FACULDADE DE CIÊNCIAS – CAMPUS BAURU PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA ANTÔNIO FERNANDES NASCIMENTO JÚNIOR CONSTRUÇÃO DE ESTATUTOS DE CIÊNCIA PARA A BIOLOGIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO- FILOSÓFICA: UMA ABORDAGEM ESTRUTURANTE PARA SEU ENSINO BAURU 2010 ANTÔNIO FERNANDES NASCIMENTO JÚNIOR CONSTRUÇÃO DE ESTATUTOS DE CIÊNCIA PARA A BIOLOGIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO- FILOSÓFICA: UMA ABORDAGEM ESTRUTURANTE PARA SEU ENSINO Orientador Prof° Drº. Marcelo Carbone Carneiro BAURU 2010 Tese apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, Campus de Bauru, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência. Nascimento Júnior, Antônio Fernandes. Construção de Estatutos de Ciência para a Biologia Numa Perspectiva Histórico-Filosófica: uma Abordagem Estruturante para seu Ensino / Antônio Fernandes Nascimento Júnior, 2010. 437 f.: il. Orientador: Marcelo Carbone Carneiro Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2010 1.Documentos curriculares. 2.Ensino de Biologia. 3.Estatutos da Ciência. 4.História e Filosofia da Biologia. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. ANTÔNIO FERNANDES NASCIMENTO JÚNIOR CONSTRUÇÃO DE ESTATUTOS DE CIÊNCIA PARA A BIOLOGIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO- FILOSÓFICA: UMA ABORDAGEM ESTRUTURANTE PARA SEU ENSINO BAURU 2010 Tese apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖, Campus de Bauru, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência. Data Aprovação: 30/07/2010 Dedico este trabalho ao meu filho Ícaro, à minha companheira Daniele, aos meus pais Edith e Antônio, ao meu irmão e cunhada Arnaldo e Cecília, às minhas sobrinhas Letícia e Fernanda e ao meu sobrinho Luciano AGRADECIMENTOS Agradeço todos aqueles que me auxiliaram a contornar os meus delírios nestes últimos anos, a começar pela minha companheira Daniele. Sem ela não haveria tese, somente caricaturas de sombras rascunhadas. O bom e velho camarada Marcelo Carbone Carneiro, grande orientador, sujeito paciente, um craque. Ajudou muito. O camarada Roberto Nardi, grande amigo e mestre Todos os camaradas professores do programa, sempre atenciosos e interessados O velho Arnaldo, meu camarada mais antigo (meu irmão) , a Cecília, a Letícia, a Fernanda e o Luciano, inspirações para minhas escolhas presentes. Os velhos camaradas, Rogério de Morais e Silvia Mitiko Nishida com as ponderações sempre oportunas. Dois camaradas que muito me ensinaram acerca do pensamento marxista, Luis Schenberg e, Hector Benoir. Outro camarada fundamental, Alvino Moser, que muito me ensinou filosofia da ciência. A camarada Marisa Ramos Barbieri que, durante minha estada no LEC iniciou, brilhantemente, minha preocupação com o ensino de ciências. Os camaradas Warwick Kerr, Lionel Gonçalves, Paulo Vanzolini, Eduardo Corbela, Wilson Lodi, Fábio Sene, Valter Cunha, Hector Terenzi, Regina Savaia e Lélio Favaretto que me ensinaram a pensar biologicamente. Os velhos camaradas José Roberto Gomes de Paula e Rafael Resendiz que me ensinaram a confiar na vida. Os novos camaradas-vizinhos Mauricio e Márcia Quagliato, sempre prontos a ajudar. Os camaradas mais novos: Fúlvia, Geisiele, Nataly, Regina, Diana, Camila, Fátima, Liz, Lilian, Pâmela, Talita, Raquel, Julyette, Jairo, Nairon, Wellington, Bento, Amadeu, Thiagos 1, 2 e 3, Hernani, Marcelo Q, Job, Moisés, Lucas, Leonardo, Sebastião, Marcos que me resgataram coisas a tempo perdidas. As doces camaradas Ana Grijo, Toninha e Cia. … e, luta, aqui vamos nós. Nascimento Júnior, Antônio Fernandes. Construção de Estatutos de Ciência para a Biologia numa Perspectiva Histórico-Filosófica: Uma Abordagem Estruturante para seu Ensino. 2010. 437f. Tese (Doutorado em Educação Para Ciência), Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Bauru, 2010. RESUMO A tese foi desenvolvida buscando identificar os elementos necessários para uma compreensão da visão biológica sobre a Natureza, numa perspectiva histórica e filosófica. Foi realizado um estudo teórico fundamentado no pensamento materialista dialético, visando identificar as principais questões que sustentam a Biologia, considerando a sua história de construção e o olhar da Filosofia da ciência sobre ela. Fez-se um levantamento documental principalmente nas fontes secundárias sobre a história e filosofia da biologia, também em algumas fontes primárias. Tendo realizada esta etapa, fez-se uma análise do conteúdo disciplinar dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), PCNEM+ e as Orientações Curriculares. O estudo foi direcionado por três questões: Quais são os elementos que caracterizam a Biologia como tal ao longo da sua construção? Como estes elementos se caracterizam e se articulam? Os documentos curriculares oficiais consideram estes elementos na sua formulação? Como resultado, é trazida a história das ideias sobre os seres vivos na Antiguidade à Idade Média, sendo possível identificar algumas das questões que a Biologia veio a se debruçar nos séculos seguintes. Em seguida, enfatiza-se a mudança ocorrida na visão de mundo na Idade Moderna que se opôs a Escolástica e suas implicações na organização da Ciência que culminou na Revolução Científica. O século XIX marca o surgimento da Biologia enquanto ciência. No início do século alguns ramos já se configuravam, porém ainda vinculados com a filosofia da Natureza. Constitui-se a partir dai um olhar específico sobre a natureza considerando-se três teorias principais: teoria celular, teoria do equilíbrio interno e a teoria da seleção natural e origens das espécies. Duas perspectivas centrais se estruturaram, uma Mecanicista e outra Histórica, as quais sustentaram áreas distintas. No século XX os ramos da Biologia contemporânea se delimitam: Fisiologia, Bioquímica, Biologia Celular, Farmacologia, Biologia Molecular, Genética, Evolução, Ecologia, Etologia e Biogeografia. Com isso a Biologia passa a ser identificada por cinco teorias: a teoria celular, a teoria do equilíbrio interno que é ampliada para a teoria da homeostase, a teoria da seleção natural e origem das espécies (cuja versão ampliada é a teoria sintética), a teoria da herança derivada da apropriação e aprofundamento das ideias de Mendel e a teoria dos ecossistemas e da paisagem derivada da experiência dos viajantes. O olhar da filosofia sobre a Biologia se apresenta em diversas vertentes, considerando a sua estrutura lógica, epistemológica, social e cultura. Este estudo resultou na construção de quatro estatutos que caracterizam a Biologia, os quais foram denominados de Estatuto Ontológico, Estatuto Epistemológico, Estatuto Histórico-Social e Estatuto Conceitual. Estes foram desdobrados em categorias, propondo-as para discussão da visão biológica, as quais foram utilizadas numa análise do conteúdo disciplinar dos documentos curriculares oficiais do ensino médio indicando fragilidades na visão de Biologia apresentada. Palavras-chave: Documentos curriculares; Ensino de Biologia; Estatutos da Ciência; História e Filosofia da Biologia; Ideias estruturantes. Nascimento Júnior, Antônio Fernandes. Construction of Statutes of Science for Biology Historical and Philosophical Perspective: An Approach to Structuring their teaching. 2010. 437f. Thesis (Ph.D. in Education for Science). Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, Bauru, 2010. ABSTRACT The thesis was developed in order to identify the elements necessary for an understanding of biological vision about the nature, historical and philosophical perspective. We conducted a theoretical study based on dialectical materialist thought, to identify the key issues underpinning Biology, considering its history of construction and look at the philosophy of science about it. There was a documentary survey mainly on secondary sources on the history and philosophy of biology, also in some primary sources. Having performed this step, there was a review of disciplinary content of National Curriculum of Secondary Education (PCNEM) PCNEM + and Curriculum guidelines. The study walked directed by three questions: What are the elements that characterize the biology as such throughout its construction? How these elements are characterized and articulate? Documents of curriculum consider these elements in its formulation? As a result, it brought the history of ideas on living in antiquity to the Middle Ages, it is possible to identify some of the questions that biology came to look over the following centuries. Then, we seek to emphasize the change in worldview in the modern era who opposed scholasticism and its implications to the science that culminated in the Scientific Revolution. The nineteenth century marks the emergence of biology as a science. At the beginning of the century there were already some branches, but still tied to the philosophy of nature. It consists from there a specific look on nature by considering three main theories: cell theory, theory of internal equilibrium and the theory of natural selection and origin of species. Two central perspectives are structured, a Mechanistic and another Historic, which claimed distinct areas. In the twentieth century the branches of contemporary biology is bounding: Physiology, Biochemistry, Cell Biology, Pharmacology, Molecular Biology, Genetics, Evolution, Ecology, Ethology and Biogeography. With that biology becomes identified five theories: the cell theory, theory of internal balance that is extended to the theory of homeostasis, the theory of natural selection and the origin of species (the larger version is synthetic theory), the theory of inheritance derived from ownership and deepen the ideas of Mendel and the theory of ecosystems and landscapes derived from the experience of travelers. The look on the philosophy of biology is presented in various forms depending on its logical structure, epistemological, social and culture. This study resulted in the characterization of four statutes that characterize the biology, which were called Ontological Statute, Epistemological Statute, History-Social Statute and Conceptual Statute. The four statutes were broken down into categories and propose them for discussion of biological vision. These categories were used in an analysis of the disciplinary content of curriculum documents from school officials indicating weaknesses in the view of Biology provided. Key-words: Curriculum Documents; Teaching of Biology; Statutes of Science; History and Philosophy of Biology; Structuring Ideas LISTA DE FIGURAS E QUADROS FIGURA 1 – Sintese esquemática dos estatutos e suas categorias propostas 382 QUADRO 1 – Síntese interpretativa dos documentos sobre os aspectos ontológicos da Biologia 418 QUADRO 2 – Síntese interpretativa dos documentos sobre os aspectos epistemológicos da Biologia 421 QUADRO 3 – Síntese interpretativa dos documentos sobre os aspectos histórico-sociais da Biologia 423 QUADRO 4 – Síntese interpretativa dos documentos sobre os aspectos conceituais da Biologia 426 SUMÁRIO O CAMINHO AO OBJETO DE PESQUISA.................................................................................... 13 1. CAPÍTULO I – O OLHAR SOBRE OS SERES VIVOS DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA........................................................................................................................................ 28 2. CAPÍTULO II - O OLHAR SOBRE OS SERES VIVOS – DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XVIII............................................................................................................................................. 81 3. CAPÍTULO III – A BIOLOGIA E AS FILOSOFIAS DA CIÊNCIA NO SÉCULO XIX................... 123 4. CAPÍTULO IV – O SÉCULO XX: AS ÁREAS ESTRUTURANTES DA BIOLOGIA.................... 187 5. CAPÍTULO V - A EPISTEMOLOGIA DO SÉCULO XX E SUA APROXIMAÇÃO À BIOLOGIA................................................................................................................................. 322 6. CAPÍTULO VI – O CONHECIMENTO BIOLÓGICO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO MÉDIO............................................................................................ 395 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 432 ÍNDICE O CAMINHO AO OBJETO DE PESQUISA.................................................................................. 13 AS QUESTÕES DE PESQUISA: SÍNTESE DE UM CONSTANTE RECONSTRUIR.............................. 22 A ORGANIZAÇÃO DA TESE................................................................................................ 24 1. CAPÍTULO I – O OLHAR SOBRE OS SERES VIVOS DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA........................................................................................................................................... 28 1.1 UM POUCO DA HISTÓRIA ANTIGA.................................................................................. 29 1.1.1 O MUNDO GREGO E O MUNDO ROMANO.............................................................. 31 1.1.2 O ESTUDO DOS SERES VIVOS NA ANTIGUIDADE................................................... 46 1.2 O CONTEXTO DA IDADE MÉDIA...................................................................................... 52 1.2.1 A PRIMEIRA FASE, SÉCULOS V AO XII................................................................. 53 1.2.1.1 O mundo árabe.............................................................................................. 54 1.2.1.2 Estudos sobre o corpo humano..................................................................... 58 1.2.1.3 Estudos sobre animais e plantas................................................................... 58 1.2.1.4 Turcos, cruzados e mongóis.......................................................................... 60 1.2.2 A SEGUNDA FASE - SÉCULO XIII E XIV............................................................... . 62 1.2.2.1 Estudos sobre o corpo humano..................................................................... 64 1.2.2.2 Estudos sobre animais e plantas................................................................... 65 1.2.3 O SÉCULO XV………………………………………….………….............................. 65 1.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO………………………………………….………... 70 1.4 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 73 2. CAPÍTULO II - O OLHAR SOBRE OS SERES VIVOS – DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XVIII............................................................................................................................................... 81 2.1 O CENÁRIO HISTÓRICO DA ÉPOCA............................................................................... 81 2.2 AS VISÕES DE MUNDO DA MODERNIDADE E SEUS MÉTODOS................................. 83 2.3 SOCIEDADES E ACADEMIAS CIENTÍFICAS................................................................... 96 2.4 A QUESTÃO DA TRANSFORMAÇÃO DOS SERES VIVOS............................................. 99 2.5 A VIDA ENTENDIDA EM SALAS DE PESQUISA, O LABORATÓRIO.............................. 103 2.5.1 A QUESTÃO DA ESTRUTURA E FUNÇÃO................................................................ 104 2.5.2 A QUESTÃO DA HERANÇA – PRÉFORMISMO E EPIGÊNESE...................................... 111 2.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO........................................................................ 114 2.7 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 116 3. CAPÍTULO III – A BIOLOGIA E AS FILOSOFIAS DA CIÊNCIA NO SÉCULO XIX............... 123 3.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DO SÉCULO XIX.................................................................. 124 3.2 A VISÃO DA NATUREZA................................................................................................... 125 3.3 A PREOCUPAÇÃO DOS FILÓSOFOS NATURALISTAS SOBRE A ORIGEM E TRANSFORMAÇÃO DOS SERES VIVOS....................................................................... 129 3.4 OS PESQUISADORES VIAJANTES.................................................................................. 136 3.5 O APRIMORAMENTO DAS PESQUISAS EXPERIMENTAIS............................................ 141 3.5.1 A QUESTÃO DA ESTRUTURA E FUNÇÃO................................................................ 142 3.5.2 A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO E DA HERANÇA............................................... 148 3.6 O OLHAR DO CIENTISTA DO FINAL DO SÉCULO XIX................................................... 154 3.7 A FILOSOFIA DA CIÊNCIA DO SÉCULO XIX................................................................... 157 3.7.1 A PREOCUPAÇÃO DOS EMPIRISTAS E POSITIVISTAS.............................................. 159 3.7.2 O PENSAMENTO MARXISTA……………………………………………………………... 167 3.7.3 OS NEOKANTIANOS…………………………………………………………..………….. 174 3.8 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO........................................................................ 175 3.9 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 178 4. CAPÍTULO IV – O SÉCULO XX: AS ÁREAS ESTRUTURANTES DA BIOLOGIA................ 187 4.1 O CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................................... 187 4.2 DO INÍCIO DO SÉCULO AO FINAL DA DÉCADA DE 1960.............................................. 188 4.2.1 UM POUCO DA HISTÓRIA DA FISIOLOGIA.............................................................. 189 4.2.2 UMA BREVE HISTÓRIA DA BIOQUÍMICA................................................................. 195 4.2.3 A QUESTÃO DA ORIGEM DA VIDA........................................................................... 200 4.2.4 UMA BREVE HISTÓRIA DA BIOLOGIA CELULAR...................................................... 201 4.2.5 UMA BREVE HISTÓRIA DA FARMACOLOGIA........................................................... 204 4.2.6 HISTÓRIA DA GENÉTICA E A QUESTÃO DA HERANÇA............................................. 208 4.2.7 UMA BREVE HISTÓRIA DA BIOLOGIA MOLECULAR.................................................. 220 4.2.8 A TEORIA SINTÉTICA DA EVOLUÇÃO.................................................................... 225 4.2.9 UMA BREVE HISTÓRIA DA ETOLOGIA................................................................... 235 4.2.10 O NASCIMENTO DA ECOLOGIA........................................................................... 243 4.2.11 UMA BREVE HISTÓRIA DA BIOGEOGRAFIA........................................................... 247 4.3 AS TRÊS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX.............................................................. 250 4.3.1 AS CIÊNCIAS EXPERIMENTAIS............................................................................. 251 4.3.1.1 Os avanços da Biologia Molecular......................................................................... 256 4.3.2 A QUESTÃO DA ORIGEM DA VIDA........................................................................ 264 4.3.3 A TEORIA DA EVOLUÇÃO, A BIOLOGIA MOLECULAR E MODELOS MATEMÁTICOS MAIS REALISTAS.................................................................................................................. 266 4.3.4 A ECOLOGIA E OS MODELOS TAMBÉM MAIS DEMONSTRÁVEIS............................... 272 4.3.5 A BIOGEOGRAFIA CLADÍSTICA E A TEORIA UNIFICADA NEUTRA DA BIODIVERSIDADE.. 276 4.3.6 A ETOLOGIA SE APRIMORA E SE ASSOCIA COM A ECOLOGIA, A DEMOGRAFIA E A NEUROFISIOLOGIA…………………………………………………………………………..….. 279 4.3.7 A SOCIOBIOLOGIA E O ESPAÇO PARA ESPECULAÇÃO............................................ 283 4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO........................................................................ 291 4.5 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 293 5. CAPÍTULO V - A EPISTEMOLOGIA DO SÉCULO XX E SUA APROXIMAÇÃO À BIOLOGIA...................................................................................................................................... 323 5.1 A FILOSOFIA DA BIOLOGIA.............................................................................................. 323 5.2 A ELABORAÇÃO DO NEOEMPIRISMO............................................................................. 326 5.3 A HERANÇA DO MATERIALISMO DIALÉTICO E AS CIÊNCIAS NATURAIS................... 333 5.4 BACHELARD E A DIALÉTICA ENTRE O REALISMO E O RACIONALISMO: A ESCOLA EPISTEMOLÓGICA FRANCESA.............................................................................................. 341 5.5 AS REVOLUÇÕES, OS PROGRAMAS, O ANARQUISMO, AS TRADIÇÕES NA CIÊNCIA E OS VALORES COGNITIVOS................................................................................. 344 5.6 UM PROBLEMA NA BIOLOGIA DAS DÉCADAS DE 1960 E 1970.................................... 351 5.7 AS TRÊS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX.............................................................. 352 5.8 O MUNDO VISTO COMO UMA CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA.......................................... 359 5.9 A FILOSOFIA DA BIOLOGIA NAS TRÊS ÚLTIMAS DÉCADAS........................................ 362 5.10 UMA DIALETIZAÇÃO ESPONTÂNEA DA CIÊNCIA?...................................................... 370 5.11 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES........................................................................................ 375 5.11.1 UMA REFLEXÃO HEURÍSTICA DA BIOLOGIA......................................................... 376 5.12 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 383 6. CAPÍTULO VI – O CONHECIMENTO BIOLÓGICO NOS DOCUMENTOS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO MÉDIO................................................................................................. 396 6.1 A BIOLOGIA NOS PCNEM................................................................................................. 400 6.2 A BIOLOGIA NOS PCNEM+ A PARTIR DOS TEMAS ESTRUTURADORES................... 407 6.3 A BIOLOGIA NAS OCEM.................................................................................................... 415 6.4 A BIOLOGIA NA SÍNTESE DOS TRÊS DOCUMENTOS E UMA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-FILOSÓFICA........................................................................................................ 417 6.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO......................................................................... 428 6.6 REFERÊNCIAS................................................................................................................... 429 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................... 432 13 O CAMINHO AO OBJETO DE PESQUISA O que sonham os animais quando, ao dormir, se movem, se agitam, andam e choram? Esta foi a pergunta que me levou à ciência. Antes talvez eu tenha sido encantado pela árvore que vivia na serra e tinha alma. Os versos de Augusto dos Anjos, vindos de meu pai, me apresentaram a alma das árvores. Tinha eu sete anos. Logo, em seguida procurei saber de onde vem a ideia. Como cabiam catedrais no coração da gente. Quem são os pais desses irmãos tão próximos, o beijo e o escarro. Porque os homens são filhos do carbono e do amoníaco. Depois de conhecer o poeta que se tornava sombra e andava entre monstros procurando sua dor que chorava, aprendi, com Bilac a ouvir estrelas, com Gonçalves Dias a exaltar os bravos, com Castro Alves a me levantar contra o mal. Kipling ensinou-me que tanto o triunfo como a desgraça são impostores e Camões falou-me de algo obscuro o qual era melhor experimentar do que julgar. De todos os céus por onde andei, o sertão de Martim Francisco com seus bugios, onças, curupiras, anhangas, formigas, gafanhotos e sonhos foi onde visitei por mais tempo. Depois fui viajar ao céu de Lobato, às florestas de Kipling, ao rio de Twain. Guerra Junqueiro mostrou-me a melancolia da luz e as verdades da natureza (à semelhança das verdades vindas das pedras mortas, de Augusto dos Anjos). Andando assim pela natureza, guarnecido de fantasia, busquei por os pés no chão com Wendt. Isto, lá pelos doze anos. Ali, fui apresentado à Teoria da Evolução e os bichos falantes de Veríssimo, Anderson, Lobato, Grimm, Martim Francisco, Kipling começaram a viver no mundo real. Daí, para eu começar a me preocupar com os animais e seu mundo foi um passo. Li e reli ―A Procura de Adão‖ por uns quatro anos e, de lá, fiquei impressionado com a influência de Aristóteles em Lineu e com os hábitos do jovem Darwin de colecionar apenas insetos mortos. Foi uma grande descoberta, pois muito antes de conhecê-lo eu também não matava animais ao colecioná-los ou estudá-los. Com esse livro, reconstruí (e, mais tarde, compreendi a necessidade de) o caminho percorrido pelos filósofos e naturalistas na construção da Teoria da Evolução. Percebi também (muito mais demoradamente, e com 14 bastante complemento futuro) que o processo evolutivo é a base do pensamento biológico moderno. Por esse tempo passei a estudar e observar os hábitos dos animais. Estudá-los pelas enciclopédias Delta Larousse, Barsa, Trópico, Tesouro da Juventude e Lelo Universal e observá-los todas as quartas-feiras no Zoológico de São Paulo. Além disso, aprendi a girar no comboio de cordas do coração com Pessoa e a dar a volta por cima com Vanzolini e assim, conforme conselho de Kipling, equilibrar o pensar e o sonhar (com muito pouco sucesso). Muito mais tarde, conheci, pelo próprio Vanzolini e pelo Ab‘Saber, a teoria dos Refúgios, junto às histórias do boto, de índios e caboclos. Nunca, no entanto, deixei de viajar as terras do rei Café com a Anhanga e o bugio coleira Preta no barquinho de papel de Guilherme de Almeida. Nunca deixei de navegar no mar Egeu e a enfrentar harpias, quimeras e esfinges, acompanhado por Homero ou por algum gênio em seu tapete, procurando fadas no grande vazio. A música na minha vida vinha por vários caminhos. Chopin bateu a minha porta muito cedo com minha mãe, que também gostava das valsas brasileiras. Já meu pai gostava dos tristissímos sambas canção filhos do bolero e da bossa nova. Meus tios tocavam divinamente chorinhos e samba (Noel, Ari, Lamartine, Caymmi, Garoto). Não pude escolher nenhuma, fiquei com os seis estilos. E ao longo da vida inclui mais uns cinco. Do cinema assisti todos os filmes do Oscarito, Grande Otelo, Ankito e Mazzaropi, do faroeste americano, da Disney, e todos épicos e filmes históricos. Aliás, esses filmes foram fundamentais para eu conhecer a história e literatura, pois, após assisti-los meus pais os explicavam e criticavam. Assim, lembro-me da sugestão de meu pai ao filme Teseu e o Minotauro, que me mandou ler ―Deuses, Túmulos e Sábios‖ para tirar as dúvidas. E minha mãe falando do Cerco de Siracusa de Arquimedes e seus espelhos incendiários. Dos filmes que não podia assistir minha mãe os contava. Com tanta graça e entusiasmo que, quando mais tarde fui assisti-los, eram inferiores ao que ela contava. Assim foi o julgamento em Nuremberg, Psicose, o Morro dos Ventos Uivantes e Testemunha da acusação. Mas histórias mesmo, histórias para valer, dessas que subjugam o espaço e tempo e o próprio Kant inveja e ignora. Dessas que explicam tudo, que 15 contém música, pintura, drama, cores e humilham até Wittgenstein. Dessas que só se explicam ao serem contadas. E nos lugares certos. E só Homero, Cervantes, Tchekhov, Machado de Assis e Graciliano são capazes de escrever. Essas histórias quem contava era o meu avô. Aventura, coragem, fantasia, meu avô só contava histórias de sua vida. E esse mundo encantado acolheu todos os meus outros mundos. Aos quinze anos fui para o científico (no Colégio Santos Dumont de Ribeirão Preto) e não impressionei ninguém nem por minha dedicação ao estudo dos hábitos dos animais nem pelo meu amor à História e a Literatura. Nunca passei de um aluno médio. Gostava mesmo era de ler sobre os animais brasileiros e desenhar mapas, localizando-os em suas respectivas regiões (ainda tenho alguns). Aí, veio meu pai e contou-me tudo sobre animais. Grande desbravador de família típica de São Paulo, vivendo muito tempo na fazenda de seu avô, meu pai sabia tudo sobre animais. Parte de seu saber vinha da experiência, parte da fábula. Nenhum Ihering, ou Goeldi, ou Cabrera podiam comparar-lhe. Dele ganhei para cuidar, um sagui, duas capivaras, um carcará, um cachorro-do-mato, sabiás, pássaros-pretos e algumas dezenas de cachorros. Mas o seu maior presente neste campo foi seu encantamento com uma natureza a que ele sempre fez parte e dele fez parte a ponto dele procurar nela sempre o desafio e o entendimento. Meu pai também era poeta e minha mãe, às vezes, escrevia crônicas. Foi ela que me ensinou que a democracia era dos deuses (de Rousseau), quando eu tinha uns onze anos. Assim, ao chegar ao científico, vinha apaixonado pela arte e pela natureza (muito mais tarde assisti ao prof. Pavan dizer que o biólogo é meio músico; fiquei feliz). Também gostava de fazer poesia (mais tarde passei também a fazer música). De ler história antiga e medieval, lendas indígenas, mitologia grega e psicanálise. Conheci (através de meu pai) Will Durant e descobri Platão (Aristóteles eu já conhecia por Wendt). Interessaram-me também os festivais de música, o teatro oficina e de arena e o cinema novo. Ganhei prêmios de literatura e participei de feiras de ciências. Formei-me em 1970 aos dezoito anos. Entre 1971 a 1974 fiz bacharelado em Biologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Barão de Mauá, de Ribeirão Preto. Dois professores me marcaram profundamente nessa época. Lélio Favaretto, por me ensinar a procurar 16 as relações da teoria biológica com os fenômenos naturais e Regina Savaia que me mostrou como aprender através da construção do conhecimento. Durante todo ano de 1973 fiz estágio no Museu de Zoologia da USP com o prof. Deoclécio de Queirós Guerra estudando ecologia e comportamento de morcegos. Assim, meu interesse por animais começou a tomar forma. Também neste período iniciei minha carreira de professor ministrando aulas de física, química e biologia no colegial em 1972 na Sociedade de Ensino de Ribeirão Preto. Participei ainda da organização das três primeiras semanas de estudo da faculdade (1972,1973,1974), fiz doze mini-cursos complementares ao meu currículo para compreender melhor a teoria biológica. Em 1975 fui para o Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Fiquei dois anos com bolsa de Aperfeiçoamento do CNPq sob orientação do prof. Dr. Lionel Segui Gonçalves. Em 1977, sob a mesma orientação, iniciei o mestrado com bolsa do CNPq o qual terminei em 1981. Imediatamente comecei o doutorado com bolsa da FAPESP que terminei em 1984 sob orientação do prof. Dr. Warwick Estevam Kerr. Comecei, portanto, a trabalhar com ecologia e comportamento de abelhas Apis mellifera. Nestes dez anos foram muitas as influências na minha formação. No aspecto científico geral, além da orientação, o prof. Dr. Lionel ensinou-me importantes questões de política científica e o Dr. Kerr mostrou-me uma epistemologia da Biologia que mesclava racionalismo com o empirismo metodológico. O que tinha de extraordinário nesse pensamento era sua tentativa de síntese. Assim, ele mostrou-me o que é um pensador e eu pude entender que a diferença entre pensar e ser pensador, é que o primeiro está na partida e o segundo na chegada. Do Kerr pensador aprendi Evolução (junto com Celso Mourão) e histórias de índios, além de seu entusiasmo de maestro, regendo seus alunos em suas aulas. Outro pensador que conheci foi Eduardo Corbela. Não era professor, era colega mais velho. Uruguaio, foi ele que me apresentou a conversa das feras, das aves, dos peixes com Lorenz. Apresentou-me também Neruda, Gabriela Mistral, Mário Benedette, Eduardo Galeano e a arte popular brasileira de Vitalino (pode?). 17 Um terceiro pensador e colega foi Luiz Carlos Schenberg. Marxista. Trotskista convicto foi, para mim, dos mais influentes. Mais tarde os professores Tarso Bonilla da UFRJ e Hector Benoir da UNICAMP completaram o serviço. O quarto pensador foi o prof. Dr. Wilson Roberto Navega Lodi. Ele ensinou-me o valor da história da ciência no ensino. Com ele conheci alguns trabalhos originais da biologia e aprendi a compô-los para a (re)construção do conhecimento biológico. O quinto pensador foi o prof. Dr. Fábio de Melo Sene, aprendi com ele a repensar a Evolução, a respeitar as diferenças e a refletir sobre o que parece óbvio (mas nunca o é). Com o prof. Dr. Fábio aprendi a discutir com respeito e a aceitar sem se submeter. Outro extraordinário pensador que conheci foi o prof. Valter Hugo de Andrade Cunha, o introdutor da Etologia no Brasil. Ele conseguia enxergar no mundo das formigas o mundo dos homens sem ser determinista. A aula tecnicamente mais fabulosa que eu já assisti foi ministrada pelo prof. Dr. Hector Terenzi. Enquanto falava, ele montava todo o material genético de um vírus em papelão, utilizando uma técnica pedagógica da educação infantil no meio acadêmico, com imenso sucesso. Nunca mais esqueci esta aula que viria a aplicá-la e modificá-la muitas vezes ao longo da minha vida de professor. Já as aulas encantadas, destas que hipnotizam e você não quer que acabe. Estas eu conheci com o Dr. Kerr, o Dr. Vanzolini, o Dr. Ab‘Saber e o Dr. Leite Lopes. Ouvi-los era como uma viagem. Nunca mais me esqueci a teoria de Loomis, a teoria dos Refúgios, as linhas de pedra e as viagens do tempo. Mais tarde aprendi, com Paulo Freire, que ―ensinar é provocar emoções‖. Muito mais tarde, li um trabalho de Rubem Alves no qual ele dizia que ―ensinar era sonhar junto‖ (demorei a entender). Neste tempo, participei de muitos congressos apresentando trabalhos (principalmente nas reuniões da SBPC) e de muitos cursos como palestrante de etologia, sociobiologia, ecologia comportamental e ecologia e comportamento de abelhas. O principal trabalho dessa época está publicado nos Anais do III Encontro Paulista de Ecologia, 1985. Continuei escrevendo poemas e me engajei na luta contra a ditadura. Ajudei a fundar o Comitê Brasileiro de Anistia de Ribeirão Preto, fiz parte 18 da fundação do Cine Clube da USP, da direção da Associação dos Pós-graduandos e comecei a gostar de Bergman de Godard, de Lelouch, de Eisenstein, de Bunnell, Herzog, de Saura e de ópera. Conheci Garcia Marques, Lorca, Castaneda, Brecht, Fromm, Marcuse, Sartre. Continuei assistindo teatro e música. Fiz um curso de cinema, outro de música e arte, outro de pedagogia, outro ainda de taxonomia numérica. Participei de um grupo de estudo sobre política de 76 a 84. A mistura de arte, natureza, ciência e política deu forma à questão levantada por mim décadas antes. O que sonham os animais? Esta questão subjaz outra: que semelhança tem os sonhos dos animais com os sonhos humanos, considerando que humanos também são animais. Bem, há várias questões aí, talvez a mais abrangente seja: como se articula a questão da consciência humana dentro da sua condição animal, ou seja, como a consciência dialoga com o não consciente. E, como o não consciente humano se enxerga na natureza animal (expressão da não consciência da natureza). Filosoficamente a questão consiste em entender o que é consciência, que pode ser uma construção vinda da história ou determinada pela genética. E assim, qual é o papel da evolução do qual nem marxista, nem positivista abre mão? De 1978 1986 ministrei cursos de Etologia na FFCLRP-USP, organizados pelo Centro Estudantil da Biologia, sempre juntando professores de áreas distintas que convergiam para este tema, terminando sempre numa reflexão sem final. Conclui, é claro, que precisava estudar mais. De 1985 a 86 fui estagiar no laboratório de Ensino de Ciências da FFCLRP-USP com a profª. Drª. Marisa Ramos Barbieri, para aprender a ensinar ciências. Foi uma excelente experiência. Graças a profª Drª. Marisa concluí que estudar ciências e ensiná-la são atitudes indissolúveis. E uma atitude revolucionária era ensinar ciência para aumentar a consciência do indivíduo sobre o mundo e, portanto, fortalecer seu papel de cidadão. Em 1982, num encontro casual com Mateus José Paranhos Rodrigues da Costa (hoje na UNESP de Jaboticabal) planejamos o I Encontro Paulista de Etologia. Depois, nós dois com a Silvia Mitiko Nishida (hoje na UNESP de Botucatu) planejamos o segundo. O terceiro fomos nós três mais o Werner Schimidek (da USP de Ribeirão Preto) estes encontros tornaram-se de âmbito nacional e até hoje acontecem. 19 Em 1993, num desses Encontros organizados por mim (na UNESP de Bauru) fundamos a Sociedade Brasileira de Etologia (SBEt), na qual fui vice- presidente por três mandatos seguidos. Em 2007, no 25° Encontro Anual de Etologia, todos estes fundadores foram homenageados por isso. No final de 1985 fui trabalhar na Universidade de Uberaba. Lá fui Coordenador de Pesquisa e Pós-graduação e, não pude por isso fazer pesquisa empírica, mas continuei pensando no problema da consciência. Também organizei várias reuniões científicas locais e regionais (II Psicorpo, I Congresso de Ciências Sociais, I Simpósio de Etologia e Educação e I Congresso de Fisiologia do Triângulo Mineiro). Na graduação ensinei Etologia e Fisiologia. Na especialização em Biologia ensinei Fundamentos pedagógicos, Genética e Biogeografia. Por essa época conheci outro pensador (dos maiores) – Alvino Moser (da Universidade Federal do Paraná). Com ele aprendi a importância do estudo da história da filosofia. Aprendi também o caminho de Platão a Popper. Desse contato entendi que a questão da evolução da consciência não pode se separar da história e esta está contida na história da filosofia da natureza. Fiquei pouco tempo na UNIUBE, assim que a instituição se tornou universidade, ela mudou sua política de pesquisa e eu fui demitido. Nesta época fiz um curso de genética do comportamento e outro de pedagogia na área biomédica (ambos no nível de doutorado). Fiz ainda um curso de filosofia da ciência e participei de debates sobre os estatutos da biologia. O produto dessa atividade foi publicação na revista Scripta da Faculdade ―Auxilium‖ de Filosofia Ciências e Letras de Lins em 2000. Organizei também um seminário de Filosofia da Ciência, promovido pela Associação dos Pós-graduandos da USP de Ribeirão Preto em 1987 e 1988. O produto dessa reflexão se expressa nas publicações de 1998, 2000, 2001 e 2003 na revista Ciência e Educação da UNESP de Bauru. Em 1988 e 1989 ministrei disciplinas de Metodologia científica, Ecologia e Educação ambiental na especialização em Ecologia na Universidade de Marília e na Universidade Estadual Centro Oeste do Paraná. Iniciei aí uma atividade de ação- observação que foi publicada em 1995 na revista Ciência e Educação. A questão consistia em romper com o ensino reducionista-tecnicista por meio de excursão ao campo. Esta atividade eu desenvolvo até hoje. 20 No início da década de 90 ingressei como professor colaborador no Programa de Mestrado em Projeto, Arte e Sociedade da Faculdade de Arquitetura, Arte e Comunicação da UNESP do campus de Bauru. A área de concentração era Planejamento Regional e Urbano: Assentamentos Humanos e minha disciplina era Ecologia Humana. Na graduação ensinei Antropologia e organizei um grupo de estudos chamado ―Estudos de Populações e Meio Ambiente‖. Fiz parte entre 1993 e 1996 da Comissão de Pós-graduação e fui vice-coordenador entre 94 e 95. Organizei também dois simpósios de assentamentos humanos em 94 e 95. Era a oportunidade de assumir uma ação política sem abrir mão da ciência básica e da filosofia. Tendo eu preocupações sobre a Natureza da Natureza passei a discutir a Natureza das ciências da natureza. Tal discussão se encontra publicada na revista Ciência e Educação, v.2 em 1995 com o título ―Ciência, Natureza e Meio Ambiente‖. As pesquisas realizadas pelo grupo renderam dezenas de trabalhos apresentados em congresso (nacionais e internacionais) e publicados. As dissertações que orientei (oito ao todo) eram descritivas com uma inclinação para uma tentativa de proposta para o planejamento ambiental de políticas públicas. Minha última orientada defendeu sua dissertação em 2003. Estes trabalhos foram publicados principalmente nas revistas Terra e Cultura da UNIFIL e Revista de Assentamentos Urbanos da UNIMAR. Por outro lado, continuei até 1994 a ministrar disciplinas de Ecologia, Educação Ambiental e Metodologia Científica nos cursos de Especialização em Ecologia e Educação Ambiental da UNICENTRO do Paraná e comecei a produzir um banco de imagens sobre ecossistemas e animais do Paraná. A partir do ano 2000 fui para a Universidade Paranaense (embora continue credenciado pela UNESP, mas com este programa de mestrado em reforma). Aí formei um Grupo de Estudos de Ecologia, Etologia e Educação Ambiental (GEA). Neste tempo tive a oportunidade de retomar as observações em animais sociais, no entanto agora em mamíferos (capivaras, cateto, queixada, quati e ratão-do-banhado). Durante o ano de 2003 colaborei com a Faculdade Estácio de Sá 21 de Ourinhos implantando nesta instituição a iniciação científica. Período em que exercia a função de Coordenador de pesquisa da faculdade e fundador e editor da revista eletrônica Horus (Revista de Humanidades e Ciências sociais aplicadas). Por esse tempo compreendi o que quer dizer sonhar junto (da fala de Rubens Alves). Ensinar é caminhar junto e, por onde? Pela história da construção da teoria da qual se quer apresentar. Aprender é apreender a teoria em seu contexto, o que permite relacioná-la com outras teorias no mesmo contexto e comparar contextos diferentes com teorias semelhantes ou diferentes. Não há texto sem contexto, isto eu já sabia de Paulo Freire, mas as teorias também têm que ser contextualizadas. Tem tudo a ver com Kuhn, com Lakatos e com Foucault. Assim, ensinar é viajar, não pelo mundo da Ciência, o 3° mundo de Popper (que não existe como ele queria), mas pelo mundo no qual a Ciência (ou parte dela) nasceu. Os trabalhos que produzi voltados para a educação não procuram formar cientistas, mas despertar o interesse dos alunos pela ciência. E, para isso, procuro me utilizar de todo tipo de técnica artística ou lúdica, de tudo aquilo que pode causar encantamento seja pela beleza, seja pela curiosidade. E assim pensando, resolvi fazer um novo doutorado, desta vez em Educação para as Ciências na Faculdade de Ciências da UNESP, campus de Bauru buscando aprofundamento e integração do conhecimento adquirido por mim sobre a natureza e seu ensino. Este novo projeto, o iniciei em 2009. A acompanhar-me estão Marx e seu jeito de ver a história. Prigogine e sua escuta poética para compreender a natureza. Freud e suas ideias acerca de cientistas e poetas. E meu pai e meu avô com suas histórias. Afinal, nem Ihering, nem Goeldi, nem Cabrera podiam comparar-lhes. Somente Sherazade, Sheaskespeare ou o Velho Timbira. 22 AS QUESTÕES DE PESQUISA: SÍNTESE DE UM CONSTANTE RECONSTRUIR A ideia inicial da presente tese partiu do questionamento sobre quais os elementos necessários para permitir uma compreensão da visão biológica sobre a Natureza. Daí derivou-se a questão: Qual é a visão biológica sobre a Natureza? A formulação de uma resposta partiu de dois caminhos principais, um da percepção de que o conceito de natureza mudava ao longo da história, e o outro que a Biologia podia ser vista de uma forma integrada a partir de algumas ideias ou elementos estruturantes, os quais permitam sintetizar as bases do pensamento biológico. A noção de ideia estruturante assumida para análise da Biologia, ou seja, a busca dos elementos chaves que a constitui e que possibilita caracterizá- la, se aproxima da definição trazida por Aduriz-Bravo et alli (2002), embora aqui não se refira somente aos seus conteúdos conceituais, mas também no que concerne sua epistemologia, ontologia e contexto sócio-histórico. De acordo com Aduriz-Bravo et alli (2002)as ideias estruturantes seriam conceitos disciplinares capazes de organizar teoricamente os distintos conceitos e modelos presentes no currículo. Neste sentido, se trata dos eixos direcionadores da organização sintática e curricular de uma área específica de conhecimento. Em qualquer disciplina científica mais ou menos madura as ideias estruturantes são muito abundantes e aparecem organizadas com coerência em conjuntos densamente ligados que constituem áreas temáticas ou aspectos da disciplina. Estes aspectos crescem agrupados em torno de questões clássicas que são as que a disciplina recorre desde sua formalização inicial. Um dos aspectos chave na Biologia é a visão de natureza que a subjaz. Sendo assim, por que a visão de natureza muda (NASCIMENTO JR., 1996; 1998; 2000; 2001; 2003) é possível perceber duas coisas, uma que existe uma construção de significado ontológica dessa visão e a outra é que havia (e há) uma história envolvida neste processo de construção de significado. Este processo é expresso nos conceitos e teorias, assim como na forma de apreensão do objeto investigado. Sendo assim, o objetivo da presente tese foi percorrer por estes 23 caminhos e suas ramificações, identificando e caracterizando as ideias estruturantes constitutivas da Biologia. Buscando subsídios para uma compreensão mais integrada desta ciência. E, para realizar uma aproximação com o cenário do ensino de biologia, estabeleceu-se um olhar sobre os documentos curriculares oficiais do Ensino Médio a partir da visão biológica constituída neste estudo histórico e filosófico. De início, portanto, já havia alguns indicativos que assinalavam a direção a ser percorrida, sendo eles, a busca pela visão de natureza contida na Biologia, seus conceitos e teorias e a forma com que seu pensamento foi construído ao longo da história. Embora o questionamento inicial pareça ser solucionado de imediato o mesmo não ocorre, pois não basta reconhecer estes indicadores, é preciso caracterizá-los, e isto exige um estudo sobre a história e filosofia desta ciência. O conceito de história assumido baseia-se na ideia clássica de Marx de que existem só duas Histórias que se encontram em um movimento dialético, a História Natural e a História Social. As demais são desdobramentos delas. Sendo assim, estudar a história da Biologia, cujo objeto é a manifestação da vida na Natureza, é compreender a História Natural inserida na História Social do homem. Uma melhor compreensão sobre essa formulação será apresentada no capítulo 3 no qual são trazidas as principais correntes filosóficas do século XIX, dentre elas a materialista dialética. O questionamento inicial foi construído e reconstruído ao longo do desenvolvimento da presente tese, e se expressa na busca pela relação entre a História das Ideias de Natureza, História da Biologia, Filosofia da Ciência e de forma ainda inicial com a Educação para Ciência. O estudo caminhou principalmente direcionado por três questões: Quais são os elementos que caracterizam a Biologia como tal ao longo da sua construção? Como estes elementos se caracterizam e se articulam? Os documentos curriculares oficiais consideram estes elementos na sua formulação? 24 A ORGANIZAÇÃO DA TESE Foi realizado um estudo teórico visando identificar as principais questões que sustentam a Biologia, considerando a sua história de construção, assim como o olhar da Filosofia da ciência sobre ela. Tais questões dizem respeito as principais preocupações (teóricas, empíricas e filosóficas) que estruturam a Biologia, a forma com que elas foram e são investigadas e respondidas, e também qual o contexto sócio-histórico na qual se inserem. Para tanto, fez-se um levantamento documental principalmente nas fontes secundárias sobre a história e filosofia da biologia, assim como em algumas fontes primárias. Sem, no entanto, ter uma preocupação historiográfica metodológica com os detalhes, sem desprezar sua necessidade. Isto porque o objetivo do trabalho não é revelar aprofundamentos históricos particulares da biologia, mas apresentar elementos reconhecidos pela literatura como aspectos estruturantes desta ciência. Tendo realizada esta etapa, posteriormente, fez-se uma análise do conteúdo disciplinar dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), PCNEM+ e as Orientações Curriculares do Ensino Médio. Com o formato que tem hoje, a Biologia se constituiu durante o século XIX. Suas ideias precursoras, no entanto, remontam de muitos séculos antes. Preocupações acerca de animais e plantas vêm acompanhando o ser humano desde a sua hominização. Mas uma ciência não é somente um conjunto de conceitos sobre um tema comum. Ela é sim, um olhar próprio sobre objetos escolhidos do mundo. Um meio próprio de explicar esses objetos, um conjunto próprio de explicações formando um corpo de conhecimentos e um conjunto de regras próprio da sociedade que inventou este olhar, escolheu estes objetos, produziu este método e estruturou este conjunto de informações, transformando-o em conhecimento. Esta história da construção do objeto, do olhar, da forma de inquirir da Biologia é apresentada em linhas gerais nos cinco capítulos. O Capítulo I não corresponde à história da Biologia, mas a história das ideias sobre os seres vivos da Antiguidade à Idade Média. Desse período é possível identificar algumas das questões que a Biologia veio a se debruçar. Ideias essas que representam um contexto histórico-social e uma visão de natureza que na 25 Antiguidade era sustentada por uma filosofia racionalista antiga, principalmente de Platão e Aristóteles, e na Idade Média por um racionalismo cristão, especialmente de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, também pelo racionalismo árabe de origem clássica que influencia o racionalismo cristão, sobretudo, o período aristotélico e o experimentalismo nas universidades. O Capítulo II, por sua vez, busca enfatizar a mudança ocorrida na visão de mundo na Idade Moderna que se opôs a Escolástica e suas implicações na organização da Ciência que culminou na Revolução Científica. Neste período o racionalismo francês, o empirismo inglês e o criticismo kantiano se configuram, fornecendo subsídios filosóficos para a construção dos fundamentos ontológicos e metodológicos da ciência da época. Estes que trarão implicações para o estudo dos seres vivos. O Capítulo III marca o surgimento da Biologia enquanto ciência no século XIX, caracterizado pela expansão da Revolução Francesa e constituição dos estados modernos. No início do século alguns ramos já se configuravam, porém ainda vinculados com a filosofia da Natureza. Período de conflitos entre perspectivas que possuíam diferentes filosofias, em que se buscava a delimitação, caracterização do objeto e dos métodos de investigação. Fase de distanciamento da postura filosófica vigente até então, isto que se consolidará no século seguinte. Constitui-se a partir dai um olhar específico sobre a natureza. Na segunda metade do século XIX o conhecimento da Biologia se constitui em três teorias principais: teoria celular, teoria do equilíbrio interno e a teoria da seleção natural e origens das espécies. Duas perspectivas centrais se estruturaram, uma Mecanicista e outra Histórica, as quais sustentaram áreas distintas. Período também em que a Filosofia reconhece a Biologia como Ciência, passando a analisá-la quanto a sua estrutura constitutiva, papel social e formas lógicas de pensamento. O Capítulo IV vai apresentar a Biologia em duas partes. A primeira apresenta, rapidamente, a formação das principais áreas da Biologia contemporânea: Fisiologia, Bioquímica, Biologia Celular, Farmacologia, Biologia Molecular, Genética, Evolução, Ecologia, Etologia e Biogeografia. A segunda se distingue pelo avanço das técnicas da biologia molecular e da bioinformática sobre essas áreas. Com isso a Biologia passa a ser caracterizada por cinco teorias: a 26 teoria celular, a teoria do equilíbrio interno que é ampliada para a teoria da homeostase, a teoria da seleção natural e origem das espécies cuja versão ampliada é a teoria sintética, a teoria da herança derivada da apropriação e aprofundamento das ideias de Mendel e a teoria dos ecossistemas e da paisagem derivada da experiência dos viajantes. Deste capítulo resulta, dessa forma, a caracterização de dois grandes elementos estruturantes da Biologia que foram denominados de Estatuto Conceitual e Estatuto Ontológico. O Estatuto Conceitual engloba as questões estruturantes de interesse da Biologia e as teorias fundamentais que trazem explicações sobre elas. O Estatuto Ontológico diz respeito as questões centrais sobre a construção de significado do mundo e seus elementos constituintes que sustentam o olhar sobre o objeto de investigação da Biologia. Por último, o Capítulo V apresenta o olhar da filosofia sobre a Biologia em diversas vertentes, considerando a sua estrutura lógica, epistemológica, social e cultural. Disto se extraiu o Estatuto Epistemológico da Biologia que envolve as preocupações teóricas sobre o processo de construção do conhecimento biológico. E, foi sintetizado o Estatuto Histórico-Social que diz respeito ao contexto sócio-histórico no qual a ciência se constituiu (e se constitui). Os quatro estatutos foram desdobrados em categorias temáticas para que permitam sua aplicação na discussão da visão biológica constitutiva desta Ciência. Sendo assim, buscando iniciar uma aproximação com a Educação em Ciências, no Capítulo VI é apresentada uma análise do conteúdo disciplinar dos documentos curriculares oficiais do ensino médio, apontando possíveis contribuições do esquema proposto para análise e discussão da Biologia. Neste sentido, a presente tese se insere no rol das preocupações em torno do conteúdo científico que compõe a disciplina de Biologia no Ensino Médio visando uma contribuição a alfabetização científica. 27 REFERÊNCIAS ADÚRIZ-BRAVO, A., IZQUIERDO, M.; ESTANY, A. Una propuesta para estructurar la enseñanza de la filosofía de la ciencia para el profesorado de ciencias en formación. Enseñanza de las Ciencias, v. 20, n. 3, p.465-476, 2002. NASCIMENTO JÚNIOR, A. F. Natureza, ciência e meio ambiente. In: NARDI, R. (coord.). Ciência contemporânea e ensino: novos aspectos. v. 2. Bauru: UNESP, 1996, p. 39-48. NASCIMENTO JÚNIOR, A. F. Fragmentos da construção histórica do pensamento neo-empirista. Revista Ciência e Educação, vol. 5. Bauru: Unesp, 1998, p. 37-54. NASCIMENTO JÚNIOR, A. F. Fragmentos do Pensamento Idealista na História da Construção das Ciências da Natureza. Revista Ciência e Educação, v. 7, n° 2, p. 265-285, 2001. NASCIMENTO JÚNIOR, A. F. Fragmentos da História da Construção das Ciências da Natureza: das Certezas Clássicas às Dúvidas Pré Modernas. Revista Ciência e Educação, v.9, n° 2, 277-299, 2003. 28 1. CAPÍTULO I – O OLHAR SOBRE OS SERES VIVOS DA ANTIGUIDADE À IDADE MÉDIA Sendo os seres vivos os objetos de interesse da Biologia a qual tem o objetivo em entendê-los e embora a história desta ciência não comece com a história do conhecimento destes seres pelo homem, é desta última que as questões iniciais da Biologia foram levantadas. E, genericamente, foram três as categorias de seres que, ao conviverem com o homem desde sua origem, fornecendo-lhe grande quantidade de informações o qual, ao longo do tempo, foram se tornando conhecimento: as plantas, os animais e os próprios homens. Desde a antiguidade o ser humano interage e busca compreender o mundo que o envolve. Certo que naquela época não havia ciência, mas um conhecimento sobre a realidade se constituía, com um método próprio e com uma visão de mundo característica que o subsidiava. Sendo assim, compreender um pouco dessa história, sobre os aspectos que a constituem, traz elementos que indicam origens das questões que a Biologia enquanto ciência se debruçou e ainda se debruça, e mesmo das formas de investigar seu objeto. O objetivo não é fazer uma reconstrução histórica pormenorizada do conhecimento sobre os seres vivos e suas características, ao longo da antiguidade. É sim, apresentar informações que subsidiem uma compreensão geral sobre como este conhecimento foi se constituindo, observando a influência que a organização social e a visão de mundo (de Natureza) têm neste processo de entendimento da realidade. É caracterizado também o olhar sobre os seres vivos da Idade Média ao Renascimento. Procura-se, então também apresentar um panorama geral sobre a Idade Média, ressaltando três aspectos: o modo com o qual os filósofos da época enxergavam a natureza, como os seres vivos eram inseridos neste olhar e, por último, qual era o contexto histórico no qual tal olhar era elaborado. O capítulo expressa a visão constituída na Idade Média dividindo o período em duas fases. A primeira vai do século V ao XII e é de influência predominantemente neoplatônica. Época nomeada pela filosofia medieval de Patrística em alusão aos primeiros filósofos cristãos, os Padres da Igreja, cuja 29 expressão maior foi Agostinho, bispo de Hipona. Período marcado pela expansão árabe, pela presença determinante da Igreja nas decisões políticas dos estados e pelas características feudais da sociedade. Nesta fase, os árabes são os principais protagonistas da produção dos conhecimentos acerca da natureza e do corpo humano, elaborando, inclusive, o método experimental. Na segunda fase, que vai do século XII ao XV, o capítulo procura apresentar uma Europa modificada por várias situações de ordem interna, gerando transformações da organização feudal e, ao mesmo tempo, de ordem externa, como as cruzadas e a invasão mongol. A presença de Aristóteles na Europa cristã foi a principal marca intelectual do período. Neste momento histórico, os árabes se encontram governados pelos turcos seldjúcidas, de orientação conservadora, e não mais protagonizavam a produção do conhecimento sobre a natureza. Os europeus haviam criado a universidade e, algumas, iniciavam a prática da experimentação. No final da Idade Média, o capítulo, resumidamente, apresenta algumas questões do Renascimento. Este não se caracteriza propriamente por um período histórico, mas uma transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. 1.1 UM POUCO DA HISTÓRIA ANTIGA Na comunidade tribal e nas civilizações pré-helênicas, a natureza é mítica, expressa pelos segredos de Gilgameshi, Prometeu, Amôn, Ogun, Jeová, Votan, Belenos, Tupã, Manco Capac, Manitu. O mundo oculto dos espíritos empresta à natureza o olhar simbólico do homem (DURAND, 1988) e, é desvendado pela magia dos seus rituais (MENEGAZZO, 1994). Nestes tempos, os métodos utilizados para evocar (ou expulsar) os espíritos ou deuses eram os rituais. Expressões dramatizadas dos mitos auxiliados por elementos naturais e/ou artificiais que favoreciam (segundo a crença) a manifestação dos espíritos ou divindades (TURNER,1974). Muito mais tarde se construíram as vilas, as cidades e os impérios. Vieram também grandes plantações e criação de animais, acompanhada de muito conhecimento acerca do solo, do clima, das pragas, da estrutura e função das 30 plantas e animais, de irrigação e armazenamento. Surgiram os tecidos feitos de fibras vegetais e animais, os remédios, os perfumes, os condimentos. E, ainda mais tarde, surgiram a escrita e a matemática para identificar e medir o produto armazenado. Da escrita surgiu o papel e assim por diante. O papel dos vegetais e animais, e, consequentemente, de seu conhecimento, foi (e continua sendo) fundamental para a existência humana. Por tal importância, o ser humano jamais deixou de reverenciar as plantas e animais dentro de sua cosmogonia mítica, trazendo, a seu respeito, referências de magia e poder e um lugar de destaque em seus relatos (CAMPBELL, 1997). Nestas cidades, também surgiram trabalhadores especializados que, ao contrário das comunidades tribais, assumiam uma divisão do trabalho e, ao mesmo tempo, uma hierarquia social constituída de nobres, sacerdotes, burocratas, artesões, comerciantes. Mais tarde surgiram os médicos e construtores e outros tantos profissionais, quão complexa a cidade ia se tornando. As cidades enriqueceram com a exploração dos povos menos organizados e de seus próprios camponeses, se tornando poderosos impérios (HUBERMAN, 1964), e, de seu modo de organização social emergia o modo de seus habitantes verem o mundo e, a ele, atribuírem significado. A organização social babilônica, por exemplo, era estruturada em função de seu império. O império Caldeu subjugou e escravizou muitos povos e o homem babilônico era, portanto, uma pequena parte de um imenso aglomerado de pessoas. Estas se relacionavam, através, de regras estabelecidas por classes que dominavam completamente os meios de produção e, assim, determinavam as formas e procedimentos que a sociedade apresentava. O homem babilônico era, portanto, prisioneiro do estado social, econômico e político, impossível de ser influenciado por ele. As hierarquias sociais eram muito rígidas e a visão de mundo desse homem era também hierarquizada, rígida e imutável (MELLA, 2004). Os deuses eram infalíveis e inquestionáveis e sua expressão terrena era o imperador ou o faraó. Entre os gregos, novas situações ocorreram. Suas cidades eram constituídas (em parte) por cidadãos livres. Cada cidadão participava das decisões da cidade, efetivamente, através do voto. Esta ação sobre o destino de sua cidade dava, ao cidadão grego, uma noção de realidade diferente daquela apresentada 31 pelos habitantes dos grandes Impérios que não se sentiam (e nem era possível na prática) capazes de mudar o destino destes (nem o seu próprio destino). Assim, a visão de transformação era muito mais presente na concepção grega de mundo do que na dos outros povos (VERNANT,1987). Foi em Mileto, na Ásia Menor, durante o século VI a.C., que os gregos iniciaram suas explicação acerca da origem de tudo. Começaram com Tales para quem tudo se originava da água. Anaximandro apresentou o conceito do Apeiron (o indeterminado, ilimitado). E Anaxímenes, o ar. Os Pitagóricos falavam da dualidade como princípio que ordena o mundo e da matematização da natureza. Heráclito de Éfeso propõem a dialética dos contrários, enquanto, Parmênidas de Eléis, um Ser original não contraditório. Empedócles de Agrigento preserva a ideia de Ser eterno e indivisível, porém, não único. Para ele o mundo possui quatro princípios básicos: fogo, água, ar e terra, de forma que tudo resulte da combinação entre estas quatro raízes. O movimento que permite tal combinação é produzido pelos princípios opostos, o amor e o ódio. Anaxágoras de Clazômenas concebe o mundo como infinitas combinações de todas as coisas em tudo. Assim as coisas não nascem ou morrem e sim se misturam e se separam. O que comanda a mistura e a separação é uma força especial chamada Nous. Leucípo e Demócrito encerram esse período grego de reflexões com a concepção atomista do mundo (SOUZA, 1996). No início do IV século a.C., a Jovem Atenas, infligiu à poderosa armada persa, a avassaladora derrota de Salamina e o mundo asiático viu o fim de sua expansão no ocidente. A partir dessa época os gregos viram sua cidade brilhar sob o governo de Péricles. Era o período clássico da filosofia, momento de seus filósofos mais importantes, Sócrates, Platão e Aristóteles (ROSTOVTZEFF, 1983). 1.1.1 O MUNDO GREGO E O MUNDO ROMANO O mundo grego é um mundo fechado. Ali todas as coisas estão organizadas seja na forma da geometria divina de Platão seja na forma das ideias dirigentes de Aristóteles. O pensamento essencial é o Logos, externo ao homem. 32 Este o procura e, para encontrá-lo necessita da episteme (sabedoria). Aqui estão os elementos essenciais para a construção da Ciência Grega. O modo com que o mundo se organiza, é o modo pelo qual é possível ao homem entender esta organização. Aí estão a ontologia e a epistemologia. Nesse mundo grego o pensamento do homem e o pensamento do próprio mundo se confundem. Isto porque o sentido que o mundo apresenta e o pensamento humano que procura apreendê-lo são filhos da mesma mãe, a ideia. A Ideia que está no homem é a mesma que está no cosmo. E assim o único modo de se entender a ideia que rege o mundo é pensando. Pensando inteiramente e escavando na memória transcendental (e coletiva), à procura da ideia essencial como diz Platão, ou pensando um modo de entender a ideia que está contida e dirige as coisas, como diz Aristóteles. Tanto em um como em outro a ideia não se separa das coisas. Ideias e coisas formam o mundo e o homem, e assim o pensamento grego clássico consiste em encontrar um método capaz de entender a relação entre esses dois construtores (ideias e coisas). É essa a cosmologia que orienta o pensador da Antiguidade e também por toda a Idade Média. E neste mundo de ideias e coisas misturadas, o entendimento se faz através da compreensão da ideia que dá sentido ou dirige as coisas. Daí os métodos da Antiguidade e da Idade Média serem praticamente todos voltados à elaboração das ideias para a compreensão das coisas, ou seja, os métodos da argumentação. Para Platão as ideias são a essência das coisas no mundo físico das aparências (o modo de entendê-las é através de diálogos que levam à contemplação da alma). A multiplicidade das coisas é aparente. Os sentidos fazem com que os homens acreditem estar vendo a essência das coisas, mas na verdade, eles vêem apenas as aparências, estas constituem o mundo dos sentidos, o mundo sensível onde tudo é instável e varia conforme as interpretações. Nesse mundo de sensações cada ser humano escolhe um aspecto da aparência, transformando-o em verdade baseada em sua opinião sobre o mundo. Tais opiniões nunca atingem a verdadeira essência das coisas, a episteme. Esta é a tese de Platão que a desenvolve na República. O mundo sensível é um mundo de aparências, onde a verdadeira essência está oculta por trás das muitas aparências apresentadas pelas coisas aos sentidos. A existência da essência é demonstrada pela geometria que 33 apresenta figuras perfeitas as quais são representadas, no mundo sensível por figuras que procuram uma aproximação com o modelo ideal. Ao se observar um cavalo, um pássaro, ou um navio, pode-se ver inúmeras formas, tamanhos e cores diferentes porém ninguém se engana de estar observando um cavalo, um pássaro ou um navio. Assim, até os sentidos percebem a ideia essencial por trás da aparência. A estas ideias Platão denomina de eidos, e as coloca fora do mundo das aparências. Dessa forma, a pluralidade das coisas se localiza no mundo das aparências enquanto que as ideias essenciais (eidos) se encontram no mundo das ideias. As coisas sensíveis porém, imitam as ideias que lhes correspondem. Tal imitação é sempre imperfeita o que explica porque o mundo sensível é variado e mutável. O homem, por sua vez, pode recuperar a ideia essencial oculta sob as aparências situadas no mundo sensível. Basta que se lembre da ideia de que foi tirada cópia. Assim, para Platão, conhecer é relembrar as ideias essenciais que foram contempladas pela alma, mas esquecidas devido à relação entre o corpo e as coisas sensíveis. É a teoria da anamnesis, ou seja, o desesquecimento das recordações. A alma já contemplou estas ideias numa outra vida e, por isso, pode recordá-las. É a teoria da contemplação da alma, o racionalismo transcendental. Esta alma sendo imaterial e incorpórea convive com as ideias em um elo de ligação que o ser humano mantém com o ininteligível. Segundo Platão a alma é formada antes do corpo para comandá-lo. Ela é constituída da substância indivisível composta sempre de maneira invariável e da substância divisível que está nos corpos. Entre os dois, misturando-os ocorre uma terceira espécie de substância intermediária, o que compreende a natureza do Mesmo e do Outro. Assim alma é então formada da natureza do Mesmo, da natureza do Outro e da Terceira Substância. No Timeu, Platão apresenta o cerne de sua ideia: Ora, quando um raciocínio veraz e imutável, relativo à natureza do Mesmo ou do Outro, é acusado sem ruído nem eco dentro daquele que se move a si mesmo, esse raciocínio pode ser formulado em relação às coisas sensíveis. Então o círculo do Outro caminha diretamente e transmite à alma inteira informações sobre o sensível, e podem assim se formar nela opiniões que são sólidas e verdadeiras. Inversamente, quando esse raciocínio se forma em relação ao que é o objeto de lógica, assim que o círculo do Mesmo está animado de uma rotação favorável, e lhe revela aquele objeto, a 34 intelecção e a ciência se produzem necessariamente. E aquilo onde nascem essas duas espécies de conhecimento, quem afirmasse ser algo que não a alma, tudo poderia estar dizendo, menos a verdade (PLATÃO, s.d, p. 37). Para Platão, o corpo mortal foi originado do fogo, da terra, da água e do ar que um dia voltariam para o cosmo. Aliás, todas as coisas materiais são constituídas pela relação particular entre esses quatro elementos, onde cada um é composto das partículas a ele designadas, como átomos indivisíveis. Para ele um artesão maior (Demiurgo) construiu a alma e deuses menores, o corpo. A alma, embora existente em cada homem é única em todos tornando parte no indivisível e é por fazer-lhe parte que esta se recorda das ideias que lhe constituem, atingindo assim as verdades do mundo. Por outro lado toda a natureza é constituída pelos quatro elementos fundamentais: o fogo, a terra, a água e o ar. Segundo Platão, a unidade básica constitutiva da terra seria a figura cúbica, pois, "a terra, das quatro espécies, é a mais difícil de mover e é, de todos os corpos, o mais tenaz. E é muito necessário que tais propriedades tenham recebidos, ao serem geradas, as bases mais sólidas" (PLATÃO,s.d, p.55). Esta figura é composta por triângulos equiláteros por estes permitirem uma estrutura mais compacta, em conformidade com as propriedades da terra. Os outros elementos são constituídos de maneira semelhante sendo a água a figura menos móvel, e o fogo mais móvel, ficando o ar na posição intermediária. Assim, a figura que tem as menores bases deve ter a natureza mais móvel e é representada pela pirâmide (o fogo). O ar representado pelo octaedro e a água pelo icosaedro. Todas essas figuras, [...] convém concebê-las tão pequenas que, em cada gênero, cada uma não possa nunca, por causa de sua pequenez, ser percebida por nós, individualmente. Ao contrário quando se agrupam, as massas que formam são visíveis. No que toca as relações numéricas quanto a seu número, movimentos e suas outras propriedades, deve-se considerar que Deus, na medida em que o ente da necessidade se fazia espontaneamente persuadir, realizou-se sempre de maneira exata, e assim harmonizou matematicamente os elementos (p. 56). 35 Dessa forma fica claro que Platão via o mundo totalmente geometrizado (à maneira da tradição pitagórica) e constituído por um artesão divino (Demiurgo) em função de um plano totalmente geométrico. Era certa retomada da teoria atomista de Leucipo e Demócrito, porém geometrizada e coordenada pelo planejamento de um artesão superior um pouco inspirado no conceito unitário eterno e indivisível de Parmênidas, levando em conta a ideia de geometrização da natureza dos Pitagóricos e as combinações de Anaxágoras, comandadas pelo Nous. Via-se em Platão também os quatro elementos básicos: o fogo, água, ar e terra de Empédocles e, embora harmonizado o universo platônico ao ser dividido em um mundo das ideias e mundo das coisas estabelece certa aproximação com a ideia dos contrários de Heráclito. Em suma, Platão sintetizou todo o conhecimento grego anterior a sua época. Para Aristóteles, as ideias dirigem as coisas a seu lugar natural no mundo (o modo de se entender a ideia dirigente é através da observação e da lógica). Assim, no capítulo 6 do livro I da Metafísica, Aristóteles explica a sua visão acerca das ideias de Platão: [...] tendo-se familiarizado, desde sua juventude com Crátilo e com as opiniões de Heráclito, segundo as quais todos os sensíveis estão em perfeito fluir, e não pode deles haver ciência, também mais tarde não deixou de pensar assim. Por outro lado havendo Sócrates tratado as coisas morais, e de nenhum modo do conjunto da natureza, nelas, procurando o universal e, pela primeira vez, aplicando o pensamento às definições, Platão, na esteira de Sócrates, foi também levado a supor que (o universo) existisse noutras realidades e não em alguns sensíveis. Não seria, pois, possível, julgava, uma definição comum de algum dos sensíveis que sempre mudam. A tais realidades deu o nome de ideias (eidos), existindo os sensíveis fora delas, e todos dominados segundo elas. E, com efeito, por participação que existe a pluralidade dos sinônimos, em relação as ideias. Quanto a esta participação, não mudou senão o nome: os pitagóricos, com efeito, dizem que os seres existem à imitação dos números, Platão por participação mudando o nome, mas o que esta participação ou imitação das ideias afinal será, esqueceram todos de o dizer. Demais, além dos sensíveis e das ideias diz que existem entre aquelas e estas, entidades matemáticas intermediárias, as quais diferem das sensíveis por serem eternas e imóveis, e das ideias por serem múltiplas e semelhantes, enquanto cada ideia é, por si, singular. Sendo as ideias as causas dos outros seres, julgou por isso que os elementos de todos os seres "e, como matéria, são princípios (das ideias) o grande e pequeno, como formal é o uno, visto que a partir deles, e pela sua participação no uno, que as ideias são números. E 36 conclui é evidente pelo que precede, que ele somente se serviu de duas causas: da do que é e da que é segundo a matéria sendo as ideias do que é para os sensíveis, e o uno para as ideias (ARISTÓTELES, 1979, p.24). No capítulo 9 do livro I da Metafísica, Aristóteles (1979, p.29) diz: "Os que põem as ideias como causas, enquanto pretendiam individualizar, a princípio, as causas dos seres deste mundo, introduziram outros seres em número igual". O que quer dizer que duplicaram desnecessariamente o mundo. É na Física que Aristóteles revela que as causas não eram duas, como propõe Platão (da do que é e da do que é segundo a matéria) causa formal e material respectivamente, mas quatro: material, formal, eficiente e final. A causa material indica a matéria a qual uma coisa é constituída, a causa formal, a causa eficiente ou motriz é a unificação entre a matéria e a forma e a causa final é a finalidade com que esta "coisa" foi produzida. Essas quatro causas estão relacionadas com a ideia de transformação contínua das coisas as quais são percebidas pelos sentidos graças a noção aristotélica de ato e potência. O ato refere-se ao estado atual do ser enquanto a potência indica aquilo que este ser se transforme sem que deixe de ser o mesmo. Uma semente é assim, enquanto ato mas enquanto potência será a árvore que dela irá germinar. Dessa forma Aristóteles demonstra que todas as coisas sensíveis estão em constante transformação, em direção ao cumprimento de sua finalidade última que é o seu "lugar natural". O ser aristotélico é um ser presente em todas as coisas fazendo com que estas sejam únicas, cada uma com sua finalidade. Com essa ideia, Aristóteles critica particularmente o atomismo, de Leucipo e Demócrito que refutava a ideia de causa final. A causa primeira, aquela que teria iniciado o ciclo infindável de potência-ato-potência não pode ser causada, nem sequer ter movimento (pois movimento supõe uma causa), tampouco ter potencialidade (pois se as tivesse se transformaria em ato), não pode ser material (porque a matéria somente existe numa forma própria unidas por uma causa eficiente). Portanto, a causa primeira era imóvel, com ato puro, sem potência e pura forma, era Deus, que habitava o mundo supra-lunar, onde se situam os corpos celestes cujo movimento circular perfeito, sem começo e sem fim, se assemelham a um motor imóvel e eram constituídos pelo quinto elemento, o éter. As outras coisas todas habitavam o mundo sublunar, 37 constituídas pelos quatro elementos (fogo, água, terra e ar) sujeitas a transformações contínuas em função da relação ato e potência, cuja finalidade era encontrar o seu lugar do qual só se deslocam pela violência. Para se conhecer o mundo é preciso partir da observação e, em seguida formular proposições sobre ela. No livro que integra o Organon denominado Tópicos, Aristóteles (1978) explica que tais proposições podem ser éticas, lógicas ou ainda, versarem sobre filosofia natural. Sua extensão pode ser universal ou particular. A substância indica sobre o qual se afirma algo. Sua definição significa reconhecer a essência de algo que está se buscando. Uma propriedade é um predicado que não indica a essência de uma coisa, e todavia pertence exclusivamente a ela e dela se predica de maneira conversível. Um gênero é aquilo que se predica, na categoria de essencial, de várias coisas que apresentam diferenças específicas. A espécie, por sua vez, indica aquilo que diferencia as substâncias do mesmo gênero. Um acidente é: (1) alguma coisa que, não sendo nenhuma definição, nem uma propriedade, nem um gênero ou espécie, pertence, no entanto à coisa; (2) algo que pode pertencer ou não pertencer a alguma coisa, sem que esta deixe de ser ela mesmo, por exemplo a posição sentada. O acidente, o gênero e a espécie, a definição e a propriedade do que quer que seja sempre caberão numa das seguintes categorias de predicado: essência, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão. Os meios pelos quais lograremos estar bem supridos de argumentos segundo Aristóteles, são quatro: (1) prover-nos de proposição; (2) a capacidade de discernir quantos sentidos se empregam de uma determinada expressão; (3) descobrir as diferenças das coisas, e (4) a investigação das semelhanças. A partir daí é necessário a elaboração de um raciocínio que consiste em um argumento em que, estabelecidas certas coisas, outras diferentes se deduzem necessariamente das primeiras. Esse raciocínio pode ser de dois tipos: (a) o raciocínio é uma demonstração quando as premissas das partes são verdadeiras e primeiras ou quando o conhecimento que delas temos provém originalmente das premissas primeiras e verdadeiras e (b) o raciocínio é dialético quando parte de definições geralmente aceitas, lançando mão da indução que consiste na passagem dos individuais aos universais. Ambos os raciocínios são, segundo Aristóteles, necessários para a investigação científica. A observação levava à explicação de 38 princípios fundamentais através da generalização (indução). Em seguida o raciocínio dedutivo ordenava as premissas obtidas por generalização e explicativa a ser compreendido. Para Aristóteles a causa material torna todos os indivíduos particulares e a causa formal torna membro de uma classe de coisas semelhantes. Assim, a possibilidade de se compreender as formas é efetuada através da experiência dos sentidos pela indução. Esta por sua vez pode ser uma simples enumeração de eventos ou afirmativas que culminam na generalização da espécie a que são membros, por ex.: a1 tem propriedade P a2 tem propriedade P a3 tem propriedade P todos têm a propriedade P Aristóteles, porém, na Analística Posterior, também propõe um segundo tipo de indução, a indução intuitiva. É a capacidade de perceber o "essencial" nos dados da observação sensorial. Por ex.: ―o observador que vê várias vezes que o lado brilhante da lua se encontra voltado para o sol, e conclui que a lua brilha porque reflete a luz solar‖ (89 10/20). No segundo estágio da investigação, as generalizações produzidas pela indução são utilizadas como proposições ou premissas para a dedução de explicações sobre a observação inicial. O primeiro passo da dedução consiste na combinação das premissas para dela se extrair uma conclusão. A este conjunto de premissas e conclusão, Aristóteles denominou Silogismo. Tal conjunto de premissas não pode contradizer a si mesma (princípio da não contradição), tornando assim o argumento válido. Na Analítica Posterior Aristóteles havia identificado os argumentos da seguinte forma: todo a é b se todo c é a então todo c é b 39 Porém, não basta que o argumento seja válido (do ponto de vista formal) ele também deve ter premissas verdadeiras, para darem sustentação à explicação. A validade da premissa está na observação sensorial. Além de verdadeiras, as premissas devem ser indemonstráveis, melhor conhecidas que as conclusíveis e que sejam as causas da atribuição feita na conclusão. Após Aristóteles, os gregos já não eram governados pela polis. Felipe da Macedônia havia vencido atenienses e tebanos em Queronéia e Alexandre, seu filho, os unificara em um grande império, da Macedônia à Índia. Após sua morte, o mediterrâneo oriental se fragmentou em vários estados gregos. O próprio Médio Oriente se helenizou. O jovem modo grego de pensar se encontrou com tradições milenares dos povos que aí viviam enquanto novos estados eram criados. Se, no passado as cidades gregas se destroçavam em guerras fraticídas, esses impérios não tiveram destinos diferentes. No entanto durante os três séculos que conseguiam se manter e antecederam a consolidação do poder romano, essa mistura intelectual apresentou resultados muito ricos que fervilharam em inúmeras cidades desse mundo grego-oriental, culminando em Alexandria (ROSTOVTZEFF, 1983). O homem grego, no entanto, já não era livre, mas, prisioneiro do império. Sua razão livre, sua capacidade de mudar o mundo foi se desvanecendo até que finalmente o pensamento grego se voltou para o interior do ser humano, para a sua solidão. Os cínicos e os céticos desprezavam ou duvidavam das convenções sociais e do conhecimento tal como falam Aristóteles e Diógenes, Pirro e Timon. Os estóicos gregos como Zenão e Áico e os romanos Séneca, Epicteto e Marco Antonio se mostram solidários ao novo estado das coisas. Para estes o mundo é como um corpo vivo, animado pelo sopro vital (pneuma). O movimento do pneuma é tenso e assim produz a coesão e a unidade do mundo que a contém e de suas partes. O pneuma é o logos. A razão universal presente em tudo e o mundo são o próprio Deus, sendo o destino, a providência. Tudo é pois racional e se encontramos irracionalidade tais como fome, doença, sofrimento, isto ocorre apenas como aspectos isolados dessa realidade. Já Epicuro retoma o antigo conceito atomístico de Demócrito e Leucipo e admite não existir nada além das coisas físicas (átomos) e a sua ausência 40 (o vazio). Por isso o conhecimento só pode ser obtido através da relação direta entre as coisas e os sentidos. Esses átomos porém possuíam peso e inclinação, propriedades inexistentes no conceito atomista original. Com isso produziam o movimento, inerente nos próprios átomos. Essa inclinação é a manifestação da liberdade do átomo que se movimenta livre. No entanto, ainda que por toda a Grécia proliferassem pensamentos estóicos, epicuristas, céticos ou cínicos, a herança aristotélica se mantinha forte nas grandes universidades e, a partir dela, as matemáticas e as ciências naturais avançaram graças à aplicação do método dedutivo aos seus princípios, principalmente em Alexandria. Aristóteles entendia que a ciência demonstrativa muitas vezes partia de alguns princípios não demonstráveis (princípios assumidos) e ia deduzindo as consequências (Tópicos). Tomando esse princípio, Euclides (em sua principal obra: Os Elementos) demonstrou mais de 400 teoremas (a maior parte das proposições geométricas conhecidas) a partir de 5 postulados. Arquimedes tentou fazer o mesmo para a mecânica teórica (principalmente a hidrostática), ou seja, apresentar um pequeno número de princípios originais os quais permitem se derivarem os postulados da mecânica. O terceiro grande nome da matemática grega da época é Apolônio de Pergamo, autor do famoso “Tratado sobre as Seções Cônicos”. Em Alexandria, a capital cultural do mundo helenístico, Eratóstenes na famosa ―Geografia‖ confirmou a forma esférica do globo terrestre e mediu aproximadamente, suas dimensões. Aristarco de Samos formulou sua teoria heliocêntrica já apresentada pela escola Pitogórica, retomada muitos séculos depois por Nicolau Copérnico, e Hiparco de Nicéia calculou a distância entre o sol e a lua influenciando Claudius Ptolomeus. Este, por volta do ano 150 d.C., em 13 volumes (O Almagesto) apresentou todo o sistema geocêntrico aristotélico e ainda catalogou 1022 estrelas com nomes, signo do zodíaco a que pertenciam, lugar do zodíaco em que se localizavam, hemisfério norte ou sul e quantos graus a leste ou a oeste do céu. As considerações físicas, astronômicas e matemáticas dominantes na época a sustentaram por treze séculos (CASINI, 1975). A Escola de Medicina de Alexandria, também muito famosa, tem como seus representantes mais respeitáveis Hierófilo, Erasístrato e Philadelphus tendo ainda Galeno de Pérgamo visitado a cidade (CHASSOT, 1994). 41 Além das ciências da Astronomia, das matemáticas e da medicina, o legado de Alexandria forneceu ao mundo as maiores escolas filosóficas da época tanto gregas clássicas como judaicas e cristãs, tendo aí originado o movimento filosófico de maior envergadura ocorrido no helenismo, o neoplatonismo. Enquanto os gregos procuravam organizar e manter os reinos nascidos das conquistas de Alexandre, os romanos expandiam sua influência conquistando as terras da península itálica a sua volta. Sua atividade somente se tornou verdadeiramente incômoda quando iniciaram uma guerra contra Tarento no sul da Itália. Pirro, rei do Epiro, lutou com os romanos e depois com os cartagineses, governou Siracusa, enfrentou insurreições daqueles que o chamaram para defendê- los e, ao sair para lutar na Macedônia, deixou o terreno livre para romanos e cartagineses. Pirro lutou bem. Sua história foi descrita por Plutarco. Mas foi a única vez que os gregos tiveram uma ofensiva contra os romanos. E estes conheceram a falange, a máquina de guerra mais formidável até aquela época. Logo eles a superaram com a legião. Os reinos gregos eram ricos e bem preparados para a guerra mas nunca se entenderam. Lutaram entre si e se destruíram do mesmo modo como fizeram Atenas, Esparta e Tebas no passado. Os selêucidas, os ptolomeus, os macedônios e o reino de Pérgamo se destroçaram e ainda enfrentaram os gauleses, na Europa, e na Ásia, as ligas das cidades gregas (no caso da Macedônia), os partas (contra os selêucidas) e as revoltas internas, como a dos macabeus em Jerusalém. Pouco a pouco os romanos foram anexando à sua República cada um desses reinos até que em 30 a.C. o último deles, o Egito dos Ptolomeus, foi incorporado a ele. Os gregos ainda reagiram com Mitítrates, rei do Ponto, formidável inimigo de Roma, mas, após grandes esforços, foi vencido por Pompeu. Assim, o mediterrâneo inteiro era romano e com preocupações bem diferentes daquelas existentes nos desorganizados reinos anteriores onde a elite grega se misturou de fato, apenas com a elite da população local (ROSTOVTZEFF, 1983). Ao contrário dos gregos, os romanos eram bons administradores. Sua maior preocupação era a organização do Estado e, consequentemente, uma caracterização do cidadão, sua identidade, seu papel na constituição e manutenção do Estado Romano. Em outras palavras a atenção do intelectual desse tempo está essencialmente ligada ao estado de direito. Daí, a preocupação latina na filosofia ser 42 quase sempre ligada à ética. E, quando não, como o trabalho sobre seres vivos de Plínio, o Velho, um trabalho de cunho prático e com pouca preocupação com o rigor das informações. Os filósofos latinos são, principalmente, ecléticos, como Cícero, estóicos, como Sêneca, Marco Antônio e Epicteto e epicuristas como Lucrécio. O principal interesse romano era, pois, o Estado. Diferente do grego que vivia originalmente na polis e se preocupava com o porquê das coisas, o romano perguntava como as coisas deveriam ser organizadas (primeiro na República e depois no Império). A polis era uma só, o Estado Romano se constituía em centenas delas. A maior das polis tinha algumas centenas de milhares de habitantes, o Estado Romano, muitos milhões. Talvez este tenha sido o principal problema dos reis helenistas. Governaram milhões se preocupando principalmente com suas principais cidades. Não havia projeto político de integração popular nestes governos. O poder latino, ao se concentrar nos projetos populares, naturalmente se inclinou para a formação do cidadão integrante do Estado para que este fosse consciente de seus direitos e deveres. Daí o foco romano nas preocupações normativas e suas bases e reflexos filosóficos. Com o tempo, a educação romana passou a ser uma preocupação essencial dos governos sendo organizada a partir de Quintiliano (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1964). Na filosofia pura e nas ciências das matemáticas e da natureza, no estilo grego, eles muito pouco contribuíram durante a República. Estas ciências foram reduzidas, principalmente, à atividades práticas como o desenvolvimento de técnicas de engenharia e arquitetura. Uma importante exceção é Lucrécio. Durante o último século antes de Cristo, esse pensador desdobra parcialmente o pensamento de Epicuro no consequente mecanicismo que o atomismo se inclinava. Também o determinismo de Demócrito sofre modificação com o livre arbítrio de Lucrécio e o mesmo ocorre pela não sujeição desse às leis físicas objetivas, precisas e necessárias ao funcionamento do mundo encontradas em Epicuro. Igualmente, o mecanicismo e o materialismo dos atomistas foram quase inteiramente esquecido, A retomada de Lucrécio, durante o último século antes de Cristo, não foi o suficiente para se apresentar como alternativa a Platão e Aristóteles. Essa ideia somente foi retomada na renascença (LENOBLE, 1969). Durante os séculos III e II antes de Cristo, o mundo greco-romano viu emergir o que se convencionou chamar de ―os pitagóricos anônimos‖ (CIRNE- 43 LIMA, 2000). Foram autores que produziram textos pitagóricos apócrifos. Um desses textos toma como origem primeira das coisas a Mônada. Desta procede a Díade. De ambos são deduzidos os números. Deles vêm as dimensões geométricas. Destas são deduzidos os corpos sensíveis, cujos elementos são: fogo, água, terra e ar que se misturam resultando o cosmo animado e inteligência. Outro autor anônimo (citado por FÓCIO in CIRNE - LIMA, 2000) torna a Mônada como o Uno de onde tudo se deriva. Num segundo sentido a Mona é o Uno que se opõe ao Dois (Díade), produzindo os números. Nesse caso o Uno é a Alma do Mundo. Na segunda metade do século I antes de Cristo surge, principalmente em Alexandria e em Roma, o Neopitagorismo. Nele há a tentativa de, partindo de Pitágoras, se chegar até Platão e Aristóteles, considerando-os continuadores (ou mesmo pertencentes) à esta tradição. São eles Moderato de Gades (BAZAN, 1998; JURADO, 2003) e Nicômaco de Gerasa, de Alexandria, bem como Púbio Nigídio Fígulo e Quinto Séstio, de Roma. Para esses pensadores tudo, inclusive a Díade, é derivado da Mônada por processão. Também nessa cidade floresceu uma importante escola filosófica judaica, de 30 a.C. até 642 d.C. oriunda do encontro entre a cultura hebraica, o pensamento neoplatônico e o gnosticismo oriental. O mais eminente filósofo dessa escola foi também um dos mais importantes do início do século I d.C., Filon, o judeu, que bem antes da Patrística procurou conciliar questões da filosofia grega com temas judaicos e muito influenciou os filósofos platônicos posteriores, em especial, Plotino (GALLEGO, 2006). Da segunda metade do século I a.C. até o fim do século II d.C, aparecem pensadores platônicos que ensinaram em Alexandria, sendo eles principalmente Plutarco, Apuleto e Albino. No resumo de suas ideias o Primeiro Princípio é Deus (Suprema Inteligência) que é o Uno, depois o Intelecto e, a seguir a Alma do Mundo. A tríade de Albino é um pouco diferente sendo: Primeiro Intelecto (Deus), Segundo Intelecto, o intelecto da Alma do Mundo (o mundo das ideias) e, a Alma do Mundo, e esta anterior à multiplicidade das ideias. A matéria que constitui o mundo no entanto não é derivada da Mônada (é dela coeterna) e é ordenada pela Alma do Mundo. Há, aí, em dualismo entre a matéria sem forma e o espírito que a organiza (GALLEGO, 2006). 44 Na tentativa de sintetizar a Escola Pitagórica com o médio- platonismo, Numênio de Apaméia, na primeira metade do século II depois de Cristo, apresenta uma metafísica composta por três Deuses. O Primeiro é o Pai, o Segundo, o Criador. O Terceiro, a Criação. Assim a Díade (o Criador) não procede da Mônada (o Pai) mas é coeterna desta. O Pai porém é indivisível e portanto o Uno. O Criador porém, entra na matéria, se torna divisível e se transforma na Criação. Esta tem um movimento circular, volta ao primeiro Deus, antecipando a trindade da Patrística já que os três Deuses (Pai, Filho e Criação) são um único Deus, uno e trino (CIRNE-LIMA, 2000). Em Alexandria, no início do século III, Amônio Sacas ensina filosofia; este grande sábio identifica o cosmo formado por três planos: o das realidades supremas, o das realidades intermediárias e o das realidades ínfimas. Este monismo influência de forma decisiva o jovem Plotino, o qual era seu discípulo e que mais tarde viria a se tornar no maior filósofo do seu tempo (NASCIMENTO JÚNIOR, 2003). Para Plotino o princípio para tudo o que existe é o Uno: Deus, de quem tudo origina. Esta origem se fez através da processão. Durante as emanações, do Uno, há momentos que as emanações se fazem como que olhando para trás "lembrando-se" do Uno onde saíram. Esta parada é a conversão e, nesse momento se forma a hipóstase. A primeira hipóstase é o próprio Uno, a segunda é o Nous (inteligência) que faz com que o mundo seja inteligível. A terceira e última é a Alma, o princípio que anima a vida constituindo a essência das coisas sensíveis. Por fim, no final do processo encontra-se a matéria que não é uma hipóstase e sim o esgotamento de progressão. O homem produz a regressão e a conversão em si mesmo (GALLEGO, 2006; SILVEIRA, 2008). Embora Plotino fosse panteísta, há, em seu sistema, lugar para o politeísmo em cujo aspecto foi acentuado por Porfírio e Jâmblico. Este último ampliou o sistema de Plotino da tríplice possessão introduzindo novos tríades. O mesmo ocorreu com Proclo para quem o homem possui uma potência anímica superior à razão, o ―Uno‖. Assim, como em outros filósofos, ele atribuiu à alma um corpo material e um corpo etéreo, incorruptível (BRUGGER, 1987). Foi Proclo que enfechou o neoplatonismo, dando-lhe sua última forma sistematizada. 45 A partir do II século d. C. os pensadores cristãos assumiram o trabalho de enfrentamento e superação da filosofia grega pagã. Mergulharam então em tal filosofia para subjugá-la. Em Alexandria, Antióquia, Constantinopla, Roma e Jerusalém formaram-se Escolas com esta preocupação. Era a Patrística (discutida por LARA, 1999), cuja constituição era de dedicados servidores da Igreja, os Padres. Seus principais representantes são: Inácio de Antióquia, Clemente e Orígenes de Alexandria, João Damasceno de Bizâncio e Irineu, Tertuliano, Hilário, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, Leão I, Gregório Magno e Isidoro de Servilha, todos latinos. Agostinho, a maior figura da Patrística, segue a trilha de Plotino. Em suas Confissões ele tenta restaurar a certeza da fé através da razão durante a derradeira crise do império romano. A elaboração neoplatônica do cristianismo feita por Agostinho aprisionou a razão à fé e ofereceu aos bárbaros invasores e ao império decadente vários séculos de reflexão e discussão. Para Agostinho o Pai é o próprio Uno, o Filho é a Inteligência, que torna inteligíveis as coisas e o Espírito Santo é a Alma que dá vida aos seres. O homem, uma vez feito a imagem e semelhança de Deus, reproduz nele mesmo a trindade. A Existência (Pai), o Conhecimento (Filho) e a Vontade (Espírito Santo). Esta é livre e permite a capacidade criadora do homem. O pecado porém submete a alma ao corpo e a vontade humana é importante para salvá-la. Esta salvação é conseguida apenas através da iluminação pela graça divina. Dessa forma, Agostinho apresenta como solução para a compree