UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” – UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - FCT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA BERTA LUCIA DO NASCIMENTO CAMARGO GEOGRAFIA, TURISMO E RELIGIÃO. GESTÃO PÚBLICA DO ESPAÇO NO MUNICIPIO DE INTERESSE TURÍSTICO DE SANTO EXPEDITO SP. Presidente Prudente (SP) 2021 BERTA LUCIA DO NASCIMENTO CAMARGO Geografia, turismo e religião: Gestão pública do espaço no Município de Interesse Turístico de Santo Expedito SP. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (Área de Concentração: Produção do Espaço Geográfico) da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Prof.ª Dra. Rosângela Custodio Cortez Thomaz. Presidente Prudente - SP 2021 C172g Camargo, Berta Lucia do Nascimento Geografia, turismo e religião : Gestão pública do espaço no Município de Interesse Turístico de Santo Expedito SP. / Berta Lucia do Nascimento Camargo. -- Presidente Prudente, 2021 154 p. : il., tabs., fotos, mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientadora: Rosângela Custodio Cortez Thomaz 1. Produção do Espaço. 2. Turismo. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. BERTA LUCIA DO NASCIMENTO CAMARGO Geografia, turismo e religião: Gestão pública do espaço no Município de Interesse Turístico de Santo Expedito SP. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (Área de Concentração: Produção do Espaço Geográfico) da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia. Comissão Examinadora Prof.ª Dra. Rosângela Custodio Cortez Thomaz UNESP – Universidade Estadual Paulista - Campus de Rosana Orientadora Prof. Dr. CARLOS ALBERTO FELICIANO (Participação Virtual) Departamento de Geografia / Unesp /FCT - Campus de Presidente Prudente Prof.ª Dra. CLEDIANE NASCIMENTO SANTOS (Participação Virtual) Instituto de Ciências Humanas e da Informação / FURG – Campus de Santa Vitória do Palmar Presidente Prudente 03 de junho de 2021 Câmpus de Presidente Prudente UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CERTIFICADO DE APROVAÇÃO Título: GEOGRAFIA, TURISMO E RELIGÃO: GESTÃO PÚBLICA DO ESPAÇO NO MUNICIPIO DE INTERESSE TURÍSTICO DE SANTO EXPEDITO SP. Profa. Dra. ROSANGELA CUSTODIO CORTEZ THOMAZ (Participaçao Virtual) Curso de Turismo / UNESP / Câmpus de Rosana Prof. Dr. CARLOS ALBERTO FELICIANO (Participaçao Virtual) Departamento de Geografia / Unesp/FCT - Câmpus de Presidente Prudente Profa. Dra. CLEDIANE NASCIMENTO SANTOS (Participaçao Virtual) Instituto de Ciências Humanas e da Informação / FURG – Campus de Santa Vitória do Palmar Presidente Prudente, 03 de junho de 2021. Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente - Rua Roberto Simonsen, 305, 19060900, Presidente Prudente - São Paulo http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--geografia/CNPJ: 48.031.918/0009-81. http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--geografia/CNPJ RESUMO A velocidade com que a atividade turística pode interferir no espaço em que se desenvolve tem gerado demandas de estudos que permeiam um planejamento específico, pautado nas necessidades de moradores e visitantes em localidades classificadas como turísticas. A Secretaria Estadual de Turismo de São Paulo possui uma política pública de turismo que reconhece e classifica municípios em que o turismo já ocorre, esse reconhecimento dá direto ao município receber o título de Município de Interesse Turístico (MIT) ou Estância Turística Lei Complementar 1261/2015, além de um incentivo financeiro para o desenvolvimento da infraestrutura local. Esta dissertação tem como objetivo realizar análise das políticas públicas e gestão pública do turismo no Município de Interesse Turístico de Santo Expedito (SP). A metodologia adotada para esta pesquisa é a quali-quantitativa, de caráter exploratório. Para subsidiar a pesquisa e permitir reflexões acerca do objetivo central, realizou-se uma discussão teórica que abarcou diversas áreas que perpassam pela geografia e pelo turismo, subsidiando conceitualmente. Foram realizadas visitas in loco que viabilizaram o registro fotográfico da infraestrutura básica e turística, a aplicação de questionários on-line junto aos moradores e entrevistas com os representantes da gestão pública e da igreja do município e por meio de documentos o registro das obras de infraestrutura turística executadas no local. Bem como, a coleta de dados sobre o MIT e verbas direcionadas a este em plataformas on-line do Ministério do Turismo, Secretaria Estadual e municipal de Turismo. Os resultados obtidos integraram informações sobre as transformações referentes a infraestrutura local de Santo Expedito após seu reconhecimento como MIT, a atuação do poder público municipal e a ação conjunta com a paróquia do município diante as atividades religiosas que proporcionam o fluxo de milhares de pessoas todos os anos. Outro importante resultado observado se refere ao ponto de vista dos moradores do município em relação as possíveis transformações decorrentes do turismo religioso e sua classificação como MIT. Palavras-chave: Turismo Religioso; Desenvolvimento Local; Políticas Públicas de Turismo; MIT. ABSTRACT The speed with which the tourist activity can interfere in the space in which it develops has generated demands of studies that permeate a specific planning based on the needs of residents and visitors in locations classified as tourist. The State Department of Tourism of São Paulo has a public tourism policy that recognizes and classifies municipalities in which tourism already takes place, this recognition gives the municipality the title of Municipality of Tourist Interest (MIT) or Tourist Resort, financial incentive for the development of local infrastructure. This dissertation aims to analyze public policies and public tourism management in the Municipality of Tourist Interest of Santo Expedito (SP). The methodology adopted for this research is quali-quantitative, exploratory. To support the research and allow reflections about the central objective, a theoretical discussion was held that housed several areas that permeate geography and tourism, conceptually subsidizing. On-site visits were carried out which enabled the photographic registration of basic and tourist infrastructure, the application of online questionnaires to residents and interviews with representatives of the municipality's public administration and church and, through documents, the registration of infrastructure works tour performed on site. As well as the collection of data on the MIT, and funds directed to this on online platforms of the Ministry of Tourism, State and Municipal Secretariat of Tourism. The results obtained integrated information on the transformations related to the local infrastructure of Santo Expedito after its recognition as MIT, the action of the municipal government and the joint action with the parish of the municipality before the religious activities that provide the flow of thousands of people every year. Another important result observed refers to the point of view of the residents of the municipality in relation to the possible transformations resulting from religious tourism and its classification as MIT. Keywords: Religious Tourism; Local Development; Public Tourism Policies; MIT. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa de Localização de Santo Expedito (SP)................................... 17 Figura 2 - Figura 3 - Figura 4 - Figura 5 - Figura 6 - Figura 7 - Figura 8 - Figura 9 - Distância entre a Igreja Matriz de Santo Expedito e o novo Santuário............................................................................................. Fluxo de turistas e peregrinos no dia 19 de Abril (Festa do Padroeiro............................................................................................ Reunião entre voluntários no salão Paroquial de Santo Expedito...... Mapa das Estâncias Turísticas no Estado de São Paulo.................... Mapa Estâncias Turísticas e MIT’s..................................................... Cenário de Impacto Econômico do Covid-19 nas Atividades Características do Turismo................................................................. Mapa do Turismo Brasileiro - Evolução de Regiões........................... Mapa do Turismo Brasileiro - Evolução de Municípios....................... 26 28 28 46 47 49 66 70 Figura 10 - Figura 11 - Figura 12 - Figura 13 - Figura 14 - Figura 15- Figura 16- Figura 17- Figura 18- Figura 19- Figura 20- Figura 21- Organograma COMTUR Santo Expedito............................................ Obra inicial de revitalização da Praça Central de Santo Expedito.... Praça Central antes e depois das obras de revitalização................... Obra de revitalização da Praça Central de Santo Expedito (2019).... Identificação de obra de recapeamento área central/ Recursos municipais........................................................................................... Festa do Milho em Santo Expedito..................................................... Moto Romaria em Santo Expedito...................................................... Encontros de Veículos Antigos em Santo Expedito............................ Pedal da Fé......................................................................................... Cavalgada em Santo Expedito............................................................ Festa de Santo Expedito no Instituto Brasileiro do Café (IBC)........... Comemoração Dia Municipal do Evangélico em Santo Expedito....... 76 80 81 81 82 85 86 87 88 89 90 100 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Faixa etária dos participantes........................................................... 96 Gráfico 2 - Gênero dos participantes.................................................................. 97 Gráfico 3 - Município em que residem os participantes..................................... 98 Gráfico 4 - Tempo em que os participantes residem em Santo Expedito.......... 99 Gráfico 5 - Religião dos participantes................................................................. 101 Gráfico 6 - Reconhecimento do Município de Santo Expedito como destino de Turismo Religioso............................................................................. 102 Gráfico 7- Reconhecimento do Município de Santo Expedito como MIT.......... 103 Gráfico 8 - Importância do reconhecimento do Município de Santo Expedito como MIT pelo Governo do Estado de São Paulo........................... 104 Gráfico 9 - Ponto de vista sobre a importância e benefícios do turismo para o município......................................................................................... 105 Gráfico 10 - Benefícios gerados pelo Turismo Religioso em Santo Expedito..... 106 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Possíveis impactos decorrentes do desenvolvimento turístico em uma localidade................................................................................ 20 Quadro 2 - Espaços religiosos no município de Santo Expedito...................... 25 Quadro 3 - Quadro 4 - Quadro 5 - Quadro 6 - Quadro 7 - Quadro 8 - Quadro 9 - Gestão Compartilhada do Programa de Regionalização do Turismo (MTUR).............................................................................. Maiores Índices de Competitividade no turismo nacional – 2015... Histórico das principais Leis e Decretos para o Turismo no Estado de São Paulo................................................................................... Repasses de valores às Estâncias Turísticas de São Paulo.......... Repasses de valores às Estâncias e Municípios de Interesse Turístico de São Paulo após a Lei 1.261/2015................................ Santuário de Santo Expedito em construção etapas concluídas até 2021........................................................................................... Observações sobre as obras de revitalização da praça central...... 44 57 67 72 72 94 108 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABBTUR - Associação Brasileira de Bacharéis em Turismo ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil BA – Bahia BNDS - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BOH - Boletim de Ocupação Hoteleira C&VB- Convention & Visitors Bureau CADASTUR – Cadastro Nacional de Turismo CADÚNICO - Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CE – Ceará CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal CG COPATUR - Comitê Gestor CIPES - Comitê Interno do Projeto Esplanada Sustentável CIT - Centro de Informações Turísticas COC - Conselho de Orientação e Controle do Fundo de Melhoria das Estâncias COE - Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública do Governo Federal COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social COMBRATUR - Comissão Brasileira de Turismo COMTUR – Conselho Municipal de Turismo CONTRUESP - Conselho Estadual de Turismo COVID-19 – Coronavírus CSIC - Comitê de Segurança da Informação e Comunicações CTClass - Conselho Técnico Nacional de Classificação de Meios de Hospedagem DADETUR - Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos d.C – Depois de Cristo DER – Departamento de Estradas e Rodagem Eco - 92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento EMBRATUR - Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo ES – Espírito Santo ETEC – Escola Técnica FATEC - Faculdades de Tecnologia FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGV – Faculdade Getúlio Vargas FIFA - Federação Internacional de Futebol FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FNRH - Ficha Nacional de Registro de Hóspedes FUB - Fundação Universidade de Brasília FUMTUR - Fundo de Melhoria dos Municípios Turísticos FUMTUR – Fundo Municipal de Turismo FUNGETUR - Fundo Geral do Turismo GO – Goiás GTE COPATUR - Grupo Técnico Executivo GTT - Grupo Técnico de Trabalho para a Promoção do Turismo Cinematográfico IBC - Instituto Brasileiro do Café IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICCA – International Congress & Convention Association/ Associação de Convenções e Congressos Internacionais ICMS - Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços IDH - Índice de Desenvolvimento Humano INFRAERO - Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano MEI - microempreendedor individual MG – Minas Gerais MH - Meios de Hospedagem MIT- Município de Interesse Turístico MP - Medida Provisória MTUR - Ministério do Turismo OMS - Organização Mundial da Saúde OMT - Organização Mundial de Turismo ONU - Organização das Nações Unidas PA – Pará PAC- Programa de Aceleração do Crescimento PASTUR – Pastoral do Turismo PE – Pernambuco PEA- Plataforma de Engajamento e Aprendizagem PIB - Produto Interno Bruto PIS/PASEP - Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PL – Projeto de Lei PLANTUR - Plano Nacional de Turismo PNMT - Programa Nacional de Municipalização do Turismo PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento POSIC - Política de Segurança da Informação e Comunicação PPGG – Programa de Pós-graduação em Geografia PRODETUR - Programa de Desenvolvimento do Turismo Nacional PRONAMPE - Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte RAIS - Relação Anual de Informações Sociais/Ministério do Trabalho e Emprego SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SARS-COV-2 - Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2/ síndrome respiratória aguda grave 2 SBCLASS - Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem SC – Santa Catarina SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SECTUR - Secretaria Municipal de Turismo SENCON - Secretaria Nacional do Consumidor SIGTUR - Sistema Integrado de Gestão do Turismo SISCEAB - Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro SISPRT – Sistema Nacional de Registro de Hóspedes SNRHOS - Sistema Nacional de Registro de Hóspedes SP – São Paulo SUS – Sistema Único de Saúde UF – Unidade da Federação UH - Unidades Habitacionais UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP – Universidade Estadual Paulista UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas USP – Universidade de São Paulo WTTC - The World Travel & Tourism Council/ Conselho Mundial de Viagens e Turismo SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 10 2. SANTO EXPEDITO: CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO.................. 17 2.1 Aspectos históricos e geográficos................................................................ 17 2.1.2 Perfil dos moradores....................................................................................... 2.1.3 Origens da devoção a Santo Expedito............................................................ 2.1.4 A festa de Santo Expedito............................................................................... 2.2 A produção do espaço turístico...................................................................... 2. 2.1 A produção do espaço turístico religioso........................................................ 2.3 Reflexões sobre o turismo religioso e desenvolvimento urbano................ 3 POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DO ESTADO E O TURISMO....................... 3.1 Políticas Públicas: perspectivas para repensar o turismo........................... 3.2 O turismo no Brasil e suas políticas públicas............................................... 3.2.1 Política de Regionalização do Turismo no Brasil............................................ 3.2.2 Mapa do Turismo Brasileiro: Estratégia de Regionalização do Turismo no Brasil......................................................................................................................... 3.3 As Estâncias Turísticas e os Municípios de Interesse Turístico do Estado de São Paulo: política e territorialização....................................................................... 3.3.1 Turismo e gestão participativa no Estado de São Paulo................................. 3.3.2 Estâncias e Município de Interesse Turístico.................................................. 4 A (RE) PRODUÇÃO DO ESPAÇO E O TURISMO RELIGIOSO DE SANTO EXPEDITO................................................................................................................ 4.1 Santo Expedito: desdobramentos políticos e a (re)territorialização em Município de Interesse Turístico........................................................................... 4.1.2 Santo Expedito: Gestão participativa para o turismo religioso diante das políticas públicas enquanto MIT............................................................................... 4.1.3 Análise dos questionários respondidos por moradores do município de Santo Expedito......................................................................................................... 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. REFERÊNCIAS........................................................................ Apêndice A. Questionário aplicado aos Gestores Municipais de Turismo de Santo Expedito.............................................................................................................................. Apêndice B. Questionário aplicado ao Pároco responsável pela Igreja católica em de Santo Expedito.............................................................................................................................. Apêndice C. Histórico de Políticas Públicas de Turismo no Brasil. Adaptação à proposição de Melo (1996) ...................................................................................... Apêndice B. Termo de consentimento de uso da entrevista.................................... Anexo 1. Certificado de integração no Mapa do Turismo Brasileiro (2019-2021) ................................................................................................................................. Anexo 2. Certificado COMTUR Santo Expedito junto ao Ministério do Turismo..................................................................................................................... 18 22 27 30 32 36 39 39 40 43 44 56 61 64 74 74 75 95 111 116 124 125 126 139 140 10 1 INTRODUÇÃO O espaço turístico tem como elemento a fluidez, gerada por meio da entrada de turistas, a inserção de políticas interescalares, investimentos internos e externos, de modo a alterarem as territorialidades em diversos sentidos, atingindo a escala da vida na territorialidade local. Uma política pública específica para o turismo pode ser considerada uma proposta de ação que permite foco na atividade e prevê direcionar recursos do próprio turismo para o seu desenvolvimento. Sua implementação possibilita governos e municípios trabalharem de forma conjunta e, ao mesmo tempo, valorizar suas particularidades. Muitas são as ações voltadas à organização do setor de turismo, tais políticas foram pautadas nas necessidades de cada período, como exemplo as de 2020 com foco em minimizar os impactos da pandemia Covid-19. Nos últimos anos, houve uma importante reformulação em uma das principais leis que estabelece critérios para o reconhecimento de um destino como turístico no Estado de São Paulo. Esta reformulação proporcionou uma expansão no quadro de municípios contemplados como destinos turísticos no estado, principalmente no interior. A Lei Complementar nº 1261/2015 estabelece critérios e um novo formato de gestão do turismo regional, reformula o processo de acesso dos municípios interessados possibilitando novas oportunidades para outros municípios do estado. Muitos municípios buscam seu desenvolvimento pela economia turística, e pleiteiam o título de Estância Turística ou Município de Interesse Turístico na tentativa de atrair maior visibilidade, recursos do governo estadual e investimentos privados. Nesse bojo, nasce a inquietação de compreender as transformações territoriais presentes no Município de Santo Expedito, tendo como centro as mudanças estabelecidas temporalmente pela titulação adquirida de MIT, e a efetivação dessa política no tocante ao econômico, social e ao cultural local. As considerações e levantamentos realizados por este trabalho apresentam uma discussão sobre o papel dos investimentos direcionados para a manutenção de locais turísticos, e como a política pública específica pode se tornar uma ferramenta nesse processo de fortalecimento da identidade de um município turístico, no caso específico do Município de Interesse Turístico de Santo Expedito. O Município de Santo Expedito (SP), objeto desta pesquisa, é caracterizado pelo turismo religioso nas últimas décadas. Em 2017, recebeu o título de Município de Interesse Turístico (MIT) pela Secretaria Estadual de Turismo do Estado de São Paulo. Esta dissertação tem como objetivo geral realizar análise das políticas 11 públicas e gestão pública do turismo no Município de Interesse Turístico de Santo Expedito (SP), com objetivos específicos foi possível realizar um levantamento sobre a destinação e aplicação dos recursos disponibilizados pelo governo do estado de São Paulo, verificar o reconhecimento da atividade turística por parte dos moradores locais e as relações e parcerias entre o governo municipal, paróquia e setor privado, foi possível também realizar um levantamento histórico sobre o processo de formação socioespacial no município e suas relações com práticas religiosas. Sendo o turismo identificado como uma atividade que pode gerar impactos nas localidades, o presente estudo justifica-se diante da atual identificação e classificação do espaço pesquisado como localidade turística dentro da modalidade de turismo religioso. Observar e acompanhar esse processo permite uma discussão importante sobre as possibilidades e aplicações da atividade turística em nossa região. As questões que nortearam o desenvolvimento da pesquisa foram:  Como relacionar a prática do turismo com as práticas religiosas em um pequeno município?  De que forma uma política pública específica para o turismo pode contribuir para o desenvolvimento local?  Qual a importância da participação dos agentes públicos, privados e comunidade local para o desenvolvimento do turismo?  Quais os benefícios que o título de Estância e Município de Interesse Turístico podem trazer aos municípios paulistas?  Como um município deve aplicar recursos específicos destinados para a manutenção e revitalização de infraestrutura básica que se relacionam com o turismo? Considerando as necessidades propostas pelos objetivos centrais deste trabalho, o método utilizado foi o indutivo, no qual “o pensamento percorre um caminho partindo de fatos particulares para fatos universais” (ZANELLA, 2013, p.21). Pressupostos teórico-metodológicos Com o objetivo de aprofundar as temáticas necessárias para o desenvolvimento desta dissertação, foram realizados levantamentos bibliográficos 12 durante todo o período de desenvolvimento da pesquisa, o que possibilitou o acesso a subsídios teóricos. Os principais temas estiveram relacionados a políticas públicas de turismo, desenvolvimento local, envolvimento e participação da comunidade, bem como aspectos relacionados a modalidade de turismo religioso. No entanto, foi necessário realizar um levantamento histórico da formação socioespacial do município de Santo Expedito para que a dinâmica de formação da cidade pudesse ser compreendida. A fundamentação dos aspectos teóricos estabelece diretriz e reforça a estabilidade do projeto. O levantamento bibliográfico foi realizado junto a bibliotecas universitárias (rede de bibliotecas da Unesp) e meios eletrônicos (periódicos e cadernos). Construção de dados de campo A pesquisa de campo contou com a utilização de duas modalidades: pesquisa observacional e aplicação de questionários. Desta forma, “a amplitude das informações coletadas auxiliará no processo de entendimento, não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar" (MARCONI; LAKATOS 2011, p.76). Importante destacar que o levantamento de registros fotográficos foi importante no processo de tabulação das informações e na formulação do inventário. Alguns aspectos comparativos foram determinantes nesta etapa do projeto, pois sendo objetivo principal verificar a aplicação dos recursos e alterações na infraestrutura física do município, foi necessário verificar como eram esses locais antes do reconhecimento como MIT. Os principais pontos de alterações estão localizados na área central onde se localiza a atual igreja matriz, e os locais escolhidos pelos gestores foi a praça da matriz e suas vias de acesso, por se tratar do ponto central de acesso dos romeiros e turistas, e também por ser um espaço importante de lazer da população. As observações ocorreram em períodos esporádicos dentro do prazo estabelecido pelo projeto, e de acordo com o início e finalização das obras e, principalmente, durante a realização da festa do padroeiro, no dia 19 de abril de 2019, e entre os anos de 2019 e 2020. No entanto, diante da situação referente a pandemia Covid-19, todas as atividades foram adiadas e os dados referentes a 2020 não foram coletados até o momento. 13 Aplicação de questionários aos moradores de Santo Expedito Por se tratar de uma atividade que expõe o cotidiano local e atrai grande número de pessoas de lugares distintos, o ponto de vista da população precisa ser considerado um critério fundamental no processo de identificação da atividade turística. Alguns fenômenos que podem ser relacionados quando a população local não é parte do processo estão relacionados ao baixo nível de hospitalidade, comportamentos hostis, depredações e até situações que envolvem episódios de criminalidade. A população local precisa ser considerada, e sua aceitação é importante no processo de reconhecimento e fortalecimento do turismo, isso pode ser observado em localidades possuem um turismo de base local, onde população participa de forma intensiva da gestão compartilhada. Uma das formas de se obter informações sobre o ponto de vista da população local sobre o turismo se dá por meio de pesquisas que, geralmente, são promovidas por órgãos gestores ou até mesmo universidades que desenvolvam um trabalho específico. No entanto, é necessário que essas pesquisas sejam refeitas constantemente para que se estabeleça um padrão comparativo de pontos de vista com o passar dos anos. O procedimento utilizado para o levantamento das informações sobre o ponto de vista dos moradores de Santo Expedito sobre o turismo local, a abordagem utilizada durante a pesquisa foi a quantitativa, que de acordo com Zanella (2013, p. 95), “está relacionada com representatividade numérica de forma objetiva possibilitando generalizar os dados a respeito de uma população por amostragem” (ZANELLA, 2013), e neste caso utilizou-se da aplicação de questionários de múltipla escolha com perguntas fechadas. No primeiro momento, a proposta foi realizar a aplicação in loco durante a realização de alguns eventos, no entanto, devido ao cancelamento e adiamento das atividades a partir de março de 2020, e com as medidas impostas pelo distanciamento social, a forma encontrada para obter as informações foi a aplicação do questionário na modalidade virtual pela plataforma Google Docs. 14 O questionário é um instrumento de coleta de dados constituído por uma série ordenada de perguntas descritivas [perfis socioeconômicos, como renda, idade, escolaridade, profissão e outros], comportamentais [padrões de consumo, de comportamento social, econômico e pessoal, dentre outros] e preferenciais [opinião e avaliação de alguma condição ou circunstância] (ZANELLA, 2013, p. 110). Foram elaboradas doze perguntas fechadas nas quais o morador tinha a opção de selecionar sua resposta e em alguns momentos apresentar seu ponto de vista sobre o questionamento. O questionário se inicia com perguntas de identificação como gênero, idade, religião e tempo em que reside no município, tais questões auxiliam no processo inicial para que se possa traçar um perfil dos participantes e verificar se há uma diversidade de público, se houve uma abordagem da população em toda sua representatividade. Na sequência, seguem as perguntas específicas sobre o ponto de vista do turismo local. Neste momento, os entrevistados são levados a refletir sobre a existência, reconhecimento e importância da atividade em seu município, além de compartilhar seu ponto de vista sobre a presença ou não de benefícios ao município e munícipes em geral. O link da plataforma utilizada disponibilizou o acesso ao questionário online entre os dias 21 de maio de 2020 e 21 de junho de 2020. Os meios de divulgação foram as mídias sociais direcionadas aos moradores e por moradores. Ao final do prazo estabelecido, o número obtido foi de 92 questionários respondidos, os quais serão apresentados na análise dos resultados. Entrevistas As entrevistas foram direcionadas aos gestores municipais, representante da paroquia local (pároco) e moradores, o objetivo de utilizar esta ferramenta é obter informações oficiais dos responsáveis pelo desenvolvimento do turismo no município, bem como o ponto de vista e perspectivas sobre o reconhecimento enquanto MIT. Aos entrevistados, foi apresentado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice D), cuja finalidade é respaldar os participantes sobre a finalidade e uso das informações disponibilizadas para este trabalho. Optou-se por perguntas fixas e semiestruturadas, tendo assim maior liberdade na variação dos questionamentos fazendo referência com a pesquisa qualitativa na qual “preocupa-se em conhecer a realidade segundo a perspectiva dos sujeitos participantes da pesquisa, sem medir ou utilizar elementos estatísticos para análise dos dados” (ZANELLA, 2013, p. 99). 15 As perguntas foram elaboradas de forma que funcionassem como um roteiro, classificado por Lakatos e Marconi (2007) como entrevista estruturada. Desta forma, o entrevistado tem um direcionamento sobre assuntos propostos pelo pesquisador, porém, pode abordar assuntos correlatos referentes ao tema. O roteiro direcionado aos representantes da coordenadoria de turismo do município foi construído diante das necessidades da pesquisa e as perguntas elaboradas contemplam questões relacionadas estruturação, planejamento e gestão do turismo em Santo Expedito e suas possíveis parcerias. Perguntas cruciais sobre investimentos financeiros do Governo Municipal em infraestrutura voltada para o turismo local e a aplicação dos recursos destinados pelo Governo Estadual aos Municípios de Interesse Turístico, além de questões sobre o desafio da sazonalidade do turismo e perspectivas sobre o futuro do turismo no município. Ao representante da paróquia local, foi direcionado um roteiro com perguntas relacionadas a percepção da vocação local para o turismo religioso, a forma em que a igreja se organiza, importância e presença do voluntariado para a realização das atividades e a parceria com o Governo Municipal. Sobre o reconhecimento de MIT foi perguntado sobre o seu significado e se há benefícios para a igreja, sobre os desafios de ser um destino do turismo religioso no interior do Estado de São Paulo e sobre as perspectivas diante do cancelamento das atividades em 2020. Ao todo, foram elaboradas 15 (quinze) questões aos representantes da gestão do turismo municipal, e 12 (doze) direcionadas ao representante da igreja católica de Santo Expedito. A abordagem aos entrevistados foi feita após visitas de observação e participação de reuniões sobre o turismo no município e contou com a apresentação da proposta do projeto, houve uma boa receptividade o que não ocasionou problemas quanto a realização das entrevistas e demais atividades. O contato inicial de abordagem foi realizado no segundo semestre de 2018, e o procedimento para a realização das entrevistas iniciou-se com envio das perguntas e documentação para o uso das informações no trabalho e estava prevista entre fevereiro março de 2020, diante de alguns contratempos e compromissos dos entrevistados as entrevistas foram adiadas e por conta das medidas de isolamento social previstas pela pandemia a partir de março de 2020, as perguntas foram respondidas via telefone e e-mail. Os entrevistados são representantes da gestão de turismo do município de Santo Expedito, além do representante da paróquia, responsável por todas as atividades religiosas realizadas. 16 Pesquisa Observacional/ Pesquisa de campo Conforme proposto inicialmente no projeto, a pesquisa de campo seria fundamental para relatar o comportamento de moradores e visitantes durante as principais atividades realizadas no município. Trata-se de uma “técnica que utiliza os sentidos para obter informações da realidade” (ZANELLA, 2013, p. 121), que, neste caso, pode ser classificada como observação participante, na qual o pesquisador não é apenas um espectador e se coloca junto ao objeto pesquisado. Durante os eventos realizados do segundo semestre de 2018 a fevereiro de 2020, a pesquisadora esteve presente com a finalidade de verificar a dinâmica presente e, em alguns casos, inserida no contexto do evento, o que permitiu verificar o envolvimento da comunidade católica local com todas as atividades desenvolvidas, bem como seus desafios. As contribuições da pesquisa observacional também subsidiaram aspectos importantes referentes ao ponto de vista dos visitantes (turistas). No entanto, como a aplicação da pesquisa seria realizada no evento do dia 19 de abril de 2020, não foi possível por conta dos cancelamentos e, sendo assim, outra forma de coleta de informações foi efetivada para que houvesse um levantamento de dados estatísticos sobre a qualidade da infraestrutura oferecida. Estrutura da Dissertação Como parte das discussões iniciais são apresentadas no 2º capítulo a caracterização da área de estudo que identifica e contextualiza a pesquisa. Neste capítulo, são apresentados os aspectos históricos e geográficos de Santo Expedito, o perfil dos moradores, o histórico de formação socioespacial e início das atividades religiosas no local. O 3º capítulo discorre sobre as relações entre o turismo e a geografia, com discussões sobre a produção do espaço turístico religioso e reflexões sobre o turismo religioso e desenvolvimento urbano. No 4º capítulo, as reflexões foram organizadas em torno das definições de políticas públicas de turismo como estratégias de desenvolvimento e fortalecimento da atividade turística no Brasil e no estado de São Paulo. Dados e fatos históricos sobre a criação de políticas públicas são apresentadas, bem como as medidas necessárias e adotadas para minimizar os impactos decorrentes da pandemia da Covid – 19 no turismo brasileiro. 17 O 5º capítulo apresenta os resultados específicos sobre as pesquisas propostas, além de uma análise da gestão do turismo em Santo Expedito, aplicação dos recursos no turismo, presença da igreja local e ponto de vista da população sobre o turismo religioso e o título de Município de Interesse Turístico (MIT). E, por fim, foram tecidas as considerações finais, tendo em vista as perspectivas teóricas e metodológicas que embasaram o processo científico de construção e de desenvolvimento da dissertação. 2 SANTO EXPEDITO: CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO 2.1 Aspectos históricos e geográficos A dimensão empírica de análise é o Município de Santo Expedito no Estado de São Paulo, com um olhar específico sobre o turismo religioso cristão católico desenvolvido no local. O Município de Santo Expedito está localizado a oeste do Estado de São Paulo e distante 597km da capital, o qual compõe a mesorregião de Presidente Prudente, SP (Figura 1). Possui proximidade com as divisas dos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, o que pode justificar um importante número de visitantes destas localidades (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE, 2017). Figura 1- Mapa de Localização de Santo Expedito (SP). Fonte: Lima (2018), adaptado pela autora (2021). 18 De acordo com o Pioneiro e Historiador Pedro Geraldo Coimbra, os primeiros movimentos para demarcação de terras no local são de 1919, e o primeiro nome dado ao local foi ‘km 30’ por questões de localização dos municípios mais próximos. (SANTUÁRIO DE SANTO EXPEDITO, 2020). No entanto, a história de ocupação do município data da década de 1940, com a vinda de migrantes das regiões norte do Brasil. O povoado foi fundado em 26 de abril de 1948 pela Companhia Colonizadora denominada “Ciampolino & Braga” e, por este motivo, o aglomerado foi inicialmente chamado de Vila Braga (LIMA, 2018). A princípio, o povoado se tornou distrito do município de Alfredo Marcondes e, no ano de 1959, Santo Expedito conquistou sua emancipação política pela Lei Estadual nº 5285, de 18/02/1959, já denominado Santo Expedito. No ano de 2019, com população estimada de 3.111 pessoas (IBGE, 2010), o município possui características de cidade pequena, por sua extensão territorial, número de habitantes, e “por estar distante dos circuitos do meio técnico-científico- informacional, muitas vezes, à jusante das cidades médias e das metrópoles, por serem cidades com baixo dinamismo demográfico, econômico, político, etc”. (JURADO DA SILVA E SPOSITO, 2009, p.13) Para Santos (1979): As pseudocidades ou cidades pequenas podem ser totalmente dependentes de atividades de produção primária, como também de atividades não primárias, como algumas cidades industriais ou cidades religiosas, universitárias, balneárias, de montanha (serranas), etc. [...] (SANTOS, 1979, p. 70). Santo Expedito pode ser considerado um exemplo desses pequenos centros, pois parte da economia se baseia na agricultura e comércio, por se tratar de uma cidade religiosa, conta com a forte presença do turismo religioso católico. Sua proximidade com Presidente Prudente estabelece uma relação importante entre os municípios, pois alguns moradores de Santo Expedito se deslocam até Presidente Prudente para desempenhar funções laborais, de estudo, realizar consultas médicas, compras no comércio e desfrutar de atividades de lazer. “Este movimento pendular que ocorre principalmente entre os que trabalham em municípios vizinhos pode caracterizar Santo Expedito como cidade dormitório” (LIMA, 2018, p.4). 2.1.2 Perfil dos moradores 19 A população de Santo Expedito possui uma distribuição etária equilibrada, no entanto, alguns grupos se destacam, são estes: os adultos entre 40 a 49 anos que equivalem a 14,2%, seguidos pelo o grupo que corresponde aos 30 a 39 anos com 12,3%. (IBGE, 2019). Ao analisarmos os grupos etários que se destacam, podemos classificá-los como grupo de adultos economicamente ativos, pois nestas faixas etárias que se encontram o maior número de trabalhadores, independente de áreas e locais de atuação. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2017 o salário médio mensal dos moradores de Santo Expedito era de 1.7 salários-mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 14,9% (IBGE, 2017). O comércio local em 2019, contava com 146 estabelecimentos de diversos setores como: farmácias, mercados, bares, lanchonetes, vestuário, posto de combustíveis, açougues, casa lotérica, etc. Grande parte da população economicamente ativa trabalha no munícipio, 21,2% (setor público e privado), e 14,3% trabalham em outros municípios (IBGE, 2017). O saneamento básico do município é efetivo em 76,9% dos domicílios que possuem esgoto sanitário adequado. A arborização de 99,4% de domicílios urbanos em vias públicas coloca Santo Expedito na 64ª colocação no estado, no entanto somente 13,7% de domicílios urbanos em vias públicas possuem urbanização adequada (bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio) (IBGE, 2017). No que se refere à saúde, o município possui um único posto que realiza atendimentos ambulatoriais e procedimentos de baixa complexidade. Quando se trata de casos considerados mais graves e que necessitam internação e cuidados mais especializados os hospitais dos municípios próximos realizam os atendimentos. Ao considerarmos que a infraestrutura básica existente e todos os serviços oferecidos se referem ao número de habitantes, como imaginar esse mesmo município consiga disponibilizar serviços essenciais para um número que supera 20 vezes sua população em um único dia, o dia do padroeiro Santo Expedito? Por este fator é importante que haja planejamento e participação dos moradores diante da atividade turística desenvolvida no município. Neste cenário, o turismo religioso vem alcançando números expressivos que não se limitam ao município, mas a toda região que faz parte, o que exige, por parte dos gestores públicos, a realização de estudos, pesquisas e o monitoramento da 20 atividade para que suas contribuições sejam positivas e possam gerar benefícios a comunidade local. Para que o turismo seja consolidado como uma prática socioeconômica e cultural em uma localidade, é necessário que outras dimensões sejam plenamente desenvolvidas. Economia dinamizada em diferentes setores, qualidade de vida da população local e do ambiente, qualidade da infraestrutura básica disponível, capacidade da atividade em gerar benefícios e minimizar as consequências não desejadas, compõem o quadro que se refere a tais dimensões (Quadro 1). 21 Quadro 1 – Possíveis impactos decorrentes do desenvolvimento turístico em uma localidade. Fonte: Retirado de Souza (2020, p. 42). DIMENSÃO IMPACTOS POSITIVOS IMPACTOS NEGATIVOS Econômica Geração de empregos; distribuição e circulação de renda; aumento da arrecadação de impostos; criação de novos empreendimentos; diversificação da economia; aumento da renda "per capita"; expansão das oportunidades locais; atração de investimentos; incentivos econômicos para empreendimentos turísticos. Especulação imobiliária; aumento da economia informal; aumento do custo de vida; inflação; privilégio de benefícios econômicos. Social Diminuição do índice de desemprego; melhoria e desenvolvimento da infraestrutura básica local; capacitação e qualificação de mão de obra especializada; melhoria da qualidade de vida (escola, saúde, saneamento básico, lazer, segurança); integração e desenvolvimento regional (circuito turístico). Imigração desordenada; aumento da prostituição; tráfico de drogas; acúmulo de lixo urbano e rural; aumento da poluição, congestionamento e tráfego urbano; exploração do turista; crescimento desordenado; aumento da criminalidade e do vandalismo; desconforto, evasão e rejeição do turista pelos residentes; desagregação familiar; doenças; aumento da população sazonal; problemas de infraestrutura básica. Cultural Valorização do artesanato; valorização da herança cultural; valorização e preservação do patrimônio histórico; manutenção das práticas religiosas. Descaracterização do artesanato; vulgarização das manifestações tradicionais; destruição do patrimônio histórico. Ambiental Utilização mais racional dos espaços e valorização do convívio direto com a natureza; criação de planos e programas de conservação e preservação de áreas naturais, de sítios arqueológicos e, ainda, de monumentos históricos; investimento dos empreendedores turísticos em iniciativas preservacionistas para manter a qualidade e consequente, atratividade dos recursos naturais e socioculturais; promoção da descoberta e da acessibilidade de certos aspectos naturais em regiões não valorizadas, a fim de desenvolver o seu conhecimento por meio de programas especiais (ecoturismo); implantação de equipamentos e outras medidas preservacionistas a partir da renda da atividade, tanto indireta (impostos) quanto direta (taxas, ingressos). Ocupação e destruição de áreas naturais que se tornam urbanizadas e poluídas pela presença e pelo tráfego intenso de turistas; poluição visual provocada pela construção de equipamentos turísticos modificando o meio, e descaracterizando a paisagem; poluição da água provocada por descarga de águas servidas in natura falta ou mau funcionamento dos sistemas de tratamento e descargas de esgotos; poluição sonora; destruição da fauna e da flora, dentre outras. 22 O equilíbrio entre as dimensões apresentadas são fatores importantes para minimizar impactos decorrentes da atividade turística. No objeto de estudo desta dissertação, é possível observar que algumas questões ainda se apresentam de forma tímida e inicial. No entanto, existe um esforço da gestão municipal em estimular o comércio local por meio de capacitações direcionadas ao estímulo do empreendedorismo. Os aspectos positivos da dimensão econômica podem ser considerados importantes na manutenção e fortalecimento da atividade no município, porém, a sazonalidade presente pode ser um fator que impede um engajamento mais efetivo entre os comerciantes locais. Os impactos negativos da dimensão econômica podem ser observados na informalidade, principalmente na presença de comerciantes de outras localidades que, no dia 19 de abril, se deslocam até o município. A dimensão social do turismo religioso em Santo Expedito apresenta pontos relacionados a melhorias, ou até mesmo a criação de infraestrutura básica no local com aprimoramento dos espaços físicos comuns entre os moradores e turistas, além da integração junto ao circuito do turismo regional, o que permite visibilidade e pode auxiliar na manutenção e aumento do fluxo de visitantes ao local. Outro aspecto da dimensão social é a capacitação e qualificação de mão de obra especializada. Após o reconhecimento do município como de interesse turístico em 2017, a gestão municipal iniciou o processo de formação de uma equipe técnica para atuar a frente da gestão do turismo, que, atualmente, representa o município em feiras, reuniões estaduais e regionais, capacitações oferecidas pela Secretaria Estadual de Turismo, além de planejar as atividades referentes ao turismo junto à paróquia. Os aspectos sociais negativos observados em Santo Expedito estão relacionados, principalmente, ao aumento sazonal da população que é muito superior ao número de habitantes, o que pode gerar uma baixa sensação de segurança por parte dos moradores. Por se tratar de um público específico com uma motivação religiosa, de acordo com moradores, o fluxo de pessoas nas atividades da igreja não causa incomodo. Porém, nos últimos anos, surgiu a preocupação com a presença de pessoas com outras motivações. Neste caso, a segurança local para os moradores, necessita de maior atenção. Outro aspecto apontado por Ferreira (2005) está relacionado a questões culturais, fator relevante quando se trata de turismo religioso. Os impactos culturais positivos encontrados no município estão ligados à manutenção das práticas religiosas, além da valorização do patrimônio histórico existente (capela e igreja 23 matriz), e o que está em construção (Santuário de Santo Expedito). Por fim, os impactos referentes à dimensão ambiental no município aparecem de forma sutil, no entanto, são considerados negativos. A presença do grande número de automóveis e ônibus pode acarretar poluição visual e do ar no local. Existe um caminho religioso que corta a zona rural do município, mas este não é sinalizado ou demarcado corretamente, o que pode causar perturbação aos animais e até mesmo acumulo de resíduos. 2.1.3 Origens da devoção a Santo Expedito Santo Expedito foi um comandante Romano que conduziu a XII Legião entre os anos 296 a 303 d. C. De acordo com historiadores, teve contato com cristãos e simpatizava com a mensagem de Jesus, mas sua procrastinação o impedia de tomar uma decisão genuína diante de Deus. Depois de alguns anos procrastinando, após um sonho, tomou a decisão de seguir o cristianismo. No sonho, um corvo representava o espírito do mal, grasnava diante dele a palavra “cras”, do latim, que significa amanhã, deixe sua conversão para amanhã. O corvo grasnava forte e parecia poderoso. Porém, de repente, Expedito decidiu e pisoteou o corvo dizendo: “hodie”, que significa hoje, em latim. Por isso ele é considerado o Santo das causas urgentes (CRUZ TERRA SANTA, 2020, p.1). Após sua conversão, o comandante continuou por um tempo à frente da sua legião conseguindo converter seus soldados ao cristianismo, o que rendeu perseguições por parte do Imperador Diocleciano, pelo qual foi preso, torturado e decapitado no dia 19 de abril de 303 d.C, em Melitene, na Armênia (CRUZ TERRA SANTA, 2020). Por este motivo, comemora-se o dia 19 de abril o dia de Santo Expedito, o Santo das causas urgentes. Relatos de antigos moradores descrevem a provável história que apresenta a relação entre a localidade e nome Santo Expedito. Para eles, dentre os primeiros migrantes havia uma família na qual o patriarca teria feito a promessa de que ao chegar ao estado de São Paulo construiria uma capela em homenagem a Santo Expedito como agradecimento ao conseguir moradia e trabalho, graça alcançada que resultou na construção da primeira capela feita de pau a pique (ITO, 2014). Inicialmente denominada “Capelinha da Vila Braga”, em alusão à Companhia de Colonização instalada no local. Mas, predominou a 24 utilização da denominação “Capelinha”; e aos poucos, por conta da imagem de Santo Expedito existente na Capela, o povo denominou a localidade de Santo Expedito (ITO, 2014, p. 2). O histórico de ocupação do espaço e devoção ao santo é construído simultaneamente e a presença da capela no local foi tão simbólica que Santo Expedito passou a ser o nome do município. A construção de um espaço de devoção assumiu um papel importante a ponto de se tornar o nome do município. De acordo com Lima (2018, p.5), em 1955, quando ainda era distrito de Alfredo Marcondes, a população local e a Igreja Católica se mobilizaram em favor da construção da igreja matriz que substituiria a capela construída inicialmente. A nova igreja se tornou um marco no processo identificação entre a localidade e o Santo católico. O papel de centralidade hierárquico urbano exercido pela igreja matriz de Santo Expedito estabeleceu o espaço como a região central do município nos quais os principais serviços estão localizados até os dias atuais. Ao redor da matriz foram estabelecidos o comércio, terminal rodoviário, paço municipal, posto de saúde, escolas e a praça central. Conforme Ito (2014, p.4), Em torno deste simbolismo organizou-se o Município de Santo Expedito-SP, o espaço sagrado da Capela, e posteriormente a Igreja de Santo Expedito, representou o “Centro do Mundo” para os primeiros habitantes (não índios) da região, tornou-se o principal ponto de referência para o planejamento e crescimento urbano. Importante ressaltar que a igreja, em muitas localidades, se constituía como o principal marco arquitetônico, não sendo um caso exclusivo de Santo Expedito. A diferença é que o município, até os dias atuais, possui uma forte ligação com a igreja matriz que vem sendo fortalecida pela prática do turismo religioso. No ano de 1957, foi realizada uma grande quermesse ao lado da Capela de Santo Expedito. Trata-se do primeiro registro, por parte dos moradores, no que se refere a encontros festivos promovidos pela comunidade e igreja (SANTUÁRIO DE SANTO EXPEDITO, 2020). Os primeiros movimentos relacionados ao turismo religioso em Santo Expedito tiveram início em 1998 com a vinda de romeiros que cavalgaram da capital do estado de São Paulo até o local, tendo como líder um devoto de Santo Expedito. De acordo com Oliveira (2017, p.19), “tratava-se de uma promessa feita para que a mãe de um 25 dos romeiros fosse curada de uma enfermidade”. Em seguida, a procura pelo local foi crescendo entre os moradores da região. Em 2007, a comunidade local e a igreja católica se mobilizam para organizar a festa do padroeiro. Foi o primeiro registro de um grande público no local e após a realização da sua aparição em um programa de televisão em 2017 o município passou a ter destaque entre fiéis e romeiros de todos os estados brasileiros, bem como de outros países (SANTUÁRIO DE SANTO EXPEDITO, 2020). Diante do crescimento significativo no fluxo de fiéis, foi criada, em 2009, pela Mitra Diocesana de Presidente Prudente, a Paróquia do Santuário de Santo Expedito, antes subordinada à Paróquia de Alfredo Marcondes. Dentre as principais funções a serem exercitas, o novo Pároco, o Padre Umberto Laércio Bastos de Souza, inicia a construção do Santuário de Santo Expedito no ano de 2010 (SANTUÁRIO DE SANTO EXPEDITO, 2020). O término da obra do Santuário Diocesano Santo Expedito está previsto para 2022. O espaço conta com mais de 10 mil metros quadrados, e terá a capacidade de acomodar 1.800 fiéis sentados. Dentre os aspectos arquitetônicos, o espaço religioso contará com uma cúpula no centro do altar, uma torre na entrada do local e quatro capelas internas, sendo elas: batistério, reconciliação, devotos/ milagres e do Santíssimo, com capacidade para 100 pessoas. Abaixo, temos o registro dos três espaços que representam a devoção em Santo Expedito. A primeira capela construída em 1945, a primeira igreja matriz de 1955 em um registro atual, inclusive registrada em um dia de festa e o Santuário com previsão de término para 2022, o quadro apresenta as obras do Santuário em janeiro de 2021 e sua proposta final (Quadro 2). 26 Quadro 2 - Espaços religiosos no município de Santo Expedito Primeira Capela (1945) Igreja Matriz de Santo Expedito (1955) – Foto em 2018 Santuário de Santo Expedito 2021 Projeto do Santuário de Santo Expedito Fonte: SANTUÁRIO DE SANTO EXPEDITO (2020). 27 Grandes são as expectativas com a finalização das obras e início das atividades no Santuário. No entanto, diferente dos outros espaços de devoção presentes no município, este está localizado a 2 Km da área central onde os demais equipamentos se encontram, na entrada da cidade (Figura 2). Desta forma, cabe aos responsáveis pela organização das atividades religiosas pensarem em estratégias que não desvinculem o simbolismo dos espaços utilizados atualmente após a finalização do Santuário de Santo Expedito. Outra observação a ser feita se refere ao comércio local. De acordo com o projeto, no novo Santuário, haverá praças de alimentação e lojas para venda de artigos religiosos, sendo assim, o complexo oferecerá grande parte do que os devotos necessitam. Figura 2 - Distância entre a Igreja Matriz de Santo Expedito e o novo Santuário Fonte: Google Maps (2021). Os primeiros movimentos ocorreram de forma voluntária e o nome do município e sua distância do local de residência dos primeiros romeiros podem ser considerados fatores que reforçam a relação entre sacrifício como forma de agradecimento por algo recebido. De acordo com Dias (2003, p. 18), os destinos religiosos não se limitam a uma arquitetura concreta, mas fatores como espaços históricos, localização geográfica e celebrações podem ser considerados como elementos atrativos. 2.1.4 A festa de Santo Expedito 28 O dia de Santo Expedito é comemorado em 19 de abril. Há quem diga que se trata de um dos santos católicos com grande número de devotos no mundo por ser considerado o santo das causas urgentes. Existem igrejas, capelas espalhadas em todo o mundo e, no dia 19 de abril, seus devotos se deslocam até estes locais como forma de gratidão, penitência ou pedido, uma prática comum presente no catolicismo. Como citado anteriormente, a prática de agradecer pela graça recebida foi responsável pela construção da primeira capela no município pesquisado e a prática em pedir por uma graça fez com que os primeiros deslocamentos de devotos ocorressem no local. Atualmente, milhares de pessoas se dirigem até o município nesta data e, a cada ano, esse número vem tomando proporções maiores. Diante do aumento no número de visitantes, a Prefeitura e a Paróquia de Santo Expedito, decidiram se unir para organizar e criar mecanismos de apoio aos romeiros e turistas para melhoria dos serviços prestados. Dados da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) revelam que, nos últimos anos, o turismo religioso cresceu de forma significativa, são 15 milhões de pessoas se deslocando a locais que remetem alguma manifestação de fé todos os anos (EMBRATUR, 2015). Após consecutivas tentativas, no ano de 2017, o município obteve o título de Município de Interesse Turístico (MIT) junto à Secretaria Estadual de Turismo de São Paulo. Mesmo antes de obter o reconhecimento como MIT, as mobilizações em comemoração ao dia do padroeiro já eram organizadas pela prefeitura municipal, paróquia e munícipes. Nos dias da festa, o número de pessoas assume proporções muito maiores do que as residentes e a infraestrutura local fica disponível a todos. No ano de 2019, o dia 19 de abril coincidiu com outro feriado religioso católico (Sexta-Feira Santa), o que proporcionou um aumento significativo do fluxo de romeiros/ peregrinos/ visitantes que chegou ao número de 60 mil pessoas (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTO EXPEDITO, 2019). A cada ano, o número de fiéis e peregrinos cresce de forma notória e a cidade é tomada por pessoas de todo Brasil e até outros países (figura 3). A devoção e o bom trabalho realizado pela paróquia local podem ser considerados fatores essenciais para esse crescimento exponencial. 29 Figura 3 - Fluxo de turistas e peregrinos no dia 19 de abril (Festa do Padroeiro). Fonte: Araújo (2018) A presença de voluntários é essencial para o desenvolvimento das atividades durante os eventos religiosos organizados. Para tanto, são oferecidas capacitações mediante parcerias com instituições de ensino superior da região (Figura 4). O grupo de voluntários é composto por membros da comunidade ligados a departamentos da igreja como agentes de pastorais e da comissão de finanças e participante de alguma pastoral ou movimento da Igreja, de acordo com o pároco são aproximadamente 250 voluntários envolvidos. Para ele, sem a contribuição voluntária, a realização das festas não teria a mesma eficácia, e até mesmo em alguns momentos inviável de serem realizadas. 30 Figura 4 - Reunião entre voluntários no salão Paroquial de Santo Expedito. Fonte: Prefeitura Municipal de Santo Expedito (2019). Para Pinto (2006, p. 34), as festas religiosas são eventos que projetam um mundo ideal, pois, nestas ocasiões a comunidade local se envolve numa atmosfera de cooperação em prol do santo ou entidade homenageada. A hospitalidade está presente no servir e oferecer o melhor para os visitantes e toda essa atmosfera de cooperação é complementada pela fé. Atualmente, são realizadas várias programações no decorrer do dia 19 de abril, são estas: três missas campais realizadas em frente à igreja matriz, e uma de encerramento no interior da igreja, com projeção aos que não conseguem entrar no local; a cavalgada com a benção dos cavaleiros e animais, que conta com a presença de pessoas de toda região e possui aproximadamente 1 hora duração. Durante todo o dia os devotos formam filas para receberem a benção da imagem de Santo Expedito localizada no interior da igreja matriz, momento no qual são feitos os agradecimentos e pedidos ao santo. Outras atividades são realizadas, na data, como celebrações musicais religiosas. De acordo com Novaes (2001, p. 61), “religião e política são dimensões distintas da vida social e que conformam espaços sociais diversos, com instituições, finalidades e inserções temporais específicas”. Em Santo Expedito, as articulações políticas são frequentes para municípios que visam se estabelecer no cenário turístico, no que se refere a Santo Expedito a visibilidade é importante para unir forças e finalizar a construção do Santuário. Mesmo que ainda de forma simples, é oferecida uma infraestrutura aos devotos que inclui posto médico móvel, posto de informações, e praça de alimentação. Neste 31 caso, a parceria com a prefeitura é significativa, principalmente no que se refere a infraestrutura de apoio, conforme observado pela pesquisadora durante a participação da festa do padroeiro nos anos de 2018 e 2019. Além da praça de alimentação montada pela paróquia, (na qual todo valor é revertido para a finalização das obras do Santuário), é montada uma feita itinerante que conta com uma infinidade de itens comercializados que incluem alimentos e bebidas, além de roupas, calçados e artigos religiosos. Os interessados em expor durante o evento precisam realizar um cadastro junto à Prefeitura, pessoas de vários lugares do Brasil vão até Santo Expedito para expor seus produtos. É importante ressaltar que essa liberação independe se o comerciante interessado reside ou não em Santo Expedito. Conforme observado durante a visita em 2018 e 2019, grande parte dos comerciantes presentes na feira são de outras localidades. A presença de feiras e comércio em ambientes turísticos é frequente e exerce um importante papel no desenvolvimento local. No turismo religioso, não é diferente. Em Santo Expedito, a comercialização de diversos objetos inclui os objetos religiosos como imagens do santo, terços, bíblias, etc. Como também se comemora o aniversário do município no dia 19 de abril, após a finalização das atividades religiosas, é realizado um show musical na praça da matriz. Este, por sua vez, organizado pela Prefeitura e sem qualquer envolvimento com a Paróquia. Conforme observado em 2018, o público que comparece no evento noturno é, em grande parte, diferente dos que participam do evento religioso, visto que após o término da última celebração um número razoável de devotos retorna para suas cidades de origem. A presença de pessoas de todo país é frequente no dia 19 de abril, o que pode ser notado ao observar a quantidade de meios de transportes coletivos como ônibus, vans e carros nas principais vias de acesso. 2. 2 A produção do espaço turístico A geografia é a ciência da qual o turismo mais se aproxima, e recorre com o objetivo de desenvolver estudos, relação essa que se caracteriza por ser o espaço o principal objeto de consumo do turismo (CRUZ, 2003). Essa proximidade tem possibilitado diversos estudos com o objetivo de aprofundamento do significado da 32 geografia, do significado do turismo e de suas interfaces, bem como compreender como se dá a formação desse espaço e sua construção cultural e histórica. Para Coriolano e Mello e Silva (2005, p.21) “a Geografia é a ciência do espaço e o Turismo concretiza-se nos espaços geográficos”, e esse espaço que, para Santos (1996, p. 51), “é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. De acordo com Santos (1978), o espaço como importante categoria de estudo da geografia, é composto por elementos fixos em cada lugar e que permitem ações que o modifiquem e os fluxos que recriam as condições ambientais, sociais e redefinem o lugar. Ao observarmos um espaço em que o turismo é presente podemos considerar os fixos como tudo o que naturalmente existe, um rio, uma cachoeira, montanhas, características naturais que são consumidas pelo turismo. Com o passar dos anos, as ações diretas e indiretas podem causar alterações em seu significado e valor, essas ações são os fluxos (SANTOS 1982; SANTOS, 1988 apud SANTOS, 2006). No entanto, para o geógrafo, o espaço geográfico não pode ser considerado simplesmente suporte e nem reflexo da ação da sociedade, mas um produto social. Sendo assim, “o espaço reproduz a totalidade social na medida em que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas” (SANTOS 1979, p. 18). A produção do espaço, de modo geral, envolve seu uso e apropriação e, neste caso, o conflito termina por ser ligado ao processo (CRUZ, 2007). As relações entre espaço e o turismo são diversas, portanto, compreender seu processo de formação exige um olhar que contemple as ações dos fluxos sobre os fixos e o que de fato isso pode acarretar aos que compõem este espaço agora identificado como turístico. Importante ressaltar que não são apenas Estado, mercado e turista que produzem os espaços referentes à prática turística, mas também as sociedades autóctones, parte delas transformada, em muitos casos, atuando como contra racionalidades à determinações hegemônicas. De acordo com Santos (1997), “O espaço é, hoje, um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes” (p. 51). O espaço apropriado pelo turismo, em alguns casos atraídos por características naturais, passa por um processo de transformação que podem ser 33 considerados acréscimos específicos para que a atividade turística possa ser consolidada. O espaço turístico é composto por uma série de equipamentos específicos como empreendimentos e infraestrutura, somados aos atrativos que podem ser ambientais, culturais, históricos, entre outros. Conforme Boullón (2002, p. 79), o espaço turístico é consequência da presença e distribuição territorial dos atrativos turísticos que são a matéria-prima do Turismo. Este elemento do patrimônio turístico, mais o empreendimento e a infraestrutura turística, são necessários para definir o espaço turístico de qualquer localidade. Ao considerarmos uma atratividade turística uma construção cultural e histórica dos lugares, pode-se considerar, também, que todos os lugares podem ser potencialmente turísticos. Para Cruz (2007), no que tange à sua dimensão espacial, o turismo pode, teoricamente, acontecer em todos os lugares do planeta, isso lhe confere uma competência, maior que de qualquer outra atividade econômica, de distribuir espacialmente a riqueza. No entanto, essa distribuição espacial presente no turismo necessita de um processo de planejamento que não se limita a promoção do destino, mas a integração, harmonia e equilíbrio entre o espaço e seus agentes de desenvolvimento. De acordo com Ruschmann (1999), “o planejamento é fundamental e indispensável para o desenvolvimento turístico equilibrado e em harmonia com os recursos físicos, culturais e sociais das regiões receptoras, evitando assim, que o turismo destrua as bases que o fazem existir". O planejamento do turismo, independentemente de sua escala de atuação, não se dá sobre um espaço plano e vazio, um receptáculo puro e simples de nossas ações, ao contrário, este planejamento se dá sobre um espaço concreto, herdado, histórica e socialmente construído, e que, portanto, tem de ser considerado pela política pública e pelos programas e projetos que dela derivam (CRUZ, 2007, p.342). O desenvolvimento do turismo carece de um projeto construído de forma coletiva e democrática, não uma resposta a interesses específicos e particulares de grupos sociais restritos. 2. 2.1 A produção do espaço turístico religioso 34 De acordo com a Organização Mundial de Turismo, o turismo pode ser classificado como atividades realizadas por pessoas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras (OMT, 2001). O turismo pode ser considerado uma atividade diversificada e, portanto, carrega uma ampla categorização, não se tem com exatidão quantas tipologias de turismo existem atualmente e essa diversificação reforça a necessidade de estudos específicos para melhor compreensão e gestão da atividade. No Brasil, o Ministério do Turismo classifica a atividade turística em 13 tipologias distintas que abrangem as potencialidades presentes em todo território nacional. Desta forma temos: Ecoturismo; Turismo Cultural; Turismo de Estudos e Intercâmbio; Turismo de Esportes; Turismo de Pesca; Turismo Náutico; Turismo de Aventura; Turismo de Sol e Praia; Turismo de Negócios e Eventos; Turismo Rural; Turismo Gastronômico; Turismo Religioso e Turismo de Saúde são as tipologias oficialmente utilizadas no Brasil (MTUR, 2012). Dentre as práticas de turismo consolidadas no Brasil e no mundo, está o turismo religioso, tipologia relacionada ao turismo cultural, por se tratar de locais sagrados que podem compor uma arquitetura histórica, práticas e ritos considerados sagrados. Porém, outros fatores contribuem para a especificidade deste tipo de turismo, de acordo com Dias (2003): Turismo religioso é aquele empreendido por pessoas que se deslocam por motivações religiosas e/ou para participarem em eventos de caráter religioso. Compreende romarias, peregrinações e visitação a espaços, festas, espetáculos e atividades religiosas (DIAS, 2003, p.17). Para a Embratur (1992), o turismo religioso é a prática motivada pela fé ou necessidade de cultura religiosa, seja através de visitação a igrejas e santuários, seja por peregrinação, romarias ou congressos eucarísticos. O termo turismo religioso surgiu na década de 1960 (SILVEIRA, 2007 apud MONTEIRO, 2003) e, desde então, vem compondo o quadro de tipologias de turismo e alcançado uma enorme utilização por parte dos setores ligados à reflexão acadêmica sobre o turismo, dos empresários do setor e instituições religiosas. No entanto, “as práticas que envolvem o turismo religioso estão relacionadas à peregrinação que ocorrem desde o período do apogeu da cultura Grega, antes de Cristo” (DIAS, 2003 p.19). 35 Para Steil (1998), uma característica do turismo religioso é quando o sagrado migra como estrutura de percepção para o cotidiano, para as atividades festivas, para o consumo, para o lazer, o que pode gerar a impressão de que a prática não está vinculada com a tradição religiosa. Assim como Mircea Eliade, o sociólogo Durkheim (1996), defende a ideia que nas sociedades ocorre uma mistura de culturas ligadas ao sagrado, existindo em algumas delas a necessidade de procurar uma busca de sentido sacro a coisas banais do dia a dia, ou ao contrário, tornar comum aquilo que anteriormente pode ter sido considerado sagrado. Quando se trata de turismo religioso, a abordagem está intrinsecamente associada ao lazer, e eventos religiosos que demonstram uma interação do sagrado com o profano. Podemos classificar o conceito de profano como uma manifestação desvinculada da conotação religiosa e que está inequivocamente associado à sensação de lazer/prazer e conectado com os princípios capitalistas do trade turístico. De acordo com Ledhesma (2016, p. 23), “turismo religioso é o que um turista realiza com motivos para realizar práticas espirituais”, já para Abumanssur (2003), o discurso do turismo religioso tende a se concentrar mais especificamente nas necessidades decorrentes do deslocamento como transporte, alimentação, hospedagem, desconsiderando as motivações religiosas para a viagem. Desta forma, temos em um primeiro momento uma definição que inclui a motivação religiosa e num segundo momento apenas o uso de equipamentos que compõem a atividade turística. Ao contrapormos as afirmações, podemos verificar discursos que se distinguem quando se trata de “turistificar” o que é considerado sagrado, um ponto muito abordado e polêmico no início das discussões sobre a categorização do turismo religioso, como se o reconhecimento da atividade profanasse a prática religiosa ou desrespeitasse os fiéis, peregrinos1 e romeiros2. De acordo com Pinto (2006), o peregrino também desfruta de outras atividades disponíveis na localidade, este por sua vez continua sendo peregrino e mesmo que sua motivação inicial e principal seja a fé, nada o impede de realizar outras atividades no local, o que muitas vezes pode ampliar seu tempo de permanência. No seu tempo livre, atualmente, o atual peregrino procura cumprir suas obrigações religiosas adequando-as a uma atividade prazerosa. 1 Peregrino: Verbo ou Substantivo ou Adjetivo. Buscador. Aquele que percorre um caminho de busca por algo espiritual. 2 Romeiro: Substantivo ou Adjetivo - Nome dado a pessoa que viaja para uma determinada cidade a fim de pagar uma promessa ou prestar devoção a um determinado santo. 36 Isto porque não gasta o seu tempo livre na localidade religiosa somente com atividades espirituais. No caso de pagamento de promessas sua visita, comumente, resume-se a assistir um culto e a oferenda em agradecimento à graça recebida, o que leva em média 3 horas. O tempo restante disponível será empregado em atividades lúdicas como, visitas ao comércio, a parques temáticos e festas religiosas. Dessa forma diversificam as suas motivações, aumentando a sua permanência na localidade que, promove um arranjo espacial para atender as expectativas desse novo perfil de turista (PINTO, 2006, p.25-26). O turismo religioso possui características especificas no que se refere ao seu público-alvo, que em grande parte, são pessoas motivadas pela devoção, tradição e fé. Originalmente, quando se trata do turismo religioso católico, alguns termos classificam este público-alvo, são estes: romeiros, peregrinos e devotos. Passadas as discussões iniciais sobre a essência do turismo religioso, as pautas atuais reconhecem os fatores presentes na atividade e que o fluxo ocorrerá havendo ou não organização específica voltada para o planejamento do espaço e desta forma, a organização passa a ser necessária e inevitável como no caso de Santo Expedito. O entendimento de que classificar o fluxo como turismo religioso não muda ou invalida a prática, precisa ser adotado por todos os agentes envolvidos, mas, principalmente, compreendido por pessoas que professam a fé evidenciada pelo turismo religioso. No entanto, não se pode deixar de lado todos os cuidados que requer o planejamento e, neste caso, é importante considerar e respeitar questões referentes a crença, tradições e práticas religiosas. O turismo religioso existe e, portanto, é necessário que seja organizado para que o reflexo dessa organização seja percebido por todos: os que visitam e os que permanecem no local. No ano de 2007 a Organização Mundial de Turismo elaborou uma série de encontros com o objetivo de direcionar ações e discussões sobre como desenvolver o turismo religioso de forma sustentável. Na oportunidade, o turismo religioso passou a ocupar lugar de destaque em vários países no mundo, e até então a atividade seguia padrões e protocolos direcionados ao turismo cultural. O primeiro encontro foi a Conferência de Córdoba realizada em outubro de 2007, que proporcionou uma abertura ao diálogo sobre a atividade que gerou importantes contribuições. Uma delas foi o relatório do evento “Turismo y religiones: una contribución al diálogo entre religiones, culturas y civilizaciones” que se tornou um dos primeiros documentos norteadores. 37 O segundo evento organizado pela OMT, junto a Unesco, foi o I Congresso Internacional Patrimônio Religioso e Turismo, realizado em novembro de 2017, em Elche, na Espanha. Na oportunidade, as discussões foram direcionadas ao turismo religioso e suas representatividades, e relação patrimonial material e imaterial. Todas as discussões e apontamentos resultaram em um livro que leva o título do evento. As discussões realizadas durante o evento em Córdoba (2007) foram importantes no reconhecimento do crescimento da atividade no mundo e sua relação internacional, o relatório destaca que: El turismo religioso se internacionaliza, pasando de un turismo en gran parte nacional a un turismo en el que convergen diferentes nacionalidades e incluso en algunos destinos diferentes espiritualidades y religiones (OMT, 2007, p. 205). O resumo do relatório destaca algumas práticas que devem ser consideradas para que o turismo religioso, como qualquer outra forma de turismo, desempenhe seu papel visando o desenvolvimento sustentável na localidade. O reconhecimento do protagonismo da atividade em gerar um diálogo entre religiões, culturas e civilizações, além de se tornar um catalizador de vários projetos, no entanto, a preocupação com a identidade, com o respeito aos peregrinos e sua fé e a liberdade de culto são pontos destacados (OMT, 2007). El contenido de los programas, circuitos, viajes o estancias de turismo religioso, espiritual o de diálogo debe evitar todo estereotipo o incitación al racismo, a la xenofobia y al nacionalismo extremista, así como al terrorismo. Los sitios web vinculados con el turismo religioso y espiritual deben respetar las reglas de la ética que podrían formalizarse siguiendo los principios enunciados en el Código Ético Mundial para el Turismo. Toda forma de turismo en favor del encuentro, el diálogo y el ecumenismo debería alentarse y remitirse a dicho Código. (MTUR, 2007, p. 213). O respeito, a liberdade e o diálogo são apresentados como fatores importantes no combate a xenofobia, e o documento discute, de forma objetiva, sobre questões de intolerância religiosa presentes no mundo, e de como o turismo religioso precisa se apropriar do discurso e das práticas para minimizar essas questões. O respeito às normas e regras locais, e de cada religião complementadas pelo Código Mundial de Ética para o Turismo, precisam ser fatores essenciais para que a atividade seja desenvolvida sem gerar maiores interferências. 38 Trata-se de um segmento que, quando organizado e planejado cuidadosamente, pode contribuir para a valorização e a preservação das práticas espirituais, enquanto manifestações culturais e de fé que identificam determinados grupos. A sustentabilidade do turismo religioso pode ser destacada sob dois aspectos: em primeiro lugar, para que a cultura religiosa não venha perder o seu sentido enquanto manifestação de fé e, em segundo lugar, para que essas atividades não se transformem em um movimento de massa, descaracterizando a sua essência. 2.3 Reflexões sobre o turismo religioso e desenvolvimento urbano O processo de colonização do Brasil contribuiu para a disseminação do catolicismo, e muitos são os locais que atualmente são destinos de peregrinação que vem atingindo status de turismo religioso. No entanto, vale lembrar que o turismo religioso se aplica a todas as religiões existentes. Vários são os destinos religiosos conhecidos no Brasil, no entanto, o maior destaque e referência no Estado de São Paulo é a cidade de Aparecida localizada no Vale do Paraíba/SP. O principal fator para o destaque nacional e internacional de Aparecida pode ser explicado pela grande devoção a Nossa Senhora Aparecida, considerada a Santa Padroeira do Brasil e, também, por ser reconhecida como o local com o maior culto mariano do mundo (PINTO, 2006). A origem do Município de Aparecida está relacionada a movimentos de fé e se deu após pescadores encontrarem uma imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida no Rio Paraíba do Sul em 1717. Após esse episódio, vários relatos de milagres foram atribuídos a santa e em 1745 foi edificada sua primeira capela que em 1888 foi substituída pela Basílica Velha, que por não comportar o grande número de romeiros, peregrinos e turistas suscitou a construção de um espaço ainda maior, o atual Santuário de Nossa Senhora Aparecida3 no ano de 1971 (PINTO, 2006). Com um histórico que atribui vários milagres ao longo dos últimos 300 anos, milhares de romeiros, peregrinos e turistas se deslocam até o local. Vale ressaltar que mesmo o dia 12 de outubro sendo considerado o dia da santa, inclusive feriado nacional, não limita o fluxo de pessoas que ocorre durante todos os dias do ano. Em 3 Considerado o maior templo católico do Brasil e o segundo maior do mundo, menor apenas que a Basílica de São Pedro, no Vaticano. É a maior catedral do mundo, visto que a Basílica Vaticana não é uma catedral. 39 2017 (comemoração aos 300 anos da Padroeira), 13 milhões de pessoas passaram pelo local. Várias características ligadas a fé, arquitetura e cultura fazem de Aparecida um espaço democrático que não limita suas visitas a religiosos e a organização por parte dos gestores locais contempla essa diversidade. Aparecida possui a classificação turística como estância no estado de São Paulo e com aproximadamente 40 mil habitantes tem no turismo sua principal fonte de geração de emprego e renda. O município compõe o tripé classificado como Circuito Turístico Religioso do Vale do Paraíba junto com os municípios de Guaratinguetá e Cachoeira Paulista criado em 2007. Os roteiros temáticos estabelecem vínculos e fortalece a região, além de possibilitar o aumento na permanência do visitante, algo característico de planejamentos turísticos. Sua localização estratégica junto ao eixo Rio - São Paulo e importantes cidades com referência tecnológica, como São José dos Campos e Taubaté, facilita o acesso de seus visitantes e dinamiza o turismo diante da presença do turismo científico. (PINTO, 2006). Por se tratar do principal destino consolidado de grande fluxo no Brasil, o Município de Aparecida é visto como exemplo a ser seguido por gestores de locais onde a presença do turismo religioso é frequente. Alguns fatores contribuem, de forma significativa, para a consolidação de Aparecida: abriga o local sagrado da maior santa católica brasileira; sua grandiosidade arquitetônica e histórica; espaço planejado e organizado; e sua localização estratégica que facilita os acessos e visibilidade. O processo de formação socioespacial em Aparecida está totalmente ligado a questões religiosas e toda transformação decorrente ao aumento do fluxo. Porém, sua localização facilita os acessos e visibilidade. Atualmente, temos um ambiente projetado para o turismo, desde toda estrutura física edificada, comércio focado nas necessidades dos romeiros e turistas, além da dinâmica de funcionamento de todas as atividades, ou seja, as funções urbanas estão relacionadas com a presença dos peregrinos. A cidade de Aparecida possui cerca de 35 mil habitantes, e tem, no turismo religioso, sua principal fonte econômica. Neste caso, temos uma cidade criada especificamente para acolher pessoas e para obter e sustentar a posição de destaque no cenário religioso nacional e internacional. De acordo com Pinto (2006, p. 29), a 40 cidade-santuário de Aparecida sofreu um rearranjo espacial em seu sítio urbano promovido pela grande afluência de romeiros e peregrinos. A cidade se desenvolveu a partir do núcleo religioso cristalizado, ou seja, as Basílicas (Velha e Nova) e a Passarela da fé que une os dois templos. Foi, a partir deste núcleo religioso que a cidade se expandiu em camadas funcionais que atendem a demanda turístico-religiosa (PINTO, 2006, p.51). Importante destacar que a aparição da imagem de Nossa Senhora da Conceição se deu nas proximidades da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá e que por motivo do forte crescimento pela busca em cultuar a imagem, a Matriz de Aparecida foi construída em terra cedida no Morro dos Coqueiros na qual iniciou o povoado, ou seja, um local que comportasse o crescimento exponencial. Uma infraestrutura de acesso foi construída para facilitar a chegada de peregrinos. Primeiro, a estrada de ferro e, consequentemente, o acesso rodoviário que impulsionou ainda mais a busca pelo local sagrado. Aparecida é considerada uma cidade-santuário e possui como principal característica ser um centro urbano com função religiosa. As cidades-santuário espalhadas no mundo possuem configurações parecidas no que se refere a sua formação socioespacial, duas importantes cidades-santuário conhecidas mundialmente são Lourdes situada nos Altos Pirineus, na França e Fátima paróquia da diocese de Leiria localizada a 100 Km ao norte de Lisboa em Portugal. Outras características são presentes em cidades-santuários, como: pontos fixos e espaços sagrados de encontros periódicos ou permanentes e uma ordem espiritual predominante marcada pela prática religiosa da peregrinação ou romaria, o que pode proporcionar uma maneira particular de olhar as cidades em relação a seu contexto cultural que estabelece um elo entre religião, a gênese da cidade e uma de suas funções (ROSENDAHL, 2008). Para a mesma autora, “cidades-santuários são centros de convergência de peregrinos que com suas práticas e crenças materializam uma peculiar organização funcional e social do espaço” (ROSENDAHL, 2008, p.72). As cidades-santuários podem ser consideradas “o resultado da soma entre o caráter sagrado atribuído ao espaço e suas composições, desta forma, é possível reconhecer o sagrado como elemento de produção do espaço” (ROSENDAHL, 2008, p. 67). 41 Uma cidade pode se formar em torno do imaginário e de práticas religiosas, sendo de forma “espontânea” ou planejada. Ao observar o processo de formação das cidades-santuário, a finalidade e objetivo são parecidos. Se diferenciam no foco específico dado por cada religião e, assim como Aparecida no Brasil, Fátima em Portugal e Lourdes na França, Santo Expedito busca seu lugar de destaque e reconhecimento no cenário brasileiro do turismo religioso em São Paulo. 3 POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO DO ESTADO E O TURISMO 3.1 Políticas Públicas: perspectivas para repensar o turismo Políticas públicas remetem a um conceito amplo nas ciências políticas, com objetivos relacionados às questões políticas e governamentais que medeiam a relação entre Estado e sociedade. As políticas públicas podem ser direcionadas a todas as áreas, para que conflitos sejam minimizados e direitos garantidos. Desta forma, pode-se dizer que são ações que visam minimizar problemas na sociedade. Para Secchi (2013, p. 2), políticas públicas “tratam do conteúdo concreto e simbólico de decisões políticas e do processo de construção e atuação dessas decisões”. Desta forma, a política pública assume o papel de diretriz para enfrentar um problema público. De acordo com Carvalho, Costa e Silva (2013, p. 2), políticas públicas podem ser consideradas: Instrumentos que, se bem elaborados, implementados, monitorados e avaliados corretamente são capazes de promover o desenvolvimento social e econômico, não somente das populações, mas também dos setores da economia ao qual se destinam. São ações que visam à melhoria do bem estar social e, portanto, devem ser elaboradas levando em consideração a participação da sociedade . Todas as ações e propostas para uma política pública necessitam estar pautadas na garantia de direitos estabelecidos por um conjunto de leis gerais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é considerada o conjunto de leis que visa a estabelecer equidade no país. 42 Como parte do quadro de necessidades e direitos, está o turismo, principalmente quando se estabelece direitos como lazer e férias4 e, ao se apropriar disto, passa a ser uma resposta a esta necessidade. As políticas públicas de turismo têm como objetivo ser uma ferramenta para gerenciar os processos de organização da atividade, viabilizando recursos, estabelecendo parâmetros de atuação e preservação, qualificando localidades e democratizando acessos. Beni (2003, p.101) afirma que, para que haja o fortalecimento da atividade turística, “é necessário entender por política de turismo o conjunto e fatores condicionantes e de diretrizes básicas que expressam os caminhos para atingir os objetivos globais para o turismo do país, determinando as prioridades da ação executiva, supletiva ou assistencial do Estado”. 3.2 O turismo no Brasil e suas políticas públicas No Brasil, as primeiras atuações voltadas para o turismo correspondem à década de 1939, e retratam intervenções do Estado sobre setores que contemplam a atividade (PIMENTEL et al. 2012). Com o passar dos anos, aconteceram mudanças na política mundial que serviram de base e proporcionaram um novo cenário para a atividade no Brasil. Desta forma, os governos passaram a estabelecer práticas e políticas públicas para que a atividade acompanhasse o crescimento mundial e globalizado. Para Pimentel et al. (2012, apud MELO, 1996), a agenda política de turismo no Brasil pode ser observada pela perspectiva dos períodos políticos. Desta forma, podemos observar nove (9) períodos/governos. A Era Vargas (1930-1945) na qual a política de turismo iniciou e, portanto, voltou-se para a promoção internacional e para o estímulo e controle da atividade internamente, “as principais ações e políticas serviram para organizar e regulamentar o setor de viagens e agências, como foco no turismo receptivo internacional” (PIMENTEL et al. 2012, p. 10). Durante o Governo Populista (1946-1963), o foco foi direcionado à ordenação da atividade turística por meio de planejamento e coordenação das atividades de desenvolvimento do turismo externo e interno. Neste período, foi criado o primeiro 4 Direito social (art. 6.º, Capítulo II). A promoção do lazer como um dever da família, da sociedade e principalmente do Estado (art. 227, Capítulo VII), o Poder Público “incentivará o lazer, como forma de promoção social” (art. 217, § 3.º, Capítulo III). 43 fundo especial voltado para o custeio das atividades turísticas no Brasil (PIMENTEL et al. 2012). O terceiro período apesentado pelos autores, corresponde à Ditadura militar (1964-1984). O período contou com novas pautas na agenda pública de turismo com foco em linhas de financiamento e incentivos fiscais para entidades públicas e privadas no interesse do turismo. Grande parte da hotelaria do litoral do Nordeste brasileiro surge neste período, porém, “no final da década de 1970, e durante os anos 1980, ressurgiriam dificuldades econômicas, e a Política Nacional de Turismo não foi efetivada” (PIMENTEL et al. 2012, p. 13-14). O período classificado como Transição democrática (1985-1994) foi marcado pela atuação quase nula ao turismo por meio do Estado. A falta de atuação por parte dos governos possibilitou que as ações fossem restritas à Embratur. No entanto, neste período, novos temas passaram a ser incorporados pela Política Nacional de Turismo como reflexo da Eco - 92: A valorização e a preservação dos patrimônios natural e cultural; a democratização do acesso ao turismo, pela incorporação de diferentes segmentos populacionais; a redução de disparidades socioeconômicas de ordem regional, pela geração de empregos e distribuição de renda; e a valorização do homem como destinatário do desenvolvimento do turismo (PIMENTEL et al. 2012, p.15). Durante o quinto período, o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995- 2002), foi estabelecido o “Ministério do Esporte e Turismo com o objetivo de formular e coordenar a política nacional de desenvolvimento do turismo de forma integral”. (PIMENTEL et al. 2012, p. 16), destaca que um aspecto no período foi a “preocupação com a qualidade e a produtividade do setor, aparente nos objetivos do Conselho Nacional de Turismo e nas reformas administrativas da administração pública brasileira a partir da década de 1990”. Durante o Governo Lula (2003-2010), as políticas públicas de turismo proporcionaram uma expansão voltada ao estímulo do fluxo interno, além do habitual incremento do fluxo externo (PIMENTEL et al. 2012, p. 18). A criação do Ministério do Turismo, em 2003, possibilitou uma atuação específica que fortaleceu de forma significativa o setor, e o número de políticas públicas foram superior aos governos anteriores. Políticas voltadas para a regionalização do turismo, qualificação profissional, estímulo ao turismo doméstico (jovens e melhor idade), atualização do Plano Nacional 44 de Turismo, além da elaboração do Sistema Integrado de Gestão de Turismo (SIGTur) e da Lei nº 11.771/ 2008, Lei Geral do Turismo5. O sétimo período refere-se ao Governo Dilma Roussef (2011-2016), e deu continuidade às propostas do governo anterior no entanto, com foco nas ações administrativas voltadas as expectativas dos dois grandes eventos esportivos internacionais que ocorreram em 2014 (Copa do Mundo da Fifa) e 2016 (Jogos Olímpicos). Importante ressaltar que uma portaria, em específico, a de nº 125 teve como foco estabelecer normas para edital de chamada pública do segmento turismo religioso em 2011, uma prova do reconhecimento e crescimento da tipologia no Brasil. Em 2011, foi criado o Cadastur, principal instrumento de ordenamento dos prestadores de serviços turísticos no Brasil até os dias atuais. Neste período, foi criado o PRODETUR Nacional (linha de investimentos). A portaria nº 313 define os critérios para a criação do Mapa do Turismo Brasileiro e teve sua primeira divulgação realizada em 2015, importante instrumento na política de regionalização e valorização dos municípios turísticos brasileiros. O Governo Michel Temer (2016-2018), foi um período em que a política de turismo no Brasil sofre algumas reduções de repasses, com rumores de extinção do Ministério do Turismo. Mesmo diante de dificuldades, algumas políticas foram executadas com foco na continuidade da qualificação de profissionais do setor. Instituiu-se o Programa Nacional de Desenvolvimento e Estruturação do Turismo (Prodetur+Turismo), que promoveu estímulo ao turismo cinematográfico (portaria nº 162/2018), além de instituir um código de conduta destinado a proteção e ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes (portaria Interministerial nº 182/ 2018). O nono período na agenda política de turismo no Brasil refere-se ao Governo Jair Bolsonaro (2019- 2023) e, no ano de 2020, devido à crise gerada pela pandemia6 na qual o turismo sofreu impactos imensuráveis, as políticas direcionadas pelo Mtur estiveram focadas em estabelecer segurança sanitária nos empreendimentos turísticos, manutenção de postos de trabalho, linhas de crédito voltadas para infraestrutura e auxílio ao setor cultural.