Rubia Mara Bragagnollo Uma proposta de trabalho com gêneros textuais para os textos escritos no Teletandem Institucional-Integrado São José do Rio Preto 2016 Campus de São José do Rio Preto Rubia Mara Bragagnollo Uma proposta de trabalho com gêneros textuais para os textos escritos no Teletandem Institucional-Integrado Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Campus de São José do Rio Preto, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Estudos Linguísticos ao Ensino e Aprendizagem de Línguas (Área de Concentração: Linguística Aplicada). Financiadora: CAPES Orientadora: Prof.ª Dr.ª Solange Aranha São José do Rio Preto – SP 2016 Bragagnollo, Rubia Mara. Uma proposta de trabalho com gêneros textuais para os textos escritos no Teletandem Institucional-Integrado / Rubia Mara Bragagnollo. -- São José do Rio Preto, 2016 261 f. : il. color., tabs. + 1 CD-ROM (81 f. : il. color.) Orientador: Solange Aranha Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas Acompanha CD-ROM, que contém anexos 1. Linguística aplicada. 2. Língua portuguesa - Português escrito. 3. Língua portuguesa - Estudo e ensino - Falantes estrangeiros. 4. Ensino a distância - Ensino auxiliado por computador. 5. Tecnologias de informação e comunicação. I. Aranha, Solange. II. Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. III. Título. CDU – 469.0-052 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto Rubia Mara Bragagnollo Uma proposta de trabalho com gêneros textuais para os textos escritos no Teletandem Institucional-Integrado Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Campus de São José do Rio Preto, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Estudos Linguísticos ao Ensino e Aprendizagem de Línguas (Área de Concentração: Linguística Aplicada). Orientadora: Prof.ª Dr.ª Solange Aranha Comissão Examinadora Titulares Profa. Dra. Solange Aranha (orientadora) (UNESP – São José do Rio Preto) Prof. Dr. João Antônio Telles (UNESP – São José do Rio Preto) Profa. Dra. Lília Santos Abreu-Tardelli (UNESP – São José do Rio Preto) Profa. Dra. Nildicéia Aparecida Rocha (UNESP – Araraquara) Prof. Dra. Vera Lúcia Lopes Cristóvão (Universidade Estadual de Londrina) Suplentes Profa. Dra. Suzi Marques Spatti Cavalari (UNESP – São José do Rio Preto) Prof. Dr. Francisco José Quaresma de Figueiredo (Universidade Federal de Goiás) Prof. Dr. Renilson José Menegassi (Universidade Estadual de Maringá) São José do Rio Preto 03 de agosto de 2016 Para meu esposo, Sandro Augusto Rhoden, meu grande companheiro. Para meus pais e irmão, meus eternos amores. AGRADECIMENTOS A minha orientadora, Dra. Solange Aranha, por confiar em meu trabalho e acreditar que eu teria capacidade para iniciar os estudos em um terreno até então desconhecido por mim. Obrigada pelos conselhos, pelo auxílio constante durante meu percurso como doutoranda, pelo apoio em todas as minhas decisões e por ser um exemplo de professora e pesquisadora. Aos professores Dr. João Telles e Dra. Lília Abreu-Tardelli, pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação. Obrigada, também, por aceitarem o convite para participar da Banca de Defesa, acompanhando e contribuindo ainda mais para o crescimento do trabalho. Às professoras Dra. Vera Lúcia Lopes Cristóvão e Dra. Nildicéia Aparecida Rocha, por aceitarem o convite de participação como membros da Banca de Defesa desta tese. À professora Dra. Suzi Spatti Cavalari, por ter acompanhado minha trajetória ao longo do Doutorado de maneira tão afetuosa. Pelos conselhos que foram dados em diversas circunstâncias de minha vida pessoal e profissional. Ao Dr. Robert Moser, meu supervisor durante o doutorado sanduíche na universidade americana, por abrir as portas do Departamento de Português da universidade para que eu pudesse realizar a pesquisa com a turma de PLE e por ser sempre prestativo. À professora Cecília, da universidade americana, que gentilmente cedeu aulas da sua disciplina para a realização do trabalho com a turma de PLE; pelo apoio quando precisei ao longo do semestre. Às alunas da turma Port3010 por terem me recebido com entusiasmo para que eu pudesse trabalhar com gêneros textuais durante o segundo semestre de 2013 e permitido o uso dos dados para a pesquisa. Obrigada por terem instigado reflexões e discussões que fazem parte desta tese. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por me conceder a bolsa de estudos para o desenvolvimento da pesquisa no Brasil e no exterior. Aos funcionários da seção de pós-graduação do Ibilce, em especial a Sílvia Emiko e ao Alex Antônio dos Santos, que foram sempre muito prestativos em minhas solicitações e dúvidas durante todo o Doutorado. Aos professores do Programa de Estudos Linguísticos da UNESP de São José do Rio Preto, por terem, de uma forma ou outra, contribuído para meu crescimento e amadurecimento como pesquisadora. Agradeço, em especial, a professora Dra. Fabiana Komesu pela orientação no Exame de Qualificação Especial e por ser um exemplo de educadora. À querida Maísa Zakir, pelas conversas que me ajudaram durante o trabalho de geração, organização e análise dos dados, e por ser uma companheira de pesquisa em teletandem, com quem pude dividir as angústias do processo de escrita da tese. Agradeço também a Lidiane Luvizari-Murad, pelas discussões sobre minha pesquisa e pela leitura do texto escrito para o Exame de Qualificação; suas contribuições foram muito importantes. Aos amigos que conquistei no Ibilce, Fabrício Amorim e Dalila Hassmann, com quem compartilhei bons momentos da pós-graduação, e, especialmente, a Bruna Gabriela Vieira, que além de ser uma incrível amiga, sempre me ajudou muito em minha vida acadêmica e profissional. Agradeço também aos amigos que fiz em Rio Preto, Aline Teodoro de Paula, Talita Milani, Laísa Sanches, Luciana Gonçalves, Marília e Victor Zupirolli, que me acolheram tão bem e tornaram meus dias nessa cidade mais alegres. Aos colegas do laboratório de Teletandem da UNESP de Rio Preto, pelas reuniões do grupo de pesquisa, que contribuíram para o desenvolvimento deste estudo. Agradeço aos professores das turmas de TTDii que me possibilitaram ser monitora do laboratório e aprender mais sobre esse ambiente. Ao Instituto Federal de Santa Catarina, campus Gaspar, por ter permitido meu afastamento parcial para finalizar a escrita da tese. Aos amigos de trabalho com quem compartilho minhas angústias. Aos amigos que conheci durante o doutorado sanduíche, em especial, a Tecila Ferracino e a Viviane Klen Alves, pela força e pela amizade. Aos colegas do Departamento de Português da universidade americana pela ajuda durante meu período em Athens, particularmente a Cris Lira pela hospitalidade ao me receber na cidade quando cheguei. Aos meus queridos amigos e familiares, por estarem presentes quando precisei de apoio, incentivo ou de momentos de distração e lazer. Agradeço pela compreensão quando estive ausente devido ao trabalho. Aos meus pais, Rubens e Regina Mara Bragagnollo, por terem incentivado meu aperfeiçoamento profissional e terem comemorado cada conquista de minha vida. Agradeço pelo esforço e a dedicação que me permitiram chegar até aqui. Ao meu irmão, Rubinho, que esteve sempre presente, mesmo na ausência física, em todos os momentos de minha vida, apoiando e incentivando cada passo dado. O amor da família é fundamental para nossas lutas! Ao Sandro Augusto Rhoden, meu esposo, amado companheiro, com quem tenho compartilhado sonhos, projetos e histórias há mais de uma década. Obrigada por me inspirar todos os dias e me fazer querer ser uma pessoa melhor; obrigada pela paciência, pelo incentivo constante e por traçar um caminho ao meu lado em busca do crescimento pessoal, profissional e espiritual. Para ser grande, sê inteiro; Nada teu exagera ou exclui; Sê todo em cada coisa; Põe quanto és no mínimo que fazes; Assim em cada lago, a lua toda brilha porque alta vive. Fernando Pessoa RESUMO A presente pesquisa aborda as produções textuais realizadas no teletandem Institucional- Integrado (TTDii), modalidade que promove o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras por meio de encontros regulares e virtuais entre pares de falantes de línguas diferentes, em uma turma de Português Língua Estrangeira (PLE) de uma universidade do sul dos Estados Unidos, a partir de um curso baseado em gêneros textuais proposto e aplicado por mim. De natureza quantitativa-qualitativa, exploratória e interpretativista e de base etnográfica, esta tese tem como objetivo central investigar o processo de aprendizagem das produções textuais dos gêneros sinopse de filmes e resenha de filmes no contexto mencionado e, para atingi-lo, os objetivos específicos são: a) perscrutar como (se) os gêneros discutidos em sala de aula foram apropriados pelas alunas da turma de PLE; b) verificar se houve conscientização por parte das interagentes americanas sobre os gêneros escritos e como eles são abordados nas sessões de TTDii; c) explorar as implicações do feedback corretivo oral das sessões de TTDii para produções textuais das americanas. Durante o segundo semestre de 2013, doze alunas americanas participaram de sessões de TTDii via Skype® com alunos da Universidade Estadual Paulista, campus São José do Rio Preto. Simultaneamente, as alunas tiveram aulas sobre os gêneros sinopse e resenha de filmes para que elas escrevessem três textos que seriam compartilhados com os parceiros. A partir do processo de escrita desses textos e do feedback corretivo oral no TTDii, dois dados focais foram analisados: a) os textos produzidos pelas americanas; b) as gravações das sessões nas quais os parceiros conversam sobre esses textos. A análise dos textos buscou identificar a presença dos movimentos retóricos trabalhados em sala de aula para verificar a apropriação dos gêneros. Resultados dessa análise revelam que as participantes produziram, de modo geral, os gêneros trabalhados em sala de aula de maneira satisfatória, incluindo a maior parte dos movimentos estudados por elas. Na análise das sessões de TTDii, a qual teve o intuito de investigar as implicações das sessões para as produções textuais das americanas, observou-se que o feedback oral foi benéfico, pois ofereceu oportunidades para que os parceiros esclarecessem dúvidas relativas à correção por escrito, entre outras vantagens. Com relação à conscientização sobre o gênero, verificou-se que poucas americanas tiveram uma consciência explícita da produção da sinopse e da resenha de filmes, e os parceiros brasileiros quase não fizeram comentários sobre esse aspecto dos textos. Os resultados deste estudo suscitam questões pertinentes relacionadas à possibilidade de se basear a produção de textos em gêneros no TTDii, fazendo-se as alterações necessárias para que exista uma reciprocidade em termos de contribuições relativas às características do gênero. Revelam, também, a importância do feedback oral realizado durante as sessões de TTDii para a produção textual. São apresentadas perspectivas para que a escrita na modalidade TTDii seja direcionada pelos professores das turmas participantes de modo a considerar aspectos como o contexto das produções, a escrita colaborativa e, sobretudo, a inclusão de gêneros textuais nessa prática. PALAVRAS-CHAVE: Teletandem Institucional-Integrado. Produção de textos. Gêneros textuais. ABSTRACT This research deals with writing productions carried out in the institutional-integrated teletandem (iiTTD), modality that promotes teaching and learning of foreign languages through regular and virtual meetings between pairs that speak two different languages, in a group of Portuguese as a Foreign Language (PFL) students at an American university, from a course based on genres proposed and taught by me. Of quantitative-qualitative interpretative nature and ethnographic basis, this study aims at investigating the learning process of writing production of the genres film synopsis and film review in the mentioned context and, to achieve this goal, the specific objectives are: a) to see how (if) the genres taught in class were appropriated by the PFL students, through the analysis of written texts and the contents taught in the classroom; b) to check if there was consciousness on the part of American students about the genres written and how they are addressed in iiTTD sessions; c) to see how (if) the iiTTD sessions, in which the students talk about the texts, help in final writing production through the oral feedback given by the Brazilian students. During the second semester of 2013, twelve American students attended iiTTD sessions via Skype® with students of UNESP São José do Rio Preto and simultaneously had nine classes taught by me about the film synopsis and film review so they could write three essays required by the modality based on these genres. From the process of writing these texts and oral corrective feedback on TTDii, two focal data were analyzed: a) the texts written by the Americans; b) the recording of TTDii sessions in which participants talk about the texts. The analysis of the texts sought to identify the presence of rhetorical moves taught to check the appropriation of genres. It revealed that the participants produced the genres worked in the classroom satisfactorily, including most moves studied by them. In the analysis of the TTDii sessions, it was observed that oral feedback proved to be beneficial as it offers opportunities to clarify the written corrective feedback given by Brazilians, among other advantages. Regarding the awareness about the genres, it was verified that only few Americans demonstrated a consciousness of the film synopsis and film review, and Brazilian partners made only few comments about this aspect of the texts. The results of this study raise relevant issues related to written texts that iiTTD students must produce and to the possibility of this practice based on genres, and reveal the importance of oral feedback sessions held during iiTTD to this writing production. Perspectives are presented so that the writing on the iiTTD modality is directed by teachers to take into account aspects such as the context of production, collaborative writing and, above all, the inclusion of genres in this practice. KEYWORDS: Institutional-Integrated Teletandem. Writing production. Textual genres. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Modalidades de tandem de acordo com as características do contexto ............... 36 Quadro 2 – TTD e TTDii: diferenças no contexto ................................................................. 39 Quadro 3 – Os princípios e as características das modalidades de TTD e de TTDii ............. 45 Quadro 4 – Passos para a análise de gêneros proposto por Hyland ....................................... 73 Quadro 5 – Aplicações do modelo CARS .............................................................................. 75 Quadro 6 – Propósitos comunicativos e movimentos retóricos do gênero sinopse ............... 90 Quadro 7 – Diferenças entre resenha acadêmica e resenha de filme ...................................... 93 Quadro 8 – Movimentos retóricos da resenha de filmes e respectivas subfunções ................ 98 Quadro 9 – Tipos de pesquisa utilizados e suas características no presente estudo .............. 106 Quadro 10 – Dados das participantes da UA .........................................................................109 Quadro 11 – Cronograma das aulas, sessões e trocas de textos entre os interagentes ..........110 Quadro 12 – Cronograma de aulas e conteúdos lecionados em cada aula ............................114 Quadro 13 – Síntese de instrumentos de coleta, material documentário e procedimentos de organização dos dados .................................................................................122 Quadro 14 – Objetivos de pesquisa em relação aos dados analisados ..................................123 Quadro 15 – Organização dos textos em pastas no computador ...........................................125 Quadro 16 – Datas das sessões e gravações das sessões de TTDii .......................................128 Quadro 17 – Informações sobre as sessões de TTDii gravadas (pares interagentes, datas e tempo de duração das sessões) ........................................................................129 Quadro 18 – Recorrência de movimentos retóricos nas sinopses do filme Eu, tu, eles ........133 Quadro 19 – Recorrência de movimentos retóricos nas sinopses do filme O contador de histórias ........................................................................................................... 142 Quadro 20 – Recorrência de movimentos retóricos nas resenhas do filme Eu, tu, eles ........148 Quadro 21 – Análise dos movimentos (M) e subfunções (SF) de um exemplar do corpus ..163 Quadro 22 – Possíveis impactos do feedback corretivo oral para as produções do TTDii ...207 Quadro 23 – Pontos positivos do feedback escrito e do oral na parceria Kathrin e João .....228 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Recorrência do primeiro movimento retórico e suas subfunções na resenha do filme Eu, tu, eles ......................................................................................................149 Gráfico 2 – Recorrência do segundo movimento retórico e suas subfunções, na resenha do filme Eu, tu, eles ......................................................................................................152 Gráfico 3 – Recorrência do terceiro movimento retórico e suas subfunções, na resenha do filme Eu, tu, eles ......................................................................................................156 Gráfico 4 – Recorrência do quarto movimento retórico (Avaliação final do filme) e suas subfunções, na resenha do filme Eu, tu, eles ........................................................... 161 LISTA DE ABREVIATURAS CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CARS Create a Research Space CD Comunidade Discursiva CP Comunidade de Prática CV Comunidade Virtual IA Interagente Americano IB Interagente Brasileiro LA Linguística Aplicada LE Língua Estrangeira PLE Português Língua Estrangeira PDSE Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior RF Resenha de filmes SF Sinopse de filmes UA Universidade Americana UNESP Universidade Estadual Paulista TTD Teletandem Institucional Não-Integrado TTDii Teletandem Institucional-Integrado NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO Falantes Nomes fictícios Pausa breve , (vírgula) Pausa longa (sem discriminação de duração) ... (três pontos) Pausa final . (ponto final) Trecho incompreensível ((incomp)) Dedução de trecho incompreensível ((dedução)) Comentários da transcritora ((risos )) Exclamação ! (ponto de exclamação) Pergunta ? (ponto de interrogação) Ênfase CAIXA ALTA Numerais Por extenso Citação (discurso direto ou leitura de texto) “” (aspas) Sobreposições Não indicadas Adaptado de MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................... 30 1.1 APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS: DO TANDEM AO TELETANDEM INSTITU- CIONAL INTEGRADO .................................................................................................. 31 1.1.1 Aprendizagem de línguas in-tandem e o teletandem ........................................ 31 1.1.2 O Teletandem Institucional-Integrado (TTDii) ................................................. 36 1.2 O PROCESSO DE ESCRITA COLABORATIVA E O FEEDBACK CORRETIVO ..... 46 1.2.1 Negociação de significados no feedback oral das sessões de TTDii .................. 53 1.3 GÊNEROS TEXTUAIS ................................................................................................... 56 1.3.1 Gêneros textuais à luz da sociorretórica ............................................................ 57 1.3.2 Aplicações pedagógicas do conceito de gênero .................................................. 69 1.3.2.1 Movimentos retóricos ................................................................................... 74 1.3.3 Gêneros e escrita ................................................................................................... 76 1.3.4 O gênero sinopse de filmes ................................................................................... 85 1.3.5 O gênero resenha de filmes .................................................................................. 91 CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................ 100 2.1 NATUREZA E CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................ 101 2.2 O CONTEXTO DA PESQUISA E OS PARTICIPANTES ............................................ 107 2.2.1 As participantes da pesquisa .............................................................................. 108 2.2.2 Organização do curso de gêneros e das sessões de TTDii ............................... 109 2.3 AS AULAS DE PORTUGUÊS NA UNIVERSIDADE AMERICANA ........................ 112 2.3.1 Descrição das aulas na turma de PLE da UA ................................................... 116 2.4 OS INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ........................................................ 120 2.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS .......................................................... 123 2.5.1 Os textos produzidos pelas alunas americanas ................................................. 124 2.5.2 Gravações das sessões de TTDii ........................................................................ 126 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ............................................. 131 3.1 ANÁLISE DOS TEXTOS: IDENTIFICAÇÃO DOS MOVIMENTOS RETÓRICOS . 132 3.1.1 Recorrência dos movimentos retóricos das sinopses de Eu, tu, eles ............... 133 3.1.2 Recorrência dos movimentos das sinopses de O contador de histórias ........... 141 3.1.3 Recorrência dos movimentos retóricos das resenhas de Eu, tu, eles .............. 146 3.1.3.1 Movimento 1: Apresentação do filme e avaliação inicial ........................... 148 3.1.3.2 Movimento 2: Descrição e interpretação da trama ...................................... 152 3.1.3.3 Movimento 3: Avaliação específica do filme.............................................. 156 3.1.3.4 Movimento 4: Avaliação final do filme ..................................................... 160 3.2 ANÁLISE DAS SESSÕES DE TTDii ............................................................................ 165 3.2.1 “Essa é uma resenha então?” – Como os gêneros são abordados nas sessões de TTDii ............................................................................................................... 165 3.2.2 O que os dados dizem: as dinâmicas das sessões .............................................. 182 3.2.2.1 “You can speak Portuguese now if you want” – Uso da língua portuguesa e da língua inglesa nas sessões .................................................................. 183 3.2.2.2 “Vamos conversar sobre minha redação?” – Como os alunos abordam os textos ......................................................................................................... 189 3.2.3 O feedback oral nas sessões de TTDii da dupla focal Kathrin e João ............. 208 3.3 RETOMANDO DISCUSSÕES E RESULTADOS DA ANÁLISE ............................... 230 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 236 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 249 ANEXOS .............................................................................................................................. 262 INTRODUÇÃO 17 O uso de tecnologias para o ensino e a aprendizagem de línguas não é recente e tem atraído significativa atenção de pesquisadores da área na Linguística Aplicada (LA), embora seu início tenha ocorrido apenas por volta dos anos 1960, nos Estados Unidos (LEFFA, 2006). Atualmente, é inegável a presença maciça de novas tecnologias de comunicação e informação no Brasil e no mundo dentro do âmbito educacional. O computador e seus aplicativos estão se transformando em uma ferramenta muito importante pelas suas ilimitadas potencialidades, sendo incorporados cada vez mais na educação devido às facilidades que trazem tanto para os aprendizes quanto para os professores. Desse rol de tecnologias, a Internet, o computador e ferramentas como a câmera e o microfone, juntos, ganham significativo destaque, pois propiciam o contato síncrono, a comunicação cada vez mais rápida e eficiente entre as pessoas de qualquer parte do mundo, diminuindo o obstáculo dos limites geográficos. Com relação ao ensino e a aprendizagem de línguas, Leffa já apontava, em 2006, que a Internet permite ao aluno usar a língua-alvo para se integrar em comunidades autênticas de usuários e trocar experiências com pessoas do mundo todo que estudassem a língua utilizada. A Internet e suas ferramentas passam a ser usadas no ensino de línguas como uma fonte dinâmica, que possibilita a integração de todas as tecnologias até então desenvolvidas, como escrita, áudio e vídeo, rádio, televisão, telefone, em um único recurso, o computador. O teletandem é um exemplo de contexto de aprendizagem de línguas que utiliza o computador, a Internet e vários recursos tecnológicos, como os citados acima. Esse contexto baseia-se nos princípios do tandem, o qual, por sua vez, consiste em sessões de interação bilíngues, nas quais falantes de diferentes línguas têm o interesse em aprender a Língua Estrangeira (LE) na qual o outro é proficiente (VASSALLO & TELLES, 2006). Além de proporcionar a prática da língua-alvo dos participantes do teletandem, esse contexto ainda funciona como facilitador de contato intercultural online (KRAMSCH & 18 URYU, 2014). Segundo Telles (2015, p. 6), “o contato intercultural por meio do teletandem fornece aos alunos oportunidades de perceber e expressar as diferentes concepções culturais que cada um tem do seu país e do país do parceiro, ou ainda de um terceiro país”. Nesse sentido, o teletandem representa não apenas um contexto de aprendizagem de línguas, mas, também, de trocas culturais entre os participantes. O teletandem teve início no Brasil por meio do Projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos (TELLES, 2006), um projeto que coloca alunos universitários brasileiros que querem aprender uma língua estrangeira em contato com alunos universitários de outros países que estão aprendendo português, através de interações por ferramentas como o MSN Messenger®, Skype® e Oovoo®1, utilizando-se de imagem, áudio e escrita, simultaneamente. É um exemplo de contexto de aprendizagem virtual que conta com a colaboração como um dos princípios, na qual um ajuda o outro na aprendizagem de LE. O projeto, atualmente, é desenvolvido nos campi de Assis, São José do Rio Preto e Araraquara, da Universidade Estadual Paulista. No contexto de aprendizagem em tandem, além de algumas modalidades específicas que serão apresentadas no capítulo teórico, existe uma denominada teletandem Institucional- Integrado (TTDii), que é reconhecida pelas instituições de ensino envolvidas e faz parte de um curso de graduação ou pós-graduação, sendo a atividade de teletandem incorporada à disciplina da LE em questão e obrigatória aos alunos matriculados (ARANHA & CAVALARI, 2014). Uma das atividades que podem ser requeridas no TTDii, além da própria sessão oral entre os alunos que ocorre via Skype® e outras atividades que serão apesentadas posteriormente, é a produção de textos, como tarefa de casa e, em alguns casos, colaborativamente, sobre temas variados. A escrita passa a ser explorada a partir da exigência da produção de textos sobre diferentes temas, feita pelos professores das disciplinas nas quais as sessões orais acontecem. 1 Programas como o MSN Messenger® e o Oovoo® eram utilizados para as sessões do TTD e do TTDii, porém não são mais, sendo o Skype® o programa mais usado atualmente. 19 Essa iniciativa leva em conta a importância de se praticar a modalidade escrita na aprendizagem de uma língua estrangeira e serve como um ‘gatilho’ para os assuntos da próxima sessão. Assim, segundo Aranha & Cavalari (2014), os textos produzidos no TTDii têm a função de instigar assuntos para que as sessões orais ocorram mais facilmente e para que haja um minimização de falta de assunto. No contexto em questão, os alunos devem escrever textos na sua língua-alvo e enviar aos seus parceiros para revisão textual, que é feita com base no conhecimento linguístico- discursivo-cultural do parceiro. Posteriormente, na sessão de TTDii seguinte, os parceiros têm a oportunidade de conversar sobre as correções feitas pelo falante proficiente, para, em seguida, poderem reescrever seus textos se for necessário. No entanto, nessa prática de escrita no TTDii, não há um consenso de instruções de como as produções textuais devem ser realizadas pelos alunos, ficando a critério de cada professor da turma essa decisão. Tal fato não é considerado negativo, pois cada professor pode trabalhar com a habilidade escrita da língua da forma como achar melhor; a questão é que, por ser uma prática recente, não há pesquisas e estudos de experiências com turmas que trabalharam de determinada forma. Como as escolhas de temas, tipos ou gêneros textuais dependem do que os professores das turmas sugerem, há uma diversidade grande em termos dos processos de escrita nas sessões do TTDii. Assim, um dos aspectos que instigou meu interesse pela modalidade de TTDii com relação à produção escrita em Português Língua Estrangeira (doravante PLE) foi justamente essa ausência de um consenso, de instruções já determinadas e, consequentemente, a existência da possibilidade de se propor um trabalho com base em gêneros textuais para a produção de textos no TTDii. Essa é a primeira justificativa para a realização deste estudo. Com a oportunidade de realizar parte do Doutorado no exterior e considerando a parceria da UNESP de São José do Rio preto com uma universidade americana (UA) para a realização do TTDii, o trabalho com gêneros foi realizado nos Estados Unidos, durante o 20 segundo semestre de 2013. Elaborei um módulo de nove aulas, dentro de uma disciplina lecionada por outra professora, para ensinar sistemática e presencialmente os gêneros sinopse de filmes e resenha de filmes a alunas americanas que participavam do TTDii com a UNESP, levando em conta a teoria sociorretórica (SWALES, 1990) para tal, bem como modelos retóricos dos gêneros (BEZERRA, 2006; RIGUEIRA, 2010). A partir dessas aulas, foi solicitado às alunas que escrevessem os textos em português com a delimitação dos gêneros trabalhados em sala e propósitos comunicativos específicos, para que pudessem enviar a seus parceiros brasileiros para a correção. A sinopse de filmes e a resenha de filmes foram escolhidas para serem ensinadas à turma de PLE da UA, pois ambos os gêneros são produzidos a partir de filmes, os quais são comumente solicitados aos alunos daquela universidade para que a produção escrita do TTDii seja feita com base nos filmes assistidos previamente. No entanto, ao propor um trabalho com filmes nas turmas participantes do TTDii, os professores da universidade americana, na maioria das vezes, não fornecem um embasamento sobre o gênero que pode ou deve ser produzido a partir deles. Nesse sentido, a escolha dos gêneros supracitados também se justifica por ser uma opção de inclusão de ensino para o trabalho com filmes. O surgimento e a utilização das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) têm proporcionado ao professor e aos alunos o contato com uma nova gama de opções com relação a gêneros textuais que são típicos dessa esfera comunicativa ou que, em seu processo evolutivo, migraram para novos suportes. É o caso do trabalho com os gêneros sinopse de filmes e a resenha de filmes, gêneros com grande circulação em sites da Internet. A intenção de elaborar um módulo que incluísse o ensino de gêneros textuais e sua aplicação em uma turma de PLE surgiu, também, como uma possibilidade de elaborar a escrita como uma tarefa específica e diferenciada para o contexto do TTDii, com propósitos marcados, conforme acreditam Bazerman et al. (2009). Para os autores, os gêneros ajudam-nos a 21 compreender e preparar os alunos para as necessidades de comunicação cada vez mais específicas de disciplinas escolares/acadêmicas, das profissões e da vida cotidiana. Após explicar o trabalho com gêneros e escolha da sinopse e da resenha de filmes, saliento o papel do TTDii para as produções textuais e todo o processo de escrita dos gêneros trabalhados em sala de aula, sendo esse aspecto fundamental da presente pesquisa. Como já mencionado, no TTDii existe a troca dos textos entre os parceiros para que um corrija o texto do outro e para que essas correções sejam comentadas durante as sessões. Desse modo, deve- se considerar a função que essa interação oral tem para o processo de escrita dos textos e como as duplas interagentes realizam as ações de feedback corretivo no TTDii. Evidencia-se, então, o grande diferencial de escrever textos neste contexto de aprendizagem de línguas: a possibilidade de correção, discussão e reescrita dos textos por meio das sessões orais que os alunos realizam no TTDii. Ou seja, esta tese não trata apenas de uma proposta de gêneros textuais aplicada em qualquer outro ambiente educacional; trata, sobretudo, de uma experiência com textos baseados em gêneros que são escritos a partir de um processo de feedback corretivo escrito e oral na modalidade de TTDii. Justifico, também, a escolha da temática e a relevância da pesquisa no referido contexto com um levantamento dos trabalhos que foram feitos até o momento acerca do teletandem no formato do projeto inicial, bem como da modalidade de TTDii, a fim de mostrar que não há estudos prontos acerca de gêneros textuais e produções escritas. A modalidade de teletandem do projeto proposto por Telles (2006) – que pode ser chamada de teletandem institucional não-integrado (BRAMMERTS et al., 2002), conta com vários estudos relevantes para tal formato, realizados até o momento. Podemos citar pesquisas que tratam de questões como: (a) autonomia (CAVALARI, 2009; 2011; LUZ, 2009), (b) relações de poder (VASSALLO, 2010), (c) crenças de pares interagentes e de professores (KFOURI-KANEOYA, 2008; BEDRAN, 2008), (d) avaliação (MESQUITA, 2008; 22 FURTOSO, 2011), (e) formação de professores (SALOMÃO, 2008; FUNO, 2011; SOUZA, 2012); (f) comunidades (ARANHA, 2009; SILVA, 2012), (g) Teoria da Atividade no TTD (ARAÚJO, 2012; LUZ, 2012, LUVIZARI-MURAD, 2011), (h) características das sessões (SILVA, 2008; SANTOS, 2008; ARANHA & TELLES, 2011); (i) gramática no TTD (BROCCO, 2009); (j) aspectos culturais (MENDES, 2009; SALOMÃO, 2012; RODRIGUES, 2013; ZAKIR, 2015; COSTA, 2015). Já a modalidade de teletandem Institucional-Integrado2, por ser recente no formato no qual se encontra dentro da UNESP, campus de São José do Rio Preto, ainda apresenta poucos estudos. Segundo Aranha (2014), existem iniciativas dos participantes do grupo de trabalho que a implementou e é responsável por mantê-la no Laboratório de Teletandem da UNESP em São José do Rio Preto, no sentido de abordar: o contexto (ARANHA & CAVALARI, 2014; CAVALARI & ARANHA, no prelo); a coleta de dados (ARANHA, LUVIZARI-MURAD & MORENO, 2015); a questão dos gêneros que emergem nas atividades desenvolvidas (ARANHA, 2014; ARANHA & BRAGAGNOLLO, 2015) e nas produções escritas (ARANHA & CAVALARI, 2015); a autonomia em relação ao novo contexto (BONFIM, 2014). Há ainda outros trabalhos que estão em andamento no laboratório, como: a) a pesquisa de Mestrado de Ferreira (em andamento), que aborda a escrita colaborativa no ambiente do teletandem; b) o trabalho de Mestrado de Rampazzo (em andamento), que tem como foco de estudo a recorrência de movimentos retóricos durante as sessões do TTDii, a fim de avaliar a possibilidade de considerar esse ambiente como um dos gêneros que compõem o sistema de gêneros da atividade colaborativa de teletandem; c) a dissertação de Freschi (em andamento), que aborda as características das práticas corretivas dos aprendizes na modalidade do TTDii; d) a tese de doutorado de Lopes, que investiga a organização, armazenamento e circulação de um banco de dados em TTDii. Ou seja, não há, até o presente momento, estudos que discutam a proposta de 2 As diferenças desta modalidade com relação à modalidade não-integrada são apresentadas no capítulo teórico. 23 inclusão de gêneros na prática da escrita no TTDii. Além das justificativas apresentadas acima, considero minha experiência pessoal e o interesse pela temática desta tese, que foi deflagrado a partir de uma série de acontecimentos acadêmicos. Tudo começou ainda na graduação, no ano de 2007, quando tive meu primeiro contato com o Projeto Teletandem Brasil, em São Carlos, SP, durante o VI Congresso Internacional da SIPLE (Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira). Lembro- me da apresentação que João Telles fez sobre o projeto a todos os participantes do evento e de como aquilo me deixou curiosa e interessada no assunto. Naquela época, estava no terceiro ano de Letras, em uma universidade pública do Oeste do Paraná, e precisava decidir sobre o tema de meu trabalho de conclusão de curso. Foi nesse momento que optei por trabalhar com PLE (especificamente materiais didáticos de PLE), incentivada, em partes, pelo projeto Teletandem que tratava da aprendizagem de português por estrangeiros que interagiam com brasileiros participantes do projeto. Em 2008, junto à elaboração da monografia, ministrei aulas de Português para Estrangeiros no Programa de Ensino de Línguas da universidade; foi uma experiência muito enriquecedora para mim, como professora e como pessoa, pois tive contato e momentos de trocas culturais com alunos da China, do Japão e do Paraguai que ansiavam por aprender mais o português, já que viviam no Brasil há algum tempo e demonstravam muito interesse pela língua. Após terminar a graduação, iniciei o Mestrado em uma universidade pública do Norte do Paraná. Tentei propor uma continuação do trabalho com o PLE, mas não havia orientador para esse tema. No entanto, outros interesses da graduação se revelaram: os gêneros textuais e a escrita. Tive um crescimento acadêmico bastante significativo durante o Mestrado; aprendi muito acerca da produção textual do gênero resumo acadêmico na formação docente inicial e foi muito prazeroso pesquisar nessa área. Para o Doutorado, no ano de 2011, tive a intenção de mudar de universidade novamente 24 e procurei programas de pós-graduação no Estado de São Paulo. Em dois campi da UNESP havia pesquisadores do teletandem e minha vontade de trabalhar com PLE e com o projeto desabrochou novamente. Além disso, minha orientadora já trabalhava com o conceito de gêneros textuais no teletandem, o que, para mim, foi o casamento perfeito. Em 2012, iniciei no Doutorado na UNESP de São José do Rio preto e a partir disso houve uma busca constante por novos conhecimentos, novas teorias e desafios cada vez maiores em relação ao meu crescimento acadêmico e pessoal, principalmente porque, embora houvesse um interesse meu sobre o teletandem e estudos prévios sobre gêneros textuais, nunca havia estudado sobre o projeto. Desse modo, unir as temáticas de teletandem, PLE, gêneros textuais e produção textual escrita representou uma grande realização acadêmica, haja vista a união de assuntos intrigantes e significativos para o ensino e aprendizagem de línguas e para mim, e a oportunidade de avanço de conhecimento que tive ao longo desses anos de dedicação à pesquisa. Este trabalho traz a possibilidade de se enfocar a produção da escrita com ênfase nos processos de escrita, trocas, feedback corretivo e reescrita dos textos, no contexto do teletandem. Além disso, é uma proposta que busca aliar a noção de gêneros textuais a uma perspectiva de ensino e aprendizagem voltados à prática da escrita. Levando em conta a contextualização do TTDii com relação ao papel da escrita nesta modalidade, bem como o interesse pelos gêneros textuais na perspectiva da sociorretórica, neste contexto, apresento como objetivo geral da pesquisa: investigar o processo de aprendizagem da produção textual dos gêneros sinopse de filmes e resenha de filmes, na modalidade de teletandem Institucional-Integrado, em uma turma de PLE de uma universidade americana. Para atingir o objetivo geral da pesquisa, os objetivos específicos foram:  perscrutar como (se) os gêneros ensinados em sala de aula foram apropriados pelas alunas da turma de PLE, por meio da análise dos textos escritos;  verificar se houve uma conscientização sobre os gêneros sinopse e resenha de filmes 25 por parte das interagentes americanas nas sessões de TTDii e como esses gêneros foram abordados pelos parceiros;  explorar as implicações do feedback corretivo oral dado durante as sessões de TTDii para o processo de produção textual das alunas da universidade americana. A análise dos dados leva em consideração dois dados focais3: a) a produção textual das alunas baseada nas aulas dos gêneros; b) as sessões de TTDii como fonte de feedback oral e desenvolvimento colaborativo para as produções textuais. As perguntas que norteiam o estudo, então, são: 1) Como (se) os gêneros sinopse e resenha de filmes são apropriados pelas alunas americanas em termos de presença ou não de movimentos retóricos estudados durante o curso? 2) Há uma conscientização sobre os gêneros textuais produzidos por parte das interagentes americanas nas sessões de TTDii? Como os gêneros são abordados nessas sessões? 3) Quais são as implicações do feedback oral das sessões de TTDii no processo das produções textuais das alunas americanas? Para responder aos questionamentos apresentados: 1) analiso os textos produzidos pelas alunas participantes da pesquisa, buscando observar os movimentos retóricos presentes nos textos escritos e que foram ensinados nas aulas; 2) analiso as sessões de TTDii nas quais os interagentes abordam os textos escritos pelas americanas para investigar o processo do feedback oral e a abordagem dos gêneros textuais durante as sessões. É fundamental ressaltar que o foco deste estudo está nas produções textuais escritas apenas pelas alunas da UA, já que o trabalho com gêneros textuais foi realizado somente com 3 Por dados focais entende-se os dados que são diretamente analisados na tese. 26 o lado americano. Com relação às sessões de TTDii, levei em conta o papel do brasileiro no feedback oral, porém a ênfase também é dada às possíveis contribuições para os textos das americanas. Saliento, ainda, que o terceiro objetivo específico, referente às implicações do feedback corretivo oral para as produções textuais, aborda questões relativas às dinâmicas das sessões, formas de correção, negociações de significado, entre outros, as quais não estão diretamente ligadas aos gêneros textuais. Entretanto, mesmo esses elementos não sendo o foco da tese, que gira em torno dos gêneros textuais no TTDii, considero relevante para os estudos nesse contexto, os quais demandam investigações em termos dos possíveis impactos que o feedback oral tem para o feedback escrito, e que, consequentemente, levam às possíveis contribuições das sessões de TTDii para as produções dos textos das americanas. A presente tese está organizada em três capítulos – fundamentação teórica, metodologia da pesquisa e análise de dados, além desta introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo, apresento e discuto os pressupostos teóricos que embasam o trabalho a partir de três eixos principais – a modalidade de Teletandem Institucional-Integrado; o feedback corretivo em pares na produção textual; e a teoria de gêneros textuais à luz da sociorretórica. Na apresentação do contexto no qual a pesquisa foi realizada, discorro, inicialmente, acerca do ensino e da aprendizagem de línguas via teletandem e os princípios que norteiam essa modalidade a partir do conceito de tandem (BRAMMERTS, 1996; 2002; VASSALLO & TELLES, 2009; TELLES & VASSALLO, 2009; entre outros), a fim de fundamentar o terreno no qual o TTDii foi construído. Após esse embasamento, foco na modalidade de TTDii (ARANHA & CAVALARI, 2014; CAVALARI & ARANHA, no prelo; BRAMMERTS, 2002), a qual foi implementada na UNESP de São José do Rio Preto em 2011 e está em fase de adaptações, demandando pesquisas que tratem dos diversos aspectos que fazem parte de seu funcionamento. 27 Posteriormente, há uma seção especial para tratar da produção de textos, da reescrita de texto e de feedback corretivo em pares (ROLLINSON, 2005; FIGUEIREDO, 2001; SHEHADEH, 2010), forma de correção realizada nas sessões do TTDii. A negociação de significados (PICA, 1994; GARCIA, 2010), a qual está presente nas conversas sobre os textos e é um dos aspectos analisados nos dados, também faz parte do capítulo teórico. Essa seção, relacionada ao feedback corretivo em pares e às negociações nas interações, é fundamental para contextualizar como aconteceram as correções das sinopses e das resenhas de filmes e para amparar a análise das sessões nas quais os interagentes discutem os textos produzidos. O destaque, em seguida, passa a ser a teoria de gêneros textuais à luz da sociorretórica (MILLER, 1984; 2012; SWALES, 1990; JOHNS, 2002; BAZERMAN, 1994; 2006). Abordo, especificamente, a teoria de análise de gêneros (SWALES, 1990; MOTTA-ROTH, 2011; BHATIA, 2002, 2004; HYLAND, 2004), a qual se refere às ações de analisar e ensinar gêneros pela observação da relação estreita entre contexto e texto. A partir dessa teoria, apresento insumo acerca da organização retórica dos gêneros e de modelos, como o CARS (Create a Research Space), desenvolvido por Swales (1990) e utilizado por autores como Bezerra (2006) e Rigueira (2010), que, por sua vez, serviram de embasamento para nosso curso dos gêneros sinopse de filmes e resenha de filmes. Nessa seção, além de explorar os aspectos essenciais da teoria de gêneros, abordo a relação entre gêneros e a escrita, especificamente a escrita no âmbito acadêmico, visto que os objetivos deste trabalho envolvem a produção de textos em PLE dentro de uma universidade. Para tanto, autores como Bazerman (2006), Hyland (2007), Yasuda (2011), Bawarshi & Reiff (2013), entre outros, são utilizados na tentativa de elucidar questões fundamentais sobre como desenvolver um conhecimento de gêneros que seja útil para a prática da escrita no ambiente escolar/acadêmico. A última parte do capítulo teórico diz respeito aos modelos retóricos da sinopse de 28 filmes e da resenha de filmes (BEZERRA, 2006; MOTTA-ROTH & HENDGES, 2010; RIGUEIRA, 2010; LÊDO, 2008; PANG, 2002), os quais fundamentaram as decisões para que o curso de ensino de ambos os gêneros fosse elaborado e aplicado, bem como auxiliaram nos procedimentos de análise do corpus. O segundo capítulo refere-se à metodologia da pesquisa, trazendo à tona as condições de trabalho e circunstâncias que envolveram a geração e o tratamento dos dados. Disserto sobre as características da pesquisa, salientando sua natureza interpretativista de base etnográfica (MOITA LOPES, 1994; LOPES-ROSSI, 2009; MASON, 1998), bem como a característica quantitativa e qualitativa da pesquisa (DENZIM & LINCOLN, 2006; BOENTE & BRAGA, 2004; MINAYO, 1994), o caráter exploratório da pesquisa (THEODORSON & THEODORSON, 1970; GIL, 2007) e a triangulação dos dados (GRANDE, 2011). Além disso, ainda no segundo capítulo, esclareço o contexto de atuação da pesquisa na universidade americana, descrevendo os participantes, o ambiente e as aulas que foram lecionadas à turma de PLE. A última parte da metodologia é reservada à descrição dos materiais coletados durante o curso de gêneros, ministrado à turma de PLE, bem como dos procedimentos de análise dos dados. No terceiro capítulo, de análise, apresento e discuto os dados gerados nas aulas do curso de gêneros à luz do arcabouço teórico que embasa a tese e dos pressupostos metodológicos apresentados na seção anterior. Os textos, na sua versão final, são analisados por meio dos modelos de movimentos retóricos de Bezerra (2006) e Rigueira (2010), descritos detalhadamente na seção teórica dos gêneros ensinados, com o intuito de verificar se a sinopse e a resenha de filmes foram apropriadas pelas alunas americanas. Em seguida, as sessões nas quais os participantes conversam sobre os textos são analisadas também, destacando-se, primeiramente, a questão da existência de uma conscientização por parte das interagentes americanas sobre a sinopse e a resenha de filmes 29 produzidas por elas e de como os gêneros textuais são abordados durante o feedback oral. Posteriormente, analiso as dinâmicas das sessões de TTDii a fim de investigar como se dá o feedback oral das correções dos textos com base em dois critérios: os ajustes conversacionais relativos à língua usada para o feedback corretivo; e a forma como os textos são abordados (superficialmente ou detalhadamente). A partir da análise de uma dupla focal, as dinâmicas das sessões continuam sendo investigadas, porém a partir de outros critérios: a) como acontecem as correções durante as sessões; b) negociações de significado; c) reações da americana diante das correções do brasileiro. Esses critérios cumprem a função de verificar as implicações do feedback para a produção dos gêneros escritos pela americana. No fim do capítulo de análise, faço uma retomada das discussões e dos resultados, dialogando com as perguntas de pesquisa. Finalmente, nas considerações finais, busco apresentar minhas impressões e conclusões acerca da análise e da tese como um todo, bem como retomar os objetivos propostos inicialmente. Em seguida, reflito acerca da aplicabilidade da pesquisa para o contexto do TTDii, das limitações da pesquisa e, por fim, discuto as futuras ações a fim de dar continuidade e aprofundar o trabalho realizado até o momento. 30 CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 31 Este primeiro capítulo traz o referencial teórico que embasa a pesquisa. Na primeira parte, trato do contexto de aprendizagem de línguas in-tandem, o qual contém os princípios norteadores do “Projeto Teletandem Brasil” que, por sua vez, deu origem ao Teletandem Institucional-Integrado (TTDii), modalidade de teletandem descrita no presente trabalho. Também questões que fazem parte da produção escrita em PLE, como o feedback corretivo em pares e a negociação de significados, são elucidadas. Na segunda parte, abordo as teorias de gêneros textuais, apresentando suas definições e discussões pertinentes ao assunto; trato também da análise de gêneros e, em seguida, da relação entre gêneros e escrita. Por fim, a teoria dos gêneros sinopse de filme e resenha de filme é apresentada. 1.1 APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS: DO TANDEM AO TELETANDEM INSTITUCIONAL-INTEGRADO Pretendo, nessa primeira parte do capítulo, descrever os princípios da aprendizagem de língua in-tandem e as características do teletandem, destacando a modalidade do Teletandem Institucional-Integrado (TTDii), contexto da presente pesquisa. 1.1.1 Aprendizagem de línguas in-tandem e o teletandem O teletandem é uma modalidade de ensino e aprendizagem à distância que tem como embasamento fundamental os princípios do tandem (BRAMMERTS, 1996). A aprendizagem de línguas in-tandem, segundo Telles & Vassallo (2009), surgiu no fim dos anos 1960, na Alemanha, e disseminou-se nas décadas seguintes pela Europa como um contexto alternativo e complementar à aprendizagem formal de línguas estrangeiras. Ele engloba atividades 32 presenciais de conversação entre falantes de diferentes línguas e caracteriza-se, primordialmente, como uma forma de aprendizagem aberta, intercultural, interpessoal e socialmente simétrica (BENEDETTI, 2010). Tais características remetem a um contexto que pressupõe determinados princípios norteadores, que foram postulados por Brammerts (1996), quais sejam: a) reciprocidade: princípio centrado no acordo de que ambos os participantes vão se beneficiar da prática de tandem. Esse princípio rege as interações entre os pares, propiciando uma forma de aprendizagem colaborativa e, segundo Luz (2012, p. 27-28), “os participantes devem tentar contribuir, comprometer-se e participar de forma equilibrada e colaborativa, retribuindo ao parceiro o tempo e a dedicação despendidos por ele”. b) separação de línguas: princípio que pressupõe a alternância da prática das línguas e garante o mesmo tempo para cada uma. Para que isso ocorra, a cada encontro deve-se priorizar o uso de uma das línguas sendo trabalhada, para tentar garantir exposição balanceada entre a língua-alvo e a língua na qual os interagentes são proficientes (VASSALLO; TELLES, 2009). c) autonomia: baseado na premissa de que os aprendizes podem assumir o controle e a responsabilidade de sua própria aprendizagem. O princípio da autonomia, de acordo com Vassallo & Telles (2009), é importante, porque ele parece controlar os níveis de responsabilidade e poder que o falante proficiente pode ter sobre o processo de aprendizagem do parceiro. Os participantes do tandem nunca estão sozinhos em seus processos, já que cada um deles pode ser apoiado e incentivado, por meio de esforços colaborativos, por seu parceiro mais proficiente. Conforme Benedetti (2010), a prática do tandem começou com encontros presenciais, tendo o nome de “tandem face a face”, e, a partir dos anos 1990, novas modalidades foram sendo incorporadas devido aos avanços tecnológicos e suas ferramentas, como o computador e a Internet. Assim, contextos de ensino e aprendizagem de línguas à distância, como e-tandem 33 (electronic-tandem) (CZIKO, 2004) e o teletandem (TELLES, 2006), foram surgindo. Segundo Zakir (2015), a diferença entre e-tandem e teletandem está relacionada aos recursos utilizados por ambos: enquanto o e-tandem refere-se a várias formas de comunicação eletrônica (como o uso de chamadas de telefone, trocas de mensagens escritas e/ou orais síncronas e assíncronas, e videoconferências) que podem ser combinadas entre si ou não, o surgimento do teletandem teve um avanço significativo ao utilizar a tecnologia VOIP (Voice Over Internet Protocol), com recursos de vídeo, áudio e texto concomitantemente. No Brasil, Telles (2006) idealizou o teletandem por meio do “Projeto Teletandem Brasil”, o qual teve como objetivo colocar alunos universitários brasileiros em contato com alunos universitários estrangeiros, por meio de ferramentas virtuais, para que aprendessem, em regime de colaboração e reciprocidade, uma língua estrangeira na qual o outro seja mais competente. A fase do projeto entre 2006 e 2010 é denominada por Aranha e Cavalari (2014) como a modalidade de “teletandem institucional não-integrado”, uma vez que os envolvidos eram vinculados a uma instituição de ensino, mas não havia a obrigatoriedade de a prática estar inserida formalmente no currículo de uma disciplina. Os parceiros de teletandem podem ser ou não nativos e, além da aprendizagem da língua do parceiro (ou de sua competência), há espaços para trocas de informações de várias formas – culturais, econômicas, políticas, sociais etc. (TELLES; FERREIRA, 2011). O teletandem possibilita que duas pessoas geograficamente distantes interajam em tempo real para fins de aprendizagem de uma língua estrangeira. As habilidades de escrita, leitura, audição e fala são contempladas nessa modalidade, considerando que são utilizadas ferramentas como Skype®, que contam com imagem por webcam, áudio e chat para a prática da escrita, conforme previsto na modalidade. A democracia que o teletandem proporciona aos alunos brasileiros que querem aprender uma LE também é uma característica bastante significativa, “dadas as poucas chances de acesso 34 (por questões geográficas e financeiras) dos estudantes brasileiros de línguas estrangeiras com falantes nativos ou proficientes em outras línguas” (GARCIA, 2010, p. 45). Nesse sentido, o teletandem é uma oportunidade para a socialização, para a produção linguística, para o ensino, para a aprendizagem de línguas e para as trocas de experiências e de cultura, com um baixo custo e de fácil acesso. A interação virtual do teletandem dá-se através de sessões regulares de conversação à distância, utilizando os recursos virtuais acima mencionados. O projeto original (TELLES, 2006) sugere que os participantes interajam por pelo menos 1 (uma) hora, duas vezes por semana, trocando a língua falada a cada sessão. Segundo Aranha e Cavalari (2014, p. 71), desse modo, “espera-se que os participantes se revezem nos papéis de aprendizes de uma língua estrangeira e tutores da própria língua ou de uma língua estrangeira na qual sejam proficientes, negociando suas necessidades e preferências ao ensinar-aprender”. O contexto no qual a sessão ocorre é considerado informal, caracterizado pela aquisição da língua em comunicação autêntica e natural, porém com alguns aspectos formais, que dizem respeito às instruções trocadas entre os alunos e professores monitores, além de ocorrerem em ambiente universitário, o que implica determinados propósitos de aprendizagem. Nesse sentido, a prática de teletandem não é um mero chat, pois, segundo Telles & Vassallo (2006), ela possui várias particularidades que a definem como modalidade de ensino e aprendizagem de línguas por meio de recursos virtuais, como: a) reflexão partilhada sobre conteúdo, cultura, forma, léxico e a sessão de teletandem em si; b) possibilidade de práticas de leitura e escrita por meio de trabalhos de casa enviados por e-mail; c) esclarecimentos de dúvidas gramaticais e negociação de significados. Segundo Aranha e Cavalari (2014), as parcerias de teletandem foram, ao longo do projeto, viabilizadas por meio de convênios estabelecidos entre a UNESP (campi de Assis e São José do Rio Preto) e universidades de outros países que tinham alunos interessados em 35 aprender PLE e que participavam como alunos de cursos de língua portuguesa, geralmente oferecidos pelos departamentos de línguas românicas. As autoras também esclarecem que os interessados em encontrar um parceiro deveriam preencher um formulário disponível no site do teletandem4 ou da UNESP, campus de São José do Rio Preto5 e esperar que os coordenadores dos Laboratórios de Teletandem em Assis ou em São José do Rio Preto fizessem o pareamento de acordo com as informações fornecidas (disponibilidade de tempo para as sessões e interesses pessoais, por exemplo). Ao receber as informações do parceiro, o aluno deveria fazer contato por e-mail, propondo um dia/horário e um dos programas de mensageria instantânea (MSN®, Skype®, Oovoo®) para o primeiro encontro “presencial” via internet, ou seja, para a primeira sessão. A responsabilidade de negociar todos os aspectos das sessões de teletandem era da dupla pareada, sendo dias/horários, assuntos ou temas, formas de aprendizagem, entre outros, algumas das decisões que eles tinham que tomar. Destacam Aranha e Cavalari (2014) que, no campus de São José do Rio Preto, os participantes brasileiros podiam contar com os professores- mediadores (alunos do programa de pós-graduação que investigam o contexto teletandem), cujo papel era o de oferecer apoio pedagógico sempre que os interagentes precisassem, bem como ser responsáveis pelas sessões de mediação. Além dessa modalidade de tandem, existem outras, descritas por Brammerts (2002). Segundo o autor, citado por Salomão (2008), essas modalidades dependem das características do contexto e são classificadas conforme mostra o quadro: 4 Disponível em: http://www.teletandembrasil.org/signup.asp 5 Disponível em: http://www.ibilce.unesp.br/#258,387 http://www.teletandembrasil.org/signup.asp http://www.ibilce.unesp.br/#258,387 36 Modalidades de Tandem por contexto TANDEM INSTITUCIONAL realizado dentro de instituições como estabelecimentos de ensino médio ou elementar, escolas de idiomas, universidades, que o reconhecem e o promovem INTEGRADO É reconhecido pela instituição, faz parte integrante do curso e é obrigatório (BRAMMERTS et al., 2002, p. 86.) NÃO-INTEGRADO A instituição dá apoio e/ou alguns recursos (por ex. meios para achar um parceiro, espaços, recursos técnicos, materiais, serviço de mediação) mas não há reconhecimento oficial. Também pode ser desenvolvido na ausência de um curso (BRAMMERTS et al., 2002, p. 84.) TANDEM SEMI-INSTITUCIONAL é institucional somente para um dos dois participantes TANDEM NÃO INSTITUCIONAL desenvolvido fora de uma instituição, pelos dois participantes Quadro 1 – Modalidades de tandem de acordo com as características do contexto (Fonte: Autor, adaptado e recortado de Salomão, 2008). Atualmente, além da modalidade de teletandem institucional não-integrado, a qual foi descrita acima, o campus de São José do Rio Preto conta com a modalidade de Teletandem Institucional-Integrado, que será apresentada detalhadamente a seguir, uma vez que constitui o contexto de realização da presente pesquisa e possui várias características diferenciadas da modalidade não-integrada. 1.1.2 O Teletandem Institucional-Integrado (TTDii) A modalidade TTDii (ARANHA & CAVALARI, 2014) surgiu devido às necessidades 37 e oportunidades que parcerias com universidades estrangeiras trouxeram para o contexto. As sessões de TTDii e todas as atividades desse novo contexto estão inseridas no conteúdo programático de determinadas disciplinas do curso de graduação. A realização dessas sessões é obrigatória, sendo essa uma das diferenças com relação ao teletandem institucional não- integrado. Os professores das turmas participantes do TTDii assumem o papel de tutores, preparam seus alunos e fornecem aconselhamento, inserindo em suas aulas questões e informações que orientam os aprendizes nas sessões, e ainda atribuem notas aos alunos que realizarem as atividades solicitadas (as quais são descritas posteriormente) no período das parcerias institucionais-integradas. Ademais, os alunos devem participar de um tutorial (ARANHA & CAVALARI, 2014) antes das sessões começarem, a fim de que todo o seu funcionamento e regras sejam esclarecidos, bem como a realização das atividades previstas no cronograma. Além dessas características mencionadas, de acordo com Aranha & Cavalari (2014), na modalidade de parcerias de TTDii: (a) os alunos fazem as sessões de TTD durante o horário regular de aula em ambientes apropriados para as sessões e com o apoio de monitores, que ajudam a sanar possíveis problemas com a tecnologia; (b) os professores organizam um calendário de sessões (em geral oito) e de temas relacionados com os programas das disciplinas sobre os quais os alunos poderão discutir. Obviamente, outros assuntos poderão fazer (e efetivamente fazem) parte das sessões. O objetivo de haver um assunto proposto pelo professor de uma disciplina é oferecer uma sugestão de tema aqueles aprendizes que são mais tímidos, servir de “gatilho” para a sessão, funcionar como um warm-up; (c) a atividade de TTD é utilizada como um instrumento de avaliação, uma vez que se relaciona de alguma maneira com o conteúdo desenvolvido durante as aulas (ARANHA & CAVALARI, 2014, p. 76). As autoras também salientam que as sessões ocorrem sempre no mesmo horário, durante as aulas de língua estrangeira, e os alunos são pareados aleatoriamente, mantendo-se o mesmo par durante as oito semanas. No Laboratório Teletandem da UNESP de São José do Rio Preto, o pareamento aleatório ocorre da seguinte maneira: as sessões são realizadas via Skype®, por 38 meio de um usuário criado para cada computador que, por sua vez, tem adicionado um dos usuários criados para cada computador utilizado no laboratório da universidade que participa do TTDii com os alunos brasileiros. Quando os alunos chegam aos laboratórios para interagir, os computadores estão ligados e conectados ao Skype®; cada aluno escolhe o computador onde quer trabalhar e faz a ligação via Skype® para a pessoa que está sentada do outro lado. Por fazer parte de uma disciplina regular, o TTDii conta com algumas atividades obrigatórias, tais quais: i) responder a um questionário inicial e um final entregues pelo professor da disciplina; ii) escrever um diário reflexivo logo após cada sessão, levando em consideração as metas que estabeleceram e a prática linguística que ocorre durante as sessões, salientando aspectos positivos e negativos; iii) escrever, revisar e reescrever textos na língua alvo para serem trocados com seus parceiros ao longo das sessões; iv) postar os documentos relacionados às práticas de TTDii em seu e-portfolio em uma plataforma utilizada pela turma6 (questionários, diários reflexivos, redações originais, revisadas e reescritas, e documentos com as transcrições do chat realizado em cada aula). As atividades requeridas no TTDii representam um grande diferencial desta modalidade com relação ao TTD Institucional Não-Integrado. Sua prática vai além das sessões e envolve os alunos em aspectos que antes não eram considerados pelos participantes, como as atividades acima mencionadas. Luvizari-Murad (2014), em seu estudo sobre os sistemas de atividades TTD e TTDii, sintetizou os principais componentes organizacionais que diferenciam os contextos de Teletandem Institucional Não-Integrado (TTD) e o Teletandem Institucional-Integrado (TTDii), como vemos no quadro abaixo: 6 No laboratório da UNESP de São José do Rio Preto, na época da coleta de dados da presente pesquisa, os alunos deveriam utilizar a Plataforma TelEduc, disponível em: http://prograd.ead.unesp.br/~teleduc/cursos/aplic/index.php?cod_curso=927 . Atualmente, os alunos postam os documentos no Google Drive. http://prograd.ead.unesp.br/~teleduc/cursos/aplic/index.php?cod_curso=927 39 Contexto TTD Contexto TTDii Local e horário das interações Os interagentes são livres para escolher o local e o horário mais convenientes para as interações. As sessões são sempre realizadas no laboratório de Teletandem da universidade no horário da aula de língua inglesa (no lado brasileiro) e língua portuguesa (nos Estados Unidos). Temas sobre os quais os interagentes conversam Cabe aos interagentes a opção de estabelecer temas para as interações ou deixarem que seja algo espontâneo. As sessões são iniciadas com o oferecimento de feedback das “redações” corrigidas. Após fazê-lo, os interagentes podem ou não continuar conversando sobre o filme ou texto que gerou a “redação” ou partirem para a conversação livre. Tarefas para serem desenvolvidas fora da sessão Não há, a menos que os interagentes assim o desejem. Se assim for, são responsáveis por estabelecerem e negociarem essas tarefas. Produções escritas sobre temas discutidos nas aulas de LE. Os interagentes enviam-nas aos parceiros que são responsáveis por corrigi-las. Na sessão seguinte, podem discutir as correções feitas. Além de desenvolver a habilidade escrita, essa atividade tem por intuito fornecer insumo para as discussões durante a interação. Nem sempre a correção linguística é o foco, mas também questões culturais advindas dos trabalhos escritos. Avaliação do processo e oferecimento de feedback Os aprendizes avaliam a produção do parceiro e oferecem feedback apenas se desejarem e estabelecerem essa dinâmica na parceria independente. Os interagentes recebem uma nota pela participação na atividade de TTDii, que se constitui em parte da avaliação da disciplina de língua estrangeira. No lado brasileiro, a nota da atividade de Teletandem compreende: a) a assiduidade nos encontros, b) a produção de textos, c) a correção das redações do parceiro, d) a produção de diários e questionários, e) o armazenamento de todos os componentes anteriores de acordo com a organização estabelecida pelo grupo. Suporte aos interagentes Podem, se desejarem, serem acompanhados por professores mediadores. Devem reportar-se ao professor da disciplina de língua inglesa (e monitores que os auxiliam). O docente acompanha e organiza a atividade de TTDii para todo o grupo, embora, obviamente, não tenha acesso à sessão em si, nem tampouco “controle” dela. Coleta de dados Realizada individualmente, se o interagente estiver ligado a atividades de pesquisa. Caso contrário, as sessões são realizadas nas casas dos Realizada coletivamente. Todos os interagentes fazem TTDii no laboratório, no período da aula de língua inglesa. Todos os computadores são preparados para gravar as sessões em áudio e vídeo 40 próprios interagentes e não são, necessariamente, gravadas. por meio do programa Evaer. Quadro 2 – TTD e TTDii: diferenças no contexto (Fonte: LUVIZARI-MURAD, 2014, p. 8). Destaco o item do quadro acima referente às tarefas que são desenvolvidas fora da sessão de teletandem, especificamente a escrita. Na modalidade de teletandem institucional não-integrado, a prática da escrita restringe-se, geralmente, a esclarecimentos, dúvidas e/ou outros comentários que eram feitos no chat do programa utilizado para a sessão. Se os interagentes desejassem, também poderiam estabelecer outras tarefas por escrito; no entanto, não havia exigências específicas nesse aspecto, o que difere do TTDii, já que a escrita de textos é obrigatória nessa modalidade. Telles & Vassallo (2006), ao abordar seis princípios que caracterizam o teletandem, apresentam o desenvolvimento da leitura e da escrita como um deles. Segundo os autores, junto às conversas durante as sessões de teletandem, (...) reflexões partilhadas de leitura e escrita são praticadas. Estas reflexões podem se concentrar no conteúdo, cultura, forma, léxico e no processo de interação de teletandem em si. As práticas de leitura e escrita também podem se tornar práticas regulares do e-Tandem, tais como a troca de tarefas de casa escritas por e-mail, quando feedback linguístico e insumos de vocabulário e gramática significativos são dados pelo parceiro teletandem7 (TELLES & VASSALLO, 2006, p. 7). Ou seja, mesmo antes da modalidade TTDii, a leitura e a escrita eram fundamentais para a prática de teletandem e representavam um dos princípios desse contexto virtual de aprendizagem de línguas. 7 These free conversations are followed by shared reflection during which reading and writing abilities are practiced. These reflections may focus on content, culture, form, lexicon and the process of Teletandem interaction itself. The reading and writing practices can also take the form of regular e-Tandem practices, such as exchange of written homework assignment s by e- mail, when language feedback and meaningful vocabulary and grammar inputs are given by the teletandem partner (TELLES & VASSALLO, 2006, p. 7 – tradução minha). 41 Na modalidade de TTDii, a escrita, foco da presente pesquisa, ganha significativo destaque, já que tal atividade, além de ser obrigatória, pressupõe a produção de três textos8 ao longo da realização das sessões, o que não acontecia na modalidade institucional não-integrada. A incorporação da prática da escrita feita pelo TTDii foi uma adaptação às necessidades do contexto. Sua prática, descrita detalhadamente por Cavalari & Aranha (no prelo), ocorre entre a segunda e a sétima sessões, nas quais os alunos devem trocar textos com seus parceiros estrangeiros, por meio de um revezamento entre produção em língua estrangeira (LE) e revisão em língua materna (LM). Em cada semana, um dos membros do par interagente deve escrever um texto na língua alvo, com temas que são sugeridos pelos professores de acordo com o programa de sua disciplina, e enviar para o parceiro, que deverá corrigir o texto e enviá-lo de volta para que tal revisão seja comentada na sessão seguinte. Dessa maneira, toda semana, a sessão se inicia na língua na qual o texto foi escrito e o aprendiz daquela língua tem a oportunidade de solucionar suas dúvidas em relação às revisões e correções feitas pelo parceiro em seu texto (ARANHA & CAVALARI, 2014). Espera-se que, idealmente, cada interagente escreva e reescreva os textos na língua alvo e também revise os textos de seu parceiro. No caso dos interagentes brasileiros, as versões originais, revisadas e reescritas dos seus textos e de seus parceiros eram postadas na plataforma TelEduc. A realização de todas essas etapas no processo de escrita – primeira versão, correção do parceiro, conversa para discutir a correção e reescrita – faz com que ela seja considerada colaborativa, já que um ajuda o outro na produção textual. Nesse sentido, a modalidade TTDii estimula um processo colaborativo de escrita à medida que as atividades são integradas à pedagogia de língua estrangeira (ARANHA & CAVALARI, 2015). Com relação ao conteúdo dos textos, os professores das turmas sugerem temas que fazem parte do cronograma da disciplina de língua estrangeira e/ou a turma assiste a filmes que 8 Esse número pode variar dependendo da solicitação do professor da turma participante do TTDii. 42 servem de base para a produção textual (como no caso da universidade americana desta pesquisa). Alguns professores brasileiros fornecem insumo em forma de textos com exemplos, explicações sobre o tipo de texto que está sendo solicitado e sugestões de temas; outros solicitam a produção de determinado gênero textual. Assim, não há um consenso acerca de como os professores solicitam aos seus alunos a produção dos três textos obrigatórios para as sessões do TTDii9, pois, uma vez que a prática está inserida na disciplina, os textos são propostos de acordo com o conteúdo programático da disciplina em questão. Também não há um acordo no que diz respeito à forma como os alunos fazem a revisão dos textos do parceiro. Segundo Aranha e Cavalari (2015), o feedback corretivo que os alunos devem dar depende da abordagem do professor da disciplina ou dos próprios alunos, de acordo com suas experiências e crenças. Sugere-se, em geral, que os participantes utilizem o sistema de revisão do Office Word®, que assinala as alterações feitas no texto, bem como permite a inserção de comentários. No entanto, fica a critério de cada aluno escolher a forma como deseja corrigir o texto do parceiro. Aranha e Cavalari (2015), ao analisarem a forma pela qual os participantes brasileiros oferecem feedback para as produções escritas de seus pares americanos, mostraram que (...) a maioria dos participantes, aparentemente, tendem a corrigir as produções escritas de seus parceiros de TTDii de acordo com suas crenças e experiência como aprendizes, de forma coerente com o feedback fornecido geralmente por professores, ou seja, eliminando o erro, proporcionando formas corretas prescritivas e impedindo os alunos de exercer as suas próprias estratégias de aprendizagem (ARANHA & CAVALARI, 2015, p. 145)10. Sobre o fato de os alunos não terem instruções para realizar as revisões dos textos, Elola & Oskoz (2014), ao abordarem cursos online e híbridos, afirmam que os aprendizes do contexto 9 Esses dados foram obtidos por meio de entrevistas feitas com alguns professores da UNESP de São José do Rio Preto. 10 The analysis shows that most participants apparently tend to correct their iiTTD partners’ written productions according to their beliefs and experience as learners, coherently with the feedback usually provided by teachers, i.e., by eliminating the error, providing prescriptive correct forms and preventing students from exercising their own learning strategies (ARANHA & CAVALARI, 2015, p. 145) – tradução minha. 43 tandem deveriam ser letrados na área da computação, tendo habilidades de processamento de palavras e familiaridade com a Internet. Nesse caso, saber lidar com ferramentas de revisão de texto do Word Office® e ter conhecimentos básicos sobre o envio de e-mails com anexos, por exemplo, representam letramentos necessários para que o feedback corretivo escrito seja realizado sem dificuldades ou dúvidas que os alunos possam ter ao longo desse processo. A escrita, no caso da modalidade de TTDii, representa uma prática complexa, que envolve etapas como a revisão e a reescrita, e por não haver consenso com relação aos aspectos supracitados, há uma demanda significativa de estudos acerca do tema. Na presente pesquisa, como já mencionei, proponho um trabalho específico com as produções textuais no TTDii de alunas americanas a partir de gêneros textuais, com instruções de como proceder na escrita, embora não haja determinação de como os parceiros devam proceder nas revisões dos textos. Faz-se relevante retomar a questão dos princípios que regem o teletandem (reciprocidade, separação de línguas e autonomia) também na modalidade de TTDii, que apresenta diferenças com relação a esses três aspectos. Embora os princípios estejam presentes no TTDii, algumas características diferem devido à forma com que as sessões nesta modalidade acontecem e devido ao papel que a prática da escrita adquire neste contexto. O princípio da reciprocidade permanece inalterado no que concerne à habilidade oral da língua, pois os parceiros seguem a premissa de que um ajuda o outro e ambos se beneficiam com a prática do TTDii, simultaneamente. Entretanto, na habilidade escrita a reciprocidade assume um caráter diferenciado no sentido de que existe um revezamento de escrita, correção e discussão dos textos produzidos pelos alunos participantes das sessões. Quando um aluno corrige o texto do outro e na sessão seguinte conversa sobre esse texto, ele está auxiliando seu parceiro na melhoria de sua produção, sem pedir nada em troca naquele momento; o aluno que corrigiu o texto sabe que na semana seguinte ele é quem terá o texto corrigido e discutido pelo colega, e assim a reciprocidade acontecerá. Portanto, apesar de não haver uma simultaneidade 44 de auxílio para a produção textual no TTDii, a reciprocidade não deixa de fazer parte da modalidade. Já com relação à separação das línguas, no TTDii existe um controle maior por parte dos professores, que, em geral, avisam os alunos sobre o momento de troca de uma língua para outra, e pelo fato de haver produções textuais que são discutidas nas sessões, a língua a ser falada por primeiro dependerá da língua na qual o texto foi escrito para aquela sessão. Desse modo, a separação de línguas não segue apenas a vontade dos parceiros, mas, também, a agenda da modalidade que depende dos textos produzidos pelos alunos. No entanto, deve-se destacar que, mesmo com professores e/ou mediadores durante as sessões, não se pretende garantir que todos os participantes sigam realmente as instruções sobre troca de língua, pois a autonomia não deixa de fazer parte do TTDii e, se os parceiros desejarem, podem não conversar sobre os textos ou fazê-lo utilizando a língua materna de quem escreveu o texto, casos que são evidenciados nas análises do presente estudo. Com relação à autonomia, Aranha & Cavalari (2014) e Cavalari & Aranha (no prelo) apontam que esse princípio também é diferente no TTDii. Existem condições para a sua realização, como a separação das línguas conforme os textos são escritos; os horários que são determinados pelas aulas da disciplina na qual o aluno estuda; e as atividades obrigatórias da disciplina. Contudo, os alunos têm autonomia para negociar vários aspectos de suas sessões, como a troca de informações por outros meios além do Skype® (redes sociais, e-mail etc.), escolha de assuntos para conversar que não sejam apenas relativos aos textos, entre outros. Para finalizar a teoria acerca da modalidade de TTDii, elaborei um quadro que apresenta os três princípios e, logo abaixo, duas características do teletandem institucional não-integrado em comparação com o integrado, destacando a língua como enfoque do presente estudo. 45 Princípios / Características TTD TTDii Reciprocidade Limita-se, basicamente, à oralidade, já que produções textuais escritas não são obrigatórias; o aluno mais proficiente ajuda o parceiro e vice-versa, de acordo com a língua que está sendo falada. Além de ser considerada na oralidade das sessões, há reciprocidade na escrita; não é simultânea, pois em cada sessão os participantes falam sobre apenas um texto, mas na sessão seguinte os papeis se invertem e a reciprocidade é garantida. Autonomia Os parceiros têm maior liberdade de escolhas e negociações, pois não há interferência do professor durante as sessões. A autonomia é reduzida na medida em que os dias, horários e local são determinados pelo professor da turma de TTDii, bem como a hora de trocar de língua durante as sessões; no entanto, os alunos mantêm características básicas da autonomia, a forma como fazem o feedback corretivo, assuntos das sessões etc. Separação das línguas É negociada entre os participantes, de acordo com suas necessidades, mas deve-se respeitar a divisão equilibrada para não haver domínio de uma sobre a outra. Geralmente, separa-se a sessão na metade para as ambas as línguas sejam praticadas; o professor da turma avisa quando os alunos devem trocar as línguas e quando for falar do texto, deve-se usar a língua na qual ele foi escrito. Questão da cultura Não há diferenças significativas entre uma e outra modalidade com relação à cultura, pois ela aparece em ambas à medida que os alunos conversam sobre variados assuntos. Entretanto, por haver a produção de textos, esse aspecto pode ser mais evidenciado, dependendo dos temas que são escritos, entre outros aspectos variáveis. Modalidade da língua (oral e escrita) Destaque para a língua oral, sendo a língua escrita praticada somente se os parceiros desejarem e/ou pelo uso do chat. Prática da língua oral e da língua escrita de modo significativo, por meio das produções textuais que são enviadas aos parceiros. Quadro 3 – Os princípios e as características das modalidades de TTD e TTDii (Fonte: Autor) Conforme pode-se ver no quadro, as características mencionadas estão presentes em ambas as modalidades, com algumas diferenças entre uma e outra. Destaco, em negrito e 46 colorido, a questão da língua – mais especificamente, da língua escrita no TTDii, pois esse é o foco da presente tese, embora não deixe de considerar outras questões que venham a surgir nas análises do corpus, como os aspectos culturais, os princípios do teletandem que podem aparecer nas sessões gravadas, entre outros. Apesar de não haver estudos que abordem o importante papel que a produção escrita tem para o TTDii, por ser muito recente, a prática da escrita de modo geral é levada em consideração por Vinagre & Maíllo (2007) no tandem. Segundo as autoras, “A grande vantagem da comunicação escrita é a possibilidade de cada aluno de preservar toda a comunicação e ter para um uso futuro uma enorme amostra de seus próprios esforços na língua-alvo”11 (VINAGRE & MAÍLLO, 2007, p. 94). Nesse sentido, deve-se considerar essa materialização linguística para o TTDii, a qual tem o intuito de contribuir com o processo de ensino e aprendizagem de línguas em tal modalidade. Sendo a prática da escrita o foco de nosso estudo, na seção seguinte discuto seu processo, considerando a revisão em pares dos textos e, ainda, a negociação de significados, a qual faz parte das sessões de TTDii nas quais os alunos falam sobre suas produções, e o feedback corretivo do parceiro. 1.2 O PROCESSO DE ESCRITA COLABORATIVA E O FEEDBACK CORRETIVO A escrita, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira, deve ser ensinada e aprendida como um processo, o qual exige o cumprimento de algumas ações, sendo a revisão e a reescrita duas delas. Há vários trabalhos que abordam a revisão e, consequentemente, a reescrita de textos, como, por exemplo, Faigley e Witte (1984); Sengupta (2000); Figueiredo 11 The major advantage of written communication is the possibility for each learner to preserve the entire communication and to have for future use an enormous sample of his or her own efforts in the target language (VINAGRE & MAÍLLO, 2007, p. 94 – tradução minha). 47 (2001); Soares (2008), os quais foram utilizados neste trabalho. Revisar não é apenas corrigir os erros de um texto; a revisão ajuda os alunos a refletir sobre a língua e a perceber a necessidade de tornar os seus textos mais claros (FIGUEIREDO, 2001) e ela pode acontecer não apenas antes da reescrita, mas em qualquer momento da produção do texto. Para Faigley e Witte (1984, p. 107), por meio da revisão, os alunos “podem descobrir o que exatamente eles têm a dizer e pensar sobre como leitores potenciais podem reagir ao seu texto”. A revisão de textos é importante ao processo de escrita, pois por meio dela o escritor tem um feedback que proporciona a possibilidade de melhorar sua produção textual com relação à língua e conteúdo, por exemplo e, consequentemente, colaborar com o desenvolvimento da língua alvo. Por isso, o erro não deve ser considerado como algo negativo, que desestimula o aprendiz; pelo contrário, o erro, quando apontado e tratado como parte do processo de aprendizagem, funciona como uma oportunidade de evolução na língua alvo em termos de não apenas adequar gramaticalmente o texto, mas, sobretudo, de atingir propósitos comunicativos específicos por meio da escrita. Hyland (2007), em seu texto sobre pedagogias do gênero para a escrita em segunda língua, fala da colaboração na aprendizagem, ou interação em pares, na escrita baseada em gêneros. O autor menciona duas noções de aprendizagem, sendo uma delas a consciência compartilhada, a qual é definida como “a ideia de que aprendizes trabalhando juntos aprendem mais efetivamente do que indivíduos trabalhando separadamente12”. Ou seja, a noção de feedback se encaixa nessa premissa, já que pressupõe um trabalho conjunto em busca da aprendizagem. O feedback, então, é relevante à aprendizagem de línguas e, no caso específico dessa pesquisa, à escrita de textos, pois, segundo Shute (2007) ele desempenha um papel de apoio, de 12 Shared consciousness: the idea that learners working together learn more effectively than individuals working separately (HYLAND, 2007, p. 158) – tradução minha. 48 andaime (scaffolding) (VYGOTSKY, 1991), o qual torna possível ao aluno realizar tarefas que ele não conseguiria sem ajuda ou que teria dificuldades em fazê-lo. A revisão de um texto pode ser feita a partir de diversas formas de correção. Segundo Figueiredo (2001), as correções se dividem em dois tipos: a direta, realizada tradicionalmente pelo professor, que implica marcar no texto os erros e fornecer a forma correta, com maior ênfase nos aspectos formais, podendo ou não ser levado em conta o aspecto comunicativo; e a indireta, que tem por finalidade envolver os alunos no processo de correção, de modo a torná- los mais autônomos e reflexivos no processo de ensino-aprendizagem. Existem algumas maneiras de se realizar a correção indireta, de acordo com Figueiredo (2001): a autocorreção, a correção com a turma toda, conferências e a correção com os pares. Destaco a última, pois o contexto de trabalho desta pesquisa, o TTDii, propicia justamente a correção em pares, a qual será agora explicitada. A correção em pares é sugerida por alguns autores (FIGUEIREDO, 2001; STORCH, 2007; DOBAO, 2012; SHEHADEH, 2010) por sua capacidade de proporcionar um tipo de aprendizagem colaborativa e caracteriza-se como um processo no qual os alunos leem os textos escritos por seus colegas e dão sugestões para melhorar a escrita. Além disso, esse tipo de correção estimula a comunicação genuína, envolvendo os alunos na prática e negociação de uma enorme gama de habilidades, como, por exemplo, a leitura e a discussão (LEE, 1997). A escrita, assim, torna-se o foco da conversação entre os alunos, sendo esse um dos pressupostos do TTDii, e é isso que ocorre nas sessões do TTDii: após a revisão dos textos realizada pelo parceiro, o tópico do encontro seguinte é baseado no texto escrito, a partir de comentários feitos pelo revisor, esclarecimentos de dúvidas sobre a correção realizada etc. Segundo Dobao (2012, p. 41), “A análise da interação entre pares como uma oportunidade de diálogo colaborativo revelou que, quando os alunos compartilham a responsabilidade do produto escrito ou oral, eles tendem a colaborar na solução de seus 49 problemas na língua”13. Ou seja, não apenas contribuições relativas aos textos podem ser dadas, como na aprendizagem da própria língua alvo do parceiro, no caso do TTDii. Pesquisas acerca da correção em pares mostram que as interações ocorridas nesse processo não apenas facilitam a aprendizagem, mas também possibilitam aos alunos desempenhar diferentes papéis sociais, tais como: receber e dar conselhos, fazer perguntas e responder a elas, agir tanto como quem aprende quanto como quem ensina (JOHNSON, 1995; GOLDSTEIN & CONRAD, 1990). Na pesquisa de Storch (2007), a autora investiga os méritos do trabalho em pares na edição de textos em aulas de língua estrangeira. Por meio de suas análises, a autora aponta vantagens dessa abordagem, chegando à conclusão de que os aprendizes têm oportunidades de usar a língua-alvo para uma série de funções da escrita, inclusive para a aprendizagem de línguas em si. Seguindo a mesma linha de pensamento, Mendonça & Johnson (1994) afirmam que “o feedback de pares tem efeitos positivos, já que as sugestões e explicações oferecidas durante as avaliações pelos pares permitiram aos alunos mostrar o que eles sabiam sobre a escrita e usar essa informação em sua revisão”14. Rollinson (2005) aponta, também, uma lista com as maiores vantagens da estratégia de feedback em pares com relação a cinco critérios: correção e revisão, público-alvo, colaboração, revisão dos pares versus revisão do professor, comunicação e atitudes dos alunos. As vantagens destacadas por mim resumem-se em: a) os escritores revisam de forma eficaz seus textos com base nos comentários fornecidos pelos seus colegas; b) ser um leitor crítico da escrita dos outros pode tornar os alunos leitores mais críticos e revisores de sua própria escrita; c) comentários dos colegas podem encorajar um diálogo colaborativo, no qual o feedback bidirecional é 13 The analysis of peer-peer interaction as an opportunity for collaborative dialogue has revealed that, when learners share responsibility for the written or oral product of the task at hand, they tend to collaborate in the solution of their language problems (Dobao, 2012, p. 41) – tradução minha. 14 Peer feedback has positive effects since the suggestions and explanations offered during the peer reviews allowed students to show what they knew about writing and to use that information in their revision (MENDONÇA & JOHNSON, 1994, p. 765) – tradução minha. 50 estabelecido e o significado é negociado entre as duas partes – esse caso ocorre, especificamente, na modalidade do TTDii, já que além das correções nos textos, os alunos conversam sobre eles; d) quando os alunos veem o benefício de comentários dos colegas, suas atitudes em relação a escrita se tornam mais positivas. Além dessas vantagens apontadas por Rollinson (2005), O Institute for Writing and Rhetoric, da Darmouth College, expõe alguns fatos que justificariam a escolha de uma abordagem colaborativa no trato dos textos produzidos em língua estrangeira. Trago os principais a seguir: Revisões em pares ajudam os alunos a entender que eles não estão escrevendo para eles mesmos, mas, sim, para leitores reais; saber que seus pares lerão seus textos dão aos alunos um senso concreto para quem eles escrevem e por quê; a colaboração oferece aos alunos a prática de analisar a escrita e encoraja-os a conversar sobre sua escrita, pois terão de explicar certas escolhas de seus textos e até defendê-las; a colaboração ajuda os alunos a compreender a escrita como um processo e aumentar o sentimento de domínio do que é, muitas vezes, uma tarefa complexa e difícil; a melhor maneira de aprender algo é ensinando-a, visto que, ao instruir seus pares, os alunos aprendem a melhorar a sua própria escrita15. Vale ressaltar que, segundo Shehadeh (2010, p. 112), “para um maior benefício e maior efeito do feedback, ele deve ser realizado tanto na forma escrita, quanto na forma oral, pois pesquisas têm mostrado que o feedback explícito escrito junto ao feedback oral afeta significantemente o nível de precisão na escrita dos alunos”16. Nesse sentido, as sessões de TTDii representam a oportunidade de se ter um feedback oral que corrobora o feedback escrito realizado previamente. Outro estudo que mostra a eficiência de sessões de conversa em pares sobre produções textuais em LE é o de Tsui & Ng (2000). Esses autores, em uma pesquisa sobre os benefícios 15 Página do Instituto com a lista completa de itens sobre o trabalho em pares: http://writing- speech.dartmouth.edu/teaching/first-year-writing-pedagogies-methods-design/collaborative-learninglearning- peers . 16 It is worth mentioning that for feedback to have an optimal effect and benefit, it must combine both written and oral feedback because research has shown that explicit written feedback together with conference (oral) feedback significantly affects the level of accuracy in the students’ writing (SHEHADEH, 2010, p. 112) – tradução minha. http://writing-speech.dartmouth.edu/teaching/first-year-writing-pedagogies-methods-design/collaborative-learninglearning-peers http://writing-speech.dartmouth.edu/teaching/first-year-writing-pedagogies-methods-design/collaborative-learninglearning-peers http://writing-speech.dartmouth.edu/teaching/first-year-writing-pedagogies-methods-design/collaborative-learninglearning-peers 51 das correções de textos em pares, observaram que (...) os comentários escritos pelos pares funcionam melhor quando são complementados por sessões orais em pares nas quais os alunos têm a oportunidade de esclarecer o seu raciocínio, explicar seus significados pretendidos e, de forma colaborativa, explorar formas eficazes de expressar seus pensamentos e argumentos17 (TSUI & NG, 2000, p. 168). Uma discussão oral combinada com o feedback escrito é considerada importante pelos aprendizes, pois esse tipo de abordagem minimiza questões mal entendidas e esclarece o feedback. Thorsteinsen (2010), em seu estudo sobre feedback escrito, mostra essa noção, já que os alunos e professores entrevistados pela pesquisadora afirmam preferir o feedback oral junto ao escrito para facilitar a compreensão de aspectos que o feedback escrito sozinho não deu conta. Logo, a proposta de se inserir o feedback oral como uma das atividades de TTDii, além de poder ser usada como gatilho para a conversa e como uma possível ferramenta para o caso de ausência de assunto, conforme Aranha & Cavalari (2014) afirmam, também corrobora para o melhor funcionamento do feedback escrito. Ao corrigir o texto do parceiro ou conversar sobre as correções, durante o feedback oral nas sessões de TTDii, é possível pensar em maneiras pelas quais os alunos assumem o papel de leitores do texto do parceiro. Em uma pesquisa sobre as reações de escritores aos leitores de seus textos, Lockhart e Ng (1995) analisaram as interações de alunos falantes de cantonês em uma universidade em Hong Kong e observaram a existência de quatro posturas de leitor: 1) postura interpretativa: é a do leitor que usa o feedback em pares como um fórum para a apresentação de s