unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA CINTHIA LETICIA DE CARVALHO ROVERSI GENOVEZ A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO BAURU VISTA SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO UNESP BAURU 2006 CINTHIA LETICIA DE CARVALHO ROVERSI GENOVEZ A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO BAURU VISTA SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação para a Ciência, Área de Concentração em Ensino de Ciências, Faculdade de Ciências, da UNESP – Campus de Bauru, como requisito à obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências. Orientador: Prof. Dr. José Misael Ferreira do Vale UNESP BAURU 2006 DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO UNESP – BAURU Genovez, Cinthia Letícia de Carvalho Roversi. A poluição das águas do Rio Bauru vista sob a perspectiva da pedagogia histórico-crítica / Cinthia Letícia de Carvalho Roversi, 2006. 130 f. Orientador: José Misael Ferreira do Vale. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2006. 1. Educação ambiental. 2. Água – P l i ã Ri B (SP) 3 P d i Ficha catalográfica elaborada por Diva de Oliveira Campos – CRB 1902 CINTHIA LETICIA DE CARVALHO ROVERSI GENOVEZ A POLUIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO BAURU VISTA SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Área de Concentração em Ensino de Ciências, Faculdade de Ciências, da UNESP – Campus de Bauru. Bauru, 27 de março de 2006. Presidente: Prof. Dr. José Misael Ferreira do Vale Instituição: UNESP/Bauru Titular: Profa. Dra. Neusa Maria Marques de Sousa Instituição: UFMS Titular: Profa. Dra. Jandira Líria Biscalquini Talamoni Instituição: UNESP/Bauru DEDICATÓRIA ������� ������� ����� ��� ��������� ��� ������������� ������� ����� ��� ��������� ��� ������������� ������� ����� ��� ��������� ��� ������������� ������� ����� ��� ��������� ��� ���������� AGRADECIMENTOS A Deus onipotente, onipresente, nosso amado pai criador e protetor. Ao Poderoso nome de Jesus, nosso mestre e protetor celestial. A todos os membros da Seicho-No-Iê e seu fundador Masaharu Taniguchi. Aos Antepassados, pois graças a eles estamos aqui. A Papai João de Carvalho e Mamãe Natália de Carvalho pelo amor sem limites, exemplo, dedicação, honestidade, caráter, princípios. Pessoas muito fortes. Aos Irmãos Cristiane de Carvalho e João Paulo de Carvalho pela companhia, admiração e por uma vida inteira de amizade profunda e leal. Ao meu filhinho cachorro Nino e irmãozinho cachorro Fred pelo amor e alegria. Ao meu maravilhoso marido Luiz Gonzaga Roversi Genovez pela enorme paciência e dedicação. Aos queridos alunos do 3o A. À Ana Lúcia Grijo Crivellari e Andressa Ferraz Castro, que sempre me atenderam com muito carinho. À Professora Janda Líria Biscalquini Talamoni, exemplo a ser seguido. À Professora Neusa Maria Marques de Sousa, pelo valioso auxílio. Aos Professores Washington Luiz Pacheco de Carvalho e Lizete Maria Orquiza de Carvalho, por terem acompanhado gentilmente essa trajetória. Às Professoras Edenise Tavares do Amaral Franco e Solange Missako Furuya Rezende por terem permitido a realização das Aulas de Campo. Ao Professor João Luiz Gasparin, pela generosidade em contribuir com importantes sugestões. À Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo. RESUMO A crise ambiental que o planeta enfrenta tem sido motivo de grande preocupação por parte de muitos países. No modelo civilizatório atual predomina o desperdício e o consumo desenfreado. Dessa forma, a Educação Ambiental, na perspectiva sócio-ambiental passa a ser um instrumento de conscientização no propósito de formar cidadãos comprometidos com a mudança de valores, atitudes e comportamentos. Um dos muitos problemas ambientais é a questão da poluição das águas. Compreender a poluição das águas é de fundamental importância, já que a preservação de sua qualidade consiste em preservar a própria vida. Portanto, a partir destes questionamentos buscou-se, nesta pesquisa, trabalhar uma nova proposta para o trabalho pedagógico: a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), a fim de responder a questões do tipo: É possível trabalhar em sala de aula o tema da poluição das águas, tendo como referência a Pedagogia Histórico-Crítica como metodologia de ensino? Quais os resultados de sua aplicação? Para responder a essas e outras questões constituídas no caminho da investigação, trabalhou-se, durante um semestre letivo, nas aulas da disciplina Biologia, em uma turma da terceira série de Ensino Médio de uma Escola Pública Estadual do Município de Bauru – SP. Os instrumentos utilizados com o propósito de alcançar os objetivos da pesquisa foram a Observação, o Diário de Aprendizagem, Relatórios das Aulas de Campo e Comentários de Textos. Para a análise dos dados foram utilizados os cinco momentos previstos na própria PHC, teoria pedagógica de Dermeval Saviani, divulgada no Brasil nos anos iniciais da década de 1980 e “traduzida” didaticamente por João Luiz Gasparin, em 2002. A análise dos dados demonstra que a PHC foi um referencial metodológico que conseguiu articular de forma satisfatória o tema abordado. Palavras-chave: Educação Ambiental, Poluição das Águas, Pedagogia Histórico- Crítica. ABSTRACT The ambient crisis that the planet faces has been reason of great concern for many countries. In the current civilization model it predominates wastefulness and the wild consumption. Of this form, the Environmental Education, in the partner- ambient perspective starts to be an instrument of awareness in the intention to form citizens compromised to the change of values, attitudes and behaviors. One of the many ambient problems is the question of the water pollution. To understand the pollution of waters is of basic importance, since the preservation of its quality consists of preserving the proper life. Therefore, to leave of these questionings one searched, in this research, to work new a proposal for the pedagogical work: the Description-Critical Pedagogy (PHC); in order to answer the questions: Is possible to work in classroom the subject of the pollution of waters having as reference the Description-Critical Pedagogy as education methodology? Which the results of its application? To answer to these and other questions consisting in the way of the inquiry, one worked, during a period of learning semester, in the lessons of disciplines Biology, in a group of the Third Series of Average Education of a State Public School of the City of Bauru - SP. The instruments used in order to reach the objectives of the research had been the Comment, the Daily one of Learning, Reports of the Lessons of Field and Commentaries of Texts. For the analysis of the data the five moments foreseen in the proper PHC had been used, Dermeval Saviani’s pedagogical theory, divulged in Brazil in the initial years of the decade of 1980 and "translated" for João Luiz Gasparin in 2002. The analysis of the data demonstrates that the PHC was a method reference that obtained to articulate of satisfactory form the boarded subject. Keywords: Environmental Education, the Water Pollution, Description-Critical Pedagogy. SUMÁRIO Resumo .................................................................................................................i Abstract .................................................................................................................ii INTRODUÇÃO.......................................................................................................01 CAPÍTULO I A PHC E A QUESTÃO DA POLUIÇÃO DAS ÁGUAS......................................... 08 CAPÍTULO II A PESQUISA.........................................................................................................23 CAPÍTULO III INTERPRETAÇÃO DOS MOMENTOS DA PHC...................................................49 CAPÍTULO IV CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................121 REFERÊNCIAS....................................................................................................127 APÊNDICES ANEXOS INTRODUÇÃO Introdução Professora Pesquisadora Fazer um trabalho de pesquisa em ensino, tendo a própria atividade docente como objeto de pesquisa, requer rigorosidade metódica para que se busque um certo grau de qualidade. Dessa forma, se faz necessário esclarecer, ainda no início desta dissertação, a delicada situação da pesquisadora enquanto professora. O desafio de pesquisar a própria ação pedagógica, se auto-avaliar, colocar em prática a teoria que acredita e ainda divulgá-la torna o trabalho muito mais árduo e até penoso, pela enorme responsabilidade. A pesquisa também poderia ser feita com outro professor ou professora na ação pedagógica. Entretanto, se a pesquisadora em questão é também professora, por que esta possibilidade deveria ser descartada? Portanto, apesar de ter sido difícil dissociar a professora da pesquisadora em algumas situações, nesta dissertação teremos uma análise do trabalho realizado pela professora, orientado pela Pedagogia Histórico-Crítica. Pelos motivos expostos acima será utilizada a expressão “professora- pesquisadora”. Licenciada em Biologia, formou-se num curso noturno de uma Faculdade particular de Ribeirão Preto-SP. Aprendeu que para ser uma boa profissional teria que saber muito bem o conteúdo, separar a lousa em partes iguais e não escrever ‘torto’. Não fez trabalho de iniciação científica, portanto, não teve a mínima noção de pesquisa na graduação. Após alguns anos de trabalho em várias escolas públicas estaduais, a questão da Educação Ambiental (EA) começou a despertar sua atenção, mais especificamente quando foi publicado em 2002, no jornal Folha de São Paulo, o encontro em Johanesburgo, África do Sul, também chamado Rio + 10. A reportagem teve grande destaque e o que mais a impressionou foi o fato de que após 10 anos, desde a Rio 92, pouco ou quase nada fora feito pelos países para melhorar o meio ambiente. Esta constatação demonstrou a enorme dificuldade de se preservar a natureza (ou agredi-la o menos possível), sem abrir mão do desenvolvimento econômico. Como percebeu que a questão política era forte, resolveu levar a reportagem para trabalhar em salas de aula no Ensino Médio. Ao conversar com os alunos sobre os problemas ambientais, a professora e os estudantes perceberam que esses não ocorrem apenas nas grandes metrópoles, mas podem ocorrer em qualquer região. Foi aí que os jovens alunos começaram a falar que depois que o atual1 prefeito assumiu seu cargo, a “prainha” começou a ficar muito poluída. Fato que os impedia de nadar no rio (Tietê) que até há pouco tempo era utilizado como local de lazer por eles e pelos turistas de cidades vizinhas. Esta discussão ocorreu em todas as classes onde o tema foi abordado. Alguns alunos moravam perto da “praia” e diziam ser insuportável o cheiro de esgoto. Então, juntos resolveram fazer uma atividade que incentivasse a população a cobrar do prefeito uma solução para o problema do tratamento do esgoto. 1 A professora morava e lecionava na cidade de Iacanga – SP no ano de 2002. Uma das sugestões foi solicitar a ajuda da emissora de rádio da própria cidade, muito ouvida por seus moradores. A surpresa foi constatar que os locutores já haviam abordado esta questão há algum tempo e não haviam obtido resultado efetivo. Mas concordaram em ajudá-los. Marcaram uma entrevista com a professora e duas alunas (não cabiam mais alunos na cabine da rádio). No dia marcado, os alto-falantes do pátio da escola estavam ligados e sintonizados com a emissora. Assim, todos os alunos puderam ouvir a entrevista, que tinha como objetivo sensibilizar e mobilizar a população. Também, lembrá-los que há pouco tempo eles desfrutavam de um ambiente do qual agora não podiam desfrutar mais e que tratar o esgoto era uma questão de melhorar a vida dos moradores e recuperar o turismo e a economia local. Algumas reuniões foram feitas com a comunidade para tratar deste assunto (reuniões anteriores já haviam ocorrido), mas a professora não participou. A política na cidade era tratada de maneira intensa e a professora ficou receosa em se envolver. Esta questão foi discutida em sala de aula, mas outros conteúdos foram retomados. No ano seguinte a professora conseguiu voltar para a sua cidade e não teve mais contato com a comunidade em questão. Com esta experiência pôde-se perceber que houve uma busca por mudanças efetivas na sala de aula e na sociedade. O ponto de partida foi a realidade social, em âmbito mundial, que se voltou para a realidade local. Pôde-se observar também que discutir qualquer tema de educação ambiental implica em discutir a política social, pois, segundo Waldman (2002) “É impossível discutir ‘com neutralidade’ o meio ambiente” (p. 7). Desta maneira, a preocupação da maioria dos educadores é a de formar cidadãs e cidadãos que não só saibam “ler” melhor o mundo onde estão inseridos, como também, e principalmente, sejam capazes de transformar este mundo para melhor (CHASSOT, 1995). Mas, para despertar a cidadania dos discentes, o conteúdo deve partir de problemas existentes em sua vivência diária2, transformando-os em conhecimento, capaz de gerar, além da reflexão, uma ação política organizada (CURY, 2000). Portanto, a partir destes questionamentos buscou-se, nesta pesquisa, trabalhar uma nova proposta para o trabalho pedagógico: a Pedagogia Histórico- Crítica (PHC); a fim de responder a questões do tipo: Como trabalhar em sala de aula o tema da poluição das águas tendo a Pedagogia Histórico-Crítica como metodologia de ensino? Quais os efeitos de sua aplicação? Para responder a estas questões aplicou-se, em um semestre letivo, nas aulas de Biologia de uma terceira série de Ensino Médio (Escola Pública Estadual de Bauru – SP), o conteúdo referente à poluição das águas, orientada pela Pedagogia Histórico-Crítica. Os dados da pesquisa foram obtidos a partir de um Diário de Aprendizagem (GENOVEZ, 2005) escrito pelos alunos, assim como produções e comentários de textos, filmagem de uma apresentação em slides e posterior comentário sobre o vídeo, relatórios das aulas de campo e de todas as atividades realizadas. A professora-pesquisadora escreveu suas observações em um diário de campo. Por meio desses dados, verificou-se um grande envolvimento dos 2 Nem sempre é possível, pois o conteúdo já vem pronto no currículo. Por isso, o desafio do professor é problematizar o conteúdo curricular para que se torne um instrumento de conhecimento e de cidadania. jovens, apesar da PHC ser diretiva. Eles puderam opinar sobre algumas atividades, formas de estudo e outros instrumentos de apropriação dos conteúdos referentes ao tema. Verificou-se uma certa dificuldade da professora por ter que estudar os conteúdos de forma abrangente e contextualizada, e um enorme desafio pela inexperiência na condução dos momentos ao aplicar a referida pedagogia. No entanto, para os alunos o trabalho foi muito mais atrativo, interessante e estimulador. Desta forma, o modo como a professora conduziu as atividades, assim como as produções escritas dos (trinta e oito) alunos que participaram da pesquisa permitiram uma análise de como a PHC foi aplicada, sua viabilidade no ensino público e os efeitos obtidos na aprendizagem dos alunos em cada momento do método proposto por esta teoria: prática social inicial, problematização, instrumentalização, catarse (incorporação) e prática social final. Os referenciais teórico-metodológicos adotados, os resultados obtidos e as possíveis implicações para o estudo da Pedagogia Histórico-Crítica são apresentados nos capítulos subseqüentes. O capítulo I está estruturado de maneira a fornecer um maior esclarecimento sobre a formulação da PHC por Dermeval Saviani e como a pesquisa articulou esta pedagogia com a Educação Ambiental (EA), em especial a questão da poluição das águas. A apresentação da metodologia de pesquisa, dos sujeitos, da descrição dos instrumentos de constituição dos dados e da fundamentação teórica de análise dos dados estão descritos no capítulo II. O capítulo III trata da análise dos resultados das aulas trabalhadas durante o semestre (elaborações escritas pelos alunos). Conclusões e possíveis implicações dos resultados obtidos fazem parte do capítulo IV. Nos Apêndices estão presentes os enunciados dos capítulos estudados pelos alunos do livro paradidático Água: origem, uso e preservação, de Samuel Murgel Branco, os textos trabalhados e os roteiros das aulas de campo. Nos Anexos encontra-se a maioria das anotações registradas pelos alunos nos Diários de Aprendizagem. São apresentados, também, os comentários e relatórios de todas as atividades realizadas, na íntegra. CAPÍTULO I A PHC E A QUESTÃO DA POLUIÇÃO DAS ÁGUAS A verdadeira cidadania surge a partir de questionamentos sobre a realidade em que vivemos. Dessa forma, a educação para a cidadania solicita que questões sociais sejam identificadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos. Manacorda (1986) explica que para que a cultura seja transmitida aos seres humanos, não basta que estes aprendam apenas a ler, escrever e fazer contas. É preciso que a cultura passe [...] exatamente pelo conhecimento teórico-prático, conhecimento e uso dos novos instrumentos de produção e de comunicação entre os homens [...] É preciso dar instrumentação, sim, mas como instrumento concreto de conhecimento, de capacidade operativa, produtiva, e de capacidade cognoscitiva (p. 60). Vale (1994) acrescenta que [...] a educação popular passa a ser um instrumento de conscientização e de libertação. Não basta apenas alfabetizar, será preciso ir além e fazer a leitura da realidade social, política, econômica e cultural do país (p. 39). A fim de abordar os pressupostos educacionais levantados anteriormente pelos autores citados, esta pesquisa tem como temática a Educação Ambiental (EA), com enfoque no problema social da poluição das águas, na cidade de Bauru – SP. Tratar da questão ambiental significa abranger a complexidade de intervenções na esfera pública, pois afeta todos os setores, como educação, saúde, saneamento, transportes, obras, alimentação, agricultura, energia, etc. É por isso que [...] a Educação Ambiental está longe de ser uma atividade tranqüilamente aceita e desenvolvida, porque ela implica mobilizações por melhorias profundas do ambiente, e nada inócuas. Ao contrário, quando bem realizada, a Educação Ambiental leva a mudanças de comportamento pessoal e a atitudes e valores de cidadania que podem ter importantes conseqüências sociais. (BRASIL, 1998, p. 182) Para trabalharmos a questão ambiental, precisamos compreender o termo Meio Ambiente, já que este é o objeto de estudo da EA. Temos um conceito mais popular de que o meio ambiente é apenas a natureza; ou seja, a vegetação nativa, a fauna. Este conceito considera o espaço natural longe das ações humanas, produzidas pelas populações. Sobre a natureza, Gonçalves (2005) esclarece com propriedade que na visão tradicional de nossa sociedade3 ela é apenas [...] um objeto a ser dominado por um sujeito, o homem, muito embora saibamos que nem todos os homens são proprietários da natureza. Assim, são alguns poucos homens que dela verdadeiramente se apropriam. A grande maioria dos outros homens não passa, ela também, de objeto que pode até ser descartado (p. 26). Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Temas Transversais) o termo “meio ambiente” tem sido utilizado para indicar um “espaço” em que um ser vive e se desenvolve, interagindo e trocando energia com ele, transformando-o e sendo transformado. No caso da humanidade, soma-se o “espaço” sociocultural aos 3 Esta visão tradicional da natureza-objeto já começa a dar sinais de um processo de mudanças lentas, mas importantes. espaços físico e biológico. Com o passar da história, ao interagir com os elementos do seu ambiente, o ser humano provoca modificações que transforma o meio em que vive (BRASIL, 1998). Portanto, sabemos que o [...] ser humano, desde os tempos mais remotos, sempre se relacionou com seu meio natural. Para alguns povos, essa relação foi, e continua sendo, de muito respeito; para outros – que se dizem mais progressistas e evoluídos –, esse respeito foi substituído por um “aproveitamento” irracional dos recursos naturais. Essa dimensão de apropriação e saque dos recursos naturais deu origem à atual crise ambiental, cuja magnitude é de enormes proporções e de conseqüências imprevisíveis (GUTIÉRREZ e PRADO, 2002, p.32). Dessa forma, a importância de incluir o Meio Ambiente nos currículos escolares, como tema transversal, vem como um reconhecimento da existência de uma crise ambiental causada pelo próprio modelo civilizatório atual. Neste sentido, aponta para a necessidade da busca de novos valores e atitudes no relacionamento com o meio em que vivemos. A procura global dos recursos naturais se origina de uma formação econômica cuja base é a produção e o consumo em larga escala que produzem, por sua vez, impactos ambientais que atingem, na maioria das vezes, as populações menos favorecidas econômica, social e politicamente. E são essas relações político-econômicas que permitem a continuidade dessa formação econômica, social e educacional. Portanto, a fome, a miséria, a injustiça social, a violência e a baixa qualidade de vida de grande parte da população brasileira são fatores fortemente relacionados ao modelo de desenvolvimento e suas implicações (BRASIL, op.cit.). Segundo Guimarães (1992, apud Rampazzo, 1999), o final do século XX se caracterizou por um desenvolvimento insustentável do ponto de vista ambiental, social e político. Para Rampazzo (1999) a exploração ecológica está ligada a um crescente avanço econômico, científico e tecnológico. Esta realidade pode ser compreendida quando nos damos conta de que a natureza foi considerada infinita por muito tempo e que “carece de valor de mercado porque não é produto do trabalho humano” (GÓMEZ, 1999, P. 103). Vargas (1999, p. 231) afirma que [...] as conseqüências ambientais do padrão atual de desenvolvimento são determinadas pela forma como os seres humanos utilizam os recursos do planeta e são, por isso mesmo, como que predeterminadas pelo padrão de relações entre os próprios seres humanos. Diante disso, é preciso refletir globalmente sobre os valores impregnados pela economia capitalista e despertar para o perigo do consumismo desenfreado, sustentado por nossas emoções ansiosas em consumir o que a mídia nos apresenta. Isto significa que nossas emoções não estão protegidas dos modelos e estereótipos despejados em nossas cabeças todos os dias. O padrão de beleza e “status” são praticamente inatingíveis para a grande maioria da população, que se sente insegura. E possuir o carro do último modelo, ou comprar aquele produto que promete resolver todos os problemas é que alimenta o capitalismo, o consumismo sem reflexão. Estas artimanhas parecem inofensivas, entretanto, funcionam perfeitamente. Então, a tarefa que se apresenta é a de proteger a emoção através da educação da razão. É preciso repensar a organização econômica em que estamos inseridos e o custo ambiental que se “paga” pelo uso dos recursos naturais. Rampazzo (1999) afirma que a maioria dos países mais pobres busca atingir um melhor desenvolvimento econômico às custas de uma enorme deterioração ambiental que acarreta a má qualidade de vida de suas populações, agravando a pobreza e a desigualdade social. Assim, “a administração do meio ambiente e a manutenção do desenvolvimento ergue-se como o grande desafio” deste milênio (p. 171). Entretanto, é preciso esclarecer que os países pobres não são os únicos responsáveis, pois estão “sob as rédeas”dos países ricos, que já não têm mais recursos a explorar. Buscar uma solução harmônica e equilibrada para os problemas sociais, ambientais e econômicos deve ser a tarefa mais difícil da sociedade atual. Exigirá comprometimento a longo prazo, estudo (pesquisas) e uma grande flexibilidade. A preocupação humana com a degradação ambiental teve início na década de 1960. Em 1972 tivemos a Primeira Conferência Mundial do Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (Suécia). Em 1975 ocorreu o Seminário Internacional sobre Educação Ambiental em Belgrado (Iugoslávia), tendo a Carta de Belgrado como documento que “define a estrutura e os princípios básicos da educação ambiental” (TOZONI-REIS, 2004, p. 4). Já em 1977 houve a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental em Tbilisi (Geórgia – URSS). A Conferência de Moscou ocorreu em 1987, e também discutiu a educação ambiental. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio – 92) produziu a Agenda 21. Este documento entende que o ensino deva estar voltado para o desenvolvimento sustentável, estimulando o desenvolvimento de métodos de ensino, além de valorizar a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos). O desenvolvimento sustentável, proposto nesta conferência não é uma proposta de fácil aceitação nas relações mundiais, pois a “preocupação com a desigualdade social foi o destaque político do evento” (TOZONI-REIS, 2004, p. 7-8). Neste sentido, é possível afirmar que [...] a garantia efetiva da sustentabilidade exige uma profunda transformação da sociedade (e do sistema econômico do capitalismo industrial), substituindo radicalmente os modelos de produção da subsistência, do saber, de desenvolvimento tecnológico e da distribuição de bens (BRASIL, 1998, p. 178). É por isso que na RIO+10, em Johanesburgo, África do Sul, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável se reuniu na busca de alterar conceitos e valores políticos, econômicos e sociais para colocar em prática alguns assuntos referentes à agenda 21 (RIO-92) que ainda não estavam sendo contemplados. O termo “Desenvolvimento Sustentável” significa uma nova proposta de desenvolvimento da economia capitalista, a partir da análise de diferentes dimensões: social, econômica, política, cultural e ambiental (VARGAS, 1999). Dessa maneira, a preocupação com o meio ambiente possibilita a perspectiva de diminuir a “depleção dos recursos naturais” (p. 208). Entretanto, pré-existe um outro termo, o “Ecodesenvolvimento”, elaborado pelo canadense Maurice Strong, em 1973, que faz críticas à sociedade industrial e ao modelo econômico atual, ao se preocupar não apenas com a preservação dos recursos naturais, mas também com a garantia de emprego, segurança social e qualidade de vida a todas as sociedades humanas, habitantes de um único planeta. E, para atingir tais objetivos, precisamos de uma “população organizada e preparada para conhecer, entender e exigir seus direitos e exercer suas responsabilidades” (NEFIN, 2002, p. 14). Podemos perceber que a Educação Ambiental não pode ficar apenas nas questões referentes à preservação da natureza, isolada da sociedade, mas precisa ser desenvolvida priorizando os problemas sócio-econômicos globais, voltando-se sempre para a realidade local. E o nosso problema de pesquisa vem exatamente de encontro com esta realidade. A poluição das águas envolve questões políticas, sociais e ambientais. Abrange uma soma de fatores que não podem deixar de ser discutidos e estudados em sala de aula. Portanto, discutir a prática social de maneira contextualizada é uma forma de evitar “trabalhar os conteúdos programáticos em função dos próprios conteúdos” (VALE, 1997, p. 45). Trabalhar questões ambientais, de forma crítica e consciente, com alunos de escolas públicas nas quais a maioria é de origem popular e operária pode favorecer o surgimento de uma geração de pesquisadores que buscam “alternativas sociais, políticas e científicas à problemática ecológica local e global” (REIGOTA, 1999, p. 202) porque trazem consigo uma “vivência cotidiana dos graves problemas sociais, econômicos e políticos” (p. 203). Desta maneira, é preciso lutar contra a tendência histórica da escola, de “separar, na prática pedagógica, o trabalho manual do trabalho intelectual criando uma cisão entre o fazer e o pensar tomados como instâncias distintas, desconexas e até opostas” (VALE, op. cit., p. 44). O mundo atual exige “um aluno crítico, capaz de apropriar-se dos conhecimentos teórico-práticos como ferramentas intelectuais” [...] e que saiba [...] “manejá-las em proveito de si e da coletividade” (VALE, op. cit., p. 45). Para Gutiérrez (2002) o cidadão [...] crítico e consciente é aquele que compreende, se interessa, reclama e exige seus direitos ambientais ao setor social correspondente e que, por sua vez, está disposto a exercer sua própria responsabilidade ambiental. Este cidadão, quando se organiza e participa na direção de sua própria vida, adquire poder político e uma capacidade de mudança coletiva (p. 15). Assim, a questão ambiental busca novos caminhos e modelos de produção de bens que possam suprir as necessidades humanas, sem tantas desigualdades e exclusões sociais e, ao mesmo tempo, que garantam a sustentabilidade ecológica. Sabemos que não “se trata apenas da má distribuição e consumo de bens, mas de uma crise de valores e de destino” (NEFIN, 2002, p.13). Portanto, a educação e, em particular, a EA tem um importante papel a desempenhar na procura efetiva destes novos valores. A Pedagogia Histórico-Crítica, uma teoria da educação crítica e transformadora, vem como uma relevante alternativa para trabalhar, em sala de aula, a complexa e abrangente Educação Ambiental em todos os seus aspectos? A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) Para iniciar nossa reflexão sobre a PHC, não podemos deixar de mencionar o grande pensador marxista italiano Antonio Gramsci. Gramsci, [...] deu sempre, por exemplo, uma grande importância ao trabalho de educação, ao esforço para criar as condições subjetivas da ação revolucionária, rompendo com a passividade dos que confiavam apenas no amadurecimento espontâneo das condições objetivas. (COUTINHO, 1980, p.46-47) A fim de diminuir as diferenças e desigualdades sociais, Gramsci pensa a escola. Ao não concordar com a maioria dos estudiosos de orientação marxista, que pensa que a escola apenas reproduz as desigualdades sociais, Gramsci afirma que a escola pode ser, em certa medida, transformadora, ao proporcionar às classes subalternas meios para que elas possam iniciar sua longa trajetória de organização social e conscientização política. Nestas circunstâncias, a escola deve conduzir os indivíduos, sobretudo das classes menos favorecidas, ao esclarecimento e conhecimento de seus direitos e deveres na sociedade atual (MOCHCOVITCH, 1988). Segundo Mochcovitch Gramsci não nega a função reprodutora da escola. Mas seu pensamento tem um compromisso com a transformação da sociedade, e ele procura encarar a escola como uma instituição que, é certo, produz o conformismo e a adesão, mas, dentro de certas condições, pode trazer um esclarecimento que contribui para a elevação cultural das massas. (1988, p. 8) Esse esclarecimento ocorrerá quando as classes subalternas dominarem os códigos (linguagens e conhecimentos) das classes dominantes. Isto poderá ocorrer quando a escola se tornar verdadeiramente eficiente, pois esses instrumentos podem ser transformados em armas de luta. Ao pensar a educação, o filósofo italiano trabalha duas categorias das ciências humanas: “subordinação intelectual” e “dominação ideológica”. Para garantir a dominação econômica (exploração), há uma dominação político- ideológica, tendo o Estado como defensor dos interesses das classes dominantes. As prisões, o exército, a polícia são acionados apenas em períodos críticos, pois a maior dominação é a ideológica, ou seja, um consenso social que aceita o direcionamento dado pela classe dominante à sociedade (Mochcovitch, 1988). A dominação ocorre porque há uma interiorização da ideologia dominante pelas classes subalternas, por estas não terem uma própria visão de mundo que lhes permita autonomia. Assim, estão ideologicamente subordinadas. Entretanto, Gramsci coloca os problemas e propõe possíveis soluções. Ele encontra uma saída para a dominação burguesa, quando fala em liberdade política, ao citar que a classe dominada pode converter-se em seu próprio sujeito consciente da história quando passa pelo processo de “catarse”. Assim, a “catarse” é quando a massa supera a visão individual, caótica, de síncrese e se eleva a uma visão de conjunto, organizada e de síntese. Gramsci sempre pensa na perspectiva da transformação da sociedade. Por isso, Dermeval Saviani, ao elaborar a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), destaca a importância do filósofo italiano. Assim, a Pedagogia Histórico-Crítica é a proposta de uma pedagogia que procura compreender a Educação no contexto da sociedade humana, cujo compromisso é a transformação dessa sociedade e não a sua manutenção, a sua perpetuação (Saviani, 1997). O próprio Saviani explica: Em outros termos, o que eu quero traduzir com a expressão “Pedagogia Histórico-Crítica” é o empenho em compreender a questão educacional a partir do desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-Crítica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana. (SAVIANI,1997, p. 102) Para aprofundarmos a reflexão acerca da perspectiva histórico-crítica, Saviani acrescenta que: [...] a natureza humana não é dada ao homem mas é por ele produzida sobre a base da natureza bio-física. Conseqüentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. (SAVIANI, op. cit., p. 11) Desta maneira, o educador deve sempre se perguntar: qual a função social dos conteúdos escolares para os alunos? Para Gasparin (op.cit., p.2) “essa nova postura implica trabalhar os conteúdos de forma contextualizada em todas as áreas do conhecimento humano”. Afirma, ainda, que [...] os conteúdos não seriam mais apropriados como um produto fragmentado, neutro, aistórico, mas como uma expressão complexa da vida material, intelectual, espiritual dos homens de um determinado período da história. (GASPARIN, 2002, p. 3) Na Apresentação da obra de Gasparin (op.cit.), Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica, Saviani explica que existem os “cinco momentos previstos no método pedagógico proposto pela pedagogia histórico-crítica”(p. xi), com a “intenção de construir uma didática própria” (p. xi), chamando a “atenção para a base filosófica de caráter dialético da metodologia proposta (p. xii). Quando se refere ao autor, Saviani salienta que Gasparin se apropriou “criteriosamente da teoria” e que a PHC é “uma teoria da educação que se quer, ao mesmo tempo, crítica e transformadora” (p. xi). Ao se referir ao livro, elucida que o mesmo “se apresenta como um precioso auxílio para a realização da prática educativa em consonância com essa teoria pedagógica” (p. xii). Neste sentido, pode-se concluir que a PHC é uma teoria da educação, ou seja, uma teoria pedagógica que propõe uma metodologia com a intenção de construir uma didática própria, a partir de um método pedagógico dividido didaticamente em cinco momentos: 1º Momento: Prática Social Inicial. É o fazer humano em sociedade que toma o contexto como ponto de partida da ação pedagógica. Saviani afirma que a PHC tem como orientação básica a relação entre Educação e Sociedade. Os conteúdos são conteúdos sociais em qualquer área de conhecimento considerada. 2º Momento: Problematização. Saviani ressalta a importância de não se confundir problematização com problema. Para resolver a problematização, que é uma necessidade social, é preciso pensar a prática social. 3º Momento: Instrumentalização. Os saberes eruditos (matemático, lingüístico, histórico, geográfico etc) são os instrumentos, os meios, as mediações intelectuais que possibilitam que o indivíduo transforme a situação em que se encontra. 4º Momento: Incorporação4. É a apropriação efetiva dos instrumentos. É quando o indivíduo percebe a importância dos instrumentos, quando ele vê verdadeiro sentido no que aprende. É a “catarse”, quando se deixa de lado a visão particular, individual e “sincrética” da realidade para alcançar o plano da “síntese” esclarecedora. 5º Momento: Retorno à Prática Social. Aqui o indivíduo tem todas as condições de refletir e compreender seu papel na sociedade. Possui uma visão sintética, sistematizada. Portanto, é capaz de repensar sua prática e agir de modo organizado, homogêneo, estruturado. É muito importante salientar que os cinco momentos do processo constituem um todo interligado. Penetram-se mutuamente, não sendo seqüenciais ou isolados. A prática social está presente o tempo todo, e não apenas no início ou no fim do processo. Gasparin encoraja todos os professores preocupados em formar cidadãos e cidadãs que possam ter autonomia e consciência crítica e transformadora, a trabalhar, em sala de aula, a Pedagogia Histórico-Crítica: 4 Saviani utiliza o termo “catarse”. Essa proposta didático-pedagógica é complexa e difícil, mas viável. Requer uma certa experiência profissional do professor. Creio não ser necessário esperar o amadurecimento total, é preciso ousar, dar início ao trabalho, fazer a experiência pessoal e coletiva dessa nova forma de aprendizagem, discutindo seus resultados positivos e negativos; não desistir às primeiras dificuldades. Recomeçar sempre. (GASPARIN, 2002, p. 167) CAPÍTULO II A PESQUISA: FUNDAMENTOS TEÓRICO-PRÁTICOS A Metodologia Existe uma grande diversidade de métodos de investigação que podem ser aplicados a uma determinada pesquisa. A opção por determinado tipo de abordagem metodológica não se faz ao acaso, deve-se considerar o objeto de pesquisa, as técnicas utilizadas, o problema que se propõe investigar e o(s) objetivo(s) da pesquisa. Wachowicz (1991) explica a diferença entre metodologia científica (investigação/explicitação de um conteúdo – PHC) e metodologia do ensino (apropriação do saber sobre um conteúdo – “Poluição das Águas”): [...] assim como existem métodos próprios para a investigação de uma realidade e sua explicitação, sendo esse o campo da metodologia científica em cada área, há também métodos adequados para a apropriação do saber, em cada área, sendo este o campo da metodologia do ensino e referindo-se ambas, a metodologia científica e a metodologia do ensino, ao conteúdo como objeto a ser investigado ou ensinado (p. 22). Entretanto, tanto a metodologia científica aplicada na investigação e no conhecimento de uma realidade, como a metodologia do ensino, aplicada na apresentação e apropriação desse conhecimento dependem do objeto e dos objetivos de pesquisa (WACHOWICZ, 1991). Esta pesquisa estuda a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), aplicada em sala de aula. Como mencionado anteriormente, Saviani (1997) afirma que a concepção pressuposta para esta pedagogia é o materialismo histórico, “ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana” (p. 102). Assim, tendo como objeto de pesquisa a aplicação em sala de aula da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), com enfoque especial sobre o conteúdo científico da poluição das águas, na disciplina Biologia, o procedimento metodológico escolhido foi a própria PHC, já que, formulada com base sólida no método materialista histórico-dialético, tomá-la como referencial metodológico forneceu elementos necessários e essenciais para a escolha dos instrumentos, técnicas e procedimentos de coleta e análise dos dados. Tozoni-Reis (2004), em seu livro Educação Ambiental: razão, natureza e história, obra baseada em sua tese de doutorado, argumenta sobre a “possibilidade teórica de tomar o materialismo histórico-dialético como referencial teórico-metodológico [...]” (p. 20). Conclui que a “idéia de natureza histórica [...] coloca a atualidade do pensamento marxista como referencial, do ponto de vista teórico-metodológico, das reflexões acerca do meio ambiente” [...] (p. 20). Sobre a explicação acerca de método (técnicas) e metodologia afirma que enquanto “as técnicas servem para a obtenção dos dados da pesquisa, a metodologia diz respeito à epistemologia, à fundamentação, a partir da qual serão estudados os fenômenos” (p. 24). Neste sentido, sendo a metodologia da PHC de caráter dialético, para “o desenvolvimento dessa proposta pedagógica, toma-se como marco referencial epistemológico a teoria dialética do conhecimento” (GASPARIN, 2002, p. 04). Repensado por Karl Marx no século XIX5, o método dialético foi estruturado para uma abordagem crítica e histórica da realidade social. Foi criado para o estudo da realidade humana em suas interações sociais. Conforme Wachowicz (1991), o método dialético, decorrente do materialismo histórico, compreende que para ser apreendida, a realidade deve ser intermediada pelo pensamento, que vai da abstração à totalidade do real pensado (concreto). Assim, temos a contextualização como importante procedimento do método. Na contextualização é percebido que é o homem que produz a história e que se transforma continuamente ao produzi-la. Por isso, a finalidade do conhecimento é encontrar e explicar a realidade. A dialética em Marx não é apenas um método, é uma concepção da relação homem-sociedade, pois após o movimento do pensamento, o ser humano reconstrói seu pensamento acerca de sua realidade. Ao perceber uma determinada situação real (concreta), “[...] através de uma análise [...], chega-se [...] a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos [...] a determinações as mais simples (MARX, 1996, p.39). Marx assegura que o método da economia política é “cientificamente exato”, e explica porque utiliza o termo “concreto”: O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo [...] (MARX, 1996, p. 40). 5 O método dialético critica a filosofia alemã, a política francesa e a economia inglesa do século XIX. Para explicar como ocorre o processo do pensamento, Marx elucida que: [...] o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado (1996, p. 40). Neste sentido, o materialismo dialético não se separa da ciência, sendo uma concepção científica que entende o mundo como uma realidade social que o homem pode conhecer e transformar sempre, num desenvolvimento e superação contínuos. Como concepção dialética, o marxismo não separa em nenhum momento a teoria (conhecimento) da prática (ação), e afirma que “a teoria não é um dogma, mas um guia para a ação”. A prática é o critério de verdade da teoria, pois o conhecimento parte da prática e a ela volta dialeticamente (GADOTTI, 2001, p. 23). Nas Teses sobre Feuerbach, Marx (1965) mostra que todo mistério se dilui quando vamos à prática social. “É na prática que o homem deve provar a verdade, ou seja, a realidade e a força, independente de seu pensamento” (p. 87- 88), ainda acrescenta que “[...] a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais” (p.89). Para Marx, a prática pressupõe uma teoria e a teoria pressupõe uma prática numa relação dialética. Saviani, ao correlacionar a PHC com a teoria dialética do conhecimento, explica a cientificidade do método proposto: [...] é fácil perceber de onde retiro o critério de cientificidade do método proposto. Não é do esquema indutivo tal como o formulara Bacon; nem é do modelo experimentalista ao qual se filiava Dewey. É, sim, da concepção dialética de ciência tal como o explicitou Marx no “método da economia política” (Marx, 1973: 228-40). Isto não quer dizer, porém, que eu esteja incidindo na mesma falha que denunciara na Escola Nova: confundir ensino com a pesquisa científica. Simplesmente estou querendo dizer que o movimento que vai da síncrese (“a visão caótica do todo”) à síntese (“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela mediação da análise (“as abstrações e determinações mais simples”) constitui uma orientação segura tanto para o processo de descobertas de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino) (1992, p. 83) (grifo nosso). Portanto, o caráter dialético da PHC se dá pelo fato de que os alunos partem da prática social, vão em busca do conhecimento teórico-prático correspondente e voltam à prática social numa reflexão sobre a ação no cotidiano. Gasparin afirma que “essa nova forma pedagógica de agir exige que se privilegiem a contradição, a dúvida, o questionamento; que se valorizem a diversidade e a divergência” (p. 3). A metodologia de pesquisa se justifica porque enquanto pesquisadora, a professora-pesquisadora partiu de uma “síntese precária”, já que possuía muitos dados, nem todos articulados. Ao analisá-los, teve que organizá-los, estudá-los e confrontá-los com a teoria proposta pela PHC. E o resultado de todo este processo de problematização, questionamento, confronto e estudo foi atingir uma “síntese”, ou seja, os dados foram organizados e estruturados formando um todo coerente, a partir do qual foi possível estabelecer relações significativas entre eles. A metodologia de ensino está clara na PHC. Entretanto, no tocante à metodologia de pesquisa também foram usados os cinco momentos, pois a Prática Social Inicial da professora-pesquisadora se articulou à problematização da realidade social vivenciada pela profissional do ensino. Os detalhes deste processo foram evidenciados na Introdução desta pesquisa. Todo o desafio em articular os conteúdos científicos aos métodos de aplicação para a coleta dos dados ocorreu no momento da Problematização. A Instrumentalização da pesquisa ocorreu quando a pesquisadora aprofundou os conhecimentos sobre a teoria da PHC, estudos a respeito de Educação Ambiental e as contribuições de Gramsci, a partir dos objetivos da pesquisa. A professora-pesquisadora também foi instrumento de coleta e análise de dados no papel de professora e instrumentalizou-se quando interagiu com os alunos, com o meio ambiente, ou seja, com a realidade do trabalho em que a pesquisa se desenvolveu. Este momento se caracterizou por intercalar a teoria com a prática. O momento da Incorporação ocorreu quando a professora-pesquisadora conseguiu organizar todos os dados e articulá-los a cada momento proposto pela teoria. A posterior análise dos mesmos levou a professora-pesquisadora à compreensão de que formaram um todo relacionado. A Prática Social Final da pesquisa foi o momento das considerações finais, quando aconteceram algumas reflexões sobre o trabalho efetuado e suas possíveis contribuições à Pesquisa em Ensino de Ciências, além do estímulo em continuar este tipo de estudo em trabalhos posteriores. Os momentos da metodologia de pesquisa também podem ser considerados como um todo articulado, sem linearidade. Posteriormente, encontra-se a fase da constituição dos dados. Os Sujeitos da Pesquisa A presente pesquisa teve como sujeitos uma professora (também pesquisadora) que leciona em uma escola pública do Estado de São Paulo e os alunos de uma terceira série do Ensino Médio, matriculados no período da manhã. Essa professora cursou Graduação em Ciências com Licenciatura Plena em Biologia. Os critérios para que a própria pesquisadora também fosse a professora foram: • A professora leciona em escola pública; • É efetiva no cargo, portanto, poderia utilizar o tempo necessário para trabalhar com a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC); • Como é, também, pesquisadora, possui bases teóricas para aplicar a metodologia de ensino proposta; se fosse um outro professor, a pesquisadora teria que capacitá-lo e isto tornaria o trabalho muito extenso e deslocaria o foco da pesquisa. Tendo em vista os critérios acima apresentados, trabalhou-se durante o primeiro semestre de 2005, na disciplina Biologia, os conteúdos do tema “Poluição das Águas”, articulados com a PHC. Nesta classe estavam matriculados 40 alunos, sendo que, no período pesquisado, alguns foram para o período noturno, outros foram transferidos de escola e alguns alunos do noturno passaram para o período diurno. No final do trabalho havia 38 alunos. O assunto abordado no semestre referia-se à água de uma forma bastante abrangente e, mais adiante, com grande atenção voltada aos aspectos da poluição. Alguns tópicos estudados foram: “A água na natureza”, “Que é a água?”, “O ciclo das águas”, “Os ambientes aquáticos”, “Qualidade da água”, “Degradação da qualidade: poluição e contaminação”, “Restituição da qualidade da água” e “Conservação da água e de sua qualidade”. Do período de fevereiro a julho de 2005 foram trabalhadas um total de 49 aulas, de 50 minutos cada uma, duas nas segundas-feiras e uma na sexta- feira. Os dados são os Diários de Aprendizagem (GENOVEZ, 2005), elaborados pelos próprios alunos, assim como comentários e relatórios das atividades realizadas. A professora-pesquisadora escreveu suas observações em um Diário. Os dados foram recolhidos com o consentimento dos participantes, que ficaram cientes de que os mesmos seriam utilizados apenas para fins de pesquisa. Foi garantida a preservação da identidade de todos, em caso de publicação dos resultados da pesquisa. A seguir, todos os dados foram cuidadosamente analisados e estudados transcrevendo-se todas as impressões, comentários e opiniões pessoais de cada aluno ou cada grupo de alunos, em cada episódio ocorrido naquele semestre. Cada etapa dos dados transcritos foi separada de acordo com a atividade em sala de aula. Estas etapas estão presentes nos Anexos da seguinte maneira: • Anexo I: Diários de Aprendizagem; • Anexo II: Materialismo Histórico; • Anexo III: Conteúdo das Apresentações; • Anexo IV: Relatórios sobre ida ao Anfiteatro; • Anexo V: Relatórios das Aulas de Campo; • Anexo VI: Comentários de Textos; • Anexo VII: Água e as Doenças; • Anexo VIII: Finalização das Atividades e • Anexo IX: Observações da Professora-Pesquisadora. Para que ocorresse cada uma destas atividades a professora estudou e procurou instrumentalizar os alunos com os conhecimentos “clássicos” do conteúdo proposto, de maneira contextualizada, conforme salienta a PHC. Neste sentido utilizou um livro paradidático, textos e elaborou roteiros, os quais se encontram nos Apêndices desta pesquisa. Instrumentos Utilizados para a Constituição dos Dados Os instrumentos utilizados com o propósito de alcançar os objetivos da pesquisa foram os reunidos a seguir: Observação A observação foi uma das técnicas utilizadas para a constituição dos dados. Como a professora-pesquisadora já é membro do grupo com o qual realizou a pesquisa, a sala de aula apresentou-se como sendo o ambiente propício e natural para tal procedimento. Para que a observação tenha rigorosidade metódica e seja considerada eficaz para a pesquisa científica deve-se levar em conta que o modo de ver de cada pessoa depende de sua trajetória profissional, de suas experiências de vida, o que privilegia certos aspectos ao invés de outros, mesmo na tentativa de compreender o que é essencial para ser registrado. Matos e Vieira (2001) esclarecem que “a observação é uma técnica muito utilizada, principalmente porque pode ser associada a outros procedimentos [...], e “temos de observar, compreender o que é essencial e fazer o registro” (p. 58). Para conseguir descrever o ensino em sala de aula, da forma mais fiel possível, os registros das observações foram feitos de imediato em um caderno, evitando-se fazer anotações posteriores, a fim de não se perder dados que poderiam ser considerados importantes. Os registros feitos em tempo real apresentam algumas vantagens, dentre as quais destacam-se as possibilidades de: • ler e reler os registros; • problematizar os registros de acordo com a concepção histórico- crítica e • procurar articular os dados obtidos com os outros instrumentos, como por exemplo, os Diários de Aprendizagem. O uso dos registros por escrito pode trazer algumas desvantagens, tais como a de não ter todas as falas dos alunos e da professora-pesquisadora e de não ter as imagens dos comportamentos dos estudantes. A professora-pesquisadora registrou suas observações nos meses de fevereiro, março e abril de 2005, durante as aulas. Após este período percebeu que os registros dos alunos nos Diários de Aprendizagem e nos relatórios demonstravam sinceridade e coerência, tornando-se dados enriquecedores. Entretanto, isto não significa que a observação tenha terminado. A professora- pesquisadora continuou observando seus alunos, suas interações, comportamentos e atitudes, essenciais para a análise dos dados e de todo o conjunto do trabalho pedagógico realizado. A análise dos dados, a seguir, será feita através da articulação com os momentos da Pedagogia Histórico-Crítica. Diário de Aprendizagem O Diário de Aprendizagem (GENOVEZ, 2005) foi o primeiro instrumento de coleta de dados selecionado, por sua relevância para esta pesquisa. Trata-se de um instrumento que o professor utiliza em sala de aula para verificar a aprendizagem dos alunos e a metodologia de ensino. Através das informações escritas pelos alunos o professor poderá ter acesso às dúvidas, opiniões e questionamentos dos estudantes tanto em relação ao conteúdo da disciplina quanto ao método empregado. Muitos alunos podem apresentar dúvidas que ficam ocultas para o professor, por receio em expô-las oralmente aos outros colegas. Quando um aluno não concorda com algo que a maioria de seus colegas aprova, fica mais difícil manifestar-se. Estes exemplos dependerão de como se dão as relações dos alunos entre si e dos alunos com o professor, porém, esta questão não será aprofundada por não ser o objetivo desta pesquisa. Conforme Genovez (2005), cada aluno deve ter seu próprio diário, onde escreve as datas das aulas, o conteúdo científico abordado e descreve todas as impressões, dúvidas, opiniões, questionamentos e sugestões. Relatórios das Aulas de Campo3 Os relatórios das Aulas de Campo representam um importante instrumento para a constituição dos dados, dentro da perspectiva de pesquisa que estava sendo desenvolvida. Isto porque, mesmo não sendo uma orientação obrigatória da metodologia de ensino aplicada, as aulas de campo foram essenciais para que os alunos vivenciassem alguns conteúdos e o problema central estudado na sala de aula e na sala de informática. Como as visitas não se constituíram em “simples passeios”, a professora, em sala de aula, levou um mapa da cidade que destacava o rio Bauru e seus afluentes, entregou uma cópia para cada grupo e todos visualizaram os locais que seriam visitados. 3 Célestin Freinet (1975) utiliza o termo “Aulas-Passeio”. Freinet não é tecnicista, mas indicou técnicas. Em cada local visitado cada grupo tinha em mãos seu próprio mapa (onde fizeram anotações) e um roteiro para orientar a avaliação da qualidade da água. Em sala de aula, os alunos estudaram o que foi anotado no mapa e as avaliações sobre a qualidade da água em cada trecho visitado. A fim de organizar estas informações, a professora-pesquisadora elaborou outros roteiros para que os estudantes registrassem suas impressões, dúvidas, opiniões, questionamentos e conclusões sobre cada aula de campo. Os roteiros estão presentes nos Apêndices, separados da seguinte maneira: • Apêndice I: Conteúdo Proposto; • Apêndice II: Objetivo Geral e Objetivos Específicos; • Apêndice III: Sistema de Avaliação; • Apêndice IV: Avaliação sobre o Estudo do Livro; • Apêndice V: Simulado para o Vestibular; • Apêndice VI: Questões semelhantes às do ENEM; • Apêndice VII: Textos Trabalhados; • Apêndice VIII: Critérios para Classificação da Qualidade dos Rios; • Apêndice IX: Roteiros das Aulas de Campo; • Apêndice X: Roteiro da Atividade “Água e as Doenças”; • Apêndice XI: Autorização para as Aulas de Campo dos Alunos; • Apêndice XII: Solicitação do Anfiteatro; • Apêndice XIII: Solicitação para Visita a um Condomínio Residencial; • Apêndice XIV: Mapa do Rio Bauru no Município de Bauru. Quanto à análise destes dados, esta será feita através da articulação com os momentos da Pedagogia Histórico-Crítica. Comentários de textos Com o intuito de promover maior contextualização e entendimento da interação entre a teoria e a prática, a professora-pesquisadora selecionou cuidadosamente quatro textos. O primeiro, “Metodologia para a Determinação de Poluição das Águas: Estudo de Caso do Rio Bauru” é referente a um trabalho científico realizado para determinar o grau de poluição das águas do rio Bauru. O segundo texto “Poluição das Águas” coloca o ser humano como grande responsável pela poluição da água doce e acrescenta, em uma tabela simples, as causas e conseqüências desta poluição. Por fim, os terceiro e quarto textos, respectivamente, “Condições Sanitárias” e “Governo Brasileiro irá investir em Saneamento Básico”, expõe a preocupação de órgãos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e instituições nacionais, como a Universidade de São Paulo (USP) e o Sistema Único de Saúde (SUS), acerca da relação que existe entre a falta de Saneamento Básico e as doenças veiculadas pela água. Os critérios adotados para a seleção dos textos foram: • a facilidade de entendimento e compreensão sobre o assunto abordado; • os textos não são demasiadamente longos; • um dos textos trata exatamente do problema central estudado pelos alunos, demonstrando que pessoas e instituições também se preocupam com a situação atual do rio Bauru, além de se tratar dos resultados de uma pesquisa acadêmica; • a abordagem da relação entre saneamento de água e esgoto com doenças e conseqüentes mortes e • o fato de proporcionarem abertura para a discussão sobre questões políticas e sociais que norteiam o problema estudado. Cabe salientar que existem muitos trabalhos sobre o assunto abordado, portanto, outros textos também poderiam ter sido trabalhados com os alunos. A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) como Instrumento para a Análise dos Dados Nesta investigação, utilizamos os cinco momentos previstos no método pedagógico proposto pela Pedagogia Histórico-Crítica. Trata-se de um instrumento de análise que deve ser trabalhado com extremo rigor e cautela, pois serão examinados os procedimentos técnicos e metodológicos da professora, assim como os efeitos de cada etapa da pedagogia proposta na aprendizagem dos alunos. Ainda, um outro fator que aumenta a dificuldade de análise é o fato de que os cinco momentos (ou passos) do processo constituem um todo interligado. Não são lineares e rígidos. Intercalam-se continuamente. Cada momento, utilizado como Instrumento de Análise com o intuito de alcançar os objetivos da pesquisa será destacado a seguir: Prática Social Inicial O primeiro momento do método caracteriza-se por informar aos alunos [...] que o conteúdo será abordado numa determinada linha política, através do processo teórico-metodológico que tem como suporte o materialismo histórico, com a finalidade de transformação social (GASPARIN, 2002, p. 22). O professor anuncia o conteúdo a ser trabalhado, ao listar a unidade e as subunidades, e os objetivos a serem alcançados. Em seguida, procura saber as experiências prévias de seus alunos sobre o tema. Sua tarefa é instigar, questionar, procurar verificar qual é o conhecimento prévio e como os alunos articulam este conhecimento com a vivência cotidiana. Para Gasparin (2002), este momento pode aproximar professor e alunos porque Ouvir os alunos possibilita ao professor tornar-se um companheiro: gera confiança e possibilita também que a relação entre educador e educandos caminhe no sentido da superação da contradição, da dicotomia que possa existir entre eles (p. 23). Após esta conversa investigativa, o professor pergunta aos alunos o que eles gostariam de saber a mais e que não está no anúncio dos conteúdos nem nos objetivos. Neste momento, podem surgir questões desafiadoras, que não estão presentes nos livros didáticos, ou surgirem aspectos novos, que não estão no programa. É um desafio ao professor e aos próprios alunos, que pode trazer novo ânimo na busca de todas as respostas. Entretanto, como os alunos não estão acostumados a estudar desta maneira participativa, pode ocorrer de não surgirem perguntas. Neste caso, o professor pode elaborar algumas questões que os alunos não foram capazes de responder durante a conversa investigativa. A Prática Social significa estabelecer a relação entre Educação e Sociedade, por isso a Prática social Inicial não acontece apenas no início do trabalho. Novas dúvidas e questionamentos podem surgir em todos os momentos da metodologia porque se trata de uma contextualização do conteúdo, presente constantemente. O diálogo é mantido para levar os alunos à sensibilização. Problematização Nesta fase ocorre interação entre a prática social e os conteúdos “clássicos”, sistematizados. O processo consiste na elaboração de situações problemáticas que estimulem a busca de conhecimentos científicos, na tentativa de equacionar os problemas levantados na etapa anterior. A Problematização é o momento em que a prática social é questionada, posta em dúvida, quando o cotidiano é confrontado com o conteúdo escolar. Este processo leva os alunos a perceberem que não basta estudar para apenas reproduzir o conhecimento, mas que é necessário poder utilizar este conhecimento para “encaminhar soluções, ainda que teóricas, para os desafios que são colocados pela realidade (GASPARIN, 2002, p. 46)”. O professor orienta os alunos a lerem e refletirem sobre os tópicos referentes ao conteúdo e aos objetivos do tema a ser estudado. Logo após, solicita que elaborem uma ou mais perguntas sobre cada item. Para o caso de as questões serem demasiado espontâneas ou raras, o professor pode preparar algumas perguntas e apresentá-las aos alunos, aos poucos, de forma dialogada, oferecendo oportunidade de alterações. Podem surgir questões que não poderão ser resolvidas na Instrumentalização, por isso “selecionam-se as mais pertinentes, ou formulam-se outras mais adequadas ao conteúdo em pauta” (GASPARIN, op. cit., p. 42). A Problematização também questiona a função social dos conteúdos escolares porque, de acordo com este processo de ensino-aprendizagem, as grandes questões sociais é que determinariam quais conteúdos devem ser trabalhados, mas se o professor tratar os conteúdos como determinados pelos problemas sociais, pode correr o risco de não cumprir o programa curricular de sua disciplina e ser cobrado por isso. Mesmo que o professor não queira descartar o conteúdo programático de sua disciplina, ele pode relacionar esses conteúdos a questões sociais. Ao expor os motivos pelos quais se deve aprender tais conteúdos, os alunos podem compreender que estarão estudando “em função de necessidades sociais” (GASPARIN, 2002, p. 43). Instrumentalização Este é o momento em que os conhecimentos científicos que o professor possui serão fundamentais para que suas ações didático-pedagógicas possam intermediar a aprendizagem dos conteúdos pelos alunos. O professor irá trabalhar todos os conteúdos postos na Prática Social Inicial e irá buscar, junto com os alunos, as respostas às perguntas formuladas no momento da Problematização. Para que os alunos compreendam a importância de estarem fazendo tal estudo é necessário que haja interação e apropriação, que eles sintam que o conteúdo faz parte de suas vidas. Por isso, o professor deve preparar sua ação. Trabalhar sob a perspectiva da PHC vai exigir que o professor prepare sua aula de forma diferenciada, contextualizada; o que demanda esforço e estudo. Entretanto, o comportamento dos alunos pode demonstrar uma atitude muito mais dinâmica, interativa e participativa. Nesta etapa os alunos confrontarão seus conhecimentos cotidianos com os conhecimentos científicos, na medida em que vão percebendo, com a mediação do professor, suas relações, interações e ligações. É o momento da apropriação “[...] dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social” (SAVIANI, 1992, p. 81). Ainda, segundo Saviani, o professor pode transmitir os conteúdos diretamente ou indiretamente, ao indicar bibliografia sobre o assunto (livros, textos, ‘sites’); acrescenta que esta metodologia de ensino está voltada para as camadas populares, porque estas devem se apropriar “[...] das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem (p. 81)”. Gasparin (2002) cita Vigotyski e sua Teoria Histórico-cultural como suporte teórico para compreender como os conceitos científicos são formados na criança. Explica que o desenvolvimento dos conceitos científicos ocorre de maneira diferente do desenvolvimento dos conceitos cotidianos. Para aprender o conteúdo sistematizado historicamente a criança necessita da mediação de um adulto. Para aquele autor, esta mediação não ocorre mecanicamente, mas por meio de um processo psíquico interno em que o conteúdo, aos poucos, vai fazendo sentido para a criança. Portanto, “[...] o ensino desempenha um papel primordial no surgimento e na aprendizagem dos conceitos científicos (p. 65)”. Isto significa que na escola “[...] o ensino e a educação produzem desenvolvimento. O professor e o ensino são, assim, mediadores fundamentais entre a aprendizagem escolar e o desenvolvimento intelectual do aluno (p. 87).” Assim, podemos perceber a valorização dos papéis da escola e do professor. O processo de conhecimento não é individual, é uma prática social interativa, pois já foi dito anteriormente que “o trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 1997, p. 11). Assim, o conhecimento é sempre social, como a relação entre o adulto e a criança e a relação entre a criança e a sociedade. Como, também, já foi abordado anteriormente, quem faz esta mediação entre o conteúdo e o aluno é o professor. Esta mediação pode ser realizada através de várias técnicas pedagógicas, tanto as convencionais, como a explicação do conteúdo pelo método expositivo, e as aulas práticas e visitas a locais a fim de confrontar a teoria com a prática, por exemplo, como as técnicas que utilizam as novas tecnologias, como o computador e suas ferramentas. A postura do professor em sala de aula, a forma como trabalha o conteúdo, também é importante neste momento de mediação. A atitude do professor de promover trabalhos em grupo, pesquisas sobre o tema, leitura e discussão de textos extras selecionados, palestras e utilização de vídeos, por exemplo, pode ampliar a aprendizagem e as relações que o aluno faz entre o conteúdo e a sociedade, ou seja, com o seu cotidiano, sua prática social. Incorporação Na Incorporação o aluno atinge a “síntese”, pois no início do processo educativo ele parte da “síncrese”, ou seja, de uma visão “caótica” do conteúdo e da prática social relacionada a este conteúdo. Neste momento o aluno incorpora e articula, de modo organizado e elaborado, toda a prática que vivencia com o conteúdo que trabalhou e estudou, mediado por várias ações do professor. Gasparin (2002) explica que é difícil dizer onde termina a Instrumentalização e começa a Incorporação, apesar de estarem separadas didaticamente. Mesmo que o aluno não tenha incorporado por completo as relações sociais que permeiam o conteúdo, neste momento o professor verifica o quanto ele entendeu de tudo o que foi estudado. Essa demonstração pode ser oral ou por escrito. Para Saviani (1992) é “[...] chegado o momento da expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu” (p. 81). Acrescenta, ainda, que se trata “[...] da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social” (p. 81). No início do processo pedagógico o aluno poderia apresentar uma visão conformista da prática social, como se nada pudesse ser mudado e tudo fosse “natural”. Devidamente instrumentalizado, o aluno torna-se um cidadão ativo, pois incorporou as ferramentas necessárias que lhe possibilita lutar politicamente. Ele entende que a situação atual é decorrente de um processo histórico, construído pelos seres humanos. Assim, o conhecimento adquirido não será neutro, pelo contrário, teve um propósito, o da transformação social. O conteúdo não é escolhido pelo professor aleatoriamente, mas determinado pelas necessidades sociais e construído historicamente. Não surgiu espontaneamente, mas por algum motivo social. Não é apenas o conteúdo que o aluno aprende, mas um conteúdo útil para sua vida, algo que exija uma mudança comportamental frente a tudo que vivencia. No entanto, essa mudança comportamental não é exigida neste momento porque a [...] solução às questões não precisa ser, necessariamente, de ordem material. Na maioria das vezes, no processo educacional, a solução é apenas mental ou intelectual, mas, ainda que teórica, essa solução aponta para a prática (GASPARIN, 2002, p. 131). A aprendizagem é verificada neste momento. Isto não significa que o aluno não tenha aprendido nas outras etapas. Ele pode ter aprendido desde o primeiro momento. Didaticamente, é nesta fase que o professor vai oferecer condições para que o aluno se expresse. Prática Social Final Este é o ponto de chegada do método pedagógico. Saviani (1992) explica que a Prática Social Inicial e a Prática Social Final são e não são a mesma prática. São a mesma prática porque o problema social detectado no início, que impulsionou todo o processo educativo, não muda. E não são a mesma prática quando percebemos que os envolvidos (professor e alunos) modificaram seus modos de ver e entender a prática. A consciência sobre todos os aspectos que compõem a prática social se alterou intelectual e qualitativamente. Mesmo sabendo que a educação atua de modo indireto e mediato (SAVIANI, 1992), o aluno não age apenas intelectualmente. Sua maneira de falar, a forma de se expressar e suas decisões políticas podem demonstrar a compreensão sobre a teoria. “É uma nova ação mental”. (GASPARIN, 2002, p. 144). Essas mudanças não ocorrem apenas dentro da escola, mas durante toda a vida. E cada aluno pode começar a exercer sua cidadania ao influenciar as ações na família e no local de trabalho. Desta forma, mesmo longe da avaliação imediata do professor, a proposta da PHC de transformar a sociedade “[...] não é outra coisa senão [...] colocar a educação a serviço da referida transformação das relações de produção” (SAVIANI, 1992, p. 85). Saviani acrescenta ainda que Se a educação é mediação, isto significa que ela não se justifica por si mesma mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação da ação pedagógica (SAVIANI, 1992, p. 86). Na Prática Social Final o aluno se posiciona frente à realidade e manifesta, junto com os colegas e o professor, suas propostas de ação, tendo como base o conteúdo estudado. Portanto, para a Análise dos Dados, esta pesquisa se apoiou nos cinco momentos da PHC explicitados anteriormente. Cabe, por fim, salientar que não falamos em passos do método, mas em momentos do método, porque Saviani esclarece que Em lugar de passos que se ordenam numa seqüência cronológica, é mais apropriado falar aí de momentos articulados num mesmo movimento, único e orgânico. O peso e a duração de cada momento obviamente irá variar de acordo com as situações específicas em que se desenvolve a prática pedagógica (SAVIANI, op. cit., p. 84). CAPÍTULO III INTERPRETAÇÃO DOS MOMENTOS DA PHC Os momentos da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) Para melhor compreender o trabalho realizado em sala de aula, na perspectiva da PHC, utilizamos para análise alguns momentos didáticos do ensino de Biologia. Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004) orientam que “o pesquisador pode informar que sua análise será desenvolvida durante toda a investigação [...] em um processo interativo com a coleta de dados” (p. 171). Neste sentido, os momentos foram selecionados a partir dos registros dos alunos nos Diários de Aprendizagem, nos Relatórios das Aulas de Campo e nos Comentários de Textos. Há também Observações, decorrentes de registros da professora-pesquisadora. Estes dados foram selecionados das aulas da disciplina Biologia, no Ensino Médio de uma escola pública estadual da cidade de Bauru – SP, durante o primeiro semestre de 2005. O assunto abordado durante as aulas foi a Poluição das Águas, em especial as do rio Bauru, articulado com os conteúdos de Biologia. Através de uma observação criteriosa e cautelosa pôde-se articular e confrontar as atividades realizadas com os alunos em relação aos cinco momentos do método pedagógico proposto pela PHC: Prática Social Inicial, Problematização, Instrumentalização, Incorporação e Prática Social Final. Cabe aqui ressaltar que as partes destacadas no texto referem-se a observações consideradas relevantes para este processo de análise. Uma outra observação muito importante é a de que os momentos foram apenas separados didaticamente, porque formam um todo articulado e não são compreendidos como lineares. Prática Social Inicial No primeiro dia de aula foi apresentada aos alunos a proposta de se trabalhar de uma maneira diferente da que eles estavam habituados. A professora propôs um conteúdo atrelado a um problema social, que também é ambiental. O problema proposto seria trabalhar a poluição das águas, em especial a poluição do rio Bauru, sob orientação de uma pedagogia de caráter histórico-crítico. Assim, o tema teria uma abrangente contextualização. Alguns alunos perguntaram se fariam visitas ao rio Bauru, se usariam a sala de informática, e demonstraram um certo entusiasmo pela iniciativa. Outros ficaram preocupados com o conteúdo, pois o vestibular seria no mesmo ano. Após todos se manifestarem, a professora explicou que os conteúdos programados para o ano letivo seriam abordados e não deixados de lado, pois seriam fundamentais na proposta histórico-crítica. Apenas teriam oportunidade de estudá-los de forma contextualizada, dando sugestões e opiniões e tendo meios de refletir sobre a prática social dos conteúdos estudados. Ficou bem claro, também, que se tratava de um trabalho sério, que também fazia parte da pesquisa da professora e que esta o aplicaria apenas com a referida classe, pois a professora acreditava que o método histórico-crítico seria satisfatório, apesar dos possíveis desafios que ambos (professora e alunos) teriam que enfrentar. Os alunos escreveram sobre esta aula nos Diários de Aprendizagem (DA) (Anexo I): Aluno 15: “Eu achei interessante o trabalho. Eu não entendi a respeito do materialismo histórico; eu nunca tinha ouvido falar a respeito”.4 Aluno 16: “Achei a aula produtiva, você falou do trabalho da água”. Aluno 17: “Tive um pouco de dúvidas, pois a professora não havia concluído o conteúdo e as explicações”. Aluno 18: “Este trabalho para mim não é interessante”. As anotações demonstram que a maior parte dos alunos estava empolgada com o trabalho. Como foi apenas uma aula – a última do período – ,o tempo não foi suficiente para explicar detalhadamente o que seria trabalhado, e como. Por isso, o Aluno 17 não conseguiu compreender completamente o que estava sendo proposto. O Aluno 15 expôs sua dúvida acerca do Materialismo Histórico, sentimento que, provavelmente, fora compartilhado por toda a turma. A recepção da nova atividade pelo Aluno 18 não foi bem vinda, talvez por se tratar de um indivíduo bastante tímido, pois neste trabalho os alunos participariam de maneira mais “ativa” para a construção do próprio aprendizado. A professora-pesquisadora também registrou esta aula inicial. Veja o registro abaixo: 4 Como foi dito anteriormente, a parte destacada do texto estará em negrito por ser relevante para o processo de análise. No primeiro dia de aula teríamos duas aulas, a 5ª e a 6ª aulas. Entretanto, como os alunos não sabiam que o horário mudaria (aumentou uma aula por dia), os alunos tiveram 5 aulas neste 1º dia de aula. Expliquei que gostaria de trabalhar com eles uma metodologia de ensino diferente da que eles estavam acostumados, e que se tratava de meu trabalho de pesquisa, de minha dissertação de mestrado. Também expliquei que apenas aquela classe seria trabalhada daquela maneira. Continuei dizendo que o conteúdo trabalhado seria em torno da questão da poluição das águas, em especial as do rio Bauru. Fiz algumas perguntas: 1. “Vocês sabem de onde vem a água que chega às nossas torneiras?” A classe não sabia. Então expliquei que a água que abastece a cidade de Bauru vinha do rio Batalha e de poços artesianos. 2. “O esgoto em Bauru é tratado?” Alguns alunos disseram que sim, outros disseram que não, mas a maioria da classe declarou que não sabia. 3. “Para onde vai a água utilizada na descarga, no chuveiro, na cozinha?” Eles só sabiam que ela saia pelo cano. Quando disse que todo o esgoto da cidade era jogado no rio Bauru, eles fizeram expressão de espanto. Parece que realmente não sabiam. Com esta abordagem tentei despertar interesse nos alunos sobre uma problemática importante: o saneamento básico. Não queria trabalhar com uma turma que não sentisse a necessidade de pensar criticamente a questão da poluição das águas naturais. Eles aceitaram este nosso desafio (...). Este registro da professora-pesquisadora demonstrou sua preocupação em despertar o interesse pelos problemas urbanos e trabalhar o tema proposto. A professora-pesquisadora também fez perguntas para investigar qual era o nível de entendimento sobre o assunto. Assim, a professora-pesquisadora explicou sobre o tema com o qual gostaria de trabalhar com os alunos e sobre a abordagem política, mas também questionou o entendimento que os alunos tinham do problema proposto, ou seja, sobre suas experiências prévias relativas ao tema. Na aula seguinte o tema foi exposto na lousa com o título: “Poluição das Águas do rio Bauru sob a Perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica”. Em seguida, uma breve explicação foi colocada da seguinte maneira: • O conteúdo proposto será abordado numa determinada linha política. • A atividade coletiva será conduzida na perspectiva de uma pedagogia diretiva, própria da pedagogia socialista; • O trabalho será conduzido através do processo teórico- metodológico chamado Materialismo Histórico; • A ação pedagógica terá como finalidade, além do conhecimento científico, a transformação social. Logo após, a professora escreveu na lousa, com o decorrer das aulas, o que era o Materialismo Histórico. Em seguida foi exposto o conteúdo programático da atividade, o objetivo geral e os objetivos específicos e uma proposta de como seria o sistema de avaliação. No DA os alunos escreveram: Aluno 11: “Foi uma aula conturbada, mas eu relevei”. Aluno 17: “O trabalho ficou bem mais claro e eu entendi grande parte do conteúdo”. Aluno 18: “É bom aprender esse processo da natureza e suas dificuldades de sobrevivência. Para a classe é muito bom sair da sala de aula”. Diário de Aprendizagem do Aluno 13 Na maioria das aulas os alunos não participam tanto com perguntas e sugestões. Por isso, o Aluno 11 deve ter estranhado a dinâmica da aula, achando- a “conturbada”, talvez por ter havido um diálogo maior entre a professora e os alunos. Com um esclarecimento maior das atividades, o Aluno 17 demonstrou compreender melhor a proposta. O aluno 18 modificou completamente a primeira impressão que tivera acerca do trabalho, pelo menos neste momento. A professora-pesquisadora registrou: (...) e sugeriram que fizéssemos uma visita ao rio Bauru. Comentei que pretendia levá-los à nascente e que o percorreríamos pela cidade, para estudá-lo melhor. Eles ficaram muito empolgados. Escrevi na lousa os objetivos atrelados aos conteúdos que seriam estudados. Mostrei o livro com o qual iniciaria os estudos.Trata-se do livro paradidático: Água: origem, uso e preservação, de Samuel Murgel Branco (1993). Em seguida, a professora-pesquisadora apresentou o sistema de avaliação e a sugestão para a formação dos grupos. Foi sugerido que os alunos formassem grupos com quatro alunos, pois inicialmente eram 40 alunos matriculados. Entretanto, por diversos motivos, que não são objeto de nossa análise, isto não foi possível. As amizades eram muito fortes e já haviam grupos de amizade estruturados desde o Ensino Fundamental. Os alunos escreveram: Aluno 17: “Eu entendi completamente como vai funcionar o trabalho. Dei algumas sugestões e escolhemos nosso grupo”. Aluno 15: “Eu achei super interessante os objetivos. Eu acho que nós temos muito que aprender sobre isso. Esse assunto da poluição no rio Bauru nunca foi abordado aqui na escola. Entretanto, eu não acho certo na minha opinião fazer um trabalho e apresentar para a classe”. Aluno 11: “Foi uma aula agitada e interessante”. Aluno 18: “O sistema de avaliação é muito bom. É muito bom trabalhar em grupo, foi descontraído”. Os alunos demonstraram ter gostado de trabalhar em grupos, que foram formados pelo critério da afinidade. A prova em grupo também foi motivo de satisfação entre eles. Este fato revela que as provas tradicionais, quase sempre, criam animosidades entre os alunos. A professora-pesquisadora registrou: Apresentei o sistema de avaliação, que foi objeto de diálogo com os alunos. Expliquei cada item. Alguns alunos sugeriram fazer as apresentações que inicialmente seriam em cartolinas, no Programa “Power Point”. Quando mencionei o Diário de Aprendizagem eles pediram para fazer nas fichas como nas aulas do professor Luiz Gonzaga, quando eles estavam na Primeira Série do Ensino Médio. Estes registros da professora-pesquisadora demonstram grande flexibilidade em aceitar algumas sugestões dos alunos porque a docente percebeu o interesse que a classe manifestou ao longo dos trabalhos escolares. Para que os objetivos do trabalho (Apêndice II) não fossem esquecidos, cada grupo escreveu em uma cartolina alguns objetivos, que foram colados acima da lousa, na sala de aula. O Aluno 11 manifestou sua opinião com sinceridade, fato que demonstra ter havido uma preocupação em criar um ambiente de confiança e seriedade, para que os alunos pudessem expressar suas opiniões sem temer os colegas ou a professora. Entretanto, a maioria demonstrou satisfação com esta etapa do trabalho, como escreveram nos DA: Aluno 16: “Fizemos cartazes referentes às aulas; foi super legal e divertido”. Aluno 11: “Eu achei perda de tempo fazer aqueles objetivos, mas um pouco de capricho não faz mal a ninguém. Gostei. Foi uma aula sem muito barulho, todos trabalhando”. Aluno 15: “Nas duas aulas fizemos cartazes pondo em prática o trabalho”. Aluno 17: “Começamos a passar para a cartolina a explicação do trabalho. Terminamos e colocamos os cartazes na parede”. Confecção dos cartazes pelos alunos Colagem dos cartazes A professora-pesquisadora registrou o seguinte: Entreguei uma cartolina para cada grupo escrever o que havíamos decidido até aquele momento: desde a proposta do trabalho até os objetivos finais. Também entreguei um pincel, tipo caneta, para cada grupo. Eles começaram a confeccionar os cartazes. Fiz algumas fotos sobre o momento para registrá-lo. Para que pudesse obter informações adicionais sobre o trabalho em sala de aula e dados para a pesquisa, a professora-pesquisadora demorou um pouco, mas entregou as fichas para que os alunos escrevessem em seus Diários de Aprendizagem (DA). Os DA também foram a primeira forma de avaliação da classe. Apesar de já terem tido algumas aulas, os alunos deveriam escrever desde o primeiro dia. Teriam que fazer um esforço para se lembrar das ocorrências. As anotações mais significativas, nos DA, foram as registradas anteriormente. Sobre as orientações dadas, a professora registrou: Levei as fichas para o Diário de Aprendizagem e relembramos como era feito o DA. Eles deveriam escrever o mês no começo da ficha e anotar cada dia de aula. Era para eles escreverem os sentimentos sobre tudo o que acontecia na disciplina (Biologia) e a proposta de trabalho desde a primeira aula. Alguns alunos escreveram sobre este instrumento que tinham em mãos, em seus próprios DAs: Aluno 11: “Foi a aula que entregou o diário. Não gosto muito dele, mas sou a minoria”. Aluno 15: “Enfeitamos o diário e a professora fez um comentário do que deve ser feito com ele”. Os Diários de Aprendizagem Como eles já haviam trabalhado com o DA, não houve maiores problemas. Alguns até gostaram e confessaram estarem com saudades. Apenas o Aluno 11 foi sincero em escrever que não gostava deste instrumento. A Prática Social Inicial foi mais extensa do que o planejado. Os conteúdos e objetivos foram longos e abrangentes. Decidir sobre o sistema de avaliação também foi demorado, porque a professora descobriu uma vontade muito grande dos alunos em trabalharem o programa de computador denominado Power Point. A preferência pelo computador pode ser pelo fato de terem ido à SAI (Sala Ambiente de Informática) apenas na Primeira Série do Ensino Médio. A SAI é pouco utilizada por professores e alunos nesta escola. Problematização A partir da leitura dos primeiros DA e das conversas realizadas em sala de aula, vários questionamentos dos estudantes foram identificados. Nos DA alguns alunos escreveram: Aluno 15: “Eu achei interessante o trabalho. Eu não entendi a respeito do materialismo histórico; eu nunca tinha ouvido falar a respeito”. Aluno 18: “É bom aprender esse processo da natureza e suas dificuldades de sobrevivência. Aluno 24: “Achei legal poder entender mais sobre a morte de um rio, as doenças causadas por água não tratada; enfim, vai ser muito interessante”. Nas conversas em sala de aula, alguns alunos perguntaram se estudariam as interferências do ser humano sobre o ciclo da água. A questão do consumo de água pela agricultura também foi levantada, porque eles estavam estudando a respeito na disciplina de Geografia. Neste sentido, as questões problematizadoras identificadas foram: 1. Qual a porcentagem de água doce do planeta? E do Brasil? 2. Que importância a água tem para os seres vivos? 3. A água tem alguma importância econômica? E política? 4. Que importância histórica e social possui a água? 5. Como o ser humano interfere no ciclo da água? Quais as conseqüências dessa interferência? 6. O que é mata ciliar? Por que possui este nome? Qual é sua importância? 7. O que significa a palavra “eutrofização”? Como um rio morre? Existe um culpado quando isso ocorre? Um rio morto pode se recuperar? Como? 8. Que doenças podem ser veiculadas pela água? Essas doenças são graves? Elas atingem pessoas no mundo todo? Por quê? 9. Por que o rio Bauru está poluído? Ele também está contaminado? Este problema do rio é por falta de tecnologia ou é apenas uma questão política? O rio Bauru poderia ser diferente? Poderia ser mais limpo? Como? 10. Como ocorre o processo de tratamento de esgoto? Por que algumas cidades possuem Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), como Araçatuba, e a cidade de Bauru não a possui? 11. Por que devemos economizar água se tem tanta água disponível em nossa região? Ao ler os DA a professora percebeu que um aluno (Aluno 15) não havia entendido o significado de Materialismo Histórico, base da pedagogia de caráter socialista. Supôs que mais alunos também não tivessem entendido. Assim, explicou novamente, pois não poderia iniciar o conteúdo se seus alunos não entendessem o objetivo da pedagogia que conduziria o ensino. A primeira explicação sobre o Materialismo Histórico (BOTTOMORE, 1988) foi a seguinte: 1. O Materialismo Histórico é uma visão crítica da sociedade, porque a sociedade capitalista é injusta e desigual. 2. Valoriza o trabalho humano como fonte do valor. 3. Mostra a alienação do trabalho. Alienação é o desinteresse pelas questões políticas e sociais. A pessoa cede seus direitos por não conhecê-los. 4. Analisa as contradições da sociedade, a existência de classes sociais distintas. 5. O Materialismo Histórico quer fazer um estudo da sociedade como realidade histórica, portanto, sujeita à transformação (mudança). 6. Ele pensa numa utopia (sonho) de uma sociedade sem classes, sem injustiça social e livre da opressão5. 7. É materialismo porque está interessado numa visão imanente (inseparável) da sociedade. A sociedade tem que ser explicada pelos próprios homens. Assim, o ser humano cria a sua própria realidade. A segunda explicação foi muito mais simples: Quem “inventou” o Materialismo Histórico foi Karl Marx. A igreja mandava o povo se conformar com a situação de vida precária na Terra e falava que após a morte, todos iriam para o paraíso. Marx não acreditava na igreja nem na vida após a morte. Ele lutava para que a justiça social ocorresse aqui na Terra. Constitui ponto importante no Materialismo Histórico, a idéia de que as diferenças sociais são criadas socialmente. 5 Esta característica do Materialismo Histórico coincide com os princípios da Educação Ambiental, na perspectiva sócio-ambiental. * Materialismo é acreditar no mundo material e no mundo espiritual sem transcendência religiosa. É evitar a alienação decorrente do trabalho explorado e desvirtuado. O Materialismo Histórico valoriza a prática social. Assim, a professora-pesquisadora explicou novamente e pediu que os alunos escrevessem numa folha de caderno o que haviam entendido, em grupo. Os grupos deveriam discutir e entregar o produto da reflexão (que seria avaliada) para a professora: Grupo 2: Nós concordamos com o materialismo histórico porque as críticas que ele faz sobre a sociedade são verdadeiras. Com isso ele está valorizando o trabalho humano e vendo que as pessoas cedem seus direitos por não conhecê-los e fazem muitas injustiças. Ele está querendo transformar a sociedade em uma sociedade unida sem diferenças e desigualdades. Grupo 6: O materialismo histórico defende como um todo a desigualdade social [...] Grupo 7: O materialismo histórico é uma utopia que sonha em tornar a sociedade justa e igualitária, mas por outro lado existe o capitalismo, a alienação, não só trabalhista como também religiosa que torna essa mudança algo quase impossível. O relato do grupo 2 foi coerente com a realidade em que vivemos; ressaltou a valorização do trabalho e a ignorância da maioria das pessoas, que não “fazem” muitas injustiças, mas “sofrem”injustiças. O Grupo 6 praticamente copiou o que estava escrito na lousa, entretanto, logo na primeira frase, inverteu completamente o significado do Materialismo Histórico. O Grupo 7 ressaltou a força do capitalismo e confundiu a questão religiosa, pois quando se diz que a Igreja era criticada por Marx porque pregava o conformismo, os alunos ficam confusos, já que praticamente todos são religiosos. Esta questão deveria ter sido debatida em sala de aula. O Materialismo Histórico foi tratado de maneira superficial e não houve um estudo aprofundado. Em seus DA os alunos escreveram sobre o estudo do Materialismo Histórico: Aluno 16: “Falamos bastante sobre o materialismo histórico no nosso grupo, agora entendemos melhor”. Aluno 17: “Fizemos um trabalho sobre o materialismo humano”. Aluno 11: “Nós fizemos um texto sobre o materialismo, foi interessante. Eu entendi”. Após esta tarefa, a professora iniciou os estudos dos conteúdos sobre a questão da Poluição das Águas (Apêndice I), e a importância do momento seguinte, denominado Instrumentalização. Instrumentalização A fim de trabalhar os conteúdos postos na Prática Social Inicial e responder às questões formuladas no momento da Problematização, na Instrumentalização os alunos confrontariam seus conhecimentos cotidianos com os conhecimentos científicos do problema da poluição das águas, em especial as do rio Bauru. Para começar o trabalho educativo, a professora-pesquisadora forneceu uma cópia de cada capítulo do livro: “Água: origem, uso e preservação”, de Samuel Murgel Branco, para que os grupos elaborassem resumos comentados, discutissem, perguntassem e anotassem suas dúvidas. Este livro é um paradidático bastante abrangente e especialmente indicado para o Ensino Médio. O primeiro capítulo foi entregue para que os grupos o estudassem em sala de aula. Os resumos comentados eram feitos na classe e digitados na SAI (Sala Ambiente de Informática). Alguns alunos escreveram sobre esta fase em seus DA: Aluno 18: “Fomos na sala de computadores digitar o resumo. Pesquisamos ‘sites’ na Internet. Foi muito legal”. Aluno 17: “Começamos a montar o resumo no computador e tentamos mandar para a professora por e-mail”.9 Alunos na Sala Ambiente de Informática (SAI) 9 Não conseguiram porque ficou muito ‘pesado’ devido às imagens. Aluno 15: “Não foi preciso passar o trabalho para o disquete porque o Aluno 8 já tinha passado na casa dele. Então procuramos sites que falam sobre a água”. Aluno 11: “Apesar de não digitar bem, digitei bastante, foi gostoso”. “O trabalho ficou um pouco confuso, mas no final deu tudo certo”. Como fazia muito tempo que não utilizavam a SAI, os alunos estavam satisfeitos. O Aluno 18 também demonstrou ter gostado da atividade. Os grupos nos quais o integrante, que estava com a folha a ser digitada, faltava naquele dia ficavam atrasados. Conforme o andamento das aulas, a professora sentiu um certo comodismo por parte considerável da classe e decidiu entregar os outros capítulos para que os grupos pudessem terminá-los em casa. A professora agiu desta maneira porque achou que os alunos estavam demorando muito. A maior preocupação era com relação ao tempo estipulado para a realização do trabalho, no sentido de que este não extrapolasse o planejado. Uma aluna percebeu este momento e escreveu em seu DA: “Mas infelizmente os alunos (nós) não renderam o esperado e a professora teve que dar os textos para serem resumidos em casa. Os grupos decepcionaram a professora”. “Infelizmente as aulas não estão rendendo o que deveriam, pois há alunos que não contribuem para uma aula agradável e produtiva”. Após terminarem os resumos comentados, a professora escreveu a palavra “Água” na lousa e solicitou que os alunos falassem tudo que lhes viesse à mente. Ela escreveu tudo o que os alunos disseram: Água Mata minha sede, inodora e insípida, indispensável para organismos aeróbios, sólida (sic), não sobrevivemos sem ela, só existe no estado líquido no planeta Terra, fonte de vida, solvente universal, tomar uma ducha, chuva, responsável pelo equilíbrio da temperatura, já existiu em Marte, é líquida, é cristalina, alisa o terreno da Terra, rios e lagos são fontes de alimentos, é reciclável, está fedendo, pode ser turva e colorida, está acabando, está sendo maltratada, esgoto doméstico, desenvolve organismos patogênicos, perda de oxigênio devido à decomposição de resíduos orgânicos, matas ciliares, obtenção de energia elétrica, assoreamento e erosão, pode ser “doce” ou salgada, tem mais salgada do que “doce”, neblina, é inesgotável, intemperismo (fatores biológicos, químicos e físicos), tem um ciclo, 70% do nosso corpo é composto por água, hidrelétrica, com as hidrelétricas desenvolvem-se novas populações e a economia, importância de rios de planícies e planaltos para navegação e construção de hidrelétricas, tem uma estrutura, ambiente aquático é importante, enchente, lençóis freáticos ou subterrâneos, importância no sistema digestivo humano. É possível perceber que alguns conceitos estão confusos, como “é inesgotável” e “está acabando”. Disseram que a água “desenvolve organismos patogênicos”, apesar de apenas veicular esses organismos. A professora questionou o fato de saberem tanto sobre hidrelétricas. Os alunos relataram que estavam aprendendo esta questão na disciplina de Geografia. Outros termos utilizados demonstraram que tiveram contato com os conhecimentos científicos correspondentes ao problema estudado. Diário de Apr