande deus do Olimpo. Era comum, como se destaca no excerto, os romanos se referirem aos espíritos dos mortos com o termo “manes”. Como, no caso, Ínaco não sabe da localização de sua filha, ele teme que ela tenha falecido e, assim, Ovídio faz uso desse termo para indicar que ela poderia estar entre os mortos. É, portanto, uma espécie de eufemismo: o termo atenua a ideia assustadora de que a filha de Ínaco possa estar morta. - hex. (597-600): [...] Fugiebat enim; iam pascua Lernae Consitaque arboribus Lyrcea reliquerat arua, Cum deus inductas lata caligine terras Occuluit tenuitque fugam rapuitque pudorem. Já de Lerna as pastagens, e os frondosos Arvoredos Lirceus Io passara: Eis em névoas o deus sumindo a terra, Lhe prende os passos, e o pudor lhe usurpa. Um pouco mais adiante na narrativa, Júpiter fala com Io, aconselhando-a para que, se desejasse adentrar nos profundos bosques, fosse acompanhada de um deus. Mas esse deus não 15 deve ser qualquer um, e sim o principal: ele mesmo. Io, no entanto, continua a fugir, e é nesse momento em que Ovídio cita alguns lugares por onde a bela passa em sua fuga desesperada. O autor narra que Io passa pelas pastagens de Lerna e pelos grandes “arvoredos Lirceus”. Lerna é uma região situada perto da costa leste do Peloponeso, ao sul de Argos, e a expressão “arvoredos Lirceus” faz referência a Lirceia, montanha e cidade da Argólida, isto é, da região de Argos. - hex. (622-624): Paelice donata, non protinus exuit omnem Diua metum timuitque Iouem et fuit anxia furti, Donec Arestoridae seruandam tradidit Argo. Já na posse da adúltera, não despe A deusa todavia o seu receio; Teme a Jove, e do agravo está mordida. Argos, o filho de Arestor lhe ocorre, E quer que lha vigie, e dele a fia. Juno, esposa e irmã de Júpiter, enciumada e desconfiada de que o esposo está atrás de mais algum amor repentino, o segue até a Terra e, ao encontrá-lo na companhia de uma alva novilha, a deusa lhe pede o animal de presente. O deus, que havia previsto a perseguição de Juno e transformado Io em novilha, não vê outra saída a não ser entregar a amante para a esposa. Esta, então, lembra-se de Argos, filho de Arestor, um pastor dotado de cem olhos em sua cabeça, e o coloca para vigiar Io enquanto esta tristemente pasta em um campo. - hex. (642-644): Naides ignorant, ignorat et Inachus ipse Quae sit; at illa patrem sequitur sequiturque sorores, Et patitur tangi seque admirantibus offert. Ínaco ignora, as Náiades não sabem Quão pertencente lhe és, gentil novilha. Ei-la os segue; às irmãs, ao pai, que a admiram, Não só deixa que a toquem, mas se of’rece. Certo dia, Io aproxima-se de um rio que, na verdade, é seu pai, Ínaco. Quando se vê como novilha no reflexo da água, ela foge, com medo. Ínaco, por sua vez, não sabe que aquela novilha é sua própria filha. Nesse trecho, Ovídio cita a presença das Náiades. 16 As Náiades são personificações femininas em forma de ninfas pertencentes às fontes, aos rios e aos lagos. Como Ínaco é um rio personificado, ele possui Náiades, que o acompanham até o encontro com Io. Esta deixa que eles a toquem e, triste por não poder falar sua identidade, ela recorre às patas e, na areia onde estava, escreve, revelando ao pai quem realmente é. Compreendendo finalmente o que houve com Io, Ínaco desespera-se ao vê-la daquela forma. No entanto, Argos ouve suas lamentações e rapidamente arranca Io de seus braços, levando-a para pastar em outros campos. - hex. (668-677): Nec superum rector mala tanta Phoronidos ultra Ferre potest natumque uocat, quem lucida partu Pleias enixa est, letoque det imperat Argum. Parua mora est alas pedibus uirgamque potenti Somniferam sumpsisse manu tegimenque capillis; Haec ubi disposuit, patria Ioue natus ab arce Desilit in terras. Illic tegimenque remouit Et posuit pennas; tantummodo uirga retenta est. Hac agit, ut pastor, per deuia rura capelas, Dum uenit, adductas, et structis cantat auenis. Que ela sinta, porém, tão duros males Não pode o rei dos Céus sofrer mais tempo: Chamando o filho, que de Maia houvera, Lhe ordena, lhe comete a morte de Argos. Mercúrio logo aos pés segura as asas; Toma a vara sonífera, o galero, E, ataviado assim, demanda a Terra. Galero ali depõe, depõe talares, Somente o caduceu na mão conserva; Leva-o como pastor, que seu rebanho Co toque do cajado aos pastos guia, E da canora flauta os sons difunde. Observando esses acontecimentos, Júpiter decide intervir e envia Mercúrio para a Terra. Numa tradução literal de trabalho, os seguintes versos: “Nec superum rector mala tanta Phoronidos ultra / Ferre potest natumque uocat, quem lucida partu / Pleias enixa est” podem ser assim vertidos: “Não pode o rei dos deuses tolerar tantos males à Forônide e chama o filho, que a brilhante Plêiade deu à luz”. O termo Phoronidos (genitivo de Phoronis, f.) aparece nos versos acima destacados. De acordo com Pierre Grimal, Foroneu “foi, segundo as lendas do Peloponeso, o primeiro homem do mundo. Era filho do deus-rio Ínaco e da ninfa Mélia” (2000, p. 178). Phoronidos é 17 assim, por relação, uma referência à própria Io, que tinha Foroneu como irmão e, por possuir tal parentesco, poderia ser chamada de “Forônide”. Outras traduções das Metamorfoses mostram divergências nesse trecho por decidirem citar Foroneu. Na versão de Domingos Lucas Dias, diz-se: Não pode o senhor dos Deuses suportar por mais tempo tão duros males da neta de Foroneu. Chama o filho que a brilhante plêiade lhe deu e ordena-lhe que dê morte a Argo (2006, p. 59). Já na de Paulo Farmhouse Alberto, encontra-se: Ora, o regente dos deuses não consegue suportar mais o atroz sofrimento da irmã de Foroneu. Convoca o filho, que a cintilante Plêiade dera à luz, e ordena que mate Argo (2007, p. 54) Enquanto na primeira vê-se “neta de Foroneu”, na segunda Io está definida como “irmã de Foroneu”. Apesar de Phoronidos sugerir tais remissões, Bocage optou por não mencionar o nome de Foroneu em sua tradução talvez justamente por certa divergência das referências (“neta ou irmã de Foroneu”) e, em todo o caso, por não se tratar de um personagem mitológico recorrente nas obras produzidas pelos autores clássicos. É interessante notar também que, apesar de a tradução de Bocage citar “Maia”, a mãe de Mercúrio, mensageiro do Olimpo, tal nome não está presente no texto de Ovídio. Este, por sua vez, diz Pleias, significando “a Plêiade”. As plêiades eram as sete filhas de Atlas e Pleione; entre elas, havia Maia, que se relacionou amorosamente com Júpiter e deu à luz um filho, Mercúrio. Após serem perseguidas por Órion, as plêiades transformaram-se em constelações. Bocage aproveita esses dados de cultura para transferir o sentido de Pleias para o português, citando assim diretamente Maia. Da mesma forma, no texto de Ovídio, não se encontra explicitamente o nome “Mercúrio”. Há, por outro lado, a palavra natum, que significa “filho”; há, assim, uma relação de lógica, pois o único filho de Júpiter que também é filho de uma Plêiade é, por fim, Mercúrio. Bocage primeiramente diz que Júpiter chamou o filho que tivera com Maia para, depois, escolher o termo “Mercúrio” propriamente dito. Já para outros termos, há dados interessantes: Ovídio fala sobre o superum rector e a uirgam somniferam. Se traduzíssemos literalmente, superum rector seria o “rei dos deuses”. Dentro do contexto do mito, tais termos fazem referência a Júpiter, o grande deus do Olimpo 18 ou “o rei dos Céus”, como Bocage opta por traduzir. Já uirgam somniferam é, literalmente, “vara sonífera”, escolha lexical que Bocage decidiu manter na versão portuguesa do texto. Mas não é o mesmo que acontece com tegimen capillis. Tegimen é um abrigo feito para proteger algo; capillis é “cabelo”. Portanto, por lógica e associação de ideias, tegimen capillis é um abrigo para proteger o cabelo. No contexto, está-se falando de Mercúrio, que, segundo a mitologia clássica, usa um capacete singular. Esse capacete possui um termo em português que Bocage utiliza em sua tradução: galero. Tal termo não designava, em latim, apenas o capacete utilizado por Mercúrio, mas também a cobertura feita com peles utilizada pelos sacerdotes romanos. Essa cobertura era chamada de galerus, que, com a evolução da língua, resultou em “galero” no português. Depois, Ovídio repete o termo uirga para designar o bastão que Mercúrio carrega, como se fosse um pastor, quando chega à Terra. Esse bastão possui duas serpentes enroscadas e duas asas em sua parte superior e é utilizado exclusivamente por Mercúrio. Na tradução, Bocage optou por traduzir como “caduceu”, termo utilizado em português justamente para definir tal bastão do deus mensageiro. - hex. (685-700): Ille tamen pugnat mollis euincere somnos Et, quamuis sopor est oculorum parte receptus, Parte tamen vigilat. Quaerit quoque (manque reperta Fistula nuper erat) qua sit ratione reperta. Tum deus: “Arcadiae gelidis in montibus” inquit “Inter hamadryadas celeberrima Nonacrinas Naias uma fuit; nymphae Syringa uocabant. Non semel et satyros eluserat illa sequentes Et quoscumque deos umbrosaque silua feraxque Rus habet. Ortygiam studiis ipsaque colebat Virginitate deam; ritu quoque cincta Dianae Falleret et posset credi Latonia si non Corneus huic arcus, si non foret aureus illi. Sic quoque fallebat. Redeuntem colle Lycaeo Pan uidet hanc pinuque caput praecinctus acuta Talia uerba refert...” [...] [...]. Adormecer intenta Com a avena os cem lumes veladores, Porém repugna o monstro aos moles sonos, E bem que os acolheu parte dos olhos, Parte deles vigia. Enfim, porque era Da flauta a invenção recente ainda A Mercúrio o pastor pergunta como, Por quem fora inventada. A isto o Nume 19 Diz então: “Nas arcádicas montanhas Teve nome entre as ninfas Nonacrinas, Foi entre as Hamadríadas o assombro A náiade Sirinx, Sirinx, a esquiva. Aos sátiros hirsutos se furtava, E aos mais deuses campestres, que a seguiam; Honrava nos costumes, no exercício, E uma flor virginal a Ortígia deusa. Em traje venatório era Diana: A semelhança os olhos enganara Se arcos diversos não tivessem ambas, Sírinx um de marfim, Latônia um de ouro, E assim mesmo enganava. Ela, deixando O sombrio Liceu, de Pã foi vista, De Pã, c’roado do pinheiro agudo, E o deus falou-lhe assim...” [...] Assim, Mercúrio desce à Terra por ordem de Júpiter e se disfarça como um mero pastor, atraindo a atenção de Argos. Este, ao ver o suposto colega de trabalho, convida-o para se sentar e conversarem um pouco. Mercúrio, porém, leva consigo um instrumento, algo que Argos não havia visto ainda. Encantado com a música de Mercúrio e tentando resistir ao sono que pouco a pouco toma conta de sua centena de olhos, Argos pergunta para o deus disfarçado que invenção é aquela que ele possui em mãos. Mercúrio responde contando brevemente uma história. Ao iniciá-la, Mercúrio fala sobre as Arcadiae gelidis montibus, ou as “geladas montanhas arcádicas”, fazendo referência às montanhas da Arcádia, que se situa na região central do Peloponeso. Segundo a mitologia clássica, a Arcádia é a região onde Júpiter teria nascido, assim como o próprio Mercúrio e também o deus dos bosques, Pã. Foi nessa região, segundo o deus, que a ninfa Sírinx, a esquiva, foi a grande paixão de Pã que, posteriormente, deu o nome da amada para sua flauta; com isso, ela ficou famosa entre as ninfas Nonacrinas, estas habitantes da montanha Nonácris, também situada na Arcádia, e assombrou as Hamadríadas, que são as ninfas das árvores. Mercúrio também narra que Sírinx e Diana, deusa da caça, eram muito semelhantes, diferenciando-se apenas em seus arcos: Sírinx possuía um de marfim e Diana um de ouro. No texto de Ovídio, há duas palavras para designar a deusa Diana: Dianae e Latonia. A primeira tem como tradução direta “Diana”; a segunda, “Latônia”, refere-se à filha de Latona, isto é, Diana. 20 Outra designação que Ovídio usa para se referir a Diana é a expressão Ortygiam deam que, em tradução literal, seria “Ortígia deusa”, como Bocage adota em sua versão para o episódio. Ortígia é, segundo a mitologia, uma ilha flutuante onde Latona deu à luz os seus filhos Diana e Apolo. Assim, é possível se referir a Diana usando como adjetivo o lugar de seu nascimento, tal como Ovídio optou por fazer. Mercúrio então interrompe o que estava contando, pois vê que Argos caiu no sono. Aproveitando o momento, o deus corta a cabeça do pastor. Juno recolhe os olhos de Argos e os coloca na cauda de sua ave, o pavão. Assim, o deus deixou de contar o restante da história de Sírinx, mas o narrador, antes de relatar a morte de Argos, conta para o leitor que Sírinx fugiu de Pã e, desesperada, fez um apelo às ninfas do mar e elas a transformam em “palustres canas”. Pã então a encontra já metamorfoseada e, ao se lamentar sobre os caniços que antes eram Sírinx, uma fina melodia é tocada com o ar que os atravessa. Assim, o deus dos bosques une os caniços com cera e cria a flauta, que nomeia de “Sírinx”, em homenagem à amada. Argos jazendo morto, Io corre, fugindo de toda aquela situação. Quando chega às margens do rio Nilo, faz um apelo a Júpiter, e esse concede que ela volte à sua forma original, devolvendo-lhe o aspecto humano. 4.2. A análise de “Io” Ovídio, primeiramente, retrata Ínaco, o deus-rio, pai de Io, como um pai piedoso, adorador da filha e que lamenta não a encontrar mais, pois está desaparecida. Têm-se, no texto, figuras expressivas que criam uma ambientação para tal cena: - hex. (583-585): Inachus unus abest imoque reconditus antro Fletibus auget aquas natamque miserrimus Io Luget ut amissam; [...] Nos fundos lares Ínaco escondido Alteia com seu pranto as águas suas; Io, a filha gentil, perdida chora: 21 A palavra aquas, localizada no hexâmetro 584, possui, como primeira acepção de sentido, “água”. Porém, por extensão, há o sentido de “rio” para essa figura, permitindo que exista uma associação do sentido com o próprio Ínaco. Aquas, nesse contexto, está no caso acusativo, sendo objeto direto do verbo auget. Esse verbo tem como sentido “aumentar”, “crescer”: ou seja, o sujeito (Inachus), que é um rio, ao chorar, aumenta o volume de água de si mesmo. Já o verbo luget, no hexâmetro 585, significa “lamentar” e está associado ao sentido da palavra fletibus (ablativo plural), que significa “choro”, “lágrimas”, gerando o sentido de que Ínaco lamenta, com lágrimas, a filha perdida e, consequentemente, aumenta seu próprio nível. Os adjetivos unus, reconditus e miserrimus (nos hexâmetros 584 e 585) remetem à ideia de que Ínaco, justamente por estar triste, prefere isolar-se, mantendo-se sozinho (unus), escondido (reconditus) e se sentindo miserável, infeliz (miserrimus). O encadeamento de figuras existente nesse trecho, relacionando os sentidos dos verbos auget e luget com as palavras aquas e fletibus, respectivamente, além dos diversos adjetivos, criam o cenário apropriado para que imaginemos a personagem e façamos uma construção imagética do que ocorre naquele momento, entendendo, de forma coerente, que Ínaco é um pai piedoso e aflito, que procura pela filha. - hex. (585-586): Luget ut amissam; nescit uitane fruatur, An sit apud manes; sed quam non inuenit usquam, Io, a filha gentil, perdida chora: Não sabe se está viva, ou se entre os manes: Mas porque não a encontra em parte alguma, Em seguida, lê-se que Ínaco, por não saber onde Io se encontra, não sabe se ela está viva ou se está morta. Ovídio, no entanto, para expressar essa dúvida, cria uma oposição interessante entre duas figuras principais, localizadas nos hexâmetros 585 e 586, respectivamente: uita e manes. Vita significa “vida”, mas manes era o termo que os antigos romanos utilizavam quando se referiam aos espíritos dos mortos. O autor opta por usar uma figura que remete à ideia de morte de maneira indireta, suavizando a possibilidade de que Io pode estar morta. 22 - hex. (597-600): [...] Fugiebat enim; iam pascua Lernae Consitaque arboribus Lyrcea reliquerat arua, Cum deus inductas lata caligine terras Occuluit tenuitque fugam rapuitque pudorem. Já de Lerna as pastagens, e os frondosos Arvoredos Lirceus Io passara: Eis em névoas o deus sumindo a terra, Lhe prende os passos, e o pudor lhe usurpa. Um pouco mais adiante na narrativa, Júpiter fala com Io, aconselhando-a para que, se deseja adentrar nos profundos bosques, vá acompanhada de um deus. Mas esse deus não deve ser qualquer um, e sim o maior de todos: ele próprio. Como Io fugia do deus desesperadamente, essa ação é representada figurativamente pelo verbo fugiebat (hex. 598), que significa “fugir”, além do sentido de outro verbo, reliquerat (hex. 599), que possui o significado de “deixar para trás”, expressando o movimento apressado de Io. Juntamente com esses dois verbos, Ovídio descreve as paisagens que passam conforme Io foge, fazendo uso de figuras que especificam esses locais, dando uma roupagem para cada um: o genitivo Lernae especifica pascua, que em português significa “pastos”. Lerna é uma região situada perto da costa leste do Peloponeso, ao sul de Argos (ambas as figuras estão localizadas no hex. 598); o particípio consita, complementado por arboribus, em concordância com o substantivo arua, “campos”, forma o sentido de “campos repletos de árvores”. Esses campos são especificados com o adjetivo Lyrcea (hex. 599), ou Lirceia, uma montanha e cidade da Argólida, isto é, na região de Argos. Essa descrição dos lugares por onde Io passa concorre para a construção do efeito de sentido do esforço da jovem para não se deixar enredar pela paixão de Júpiter ao mesmo tempo em que mostra a intensidade do desejo do deus; além disso, a longa tentativa de fuga de Io caracteriza sua pureza virginal e acentua a injustiça de todo o sofrimento que ela terá que suportar depois. - hex. (599-603): Cum deus inductas lata caligine terras Occuluit tenuitque fugam rapuitque pudorem. Interea médios Iuno despexit in agros Et noctis faciem nebulas fecisse uolucres Sub nitido mirata die, [...] Eis em névoas o deus sumindo a terra, 23 Lhe prende os passos, e o pudor lhe usurpa. Juno os olhos entanto aos campos volve. E estranha em claro dia haver tal névoa, Névoa tão densa como os véus noturnos, Logo depois que Io passa por tais lugares, Júpiter lança uma neblina muito escura sobre a região e rapta Io; tal momento fica expresso principalmente com o verbo rapuit, que significa “tomar à força”, “seduzir”, “raptar”, e com o substantivo pudorem, que seria a “vergonha”, o “pudor” (hex. 601). Com a neblina em toda a região, Juno estranha tal fenômeno acontecer em um dia claro e, principalmente, não surgir por causa do encontro de rios ou vir de algum outro lugar. Desconfiada, a deusa olha de sua morada celestial em direção às terras e essa ação fica expressa pelo verbo despexit (hex. 602). Esse verbo possui uma construção notável, pois, para o sentido de “olhar” apenas, tem-se o verbo specio, mas quando o prefixo “de-” é integrado à palavra, o sentido do verbo torna-se “olhar de cima”. Dessa forma, apenas em um verbo, há dois sentidos: 1) se Juno olha para baixo, ela só pode estar em um local acima daquele que é visto e 2) quando a deusa olha para baixo, focando alguma coisa, é com a intenção de encontrar algo específico. Compreende-se que Juno, do alto do céu, observa com superioridade o que se passa na Terra. - hex. (611-612): Inachidos uultus mutaverat ille iuuencam. Bos quoque formosa est; speciam Saturnia uaccae, De Ínaco a prole transformado havia, Que depois de novilha inda é formosa. No momento em que Juno desce à Terra para investigar onde estaria seu esposo, Júpiter percebe a vinda da deusa e, antes que essa notasse, transforma Io em uma novilha branca. O narrador utiliza as palavras iuuencam (hex. 611) e uaccae (hex. 612), ambas com o sentido de “novilha”, “vaca”, para expressar a mudança de Io, que já não tem mais a forma humana. O uso desses termos se dá enquanto Juno questiona a origem da vaquinha. 24 - hex. (622-631): Paelice donata, non protinus exuit omnem Diua metum timuitque Iouem et fuit anxia furti, Donec Arestoridae seruandam tradidit Argo. Centum luminibus cinctum caput Argus habebat; Inde suis uicibus capiebant bina quietem, Cetera seruabant atque in statione manebant. Constiterat quocumque modo, spectabat ad Io; Ante oculos Io, quamuis auersus, habebat. Luce sinit pasci; cum sol tellure sub alta est, Claudit et indigno circumdat uincula collo. Já na posse da adúltera, não despe A deusa todavia o seu receio; Teme a Jove, e do agravo está mordida. Argos, o filho de Arestor lhe ocorre, E quer que lha vigie, e dele a fia. De Argos cinge a cabeça um cento de olhos, Olhos, que dois a dois o sono alternam: Desvelados os mais na presa cuidam. Em quaisquer posições atento a guarda, Volta-lhe as costas, e tem Io à vista. Permite-lhe pascer enquanto é dia; Em transmontando o Sol vai ferrolhá-la, E um laço injusto lhe torneia o colo. Após Juno pedir a Júpiter que lhe desse a novilha de presente, o deus, em dúvida pelo pedido repentino da esposa, decide presenteá-la para que não houvesse problemas. Juno, no entanto, ainda desconfiada de toda a situação, decide colocar Argos, um pastor de cem olhos na cabeça, para vigiar Io pelos pastos. No hexâmetro 624, notam-se duas figuras expressivas: Arestoridae e Argo. Essa se refere ao pastor mítico em si; já aquela significa “filho de Arestor”. Sabe-se que Argo era filho de Arestor; Ovídio, no referido verso, faz essa correlação utilizando as duas figuras para apresentar a personagem dentro da narrativa. Quando o sol se vai e a noite chega, Argos prende Io para que não fuja (hex. 630 e 631). Os dois verbos, circumdat e claudit, que significam “colocar em torno” e “prender”, respectivamente, transmitem a imagem de que Argos coloca uma espécie de laço (uincula) em torno do pescoço (collo) da novilha. O adjetivo indigno qualifica o collo de Io, no sentido de que ela está injustamente rebaixada à condição de um animal, e o laço, uincula, representa figurativamente essa injustiça a que Io foi submetida, tendo sua liberdade tolhida. 25 - hex. (632-634): Frondibus arboreis et amara pascitur herba Proque toro terrae, non semper gramen habenti, Incubat infelix limosaque flumina potat. Folhas agrestes, amargosa relva Morde, rumina a triste; em vez de leito Dão-lhe nem sempre de erva o chão forrado, Matam-lhe as sedes em corrente impura. Adiante, narra-se que a rotina de Io mudou a partir do momento em que foi transformada em novilha: rumina folhas e se deita no próprio chão, que nem sempre é forrado por folhas; Io mata sua sede em rios, mas Ovídio conta que ela o faz em “corrente impura”, como traduz Bocage (dec. 70). Tal figura é flumina, de gênero neutro, que significa “rio, corrente de água” e no adjetivo limosa, também de gênero neutro, concordando com flumina, que significa “lama, sedimento”, ambas as figuras localizadas no hexâmetro 634. Io bebe a água de um rio que carrega muitos sedimentos, muita lama, portanto de águas escuras. Mais adiante, porém, Io aproxima-se de outro rio, um rio límpido, onde vê sua própria imagem refletida na superfície da água, fazendo com que se assustasse e fugisse temerosa. Esse rio é seu próprio pai, Ínaco, que de início não sabe que aquela novilha é sua filha. É interessante notar tal contraposição: enquanto tenta matar a sede em correntes impuras, Io não tem a noção exata de sua nova forma; quando se espelha em Ínaco, o pai lhe revela sua nova identidade. O autor não deixa explícito esse encadeamento de figuras no texto: quando fala que Io matava a sede em rios impuros, Ovídio utiliza literalmente o adjetivo limosa para expressar figurativamente tal imagem. Depois, narra apenas que Io se vê na superfície de outro rio, Ínaco, correndo assustada logo em seguida. Dessa forma, cabe ao leitor inferir o restante das informações que se depreende dessa ação de Io: se ela consegue ver o próprio reflexo na superfície das águas de Ínaco, é porque as águas desse rio, por contraposição de ideias, não são limosa; mais ainda: se ela consegue definir o próprio reflexo e enxergar suas “pontas”, seus chifres, infere-se que o rio – pelo menos naquele trecho do curso – é também de águas calmas, permitindo que a jovem enxergue sua nova identidade. É significativo, por fim, ser o próprio pai que lhe revela sua nova forma, não sendo qualquer outro rio que lhe diz a verdade. Quando Ínaco reconhece a filha e tenta acolhê-la de volta, o pastor Argos o impede, levando a 26 novilha para pastar em outras imediações. Vendo tal situação, Júpiter decide acabar com os males de Io: recorre a seu filho, Mercúrio, e ordena que este desça à Terra e mate Argos. - hex. (668-670): Nec superum rector mala tanta Phoronidos ultra Ferre potest natumque uocat, quem lucida partu Pleias enixa est, letoque det imperat Argum. Não pode o rei dos Céus sofrer mais tempo: Chamando o filho, que de Maia houvera, Lhe ordena, lhe comete a morte de Argos. No texto, Ovídio utiliza superum rector no hexâmetro 668 para fazer referência a Júpiter; são dois termos que compõem a ideia de um deus principal (superum) que comanda a todos (rector), formando, assim, uma figura importante para o trecho. É o que acontece com Io também: a personagem não é referida literalmente nesse momento da narrativa, sendo que o termo Phoronidos, que significa “Forônide”, a irmã de Foroneu, que também era filho de Ínaco, figurativiza Io. O mesmo ocorre com Mercúrio: no hexâmetro 669, o autor conta que Júpiter chama seu natum, ou seja, seu filho, que uma Pleias (hexâmetro 670) deu à luz. Sabe- se que Júpiter relacionou-se amorosamente com uma única Plêiade, Maia, e que desse encontro nasceu o deus mensageiro Mercúrio. Nota-se, dessa forma, que o narrador não nomeou diretamente nenhum dos três personagens no trecho, usando epítetos: Júpiter é o superum rector, Io é Phoronidos e Mercúrio é o natum da Pleias com o grande deus. Tal escolha é significativa, uma vez que Argum (hex. 670), justamente a quem Mercúrio deve matar, é nomeado diretamente pelo narrador, conferindo-lhe destaque na passagem. Desse modo, Mercúrio chega à Terra, fingindo ser um pastor e atraindo a atenção de Argos. Este o convida para se sentar junto a uma sombra e fica curioso com o instrumento musical que Mercúrio traz, pois era uma invenção da qual nunca havia visto, e pergunta sua origem. - hex. (700-704): 27 [...] Restabat uerba referre Et precibus spretis fugisse per auia nympham, Donec harenosi placidum Ladonis ad amnem Venerit; hic illam cursum impedientibus undis, Vt se mutarent, liquidas orasse sorores; [...] Narrar faltava O que lhe disse o deus; que acesas preces A ninfa repulsara, e que fugira, Perseguida por ele até as margens Do sereno Ládon; que ali parando, Pelo estorvo das ondas, deprecara Às cerúleas irmãs que a transformasse; O deus mensageiro então inicia um monólogo em que conta como a flauta surgiu. Em um dado momento, percebendo que Argos havia adormecido com a história, Mercúrio interrompe a narração que fazia e mata o pastor de cem olhos. Antes desse momento, porém, há uma solução interessante que Ovídio emprega em seu texto: como Mercúrio havia interrompido a história sobre a invenção da flauta, o narrador segue com o relato do ponto em que o deus parou. Isso fica evidente no hexâmetro 700, em que o narrador diz: restabat verba referre. Assim, restabat é a forma do pretérito imperfeito do verbo resto. É esse verbo que indica a interrupção da narração de Mercúrio. O narrador então conclui a história sobre a metamorfose da ninfa Sírinx em canas, que posteriormente foi transformada em uma flauta pelo deus Pã. Nesse trecho, especificamente no momento em que Sírinx pede às suas irmãs ninfas que a transforme, Ovídio usa a expressão liquidas sorores (hex. 704) para referir as irmãs ninfas de Sírinx. Como estas são ninfas das águas, a figura sorores, que significa “irmãs”, está indicando concretamente para quem Sírinx faz o seu pedido. Há, também, a palavra liquidas, um adjetivo que classifica figurativamente sorores, associando as irmãs de Sírinx às águas. Tais figuras fazem parte de um encadeamento de sentido que está ligado com outras: o autor diz que a ninfa só realiza o pedido quando chega ao calmo rio Ladão, o placidum Ladonis (hex. 703); ou seja: as ninfas irmãs de Sírinx que realizam seu pedido, por estarem em um rio, só podem ser ninfas das águas, ou liquidas sorores. - hex. (738-743): 28 Vt lenita dea est, uultus capit illa priores Fitque quod ante fuit; fugiunt e corpore saetae, Cornua decrescunt, fit luminis artior orbis, Contrahitur rictus, redeunt umerique manusque Vngulaque in quinos dilapsa absumitur ungues; De boue nil superest, formae nisi candor, in illa; Apenas se embrandece ao rogo a deusa, Torna à mimosa ninfa o gesto antigo, Torna a ser de repente o que era dantes. Fogem do corpo as sedas, vão-se as pontas, O orbe, a forma ocular se lhe restringem, Abrevia-se a boca, os braços volvem, Volvem-lhe as mãos também, também as unhas; Já somente em dois pés será sustida, Da novilha não tem senão a alvura. Após finalizar a história sobre a metamorfose da ninfa Sírinx, iniciada por Mercúrio na tentativa de adormecer Argos e narrar a morte do pastor, Ovídio conta que Io, ao se libertar da vigia de Argos, torna a fugir até se aproximar das margens do rio Nilo, onde suplica a Júpiter que lhe devolva a forma humana. Vendo o quanto a novilha sofria por estar nessa condição, Júpiter decide devolver sua verdadeira forma, assegurando à sua esposa, Juno, que a jovem não a preocuparia mais. O trecho em que se narra a metamorfose de Io está localizado entre os hexâmetros 738 e 743. É interessante notar que Ovídio usa substantivos e verbos de ação, em sequência, gerando uma cadeia de figuratividade muito grande. Como exemplo, pode-se citar fugiunt e corpore saetae, em que saetae significa “as sedas” de um animal – no caso, da novilha –, e corpore significa “do corpo” e fugiunt é o verbo que significa “fugir”. A ideia, então, é de que as sedas fogem, se vão do corpo da novilha que está se transformando. Há também, na passagem, cornua decrescunt, em que cornua quer dizer “chifres” e decrescunt é, literalmente, “decrescer”, ou seja, “diminuir”; em contrahitur rictus, contrahitur é o verbo que traz como sentido o de “contrair”, “diminuir” e, se buscarmos o significado de rictus em um dicionário como o de Ernesto Faria, o dicionarista fornece como acepção exclusiva para esse hexâmetro de Ovídio “goela aberta”, tratando-se do sentido para animais. Dessa forma, o autor latino dispõe figuras que fazem referência a algo concreto, como “sedas”, “chifres”, “goela” e verbos de ação como “fugir”, “diminuir” e “contrair”, respectivamente. Essa sequência permite que o leitor visualize a cena em que a novilha, em cada detalhe, vai se transformando novamente em ser humano, voltando a ser Io. 29 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com as primeiras leituras, foi possível conhecer o instrumental teórico básico que serviu de referência para as análises literárias do corpus selecionado. Figuras “[...] são palavras ou expressões que correspondem a algo existente no mundo natural” (PLATÃO & FIORIN, 2007, p. 72) e os temas “[...] são palavras ou expressões que não correspondem a algo existente no mundo natural, mas a elementos que organizam, categorizam, ordenam a realidade percebida pelos sentidos” (Idem, Ibidem). Assim, procurou-se apreender o conceito de figuratividade a fim de aplicá-lo na análise do episódio de Io, compreendendo, com Fiorin (2005, p. 90), que a figurativização é um processo de extrema importância para a construção dos significados criados pelo discurso, uma vez que “[...] tematização e figurativização são dois níveis de concretização do sentido”. Realizando o trabalho de pesquisa das notas de cultura, foi possível buscar um conhecimento maior de dados referentes ao Mundo Antigo e, da mesma forma, construir um estudo inicial do texto de Ovídio e de várias referências que o cercam. A análise do corpus permitiu a identificação das principais figuras do texto e como elas se relacionam, criando um encadeamento coerente, cujo significado contextual se procurou observar nas interpretações apresentadas. Essa recorrência, reiteração e repetição de figuras dá coerência ao texto, tornando-o uma unidade; tal fenômeno é tratado pela semiótica como “isotopia” (FIORIN, 2005, p. 112). Com essa análise, pôde-se perceber que o texto de Ovídio aqui estudado alcança um alto grau de significado a partir da estruturação dos elementos figurativos que compõem a narrativa. Paralelamente, pôde-se também observar que a tradução portuguesa realizada pelo poeta Bocage para a nossa língua materna mantém com maestria os recursos da figuratividade encontrados no poema original. É importante ainda ressaltar que a figurativização, isto é, o processo que instaura a figuratividade no discurso, ocorre em dois níveis, como comenta Márcio Thamos: Os procedimentos de figurativização se estabelecem em dois níveis. O primeiro é o da figuração, em que um tema (discurso abstrato) é convertido em figuras (discurso figurativo). Nota-se aí uma correspondência clara com a noção de imitação poética desenvolvida por Aristóteles. O segundo nível é o da iconização, em que as figuras já instaladas no discurso recebem um 30 revestimento particularizante tão minucioso que teria o poder de transformá- las em imagens do mundo, provocando uma ilusão referencial. Nem todo texto figurativo atinge necessariamente esse segundo nível (2003, p. 103- 104). Como resultado da investigação aqui intentada, produziu-se um discurso metalinguístico procurando analisar os recursos básicos da figuratividade do corpus selecionado, concentrando-se principalmente na primeira etapa dos procedimentos da figurativização, isto é, a figuração do discurso, quando um tema é revestido por figuras semióticas. 31 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Referências ALBRECHT, Michael von. Historia de la literatura romana. Volumen I. Versión castellana por los doctores Dulce Estefanía y Andrés Pociña Pérez. Barcelona: Empresa Editorial Herder, 1997. BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo Casa. Bauru-SP: Edusc, 2003. CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura Latina. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CIDADE, Hernâni. Bocage: a obra e o homem. Lisboa: Arcádia, 1978. DEZOTTI, Celeste Consolin (org.). A tradição da fábula: de Esopo a La Fontaine. Brasília: UnB / São Paulo: IOE, 2003. FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 13ª ed. 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Itinerários: revista de literatura (Semiótica), Araraquara, n. 20 (especial), p. 101-118, 2003. 32 THAMOS, Márcio. As armas e o varão: leitura e tradução do canto I da Eneida. São Paulo: EDUSP, 2011. 2. Bibliografia consultada BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. Trad. M. da G. Novack e L. Neri. São Paulo: Nacional-Edusp, 1976. COMMELIN, P. Mitologia grega e romana. 3a ed. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008. FARIA, Ernesto. Dicionário latino-português. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Garnier, 2003. GLARE, P. G. W. (ed.). Oxford latin dictionary. Oxford: Claredon Press, 1985. HARVEY, Paul. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Trad. Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo dicionário latino-português. 12ª ed. (fac-similar). Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Garnier, 2006.