347 Razão de prevalências: alcoolismo nas diferentes regiões geográficas do Brasil segundo o sexo Campos, J.A.D.B.1*, Loffredo, L.C.M.1, Almeida, J.C.2 1Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, UNESP, Araraquara, SP, Brasil. 2Departamento de Alimentos e Nutrição, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista, UNESP, Araraquara, SP, Brasil. Recebido 14/12/2007 / Aceito 27/03/2008 *Autor Correspondente: - Juliana Alvares Duarte Bonini Campos - De- partamento de Odontologia Social - Faculdade de Odontologia de Araraquara - Rua Humaitá, 1680 - Centro - CEP: 14801-903 - Araraquara - SP - Telefone: (16) 3301-6358 - e-mail: jucampos@foar.unesp.br RESUMO O presente estudo apresenta uma metodologia de análi- se de prevalência, utilizando dados obtidos em dois le- vantamentos domiciliares com representatividade naci- onal, sobre "uso na vida de álcool" e "dependência", segundo o sexo. Foi calculada a razão de prevalências (R), com seu respectivo intervalo de 95% de confiança, para as taxas de "uso na vida de álcool" e de "depen- dência" para os diferentes sexos, nas diferentes macro regiões brasileiras. Os resultados obtidos mostraram que "o uso na vida de álcool", em 2001 e em 2005, foi maior entre os brasileiros do sexo masculino com diferença sig- nificativa em todas as localizações geográficas. Em 2001, a população da região Norte mostrou taxa de prevalência do consumo de álcool entre homens e mulheres acima do apresentado pelo Brasil como um todo e pela região Su- deste em particular. A dependência do consumo de be- bidas alcoólicas em 2001 e em 2005 foi maior entre o sexo masculino e similar nas diferentes regiões estudadas. Pode-se concluir que a metodologia de análise aplicada aos dados sobre o alcoolismo pode ser de grande utilida- de para conhecer sua magnitude e importância do ponto de vista da saúde pública. Palavras-chave: prevalência; métodos estatísticos; saúde pú- blica; alcoolismo. Historicamente a prevalência de alcoolismo entre as mulheres é menor do que entre os homens. No entanto, devido às mudanças no status e na participação da mulher na sociedade, há um aumento cada vez maior na prevalência de mulheres com consumo abusivo e dependência de álcool (Laranjeira & Pinsky, 2001). Segundo Holdcraft & Iacono (2002) e Diehl et al. (2007) o sexo feminino é mais vulnerável ao consumo crô- nico do álcool e mostra uma progressão mais rápida no de- senvolvimento do alcoolismo em relação ao sexo masculino. De acordo com Holmila & Raitasalo (2005) os da- dos existentes mostram que as diferenças psicológicas, so- ciais e de consumo de álcool, entre os sexos, continuam a ser consideráveis e estão presentes em todas as culturas es- tudadas. Mulheres e homens parecerem ter necessidades, razões e motivações diferentes para o consumo de bebidas alcoólicas, entretanto, a diferença entre a prevalência do con- sumo de álcool entre os diferentes sexos vem se estreitando em muitos países. A maior parte das explicações para este fenômeno se refere a mudanças no estilo de vida das mulhe- res, destacando-se a tensão causada pelo seu papel dual e o efeito de contágio que acontece entre homens e mulheres trabalhando juntos. Esta condição gera preocupação, uma vez que, me- tabolicamente, as mulheres absorvem maiores quantidades de álcool, em comparação com os homens por possuírem maior proporção de gordura corporal, o que faz com que o álcool atinja maiores concentrações no sangue (Laranjeira & Pinsky, 2001). Cabe ressaltar que, apesar do comportamento de consumir bebidas alcoólicas tender a se igualar, o esvazia- mento gástrico do álcool é 43% mais lento nas mulheres em relação aos homens, podendo levar a um efeito hepatotóxico maior (Baraona et al., 2001). O I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil realizado em 2001 (Carlini et al., 2002) e o II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil realizado em 2005 (Galduróz et al., 2007) apontam que o consumo de álcool pela população subiu de 68,7% em 2001 para 74,6% em 2005, atingindo em 2001, 77,3 % no sexo masculino e 60,6% no sexo feminino; em 2005 83,5% do sexo masculino e 68,3% do sexo feminino. Já a dependência da população por bebidas alcoólicas subiu de 11,2% em 2001 para 12,3% em 2005, sendo de 17,1% em 2001 e 19,5% em 2005 para o sexo masculino e de 5,7% em 2001 e 6,9% em 2005 para o sexo feminino. Estes dados Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada Journal of Basic and Applied Pharmaceutical Sciences Rev. Ciênc. Farm. Básica Apl., v. 28, n.3, p. 347 - 350, 2007 ISSN 1808-4532 348 apresentam alteração de acordo com a região geográfica do país. Sabendo-se da importância de estimativas de prevalência para diagnóstico em saúde pública e da magnitu- de e transcendência do alcoolismo no Brasil, realizou-se este estudo utilizando dados coletados dos estudos realizados por Carlini et al. (2002) e Galduróz et al. (2007) com o objetivo de se determinar a tendência do hábito de consumo de álcool entre homens e mulheres nas diferentes regiões geográficas. Como referido anteriormente, para este estudo utili- zaram-se as estimativas de prevalência de "uso na vida de álcool" e "dependência", segundo o sexo, encontradas nos le- vantamentos domiciliares sobre o uso de drogas psicotrópi- cas no Brasil conduzidos por Carlini et al. (2002) e Galduróz et al. (2007) para o Brasil e suas macro regiões (Tabela 1). A população-alvo destes estudos foi composta por indivíduos de 12 a 65 anos de idade, residentes em cidades brasileiras com mais de duzentos mil habitantes. A partir destes dados foi calculada a razão de prevalências (R) (Alan Dever, 1988) para as taxas de "uso na vida de álcool" e de "dependência" para os diferentes sexos, nas diferentes macro regiões brasileiras, como apresentado a seguir: 1 2 r r R (1) Tabela 1 - Prevalência (%) do "uso na vida de álcool" e de "dependência" segundo o sexo e localização geográfica encontrada por Carlini et al. (2002) e Galduróz et al. (2007). “uso na vida de álcool” (%) “Dependência” (%) 2001* 2005** 2001* 2005** Localização geográfica Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Norte (N) 60,6 77,3 68,3 83,5 5,7 17,1 6,9 19,5 Nordeste (NE) 38,9 68,3 44,1 68,4 6,6 26,7 4,6 14,8 Centro-Oeste (CO) 59,6 78,4 59,7 77,2 8,8 26,1 6,9 23 Sudeste (SE) 50,0 71,5 63,2 88,7 5,7 15,2 5,2 23,1 Sul (S) 64,5 78,8 75,2 87,3 4,7 13,8 7,8 18,9 Brasil 62,5 77,0 68,3 81,7 4,9 14,4 4,6 14,9 Fonte: * Carlini, E. et al. I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país - 2001 - São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina; 2002. **Galduróz, J.C.F. et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: CEBRID/SENAD; 2007. sendo: R = razão de prevalência de "uso na vida de álcool" ou "de- pendência" r 1 = prevalência de "uso na vida de álcool" ou "dependên- cia" para o sexo feminino r 2 = prevalência de "uso na vida de álcool" ou "dependên- cia" para o sexo masculino O intervalo de 95% de confiança para a razão de prevalências (R) é definido como: 21 11 96,1 ee RR (2) sendo: R: razão de prevalências e 1 : número de eventos no sexo feminino e 2 : número de eventos no sexo masculino A estrutura do intervalo de confiança permite de- cidir sobre a significância (ou não) da razão de prevalência, se não incluir (ou incluir) o número 1, respectivamente (Alan Dever, 1988). Os dados estão expressos nas Tabelas e Figuras apresentados a seguir. A estimativa do "uso na vida de álcool" por inter- valo de confiança da razão de prevalências (R) segundo o sexo, para as diferentes localizações geográficas, no ano de 2001, está apresentada na Figura 1. Nota-se que "o uso na vida de álcool", em 2001, foi ligeiramente maior entre indivíduos do sexo masculino com diferença estatística significante em todas as localizações geográficas. A região Norte foi a que apresentou taxa de prevalência entre os sexos apontando padrão de consumo de álcool pelos homens acima do apresentado pelo Brasil como um todo e pela região Sudeste em particular. A Figura 2 apresenta as estimativas por intervalo de confiança da razão de prevalências (R) segundo o sexo, da "dependência" de álcool, para as diferentes localizações geográficas, no ano de 2001. Razão de prevalência do alcoolismo 349 "Uso na vida de álcool" - 2001 0.00 0.50 1.00 1.50 2.00 2.50 Brasil N NE CO SE S Regiões IC 95% LS R LI Figura 1. Estimativa do "uso na vida de álcool" por interva- lo de confiança da razão de prevalências (R) (LS: limite su- perior do intervalo de confiança; LI: limite inferior do inter- valo de confiança) segundo o sexo, para as diferentes locali- zações geográficas, em 2001 (Carlini et al., 2002). Dependência - 2001 0.00 1.00 2.00 3.00 4.00 5.00 6.00 7.00 Brasil N NE CO SE S Regiões IC 95% LS R LI Figura 2. Estimativa da "dependência" de álcool por inter- valo de confiança da razão de prevalências (R) (LS: limite superior do intervalo de confiança; LI: limite inferior do in- tervalo de confiança) segundo o sexo, para as diferentes lo- calizações geográficas, em de 2001 (Carlini et al., 2002). A dependência de álcool observada neste ano foi mai- or entre os indivíduos do sexo masculino, porém, similar nas diferentes regiões estudadas. A estimativa por intervalo de confiança da razão de prevalências (R) segundo sexo, do "uso na vida de álcool", para as diferentes localizações geográficas, no ano de 2005, está apresentada na Figura 3. Neste ano, o "uso na vida de álcool" foi significativamente entre indivíduos do sexo mas- culino enquanto o padrão de consumo de álcool foi seme- lhante, estatisticamente, em todas as regiões analisadas. Na Figura 4 apresentam-se as estimativas, por inter- valo de confiança, da razão de prevalências (R) da "depen- dência" de álcool segundo o sexo, para as diferentes localiza- ções geográficas, no ano de 2005. Neste ano, observou-se de- pendência do consumo de bebidas alcoólicas significativamen- te maior em indivíduos do sexo masculino. Entre as regiões geográficas, a diferença foi não-significativa. O alcoolismo é um importante problema de saúde pública que tem sido amplamente estudado, entretanto, con- forme já destacado por Moos et al. (2006), poucos trabalhos enfatizam as diferenças entre as prevalências do consumo de bebidas alcoólicas entre os sexos. Esta abordagem é de suma importância uma vez que, devido a alterações no estilo de vida, a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre as mulheres vem aumentando e a literatura (Baraona et al., 2001; Hommer et al., 2001; Diehl et al., 2007) relatou dife- renças consideráveis no metabolismo do álcool neste estrato com maiores danos à saúde. No Brasil, o consumo de bebidas alcoólicas segun- do o sexo foi investigado em estudos pontuais como o de Almeida & Coutinho (1993); Lima et al. (2003); Primo & Stein (2004); Almeida-Filho et al. (2004) que verificaram haver um maior consumo de bebidas alcoólicas e dependên- cia entre os indivíduos do sexo masculino. Do mesmo modo, observando-se os levantamentos de Carlini et al. (2002) e Galduróz et al. (2007), com representatividade "Uso na vida de álcool" - 2005 0.00 0.50 1.00 1.50 2.00 2.50 Brasil N NE CO SE S Regiões IC 95% LS R LI Figura 3. Estimativa do "uso na vida de álcool" por interva- lo de confiança da razão de prevalências (R) (LS: limite su- perior do intervalo de confiança; LI: limite inferior do inter- valo de confiança) segundo o sexo, para as diferentes locali- zações geográficas, em 2005 (Galduróz et al., 2007). Dependência - 2005 0.00 1.00 2.00 3.00 4.00 5.00 6.00 7.00 Brasil N NE CO SE S Regiões IC 95% LS R LI Figura 4. Estimativa da "dependência" de álcool por inter- valo de confiança da razão de prevalências (R) (LS: limite superior do intervalo de confiança; LI: limite inferior do in- tervalo de confiança) segundo o sexo, para as diferentes lo- calizações geográficas, em 2005 (Galduróz et al., 2007). Razão de prevalência do alcoolismo 350 nacional, verifica-se maior prevalência de "uso na vida de álcool" e de "dependência" entre os indivíduos do sexo masculi- no entretanto, para determinar se existe uma diferença significa- tiva entre os coeficientes dos diferentes sexos, foi proposto neste trabalho, a utilização do intervalo de confiança da razão entre os coeficientes como proposto por Alan Dever (1988). Com base nos resultados apresentados (Figuras 1 a 4) observa-se uma maior prevalência de "uso na vida de álco- ol" e de "dependência" em indivíduos no sexo masculino, com diferença estatística significante (R>1), tanto no ano de 2001 quanto em 2005. Quanto às diferentes regiões geográficas do Brasil, a partir da construção dos intervalos de confiança da razão de prevalências por sexo, observa-se que em 2001, a população da região Norte foi a que apresentou padrão de consumo de álcool superior ao apre- sentado pela população do Brasil em geral e pela região Sudeste em particular apontando para a necessidade de investigação das possíveis causas para esta ocorrência. Em 2005, observou-se dife- rença estatística não-significativa para o consumo de álcool entre os sexos nas diferentes regiões geográficas do país. Pode-se concluir que a metodologia de análise aplicada aos dados sobre o alcoolismo é uma ferramenta de fácil utiliza- ção que pode ser de grande utilidade para conhecer a magnitude e importância de estimativas de prevalência do ponto de vista da saúde pública. ABSTRACT Use of prevalence ratio to analyze alcoholism among men and women in the various geographic regions of Brazil The present study applies a method of prevalence analysis to data obtained in two nationwide household surveys on "alcohol use during life" and "dependence", for each of the sexes. The ratios of prevalences (R), for the "lifetime alcohol use" and "dependence" rates, between the two genders in the various Brazilian macro-regions, were calculated together with their respective 95% confidence intervals. It was found that "lifetime use", both in 2001 and in 2005, was significantly greater in Brazilian males in all geographical regions. In 2001, the population of the North (male and female) had a higher rate of alcohol consumption than that in the Brazilian population as a whole and that in the Southeast. Dependence on the consumption of alcoholic drinks in 2001 and in 2005 was greater in the male sex, but similar among the various regions studied. It can be concluded that this method of analyzing the data on alcoholism could be of great use in assessing its magnitude and importance in terms of public health. Keywords: prevalence; statistical methods; public health; alcoholism. REFERÊNCIAS Alan Dever GE. A epidemiologia na administração dos servi- ços de saúde. São Paulo: Livraria Pioneira e Editora; 1988. Almeida LM, Coutinho ESF. Prevalência de consumo de bebi- das alcoólicas e de alcoolismo em uma região metropolitana do Brasil. Rev Saúde Pública.1993; 27:23-9. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, James SA. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004; 38:45-54. Baraona E, Abittan CS, Dohmen K, Moretti M, Pozzato G, Chayes ZW, Schaefer C, Liebe CS. Gender differences in pharmacokinetics of alcohol. Alcohol Clin Exp Res. 2001; 25:502-7. Carlini E, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS. 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