Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes Camila da Costa Lima O OBJETO CERÂMICO COMO ELEMENTO DA CULTURA: UM ESTUDO A PARTIR DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH São Paulo 2016 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes Camila da Costa Lima O OBJETO CERÂMICO COMO ELEMENTO DA CULTURA: UM ESTUDO A PARTIR DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Artes, Área de Concentração em Artes, Linha de Pesquisa Processos e Procedimentos Artísticos, no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP, como exigência parcial para obtenção do Título de Doutor em Artes, sob a orientação da Profa. Dra. Geralda Mendes Ferreira Silva Dalglish (Lalada). Apoio: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo nº 2013/02589-1) São Paulo 2016 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP L732o Lima, Camila da Costa, 1979- O objeto cerâmico como elemento da cultura: um estudo a partir da Coleção Lalada Dalglish / Camila da Costa Lima. - São Paulo, 2016. 602 p. : il. color. Orientador: Profª. Drª. Geralda Mendes F. Silva Dalglish. Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Cerâmica. 2. Colecionadores e coleções. 3. Documentação. 4. Cultura. I. Dalglish, Geralda Mendes Ferreira da Silva. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 738 CAMILA DA COSTA LIMA O OBJETO CERÂMICO COMO ELEMENTO DA CULTURA: UM ESTUDO A PARTIR DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Artes no Curso de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unesp, Área de Concentração - Artes, Linha de Pesquisa - Processos e Procedimentos Artísticos, pela seguinte banca examinadora: Profa. Dra. Geralda Mendes F. S. Dalglish Universidade Estadual Paulista – UNESP – Orientador Prof. Dr. Alberto Tsuyoshi Ikeda Universidade Estadual Paulista – UNESP / Professor-Colaborador PPGM-ECA-USP Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento Universidade Estadual Paulista – UNESP Profa. Dra. Lux Boelitz Vidal Universidade de São Paulo – USP Profa. Dra. Zandra Coelho de Miranda Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ São Paulo, 10 de março de 2016 A concretização desta pesquisa contou com a participação de pessoas especiais, que diretamente ou não, tiveram importância, em algum momento, sobre algum aspecto do que é apresentado. Dedico especialmente: Aos meus pais, Elza e Sérgio, que sempre apoiaram minhas escolhas e acreditaram em mim, responsáveis por minha formação e caráter; À minha irmã, Carolina, pela presença e incentivo; Ao Claudio, companhia constante, com quem compartilho a vida, por ter embarcado comigo neste trabalho, ouvindo as constantes dúvidas e descobertas, que soube lidar com minhas ausências retribuindo com amor. AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Lalada Dalglish por confiar os cuidados de sua coleção, pelo apoio e ensinamentos, por compartilhar seus conhecimentos, despertando em mim cada vez mais interesse pela cerâmica; À UNESP, instituição que me acolhe desde a graduação, em especial, aos professores e funcionários do Instituto de Artes, pela atenção e participação em minha formação como artista, pesquisadora e docente; À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, cujo apoio foi fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa; Aos Professores Lux Vidal e Alberto Ikeda pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação, por auxiliarem a refinar meu olhar; A Fátima Faria Gomes, coordenadora do núcleo de salvaguarda do Museu Afro Brasil, pelos primeiros direcionamentos na área de documentação museólogica; Aos queridos amigos de estudo e pesquisa, pela companhia e momentos compartilhados; A cada um dos ceramistas que com dedicação e técnica constroem um mundo mais rico. RESUMO Esta tese promove um estudo sobre o objeto cerâmico, destacando aspectos que o relacionam com uma determinada cultura. A partir da análise de uma Coleção particular, Coleção Lalada Dalglish, propõe-se investigar processos, técnicas e conceitos a fim de definir um diálogo entre a cerâmica e sua localidade de origem. Nesse contexto são abordados temas que envolvem desde o colecionismo, passando pelo processo de documentação da Coleção, até os fatores que influenciam o fazer da cerâmica e definem sua identidade, concluindo com uma série de estudos de caso que envolvem os objetos, ceramistas e locais selecionados dentro do universo estudado. Palavras-chave: Cerâmica. Colecionismo. Documentação. Cultura. Técnicas Cerâmicas. RESUMEN Este trabajo se promueve un estudio sobre el objeto de cerámica, destacando aspectos que los relacionan con una determinada cultura. A partir del análisis de una colección particular, la Colección Lalada Dalglish, se tiene como objetivo investigar los procesos, técnicas y conceptos con el fin de establecer un diálogo entre la cerámica y su localidad de origen. En este contexto se abordan cuestiones relacionadas con colecionismo, proceso de documentación, a los factores que influyen en lo hacer de la cerámica y definen su identidad, concluyendo con una serie de estudios de casos que vinculan los objetos, alfareros y lugares seleccionados dentro del universo estudiado. Palabras clave: Cerámica. Coleccionismo. Documentación. Cultura. Técnica Cerámica. ABSTRACT This thesis promotes a study on the ceramic object, regarding aspects that relates it to a particular culture. Starting from the analysis of a particular Collection, the Collection Lalada Dalglish, this aims to investigate processes, techniques and concepts in order to establish a dialogue between each object and its place of origin. It includes themes involving from practice of collecting, the documentation process, to the factors that influence the making of ceramics and define its identity, concluding with a series of case studies that involve objects, potters and selected locations within the universe studied. Keywords: Ceramics. Collecting. Documentation. Culture. Ceramics techniques. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Cerâmicas distribuídas em estantes e prateleiras na casa de Lalada Dalglish. Figura 2: Cerâmicas ainda embrulhadas, guardadas dentro do forno do fogão a gás na cozinha da colecionadora. Figura 3: Caixas com cerâmicas da Coleção Lalada Dalglish localizadas em depósito no prédio da Unesp, no bairro Ipiranga, São Paulo, 2013. Figura 4: Sala do antigo Laboratório de Eletroacústica, ainda vazio. Figura 5: Sala do antigo Laboratório de Eletroacústica já com as caixas de cerâmica. Figura 6: Caixas com cerâmicas de Portugal, trazidas de Lisboa para o Porto de Santos e, posteriormente, São Paulo. Figura 7: Caixas com cerâmicas paraguaias, trazidas de Assunção para São Paulo. Figura 8: Novas salas para abrigar a Coleção Lalada Dalglish, com estantes de metal e mesas de apoio – prédio da Unesp no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Figura 9: Novas salas para abrigar a Coleção Lalada Dalglish, com estantes de metal e mesas de apoio – prédio da Unesp no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Figura 10: Caixa com cerâmicas do Paraguai, na tampa, descrição do seu conteúdo, quantidade e autoria. Figura 11: Cerâmica paraguaia envolta no papel da embalagem. Figura 12: Peça paraguaia danificada sendo desembrulhada. Figura 13: Mesa de trabalho com “cama” de plástico bolha e tecido de algodão para limpeza das peças. Figura 14: Peças de Portugal, dentro da caixa de papelão de transporte, embrulhadas em papel. Figura 15: Peças de Portugal, dentro da caixa de papelão de transporte com identificação escrita no papel da embalagem. Figura 16: Obras de Ricardo Casimiro, Portugal, identificadas por foto na embalagem. Figura 17: Obras de Ricardo Casimiro, Portugal, identificadas por foto na embalagem. Figura 18: Caixa de papelão com reforço de ripas de madeira, na qual se transportaram cerâmicas produzidas por Mestre Cardoso e sua família (Belém, Pará). Figura 19: Cerâmica de Inês Cardoso (Belém, Pará, 1998), envolta em jornal, sendo desembalada. Figura 20: Cerâmica de Inês Cardoso (Pará, Belém, 1998), com etiquetas de código e valor coladas no fundo da peça. Figuras 21 a 24: Sequência de desembalagem de obra de Zezinha, Coqueiro Campo, Minas Gerais. Figuras 25: Caixa de papelão reforçada com garrafas Pet para proteger as cerâmicas. Figuras 26: Embalagem de peças com folhas de jornal dentro de caixa de papelão. Figura 27: Cerâmica do Vale do Jequitinhonha envolta em jornal e papel picado, sendo desembalada. Figura 28: Caixas com cerâmicas abrigadas no almoxarifado da Galeria de Artes do Instituto de Artes, na Barra Funda. Figura 29: Cerâmicas sendo transportadas por veículo da Unesp, do depósito no Instituto de Artes, Barra Funda, para o espaço cedido no Ipiranga, em 2013. Figura 30: Ambientes da residência da colecionadora com cerâmicas nas paredes e estantes. Figura 31: Armário de cozinha com cerâmicas, algumas ainda embaladas. Figura 32: Ambientes da residência da colecionadora com cerâmicas nas estantes. Figura 33: Identificação de autoria e origem da obra, escritos a lápis na base da peça pela ceramista: “Maria Gomes dos Santos, Campo Alegre, V. J”. Figura 34: Cerâmica recém desembalada, com cartão da comunidade produtora – Associação dos Artesãos de Campo Alegre, Minas Gerais. Figura 35: Identificação por etiqueta anexa por fio ao corpo da peça. Autor desconhecido, Sarapuí, São Paulo. Figura 36: Identificação de autoria e título por incisão na argila ainda úmida, Joel Galdino, Caruaru, Pernambuco. Figura 37: Identificação por impressão a tinta na base da peça, da marca da Fábrica Bordallo Pinheiro, Portugal. Figura 38: Luiza Nunes Xavier, Noiva, 93 x 32 x 32 cm, Campo Alegre, Minas Gerais, 2007. Figura 39: Luzinete, panela com tampa, 7 x 18,8 x 18,8 cm, Belo Jardim, Pernambuco, 2013. Figura 40: Juana Margarita Corvalán, Procesión de San Blas (conjunto composto por 28 figuras), Itá, Paraguai, déc. 2000. Figura 41: Juana Margarita Corvalán, Procesión de San Blas (detalhe da procissão), Itá, Paraguai, déc. 2000. Figura 42: Manuel Barbeiro, Andor de São Pedro (conjunto composto por 13 peças em cerâmica com detalhes em metal), Barcelos, Portugal, 2010. Figura 43: Manuel Barbeiro, Andor de São Pedro (detalhe), Barcelos, Portugal, 2010. Figura 44: Etiqueta de marcação em papel branco neutro. Medidas: Figura 45: Cerâmica com etiqueta de marcação em papel kraft. Figura 46: Cerâmica com etiqueta de marcação em papel branco neutro. Figura 47: Testes de marcação semipermanente realizados em cacos de cerâmica. Figura 48: Peça com marcação semipermanente. Figura 49: Peça composta por moringa e tampa, ambas com marcação semipermanente. Figura 50: Instrumentos usados para limpeza das cerâmicas. Figura 51: Peça sendo limpa com auxílio de pincel. Figura 52: Detalhe de jarro português com marcas de cola por aplicação de fita adesiva diretamente no corpo da peça. Figura 53: Cerâmica de Taubaté com pintura danificada na base devido à etiqueta colada diretamente sobre a peça. Figura 54: Instrumentos de medição: régua, paquímetro e trena de metal. Figura 55: Cerâmicas de Belém, Pará, em prateleiras, com etiquetas de marcação provisória. Figura 56: Vista de uma das salas com as cerâmicas dispostas em prateleiras e no chão. Figuras 57 a 61: Sequência das etapas de restauro da obra de Zezinha, 72 x 37 x 25 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 1997. Figura 62: Povo Suruí, pote, Rondônia, 2009. Peça quebrada em diversas partes. Figura 63: Povo Suruí, pote, 13 x 17,2 x 17,2 cm, Rondônia, 2009. Peça após restauro com uso de cola branca. Figura 64: Luis Ribeiro, Bilha do Segredo, Bisalhães, Portugal, 2010. Peça quebrada em diversas partes. Figura 65: Luis Ribeiro, Bilha do Segredo, 23 x 11,5 x 10,5 cm, Bisalhães, Portugal, 2010. Peça após restauro com cola branca Figura 66: Detalhe de cerâmica de Campo Alegre, Minas Gerais. Restauro realizado com cola quente e fragmentos dispostos em posição incorreta no fundo da peça. Figura 67: Detalhe de cerâmica de Caraí, Minas Gerais, restaurada com uso de cola quente na união das pernas com os pés. Figura 68: Luiz Carlos Rodrigues, Cão, Caruaru, Pernambuco, 2010. Peça quebrada em diversas partes. Figura 69: Luiz Carlos Rodrigues, Cão, 39 x 17 x 14,5 cm, Caruaru, Pernambuco, 2010. Peça após restauro. Figura 70: Estúdio montado para registro fotográfico das cerâmicas com fundo infinito e iluminadores. Figura 71: Números impressos utilizados para identificação das cerâmicas no registro fotográfico. Figura 72: Números impressos utilizados para identificação das cerâmicas no registro fotográfico. Figura 73: Cerâmica fotografada com seu número de registro à direita. Figura 74: (LD 0353 e LD 0354) – Luis Toledo, peças com pintura a frio, 28 x 19 x 13 cm (aprox. cada), Cunha, São Paulo, 2011. Figura 75: (LD 0867) – Marcelo Tokai, escultura com esmaltes queimada em alta temperatura, 11 x 62 x 16 cm, Cunha, São Paulo, 2011. Figura 76: (LD 0011) – Narciso Torres, touro com pintura a frio, 33 x 15 x 40 cm, Areguá, Paraguai, déc. 2000. Figura 77: Processo de carbonização realizado por Ediltrudes Noguera. Figura 78: Processo de carbonização realizado por Julia Isidrez. Figura 79: (LD 0028) – Virgínia Yegros, peça escurecida pelo processo de carbonização, 40 x 19 x 26 cm, Tobatí, Paraguai, déc. 2000. Figura 80: (LD 0019) – Julia Isidrez, peça com manchas escurecidas ocasionadas pelo processo de carbonização, 28 x 22 x 26 cm, Itá, Paraguai, déc. 2000. Figura 81: (LD 0045) – João Lourenço, jarro com alça, 24 x 13 x 13 cm, Barcelos, Portugal, 2009. Figura 82: (LD 0969) – Povo Suruí, pote, 25,5 x 29 x 29 cm, Rondônia, 2009. Figura 83: (LD 0636) – Povo Marubo, jarro, 30 x 31 x 31 cm, Vale do Javari, Amazonas, 2005. Figura 84: (LD 0081) – Autor desconhecido, Galo, 11 x 4,5 x 8 cm, Barcelos, Portugal, s/r. Figura 85: (LD 0488) – Edilberto Mérida Rodrigues, figura masculina em cadeira, 30 x 15 x 16,5 cm, Cusco, Peru, déc. 2000. Figura 86: (LD 0873) – Eduardo, Pavão, 19 x 15 x 7,6 cm, Taubaté, São Paulo, 2009. Peça pintada a frio, sem queima. Figura 87: (LD 0803) – Antonio Rodrigues da Silva, figura antropomorfa com fantasia, 31,4 x 11,7 x 10,5 cm, Caruaru, Pernambuco, 2013. Figura 88: (LD 0764 a LD 0768) – Irinéia Rosa Nunes da Silva, cabeças antropomorfas em argila natural, União dos Palmares, Alagoas, 2002. Figura 89: (LD 0781) – Comunidade Quilombola, Ave, 8,5 x 10,4 x 13,3 cm, Itamatatiua, Maranhão, 2004. Figura 90: (LD 0807 e 0977) – Joel Galdino, Maria Bonita Moringa, 32,5 x 16 x 12,7 cm, Lampião Moringa, 34 x 15,2 x 13,5 cm, Caruaru, Pernambuco, 2011 Figura 91: (LD 0448) – Trindade Teixeira de Oliveira, Paca, 17 x 12 x 42 cm, Barra do Chapéu, São Paulo, déc. 2000. Destaque para as texturas por incisão. Figura 92: (LD 0169) – Levy Cardoso, escultura com texturas, 106,5 x 52 x 44 cm, Pará, Belém, déc. 1990. Figura 93: (LD 0569) – Rosa Pontes, figura feminina com a mão no rosto, 26,9 x 22 x 14,2 cm, Bom Sucesso de Itararé, São Paulo, 2013. Figura 94: (LD 0918) – Margarida Pereira Chaves, escultura com dois pés e sequência de cabeças sobrepostas, 33 x 43 x 8 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 2000. Figura 95: (LD 0719) – Povo Waurá, vasilha zoomorfa, 15,4 x 13,5 x 32,5 cm, Mato Grosso, 2011. Figuras 96 a 99: (LD 0735 e LD 0736) – Povo Karajá, figuras antropomorfas, Ilha do Bananal, Tocantins, déc. 1990. Figura 100: (LD 0590) – Mercedes Noguera (atribuído), figura feminina com crianças, 38,2 x 16,5 x 16 cm, Tobatí, Paraguai, déc. 2000. Figura 101: (LD 0477) – Noémia Cruz, figura feminina, 30,5 x 13,4 x 11 cm, Beja, Portugal, 2011. Figura 102: (LD 0879) – Willians, Santa Ana, 36 x 19,5 x 18,5 cm, Barra, Bahia, 2009. Destaque para o uso de engobes branco e vermelho. Figura 103: (LD 0638) – Inês Cardoso, jarro antropomorfo, 14,5 x 17,7 x 17,7 cm, Belém, Pará, 1998. Figura 104: (LD 0337) – Zezinha, Noiva, 62 x 24 x 21 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 105: (LD 0337) – Zezinha, detalhe de vestido com aplicação de engobe em relevo, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 106: (LD 1018) – Irene, Noiva, 79 x 27,5 x 31 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 107: (LD 1018) – Irene, Noiva (detalhe), Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 108: (LD 0397) – Povo Berbere, jarro duplo decorado por motivos florais, 17 x 19,5 x 8,5 cm, Rife, Marrocos, déc. 2000. Figura 109: (LD 0047) – António Louro, jarro com decoração empedrada com quartzo branco, 25 x 14 x 14 cm, Nisa, Portugal, 2010. Figura 110: (LD 0097) – Autor desconhecido, tagine, 8,5 x 16 x 8 cm, Marrocos, déc. 2000. Figura 111: (LD 0049) – Cerâmica Bordallo Pinheiro, jarro decorado esmaltado, 33,5 x 15 x 16,5 cm, Caldas da Rainha, Portugal, déc. 2000. Figura 112: (LD 0049) – Cerâmica Bordallo Pinheiro, detalhe de jarro decorado esmaltado, 33,5 x 15 x 16,5 cm, Caldas da Rainha, Portugal, déc. 2000. Figura 113: (LD 0068) – Julia Ramalho, figura zoomorfa de seis pernas, 17 x 13,5 x 9,5 cm, Barcelos, Portugal, déc. 2000. Figura 114: (LD 0992) – Alberto Cidraes, pote com interior esmaltado, 18,4 x 28 x 29,3 cm, Cunha, São Paulo, déc. 1980. Figura 115: (LD 0856) – Meredith Dalglish, jarro com alça e cordão de sisal, 26,5 x 17,5 x 13 cm, Oregon, E.U.A., déc. 1970. Figura 116: Argila coletada por Zezinha antes de ser preparada para uso. Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 117: Socador usado por Zezinha para triturar a argila. Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 118: Materiais usados por Zezinha para produção de suas cerâmicas, potes com engobes. Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 119: Materiais usados por Zezinha para produção de suas cerâmicas, vasilhas com engobe e instrumentos para pintura. Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 120: Zezinha utilizando uma pena de galinha para a pintura com engobe. Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 121: Forno a lenha para queima de cerâmicas de Noemisa Batista dos Santos, Caraí, Minas Gerais, 2010. Figura 122: Forno de Zezinha durante queima. Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2010. Figura 123: Mestre Vitalino trabalhando junto a seus dois filhos (1948), Caruaru, Pernambuco. (Foto: arquivo de Lina Bo Bardi / Fonte: BARDI, 1994). Figura 124: (LD 0804) – Severino Luis, Cavalo Marinho, 31 x 12,5 x 21,5 cm, Caruaru, Pernambuco, s/ data. Figura 125: (LD 0805) – Cristiano Vitalino, busto de Mestre Vitalino, 34,5 x 12,3 x 12,2 cm, Caruaru, Pernambuco, déc. 2000. Figura 126: (LD 0808) – Manuel Eudócio, figura feminina com coroa, 54,5 x 21,4 x 23 cm, Caruaru, Pernambuco, déc. 1970. Figura 127: (LD 0560) – Autor desconhecido, Banda de Pífano, 9 x 19,5 x 4 cm, Caruaru, Pernambuco, s/data. Figura 128: (LD 0798) – Cicero José, Casal de noivos, 26,4 x 17,5 x 10,2 cm, Caruaru, Pernambuco, 2012. Figura 129: (LD 0801) – Cicero José, Casal de noivos em motocicleta, 16,6 x 18 x 7,0 cm, Caruaru, Pernambuco, 2012. Figura 130: Figuras femininas realizadas por Dona Isabel e filhos em sua oficina, Santana de Araçuaí, Minas Gerais, 2010. Figura 131: (LD 0617) – Juana Marta Rodas, prato com duas cabeças zoomorfas, 8 x 27 x 21 cm, Itá, Paraguai, 2004. Figura 132: (LD 0018) – Julia Isidrez, pote com rabo e cabeças zoomorfas, 34 x 28 x 26 cm, Itá, Paraguai, déc. 2000. Figura 133: (LD 0037) – Ediltrudes Noguera, Hombre, 123 x 50 x 28 cm, Tobatí, Paraguai, déc. 2000. Figura 134: (LD 0029) – Mercedes Noguera, jarro com face antropomorfa, 15,5 x 14 x 14,5 cm, Tobatí, Paraguai, déc. 2000. Figura 135: (LD 0721) – Povo Waurá, vasilha de forma zoomorfa, 11,6 x 16,5 x 28,5 cm, Mato Grosso, 2011. Figura 136: (LD 0721) – Povo Waurá, vasilha de forma zoomorfa, 11,6 x 16,5 x 28,5 cm, Mato Grosso, 2011. Figura 137: (LD 0722) – Povo Waurá, vasilha de forma zoomorfa,16 x 25 x 27,6 cm, Mato Grosso, 2011. Figura 138: (LD 0722) – Povo Waurá, vasilha de forma zoomorfa,16 x 25 x 27,6 cm, Mato Grosso, 2011. Figura 139: (LD 0216), Noemisa Batista, Ritual de batizado de duas crianças, 18,5 x 22 x 23 cm, Caraí, Minas Gerais, Minas Gerais, 1997. Figura 140: (LD 0216) – Noemisa Batista, Ritual de batizado de duas crianças (detalhe), Caraí, Minas Gerais, 1997. Figura 141: (LD 0230) – Noemisa Batista, Mulher fazendo pão, 23 x 24 x 14 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 142: (LD 0230) – Noemisa Batista, Mulher fazendo pão (detalhe), Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 143: (LD 0229) – Noemisa Batista, Casamento, 49 x 24 x 23,5 cm, Caraí, Minas Gerais, 1983. Figura 144: (LD 0228) – Santa Batista, figura de árvores e animais , 31 x 20 x 10,5 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 145: (LD 0185) – Geralda Batista, figura feminina com chapéu, 21 x 10,5 x 8,0 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 146: (LD 0206) – Ulisses Pereira Chaves, escultura antropozoomorfa com cabeça de ave, 63 x 34 x 23 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 147: (LD 0206) – Ulisses Pereira chaves, escultura antropozoomorfa com cabeça de ave (detalhe), Caraí, Minas Gerais, 1990. Figura 148: (LD 0213) – Ulisses Pereira Chaves, escultura antropozoomorfa com cabeça de ave, 68 x 24 x 22 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 149: (LD 0213) – Ulisses Pereira Chaves, escultura antropozoomorfa com cabeça de ave (detalhe da parte inferior), Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 150: (LD 0339) – Ulisses Pereira chaves, escultura antropozoomorfa com cabeça de cavalo, 83 x 33 x 21 cm, Caraí, Minas Gerais, 1997. Figura 151: (LD 0922) – José Maria Pereira Chaves, escultura com três cabeças antropomorfas, 27 x 35,5 x 11 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 2000. Figura 152: (LD 0214) – Maria José Alves Chaves, escultura antropomorfa de base trípode, 57,5 x 24 x 27 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. 1996. Figura 153: (LD 0212) – Margarida Pereira Chaves, escultura antropozoomorfa, 55,5, x 28 x 14 cm, Caraí, Minas Gerais, 1996. Figura 154: (LD 0311) – Eva, representação de Santa, 36 x 21,5 x 10 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 2000. Figura 155: (LD 0310) – Maria José, moringa em argila natural com tampa em forma de cabeça de ave, 28,5 x 13 x 13 cm, Caraí, Minas Gerais, déc. 1990. Figura 156: (LD 0192 a LD 0194) – Clemência Pereira de Souza, mulheres-moringa em argila natural com decoração por aplicações modeladas e pintadas com engobes, Caraí, Minas Gerais, 1997. Figura 157: (LD 0215) – Geralda Batista dos Santos, mulher-moringa com mãos na cintura, 50 x 29 x 15 cm, Caraí, déc. 1990. Figura 158: (LD 0179) – Maria de Joaquim, moringa trípode, 33 x 20 x 19 cm, Campo Alegre, déc. 2000. Figura 159: (LD 0199) – Josefina, moringa de quatro faces, 32 x 20 x 19 cm, Coqueiro Campo, déc. 2000. Figura 160: (LD 0202) – Rosa Mendes de Sousa, moringa com galinha e cabeça de homem, 25 x 30 x 17,5 cm, Coqueiro Campo, 2003 . Figura 161: (LD 0207) – Maria Aparecida Gomes Xavier, figura feminina com base circular, 41 x 22 x 22 cm, Campo Alegre, 2003. Figura 162: (LD 0210) – Maria Conceição, figura feminina com lenço e tranças, 41 x 14 x 14,5 cm, Campo Alegre, 2006. Figura 163: (LD 0247) – Maria Gomes dos Santos, noiva com vestido longo e flor, 70 x 20,5 x 21 cm, Campo Alegre, 1997. Figura 164: (LD 0324) – Mercinda Severo Braga e Amadeu Mendes Braga, figura feminina com chapéu e cabelo trançado, 46,5 x 18 x 18 cm, Santana de Araçuaí, déc. 2000 . Figura 165: (LD 0962) – Isabel Mendes da Cunha, Noiva, 84 x 29 x 32,5 cm, Santana de Araçuaí, déc. 1980. Figura 166: (LD 0962) – Isabel Mendes da Cunha, Noiva (detalhe), Santana de Araçuaí, déc. 1980. Figura 167: (LD 0208) – Maria Aparecida Gomes Xavier, figura feminina com vestido branco e vermelho, 46 x 16 x 14,5 cm, Campo Alegre, 2004. Figura 168: (LD 0208) – Maria Aparecida Gomes Xavier, figura feminina com vestido branco e vermelho (detalhe), Campo Alegre, 2004 . Figura 169: (LD 0245) – Zezinha, figura feminina com cabelos curtos e vestido, 60,5 x 22 x 19 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 1997. Figura 170: (LD 0240) – Zezinha, figura feminina com criança no colo, 68 x 27 x 26 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 1997. Figura 171: (LD 0243) – Zezinha, noiva com arranjo de flores, 68 x 26 x 23 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 1997. Figura 172: (LD 0243) – Zezinha, noiva com arranjo de flores (detalhe), Coqueiro Campo, Minas Gerais, 1997. Figura 173: (LD 0904, LD 0903, LD 0238, LD 902) – Zezinha, figuras femininas, aprox. 28 x 14 x 25 cm (cada), Coqueiro Campo, Minas Gerais, déc. 2000. Figura 174: (LD 0241) – Zezinha, Noiva, 58 x 20 x 19 cm, Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2007. Figura 175: (LD 0241) – Zezinha, Noiva (detalhe), Coqueiro Campo, Minas Gerais, 2007 . Figura 176: (LD 0739) – Povo Karajá, figura antropomorfa com decoração pintada, 22,5 x 10,5 x 6,8 cm, Tocantins, déc. 1990. Figura 177: (LD 0526) – Hatawaki Karajá, figura antropomorfa, 9,5 x 5,4 x 3,8 cm, Tocantins, 2011. Figura 178: (LD 0746) – Povo Karajá, figura antropomorfa com animal, 19,4 x 10,6 x 8 cm, Tocantins, déc. 1990. Figura 179: (LD0742) – Povo Karajá, representação de cena de parto, 18,6 x 21,5 x 11,4 cm, Tocantins, déc. 1990. Figura 180: (LD 0651) – Raimundo Cardoso, vaso com apêndices decorado por relevos e incisões, 19,5 x 21,8 x 46 cm, Pará, Belém, déc. 1990. Figura 181: (LD 0651) – Raimundo Cardoso, vaso com apêndices decorado por relevos e incisões (detalhe), Pará, Belém, déc. 1990. Figura 182: (LD 0657) – Mestre Cardoso, vaso de gargalo com apêndices zoomorfos, 20 x 26 x 16,7 cm, Pará, Belém, 1990. Figura 183: (LD 0658) – Mestre Cardoso, vaso de gargalo com figura antropomorfa, 21 x 33 x 17 cm, Pará, Belém, déc. 1990. Figura 184: (LD 0645) – Inês Cardoso, urna de forma antropomorfa, 25,5 x 19,5 x 21 cm, Pará, Belém, 1998. Figura 185: (LD 0162) – Inês Cardoso, vaso com cariátides, 19 x 30 x 30 cm, Pará, Belém, 1998. Figura 186: (LD 0684) – João, conjunto de panela para feijoada e tigelas, Pará, Belém, déc. 2000. Figura 187: (LD 0684) – João, detalhe de decoração na tampa da panela para feijoada, Pará, Belém, déc. 2000. Figura 188: (LD 701) – Autor desconhecido, conjunto de jarro com copos sobre bandeja, Ilha de Marajó, Pará, déc. 2000. Figura 189: (LD 0751) – Cerâmica Serra da Capivara, tigela com desenho zoomorfo, 5,4 x 24,5 x 23,2 cm, Serra da Capivara, Piauí. Figura 190: (LD 0751) – Cerâmica Serra da Capivara, tigela com desenho zoomorfo (detalhe), Serra da Capivara, Piauí. Figura 191: (LD 0756) – Cerâmica Serra da Capivara, pote com desenho antropomorfo, 7,2 x 14,5 x 14,6 cm, Serra da Capivara, Piauí, 2013. Figura 192: (LD 0755) – Cerâmica Serra da Capivara, pote com desenho zoomorfo, 7,4 x 14,6 x 14,6 cm, Serra da Capivara, Piauí, 2013. Figura 193: Eduardo e Meire, Chuva de Pavões, 26,5 x 24 x 18,5 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, déc. 2000. Figura 194: (LD 869) – Eduardo e Meire, Chuva de Pavões, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, déc. 2000. Figura 195: (LD 0872) – Éden, presépio com anjo e pombos, 24,5 x 17,5 x 21 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, 2005. Figura 196: (LD 0341) – Mariliza, representação de Espírito Santo, 38 x 11 x 8,0 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, déc. 2000. Figura 197: (LD 0496) – Mih Sampaio, representação de Espírito Santo com fitas de cetim, 22,8 x 11 x 2,2 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, déc. 2000. Figura 198: (LD 0352) – Décio de Carvalho Júnior, Espírito Santo com flores e fitas, 41 x 19 x 12 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, 2011. Figura 199: (LD 0494) – Décio de Carvalho Junior, representação de Espírito Santo com fitas, 35,5 x 16 x 1,5 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, 2009. Figura 200: (LD 0868) – Carlos Mendonça, representação de anjos, 32,2 x 36 x 15,5 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, déc. 2000. Figura 201: (LD 0351) – Autor desconhecido, Nossa Senhora Aparecida, 12 x 5,5 x 5,5 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, 2011. Figura 202: (LD 870) – Edith, Luiza e Thais, Nossa Senhora das Flores, 23,5 x 19,5 x 11,5 cm, Taubaté, Vale do Paraíba, São Paulo, 2009. Figura 203: (LD 0476) – Irmãs Flores, Santa Isabel, 32 x 16,5 x 12,5 cm, Estremoz, Portugal, 2012. Figura 204: (LD 0092) – Irmãs Flores, Primavera, 28,5 x 14,5 x 9,5 cm, Estremoz, Portugal, 2012. Figura 205: (LD 0447) – Dona Trindade, Cachorro, 43 x 15,5 x 26 cm, Barra do Chapéu, Vale do Ribeira, São Paulo, déc. 2000. Figura 206: (LD 0446) – Dona Trindade, Jacaré, 16 x 23 x 60 cm, Barra do Chapéu, Vale do Ribeira, São Paulo, déc. 2000. Figura 207: (LD 451) – Jaqueline, Galinha com filhotes, 18 x 18 x 19,5 cm, Barra do Chapéu, Vale do Ribeira, São Paulo, déc. 2000. Figura 208: (LD 0118) – Jandira, figura feminina sem pupilas e dentes aparentes, 42 x 19 x 16 cm, Barra do Chapéu, Vale do Ribeira, São Paulo, déc. 2000. Figura 209: (LD 0115) – Jaqueline, figura feminina com cabelos longos, 46 x 20 x 15 cm, Barra do Chapéu, Vale do Ribeira, São Paulo, déc. 2000. Figura 210: (LD 0450) – Dona Trindade, figura feminina com vestido decorado por impressões de coração, 43 x 22,5 x 19 cm, Barra do Chapéu, Vale do Ribeira, São Paulo, déc. 2000. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Cerâmicas da Coleção Lalada Dalglish por país de origem Tabela 2 – Cerâmicas brasileiras da Coleção Lalada Dalglish por estado da Federação Tabela 3 – Cerâmicas da Coleção Lalada Dalglish por país, estado da Federação e técnicas de produção SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1: COLECIONISMO E OBJETOS OBJETO, COLEÇÃO E COLECIONADORES CAPÍTULO 2: COLEÇÃO LALADA DALGLISH O INÍCIO DE UMA HISTÓRIA A COLEÇÃO LALADA DALGLISH COMO OBJETO DE PESQUISA CAPÍTULO 3: MÉTODOS E PROCESSOS DE DOCUMENTAÇÃO O OBJETO COMO FONTE DE INFORMAÇÃO PROCESSO DE DOCUMENTAÇÃO: COLEÇÃO E ESPAÇO ETAPAS DO PROCESSO DE DOCUMENTAÇÃO Número de registro Marcação Higienização Medição Pesagem Restauro Registro Fotográfico Fichas catalográficas e lista de inventário CAPÍTULO 4: ELEMENTOS IDENTIFICADORES DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH: APRESENTAÇÃO DE DADOS TÉCNICA, IDENTIDADE E CULTURA CONFIGURAÇÃO DA COLEÇÃO CATÁLOGO FOTOGRÁFICO LISTA DE INVENTÁRIO RELAÇÕES ENTRE TÉCNICA E ESTILO EM DISTINTAS LOCALIDADES: BREVE DESCRIÇÃO DAS CERÂMICAS CAPÍTULO 5: CONCEITOS, TÉCNICAS E PROCESSOS NA PRODUÇÃO CERÂMICA FATORES QUE FAVORECEM A PRODUÇÃO CERÂMICA Lugar, matéria-prima e tempo Território, tradições e influências O OBJETO CERÂMICO: CONCEITOS, ESTILOS E TRADIÇÕES 27 37 43 53 59 63 65 71 74 87 88 91 95 96 98 98 103 104 109 115 116 123 123 124 139 145 145 149 156 CAPÍTULO 6: O OBJETO CERÂMICO COMO ELEMENTO CULTURAL: ESTUDOS DE CASO TÉCNICA E ESTILO NA PRODUÇÃO CERÂMICA DE CARAÍ, MINAS GERAIS: NOEMISA BATISTA DOS SANTOS E ULISSES PEREIRA CHAVES. PRESERVAÇÃO DE TRADIÇÕES E TRANSFORMAÇÕES NA PRODUÇÃO CERÂMICA: CERAMISTAS DO VALE DO JEQUITINHONHA E DOS POVOS KARAJÁ DE TOCANTINS. PRODUÇÕES E REPRODUÇÕES: CERÂMICA AMAZÔNICA E DA SERRA DA CAPIVARA. REPRESENTAÇÕES DE FIGURAS HUMANAS E ANIMAIS: CERÂMICAS DE BARRA DO CHAPÉU E TAUBATÉ. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIBLIOGRAFIA GERAL GLOSSÁRIO APÊNDICE A – CATÁLOGO FOTOGRÁFICO DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH APÊNDICE B – LISTA DE INVENTÁRIO DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH ANEXOS 161 167 179 192 200 209 217 223 233 239 439 573 INTRODUÇÃO 29 [...] Seguindo a matéria e sondando-a quanto à “essência de ser”, o homem impregnou-a com a presença de sua vida, com a carga de suas emoções e de seus conhecimentos. Dando forma à argila, ele deu forma à fluidez fugidia de seu próprio existir, captou-o e configurou-o. Estruturando a matéria, também dentro de si ele se estruturou. Criando, ele se recriou. (OSTROWER, 2013, p. 51). 31 INTRODUÇÃO Esta pesquisa aborda elementos relacionados ao objeto cerâmico, enfatizando aspectos particulares da cultura de sua localidade de origem que permeiam a produção e definem suas características. Trata-se de uma reflexão sobre a produção cerâmica: matérias-primas, temáticas, processos de modelagem e queima, que se desenvolvem com o tempo, construindo tradições e consolidando aspectos que definem a cerâmica de determinado local. Como forma de obter acesso a cerâmicas de diversas origens, bem como a possibilidade de reunir dados padronizados e confiáveis, optou-se por estudar um conjunto de peças que fizesse parte de uma coleção, à qual foram aplicados processos consagrados de documentação. Selecionou-se, para tanto, a coleção formada pela pesquisadora e docente Lalada Dalglish, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, Campus de São Paulo, por se acreditar que este conjunto, composto especificamente por cerâmicas, tenha características que propiciem investigações, favorecendo a aquisição de informações e geração de conhecimentos. Esse conjunto cerâmico, denominado nesta pesquisa de Coleção Lalada Dalglish1, pode ser caracterizado como um importante subsídio para pesquisas na área da cerâmica, uma vez que é constituído por exemplares oriundos de Portugal, Paraguai, Marrocos, EUA, Peru, Espanha, México, Bolívia, China, Japão e distintas regiões do Brasil. Reúne atualmente mais de 1.000 peças, entre esculturas, potes, vasos, moringas, panelas, etc., sendo que, até o início desse trabalho, não havia sido estudado nem mesmo manuseado para semelhante fim. Acredita-se, pelo fato de a Coleção ter sido formada por uma especialista em cerâmica, em contato direto com ceramistas e comunidades produtoras, além de conter peças de origens variadas, construídas por diferentes processos do fazer cerâmico, auxiliou para sua seleção como objeto deste estudo, oferecendo valiosas informações para a análise que se objetivou, principalmente no que se refere às técnicas e procedimentos de produção cerâmica. Destaca-se, ainda, o fato de se ter acesso à colecionadora, cujos depoimentos contribuíram para a obtenção de referências sobre as peças do conjunto. Até o início deste estudo, não se conhecia com exatidão a quantidade, origem e estado de conservação das cerâmicas da Coleção, sendo necessário realizar levantamento e registro de seus dados, verificação das informações coletadas, a fim de identificar suas características e definir com exatidão seu perfil. Apesar dos conhecimentos iniciais de sua constituição, tinha- se o risco de diagnosticar no conjunto conteúdo insuficiente ou insatisfatório para a pesquisa. Nota-se que, em pesquisas que abordam coleções, comumente essas já se encontram organizadas e acessíveis. No caso da Coleção Lalada Dalglish, houve a necessidade de 1. Denominou-se Coleção Lalada Dalglish o conjunto de cerâmicas reunido pela pesquisadora, docente e colecionadora Lalada Dalglish. 32 aplicar um processo para levantamento e registro de informações, para somente assim determinar alguns aspectos deste estudo. Optou-se, assim, por empregar um processo de documentação completo, tendo em vista, além de levantar características do conjunto, padronizar a identificação e registro de todas as peças. Verificou-se ainda que algumas das cerâmicas da Coleção apresentavam sujidades e sinais de quebra, e muitas delas não traziam referência de origem, autoria ou data de produção. Dessa forma, durante todo o processo procedeu-se à pesquisa bibliográfica e consultas junto à colecionadora para realizar atribuições baseadas em fontes confiáveis. Vale ressaltar que o processo de documentação é composto por uma série de etapas, que se iniciam com a retirada das cerâmicas de suas embalagens, passando por sua higienização, pelo restauro de algumas delas, medição e pesagem, registro fotográfico, preenchimento de etiquetas de marcação, fichas catalográficas e lista de inventário. Trata-se de um processo longo, minucioso e complexo, que demanda um extenso período de tempo e recursos, porém imprescindível para a obtenção de dados precisos, capazes de subsidiar uma análise aprofundada. Estima-se que a fase de aplicação deste processo tenha ocupado cerca de 60% do tempo total e dos recursos da pesquisa; entretanto, a partir da compilação e análise dos dados obtidos, viabilizou-se a abordagem proposta neste estudo, apoiada em informações concretas, adquiridas e registradas de modo seguro. Ainda, que o processo de documentação aplicado à Coleção, além de fornecer dados para a presente pesquisa, auxiliará futuramente no desenvolvimento de outros projetos relacionados com a produção, valorização e difusão da técnica cerâmica. Deste modo, também se destaca a importância da formação das coleções como subsídio para pesquisas. O desenvolvimento deste estudo se fundamenta em pesquisa bibliográfica, entrevistas, visitas técnicas e formação de arquivo de dados sobre a Coleção. Foi-se construindo uma base composta por dados de relevância, fundamentais para uma abordagem que trata o objeto cerâmico como elemento representativo de uma cultura, resultado de um processo que envolve tradições e lhe emprega significados distintos. No caso específico da cerâmica, principalmente por seu processo de produção envolver uma sequência de etapas, traz consigo muito das características de onde se origina. Em decorrência, componentes locais também atribuem particularidades à cerâmica que é produzida. Neste contexto, o meio ambiente, ao fornecer matéria-prima e estímulo, e as tradições, ao influenciarem o uso de técnicas e desenvolvimento de temáticas, participam ativamente para a realização de obras que diretamente se relacionam com determinado local. A observação do conjunto e análise aprofundada dos dados coletados possibilitaram realizar aproximações entre as cerâmicas e refletir sobre distintos elementos relacionados com sua 33 composição, viabilizando determinar particularidades da Coleção Lalada Dalglish. A partir da identificação das localidades de onde provieram as peças, das tipologias presentes em maioria no conjunto, e considerando aspectos que despertaram interesse para investigação, optou-se pelo fechamento da pesquisa com estudos de caso que abordam temáticas relacionadas à produção cerâmica. Todo esse percurso possibilitou a estruturação da tese em seis capítulos, que discorrem sobre: definições do que seja coleção, colecionadores e funções dos objetos; a coleção em estudo; importância do processo de documentação e suas etapas; dados levantados e sua análise; conceitos envolvidos na produção cerâmica; além dos estudos de caso já mencionados. Como complemento a essa parte discursiva da tese, no final deste volume encontra-se para consulta o catálogo fotográfico com imagens das cerâmicas da Coleção Lalada Dalglish catalogadas até o momento e a lista de inventário com as principais informações sobre cada uma destas peças. Em síntese, os capítulos versam sobre os seguintes conteúdos: CAPÍTULO 1: COLECIONISMO E OBJETOS: de aspecto descritivo, aborda elementos importantes para fundamentação da pesquisa. A partir do levantamento bibliográfico, foram compiladas definições que destacam as funções e valores agregados aos objetos, a formação de coleções, além do posicionamento da figura do colecionador frente aos seus objetos, os estímulos e objetivos envolvidos no ato de colecionar. Autores que propõem teorias sobre coleção, colecionismo e objetos, como Paulo de Freitas Costa, Krzysztof Pomian, Jacques Le Goff, Letícia Julião, Walter Benjamin, Mario Chagas, Ulpiano Bezerra de Meneses, apresentam possibilidades de interpretação que geraram direcionamentos para a definição de conceitos aplicados nesta pesquisa. CAPÍTULO 2: COLEÇÃO LALADA DALGLISH: expõe os principais fatores que influenciaram o início de sua formação, desde a aquisição das primeiras cerâmicas, passando por seu desenvolvimento até chegar à configuração atual. Serão indicadas as principais referências sobre o conjunto de peças, fatores que justificam a sua escolha e a validam para aplicação deste estudo. CAPÍTULO 3: MÉTODOS E PROCESSOS DE DOCUMENTAÇÃO: discorre sobre a necessidade da documentação e o detalhamento de cada uma das etapas envolvidas na aplicação deste processo, que resultou no levantamento e registro dos dados da Coleção Lalada Dalglish. Verifica-se como esse processo auxiliou para transformar um acumulado de objetos em uma coleção organizada, com seus itens registrados, propiciando o reconhecimento de cada um de seus elementos. O processo de documentação, nesse caso, pode ser caracterizado como uma ferramenta que permitiu a coleta de dados de cada peça e a compreensão da Coleção como um todo, construindo-se um arquivo com registros que asseguram a preservação das peças e fornecem informações que subsidiam o desenvolvimento dos capítulos seguintes. 34 Para esta etapa da pesquisa, foram realizadas visitas técnicas em museus e treinamentos junto ao Comitê Internacional de Documentação (CIDOC) para acessar materiais e desenvolver um método pertinente às características do conjunto da Coleção, além de consultas bibliográficas. Autores como Fernanda Camargo-Moro, Maria Inês Cândido, Rosana Andrade Nascimento e publicações elaboradas pelo Instituto de Museus e Conservação de Portugal e Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro, foram de grande relevância para o desenvolvimento de ações. CAPÍTULO 4: ELEMENTOS IDENTIFICADORES DA COLEÇÃO LALADA DALGLISH: APRESENTAÇÃO DE DADOS: evidencia e analisa os dados obtidos durante o processo de documentação, a fim de identificar aspectos em destaque ou que caracterizam a Coleção Lalada Dalglish. Tabelas que explicitam quantidades de peças e descrição sobre técnicas de produção, complementam a descrição da Coleção, juntamente com o catálogo fotográfico e a lista de inventário, disponíveis neste volume. CAPÍTULO 5: CONCEITOS, TÉCNICAS E PROCESSOS NA PRODUÇÃO CERÂMICA: traz conceitos relacionados à produção cerâmica, ressaltando a importância das tradições locais, seleção de matéria-prima, influência do meio em que o ceramista vive, suas experiências e a formação de estilo. Também são citados processos, técnicas e temáticas transmitidos de uma geração para outra, que auxiliaram na formação de comunidades de ceramistas e consolidação de características da produção. CAPÍTULO 6: O OBJETO CERÂMICO COMO ELEMENTO CULTURAL: ESTUDOS DE CASO: momento final da tese, no qual, a partir do contato e observação das cerâmicas, análise de dados coletados e compreensão dos elementos que caracterizam a Coleção, foram feitas aproximações entre cerâmicas do conjunto. Essas aproximações geraram reflexões sobre aspectos relacionados com a produção cerâmica, culminando em estudos de caso, cada qual com uma temática: • Técnica e estilo na produção cerâmica de Caraí, Minas Gerais: Noemisa Batista dos Santos e Ulisses Pereira Chaves; • Preservação de tradições e transformações na produção cerâmica: ceramistas do Vale do Jequitinhonha e dos povos Karajá de Tocantins. • Casos de produções e reproduções: cerâmica amazônica e da Serra da Capivara; • Representações de figuras humanas e de animais: cerâmicas de Barra do Chapéu e Taubaté. APÊNDICE: constituído pelo catálogo fotográfico (APÊNDICE A) e lista de inventário (APÊNDICE B). Neste material são apresentadas fotografias e os principais dados de cada uma das cerâmicas que compõem a Coleção Lalada Dalglish. 35 A estrutura da tese destaca o caráter descritivo e reflexivo da pesquisa, que adotou processos usuais da área de museologia para levantamento de dados, ação de suma importância para a compreensão dos procedimentos técnicos e elementos culturais que permeiam a cerâmica. Ressalta-se ainda a importância das coleções como instrumentos que possibilitam investigações e pesquisas, auxiliando na identificação de distintos aspectos que resultam no objeto cerâmico, um processo em que matéria-prima, técnica e tradições se somam e traduzem características culturais. Nos capítulos que compõem a tese, há diversas imagens que descrevem tanto as ações desenvolvidas durante a pesquisa e processos de produção cerâmica, bem como apresentam peças da Coleção, também incluídas no catálogo fotográfico. Essas fotografias foram realizadas pela autora, em maioria, durante o processo de documentação. Importante destacar o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, que subsidiou esta pesquisa, permitindo intensa dedicação e análise aprofundada dos seus aspectos. CAPÍTULO 1: COLECIONISMO E OBJETOS 39 Porque o objetivo primordial desses Vitoriais Selvagens [os colecionadores] não é tanto viver neles [seus castelos], quanto deixar pensar aos seus pósteros como deviam ser excepcionais os que ali viveram. (ECO, 1984, p. 37). 41 CAPÍTULO 1: COLECIONISMO E OBJETOS Antes de detalhar o conteúdo e as características da configuração da Coleção Lalada Dalglish, notou-se a necessidade de apresentar definições referentes à função dos objetos, colecionadores e formação de coleções em um contexto mais amplo. Iniciar este estudo, que envolve uma coleção específica, esclarecendo conceitos se justifica pela intenção de fundamentar abordagens que envolvem assuntos associados à pesquisa, mas também, destacar a relevância das coleções, como fonte de informação e produção de conhecimento. Para tanto, parte-se do questionamento sobre o que motiva a ação de selecionar objetos e reuni-los, investigando os elementos incluídos neste fazer. 43 OBJETO, COLEÇÃO E COLECIONADORES A palavra coleção associa-se ao ato de escolher, reunir, ter posse. Mas também é um modo de recordar, guardar lembranças, traduzindo no objeto um momento, fato ou passagens da vida. Talvez tenham sido esses alguns dos motivos que despertaram no homem, em diferentes períodos da história, o desejo pelo colecionar. Uma coleção pode reunir objetos de distintas épocas, que, por certas vezes remeterem a situações do passado, acabam por preencher lacunas apagadas pelo tempo , mas resgatadas pela memória . Neste contexto, o colecionador passa a criar forte vínculo com seus objetos, tornando-os parte de sua existência. Em aspectos gerais, são variados os motivos que estimulam o colecionar, assim como são distintos os objetos colecionados. Em diversas civilizações, em diferentes momentos históricos, constituíram-se coleções. O ato de colecionar, de certa maneira, acompanha o próprio desenvolvimento do homem, como descreve Letícia Julião sobre as coleções: Elas aparecem em grutas habitadas por homens primitivos; em tumbas de civilizações antigas, onde exercem a função de serem admiradas por aqueles que habitam o além; nos templos gregos e romanos, onde se acumulavam tesouros expostos aos deuses; nas residências de generais romanos, que ostentavam os despojos das guerras; nas igrejas e outros estabelecimentos religiosos, com o acúmulo de relíquias e objetos sagrados; nos palácios reais do Renascimento. (JULIÃO, 2006, p. 102). Nos dias atuais ainda são várias as coleções, formadas por colecionadores de diversas faixas etárias, movidos por interesses distintos. Por vezes, as coleções se iniciam na infância, com a reunião de pequenos objetos, a partir da experiência de descobrir o mundo. Na fase adulta, organizam-se conjuntos mais complexos, regidos por diferentes motivações e constituídos pelos mais variados tipos de objetos, que abrangem desde os mais comuns, até os mais excêntricos. Krzysztof Pomian comenta esse fato: Quanto às colecções particulares, deparam-se-nos os objectos mais inesperados que, por sua banalidade, pareceriam incapazes de suscitar o mínimo interesse. Enfim, pode-se constatar, sem risco de errar, que qualquer objecto natural de que os homens conhecem a existência e qualquer artefacto, por mais fantasioso que seja, figura em alguma parte num museu ou numa colecção particular. (POMIAN, 1984, p. 51). Normalmente as coleções se iniciam de modo informal, livre de preocupações curatoriais, com a simples reunião de objetos que possuem algum aspecto comum, mas se diferem uns dos outros. Um determinante para o objeto ser incluído em uma coleção pode estar 44 vinculado ao material de que é feito, a quem o produziu, a um momento histórico, ou, ainda, como cita Maria Izabel Reis Branco Ribeiro (1992, p. 20): “Os objetos geralmente são recolhidos por serem antigos, preciosos, raros, por terem pertencido a alguém célebre, por terem testemunhado fatos de destaque, por suas características estéticas, por seu apelo afetivo, ou por prometerem respostas a algumas questões”. Os motivos que determinam o início de uma coleção podem ainda se relacionar com uma tradição social ou cultural, necessidade de posse ou consumo, suprir uma frustração ou pela simples busca por satisfação. Afirma Paulo de Freitas Costa: Ao observar os comentários de colecionadores sobre seu hábito, logo percebemos que se trata de uma quase incontrolável busca por satisfação, que se obtém através da aquisição incessante de novas peças. Essa paixão, como explica o psicanalista e antropólogo norte-americano Werner Muenstenberger, deriva de alguma frustração primordial que predispõe colecionar [...]. (COSTA, 2007, p. 22). A formação de uma coleção também pode ser vista como um processo criativo em que o colecionador, assim como um artista, procura e seleciona os elementos de seu interesse e os organiza segundo suas intenções e expectativas. Conforme Walter Benjamin (2006, p. 241): “[...] para o colecionador, o mundo está presente em cada um de seus objetos e, ademais, de modo organizado. Organizado, porém, segundo um arranjo surpreendente, incompreensível para uma mente profana”. O autor cita ainda (ibidem, p. 245): “Talvez o motivo mais recôndito do colecionador possa ser circunscrito da seguinte forma: ele compreende a luta contra a dispersão. O grande colecionador é tocado bem no fundo pela confusão, pela dispersão em que se encontram as coisas no mundo”. O colecionador, de certa forma, traça uma espécie de roteiro para ser seguido – o qual estará presente tanto para organizar os objetos que já possui como os que pretende adquirir. Neste traçado se encontram os elementos que o atraem e que podem ser necessários em um determinado momento para complementar a sua coleção: Devemos ainda abordar a coleção como processo criativo. Trata-se, antes de qualquer coisa, de uma reunião de fragmentos esparsos em uma trajetória não- linear. Por maior que seja a coleção e por mais precisos que sejam os objetivos do colecionador, sempre existe a falta de determinada peça ou determinado artista, aquela peça que não tem qualidade e poderia ser substituída por outra melhor, além, é claro, das redundâncias e de peças eventualmente descartadas quando a coleção muda de direção. (COSTA, 2007, p. 22). Já a descrição de coleção por Maria Cecília França Lourenço relaciona a recolha e reunião dos objetos com a própria existência do colecionador: 45 Coleção associa-se a voluntarismo, em que o sujeito elege objetos como parte reveladora de sua existência, seja por lazer, capricho, amuleto ou vaidade. Em geral, os objetos colecionados são de mesma natureza e/ou guardam relações, como se fossem dados objetivos, porém desvendam o indivíduo. Orientam-se, também, pelo gosto pessoal, gerando desmesurado acúmulo e obsessão pelo quantitativo e pelas raridades. (LOURENÇO, 1999, p. 13). Ao comentar sobre existência e vivência do sujeito / colecionador, há de se abordar o fator tempo, o aspecto transitório e passageiro da vida, seu sentido cíclico de nascimento e morte, que igualmente dialoga com o colecionismo. Ao reunir seus objetos, o colecionador a eles se insere, pois a coleção em muito representa suas escolhas e gostos. Por vezes, o estímulo para o colecionar é justamente o desejo de ser lembrado e que seu foco de interesse, motivo determinante para a reunião dos objetos, continue a ser preservado. Uma coleção, por vezes, é o resultado da dedicação de longo tempo. Constitui-se pela seleção e busca pelo objeto ainda ausente, mas necessário para complementar o conjunto. Entretanto não são somente objetos que compõem uma coleção, há distintos valores a eles agregados que acrescentam significados. A coleção é criada e organizada segundo as escolhas do colecionador, podendo ser comparada, inclusive, com um autorretrato desse, ou um retrato de sua época e do seu meio social. Angela Mascelani (2008, p. 14) destaca elementos que se vinculam diretamente aos objetos: “[...] a coleção revela que os objetos se encontram conectados a vários domínios, tanto aqueles relacionados ao produtor do objeto, indivíduos ou grupos, como aqueles relacionados a quem os coleciona e os conserva”. As ideias apontadas por Mascelani permitem compreender os diversos significados do objeto, como produto de um processo, realizado por um agente que emprega sua marca, bem como da sociedade e cultura em que se insere. Do mesmo modo, o colecionador, ao selecioná-lo, se insere como parte de sua história, direcionando o seu percurso. Ribeiro (1992, p. 18) destaca o fato de o objeto significar, característica que lhe emprega distintas interpretações e qualifica sua permanência em uma coleção: “É possível formar coleções de qualquer tipo de objeto, inclusive utensílios, mas a partir do momento que passam a configurá-la, não se exige mais que eles funcionem, mas apenas que signifiquem”. Os objetos, ao ingressarem em uma coleção, ao mesmo tempo em que estão impregnados das características da época e dos fins para os quais foram produzidos, podem vir a assumir uma nova função: As locomotivas e os vagões reunidos em um museu ferroviário não transportam nem os viajantes nem as mercadorias. As espadas, os canhões e as espingardas depositadas num museu do exército não servem para 46 matar. Os utensílios, os instrumentos e os fatos recolhidos numa colecção ou num museu de etnografia, não participam nos trabalhos e nos dias das populações rurais ou urbanas. E é assim com cada coisa que acaba neste mundo estranho, onde a utilidade parece banida para sempre. (POMIAN, 1984, p. 51). A partir da citação de Krzysztof Pomian nota-se que, ao adentrarem em uma coleção, os objetos podem vir a exercer atividades distintas daquelas para as quais foram inicialmente produzidos. Por vezes, são afastados da utilidade prática para assumirem novos significados. A ideia de um objeto compor uma coleção e dialogar com outros em um determinado contexto influencia na sua significação, pode vir a perder seu valor individual para compor uma série ou completar um conjunto. Do mesmo modo, o ingresso de um novo objeto com características muito distintas dos demais pode influenciar na compreensão do todo, comprometendo a hegemonia da coleção. Cada objeto tem a sua história e o seu significado. Não apenas aquele gerado no ato de sua criação, mas também todos os significados que a ele foram atribuídos ao longo de sua trajetória, bem como aqueles advindos do diálogo entre os diversos objetos de uma coleção. (COSTA, 2007, p. 15). É interessante observar que o contexto em que o objeto se insere e o modo como é exposto também interferem no seu significado. Letícia Julião, no texto Pesquisa Histórica e Museu (2006, p. 101), emprega um exemplo bastante esclarecedor, abordando a caneta usada por um personagem histórico. Neste caso, o objeto caneta assume papel de relíquia por ter sido usada por uma pessoa ilustre: “Sua inserção à coleção se deve ao seu valor representacional”. Diferente disto, essa mesma caneta poderia ter sido exposta junto a outras e demais objetos associados, para compor a trajetória histórica sobre a escrita. Nota-se que tanto o contexto como o conjunto que acompanha o objeto podem direcionar ao que será destacado, já que um mesmo objeto tem a ele agregados distintos significados. No caso específico dos objetos de arte, sempre irão estabelecer uma intrincada relação com quem os realizou e, ao adentrarem em uma coleção, carregarão consigo a essência tanto de seu criador, o artista, como do colecionador, que o selecionou e lhe colocou em determinado contexto. Segundo Baudrillard (1972, p. 85): “A fascinação pelo objeto artesanal vem do fato de este ter passado pela mão de alguém cujo trabalho ainda se acha nele inscrito: é a fascinação por aquilo que foi criado (e que por isto é único, já que o momento de criação é irreversível)”. Há a possibilidade de fazer uma leitura que parte da própria obra para obter dados: como, onde e por quem foi feita, quais materiais e técnicas foram utilizados, quais motivos propiciaram a sua criação. O resgate de tais informações possibilita a geração de documentos importantes. 47 Salienta-se que os objetos, independentemente da tipologia, se apresentam como suportes de informação, propiciadores de conhecimento. Ulpiano Bezerra de Meneses (2010) defende: “[...] um objeto não é só a embalagem, ele significa cultura, que é algo que se vive”. Salientam-se os casos em que os objetos foram os únicos sobreviventes de uma cultura e, com base em sua investigação, foi possível compreender aspectos do passado. As informações coletadas seriam inacessíveis de outro modo. [...] não se pode falar das coisas autonomamente, mas das coisas enquanto mobilizadas para a produção / difusão / apropriação / reciclagem / descarte / operação de significações, que procuram dar inteligibilidade ao mundo e explicar e legitimar nossa presença nele: basicamente a constelação de interesses e relações em que nos inserimos. [...] Importa apenas ressaltar a relevância do valor atribuído a traços das coisas ou de seu contexto, para categorizar sua natureza “cultural". (MENESES, 2006, s.p.). Ainda na temática sobre resgate cultural a partir dos valores agregados aos objetos, Neil MacGregor, ressalta a importância da imaginação na busca por informações: [...] Com os objetos, temos, é claro, estruturas de perícia – arqueológica, científica, antropológica – que nos permitem fazer perguntas vitais. No entanto, precisamos adicionar a isso um considerável esforço de imaginação, devolvendo o artefato à sua antiga vida, envolvendo-nos com ele tão generosa e poeticamente quanto pudermos, na esperança de alcançar os vislumbres de compreensão que ele possa nos oferecer. (MACGREGOR, 2013, p. 17). Lembra-se assim de antigas civilizações que atualmente podem ser pesquisadas com base nos objetos que resistiram ao tempo, sendo esses, por vezes, os únicos vestígios que restaram de um povo e, através do seu estudo, torna-se possível localizar informações. No caso específico das peças de barro, quando começaram a ser queimadas, adquiriram também resistência e serviram como registro da existência e dos modos de vida de antigos povos, perdurando a despeito da ação do tempo: O barro talvez esteja mais ligado à nossa existência do que imaginado. São antigas as crenças e mitos que relacionam esta matéria com a humanidade, desde nosso aparecimento e sobrevivência até o estudo a partir de peças cerâmicas pertencentes a antigas civilizações. Diferente de outros materiais, como o tecido e papel, as peças realizadas a partir do barro e queimadas, em alguns casos, foram as únicas que sobreviveram ao tempo para descrever fatos da história. (LIMA, 2009, p. 125). 48 Muitas vezes, para a coleta de dados, um pequeno caco ou partes de um objeto já colaboram. Com base na análise do material, da presença de alguma inscrição ou grafismo, do local em que foi encontrado, é possível obter valiosas informações. A pesquisa e registro de dados coletados junto aos objetos são de extrema importância para manter vivos elementos da nossa história. A divulgação destes conhecimentos, por meio de publicações e exposições, auxilia na difusão e preservação dos saberes. É na exposição que se potencializa a relação profunda entre o Homem e o Objeto no cenário institucionalizado (a instituição) e no cenário expositivo (a exposição propriamente). A relação profunda refere-se ao encontro entre as pessoas e a poesia, sendo que a poesia está nos objetos. (CURY, 2005, p. 34). Os aspectos agregados a um objeto vão além de sua forma e matéria. Há objetos que foram produzidos para usos específicos, cumprindo funções determinadas em cerimônias e rituais, por exemplo, sendo que a realização desses eventos sem a presença de tais objetos fica alterada. O mesmo ocorre com o objeto em um contexto distinto daquele para o qual foi produzido, principalmente ao se tratar de objetos ritualísticos ou religiosos: seria como se tivessem sua funcionalidade silenciada e assim, parte de seus significados esmaecidos. Talvez a paixão por colecionar e a vontade em obter novos objetos se relacionem não somente ao que é visto, evidente em sua aparência estética, mas aos valores a ele incorporados durante a sua existência. São muitas vezes estes valores que tornam os objetos significativos, distinguindo-os de coisas ou ferramentas: Em sentido filosófico mais elementar, o objeto não é uma realidade em si mesmo, mas um produto, um resultado ou correlato. Dito de outra maneira, ele designa aquilo que é colocado ou jogado (ob-jectum, Gegen-stand) em face de um sujeito, que o trata como diferente de si, mesmo que este se tome ele mesmo como objeto. [...] Nesse sentido, o objeto difere da coisa, que, ao contrário, estabelece com o sujeito uma relação de continuidade ou de “utensilidade” (ex.: a ferramenta como prolongamento da mão é uma coisa e não um objeto). (DESVALLÉS, 2013, p. 68). A presença de cada peça que constitui uma coleção auxilia na construção de uma nova realidade, dado que propicia uma relação entre os tempos (o passado, da origem do objeto, e o presente, de sua atual situação). Pomian define com destreza esta ligação entre o visível e o invisível, o passado e o presente: Em outras palavras, as coleções reúnem objetos, dotados de significados, que são intermediários entre os que olham e o mundo do qual são representantes. Expostos ao olhar dos homens ou dos deuses (como no caso dos tesouros 49 acumulados em templos gregos, como oferenda aos deuses), tais objetos participam do intercâmbio que se estabelece entre o espectador e o que está longe, no espaço – além do horizonte, e no tempo – no passado, no futuro ou fora do fluxo temporal. O invisível comunicado pelos objetos pode se referir às mais diversas entidades: antepassados, deuses, mortos, homens, acontecimentos, circunstâncias, eternidade. (POMIAN, 1984, p. 66). Magaly Cabral, em palestra na Conferência Geral do International Council of Museums (ICOM) de Viena, 2007, complementa: “[...] todo e qualquer objeto não é somente matéria, com propriedades físico-químicas. Ele foi produzido a partir de práticas sociais, ele tem significações diversas”. Significações estas que são agregadas aos objetos ao longo de sua existência, envolvendo desde procedimentos presentes em sua produção, distintos usos e proprietários anteriores. Torna-se, deste modo, um exemplar único, impregnado de valores culturais1. Ter um objeto autêntico, original de uma época ou de um artista, pode ser decisivo para dar início ou complementar uma coleção. A certeza da origem, determinada pela presença de assinatura ou documento comprobatório, acrescenta valor ao objeto, aumentando o desejo por possuí-lo. Sendo assim, significado, autenticidade, valor e desejo são adjetivos que se complementam para atrair o colecionador. Para preservar uma coleção e prolongar as suas qualidades, faz-se necessário alguns cuidados. Destaca-se a importância de o colecionador ter conhecimento sobre seus objetos, saber manuseá-los e conservá-los. Por isso, em vários casos, ele também é um grande pesquisador que conhece os distintos aspectos da categoria de objetos reunidos. Nota-se que, quando se aborda o colecionismo, o fator tempo está presente em distintos momentos. Relaciona-se com a sucessão de fatos que resultam na coleção, nas ações do colecionador e na interpretação dos objetos. Decifrar o tempo é também compreender que “matá-lo” não nos ajuda a sobreviver. Compreendido como CÍRCULO, como ESPIRAL ou como LINHA, o tempo é invenção e não passa de uma sucessão de estados mentais e psíquicos. De qualquer modo, o que efetivamente interessa neste momento é o entendimento de que o tempo, tendo dimensão cultural, é a razão da história, da memória, da comunicação, da investigação, da preservação, da informação, do patrimônio e do documento. (CHAGAS, 1994, p. 29). 1. Meneses (2006) define assim valor cultural: “[...] a capacidade reconhecida de responder a uma necessidade (qualquer necessidade: material, espiritual, psicológica, econômica, afetiva, etc.) pela mediação dos sentidos”. 50 Nessa citação de Mário Chagas se evidencia que o tempo não é uma constante ou algo passageiro; com o seu passar, a vida é construída, os acontecimentos e as histórias se constituem e, pela ação da preservação e da memória, se forma a cultura de um povo. As tradições são exemplo de como a cultura associada ao tempo podem caracterizar um local. Especificamente para o colecionador, o tempo é o seu cúmplice e tem influência direta sobre suas ações, já que é com ele que a coleção se faz, preenche-se e transforma-se, seus itens são encontrados, adquiridos – seu desejo se completa. No fundo, pode-se dizer, o colecionador vive um pedaço de vida onírica. Pois também no sonho o ritmo da percepção e da experiência modificou-se de tal maneira que tudo – mesmo o que é aparentemente mais neutro – vai de encontro a nós, nos concerne. Para compreender as passagens a fundo, nós as imergimos na camada mais profunda do sonho, falamos delas como se tivessem vindo de encontro a nós. (BENJAMIN, 2006, p. 240). Diante desta vida onírica e de percepções diferenciadas, a coleção se forma, o sonho vai permeando a realidade e torna-se um único elemento. Já para os objetos colecionados, o tempo, por momentos, apresenta-se inerte, pois eles se encontram em uma atmosfera de proteção, distantes do desgaste natural ou promovido pelo uso, tornando-os de certa maneira imunes a sua passagem, como cita Ribeiro (1992, p. 21): “O objeto, ao ingressar na coleção, penetra em uma espécie de limbo. Tem sua função silenciada e escapa de sua época, para estar em um sistema paralelo”. Há casos de coleções de objetos que foram reunidos durante décadas. Seria como se, em paralelo a vida e mundo reais, o colecionador organizasse outro mundo, que ele teria a capacidade de controlar e construir à sua maneira. De qualquer modo, o tempo é um parceiro do colecionador – colabora tanto na formação da coleção como determina limites. Para muitos colecionadores a sua reunião de objetos está continuamente em desenvolvimento, sempre haverá um objeto cobiçado, um vazio para ser preenchido (BENJAMIN, 2006, p. 245): “No que se refere ao colecionador, sua coleção nunca está completa; e se lhe falta uma única peça, tudo que colecionou não passará de uma obra fragmentária”. Mesmo com o passar dos anos, algo estará ausente, como se o preenchimento da coleção ou aquisição de novas peças estivessem relacionados com o manter-se vivo, com a própria existência. Uma coleção específica de objetos de arte, ao mesmo tempo em que se enquadra nas definições comuns às coleções compostas por objetos de outras categorias, delas se diferencia por seus objetos terem sido criados com finalidade essencialmente artística. Desde o momento da criação não possuíam outra função senão significar, representar, expressar. A museóloga Magaly Cabral (2007) cita: “Os objetos só têm razão de existir se o público puder produzir conhecimento a partir deles”. O mesmo pode ser empregado às obras de 51 arte, que passam a exercer sua função a partir do momento em que são apreciadas, vistas, discutidas e disponibilizadas como veículos de conhecimento. Um objeto de arte guardado reserva com ele a sua história, todas as informações que poderiam ser transmitidas e se tornarem saber. O artista Megume Yuasa defende a capacidade de transformação dos objetos, mas também a prática de absorção de novos significados a partir de uma determinada situação: “o objeto morre para renascer em um novo contexto”2. Os objetos são veículos de cultura e informação, traduzem em si elementos que ultrapassam sua dimensão e forma. Entretanto, é a partir de seu estudo, na procura por averiguar sua origem, processo de criação, trajetória, que se produz conhecimento – há a importância de reconhecer seus significados por meio da observação e análise. Importante ressaltar a importância das coleções particulares também como um meio de reunir exemplares de importância sobre uma temática específica. Destaca-se como exemplo acervos de importantes museus que tiveram sua origem em coleções desta categoria, como os casos brasileiros do Museu Casa do Pontal (originado do acervo de Jacques Van de Beuque), Museu Afro Brasil (acervo de Emanuel Araújo), Pavilhão da Criatividade (acervo de Maureen e Jacques Bisilliat), Museu Paulista (acervo de Major Sertório), entre outros. Compreende-se que a Coleção selecionada para este estudo, no momento uma coleção particular, tem muito a proporcionar, principalmente após a sua caracterização e a análise de seus objetos, dando vida ao aspecto primordial que qualifica a sua formação: a produção de conhecimento. 2. Palestra: "Megumi Yuasa: depoimento" proferida durante o II Encontro de Ceramistas na Universidade de São Paulo, em São Paulo, 2013. CAPÍTULO 2: COLEÇÃO LALADA DALGLISH 55 Uma colecção é uma aventura. Uma descoberta permanente. Uma busca incessante. Uma colecção não tem fim, nunca se completa e é por isso um desafio. Constituir uma colecção de arte popular é, também e por isso, a descoberta de um país ignorado, muitas vezes esquecido e quase sempre desprezado. Mas um país que vive, que vem e sente e que, em muitos casos, encontra nos saberes tradicionais uma forma de exprimir a sua verdadeira identidade. (LIMA; PINHO, 2003, s.p.). 57 CAPÍTULO 2: COLEÇÃO LALADA DALGLISH Após esclarecidos aspectos gerais sobre coleção e objetos adentra-se em um universo específico. Como já anunciado, neste estudo foi analisado o conjunto de cerâmicas reunido por Lalada Dalglish, pesquisadora e docente do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São Paulo. Neste trabalho, o conjunto dessas peças recebeu a nomeação Coleção Lalada Dalglish. A fim de iniciar um diagnóstico destas cerâmicas, apresenta-se as primeiras informações relacionadas à formação da Coleção: elementos que influenciaram a aquisição das primeiras peças e motivaram o seu contínuo crescimento, até os dias atuais. Cita-se sobre suas características iniciais e os principais aspectos que influenciaram sua escolha como objeto de pesquisa. 59 O INÍCIO DE UMA HISTÓRIA A Coleção Lalada Dalglish teve seu início na década de 1970, quando a então pesquisadora, após terminar o curso de graduação em Psicologia, em Brasília, mudou-se para os Estados Unidos, a fim de realizar um mestrado em Arteterapia. Naquele momento, teve o primeiro contato com a cerâmica e tanto se interessou pela técnica que começou a se dedicar à esta área1, tendo como principal foco de interesse a produção na América Latina. Envolvida no estudo da cerâmica, Lalada Dalglish começou a reunir objetos que lhe interessavam, fosse pela estética, história ou simplesmente por possuírem uma energia especial2. Ao longo dos anos foi motivada a realizar viagens a diversos países para conhecer técnicas e processos de produção cerâmica, vivenciou o dia a dia de artistas que traduzem no barro muito das tradições regionais e de suas histórias pessoais. Estabeleceu contato direto com ceramistas e comunidades produtoras, vindo a adquirir peças de diversos locais. Com o tempo, o número de cerâmicas aumentou, passando a ocupar as prateleiras e os armários de sua residência, além de espaços em depósitos da Universidade em que leciona (figuras 1 e 2). Como ocorre em diferentes coleções e confirmado pela colecionadora3, para aquisição das peças não houve de sua parte uma preocupação curatorial; foi adquirindo de modo informal, selecionando as peças conforme o seu gosto pessoal. A Coleção Lalada Dalglish, catalogada até o momento, reune 1.030 cerâmicas. Neste conjunto há esculturas de diversas dimensões, potes, panelas, vasos, urnas, etc. Esta Coleção constitui uma rica fonte para estudos e pesquisas por ser composta por exemplares oriundos de diferentes culturas, feitos em variadas técnicas e processos que envolvem o universo da cerâmica. Entretanto, a partir de uma breve análise, já é possível identificar que há maior número de cerâmicas de determinados locais e ceramistas4. Esse fato pode ser justificado pelo tempo de pesquisa da colecionadora dedicado a algumas regiões, pelo modo de seleção desprovido de curadoria e regido principalmente por se gosto pessoal. Um exemplo a ser citado são as cerâmicas populares, sobretudo da região do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Neste caso, soma-se às justificativas o longo período de levantamento de informações e pesquisas sobre a região – recorte de sua pesquisa de Doutorado sobre a produção cerâmica na América Latina. 1. Iniciando seus estudos em cerâmica, Lalada Dalglish, na década de 1980, concluiu o Bacharelado em Artes pelo Evergreen State College e Mestrado em Artes (Design cerâmico e escultura) pela University of Puget Sound, Washington - USA. Destaca-se que a colecionadora, neste período, passou também a fazer cerâmicas, sendo que, técnicas e processos levantados em suas pesquisas de campo foram aplicados à sua produção. 2. Depoimento de Lalada Dalglish sobre a aquisição das primeiras peças em entrevista à autora em 24/04/2014. 3. Depoimento de Lalada Dalglish em entrevista informal à autora em 05/11/2013. 4. Nota-se que a Coleção Lalada Dalglish não está encerrada, existindo por parte da colecionadora a intenção de adquirir novas peças. 60 Figura 1: Cerâmicas distribuídas em estantes e prateleiras na casa de Lalada Dalglish. (Foto: Camila da Costa Lima) Figura 2: Cerâmicas ainda embrulhadas, guardadas dentro do forno do fogão a gás na cozinha da colecionadora. (Foto: Camila da Costa Lima) 61 Desde 1976 o Vale do Jequitinhonha despertou em Lalada Dalglish um interesse especial, as tradições, a riqueza das formas e as histórias das ceramistas a incentivaram para além dos seus estudos, levando-a a promover projetos relacionados à região. A partir da década de 1980, foram diversas idas para acompanhar processos de produção das peças, desde a extração da matéria-prima, em fartura na região, até a queima. A pesquisadora passou alguns períodos convivendo com as ceramistas, vivenciando suas realidades, documentando os seus fazeres. O conhecimento adquirido deste contato gerou publicações importantes para a área da cerâmica5, a implantação de projetos locais de apoio à produção e venda, além do fortalecimento de sua coleção com uma variedade de exemplares da região. O mesmo pode ser aplicado a duas outras localidades: Belém do Pará e Paraguai. No Pará, a colecionadora desenvolveu pesquisas e implantou projetos junto à comunidade de Icoaraci, manteve contato por longos períodos com Mestre Raimundo Cardoso e sua família e, consequentemente, adquiriu grande número de cerâmicas. Já no Paraguai, entre os anos de 2002 a 2010, esteve em pesquisa, principalmente com as ceramistas de Itá e Tobati, documentando as técnicas tradicionais da produção cerâmica Guarani. Apesar do modo descomprometido como se iniciou a Coleção, essa foi tomando grandes proporções e juntamente surgiu na colecionadora a vontade de formar, com as peças recolhidas em pesquisas de campo e no contato com ceramistas, um museu, em São Paulo, específico da técnica cerâmica. Deste modo, talvez mesmo que inconscientemente, a Coleção passou a ser moldada, pois havia um novo motivo que estimulava as aquisições, um projeto maior que se organizava mentalmente. Desse momento em diante, a seleção das peças já passou a ser influenciada por este desejo: formar um museu de cerâmica direcionado para a pesquisa6. André Malraux, em Museu Imaginário, traça uma definição interessante sobre coleções e colecionadores. O autor comenta a organização de objetos de modo imaginário, podendo ser comparada com a de um museu real. Nesse caso, o colecionador possui a intenção de transferir para o real o que foi por ele inicialmente idealizado, na tentativa de materializar o imaginado: Cada coleção, por outro lado, poderia ser considerada um “museu Imaginário” [...] considerado aqui não apenas como um museu de imagens – ou reproduções – que se sobrepõem e dialogam, mas sim um lugar mental, um lugar da memória, do imaginário pessoal. Nesse espaço, os objetos perdem sua hierarquia e sua dicotomia, estabelecendo um diálogo sempre em construção. (MALRAUX, s.d., apud COSTA, 2007, p. 21). 5. As pesquisas de Lalada Dalglish sobre o Vale do Jequitinhonha resultaram na publicação, pela Editora Unesp, do livro Noivas da Seca – cerâmica popular do Vale do Jequitinhonha, com ampla descrição sobre a vida e obras das ceramistas da região. 6. Ver, no Anexo A, o documento (pré-projeto) com detalhamentos sobre os fundamentos da futura instituição – Museu Brasileiro da Cerâmica. 62 Este processo de organizar mentalmente tais relações entre os objetos ou de compor uma reunião em que cada detalhe, cada peça, tenha sua importância no contexto total, ou, ainda, tentar preencher lacunas para abranger por inteiro o tema da coleção, pode ser aplicado neste estudo. Nos anos mais recentes, Lalada Dalglish passou a planejar a aquisição de algumas peças e pretende, nos próximos, verificar categorias, locais ou ceramistas que não estão plenamente representados para completar esses desfalques. Desse modo, não será mais somente o gosto pessoal que estimulará a seleção, mas a compreensão de que, para se abranger totalmente um tema, é necessário incluir objetos que particularmente nem tanto nos interessa. A Coleção Lalada Dalglish possui particularidades que merecem ser estudadas, é o conjunto no qual esta pesquisa se apoia, podendo inclusive vir a propiciar novos projetos. No estudo desta Coleção se insere o desejo de valorizar, divulgar e reconhecer a técnica cerâmica, que é tão ricamente trabalhada no Brasil, mas não proporcionalmente valorizada. Ações relacionadas com essa pesquisa poderão auxiliar na criação futura de um museu, auxiliando para aplicação desta proposta. Nota-se que a colecionadora, além das peças, possui quantidade significativa de livros da área, fotografias e slides que documentam ceramistas e o fazer de algumas das cerâmicas. Esses documentos, agregados às peças, viriam a enriquecer o acervo de uma instituição voltada para a exposição, divulgação de tradições e pesquisas. Importante ressaltar que as cerâmicas que compõem a Coleção, até o início desta pesquisa, não haviam passado por nenhum processo de documentação. Ao longo dos anos, a reunião de objetos aumentou e foi se tornando um acumulado, já que, em sua maioria, as peças se encontravam ainda embrulhadas, em suas embalagens originais, dispostas em caixas e, devido à quantidade, a própria colecionadora não recordava ao certo tudo o que havia adquirido. Além disso desconhecia se durante o transporte ou o período nas dependências da Universidade houve algum acidente ou extravio. Inicialmente, pesou sobre a escolha desta Coleção o fato de suas peças não possuírem registros, estarem embaladas e dispostas em distintos locais. As informações iniciais sobre este conjunto eram superficiais e tinha-se o risco de, após conhecer seu conteúdo, verificá-lo como inconsistente para pesquisa. Por outro lado, principalmente pelo fato de a colecionadora ser uma estudiosa da técnica cerâmica e por sua dedicação, nas últimas quatro décadas, em buscar e reunir peças, havia grande chance desta reunião, até o momento com suas informações ocultadas, ter muito de interessante a promover. De qualquer modo, tinha-se que iniciar uma proposta de documentação e colocá-la em prática, para então obter dados precisos sobre sua constituição e características. Somente com uma análise minuciosa das cerâmicas se alcançariam dados seguros, evitando- se conclusões antecipadas ou imprecisas. Ressalta-se ainda que a maioria dos estudos que envolvem coleções se iniciam já se conhecendo seu conteúdo e em plenas condições de acesso; o caso deste estudo se afasta do comum, principalmente sendo uma pesquisa em arte que envolve processos de documentação museológica. 63 Empregou-se o processo de documentação como uma ferramenta para o levantamento de dados, sendo uma etapa necessária para reconhecimento das propriedades do conjunto de peças e de fundamental importância para o desenvolvimento da pesquisa e, inclusive, projetos futuros, como a formação de um museu da técnica cerâmica, tendo como base de seu acervo a Coleção Lalada Dalglish. De qualquer modo, o início deste estudo estaria indo de encontro à documentação, uma vez que as peças necessitavam ser catalogadas, para própria segurança do acervo e compreensão da Coleção como um todo. Coleção diverge de acumulação. Colecionar é eleger, recolher, conservar e seriar, agindo de acordo com critérios pré-estabelecidos. Classificar os objetos recolhidos, confrontar sua aparência e significados com as características dos demais objetos e ordenar o aspecto do mundo eleito para indagação metódica ou informal. O catálogo é um meio de ordenação do conjunto a partir de um critério pré-estabelecido. (RIBEIRO, 1992, p. 23). Ribeiro (ibidem, p. 25) defende ainda que o que diferencia uma coleção de um mero acumulo é o fato de a coleção estabelecer uma série e os seus objetos serem portadores de significados, já a acumulação não envolver operações de classificação ou seriação. No entanto, a coleção sem a devida identificação de suas peças ou estudo das suas qualidades, estando guardada longe dos olhos e sem promover o conhecimento, torna-se sombra. É possível afirmar que, pelo estado em que parte da Coleção se encontrava anteriormente ao início desta pesquisa, a reunião de objetos constituída por Lalada Dalglish era um acumulado: caixas e embrulhos sobrepostos (alguns deteriorados), peças abrigadas inadequadamente, sem identificação ou qualquer outro tipo de registro. A partir do manuseio adequado e a efetuação dos primeiros registros, o conjunto começou a ser realmente uma coleção e, junto de cada objeto, se resgatavam vestígios de uma cultura – conservar essas cerâmicas também se relacionava com a preservação e difusão de tal cultura. A COLEÇÃO LALADA DALGLISH COMO OBJETO DE PESQUISA A cerâmica, ainda mais que outras técnicas, por envolver em sua produção distintas etapas, processos e materiais, conta com a incerteza e o empenho de artistas que trazem muito de suas histórias embrenhadas na matéria. Para a produção de uma peça, por vezes se resgatam tradições, passadas de uma geração à outra, ou ainda ela pode resultar de uma aventura para se descobrir algo novo. De qualquer modo, verifica-se a cerâmica como um componente diretamente relacionado à sua cultura de origem. Ernesto da Veiga Oliveira (1971, p. 47). comenta: “Todos os objectos de uma cultura têm interesse para o conhecimento dessa cultura; e é mesmo muitas vezes o objecto mais usual ou comum, o menos rico e ornamentado, aquele que será mais representativo da cultura a que pertence”. 64 Ricardo Gomes Lima também ressalta o valor do trabalho de pesquisadores junto a distintas comunidades na busca por reunir e preservar objetos que representam aquela cultura, contribuindo para a ampliação das coleções museológicas: As coleções etnográficas brasileiras têm sido progressivamente enriquecidas com exemplares ímpares que buscamos nos confins mais distantes, trazendo-os aos museus, muitas vezes com grandes dificuldades, quando de nossas pesquisas de campo, quer com sociedades indígenas, quer em comunidades rurais ou urbanas como a nossa própria sociedade. E nós o fazemos por julgar importante reunir e preservar uma coleção de objetos que seja representativa do grupo estudado e, acima disto, por crer que estes objetos carregam com eles a cultura que os produz. (LIMA, 1984, p. 10). Ressalta-se que os elementos de uma cultura permanecem agregados aos objetos, mesmo quando esses se encontram afastados da localidade onde foram produzidos. Eles passam a representá-la, daí a importância de sua pesquisa e exposição, bem como a valorização dos aspectos que contribuem para a existência de determinada produção. Por outro lado, também se destaca a necessidade de identificar e relacionar conteúdos, analisar processos, técnicas e tradições que muitas vezes estimulam o desenvolvimento de estilos próprios, específicos de determinado artista, já que cada peça é única, fruto de um momento igualmente único. O presente estudo propôs buscar as relações que resultam na formação do objeto cerâmico, incluindo os diversos elementos que, de certo modo, participam tão efetivamente quanto o ceramista no processo de produção – vestígios de uma cultura estão presentes em cada etapa – como as vivências, as relações do entorno e os conteúdos simbólicos que interferem tanto na formação do artista como na concepção do objeto. CAPÍTULO 3: MÉTODOS E PROCESSOS DE DOCUMENTAÇÃO 67 Os objetos são também escritas culturais. Substituem as palavras mas, semelhantes a elas, constroem uma narrativa sobre a realidade. São como uma linguagem que vai contando daqueles que os produzem, comercializam, colecionam, expõem e consomem. (LIMA, 2010, p. 16). 69 CAPÍTULO 3: MÉTODOS E PROCESSOS DE DOCUMENTAÇÃO Descreve-se neste capítulo as etapas do processo de documentação aplicado à Coleção Lalada Dalglish. Apoiando-se em métodos consagrados de documentação museológica, destaca-se a importância deste processo para levantamento e registro de informações. Parte-se para a análise do objeto cerâmico como um documento capaz de apresentar informações relacionadas com processos de seu fazer e características de sua cultura. Deste modo, construiu-se um acervo de dados e imagens que conduziu o desenvolvimento da pesquisa. 71 O OBJETO COMO FONTE DE INFORMAÇÃO A Coleção Lalada Dalglish foi selecionada para esse estudo por apresentar qualidades relevantes para pesquisas na área da cerâmica. Entretanto, o modo como foi sendo formada, desprovida de organização e registros, inviabilizava análises, e mesmo conhecer sua constituição por completo. Diante de um acumulado de objetos, verificou-se a necessidade de empregar procedimentos que tornassem primeiramente a Coleção acessível, para então adentrar em seu conteúdo e realizar a pesquisa proposta. O processo de documentação foi o meio escolhido para identificar os dados e registrá-los, a fim de reconhecer informações que permitissem o prosseguimento seguro da pesquisa. Somente após essa etapa, os dados do conjunto puderam ser analisados, propiciando o reconhecimento de aspectos concretos inerentes à sua constituição. Entretanto, nesse processo, a interpretação do objeto como produto de uma cultura somou-se para direcionar o estudo das técnicas e dos estilos empregados na sua produção: [...] as informações obtidas a partir de cada item da coleção ampliam sua comunicação, revelando o quanto cada objeto suporta de informação, uma vez que eles possuem marcas específicas de memória, reveladoras da vida de seus produtores e usuários originais. Como estas marcas são imanentes, cabe à instituição que o abriga tanto preservar o objeto quanto recuperar a informação que cada um carrega, qualificando-o como documento. (MUSEU CASA DO PONTAL, 2008, p. 14). Cada objeto é possível de ser classificado como documento, pois carrega consigo vestígios de sua produção, usos, trajetórias, além de apresentar elementos capazes de constituírem conhecimento sobre a cultura da qual é produto. Conforme defende Mario Chagas, há de se estabelecer uma relação, dialogar com este objeto, para dele serem extraídas informações, tanto sobre suas características, forma, material, inscrições, como dados de sua história, significados e funções: Um documento se constitui no momento em que sobre ele lançamos nosso olhar interrogativo; no momento em que perguntamos o nome do objeto, de que matéria prima é constituído, quando e onde foi feito, qual o seu autor, de que tema se trata, qual a sua função, em que contexto social, político, econômico e cultural foi produzido e utilizado, que relação manteve com determinados atores e conjunturas históricas etc. (CHAGAS, 1994, p. 35). Como se percebe, o processo de documentação permite aprofundar o contato com os objetos e, deste modo, observar suas características e particularidades. Cada objeto tem seus dados registrados, garantindo a preservação de informações e facilitando a consulta 72 e pesquisa. Deste modo, confirma-se que a documentação garante o registro para a comunicação dos elementos associados aos objetos e, por meio da pesquisa e análise das informações coletadas, ocorre a produção de conhecimentos: De forma geral a documentação é conceituada como um conjunto de técnicas necessárias para a organização, informação e a apresentação dos conhecimentos registrados, de tal modo que tornem os documentos acessíveis e úteis. E o documento, por sua vez, é definido como uma peça escrita ou impressa que oferece prova ou informação sobre qualquer assunto. (NASCIMENTO, 1994, p. 32). Ressalta-se que a Coleção Lalada Dalglish ainda não pertence oficialmente a nenhuma instituição formalizada1 , apesar da intenção e de ações que encaminham para a constituição de um museu de cerâmica vinculado ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, em São Paulo2. Ainda assim, o processo de documentação mostrou-se indispensável, tanto por contribuir para a configuração de uma coleção (com o levantamento de dados e os registros), como por ser um facilitador para ações futuras que envolvam esse conjunto de cerâmicas. Quando um objeto tem seu histórico registrado, é como se o tempo agisse a seu favor, contribuindo na construção de sua história e de seus significados. Por esse motivo, houve a necessidade do registro do maior número de dados e informações, para manter os objetos como suportes de conhecimento. Muitas vezes, tem-se como algo rotineiro a aquisição de uma nova peça para fazer parte de uma coleção, sem o registro da história agregada ao seu fazer, pois é algo ainda próximo, ocorrido recentemente. Mas, com o passar dos anos, se não devidamente registrados, os fatos se perdem, as memórias se apagam e junto delas parte dos atributos do objeto. No caso da Coleção Lalada Dalglish, alguns dados, como aspectos relacionados às aquisições, não possuíam registros, sendo as lembranças da colecionadora uma ferramenta fundamental para a coleta de informações, juntamente com a realização de entrevistas, conversas e leituras de seus textos. Note-se que a preservação de dados também se dá pela memória, sendo essa uma aliada para construir conhecimentos. O tempo tem participação ativa. Mario Chagas destaca a forte relação entre documento, informação e memória – elementos indissociáveis no processo de comunicação e conhecimento: 1. Em diversas reuniões com a colecionadora, inclusive durante os encontros do Grupo de Pesquisas Cerâmica Latino-americana: do tradicional ao contemporâneo, foram abordados aspectos como nome, sigla e logotipo de um possível museu formado a partir desta Coleção, além do levantamento de documentos para a sua formalização. Atualmente o acervo encontra-se em salas cedidas pela Universidade Estadual Paulista, em seu prédio no bairro Ipiranga (São Paulo-SP). É nesse local que se realizaram todas as etapas da documentação das peças. 2. Ver, no Anexo B, carta enviada por Lalada Dalglish ao Reitor da Universidade Estadual Paulista descrevendo a necessidade de um espaço permanente para abrigar a Coleção. 73 O conceito de documento nos leva também ao conceito de MEMÓRIA. Para que possamos pensar o documento como “aquilo que ensina” ou “como suporte de informação”, não podemos abrir mão da memória. Não há aprendizado e não há informação sem a presença da memória. (CHAGAS, 1994, p. 37). Lilian Bayma de Amorim (2010, p. 19) apresenta uma classificação interessante relacionada aos objetos arqueológicos, e que se aplica a objetos de outras categorias. Ela os identifica como “depósitos de memória”, sendo que, a partir da observação e interpretação, são capazes de revelar vestígios da história. A fim de realizar a documentação da Coleção Lalada Dalglish de modo coerente e seguro, foram feitas consultas a materiais bibliográficos para o conhecimento de abordagens defendidas por diferentes autores, bem como visitas técnicas em setores de documentação e gestão de acervos em instituições museológicas para averiguar as metodologias adotadas, além da participação em eventos e cursos na área. Deste modo, foi possível encontrar subsídios para organizar ações referentes a cada etapa deste processo. A documentação de acervos museológicos é o conjunto de informações sobre cada um dos seus itens e, por conseguinte, a preservação e a representação destes por meio da palavra e da imagem (fotografia). Ao mesmo tempo, é um sistema de recuperação de informações capaz de transformar as coleções dos museus de fontes de informações em fontes de pesquisa científica ou em instrumentos de transmissão de conhecimento. (FERREZ, 1994, s.p). Ainda segundo Helena Dodd Ferrez, a documentação de acervos auxilia na recuperação e preservação das informações contidas em determinado objeto, mantendo suas especificações e transformando-os em veículos de conhecimento. Para tanto, é necessário organizar tarefas a serem aplicadas para a coleta de dados e identificar cada exemplar. Esse processo, conhecido como catalogação, envolve justamente os atos de análise e registro de informações: Dentre as etapas da decodificação denomina-se catalogar o ato de identificar e relacionar bens culturais ou espécimes naturais através do seu estudo que poderá ter maior ou menor profundidade em sua análise e posterior fichamento. Este, com uma descrição completa e a localização da peça no tempo e no espaço, objetiva uma forma de identificá-la. (CAMARGO-MORO, 1986, p. 79). Catalogar pode ser um processo que reúne uma combinação de diferentes modos de registro: “A catalogação de acervos pode ser feita de muitas maneiras e a partir de diversos suportes. Fichas catalográficas, livros de registro, fotografias e desenhos de diferentes 74 ângulos facilitam a identificação do estado das peças” (MUSEU CASA DO PONTAL, 2008, p. 22). Essa etapa, que visa identificar o objeto, compõe o processo que Rosana Andrade Nascimento classifica como documentação primária: Em primeiro lugar, a documentação primária (registro, identificação, fichas, numeração, etc.) do objeto é necessária para o controle e a segurança do acervo; porém, não deve ser considerada como um fim, e sim como um processo para o desenvolvimento de pesquisas que tenham por objetivo a produção de conhecimento sobre a história social e cultural onde o objeto está imerso. (NASCIMENTO, 1994, p. 36). A fala de Nascimento muito bem exemplifica o método de trabalho selecionado para essa pesquisa, que também teve a documentação como um meio para se alcançar um objetivo maior – reconhecer e, principalmente, produzir conhecimento. Parte-se do princípio de que cada cerâmica é um produto que representa cultura, que possui diversos significados agregados. A documentação primária serve como um veículo, pois levanta dados e organiza informações que serão utilizadas como fonte de pesquisa e apresentadas posteriormente por meio de publicações e exposições. Nascimento (1994, p. 32), ao traçar uma relação entre museu e documentação museológica, propõe ainda esta distinção: “Museu relaciona-se com o resgate da história do homem, já a documentação museológica com o resgate de informações sobre o objeto”. Em ambos os casos, o que está sendo priorizado é a difusão da cultura e do conhecimento, para que persistam ao tempo e os saberes sejam divulgados, gerando novas pesquisas e descobertas. Como um exemplo, há museus e instituições que podem ser interpretados como auxiliares na preservação da história e memória, favorecendo o acesso à cultura. Fazem parte da documentação vários elementos que auxiliam na identificação, preservação, resgate e registro das informações contidas nos objetos de uma coleção ou acervo: número de registro, etiqueta de identificação, fichas catalográficas, lista de inventário, higienização, medição, marcação, restauro e registro fotográfico. PROCESSO DE DOCUMENTAÇÃO: COLEÇÃO E ESPAÇO Para adquirir conhecimento aprofundado sobre as cerâmicas que constituem a Coleção Lalada Dalglish, foi necessário o contato direto com cada uma das peças, iniciando o processo de documentação. Para tanto, havia a necessidade de um local seguro, com dimensões adequadas e móveis para abrigar as cerâmicas, mesmo que em caráter provisório, além de estrutura para proceder às etapas de higienização, catalogação e registro fotográfico. Até o início desta pesquisa, devido ao volume de peças e ausência de espaço, a Coleção se encontrava fragmentada em três locais: na casa da colecionadora, no bairro Santa Cecília; 75 no almoxarifado da Galeria de Artes, no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, na Barra Funda; e em outro depósito no edifício da Unesp, no bairro do Ipiranga (prédio que abrigou anteriormente o Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista), todos locais na capital do estado de São Paulo (figura 3). Vale comentar que, apesar de a Pró-Reitoria de Extensão Universitária da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho ter elaborado em 2008 o catálogo Museus da Unesp e neste constar a existência do Museu Brasileiro da Cerâmica3, junto com demais museus vinculados à Universidade, este, entretanto, não existe formalmente até o momento. No entanto, há propostas para a sua fundação e interesse da colecionadora em doar a Coleção para a Universidade em termo de comodato4. Mudanças e reformas em setores da Universidade fizeram com que, em 2013, fosse cedido pela Reitoria, junto ao Instituto Confúcio e ao Núcleo de Ensino à Distância da Unesp, no Ipiranga, um espaço para acomodar as caixas com cerâmicas. A definição deste espaço possibilitou o início do processo de documentação, assegurando a integridade do conjunto. Ressalte-se, contudo, que o local ainda não está preparado para receber público ou exposições com visitação, servindo tão somente como reserva técnica5 e locus de pesquisa. 3. Ver, no Anexo C, cópia do catálogo Museus da Unesp, com apresentação do Museu Brasileiro da Cerâmica. 4. Pelo termo de comodato a colecionadora entregaria em caráter temporário sua coleção à Universidade. Este acordo preserva a segurança de que o interesse do comodante seja mantido, no caso, que a coleção seja parte de um museu, aberto ao público, que promova ações de educação e pesquisa. Na ausência do cumprimento do