1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA LUDICIDADE: metodologias e materiais para professores do 1º ano do ensino fundamental MICHELLE CAROLINE FERREIRA DOS SANTOS Bauru 2016 2 MICHELLE CAROLINE FERREIRA DOS SANTOS LUDICIDADE: metodologias e materiais para professores do 1º ano do ensino fundamental Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Docência para à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências, - Campus de Bauru, Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica, sob orientação da Profa. Dra. Maria do Carmo Monteiro Kobayashi. Bauru 2016 3 Santos, Michelle Caroline Ferreira. Ludicidade: metodologias e materiais para professores do 1º ano do ensino fundamental. Michelle Caroline Ferreira dos Santos, 2016. 185 f. Orientador: Maria do Carmo Monteiro Kobayashi Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2016. 1. Crianças. 2. Atividades lúdica. 3.Classement des objets ludiques. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. 4 5 Dedico este trabalho à minha família. A minha filha amada Manuela, aos meus pais Gilmar e Catarina, meu porto seguro, aos meus irmãos Marcio e Marcus Vinícius, meus grandes amigos e a minha avó Erminda, eterno amor. 6 AGRADECIMENTOS Inicialmente, agradeço a Deus, pelo dom da vida e por me conceder saúde e força durante esta caminhada, na qual pude sentir profundamente sua presença. Ao meu bem maior, minha família, pelo apoio imprescindível para que eu pudesse concluir esse desafio. À minha filha Manuela, meu maior tesouro, que, mesmo tão pequena, me incentivou e compreendeu minha ausência. A meus pais, Gilmar e Catarina, pelo apoio, incentivo e suporte que me proporcionaram e pela dedicação aos cuidados com minha filha, durante os incontáveis momentos nos quais não pude estar presente, para me dedicar a esse trabalho. Sem vocês, não teria conseguido! Aos meus demais familiares, meus amados irmãos Marcio e Marcus Vinícius, minha estimada avó Erminda, minha cunhada Andreia, meu sobrinho Marcio, tios, tias e primos. Obrigada por acreditarem em mim! À minha querida orientadora, Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Monteiro Kobayashi, por confiar em meu potencial, incentivar-me e contribuir para meu amadurecimento intelectual e emocional. Hoje você faz parte de minha vida! Aos professores membros da Banca Examinadora, Prof.ª Dr.ª Aline Sommerhalder e Prof. Dr. Marcos Jorge, pelas valiosas contribuições em prol do aprimoramento deste trabalho. À Unesp/Bauru e a todos os professores do Programa de Mestrado Profissional em Docência para Educação Básica, pela oportunidade de estudo e os aprendizados proporcionados. A minhas irmãs do coração, Janaína Gasparoto Fusco, Ana Flavia Lopes Lenharo e Eliane Maria Rocha Dias. Obrigada por todo o apoio, paciência, carinho, fidelidade e cumplicidade. Jamais esquecerei... À Juliana Henrique Silvério Bernardo, pessoa especial que conheci no decorrer desta trajetória, um presente de Deus, que me amparou nos momentos difíceis, tornando-se confidente fiel e incentivadora. Aos meus amigos de longa data, por compreenderem minha falta em diversas ocasiões, Franly, Alessandra, Daniela, Kellen, Rosemeire, Célia, Renata, Sônia, Natyara e Karina. 7 Aos meus companheiros de turma deste Programa de Mestrado, pelo apoio e união, em especial àqueles que se tornaram verdadeiros amigos: Manuela, Bruna e Maria Amélia. À Mariane Medeiros. Obrigada por sua doce presença e auxílio imprescindível na elaboração do Catálogo Ludico, produto desta dissertação. Você é uma artista! Aos companheiros de trabalho e amigos: Marta, Fabio, Rosana e Érika. Obrigada por entenderem minha ausência e apoiarem meus estudos. À Secretaria Municipal da Educação, pela autorização concedida para a realização desta pesquisa, em especial ao Wagner Antônio Junior, pelo pronto atendimento aos trâmites legais e pela entrevista concedida. Em especial, às professoras sujeito de pesquisa. Muito obrigada!Sem vocês ela não teria sido possível. Obrigada a todos... 8 RESUMO Brinquedos e jogos são comumente concebidos como interessantes suportes para os processos de ensino e aprendizagem e há muito é enaltecida a crença sobre a sua importância como facilitadores desses processos na escola, estando sua utilização, prevista, inclusive, nos Documentos Oficiais da Educação nos âmbitos federais, estaduais e municipais, principalmente a partir da Lei n.º 11.274, que ampliou o ensino fundamental para 9 anos, momento no qual crianças de 6 anos foram matriculadas no 1.º ano dessa etapa escolar. Ressalta-se que essas crianças tinham garantidas na educação infantil as interações e a ludicidade como eixos estruturantes do currículo. Porém, como a atividade lúdica é contemplada pelas professoras em seus afazeres nos 1.os anos do ensino fundamental de escolas municipais? Com base nesse questionamento, o objetivo da pesquisa consiste em identificar, descrever e refletir sobre o uso dos recursos lúdicos (jogos e brinquedos, principalmente) na rotina escolar de turmas do 1° ano do ensino fundamental de escolas municipais. Para tanto, realizaram-se as ações de inventariar, descrever e refletir sobre as orientações dos Documentos Oficiais de orientação educacional em sua relação com a ludicidade, levantar e discorrer sobre concepções teóricas em pesquisas cientificamente reconhecidas sobre a relação entre ludicidade, desenvolvimento infantil e educação, além de investigar a realidade do trabalho pedagógico realizado com as turmas dos 1.os anos do ensino fundamental de escolas municipais dialogando com o referencial teórico. A pesquisa, de abordagem qualitativa, um estudo de caso, teve início com o levantamento bibliográfico que permitiu a elaboração do instrumento de coleta de dados – um questionário, sua aplicação, categorização, análises descritiva e interpretativa de dados. O estudo foi constituído por uma amostra de 40 professores que lecionam em turmas de 1os anos de escolas municipais de Ensino Fundamental, tendo sido realizadas a caracterização do sujeito, formação inicial e continuada, as situações de planejamento, usos e avaliação dos brinquedos e jogos no cotidiano escolar e análise de vivências lúdicas. Ao término da pesquisa, elaborou-se um catálogo com orientações e materiais para professores com o intuito de subsidiá-los na tarefa de mobilizar, apoiar e avaliar as atividades lúdicas a serem realizadas pelos alunos do 1.º ano do Ensino Fundamental, no uso desses objetos, baseado no sistema de análise de objetos lúdicos COL (Classement des objets ludiques). Palavras-chave: Professores. Crianças. Atividade lúdica. Classement des objets ludiques. 9 ABSTRACT Toys and games are usually conceived as interesting supportsto the process of teaching and learning and the belief about its importance has been praised as facilitators of these processes in the school, and the uses can be seen in the Official Documents of Education under the number 11.724 law, which has extended the elementary school to 9 years, and this way, 6-year-old children were enrolled in the first (1st) year of Elementary School. It is important to emphasize that these children had the interactions and the playfulness granted in the preschool education as structural axis in the curriculum. Nevertheless, how do the teachers contemplate the ludic activity in the first (1st) year of municipal elementary schools? Based on this questioning, the objective of this research consists in identifying, describing and reflecting on the use of ludic resources (mainly toys and games) in the routine of the first (1st) year classes in municipal schools. Actions of inventory, description and reflection on Official Documents orientation to the teacher practice in the elementary school in relation to the playfulness were performed; the search for theoretical presupposition in scientifically recognized researches that make the relations among playfulness and the teaching and learning process explicit to elementary school children and the investigation on how this process is carried out in the first (1st) year of municipal schools. The research, based on a case study on qualitative approach, started with a bibliographical survey, which enabled the elaboration of data collection – a questionnaire, its application, and categorization, descriptive and interpretative analyses of data. The study was composed by a sample of 40 teachers who teach in the first (1st) year of municipal elementary schools, and the subject characterization, initial and continuing formation, planning situations, toys and games uses and evaluation in the everyday classes and the analysis of ludic life. In the end of the research, a catalog with guidance and teacher materials was elaborated in order to subsidize them in the task of mobilizing, supporting and evaluating the ludic activities that will be accomplished by the Elementary School students of the first (1st) year, in the use of the these objects, based on the analysis system of COL (Classementdesobjetsludiques) ludic objects. Keywords : Teachers. Children. Ludic activity. Classement des objetsludiques. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Estrutura dos PCNs para o ensino fundamental 32 Figura 2 Ficha Col 164 11 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Faixa etária.......................................................................................... 102 Gráfico 2 Exercício Docente no ensino fundamental......................................... 103 Gráfico 3 Opção pela Carreira Docente.............................................................. 104 Gráfico 4 Cursos de pós-graduação lato sensu e stricto senso......................... 109 Gráfico 5 Especializações................................................................................... 110 Gráfico 6 Cursos Realizados, oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação............................................................................................. 115 Gráfico 7 Cursos realizados, externos à Secretaria Municipal da Educação..... 117 Gráfico 8 Curso, estudos realizados sobre jogos e brinquedos no 1º ano do Ensino Fundamental............................................................................ 118 Gráfico 9 Estudos e cursos Realizados/Citados................................................ 119 Gráfico 10 Interesses e Necessidades para Docência no ensino fundamental.. 121 Gráfico 11 Necessidades Formativas para os usos de Jogos e brinquedos........ 124 Gráfico 12 Definição de atividade lúdica............................................................. 127 Gráfico 13 Contribuições da atividade lúdica para a Criança do ensino fundamental I....................................................................................... 132 Gráfico 14 Razões para o uso dos objetos lúdicos do acervo escolar................ 135 Gráfico 15 Critérios de seleção de jogos e brinquedos para as aulas................. 141 Gráfico 16 Concepção das professoras acerca de seu papel na atividade lúdica 144 Gráfico 17 Interesse das crianças nas aulas com o uso dos jogos e brinquedos 147 Gráfico 18 Peridiocidade na utilização de jogos e brinquedos nas aulas............. 149 Gráfico 19 Atividades lúdicas das professoras na infância na escola................... 151 Gráfico 20 Atividades lúdicas mais requisitados pelas crianças........................... 152 Gráfico 21 Atividades lúdicas mais viabilizadas as crianças................................. 152 12 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS APM Associação de Pais e Mestres ATPC Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo CEB Câmara da Educação Básica CNE Conselho Nacional de Educação COEF Coordenação Geral de Ensino Fundamental COL Classement des objets ludiques DCEI Diretoria de Currículos e Educação Integral DCNEB Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EF Ensino Fundamental EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas LDB Lei de Diretrizes e Bases LDB Lei de Diretrizes e Bases MEC Ministério da Educação MP Medida Provisória PCCS Planos de Cargos Carreiras e Salários PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa PNBE Plano Nacional da Biblioteca na Escola PNE Plano Nacional da Educação PNLD Plano Nacional do Livro Didático PPP Projeto Político Pedagógico PQP Progressão por Qualificação Profissional PQPE Progressão por Qualificação Profissional e Escolaridade SEB Secretaria de Educação Básica SESI Serviço Social da Indústria TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido 13 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO........................................................................................................ 14 INTRODUÇÃO Trajetória de Formação Docente: das ações lúdicas infantis a escolha da pesquisa..................................................................................................... 19 1 PROBLEMATIZANDO E DISCUTINDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS E O LÚDICO..................................................................................................................... 22 1.1 O Ensino Fundamental de 9 anos............................................................................................. 24 1.2 Os documentos oficiais............................................................................................................. 31 1.2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais.......................................................................................... 31 1.2.2 Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica................................................ 42 1.2.3 Pressupostos dos Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem (1°,2° e 3° anos) do Ensino Fundamental de do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa –PNAIC...................................................................................... 49 1.2.4 Currículo Comum para o Ensino Fundamental do município de Bauru........................ 58 2 AS ATIVIDADES LÚDICAS: JOGOS E BRINQUEDOS NO CONTEXTO ESCOLAR..................................................................................................................... 62 2.1 Classificação de Jogos segundo Jean Piaget........................................................................... 76 2.2 COL Classement dos objets ludiques- processo de elaboração e caracterização................... 88 3 O PERCURSO DA PESQUISA: DOS REFERÊNCIAIS TEÓRICOS A APROXIMAÇÃO COM A REALIDADE DA SALA DE AULA...................................... 92 3.1 Fundamentação da pesquisa.................................................................................................... 92 3.2 Contextualização da pesquisa.................................................................................................. 93 3.3 Procedimentos de pesquisa...................................................................................................... 95 3.4 Instrumentos, estratégias e procedimentos para coleta de dados............................................ 97 3.5 Processo de organização e análise dos dados........................................................................ 99 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................... 101 5 CONSTRUÇÃO DO “CATÁLOGO LÚDICO” ORIENTAÇÕES E MATERIAIS PARA PROFESSORES DO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL......................... 161 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 165 REFERÊNCIAS............................................................................................................ 170 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO AOS PROFESSORES........................................................................................................... 177 APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES........................ 180 APÊNDICE C – ENTREVISTA – CURSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA.............................................................................................................. 191 ANEXO I – TERMO DE AQUIÊSCENCIA.................................................................... 192 ANEXO II – AUTORIZAÇÕES – BRINQUEDOS E JOGOS......................................... 193 14 APRESENTAÇÃO Memória (lat memorare) vtd 1 Trazer à memória; recordar: Cada qual lembrava um fato. Lembrar-lhe-ei os pontos mais importantes. Ao falar em ludicidade, normalmente, pensamos nas crianças da atualidade, nas crianças de um modo geral, e naquelas com as quais convivemos como nossos filhos, sobrinhos e alunos [...]. Porém, refletindo um pouco mais, podemos nos lembrar de que um dia também fomos crianças e da criança que fomos um dia... Por isso, divagando em meus pensamentos diante de minha tarefa de colaborar com a ação docente, oferecendo aos professores a possibilidade de reflexão sobre a importância da ludicidade para o universo infantil e suas contribuições para os processos de ensino e aprendizagem na escola, percebi a necessidade de regressar à minha infância, resgatando minha memória lúdica. Conversando com minha filha, de apenas 8 anos, sobre essa missão e o quanto ela me parecia difícil, já que as lembranças se encontravam aparentemente tão distantes e dispersas dentro de mim, imediatamente ela me sugeriu escrever sobre o sítio de minha bisavó paterna, relatando os “causos” que eu mesma já havia lhe contado, o que me fez perceber que essa é uma parte fundamental da minha infância, talvez a grande responsável pela constituição do que sou hoje. Já com essa ideia em mente, resolvi ir até a casa de meus pais para olhar algumas fotografias que me ajudassem. Ah! Como me ajudaram! Observando todas aquelas imagens pequenas, distorcidas e embaçadas, características próprias da tecnologia da época, imediatamente meus olhos marejaram e não pude conter a emoção. Como em um filme, minhas recordações vieram à tona com uma clareza que superou a resolução das fotografias e me permitiu perceber o quanto minha história, apesar de todas as dificuldades, é feliz. Para além do sítio de minha bisavó, lembrei-me de minha primeira casa e assim de minha família. Meus pais, na época tão jovens; meus dois irmãos que tanto amo; minha prima e companheira que morava em outra cidade; meus primos mais que queridos, que na época moravam próximos a mim; meus tios e tias guerreiros; meus atenciosos padrinhos; meu simples e amável avô materno e, claro, minhas maravilhosas avó e bisavó paternas. 15 Iniciando pelo sítio, posso dizer que este era um local mágico... Que os jogos simbólicos são fundamentais para o desenvolvimento infantil, certamente meus pais não sabiam... Pelo menos, não para além do senso comum, mas, a seu modo, propiciaram esses momentos a seus filhos, principalmente neste local. Na cidade, minha mãe, que trabalhava em tempo integral, não permitia que saíssemos de casa, ao que obedecíamos sem muito questionar, mas, ao chegarmos ao “mundo da magia”, éramos libertos... Afinal, que perigo corríamos? Fugir, de cobras, porcos nervosos e supostas jaguatiricas? Tudo bem. Hoje sei que esse perigo era bem menor que o oferecido pelo ser humano, lá na cidade tão temida pela minha mãe. Mas, enfim, nesse local não apenas corríamos de animais (o que também era incrivelmente divertido). Junto a meu irmão mais velho, um primo e uma prima que também eram irmãos – como eu os amo – transformava-me em uma verdadeira desbravadora e, unidos, percorríamos o enorme local como “reais” aventureiros, enquanto meu irmão mais novo se divertia junto com um primo da mesma idade. Virávamos Tarzan e Indiana Jones, pendurando-nos de cipó em cipó, caçadores de fantasmas pelos locais mais sinistros da propriedade que, claro, era “assombrada”. Nadávamos no rio dando cambalhotas do alto de uma ponte de madeira bem velhinha; fazíamos guerra, banho e esculturas de argila; pescávamos no açude em companhia dos borrachudos, que deixavam buracos na pele; fazíamos cabana embaixo de uma mangueira cujas folhas abraçavam o chão tornando o local propício; subíamos em árvores; andávamos de mula. Ah, Mineira... Lembro-me de uma vez em que minha prima e eu caímos dela de tanto rir... Contávamos histórias, brincávamos no barro ou na areia branquinha que nos levava à bica onde os adultos nos mandavam buscar água, trazendo-a naquela moringa de barro... A mesma moringa anos a fio... Adultos? Esses estavam trabalhando e se divertindo à sua maneira, com conversas, música, violão, plantação, criação de bicho da seda, animais e, acima de tudo, muito companheirismo e cumplicidade. Estes também estavam zelando por nós, com suas culinárias e brincadeiras. Lembro-me de participar com eles, no feitio de pão do caseiro, da garapa, da pamonha e do curau, dias de muita festa e brincadeira, pois, geralmente, a família da minha mãe era convidada e aí podíamos contar com uma festa completa, com a 16 participação de dezenas de crianças, meus outros primos, crianças muito animadas e divertidas... E como esquecer minha avó querida “rastelando em volta da casa”, como ela costumava dizer, e montando móveis e utensílios domésticos com caixotes de madeira e folhas, dando-me bonecas de espiga de milho, com os cabelos de cores variadas para que eu brincasse... Minhas preferidas eram as ruivas. Será por isso que minha filha, duas décadas depois, nasceu com o cabelo vermelho? Apesar das lembranças do sítio serem muitas e importantes, outras também, igualmente valiosas, permeiam meu coração. Essa mesma avó me levava a vários lugares, enquanto minha mãe trabalhava e me ensinou a apreciar coisas simples, como as flores que tinha em seu jardim. Como ela zelava por elas... E me levava também à casa de minha “bisa”, onde tínhamos que ir todas as tardes e não se podia ligar a televisão. O jeito era brincar e imaginar, imaginar... Que bem elas me fizeram! Então, correndo sozinha em volta da casa, em um local que era uma mistura de jardim, pomar e horta, vivia mil histórias e fantasias, transformando-me em uma corajosa desbravadora de florestas, artista de televisão, cantora, mamãe... Meus pais faziam o possível para propiciar bons momentos. Íamos comer pipoca na praça... Que saudade! Nadar na piscina do SESI, onde também brincávamos muito, e na casa de meus tios maternos, onde a molecada se divertia bastante... Era pega-pega, mãe da rua, esconde-esconde, rio vermelho, “betes”, barro, mamãe e filhinha... Nossa! Haja disposição! E meu avô paterno? Sempre com seus trava-línguas! Ele já se foi... E eu ainda não consigo dizer “num ninho de mafagafos tinha três mafagafinhos”, nem “um prato de trigo para três tigres tristes”... Mas o “serra-serra serrador” e a “barata na careca do vovô”, que ele me ensinou, minha filha curtiu bastante... Minhas tias, irmãs do meu pai, também foram importantes personagens... Junto aos filhos de uma delas, fazíamos divertidos passeios nos quais a brincadeira era a palavra-chave. Íamos ao bosque, ao zoológico, que na época tinha um parque cujo trepa-trepa eu achava enorme, e ao parque Vitória Régia. Além delas, havia outras tias especiais, como a esposa do irmão do meu pai, com suas gostosuras de chocolate caseiro e fantasias cujo preparo nos deixava participar com nossa preciosa “ajuda”, e uma das irmãs de minha mãe, que cuidava de mim com tanto carinho, repetindo a história com o nascimento de minha filha. 17 Lembro-me também da minha outra parceira de infância, uma prima querida que morava em São José do Rio Preto. Nas férias, feriados ou até finais de semana, juntas, a palavra de ordem era imaginação e a diversão estava garantida... Todos os locais e situações se transformavam em motivo de criação: um local elevado tornava-se palco; um prendedor de cabelo em acessório de moda de cantoras famosas; um tijolo em um halter; um parque em uma floresta encantada; um estacionamento de prédio em cenário de clipe musical; um gravador de fita cassete em um estúdio, entre muitas outras coisas. Éramos compositoras, cantoras, Paquitas, apresentadoras de programas infantis, aventureiras, ginastas, dançarinas donas de casa, mulheres de negócio, enfim, éramos crianças. De meus padrinhos, doce lembrança... Todo mês de novembro, mês de meu aniversário, a festa era completa: meu padrinho, que era responsável pela Exposição Anual de Bauru, trazia-me muitos ingressos para brincar junto à minha família, naquele, sob minha ótica, deslumbrante, iluminado e colorido parque de diversões, e minha madrinha sempre me presenteava com um brinquedo que, para mim, quanto maior, melhor... O último foi um Pogo Bol, objeto de desejo da criançada no momento, que jamais achei que teria... Não tinha em minha frente um espelho quando o ganhei, mas até hoje, quando me lembro da cena, imagino meus olhos brilhando e minha boca aberta com a enorme caixa, que eu olhava lá do baixo, dos meus 1,30 m que devia ter na época. Da escola, lembro-me da participação em peças teatrais com figurinos que achava encantadores, por seu fascinante colorido, cuja apresentação era motivo de orgulho; das brincadeiras de massinha com palito; das bolinhas de sabão no pátio... Como eu as achava lindas! Dos livrinhos de historinhas; da pintura em sulfite, com guache, cola plástica e Glitter, que minha mãe comprava e eu ficava louca para pegar na gaveta em casa, o que era proibido. Lembro-me, também, do famoso plantio de feijão em copo de Danoninho... Quanto me fazia imaginar, afinal, havia a história do João e o pé de feijão que, apesar já saber ser fictícia, me encantava... Da correria no pátio, do pega-pega às broncas que levava do inspetor; das brincadeiras de faz de conta e esconde-esconde após o término da aula... Quantas vezes me fizeram perder a perua! Recordações da infância... São mais volumosas, consistentes e agradáveis do que supunha em princípio e me fazem, depois de sistematizadas, enxergar com maior clareza o quanto de fato a infância é um período de extrema importância para 18 a aprendizagem e o desenvolvimento do ser humano, cognitiva, física, emocional e socialmente. Diante do exposto salienta-se que nossas opções científicas também têm raiz em nosso ser pessoal e, por esse motivo, a escolha do objeto desta pesquisa tem como ponto de apoio a trajetória vivida da pesquisadora, que reafirmou a intensa ligação entre a ludicidade e a infância. Felizmente, assim como aponta Kishimoto (2001), na atualidade, a imagem de infância se enriquece com o reconhecimento do papel do brinquedo e da brincadeira para a construção do conhecimento e o desenvolvimento da criança, anunciado por concepções psicológicas e pedagógicas. Nesta esteira, Moyles (2002), observa que o brincar permite que necessidades básicas da criança sejam supridas, por viabilizar a aquisição de conhecimentos, habilidades e pensamentos lógicos, capacidade de comunicação, interação, imaginação, perseverança, cooperação, memorização, autovalorização, compreensão de normas e valores sociais, entre outros aspectos de extrema relevância. Dessa forma, entende-se que o desenvolvimento das atividades lúdicas na escola, especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental, principalmente a partir da Lei n.° 11.274, que ampliou sua duração para nove anos e incluiu crianças de 6 anos de idade nessa etapa escolar, é primordial. Essa premissa ainda encontra consonância nos documentos oficiais de orientação à educação que, baseados nas atuais concepções, alhures destacadas, abordam os aspectos constitutivos do brincar em sua relação com a infância e os processos de ensino e aprendizagem na escola, que devem ser compreendidos de forma consistente pelos professores a fim de que possam planejar, preparar e avaliar ações para essas crianças que têm no brincar e na atividade lúdica uma forma de se expressar, conhecer o mundo e se conhecer, o que se procurou clarificar ao longo desta pesquisa. 19 INTRODUÇÃO Trajetória de formação docente: das ações lúdicas infantis a escolha de pesquisa A entrada da criança na escola se constitui, historicamente, um momento especial e marcante para todos, compondo-se em uma ocasião de mudança nas famílias e na vida da criança, caracterizando-se como um dos termos de passagem que vivemos: a saída do aconchego do lar para a aventura a um lugar novo e desconhecido. Diante do panorama atual, em que as crianças passam por esse processo cada vez mais cedo, muitas vezes, ainda bebês, torna-se prudente que a educação escolar seja foco de atenção, reflexão e pesquisas que abranjam a todas as etapas escolares, para que as políticas públicas e a efetivação das práticas pedagógicas atendam às necessidades das crianças de maneira adequada. Nesse sentido, a opção por esta pesquisa tem um marco importante, a aprovação da Lei Federal n.° 11.274, em 6 de fevereiro de 2006, com as suas características mais efetivas – ensino fundamental de nove anos com a entrada de crianças de 6 anos de idade, cuja implantação pelos municípios, Estados e Distrito Federal teve como prazo máximo o ano de 2010. Considerando que, legalmente, o ensino fundamental não pode representar uma ruptura com o movimento de educação, anteriormente vivido pelas crianças em casa ou na instituição de educação infantil, devendo-se constituir como uma continuidade às suas experiências para que elas, gradualmente, tenham garantidas a promoção da aprendizagem e desenvolvimento e a inserção no mundo onde serão agentes e transformar a si e ao seu entorno, é preciso que ocorram ações pedagógicas condizentes com as especificidades das crianças que passaram, então, por força da lei, a integrá-lo. Diante disso, partindo da hipótese de que os espaços físicos e simbólicos destinados à ludicidade são restritos nas escolas municipais de ensino fundamental, em decorrência da infraestrutura e da necessidade de um aprofundamento teórico acerca da temática, que possibilite aos professores realizar o planejamento, a viabilização e a avaliação das atividades lúdicas, formulou-se a seguinte pergunta investigativa: Como a atividade lúdica é contemplada pelos professores em seus afazeres nos 1.os anos do ensino fundamental de escolas municipais? 20 Visando responder a esse questionamento, delimitou-se como objetivo da pesquisa identificar, descrever e refletir sobre os usos dos recursos lúdicos (jogos e brinquedos, principalmente) na rotina escolar de turmas de 1.º ano do ensino fundamental de escolas municipais, desenvolvendo-se, para tanto, ações de inventariar, descrever e refletir sobre os pressupostos dos Documentos Oficiais de orientação educacional em sua relação com a ludicidade, levantar e discorrer sobre concepções teóricas em pesquisas cientificamente reconhecidas sobre a relação entre ludicidade, desenvolvimento infantil e educação, além de investigar a realidade do trabalho pedagógico realizado com as turmas dos 1.os anos de ensino fundamental de escolas municipais dialogando com o referencial teórico. Dessa forma, para sua organização, este estudo foi dividido em cinco capítulos, de modo que, no capítulo 1, intitulado “Problematizando e discutindo o ensino fundamental de nove anos e o lúdico”, discute-se a trajetória da educação brasileira, com base nas mudanças ocorridas em sua legislação e a implantação do ensino fundamental de nove anos. Além disso, realiza-se uma análise dos principais documentos oficiais de orientação à educação com foco em sua organização, concepções e posicionamento sobre a ludicidade, contemplando assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,1997), as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013); os Elementos Conceituais e Metodológicos para definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1.º, 2.º e 3.º anos) do Ensino Fundamental (BRASIL,2012a); o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL,2012) e Currículo Comum para o Ensino Fundamental Municipal de Bauru (BAURU, 2012b). Já no capítulo 2, intitulado “As atividades lúdicas: jogos e brinquedos no contexto escolar”, aborda-se a relação entre a ludicidade e a infância e sua importância para os processos de ensino e aprendizagem, especialmente na escola, a classificação de jogos de Jean Piaget (1990) e o COL(Classement des objets ludiques), de Périno (2002), uma classificação de jogos e brinquedos elaborada a partir da categorização piagetiana que contempla jogos e brinquedos para exercício, símbolo,acoplagem e regras, todas devidamente explicadas no decorrer do texto. Por conseguinte, no capítulo 3, intitulado “O percurso da pesquisa: dos referenciais teóricos a aproximação com a realidade da sala de aula”, apresenta-se a contextualização do universo da pesquisa e também as escolhas metodológicas 21 para o desenvolvimento da pesquisa de campo, um estudo de caso de abordagem qualitativa, os procedimentos de coleta e análise de dados. O quarto capítulo demarca os resultados e a discussão dos dados, colhidos em campo, devidamente tratados, transformados em gráficos e divididos nas diretrizes de análise “Caracterização dos sujeitos”, “Formação Acadêmica e Continuada”, “O lúdico na sala de aula” e “Vivências Lúdicas”, perante as quais foram realizadas as devidas inferências com base no aporte teórico que sustenta esta pesquisa. Por fim, o quinto capítulo, intitulado “Construção do catálogo lúdico: orientações e materiais para professores do 1.° ano do ensino fundamental”, elucida a exigência da elaboração de um produto final no Programa de Mestrado Profissional em Docência para Educação Básica, justificando e delineando a escolha do produto escolhido nesta pesquisa, o Catálogo lúdico: orientações e materiais para professores do 1.° ano do Ensino Fundamental, explicitando seu objetivo de oferecer subsídios aos professores na tarefa de mobilizar, apoiar e avaliar as atividades lúdicas a serem realizadas pelos alunos do 1.º ano do ensino fundamental, no uso desses objetos, baseado no sistema de análise de objetos lúdicos COL (Classement des objets ludiques). Finalizando, apresentam-se as considerações finais, resgatando as principais discussões e dispondo das conclusões obtidas. 22 1 PROBLEMATIZANDO E DISCUTINDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS E O LÚDICO O texto aqui apresentado tem por objetivo realizar uma análise dos documentos oficiais de orientação à Educação Básica, observando seus pressupostos acerca da relação entre os processos de ensino e aprendizagem e a ludicidade, motivo pelo qual se apreenderá uma retrospectiva histórica que fará cenário para se analisar o uso dos objetos lúdicos como recursos e procedimentos metodológicos no ensino fundamental, especialmente no 1.º ano. Diante disso, tendo como base documentos oficiais, o que pautará este trabalho serão as leis que refletem as mudanças ocorridas na educação brasileira nos séculos 20 e 21, observando os caminhos trilhados para a configuração da realidade atual, chegando, desse modo, ao ensino fundamental de nove anos e, portanto, ao 1.º ano desta etapa escolar, cuja relação com atividade lúdica compõe a análise desta pesquisa. Inicialmente, ressalta-se que, para se configurar da forma atual, no decorrer da história, houveram diversas mudanças, legisladas sob o discurso de garantia do direito de todos os cidadãos brasileiros em acessarem a educação de qualidade, conforme prevê a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, em seu artigo 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988, p.1). Essas mudanças atingiram especialmente a Educação Básica, que compreende, de acordo com a legislação vigente, a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, atendendo a crianças e jovens dos 4 aos 17 anos e àqueles que não tiveram acesso na idade própria, conforme consta na Constituição supracitada, em sua emenda constitucional n.° 59, de 2009. Importante destacar que, em consonância à Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é a responsável por legalizar a educação nacional, sendo vigente na atualidade a Lei n.° 9394/96, promulgada em 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). 23 A primeira a determinar a obrigatoriedade do ensino fundamental ou primário foi a Constituição de 1934, estabelecendo-lhe duração de quatro anos. Assim, inicialmente, a então LDB n.° 4024/61 decretou como obrigatoriedade escolar, o ensino fundamental, com tal tempo de duração (BRASIL 2006; 2010). Entretanto, conforme Brasil (2013), em1967, a Carta Constitucional promulgada no referido ano ampliou essa obrigatoriedade do ensino fundamental para oito anos e, em decorrência disso, em 11 de agosto de 1971, a Lei n.° 5692/71 modificou a estrutura do ensino, implantando o 1.° grau, resultado da união do então curso primário e ginásio. Além disso, nesse momento, o ensino de 2.º grau, atual ensino médio, tornou-se profissionalizante. Conforme consta em Brasil (2006),em 20 de dezembro de 1996, promulgou- se a LDB n.° 9394/96, que manteve o mesmo tempo de duração da escolaridade obrigatória, porém, já vislumbrando uma ampliação para nove anos, mostrando uma flexibilidade em seu texto original quanto à duração do ensino fundamental, uma vez que estabeleceu como “mínimo” oito anos, o que pode ser constatado no Art. 32:“[...] O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão” (BRASIL, 1996). Em consonância com a LDB 9394/96, o Plano Nacional da Educação (PNE) (2001-2010), aprovado pela Lei n.°10.172/2001, de 9 de janeiro de 2001, determinou como meta a implantação de maneira progressiva do ensino fundamental, com nove anos de duração, por meio da inclusão de crianças um ano mais novas, até então com seis anos de idade. Essa meta vislumbrou a possibilidade de ampliação do ensino fundamental, com sua implantação, até o final da vigência do referido Plano, ou seja, 2010, e defendia que incluir crianças mais novas, nessa etapa escolar, possibilitaria o aumento de oportunidades de aprendizagem e asseguraria que entrando mais cedo na educação formal, o indivíduo alcançaria um maior nível de escolaridade, pois prosseguiria em seus estudos, conforme pode se confirmar na citação contida nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013): [...] A ideia central das propostas contidas no Plano é que a inclusão definitiva das crianças nessa etapa educacional pode oferecer maiores oportunidades de aprendizagens no período de escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, elas prossigam nos estudos alcançando maior nível de escolaridade. (BRASIL, 2013, p.108). 24 Em 2005, conforme Paraná (2010), a primeira lei específica ao ensino fundamental de nove anos é promulgada. Então, a Lei n.° 11.114/05, modificou o artigo 6.° da LDB, tornando obrigatória a matrícula de crianças de seis anos de idade. Essa lei, entretanto, deu margem à redução da idade de conclusão do ensino fundamental em um ano, por não abordar a ampliação deste (BRASIL, 2013). Seguidamente, a Resolução do Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) n.° 3, de 3 de agosto de 2005, contemplou as normas em nível nacional para a referida ampliação do ensino fundamental destacando, ainda, a necessidade de vinculá-la ao início obrigatório por crianças de seis anos de idade no mesmo. Finalmente, em 6 de fevereiro de 2006, a Lei n.°11.274 marcou as modificações na LDB vigente, ampliando a duração do ensino fundamental para nove anos, contemplando também a matrícula obrigatória de crianças de seis anos de idade, estabelecendo ainda como prazo máximo de implantação para os sistemas de ensino o ano de 2010, de modo que todos tivessem esse direito assegurado até essa data (BRASIL, 2013). 1.1 O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS A implantação da Lei n.º 11.274, que estabeleceu o ensino fundamental de nove anos com ingresso de crianças aos de 6 anos de idade, teve por objetivos promover a melhoria da equidade e qualidade da Educação Básica; estruturar o ensino fundamental, garantindo-lhe uma nova forma, e ainda um tempo maior para os alunos se apropriarem da alfabetização e do letramento (BRASIL, 2013). Entretanto, sabe-se que o cumprimento puro e simples da lei não garante que os objetivos almejados sejam atingidos, devendo considerar-se diversas para a efetivação de um trabalho de qualidade, capaz de proporcionar a “[...] aquisição de conhecimento, respeitando a especificidade da infância nos aspectos físico, psicológico, intelectual, social e cognitivo” (PARANÁ, 2010, p.9). Assim, sendo necessário avançarmos para além do acesso é fundamental que os estudantes permaneçam nas escolas, se apropriem dos saberes, se alfabetizem e, que estes conhecimentos permitam melhorar a qualidade de vida destas pessoas e da comunidade. (FURGHESTTTI; GRECO; CARDOSO, 2012, p.8). 25 Nesse sentido, a Resolução CNE/CBE n.°7, aprovada em 14 de dezembro de 2010, defende em seu Artigo 30 o dever de assegurar a alfabetização e o letramento nos três primeiros anos do ensino fundamental. (PARANÁ, 2010). Ou seja, a alfabetização deve ocorrer de forma significativa e dinâmica, possibilitando à criança atribuir-lhe sentido, utilizando-a na aquisição de conhecimentos, enquanto se apropria de suas convenções, por meio de um processo no qual terá uma postura ativa. Nesse ínterim, é preciso educar crianças e adolescentes, visando que obtenham uma compreensão cada vez maior do mundo, por meio de um trabalho pedagógico que evoque os conhecimentos que já possui e daqueles que irão, gradativamente, se apropriar por seu sentido vivo e pelo desejo que despertam (GOULART, 2006). Para tanto, defende-se que, em primeiro lugar, assim como esclarece Nascimento (2006), é preciso pensar que as crianças têm modos próprios de conhecer o mundo e com ele interagir, cabendo aos professores viabilizar um ambiente no qual a infância possa ser plenamente vivida. Dessa forma, destaca-se um pressuposto essencial apresentado pelas DCNEB (BRASIL,2013): Art. 29 A necessidade de assegurar aos alunos um percurso contínuo de aprendizagens torna imperativa a articulação de todas as etapas da educação, especialmente do Ensino Fundamental com a Educação Infantil, dos anos iniciais e dos anos finais no interior do Ensino Fundamental, bem como do Ensino Fundamental com o Ensino Médio, garantindo a qualidade da Educação Básica. § 1.º O reconhecimento do que os alunos já aprenderam antes da sua entrada no Ensino Fundamental e a recuperação do caráter lúdico do ensino contribuirão para melhor qualificar a ação pedagógica junto às crianças, sobretudo nos anos iniciais dessa etapa da escolarização (BRASIL,2013,p.136). De acordo com essa premissa, e com base nela, acrescenta-se que, mais do que valorizar o que os alunos já aprenderam, o que certamente é basilar, é preciso também concebê-los para além de alunos, como são referenciados neste e em alguns documentos apresentados no decorrer desta pesquisa, como seres humanos e aqui especificamente como crianças, e assim, sujeitos dotados de conhecimentos, saberes, emoções, personalidade e de uma subjetividade que lhes tornam únicos. Sobre a recuperação do caráter lúdico na ação pedagógica, acredita-se ser essa uma ação imprescindível, uma vez que a criança tem na atividade lúdica suas 26 necessidades supridas, o confronto com desafios e uma fonte de prazer, aprendizagem e desenvolvimento que não se encerra magicamente com o findar de um ciclo de ensino. Desse modo, ressalta-se que o uso do brinquedo ou do jogo, com fins pedagógicos tem grande relevância para os processos de ensino e aprendizagem e para o desenvolvimento infantil, motivo pelo qual, desde que seja mantida a ação intencional da criança na brincadeira, o educador pode com ela potencializar a aprendizagem, ou seja, [...]significa transportar para o campo do ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora (KISHIMOTO,2001,p.37). Destarte, enfatiza-se que a continuidade entre as etapas de ensino consiste em uma problemática anterior à Lei n.º 11.274, uma vez que, a transição da educação infantil para o ensino fundamental já se defrontava com um rompimento abrupto, visto que, tradicionalmente nas práticas escolares, há um distanciamento entre ambas em seus modos e concepções, especialmente pela oposição entre o brincar, aceito na educação infantil, e o estudar, exigido no ensino fundamental. Isso porque, embora a brincadeira seja associada à infância e às crianças, ainda é pouco valorizada, ao menos nas sociedades ocidentaisou até mesmo, considerada irrelevante para a educação formal, sendo frequentemente concebida como oposta ao trabalho, tanto na escola, quanto na família (BORBA, 2006). Assim, segundo Neves, Gouvêa e Castanheira (2011), a transição entre a educação infantil e o ensino fundamental é um momento crucial na vida das crianças, sendo importante o estabelecimento de um diálogo para a compreensão dos entraves, rupturas e/ou continuidades vivenciadas pelas crianças nessa passagem de etapa escolar, visando alinhá-las e assim evitar que as crianças vivenciem tensão entre esses dois níveis de ensino, razão pela qual se destaca que: [...] educação infantil e ensino fundamental são indissociáveis; ambos envolvem conhecimentos e afetos; saberes e valores; cuidados e atenção; seriedade e riso. O cuidado, a atenção, o acolhimento estão presentes na educação infantil; a alegria e a brincadeira também. E, nas práticas realizadas, as crianças aprendem. Elas gostam de aprender. Na educação infantil e no ensino fundamental, o objetivo é atuar com a liberdade para assegurar a apropriação e a construção 27 do conhecimento por todos. Na educação infantil, o objetivo é garantir o acesso de todos que assim o desejarem, a vagas em creches e pré-escolas, assegurando o direito da criança brincar, criar, aprender. [...]Temos grandes desafios: o de pensar a creche, a pré-escola e a escola como instâncias de formação cultural; o de ver as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais (KRAMER, 2006, p.22). Diante disso, salienta-se que a Base Nacional Comum Curricular, que está em fase de elaboração, no momento disponível para consultoria pública, assim como as DCNEB (BRASIL,2013), pressupõem que os anos iniciais do ensino fundamental considerem o caráter histórico do desenvolvimento humano, motivo pelo qual devem dar continuidade à educação infantil, ponderando as culturas infantis tradicionais e contemporâneas, bem como as situações lúdicas de aprendizagem, reforçando veementemente a importância dessa atividade para os processos de ensino e aprendizagem na escola. Portanto, é necessário que as instituições escolares coloquem em prática os pressupostos dos documentos oficiais atuais, buscando efetivar uma Educação Básica sem rupturas, que respeite a criança enquanto indivíduo dotado de saberes e potencialidades, além de seus modos de aprender, estimulando-a na construção de novos conhecimentos e em seu desenvolvimento global, utilizando para tal, metodologias que contemplem a singularidade da infância, incluindo-se com destaque a ludicidade. Além disso, para que esses objetivos sejam alcançados, é necessário que haja o acompanhamento e ações de caráter político, administrativo e pedagógico, que permitam o aproveitamento do tempo escolar com eficácia e qualidade, contribuindo para uma aprendizagem maior e mais prazerosa, conforme afirmado no documento Ensino Fundamental de nove anos: orientações para inclusão de crianças de seis anos (BRASIL, 2006, p.9), ao apontar que, [...] para a legitimidade e a efetividade dessa política educacional, são necessárias ações formativas da opinião pública, condições pedagógicas, administrativas, financeiras, materiais de recursos humanos, bem como acompanhamento e avaliação, em todos os níveis da gestão educacional. (BRASIL, 2006, p. 9). Diante disso, é preciso questionar se a escola e seus profissionais estão preparados, se compreendem o que significa a alfabetização com letramento, anteriormente destacada, de maneira suficiente para sustentar sua prática 28 pedagógica, se há formação continuada em serviço e participação dos professores na escola e ainda se esta assiste às mudanças ocorridas no cenário educacional do país na Educação Básica (FURGHESTTI;GRECO;CARDOSO, 2012). [...] Por se tratar da aprendizagem, que na fase inicial deve estar direcionada para a alfabetização com letramento, a escola representada pelos gestores, professores e funcionários precisa organizar-se desde a elaboração do currículo, materiais pedagógicos, condições físicas, espaço, tempo, formação continuada de professores, escolha adequada dos livros didáticos, entre outros, no sentido de propiciar que um ano a mais no ciclo de alfabetização venha a contribuir na apropriação, de fato e de qualidade, dos conteúdos propostos. (FURGHESTTTI, GRECO; CARDOSO, 2012, p.12). Nesse sentido, ressalta-se, observando as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia – licenciatura (BRASIL,2006), em seu Artigo 6.º,que a estrutura do referido curso, respeitadas a diversidade da nação e a autonomia das instituições de ensino, contém três núcleos cada qual abrangendo conteúdos vinculados a procedimentos para seu entendimento por parte do estudante dessa graduação, como seminários, investigações, atividades práticas, entre outros. Tais núcleos se dividem em: I – um núcleo de estudos básicos [...], sem perder de vista a diversidade e a multiculturalidade da sociedade brasileira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente e de realidades educacionais, assim como por meio de reflexão e ações críticas [...] (BRASIL, 2006,p.3). II – um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos voltados às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições e que, atendendo a diferentes demandas sociais [...]. (BRASIL, 2006,p.4). III – um núcleo de estudos integradores que proporcionará enriquecimento curricular[...]. (BRASIL, 2006,p.4). Analisando esses três núcleos, verifica-se que apenas o primeiro aborda a ludicidade, ao elucidar que, Em [...] atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, em âmbitos escolares e não escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática educativa; (BRASIL, 2010,p.4). 29 Diante de tal panorama, observa-se, ainda incluída no curso de formação de professores, que a ludicidade, é abordada de forma pouco sólida, ocupando um espaço limitado, contrastando com os pressupostos nos documentos de orientação à educação mais recentes, nos quais a atividade lúdica preenche um lugar de destaque, por seu reconhecimento enquanto potencializadora dos processos de ensino e aprendizagem. Ressalta-se que, diversas vezes pela preocupação excessiva imposta pela sociedade para a alfabetização cada vez mais precoce das crianças, se tolhe dela o direito de brincar, devido a uma visão ainda comum em que a brincadeira é oposta ao trabalho e aprendizagem, razão por que, [...] ao se inserirem no ensino fundamental, as crianças se deparam com um hiato entre as experiências desenvolvidas na educação infantil e as práticas educativas da nova escola. Assim é que o brincar, um dos elementos centrais da cultura de pares e do cotidiano da educação infantil, foi situado em segundo plano no contexto da sala de aula. Verificou-se um desencontro entre o interesse das crianças pelo brincar e a cultura escolar deste segmento da educação básica. (NEVES; GOUVÊA; CASTANHEIRA, 2011, p.138). Diante do exposto, acredita-se que é preciso que a escola, prioritariamente, atente-se aos aspectos essenciais da infância, como o cuidar e o brincar, associando-os ao ensinar criteriosamente, de forma a assegurar a aprendizagem, tendo em vista que o 1.º ano do ensino fundamental consiste no início do processo de alfabetização que deverá ser consolidado nos dois anos seguintes. Para tanto, é preciso que a equipe escolar compreenda o ciclo da infância, articulando de maneira interdependente o trabalho pedagógico de forma sequencial, principalmente no que tange à alfabetização com letramento para, enfim, alcançar o sucesso escolar (FURGHESTTI; GRECO; CARDOSO, 2012). Nessa premissa, salienta-se que o conceito de infância se modificou ao longo do tempo histórico, podendo ser verificado na literatura, influenciando os debates educacionais mais recentes, principalmente a partir de 1980, uma vez que, pelas pressões advindas da sociedade, o Estado passou a incorporar em seus documentos oficiais o entendimento de criança como sujeito de direitos, considerando também as singularidades da infância, conforme se averigua na Constituição Federativa do Brasil, de 1988; no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990; na Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, de 1996 (BRASIL, 2010), 30 entre outros, como documentos do Ministério da Educação (MEC), tal qual o caderno oficial de orientação para a Educação Básica : Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade (BRASIL,2006). Assim, é possível afirmar que a concepção de infância exerce influência nas políticas educacionais e no contexto pedagógico, caracterizando-se como a essência da condução das práticas escolares, conforme segue: [...] esta concepção orientará os conceitos sobre o ensino, aprendizagem e desenvolvimento, a seleção dos conteúdos, a metodologia, a avaliação, a organização de espaços e tempos com atividades desafiadoras, enfim, o planejamento do trabalho organizado e não apenas pelo professor, mas por todos os profissionais da instituição. (PARANÁ, 2010, p.10). Segundo Leal, Albuquerque e Morais (2006), a ampliação do ensino fundamental se caracteriza como um importante avanço para inclusão e êxito das crianças das camadas populares, dado ao aumento de oportunidades para se apropriar do conhecimento, especialmente da escrita alfabética e das práticas letradas. Entretanto, é preciso realizar um planejamento e uma avaliação eficientes daquilo que está sendo ensinado desde o início da escolarização para que o tempo não seja perdido. Nesse sentido, para que a Educação Básica brasileira caminhe de forma satisfatória e alcance um patamar de qualidade, no qual os processos de ensino e aprendizagem ocorram de modo a proporcionar a formação integral das crianças de maneira contínua e satisfatória é preciso que as políticas públicas conglomerem investimentos nas estruturas físicas e materiais das escolas e nos profissionais da educação, em especial nos professores, no que tange a carreiras e salários e a formação continuada de qualidade. Tais investimentos podem possibilitar que as propostas e as teorias preconizadas nos documentos oficiais de orientação à educação despreguem-se do papel e tomem corpo na realidade, dentro das escolas. 31 1.2 OS DOCUMENTOS OFICIAIS As concepções teóricas e práticas que norteiam a educação em nível nacional podem ser observadas nos diferentes documentos de orientação à Educação Básica elaborados sob a responsabilidade do Ministério da Educação em uma pareceria com entes federativos e a sociedade civil, atendendo aos princípios da democracia, embora se saiba que incorporam diferentes concepções e interes ses intelectuais, políticos, econômicos e sociais, motivo pelo qual se entende ser necessário um olhar atento e crítico-reflexivo sobre seus pressupostos. Diante disso, ao participar do contexto educacional, é imprescindível conhecer, analisar e refletir sobre os principais documentos que regem a educação brasileira, sentido no qual se estabelecerá, a partir de agora, uma exploração de alguns desses princípios, selecionados por sua relevância. Assim, foram consultados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997); as Diretrizes Nacionais da Educação Básica (DCNEB) (BRASIL, 2013); os Elementos Conceituais para definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo I de Alfabetização (BRASIL, 2012); o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) (BRASIL, 2012), e também o Currículo Comum do Sistema de Ensino do município de Bauru (BAURU, 2013), campo desta pesquisa. Para tanto, fez-se uma explanação de suas estruturas, objetivos e preceitos gerais, além de inferências no que tange sua relação com a atividade lúdica, foco desta pesquisa, ancorados na literatura devidamente referenciada. 1.2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) designam-se como um referencial brasileiro em termos de qualidade para o ensino fundamental. Publicados em 1997, baseiam-se em estudos sobre as Propostas Curriculares de Estados e Municípios, Currículos Oficiais, pesquisas na área da educação, experiências educacionais internacionais positivas, subsídios do Plano Decenal de Educação, análise de dados estatísticos sobre o desempenho de alunos do ensino 32 fundamental e socialização de experiências escolares, por meio de encontros, seminários e publicações. O documento teve – como parte do processo de elaboração de sua proposta inicial, nos anos de 1995 e 1996 – sua primeira versão divulgada e discutida publicamente, emergindo, aproximadamente 700 pareceres de diferentes interlocutores como docentes universitários, especialistas em educação, professores de ensino fundamental, membros dos Conselhos Estaduais de Educação e de sindicatos ligados ao magistério, técnicos das Secretarias Estaduais e Municipais da Educação, entre outros; o que subsidiou a elaboração de sua versão final, publicada em 1997, conforme já destacado. Abordam os objetivos gerais do ensino fundamental, além dos objetivos gerais de cada Área de Conhecimento e Componente Curricular, bem como de cada Tema Transversal, extraindo deles a seleção de conteúdos para configurar as intenções educativas e a referência indireta da avaliação da atuação pedagógica e da escola. Desse modo, contemplam as diversas áreas do conhecimento, dada a importância de cada uma delas, bem como sua integralização, englobando os Componentes Curriculares, formulados com base na análise da experiência educacional em nível nacional e das tendências de investigação científicas estando, segundo consta, a serviço da qualidade do processo de ensino e aprendizagem, motivo pelo qual delimita suas especificidades e delineia a operacionalização do processo educativo. Figura 1 – Estrutura dos PCN para o ensino fundamental. Fonte: BRASIL (1997, p. 71). 33 Além disso, visando contemplar as questões sociais de maneira sistematizada, abordam temas transversais para discussão, problematização e análise crítica necessárias à formação de opiniões dos alunos. Para tanto, compõem-se de uma coleção de dez volumes, sendo o volume um compreendido pela introdução, que faz a apresentação de todos os seus pressupostos gerais e explica o fundamento da elaboração do documento em si, das áreas do conhecimento e dos Temas Transversais. Além disso, há seis volumes referentes às áreas do conhecimento, sendo o volume dois referente à Língua Portuguesa; o volume três à Matemática; o volume quatro à Ciências Naturais; o volume cinco à História e Geografia; o volume seis à Arte e o volume sete à Educação Física. Por conseguinte, possuem ainda outros três volumes referentes aos Temas Transversais, sendo o volume oito destinado à Apresentação dos temas Transversais e Ética, o volume nove à Meio Ambiente e Saúde e, por fim, o volume dez destinado à Pluralidade Cultural e à Orientação Sexual. Visando atender os pressupostos desta pesquisa, investigou-se, no volume um, se as palavras “jogos” e “brinquedos” são citadas e o sentido delas, ou seja, que implicações elas têm para as ações lúdicas das crianças, tendo sido encontrado um total de oito citações, como segue: O professor, considerando a multiplicidade de conhecimentos em jogo nas diferentes situações, pode tomar decisões a respeito de suas intervenções e da maneira como tratará os temas, de forma a propiciar aos alunos uma abordagem mais significativa e contextualizada. [...] A capacidade física engloba o autoconhecimento e o uso do corpo na expressão de emoções, na superação de estereotipias de movimentos, nos jogos, no deslocamento com segurança. [...] Para aprender sobre digestão, subtração ou qualquer outro objeto de conhecimento, o aluno precisa adquirir informações, vivenciar situações em que esses conceitos estejam em jogo... [...] [...] Exemplo 2: a solidariedade só pode ser compreendida quando o aluno passa por situações em que atitudes que a suscitem estejam em jogo, de modo que, ao longo de suas experiências, adquira informações que contribuam para a construção de tal conceito. [...] Exemplo 1: Pedro tinha 8 bolinhas de gude, jogou uma partida e perdeu 3.... Exemplo 2: Pedro jogou uma partida de bolinha de gude. Na segunda partida, perdeu 3 bolinhas, ficando com 5 no final. Quantas bolinhas Pedro ganhou na primeira partida? (? - 3 = 5 ou 8 - 3 = 5 ou 3 +? = 8). [...] Ela pode se realizar no interior mesmo de um processo de ensino e aprendizagem, já que os alunos põem inevitavelmente em jogo seus conhecimentos prévios ao enfrentar qualquer situação didática [...]. 34 Para obter informações em relação aos processos de aprendizagem, é necessário considerar a importância de uma diversidade de instrumentos e situações, para possibilitar, por um lado, avaliar as diferentes capacidades e conteúdos curriculares em jogo.(Grifo nosso). (BRASIL, 1997, p. 44, 47, 51, 52, 54, 56 e 57). Essas citações permitem verificar que as palavras que fazem referência a jogo, com grifo da autora para evidenciar sua função e significado na frase, não remetem, no geral, diretamente à atividade lúdica, com exceção de duas delas, a quinta e principalmente a segunda. Entretanto as ideias nelas contidas trazem pressupostos desse tipo de atividade, na medida em que indicam a intervenção do professor para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa e contextualizada; o uso do corpo como expressão de emoções que indicam mobilidade nas aulas, autoconhecimento e até mesmo o trabalho com o jogo simbólico, ao contemplar emoções para a construção de conceitos. Além disso, apontam para a vivência de situações práticas para aquisição de conhecimentos e conceitos e, por fim, na diversidade de instrumentos e situações no processo de ensino e aprendizagem. Destaca-se que os volumes referentes às áreas do conhecimento contemplam os objetivos do ensino fundamental, a estrutura dos PCN, apresentação, caracterização, pressupostos dos processos de ensino e aprendizagem, objetivos gerais e conteúdos de cada área do conhecimento, além de critérios de avaliação. Já os volumes referentes aos Temas Transversais fazem a apresentação e sistematizam justificativa, objetivos, conteúdos, orientações didáticas e avaliação. Em suma, a composição dos PCN (BRASIL, 1997) possui fundamentos que o configuram como uma referência em nível nacional; dispõe sobre conteúdos articulados com objetivos, questões de ensino e aprendizagem e avaliação e destaca como finalidade apontar metas de qualidade capazes de ajudar o aluno a enfrentar o mundo como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres. Para tanto, pressupõem contribuir com o professor no desenvolvimento de seu trabalho, visando norteá-lo, respeitando a realidade em que está inserido, em prol de melhorias e transformações na educação. Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem 35 como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel na sociedade. (BRASIL, 1997, p.1). Assim, propõem-se a proporcionar melhorias na qualidade da educação do país, mas sem a pretensão de se caracterizar como a resolução de todos os problemas, reconhecendo que essa busca implica diferentes investimentos – como na formação inicial e continuada de professores, salários dignos, planos de carreira, além de qualidade de materiais para uso dos alunos, como livros e recursos didáticos, além de qualidade das atividades de ensino e do currículo. Diante disso, o documento se posiciona como um referencial aos sistemas de ensino, as escolas e ao professor na efetivação de uma prática eficiente, respeitando diferentes concepções pedagógicas e a pluralidade cultural do nosso país, não consistindo, porém, em um modelo curricular homogêneo e impositivo, visto que tem como pressuposto o respeito à competência política-executiva dos Estados e Municípios, a pluralidade anteriormente destacada e ainda a autonomia das equipes escolares e dos professores. Assim, defende trazer subsídios mais gerais que devem se articular aos propósitos que orientam o trabalho educacional que se pretende desenvolver e o currículo que atenda às necessidades dos alunos, tendo uma flexibilidade que permite e requer adaptações por parte das Secretarias da Educação e escolas, no sentido de alinhá-lo às demandas locais, uma vez que sua validade dependerá de sua consonância com a realidade social, sendo imprescindível, também, avaliação e revisão periódica do Ministério da Educação. Partindo dessa premissa, alerta que, antes de concretizado, deve ser estudado e adequado à realidade da qual fará parte por meio do “projeto educativo”, a ser elaborado de maneira democrática, com a participação de toda a comunidade escolar discutindo com base nas experiências dos profissionais da escola, dos currículos locais, de biografia especializada e em outras experiências educacionais, formas de organizar objetivos, conteúdos e critérios de avaliação que atendam à identidade da escola. Destaca-se que o projeto educativo citado pelos PCN (BRASIL, 1997) consiste, atualmente, no projeto político-pedagógico (PPP), previsto na LDB 9394/96, cujo objetivo é construir a identidade de cada escola. É um documento que 36 deve ser elaborado por toda a comunidade escolar, incluindo gestores, professores, funcionários familiares e alunos, marcando uma gestão democrática. Para tanto, deve conter a proposta curricular da escola, ou seja, estabelecer entre outros pontos, metas, conteúdos e metodologias, a organização do tempo, utilização do espaço escolar; a formação de professores, além da gestão administrativa, focada na função de viabilizar tudo o que for necessário para o funcionamento dos pontos elencados em prol de seu alcance, não sendo permeado por um modelo padrão, visto que isso colocaria em risco sua essência democrática, autônoma e de identidade. Destarte, os PCN orientam que a educação deve focar na qualidade, em consonância com as necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais considerando também os interesses e as motivações dos alunos e garantindo as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos que possam atuar na sociedade com competência, dignidade e responsabilidade. Isso implicará também a vivência social, política e cultural que a escola deverá propiciar, sendo um espaço de construção e vivência de significados éticos. Por conseguinte, o documento salienta que a escola deverá, em seu processo de ensino e aprendizagem, adotar uma metodologia que possibilite ao aluno construir e confirmar hipóteses sobre o conhecimento e ainda auxiliá-lo a desenvolver a capacidade de argumentação e criticidade, devendo, para tanto, descobrir as potencialidades do trabalho individual e grupal, estimulando no aluno autonomia, autoconfiança para interagir e buscar o conhecimento. No que tange às orientações didáticas, aborda formas de ensinar em uma perspectiva na qual os alunos constroem significados por meio das interações, com os objetos do conhecimento e com os demais indivíduos, sendo sujeitos do processo de aprendizagem e tendo o professor como mediador dessas interações e criador de situações de aprendizagem, coerentes a esse pressuposto. Orienta, ainda, que essas intervenções não podem ter um padrão igual para todos, dadas as peculiaridades dos alunos, pois envolvem questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e social. Nesse contexto, anunciam que, independente da condição social, econômica ou cultural, todos os brasileiros têm o direito de acessarem o conhecimento socialmente construído, sem que haja uma uniformização deste que descaracterize 37 ou desvalorize as peculiaridades culturais ou regionais, sendo primordial promover o acesso ao conhecimento de forma igualitária, respeitando as diferenças sociais, regionais e individuais, razão pela qual se destaca que [...] é nesse sentido que o estabelecimento de uma referência curricular comum para todo o país, ao mesmo tempo que fortalece a unidade nacional e a responsabilidade do Governo Federal com a educação, busca garantir, também, o respeito à diversidade que é a marca cultural do país, mediante a possibilidade de adaptações que integrem as diferentes dimensões da prática educacional.(BRASIL, 1997,p.28). Tal orientação parte da premissa de que a educação escolar tem a responsabilidade de oferecer oportunidade a todos os alunos de se desenvolverem e aprenderem os conteúdos necessários ao conhecimento e participação da realidade social em seus aspectos sociais, políticos e culturais, condição necessária para exercer a cidadania e, assim, construir uma sociedade democrática, composta por cidadãos com competência e dignidade para nela agir, devendo, para tanto, eleger conteúdos alinhados a questões sociais de cada momento histórico. Nesse sentido, apontam-se os pressupostos de Friedmann (2012), para quem, a formação de cidadãos sensíveis, criativos, questionadores e críticos deveria ser o principal objetivo na educação, assim como encorajar a autonomia,visando auxiliar as crianças a atingirem níveis mais altos do desenvolvimento afetivo, físico, social, moral e cognitivo. Nessa esteira, os PCN alertam que, na busca pela construção dessa cidadania, é importante que a escola valorize a cultura de sua comunidade, auxiliando-a concomitantemente a ultrapassar seus limites, viabilizando o acesso ao saber dos conhecimentos da cultura regional, nacional e universal, sendo importante discutir conceitos de globalização, avanços tecnológicos e científicos e questões relacionadas a valores e ética. Além disso, orienta a desenvolver capacidades de adaptações rápidas e complexas, circulação de informações e produções da competência profissional sem, no entanto, se limitar a ela. Dessa forma, pode-se entender que há um considerável desafio lançado, que consiste em conciliar, conforme Fortuna (2000), os objetivos pedagógicos, com o que desejam os alunos, levando em conta a heterogeneidade do país e ainda aquela existente em cada escola e sala de aula. Para tanto, é necessário encontrar 38 um equilíbrio das funções pedagógicas – como ensinar os conteúdos e habilidades –, das funções psicológicas – como contribuir para o desenvolvimento da subjetividade, voltada à construção de um ser humano criativo e autônomo – e, por fim, das funções sociais – voltadas para o exercício da cidadania e justiça social. Diante disso, a partir do momento que a escola desenvolver um trabalho pedagógico no qual se efetive a aprendizagem expressiva, utilizando metodologias que encontrem consonância com as singularidades de cada faixa etária, os conteúdos escolares passarão a ser interessantes aos alunos, visto que nada mais são do que conjecturas da própria realidade social. Diante disso, para atingir os objetivos, o professor tem papel essencial, devendo apresentar os conteúdos de forma contextualizada e significativa, ponderando as diferenças individuais dos alunos e garantindo sua motivação para aprender, considerando suas capacidades intelectuais e os conhecimentos, assim como fatores sociais. Para tanto, é necessário que propicie atividades nas quais o aluno seja um sujeito ativo em seu processo de aprendizagem administrando o conhecimento e o tempo. Nesse sentido, destaca-se que a efetivação da aprendizagem, para Friedmann (2012), está aliada à motivação, sendo as necessidades e interesses das crianças os elementos mais propícios para que elas se dediquem às atividades, devendo o educador ter clareza de suas metas. Portanto, ao pensar em atividades significativas, esse educador deve buscar articulá-las de maneira integrada, de acordo com a realidade sociocultural da criança, seu estágio de desenvolvimento e os processos de construção cognitiva, valorizando, dessa forma, o acesso aos conhecimentos dos mundos físico e social, sentido no qual a atividade lúdica pode ser um caminho possível, como se vê: [...] é no “como se” da brincadeira/jogo que a criança busca alternativas e respostas para as dificuldades e/ou problemas que vão surgindo, seja na dimensão motora, social, afetiva ou cognitiva. É assim que ela testa seus limites e seus medos, é assim que ela constrói conhecimentos, explorando,experimentando, inventando, criando. Em outros termos, é assim que ela aprende o significado e o sentido, por exemplo, da cooperação, da competição, é assim que ela explora e experimenta diferentes habilidades motoras, que ela inventa e cria novas combinações de movimentos, é assim que ela consegue reconhecer valores e atitudes como respeito a outro, etc. (SOMMERHALDER; ALVES, 2011, p. 13). 39 Os PCN ainda esclarecem que um dos objetivos escolares consiste em viabilizar a possibilidade de os alunos aprenderem a serem cooperativos uns com os outros, a partir de situações nas quais possam dialogar, ajudar e serem ajudados. Entende-se ser muito importante que o professor garanta em suas aulas metodologias diferenciadas que permitam às crianças a troca de experiências, o diálogo, o trabalho em equipe, tendo mobilidade na sala de aula e liberdade para buscar e construir o conhecimento em parceira com os demais sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem. Para tanto, defendem que os conteúdos não devem ter um fim em si mesmos, mas serem um meio para que os alunos desenvolvam as capacidades de usufruir os bens culturais, sociais e econômicos, contemplando as dimensões atitudinais, procedimentais e conceituais. Diante do exposto, indaga-se como atingir tantas expectativas diante da realidade atual que se impõe, na qual prepondera o poder da mídia, do consumo e da tecnologia em contraste com uma escola congelada no tempo? Essa pergunta, de certa forma, encontra consonância e até mesmo resposta na questão levantada por Vasconcelos (2006) ao inquirir porque as instituições escolares da atualidade excluem ou não valorizam o brincar, atividade essencial no processo de construção da subjetividade do sujeito e do conhecimento, já que ele traz elementos tão importantes para a constituição do ser humano. Segundo esse autor (2006), por meio da ação desenvolvida pela criança no meio físico e social, as estruturas do pensamento são formadas por um caminho que vai das mais simples às mais complexas, de forma que todo o pensamento se organiza a partir das estruturas anteriores. Dessa maneira, mediante uma novidade ou um conflito, ocorre a busca pela resolução que reorganiza essas estruturas e possibilita a formação de estruturas mais complexas. Nesse sentido, as brincadeiras podem representar interessantes suportes por apresentarem situações-problema a resolver, implicando novas estratégias que promovem o desenvolvimento de novas estruturas mentais, favorecendo, então, o desenvolvimento da criança, como ele mesmo destaca: Em razão do interesse espontâneo das crianças em brincar, do caráter interativo das situações (envolvendo brinquedos, objetos, outras crianças e adultos) e dos problemas a serem solucionados criados na situação, o brincar constitui-se num elemento privilegiado 40 para a construção do conhecimento. Assim, o brincar promove a inteligência e é inclusivo: produz as formas para aprender a aprender e novos modos de interação (VASCONCELOS, 2011, p.66). Diante o exposto, acredita-se ser necessário um redirecionamento da escola com a modificação dos processos de ensino e aprendizagem, que pode ter como base muito dos pressupostos delineados até aqui como a participação ativa do aluno, a atividade significativa, o respeito à singularidade, a cultura e aos saberes das crianças, entre outros. Desse modo, com base na literatura específica já apresentada, reforça-se que a ludicidade compreende um meio imprescindível para o alcance desses objetivos, uma importante aliada, dada sua potencialidade, na promoção do suprimento das necessidades,do desafio e do prazer,além da atribuição de significado aos conteúdos e impulsão da aprendizagem e desenvolvimento, podendo promover, assim, como pressupõem Kaufmann-Saccheto et al. (2011),aptidões físicas, intelectuais, mentais e emocionais, uma vez inseridos em um ambiente. Nesse ínterim, destaca-se que [...] o brincar propicia o exercício da imaginação infantil e, ao antecipar pela imaginação o agir, ele pode ensaiar esquemas eventuais, tendo em conta os meios para usar a realização de desejos, de fantasias, de experiências. No entanto, antes de decidir, a imaginação fornece e clareia luminosa em que se comparam os mais diversos motivos de ação, aquilo que é mais significativo: toda motivação e estímulos presentes na criança possibilitam as variações imaginativas e a convicção do “eu posso” que direcionam o sentido das possibilidades práticas que a criança experimenta, por meio das brincadeiras.(ROJAS, 2007,p. 36). Diante disso, ressalta-se que a Base Nacional Comum Curricular, que está em fase de elaboração e disponível para consultoria pública, conforme mencionado anteriormente, diferente dos PCN (BRASIL, 1997), é bastante explícita ao se referir sobre a importância da ludicidade no desenvolvimento da prática pedagógica com crianças dos primeiros anos do ensino fundamental, o que representa um avanço importante para a educação em nível nacional. Desse modo, o referido documento, defende que, em continuidade à educação infantil – paralelamente ao acolhimento pleno da criança e do oferecimento de apoio para sua socialização – a alfabetização, com enfoque no letramento, e os conhecimentos das diversas áreas do 41 conhecimento devem se articular com as atividades lúdicas, como brincadeiras e jogos. No que tange à avaliação, os PCN destacam que esta não deve se restringir ao julgamento do sucesso ou fracasso do aluno, mas ser um instrumento, composto por várias ações ao longo do processo de ensino e aprendizagem, tendo como objetivo orientar a prática pedagógica, funcionando como um termômetro para o professor, permitindo-lhe reavaliar sua didática, criar novos instrumentos, realizar as retomadas necessárias e destinar atenções pontuais aos alunos que demonstrarem necessidade; como um objeto de clareza para os alunos sobre seus êxitos e dificuldades, oferecendo-lhes oportunidade de se reorganizar para aprender e, por fim, como referencial para a escola definir os pontos que necessitam de maior atenção e intervenções. Neste sentido ressalta-se que deve ocorrer durante todo o processo de ensino e aprendizagem a fim de verificar situações que estão sendo favoráveis ou não, viabilizar constantes ajustes nesse processo e assim aumentar as chances de sucesso no alcance dos objetivos, devendo ser realizada no início do trabalho com caráter diagnóstico, no decorrer do processo e no final para verificar as aprendizagens dos alunos e orientar o trabalho docente. Desta forma, é preciso ter clareza do que é necessário aos alunos aprenderem em cada etapa escolar, monitorando, concomitantemente, os progressos e as lacunas por eles demonstrados para, assim, ajustar as metodologias em vez de esperar o final do trabalho para constatar o que foi aprendido, conforme aponta Leal, Albuquerque e Morais (2006). Sobre aprovação ou reprovação, os PCN destacam que deve ser uma decisão pedagógica pautada na análise das capacidades dos alunos, para aproveitamento do ensino nas próximas séries, e melhores condições de aprendizagem, considerando, simultaneamente, os critérios de avaliação, os aspectos da sociabilidade e de ordem emocional, analisando a necessidade de continuidade de escolaridade. A efetivação da reprova deve, portanto, ser uma decisão refletida e discutida entre o professor e o conselho escolar, tendo como objetivo dar mais uma oportunidade ao aluno para melhorar sua aprendizagem. Neste ínterim, infere-se que, antes da culpabilização do aluno diante do fracasso escolar, se verifique o trabalho realizado, ou seja, os conteúdos, as metodologias, os recursos, enfim, as possibilidades que lhes foram ofertadas para a 42 aprendizagem, devendo essas serem variadas e estimulantes, o que é bastante sério e pertinente. Em linhas gerais, verifica-se que embora os PCN não abordem especificamente a importância do desenvolvimento de atividades lúdicas na escola, apresentam pressupostos interessantes, que corroboram com sua inserção na rotina escolar, na ação docente, já que concebem o aluno como um sujeito ativo e construtor do próprio conhecimento e possuem enfoque na aprendizagem significativa, conceitos essenciais da ludicidade. 1.2.2 Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB) (BRASIL, 2013) são definidas como orientações a serem observadas no momento de elaboração dos currículos e dos projetos político-pedagógicos das escolas, cuja responsabilidade, por seu caráter de construção democrática, deve ser compartilhada por gestores, professores, funcionários, alunos e famílias, além dos órgãos gestores das redes ou sistemas de ensino. “[...] São estas diretrizes que estabelecem a base nacional comum, responsável por orientar a organização, articulação, o desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras” (BRASIL, 2013, p.4). Sua elaboração é decorrente da defasagem das antigas DCNEB, dadas as diversas mudanças ocorridas no cenário educacional nacional, especialmente o objeto da Lei n.º 11.274/2006, que ampliou a duração do ensino fundamental para nove anos, com a matrícula obrigatória de crianças de 6 anos de idade e a obrigatoriedade do ensino gratuito dos 4 aos 17 anos. Por esse motivo, o colegiado do Conselho Nacional da Educação (CNE) priorizou sua revisão e atualização, responsabilizando a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação em produzir um documento inicial que oferecesse referência sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica, iniciando uma intensa jornada. Nessa jornada, a Câmara da Educação Básica do CNE formou uma comissão ao receber o documento supracitado e organizou diversas audiências públicas e reuniões, viabilizando a participação de todos os segmentos e instituições educacionais do país, onde as propostas foram debatidas, tendo críticas aceitas e a 43 incorporação de novas ideias, construindo assim, de maneira coletiva, as novas DCNEB (BRASIL, 2013). Seus pressupostos destacam que ensino fundamental no Brasil se caracteriza como o centro da Educação Básica, sendo proveniente de um direito conquistado por meio de diversas lutas sociais, dada sua importância para a promoção do desenvolvimento do potencial humano ao exercício da cidadania. Por esse motivo, pressupõem que a Educação Básica, conforme previsto na LDB n.° 9394/96, tem como objetivo propiciar o desenvolvimento do educando e assegurar a ele a formação comum imprescindível ao exercício da cidadania, disponibilizando os meios para que ele possa progredir tanto no trabalho quanto em estudos posteriores. Dessa forma, especificam que esse direito deve ser assegurado pelo Estado, sistemas de ensino e escolas, não apenas quanto ao acesso e à permanência, mas também quanto à garantia do domínio dos conteúdos escolares e dos valores, habilidades e atitudes, advindos deles e das interações que ocorrem o ambiente escolar. Assim, as DCNEB concebem que os sujeitos da Educação Básica, em seus diferentes momentos de desenvolvimento, são ativos tanto no que se refere ao social, quanto à cultura, uma vez que aprendem e interagem. Além disso, são cidadãos de direitos e deveres e coautores do processo de construção de culturas, ciência, artes e esporte, socializando saberes durante seu desenvolvimento físico, cognitivo, socioafetivo e emocional do ponto de vista ético, político, estético, em sua relação com a escola, sociedade e família. Destarte, as DCNEB destacam que, na organização do currículo, é preciso observar as diretrizes comuns a todas as etapas, modalidades e orientações temáticas, respeitando as especificidades dos sujeitos. Na Educação Básica, o respeito aos estudantes e a seus tempos mentais, socioemocionais, culturais, identitários, é um princípio orientador de toda ação educativa. É responsabilidade dos sistemas educativos responderem pela criação de condições para que as crianças, adolescentes, jovens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições físicas, sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gêneros, crenças, classes sociais, contexto sociocultural), tenham a oportunidade de receber a formação que corresponde à idade própria do percurso escolar, da Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e Médio. (BRASIL, 2013,p.35). 44 No que se refere ao ensino fundamental de nove anos, o documento esclarece que a base nacional curricular comum deverá ser complementada em cada sistema de ensino e escola, por uma base diversificada, constituindo um todo integrado e articulado que viabilize a sintonia de interesses e necessidades dos mais amplos aos mais específicos, conforme se vê a seguir: Art. 14– A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais. Art. 15 – A parte diversificada enriquece e complementa a base nacional comum, prevendo o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da comunidade escolar, perpassando todos os tempos e espaços curriculares constituintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, independentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola (BRASIL, 2013, p. 67-68). Diante do exposto, a base nacional se ocupa de garantir os parâmetros unitários por meio das Orientações Curriculares Nacionais, enquanto a base diversificada se ocupa de complementá-lo, enriquecendo-o e contextualizando-o por meio dos projetos político-pedagógicos e currículos dos diversos sistemas escolares e escolas, com suas especificidades. O documento salienta que, no currículo, estão inseridas as áreas do conhecimento que dão origem aos componentes curriculares que possuem seus conteúdos. Os componentes curriculares do ensino fundamental são organizados em relação às áreas do conhecimento da seguinte forma: Linguagem: Língua Portuguesa, língua materna (população indígena), língua estrangeira moderna; Arte (artes visuais, teatro, dança e música) e Educação Física; Matemática; Ciências da Natureza; Ciências Humanas: História e Geografia e Ensino Religioso. As DCNEB ressaltam ainda que os conteúdos dos componentes curriculares, ao entrarem na escola, devem ser contextualizados, pois carregam em si um sentido moral e político e valores para promover condutas, atitudes e interesses ligados ao exercício da cidadania. Assim, devem se articular com temas abrangentes e contemporâneos da vida social e individual, como saúde, sexualidade 45 e gênero, diversidade cultural, direitos da criança e do adolescente, meio ambiente e educação para o trânsito entre outros. Nesse sentido, concebem que a transversalidade tem um importante papel, na medida em que possibilita integrar os componentes curriculares e as áreas do conhecimento aos temas contemporâneos. Por esse motivo, salientam que as áreas do conhecimento e os componentes curriculares permitem que os alunos entrem em contato com um mundo diferente, devendo ser trabalhadas como algo passível de interpretação, oferecendo-lhes a oportunidade de reinventar o conhecimento e a cultura. Diante disso, reconhecem que o acesso ao conhecimento escolar tem uma função dupla que se refere ao desenvolvimento de habilidades intelectuais e à criação de atitudes comportamentais salutares para viver em sociedade. Assim, defendem que a escola tem um papel importante, dado que muitas vezes é o único local onde a criança acessa o saber sistematizado, aumentando ainda mais a responsabilidade do ensino fundamental em viabilizar um currículo com aprendizagens que forneçam instrumentos para sua inserção social, econômica e cultural. Para tanto, instruem a utilização de diferentes métodos, estratégias e recursos de ensino capazes de atender às características cognitivas e culturais de seus alunos, oferecendo a todos a oportunidade de entender a realidade valorizada pela cultura escolar. Desse modo, as DCNEB apontam que o lúdico deve ser parte integrante da vida escolar, não se limitando apenas às disciplinas de Arte e Educação Física, dado que, na atualidade, se concebe que a área cognitiva está ligada a afetiva e emocional, no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que o prazer, a fantasia e as emoções permeiam nossas relações e ações. Enfatizam que é preciso articular o ensino fundamental com as demais etapas de ensino, como a educação infantil e o ensino médio, pois a barreira entre estes torna a trajetória escolar dificultosa aos alunos. Isso implica ao ensino fundamental integrar as práticas das duas outras etapas, tornando necessária a realização de um planejamento curricular de maneira integrada e sequencial de forma a minimizar a mudança abrupta que ocorre entre uma etapa e outra. Dada a relevância para esta pesquisa, destaca-se, que essa articulação é imprescindível para as crianças que iniciam o ensino fundamental. Assim, conforme 46 já debatido no item anterior, afirma-se que, comumente, verifica-se uma lacuna considerável entre a educação infantil e o ensino fundamental, tanto no que se refere à estrutura física e material das escolas, quanto à prática pedagógica, às metodologias e aos recursos de ensino, o que caracteriza uma ruptura entre esses dois tipos de ensino, caracterizada especialmente pela renegação do lúdico na segunda etapa em questão, como nos trazem Neves, Gouvêa e Castanheira (2011). Salienta-se que essa é uma constatação importante que deve impulsionar uma revisão urgente da configuração da estrutura escolar na prática, em consonância com o que prevê as DCNEB, uma vez que a literatura comprova que o caminho para o desenvolvimento da aprendizagem, conforme anteriormente abordado, é pela via lúdico. Para tanto, ressalta-se que há a necessidade de investimentos de políticas públicas de diversas frentes. Desse modo, reforça-se que reconhecer o que os alunos aprenderam antes de sua entrada no ensino fundamental e a recuperação do caráter lúdico do ensino promoverão a melhora na qualidade da ação pedagógica, principalmente às crianças dos anos iniciais dessa etapa escolar. [...] A inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental requer diálogo entre educação infantil e ensino fundamental, diálogo institucional e pedagógico, dentro da escola e entre escolas, com alternativas curriculares claras. (KRAMER, 2006, p. 22). Portanto, o ensino fundamental terá benefícios ao absorver da educação infantil a ludicidade na aprendizagem, principalmente entre as crianças de 6 a 10 anos de idade. Ou seja, será possível promover aulas menos repetitivas e imbuídas de maior prazer, desafios, conseguindo, assim, a participação efetiva das crianças e, consequentemente, a promoção de sua aprendizagem e desenvolvimento integral. Dessa forma, é pertinente trazer para o ensino fundamental algumas orientações das referidas DCNEB destinadas à educação infantil, como a organização de espaços e rotinas com situações agradáveis, estimulantes e desafiadoras para a ampliação da capacidade de expressão, comunicação, organização de ideias, brincadeiras e desenvolvimento de trabalhos em grupo para resolução de conflitos e a apropriação de diferentes linguagens e saberes da sociedade. 47 Por fim, as DCNEB destacam que a inclusão de crianças de 6 anos de idade no ensino fundamental tem como premissa assegurar seu pleno desenvolvimento e aprendizagem, com atenção voltada à diversidade cultural, social e individual dos alunos, requerendo espaços e tempos diversos de aprendizagem. Para tanto, deve-se proporcionar às crianças maior mobilidade dentro de sala de aula, exploração das várias linguagens da arte – como a literatura –, utilizando mais materiais que possibilitem ao aluno manusear e explorar as possibilidades, características e propriedades e, assim, sistematizar seus conhecimentos. Além disso, deve-se ter clareza de que desde os 6 anos, os demais conteúdos devem ser contemplados e não apenas a alfabetização, pois, além de abrirem um leque de conhecimentos às crianças, ainda lhes possibilitam atribuir significado social à linguagem escrita. Importante destacar que as DCNEB abordam que, historicamente no Brasil, se registra reprovação de alunos desde a antiga primeira série, o que não garantiu a qualidade e, ao contrário disso, promoveu o fracasso escolar e a evasão, um panorama desastroso que, embora tenha sido amenizado na atualidade, ainda é um dos mais evidentes do país, de maneira ainda mais marcante com os desfavorecidos econômica e socialmente. Com base nisso, recomendam que esse paradigma seja combatido, desenvolvendo-se estratégias que atendam aos pressupostos de aprendizagem significativa e recuperação dos alunos que apresentarem dificuldades na construção do conhecimento. Diante disso, propõe-se que a criança não reprove de maneira prematura aos 6 anos de idade, o que certamente gerará insegurança e baixa autoestima, sentido no qual determinam que se institua o Ciclo de Alfabetização no qual um bloco, compreendendo crianças do 1.º ao 3.º anos, seja formado, sem interrupção, visando oferecer maiores oportunidades de aprendizagens necessárias ao prosseguimento escolar, sentido no qual enfatiza que esse Ciclo deve assegurar: a) A alfabetização e o letramento; b) O desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o aprendizado da Língua Portuguesa, a Literatura, a Música e demais artes, a Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, das Ciências, de História de Geografia; c) A continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a 48 repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo, e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro. (BRASIL, 2013, p.122-123). Assim, instrui que a avaliação, especialmente no início do ensino fundamental, visando coerência com o desenvolvimento infantil, baseie-se principalmente em observação e registro das atividades desenvolvidas e em portfólios contendo essas atividades. Então, assim como previsto na LDB n.º 9394/96, o documento