UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem de Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos Apropriação do Conhecimento Pedagógico-Tecnológico em Matemática e a Formação Continuada de Professores ADRIANA RICHIT RIO CLARO 2010 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Apropriação do Conhecimento Pedagógico-Tecnológico em Matemática e a Formação Continuada de Professores Adriana Richit Orientador: Prof. Dr. Marcus Vinicius Maltempi Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem de Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos Rio Claro (SP) 2010 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Vinicius Maltempi (Orientador) Universidade Estadual Paulista – Unesp – Rio Claro ____________________________________________________ Profa. Dra. Ana Paula dos Santos Malheiros Universidade Federal de Itajubá – Unifei – Itajubá ____________________________________________________ Profª. Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo Universidade Estadual Paulista – Unesp – Rio Claro ____________________________________________________ Profª. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin Universidade Estadual Paulista – Unesp – Rio Claro _____________________________________________________ Profª. Dra. Telma Aparecida Gracias Universidade Estadual de Campinas – Unicamp – Limeira Rio Claro, abril de 2010 Resultado: APROVADA Seguir o ciclo da vida é necessário, porém buscar trilhar uma trajetória significativa é humanamente possível. DEDICATÓRIA Ao meu filho VÍTOR por existir e tornar a minha vida significativa. Filho amo você mais do que tudo! E ao MAURI, meu esposo, por estar sempre presente, mesmo ausente. Amo você! AGRADECIMENTOS A Deus. 〈〈〈〈〈〈〈〈Eu vou seguir uma luz lá no alto, eu vou ouvir uma voz que me chama, eu vou subir a montanha e ficar bem mais perto de Deus e rezar. A montanha, Roberto Carlos 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao Maltempi, em especial, não só pela orientação e pelo contínuo incentivo, mas, sobretudo, por ensinar-me pelo exemplo valores como compreensão, solidariedade e humanidade. 〈〈〈〈〈〈〈〈Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta. Paulo Freire 〉〉〉〉〉〉〉〉 À professora Elizabeti M. L. Urio, diretora do Colégio Estadual Professor Mantovani, pela receptividade e, principalmente, por permitir que usássemos o laboratório da escola. Aos professores da rede pública de ensino de Erechim que aceitaram participar das atividades e contribuíram substancialmente para que esse trabalho pudesse ser concluído. Meus agradecimentos à Adriana Russi, Adriano Pungan, Ariane de Oliveira, Bernardete Kaminski, Elisa Puerari, Isabel Saviski, Leila Parmigiani, Lisane Severo, Mauri Tomkelski, Neusa da Silva e Odete Radaelli. 〈〈〈〈〈〈〈〈O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente. Dermeval Saviani 〉〉〉〉〉〉〉〉 À banca examinadora: Ana Paula Malheiros, Maria Aparecida Viggiani Bicudo, Rosana Giaretta Sguerra Miskulin e Telma Aparecida Gracias. Agradeço imensamente pelas contribuições e sugestões que vieram solidificar esse trabalho. 〈〈〈〈〈〈〈〈Não existiria som se não houvesse o silêncio, não haveria luz se não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim, dia e noite, sim e não. Certas Coisas, Milton Nascimento 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao pessoal do GPIMEM: Ana Paula Malheiros (Paula), Cláudio Woerle, Débora Soares (Debbie), Deise João Luis de Azevedo (Jão), Maria Helena Hermínio, Leandro Diniz (Léo), Marcelo de Carvalho Borba, Maurício Rosa, Orlando de Andrade Figueiredo, Sandra Malta Barbosa, Silvana Claudia Santos (Pimentinha), Silvia Aimi (Silvi), Silvia Viel, Sueli Javaroni (Su), Regina Franchi, Ricardo Scucuglia, Rodrigo Dalla Vecchia e Rubia Zulatto. Obrigada pela convivência e pelas reflexões propiciadas nas reuniões do grupo. 〈〈〈〈〈〈〈〈Uma idéia, uma obra só recebe sua verdadeira significação quando é integrada ao conjunto de uma vida e de um comportamento. Lucien Goldman 〉〉〉〉〉〉〉〉 À Nilce Scheffer pela leitura de capítulos preliminares desse trabalho e pela amizade. A todos os docentes do Programa de Pós-Graduação, em particular ao Antônio Carlos Carrera de Sousa, Arthur Powell, Marcos Vieira Teixeira (Marquinho) e à Rosa Baroni, pelas reflexões e aprendizados nas disciplinas cursadas no doutorado. 〈〈〈〈〈〈〈〈A formação é um fazer permanente que se refaz constantemente na ação. Paulo Freire 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao Ricardo pela competente elaboração do abstract dessa tese e, também, ao Mauri e à Sílvia pela eficiência na revisão do texto final da tese. Aos colegas e amigos da PGEM, com os quais convivi ao longo desses anos, alguns desde o mestrado e outros no doutorado: Adailton da Silva, Adriano Fonseca, Aira Casagrande, Ana Paula Purcina (Aninha), Andriceli Richit, Célia Barros Nunes, Carla Mariano (Carlitcha), Carlos Eduardo Oliveira (Pernambuco), Carlos Francisco (Cagaio), Denival Biotto (Deninho), Duelci de Freitas Vaz, Edinei Reis (Édinei), Elivanete, Fabiane Mondini (Fabis), Fernanda Menino, Fernando Curi (mister president), Heloisa da Silva (Helô), Jamur Venturin, Juliana Viol (Miskulinha), Keila Elaine, Leonardo Barrichello, Luana Sampaio, Luciane Mocroski (Lu), Lucas Feliciano, Luciano, Marco Escher (Marcão), Marcos Félix, Marcos Lübeck, Marli Regina (Marloca), Miriam Andrade (Mirna), Neirelise Busque, Helinton Mercatelli (Neto), Luciele Trevisol, Luzia de Souza, Raquel Mariotto, Rejane Coelho (Glamourosa), Roger Miarka (Rogers), Otávio Salles, Rosana Mendes, Paulo Hermínio, Paulo Neves (PB), Sinval de Oliveira, Tatiane Puti, Valderez Melo e Vanessa Cintra. Registro-os nominalmente porque vocês fazem parte de minha história na Unesp e quando a memória falhar, ainda estarão nas minhas lembranças. 〈〈〈〈〈〈〈〈Pois seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia amigo eu volto a te encontrar, qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar. Canção da América, Milton Nascimento e Fernando Brant 〉〉〉〉〉〉〉〉 À Luciane Mocrosky pela amizade sincera, pelos conselhos, pelo carinho e apoio nas situações difíceis. Agradeço, também, à Fabiane Mondini pela preocupação no início desse ciclo. Eu e Vítor somos gratos a você. À Marisol, uma amiga distante sempre presente. 〈〈〈〈〈〈〈〈Eu sou do Sul, é só olhar pra ver que eu sou do Sul, a minha terra tem um céu azul, é só olhar e ver que eu sou do Sul. Eu sou do Sul, Elton Saldanha 〉〉〉〉〉〉〉〉 Às funcionárias Alessandra e Zezé pelo carinho e à Ana, Eliana, Elisa, Talita e Valéria pelos aconselhamentos nas questões burocráticas. Ao Gerado Lima pela colaboração de sempre. À Inajara pela disposição, boa vontade e pelo constante bom humor. Às tantas outras pessoas que cruzaram meu caminho neste período, cuja passagem deixou marcas e boas recordações. A convivência com pessoas e culturas tão distintas ensinou-me que a diferença é que faz a diferença. À Camila Pavanelli, com quem muito aprendi sobre relações humanas. 〈〈〈〈〈〈〈〈Não são as respostas que movem o mundo, mas sim, as perguntas! Vinheta da TV Futura 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao Seu Sebastião pela sublime e silenciosa presença nesses anos de Pensão em Rio Claro. Agradeço o carinho e bondade! À Vera, amiga e conselheira presente nesses seis anos em Rio Claro, obrigada!!! 〈〈〈〈〈〈〈〈Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração. Canção da América, Milton Nascimento e Fernando Brant 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao meu pequeno e amado Vítor por suportar a minha ausência. Você é a razão da minha vida. 〈〈〈〈〈〈〈〈Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração. Bola de Meia, Bola de Gude, Milton Nascimento 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao Mauri pelo carinho e, principalmente, por estar ao meu lado em todos os meus projetos de vida. Agradeço, também, sua dedicação e respeito. 〈〈〈〈〈〈〈〈Um sol eu sou para o seu mar, óh meu amor! Mar e Sol, Gal Costa 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao Florindo e à Elzira por colaborarem nas minhas idas e vindas a Rio Claro, auxiliando nos cuidados do meu pequeno Vítor. 〈〈〈〈〈〈〈〈Só os grandes corações sabem quanto há de glorioso em ser bom. Fénelon 〉〉〉〉〉〉〉〉 Aos meus irmãos Gilvane, Marcelo e Tiago, agradeço por apoiarem minhas decisões. À Andri, às vezes minha filha outras minha mãe, obrigada por compartilhar esse momento. 〈〈〈〈〈〈〈〈Todo mundo ama, um dia todo mundo chora, um dia a gente chega, no outro vai embora. Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, e ser feliz. Tocando em Frente, Victor e Léo 〉〉〉〉〉〉〉〉 Aos meus sobrinhos Pedro Inácio, Guto, Nando, Everton, Guilherme, e às sobrinhas Marcella e Rosiane por fazerem parte de minha grande família. Às minhas cunhadas Liliane, Mariane, Rosangela, Márcia e Marinês pela amizade e, em particular, à Mariane pelos cuidados e carinho dedicados ao Vítor. 〈〈〈〈〈〈〈〈Me dê um chimarrão de erva boa, que o doce desse amargo me faz bem. O Doce Amargo do Amor, Leonardo 〉〉〉〉〉〉〉〉 Minha gratidão aos meus pais Albino e Seleta, que ensinaram-me a ter coragem, fé e responsabilidade e a lutar pelos sonhos e objetivos. E em especial à você Mãe por ter colaborado quando precisei. 〈〈〈〈〈〈〈〈Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. Karl Marx 〉〉〉〉〉〉〉〉 Ao CNPq pelo apoio financeiro. RESUMO Essa tese constitui-se na materialização de uma investigação que envolve aspectos políticos, metodológicos, pedagógicos, sociais e motivacionais, realizada no âmbito da formação continuada de professores que ensinam matemática na educação básica. A pesquisa desenvolvida tomou por objeto de estudo a formação continuada de professores na perspectiva do desenvolvimento profissional docente. Para tanto, engajou docentes da educação básica e foi guiada pela interrogação “Quais reflexões e compreensões sobre o processo de apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática são mobilizadas por uma prática formativa semipresencial realizada com professores da rede pública de ensino? Visando respostas para a pergunta formulada, a investigação foi desenvolvida segundo os pressupostos da pesquisa qualitativa, mediante o objetivo de analisar a apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática de professores de matemática da educação básica, considerando os processos que perpassam essa apropriação, o modo como o movimento das políticas públicas impacta no desenvolvimento profissional docente e os ecos da experiência vivida na cultura e prática cotidiana desses professores. Assim, procurei olhar o objeto de estudo sob diferentes perspectivas, de modo que a investigação perpassou diversos momentos e situações: principiou com observações da prática pedagógica dos sujeitos e a realização de entrevistas iniciais, prosseguiu no contexto de uma prática formativa semipresencial na modalidade de Curso de Extensão, transitou para o cenário em que os professores promoveram dinâmicas de aprendizagem com seus alunos usando tecnologias e findou com a realização de uma entrevista, quase dois anos após a realização do Curso. Como resultados a pesquisa mostra que a compreensão do processo de apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática de professores da educação básica, olhado dialeticamente, abrange diferentes aspectos, tais como as perspectivas dos professores em relação à formação para uso pedagógico das tecnologias mediante a realidade educacional e política em que estão imersos, os processos que perpassam a apropriação desses conhecimentos e a implementação de novas práticas, bem como os reflexos dessa apropriação na cultura e prática docente posterior. Portanto, o estudo mostra que a formação continuada de professores, na perspectiva do desenvolvimento profissional, é permeada por processos internos e externos diversos que interferem no modo como o professor apropria-se de novos conhecimentos e busca promover novas práticas. Por fim, propõe que se promova no contexto das escolas públicas ações formativas em sintonia com as condições de trabalho e as possibilidades do professor, bem como envolvam todos os agentes presentes na dinâmica educativa, deflagrando, desse modo, mudanças na cultura e prática docente. PALAVRAS-CHAVE: Educação a Distância. Educação Matemática. Formação Continuada de Professores. Políticas Públicas. Tecnologias Digitais. ABSTRACT This thesis constitutes the materialization of an investigation involving political, methodological, pedagogical, social, and motivational aspects, held under the practising teacher education of mathematics teachers of elementary education. The research was developed based on the teacher professional development perspective. To this aim, it engaged teachers of elementary education and it was guided by the question "Which are the reflections and insights about the process of appropriation of mathematical pedagogical-technological knowledge mobilized by face-to-face and distance educational practice held with teachers in public schools? Seeking answers to the question posed, the research was developed under the assumptions of qualitative research, through the analysis of the appropriation of mathematical pedagogical-technological knowledge of mathematics teachers of elementary education, considering the processes that underlie the appropriation. It also analyzed how the movement of public policy impacts the professional development of teachers and the echoes of past experience in the culture and everyday practice of these teachers. I tried to look at the object of study from different perspectives, so the research was conducted through several moments and situations. It began with observations of subjects’ teaching practice and the conduction of initial interviews. It continued in the context of a face-to-face and distance practice taught through an Extension course. It moved into a scenario in which teachers promoted learning sessions with their students using technology. Also, a new set of interviews was developed almost two years after the end of the course. As results, the research shows that, in a dialectical point of view, the understanding of the process of elementary teachers’ appropriation of mathematical pedagogical-technological knowledge covers different aspects such as teachers’ perspectives on their education for pedagogical use of technologies regarding the educational reality and policy in which they are involved with, the processes that underlie the appropriation of knowledge, and the implementation of new practices as well as consequences on that appropriation in terms of culture and further teaching practice. Therefore, the study shows that practising teacher education, through the professional development perspective, is permeated by various internal and external processes that affect on how teacher appropriates new knowledge and seeks to promote new practices. Finally, it proposes the promotion in the context of public schools learning actions in line with the working conditions and possibilities of the teacher as well as involving all agents in the educational practice, triggering, thus, changes in culture and teaching. Key Words: Practising Teacher Education. Educational Public Policies. Digital Technologies. Distance Education. Mathematics Education. 11 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS...................................................................................................................................6 RESUMO ...................................................................................................................................................9 ABSTRACT .............................................................................................................................................. 10 SUMÁRIO ............................................................................................................................................... 11 LISTA DE SIGLAS ..................................................................................................................................... 14 ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................................................... 16 PRÓLOGO .............................................................................................................................................. 17 CAPÍTULO I ............................................................................................................................................ 18 1.0. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E RELEVÂNCIA DA PESQUISA ..................................... 18 1.1. Trajetória de uma inquietação .............................................................................................. 18 1.2. Objetivo e relevância da pesquisa ......................................................................................... 27 1.3. Apresentação sumarizada da tese ......................................................................................... 33 CAPÍTULO II ........................................................................................................................................... 35 2.0. CONSTITUIÇÃO TEÓRICA DO OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA ............................................ 35 2.1. De qual formação docente trata essa pesquisa? ................................................................... 35 2.2. O cenário brasileiro no despontar das discussões sobre formação continuada docente ..... 40 2.3. As pesquisas em formação continuada de professores: algumas tendências internacionais e nacionais ....................................................................................................................................... 43 CAPÍTULO III .......................................................................................................................................... 56 3.0. POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE .................................................. 56 3.1. Uma introdução sobre política pública educacional ............................................................. 56 3.2. Caminhos da formação continuada docente na legislação brasileira ................................... 59 3.2.1. Os recentes programas de formação continuada no Brasil ........................................... 64 3.3. Tecnologias na formação docente e a política de informática educativa ............................. 70 3.4. A formação tecnológica na legislação do Rio Grande do Sul ................................................. 73 3.5. Educação a distância e formação continuada docente ......................................................... 80 3.5.1. Políticas de educação a distância para a formação de professores .............................. 82 3.6. Aspectos pedagógicos da EaD Online .................................................................................... 86 3.6.1. Mediação do formador e a qualidade das interlocuções em EaD ................................. 88 3.7. Educação a distância e desenvolvimento profissional docente ............................................ 91 12 CAPÍTULO IV .......................................................................................................................................... 93 4.0. DELINEAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ................................................................ 93 4.1. Encaminhamentos iniciais da investigação ........................................................................... 93 4.2. O processo de engajamento e seleção dos sujeitos da pesquisa .......................................... 95 4.2.1. Os professores, sujeitos da pesquisa ............................................................................. 98 4.3. As observações realizadas no contexto da prática dos sujeitos .......................................... 104 4.4. Realização de uma reunião previamente ao início das atividades ...................................... 105 4.5. A prática formativa promovida: um Curso de Extensão ...................................................... 106 4.5.1. Estrutura do Curso promovido..................................................................................... 107 4.5.2. Os cenários das interlocuções com e entre os sujeitos ................................................ 108 4.5.3. Dinâmica dos encontros presenciais e virtuais ............................................................ 111 4.6. A evolução da prática formativa promovida ....................................................................... 113 4.6.1. Primeiro encontro e primeiras impressões .................................................................. 113 4.6.2. Evolução das atividades do Curso ................................................................................ 114 4.6.3. Encerramento do Curso de Extensão ........................................................................... 119 4.7. A coleta de dados ao longo da prática formativa ................................................................ 120 4.7.1. Ficha de inscrição, entrevistas e questionários ........................................................... 120 4.7.2. Gravação em vídeo e áudio e arquivamento de dados no TelEduc ............................. 121 4.7.3. Diário de Campo ........................................................................................................... 122 4.8. Análise dos dados ................................................................................................................ 122 4.8.1. Concepção de conhecimento e os procedimentos da pesquisa .................................. 123 4.8.2. Considerações sobre a organização e apresentação dos dados .................................. 126 CAPÍTULO V ......................................................................................................................................... 130 5.0. ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................................................. 130 5.1. A busca das categorias ......................................................................................................... 130 5.2. Possibilidades do professor frente à realidade educacional e política da formação docente no RS ........................................................................................................................................... 132 5.2.1. A realidade educacional dos sujeitos e política da formação de professores no Rio Grande do Sul ......................................................................................................................... 132 5.2.2. Formação e desenvolvimento profissional diante dessa realidade ............................. 144 5.2.3. Perspectivas em relação à formação pedagógico-tecnológica em matemática .......... 150 5.3. Processos que perpassam a apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática ................................................................................................................................. 156 5.3.1. Concepções sobre ensino, matemática, tecnologia e currículo .................................. 157 13 5.3.2. Experiências vividas no uso de tecnologias ................................................................. 175 5.3.3. Os conhecimentos didáticos da prática de sala de aula .............................................. 180 5.3.4. (Im)possibilidades da presença/ausência das tecnologias na escola .......................... 188 5.4. Como o professor experimenta uma nova prática pedagógica usando tecnologias .......... 192 5.4.1. Especificidades das práticas promovidas pelos professores ....................................... 192 5.4.2. Como as concepções prévias sobre o papel das tecnologias tomam lugar na prática docente com tecnologia ......................................................................................................... 207 5.4.3. Mudanças motivadas pelo uso de tecnologias na dinâmica da aula ........................... 209 5.5. Rastros da formação pedagógico-tecnológica na cultura e prática docente ...................... 212 5.5.1. Como as tecnologias vêm sendo utilizadas nas práticas desses professores .............. 212 5.5.2. Como concebem e buscam a formação pedagógico-tecnológica em matemática ..... 220 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS .......................................................................................... 227 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 233 APÊNDICES .......................................................................................................................................... 246 Apêndice 1: Atividades matemáticas desenvolvidas no Curso .................................................. 246 Apêndice 2: Recursos utilizados na prática formativa promovida ............................................. 272 ANEXOS ............................................................................................................................................... 275 Anexo 1: Questionário Temático I .............................................................................................. 275 Anexo 2: Questionário Temático II ............................................................................................. 276 Anexo 3: Questionário Temático III ............................................................................................ 278 LISTA DE SIGLAS AE – Avaliação Educacional ANEB – Avaliação Nacional da Educação Básica BID ou BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CFAE – Centros de Formação de Associações de Escolas CIBEM – Congresso Ibero-americano de Educação Matemática CNE – Conselho Nacional de Educação CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação Consed – Conselho Nacional de Secretários de Educação CRE – Coordenadoria Regional de Educação EaD – Educação a Distância ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EBRAPEM – Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Educação Matemática EDUCOM – Educação com Computadores ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino ENEM – Encontro Nacional de Educação Matemática EUA – Estados Unidos da América FMI – Fundo Monetário Internacional FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério Fundescola – Fundo de Fortalecimento da Escola GPIMEM – Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática HTEM – Colóquio de História e Tecnologia no Ensino da Matemática IUFM – Institutos Universitários de Formação de Mestres LDB ou LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional NTE – Núcleo de Tecnologia Educacional ONU – Organização das Nações Unidas PEC – Programa de Educação Continuada PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação 15 PGEM – Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática de Rio Claro PNE – Plano Nacional de Educação PNUD – Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento PROCAP – Programa de Capacitação de Professores ProInfo – Programa Nacional de Informática na Educação RFP – Referenciais para Formação de Professores RS – Rio Grande do Sul SAEB – Sistema de Avaliação Educacional SEB – Secretaria de Educação Básica SEEC – Secretaria Estadual de Educação e Cultura SEED – Secretaria de Educação a Distância SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura SIPEM – Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática UCA – Um Computador por Aluno UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFMT – Universidade Federal do Mato Grosso UFPe – Universidade Federal de Pernambuco UFPel – Universidade Federal de Pelotas UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSM – Universidade Federal de Santa Maria Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação Unesp – Universidade Estadual Paulista Unicamp – Universidade Estadual de Campinas Unisinos – Universidade do Vale dos Sinos URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões ÍNDICE DE FIGURAS FIGURA 1: Laboratório de Informática do Colégio Estadual Professor Mantovani............108 FIGURA 2: Interface do TelEduc – Ferramenta “Dinâmica do Curso”................................109 FIGURA 3: Os Sujeitos da Pesquisa: Sessão de Encerramento............................................118 PRÓLOGO Considerando a evolução exponencial das tecnologias e suas implicações na reorganização social, cujas mudanças impactam na escola e modificam o contexto educacional, as dinâmicas de aprendizagem e as formas de produzir conhecimento, entendo que encontramo-nos em um momento histórico-cultural e político que impõe ao profissional da educação comprometimento diferenciado com sua formação e prática. A apropriação do uso pedagógico e social das tecnologias digitais propicia formas distintas de promover a prática docente, modifica os processos de ensino e aprendizagem e, principalmente, torna-se condição essencial à adaptação do professor à nova cultura escolar, que é modificada com a presença desses recursos, bem como à participação das pessoas na sociedade. A formação continuada docente, por sua natureza e especificidade, constitui-se em objeto de estudo de pesquisas acadêmicas, freqüentemente visitado por educadores matemáticos, contudo o conhecimento produzido sobre esse processo é escasso no que diz respeito ao modo como a formação de professores, na dimensão continuada, é concebida e promovida no âmbito nacional. E mais, é preciso investigar de que forma o entendimento desse processo é condicionado pela concepção de formação incorporada aos contextos nos quais as ações formativas são promovidas, bem como pela realidade política e educacional dos profissionais da educação e pela dinamicidade do desenvolvimento profissional docente em decorrência do movimento de mudança na estrutura social como um todo. Este estudo pretende contribuir nesse sentido. Mostrar que a formação continuada de professores que ensinam matemática para uso de tecnologias, planejada e promovida a partir da realidade política e educacional em que esses profissionais estão imersos e pautando-se nas possibilidades desses profissionais, pode sinalizar mudanças na cultura e prática docente e, portanto, mudanças educacionais. Acredito que olhar para esse processo, considerando a dinâmica do desenvolvimento profissional, o movimento das políticas públicas específicas, a evolução das tecnologias e a ampliação do uso da educação a distância em propostas de formação docente é uma forma de produzir novos entendimentos/concepções sobre formação continuada de professores. E a partir desses entendimentos apontar caminhos para processos formativos que privilegiem o desenvolvimento profissional do professor e da educação em seu conjunto. CAPÍTULO I “Vamos achar um tesouro naquela casa... Mas não há nenhuma casa... Então vamos construí-la”. (Irmãos Marx – Comediantes) 1.0. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO E RELEVÂNCIA DA PESQUISA Nesse capítulo teço considerações sobre experiências profissionais e acadêmicas que contribuíram para a delimitação do tema desta pesquisa. O perpassar por esses momentos evidencia o movimento, a dialeticidade do meu caminhar pela pesquisa em formação de professores. Ainda, apresento aspectos relativos ao objeto de estudo da pesquisa que ressaltam a relevância da mesma no âmbito da educação matemática, educação a distância (EaD) e formação profissional docente. Dessa excursão sobressai o objetivo e a pergunta diretriz da investigação, a partir dos quais aponto os encaminhamentos que orientarão a leitura dos dados. Por fim apresento um esboço da tese, comentando sucintamente cada capítulo. 1.1. Trajetória de uma inquietação Escrever uma tese implica, certamente, um retroceder na caminhada do pesquisador. Tal regressão remete-o a um reencontro com situações que, indiscutivelmente, marcaram sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional, bem como os distintos momentos da pesquisa. Ou seja, o objeto de estudo de uma pesquisa constitui-se ao longo das vivências do pesquisador. Por entender que situações inerentes às experiências pessoais, acadêmicas, profissionais, políticas, entre outras interferem na delimitação do objeto de estudo da pesquisa e, portanto, condicionam as escolhas e o caminhar do pesquisador, considero relevante resgatar elementos que, notadamente, significaram minha trajetória, pois essas vivências constituem uma história de vida que se reflete no processo de pesquisar. Esse retroceder na história de vida do pesquisador não visa situar a origem do problema posto em investigação, um ponto de partida situado e específico, mas sim, um conjunto de vivências – sociais, culturais e históricas, situadas e refletidas –, que delinearam o objeto de estudo da pesquisa. Ao trazer à memória vivências diversas de minha história de vida, incluindo experiências pessoais, acadêmicas, formativas e profissionais, deparo-me com uma seqüência de situações que me conduziram a este campo de investigação: a formação continuada de professores que ensinam matemática. 19 Evidencio, primeiramente, minha experiência escolar no ensino médio como aluna do Curso de Magistério na Escola Estadual Marcelino Ramos, situada no município de Marcelino Ramos, Rio Grande do Sul (RS). Enquanto normalista tive contato com teorias de aprendizagem, metodologias de ensino e práticas educativas diversas, que não assumiam significação prática no contexto de estudante. Embora tenha desenvolvido um referencial de estratégias pedagógicas e técnicas de ensino, por meio das quais pude desenvolver aulas diferentes e dinâmicas no estágio supervisionado, deparei-me com obstáculos com os quais não sabia lidar, como indisciplina, diferenças de aprendizagem, carência afetiva, violência familiar, fome, afazeres e compromissos docentes diversos. Ao longo dessa experiência de um semestre letivo no ano de 1993, entre acertos e tropeços, os primeiros traços do meu perfil profissional foram se evidenciando e contribuindo para a sua constituição. No ano seguinte, em 1994, efetivei-me como professora de séries iniciais do ensino fundamental no município de Erechim, RS, tendo em vista minha formação anterior. Tal como apontam os estudos de Castro (1995), Moura (1998), Corsi (2002), Pizzo (2004) e Mariano (2006), as dificuldades enfrentadas nesse período foram marcantes. Nesse mesmo ano ingressei no Curso de Licenciatura em Matemática, na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI/Campus de Erechim, pois buscava tornar-me professora de matemática, sonho este que me acompanhava desde a infância. Meu ingresso na rede municipal de ensino foi traumático, pois além da falta de preparo para lidar com as questões de sala de aula, deparei-me com uma nova situação: fui lotada em uma escola multisseriada da zona rural do município, que dispunha de duas professoras, uma efetiva no turno da manhã e outra à tarde, bem como de uma funcionária responsável pela alimentação dos alunos. E agora, como lidar com as diferenças, com o currículo das múltiplas séries e o gerenciamento de uma escola? As dificuldades encontradas foram inúmeras e a necessidade de formação continuada voltada à prática tornava-se evidente. Além disso, não recebi orientação sobre como lidar com as questões burocráticas da escola – preenchimento de caderno de chamada, instrumentos de avaliação e recuperação de aprendizagem de alunos e visitas de supervisoras de ensino da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC). Sequer tive acesso ao Projeto Político Pedagógico da escola, regimento escolar e outras diretrizes da educação municipal. Tais situações desnudam uma das maiores dificuldades do início de carreira no magistério público, que é a ausência de um acolhimento. O professor é designado para uma dada escola e no dia a dia, tateando entre erros e acertos, precisa inteirar-se das suas atribuições docentes, da especificidade do contexto ao qual foi inserido e do seu compromisso social e profissional nesse meio. 20 No ano seguinte, em 1995, com o fechamento de muitas escolas rurais em decorrência de um projeto de centralização do ensino municipal, fui designada para trabalhar em uma entidade assistencial que atendia crianças de rua, entre 6 e 14 anos, situada em um bairro periférico de Erechim. Nessa trabalhei como educadora popular durante dois anos, atendendo grupos de crianças de 9 e 10 anos. As atividades diárias incluíam discussão e reflexão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), documentários sobre violência (física e psicológica), doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo, gravidez na adolescência, aborto, drogas, problemas ambientais, entre outros. Em síntese, procurávamos favorecer a formação cidadã de meninos e meninas de rua, conscientizando-os dos seus direitos e deveres com relação ao outro, à natureza e à sociedade. Também desenvolvi com essas crianças oficinas de matemática, aulas de reforço escolar, pintura em gesso e atividades recreativas diversas. Essa experiência foi desafiadora e gratificante, pois muito aprendi à medida que compartilhava experiências com as crianças e com as colegas educadoras. Nesse novo cenário, as atribuições docentes eram distintas. Não havia um programa imposto a ser cumprido. Os temas eram definidos anualmente pelo coletivo de educadoras em função dos problemas que se mostravam naquela realidade. Além disso, promoviam-se encontros quinzenais com as educadoras, orientados por uma coordenadora, nos quais realizávamos atividades formativas como leitura e discussão de textos relacionados à educação popular, cidadania, políticas públicas educacionais e sociais, Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como planejávamos atividades educativas para os pais das crianças. Essa experiência revelou outra face do início da profissão docente. Primeiro porque houve receptividade, acolhimento, por parte do grupo. Ao chegar fui informada sobre o processo de funcionamento da entidade, sua história, atribuições docentes, compromisso social e ético com aquele trabalho, a realidade dos alunos. Segundo, porque pude vivenciar uma formação continuada voltada à realidade em que atuava. O processo de formação ao qual nos envolvíamos incluía a participação em seminários de educação popular e eventos educacionais, desenvolvimento de atividades formativas voltadas à qualificação da prática docente para aquele contexto sócio-educativo e, principalmente, momentos de diálogo e reflexão sobre o papel formativo, político e social do educador popular. Sobre as ações formativas considero pertinente destacar que as atividades eram planejadas e desenvolvidas colaborativamente a partir das prioridades manifestadas no coletivo de educadoras, favorecendo o desenvolvimento profissional do grupo. O trabalho colaborativo, segundo Ferreira (2003) e Fiorentini (2004), constitui-se em instância de desenvolvimento profissional docente. 21 Mesmo realizada com o trabalho que desenvolvia naquele contexto decidi transferir- me para uma escola de ensino fundamental, pois precisava vivenciar a realidade de sala de aula na escola formal. Assim, em 1997 solicitei transferência para uma escola municipal situada em outro bairro periférico de Erechim, na qual assumi aulas de matemática de 5ª à 8ª série do ensino fundamental. Senti-me novamente iniciante na profissão, pois além da falta de receptividade dos distintos segmentos da escola, sofri discriminação por parte dos docentes da área pela falta de experiência como professora de matemática, já que havia desenvolvido atividades educativas de outra natureza. Do mesmo modo, a dificuldade em inserir-me à cultura escolar daquele contexto teve como agravante o desconhecimento e falta de acesso ao Projeto Político Pedagógico e ao regimento da escola. Quanto à prática de sala de aula em matemática, a orientação pedagógica que me foi dada é de que deveria seguir o livro didático adotado em cada turma, podendo usar outros recursos caso julgasse necessário. Por fim, não fui informada sobre a disponibilidade de materiais didáticos destinados ao ensino de matemática – tais como vídeos, jogos educativos, material manipulável etc.–, bem como sobre os espaços disponíveis na escola, como laboratório de ensino, para a complementação das atividades educativas. Essa experiência mostrou que não há nas escolas uma equipe de apoio aos docentes recém chegados que os auxiliem em seu processo de apropriação da cultura escolar, assim como propostas de formação que ajudem esses profissionais a enfrentar as dificuldades de início de carreira. As dificuldades enfrentadas por professores de matemática, em início de carreira, constituem um campo de pesquisa bastante visitado por pesquisadores em educação matemática, de modo que estudos como Rocha (2005) e Gama (2001; 2007), apontam alguns dos principais obstáculos no processo de transição de discente para docente e sugerem algumas alternativas, como a constituição de grupos colaborativos ou de apoio pedagógico no âmbito da escola. Após um ano em exercício nessa escola, período esse em que promovi algumas dinâmicas de aprendizagem diferenciadas e mostrei saber lidar com questões de sala de aula, conquistei o respeito dos colegas de área, da equipe diretiva e pedagógica. Porém, precisei mais algum tempo para apropriar-me das particularidades daquela cultura escolar. Nesse mesmo ano, em 1998, conclui o Curso de Licenciatura em Matemática e iniciei, na mesma instituição em que licenciei-me, o Curso de Especialização em Matemática, pois entendia que o professor necessita estar em contínuo processo de formação e, também, porque buscava subsídios que me permitissem abordar a matemática de forma diferente. Almejava uma prática pedagógica em matemática menos estática e linear. 22 Com relação às propostas de formação continuada e em serviço de professores vinculados ao ensino público municipal, ressalto que enquanto estive em exercício foram desenvolvidos diversos projetos, apoiados em significativos investimentos financeiros. Tais projetos incluíam a participação em eventos educacionais locais, estaduais e nacionais, realizados dentro e fora do Estado; financiamentos para a realização de cursos de graduação e especialização; participação em congressos e cursos oferecidos por instituições da cidade com isenção de custos com inscrição para docentes em exercício na rede municipal; realização de jornadas pedagógicas promovidas pela secretaria municipal de educação, nas quais eram debatidas questões educacionais específicas daquele contexto; participação em atividades culturais e artísticas regionais; entre outras. Ainda, nas escolas municipais promoviam-se reuniões administrativas e pedagógicas, sendo que nessas últimas discutiam-se problemas educacionais pontuais, políticas públicas de educação, planejamento de projetos interdisciplinares e a elaboração do projeto político pedagógico. Sobre isso acrescento que entre os anos de 98 e 99 os professores participaram de reuniões e, em suas escolas, constituíram grupos de trabalho para definir os conteúdos, competências e estratégias que norteariam as práticas educativas de cada escola, os quais foram incorporados aos projetos político pedagógicos dessas instituições de ensino. Contudo, não havia uma proposta de formação continuada que contemplasse a especificidade de cada disciplina e do contexto das escolas periféricas. Não havia propostas de formação tecnológica, assim como não se vislumbrava a presença de tecnologias no contexto educacional municipal e o uso dessas na prática docente. Porém, essa realidade modificou-se a partir do ano 2000 com a criação de convênios com empresas e escolas de informática, visando prover alfabetização tecnológica aos professores e alunos. Hoje, oito anos após meu desligamento da rede municipal de ensino, que se deu no início de 2002, apurei que muitas escolas dispõem de laboratório de informática, inclusive para uso do professor. Esses laboratórios são coordenados por profissionais técnicos da área de informática, funcionários de empresas ou escolas de informática e são destinados à comunidade, por meio dos quais são oferecidos gratuitamente cursos de informática básica aos alunos (em turno contrário a aula) e à comunidade no entorno da escola. Em 1999 assumi aulas de matemática no ensino médio, como professora temporária, na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Fui designada para atuar em uma escola localizada no centro da cidade de Erechim, na qual enfrentei novamente as dificuldades de professor recém chegado. Porém minha experiência anterior forneceu subsídios que me permitiram contornar essas situações e favoreceram minha adaptação àquela cultura escolar. 23 Por outro lado, nesse espaço uma nova realidade educacional mostrou-se. A maioria dos alunos provinha de famílias melhor estruturadas e, com isso, alguns dos problemas comuns das escolas periféricas eram menos freqüentes. Entretanto, a rivalidade entre alunos, indisciplina, as diferenças de aprendizagem e, principalmente, a desvalorização social da escola e do professor eram obstáculos presentes. Tais dificuldades reforçavam a necessidade de programas de formação continuada que auxiliassem os docentes a enfrentar os desafios de sala de aula, como uma forma de priorizar a qualidade da educação e o desenvolvimento dos alunos, bem como a criação de políticas públicas favoráveis à valorização do professor. No ano 2000 efetivei-me na rede pública estadual como professora de matemática das séries finais do ensino fundamental, sendo lotada em outra escola central do município. Para isso, exonerei-me de uma nomeação na rede municipal. Nesse mesmo ano conclui a Especialização em Matemática e decidi buscar um curso de pós-graduação na área. No início de 2002 solicitei exoneração da segunda nomeação na rede municipal de ensino para efetivar-me como professora de matemática do ensino médio na rede pública estadual. Nesse mesmo ano assumi aulas de física, no ensino médio, em uma escola particular da cidade. No início de 2004 deixei a sala de aula e ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – Unesp, Rio Claro. Ao longo de cinco anos em exercício no ensino público estadual constatei que há pouca preocupação/interesse em qualificar a educação. Há pouco incentivo e respaldo para os professores freqüentarem seminários e cursos, assim como espaço no programa curricular para promover dinâmicas formativas com os docentes. Há pouco incentivo à leitura, aquisição de livros, participação em atividades culturais, bem como não existem políticas que valorizem os profissionais que investem em qualificação profissional. Por outro lado, nota-se que os professores estão sendo sobrecarregados com aulas, elaboração e aplicação de provas e trabalhos de recuperação de aprendizagem e tarefas burocráticas desnecessárias, atividades essas que esgotam o tempo do professor. Com isso, as possibilidades do professor pensar sua prática e engajar-se em atividades formativas são subtraídas. A precariedade da formação docente no RS é agravada com a transferência da responsabilidade com a formação do Estado para a escola. Assim, em decorrência da falta de estrutura das escolas, geralmente as ações promovidas constituem-se de reuniões pedagógicas e seminários sobre assuntos gerais, como indisciplina e motivação, temas esses relevantes à docência, mas insuficientes para deflagrar mudanças na prática de sala de aula. Ainda, nota-se que tais atividades tornam-se tarefas tediosas para muitos professores, pois, em geral, são planejadas sem levar em consideração as necessidades e a realidade desses profissionais. 24 Contudo, enquanto docente na rede estadual procurei contornar os obstáculos postos pelas diretrizes político-educacionais, buscando participar de eventos educacionais, oficinas e cursos voltados ao uso de tecnologias1, por vias e recursos próprios, concentrando-os em momentos específicos, tais como em períodos de férias de inverno e verão. Além disso, motivada pelo interesse em apropriar-me do uso desses recursos dedicava algumas horas semanais (aos sábados), procurando ampliar meus conhecimentos sobre os mesmos e sobre possíveis formas de usá-los no ensino de matemática. Ao olhar para meu processo de desenvolvimento profissional em início de carreira, considero que o envolvimento em cursos de extensão universitária, a realização da especialização e a participação em eventos educacionais e oficinas pedagógicas para uso de tecnologias proporcionaram-me um embasamento teórico-prático que me permitiram refletir sobre a necessidade de modificar minha prática em matemática, promover dinâmicas de aprendizagem pautadas no uso de tecnologias, bem como vislumbrar modos diferentes de abordar conteúdos curriculares por meio desses recursos. Tais vivências permitiram-me compreender que a formação continuada constitui-se na via principal do desenvolvimento profissional docente e da educação como um todo, ao mesmo tempo em que contribui para a valorização do professor em sua prática social no âmbito da escola e da comunidade. A compreensão apresentada no parágrafo anterior mobiliza algumas reflexões. As experiências/dificuldades que mencionei são vivenciadas por muitos professores, de modo que a exigência por formação continuada predomina entre profissionais de quaisquer contextos educativos. Há, porém, alguns contrapontos intrigantes. Muitos professores recusam-se a participar de atividades formativas, quando essas são oferecidas. Outros desistem após iniciá-las e, ainda, há aqueles que participam limitando-se apenas a ouvir. Além disso, o impacto das propostas de formação promovidas, em geral, não é percebido na escola. Diante disso, passei a refletir sobre questões relativas à formação docente, num primeiro momento olhando para as deficiências e impossibilidades da formação inicial e seus reflexos na prática de sala de aula. Em seguida olhando para a formação continuada, pensando no desenvolvimento profissional do professor que lhe fornecesse subsídios para empreender uma prática voltada à realidade contextual da escola e favorável ao desenvolvimento dos alunos. Tais inquietações delinearam minha trajetória na pós-graduação, constituindo-se em objetos de estudo das pesquisas desenvolvidas no mestrado e doutorado, respectivamente. 1 O termo tecnologias refere-se às tecnologias digitais, como softwares – gráficos, algébricos e de geometria –, simuladores, planilhas eletrônicas, calculadoras em geral, jogos eletrônicos etc., bem como as tecnologias da informação e comunicação (TIC), que é a tecnologia informática munida de Internet. Essa generalização faz-se necessária para suprimir repetições desnecessárias e dar objetividade ao texto aqui exposto. 25 Do mesmo modo, as experiências vivenciadas no mestrado, período esse em que procurei intensificar as leituras sobre o assunto e refletir sobre questões relativas à formação profissional docente em matemática, foram determinantes para evidenciar meu interesse e preocupação com a formação de professores e, desse modo, delinearam o objeto de estudo da pesquisa que desenvolvi: a formação inicial docente em matemática. No estudo realizado, que culminou na dissertação intitulada “Projetos em Geometria Analítica usando Software de Geometria Dinâmica: repensando a formação inicial docente em matemática”, investiguei possibilidades de favorecer a formação inicial docente em matemática, nas dimensões tecnológica, específica e pedagógica, entrelaçando o trabalho com projetos e tecnologias, focando conteúdos de geometria analítica. Os resultados do estudo mostram que a estratégia pedagógica investigada pode favorecer a formação profissional do futuro professor de matemática, nas dimensões citadas, pois propicia o desenvolvimento de conhecimentos de uso pedagógico das tecnologias na abordagem de conteúdos curriculares da licenciatura, focando a prática de sala de aula, ou seja, contemplando simultaneamente o ensino e a aprendizagem desses conteúdos. Destaco ainda, como conclusão, que essa prática precisa ser estendida ao longo da licenciatura, abarcando diversas disciplinas do currículo do curso e atividades formativas, para que os futuros docentes possam vislumbrar possibilidades de uso desses recursos na sua prática posterior (RICHIT, 2005). Motivada pelo meu envolvimento com formação de professores participei de eventos, elaborei trabalhos que versavam sobre as dimensões da formação inicial docente em matemática e, também, sobre os avanços e perspectivas da formação continuada de professores para uso de tecnologias na abordagem de conteúdos curriculares. Envolvi-me, na condição de docente, com diversas experiências – na modalidade de cursos de extensão, minicursos, relatos de experiência e oficinas pedagógicas–, que articulavam o uso de softwares gráficos, algébricos e de geometria dinâmica na abordagem de conteúdos matemáticos diversos. Igualmente, a participação nas discussões e reflexões promovidas por pesquisadores da área, nos seminários de terça-feira do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática (PGEM) da Unesp de Rio Claro, bem como nas palestras proferidas em encontros e congressos em educação e educação matemática, favoreceram o aprofundamento das reflexões sobre o processo de formação continuada de professores. Por meio desses identifiquei diferentes movimentos de pesquisa em formação profissional docente e relevantes questões de pesquisa em aberto. 26 Destaco, ainda, a contribuição do Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática (GPIMEM), cujas discussões promovidas entre os integrantes contribuíram para o refinamento do meu olhar sobre leituras realizadas e me instigaram a investigar o processo de desenvolvimento profissional docente, mediado pela EaD, tendo em vista as possibilidades dessa modalidade à formação continuada de professores docente. É tradição nesse grupo o desenvolvimento de pesquisas que investigam as possibilidades e o papel da EaD no processo de produção de conhecimento matemático e na formação continuada de professores, bem como de estudos que focam a produção do conhecimento matemático em ambientes virtuais ou informatizados de aprendizagem. Por fim, a realização do doutorado constituiu-se em um processo de amadurecimento acadêmico, por meio do qual pude ampliar minhas concepções sobre a formação continuada de professores que ensinam matemática e sobre desenvolvimento profissional docente. Além disso, as leituras realizadas mobilizaram reflexões sobre os processos que permeiam a apropriação de conhecimentos de novas práticas pedagógicas em matemática, uma vez que mudanças no âmbito da prática de sala de aula são mobilizadas por experiências formativas vividas na trajetória profissional docente. A apropriação, na perspectiva do materialismo histórico2, refere-se ao processo em que o conhecimento vai se constituindo numa dialética, numa interação em que o sujeito interage com os outros e com a realidade, atribuindo significado às suas experiências nessa realidade. Em outras palavras, ao relacionar-se com o outro em sua prática social cotidiana, o indivíduo entra em um processo de significação, no qual o processo de apropriação é condicionado pelo pensar e pela ação do próprio sujeito, ao mesmo tempo em que é permeado por fatores externos e internos diversos. Retomando as considerações sobre o delineamento do objeto de estudo dessa pesquisa, sublinho a contribuição das leituras realizadas sobre esse tema. Ao analisar trabalhos sobre a formação de professores é possível perceber que esse processo revela uma complexidade estrutural e metodológica, que se estende desde a compreensão dos pressupostos teóricos até a implementação de mudanças no âmbito da sala de aula, constituindo-se num processo dinâmico que se materializa ao longo do desenvolvimento profissional do professor. Tais reflexões, juntamente com as discussões realizadas com o orientador desse estudo acerca do processo de apropriação do conhecimento, levaram-me a estudar a teoria dialética, que constitui a visão de conhecimento que embasa esse estudo. 2 Esse termo, assim como o termo apropriação, é retomado e discutido à luz da concepção dialética do conhecimento no capítulo 4 dessa tese. 27 Ao retraçar a trajetória que me conduziu à pesquisa em formação de professores mostro que inquietações sobre esse tema sempre permearam minhas vivências enquanto professora de matemática da educação básica e como pesquisadora em educação matemática. Ao longo dessas experiências, em particular enquanto pesquisadora, muitas interrogações emergiam. Freqüentemente questionava-me: Como o professor pode preparar-se de modo a favorecer o desenvolvimento profissional e a qualificar a educação? Que dimensões políticas da educação interferem na formação e prática do professor? Como a evolução da tecnologia e a expansão da EaD podem favorecer processos de formação continuada docente? É possível mudar a prática instituída do professor em sala de aula? Inspirada por esses questionamentos e buscando conhecer e compreender o processo de formação continuada docente, abrangendo aspectos epistemológicos, pedagógicos, sociais, políticos e metodológicos, imergi em um processo de revisão da literatura sobre o que tem sido produzido recentemente, identificando algumas tendências internacionais e nacionais. Procurei, ainda, fazer um levantamento das políticas públicas que priorizam a formação profissional docente. Dessa revisão emerge o objetivo e a relevância da presente investigação no contexto da educação matemática. 1.2. Objetivo e relevância da pesquisa Fazer pesquisa sobre formação de professores é uma iniciativa necessária atualmente, visto que novas facetas e dimensões são reveladas mediante a dinamicidade das tecnologias e da reorganização dos contextos social e educacional devido à presença desses recursos. Partindo dessa premissa e considerando que as transformações que se manifestam na sociedade deflagram movimentos de mudança na organização e no trabalho escolar, ressalto que pesquisas sobre esse tema são pertinentes, pois é preciso compreender e perspectivar a educação frente à reorganização social. Além disso, com a intensificação das discussões sobre a qualidade da educação nacional, a formação de professores tomou lugar nos discursos oficiais e no contexto da pesquisa e, com isso, múltiplas tendências se manifestam e tornam-se objetos de estudo. Desse modo, o campo de pesquisa em formação de professores mostra-se multifocal, onde tendências como identidade profissional, formação continuada, formação em serviço, formação inicial, saberes docentes e prática profissional, multiculturalismo e formação docente, desenvolvimento profissional, cultura escolar e prática docente, tecnologias na formação e prática docente, educação a distância e formação profissional docente, entre outras, constituem-se em objetos de estudo investigados em educação e educação matemática. 28 Diante do exposto, sublinho a relevância da presente pesquisa, pois abrange movimentos e temas de pesquisa pertinentes na atualidade, como as discussões em torno das políticas públicas educacionais e sobre desenvolvimento profissional docente. E mais, o conhecimento produzido sobre formação continuada de professores ainda é limitado no que se refere à compreensão desse processo e das implicações desse à qualificação da educação. Assim, a presente pesquisa se insere nesse movimento de discussão e reflexão sobre a qualificação da educação brasileira, processo esse que perpassa, inevitavelmente, a formação continuada de professores, ao mesmo tempo em que enfatiza a formação para uso pedagógico das tecnologias na prática docente em matemática. Ao fazer um breve mapeamento dos trabalhos acadêmicos em andamento e concluídos apresentados em eventos de educação e educação matemática, constato que atualmente a formação continuada de professores que ensinam matemática, voltada ao uso de tecnologias, tem sido enfatizada. No IX Encontro Nacional de Educação Matemática – ENEM, realizado em Belo Horizonte no ano de 2007, foram publicados 25 trabalhos sobre formação continuada de professores de matemática. E desses, os trabalhos de Beline (2007) e Beline e Salvi (2007) relacionavam-se ao uso de tecnologias digitais na formação e prática docente em matemática. Igualmente, analisando os trabalhos categorizados como comunicação científica, apresentados no IX Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores – CEPFE, realizado em 2007 em Águas de Lindóia/SP, constatei que dos 95 trabalhos relacionados à formação profissional docente, 30 tratavam de formação continuada, abrangendo diversas áreas do conhecimento e diferentes temas. Dentre esses, os trabalhos de Furkotter, Morelatti e Faustino (2007), Ferrarezzi, Romanatto e Inforsato (2007), Kochhann e Pirola (2007), Cezare e Grando (2007) abordavam a formação continuada de professores de matemática da educação básica. Já os artigos de Galindo e Inforsato (2007), Rosalen e Rozineli (2007) e Domingues (2007) evidenciavam e discutiam as políticas públicas para formação continuada docente, enquanto que o trabalho de Nacarato e Grando (2007) tratava da formação continuada para uso de tecnologias no ensino de matemática. No IV Colóquio de História e Tecnologia no Ensino da Matemática – HTEM, realizado em 2008 no Rio de Janeiro, verifiquei que dos 44 trabalhos apresentados na modalidade comunicação científica, cinco tratavam da formação profissional docente em matemática. E desses, os trabalhos de Richit (2008a) e Lobo da Costa et al. (2008) dedicavam-se à formação continuada de professores de matemática, ao mesmo tempo em que focavam o uso de tecnologias nesse processo e, também, na prática pedagógica. 29 No XII Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Educação Matemática –EBRAPEM, realizado em 2008 na cidade de Rio Claro/SP, foram apresentados 75 trabalhos sobre formação de professores, sendo que 24 focavam formação continuada e/ou desenvolvimento profissional docente. Dentre esses, os trabalhos de Pimenta (2008) e Poloni (2008) abordavam a formação de professores de matemática para uso de tecnologias no ensino e o trabalho de Richit (2008b), trabalho esse relacionado à presente pesquisa, abordava a formação continuada, na dimensão pedagógico-tecnológica em matemática, entrelaçando-a às políticas públicas e à educação a distância. Contudo, no XIII EBRAPEM, realizado em 2009 na cidade de Goiânia/GO, houve uma redução dos trabalhos em formação continuada de professores de matemática, visto que dos 48 trabalhos inscritos no GT-Formação de Professores, apenas oito focam a formação continuada e/ou desenvolvimento profissional docente. Desses, os trabalhos de Vicentino e Lobo da Costa (2009) e Rodrigues e Silva (2009) contemplam a formação continuada docente no contexto das políticas públicas de reorganização curricular, enquanto os estudos de Richit (2009b), Sausen (2009) e, também, o trabalho de Branco e Scherer (2009), inscrito no GT- Tecnologias Informáticas e Educação Matemática, enfatizam a formação de professores de matemática pautada em EaD. No IV Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática – SIPEM, realizado em Taguatinga, DF, em 2009, o eixo temático “Formação de Professores” se constituía de 31 trabalhos. Desses, apenas os trabalhos de Neves (2009), Gonçalves (2009), Moretti (2009) e Silva (2009) focam a formação continuada na perspectiva do desenvolvimento profissional, enquanto os trabalhos de Pereira (2009) e Cardoso (2009), inscritos no GT-Novas Tecnologias e Educação a Distância, tratam da formação continuada no contexto da educação a distância. Essa redução de trabalhos com foco na formação continuada foi percebida, igualmente, no VI Congresso Ibero-americano de Educação Matemática – CIBEM, realizado em 2009 na cidade de Puerto Montt, Chile. Nesse evento foram publicados 324 trabalhos na modalidade comunicação científica, sendo que apenas 16 tratam de formação continuada de professores. Desses, os trabalhos de Moraes e Pirola (2009), Bertucci e Sousa (2009) e Pires e Martins (2009) investigam a formação continuada docente em matemática em face às políticas públicas. Os estudos de Martins e Giraffa (2009), Campos et al. (2009), Lins (2009) e Richit e Maltempi (2009a) enfatizam o desenvolvimento profissional pautado em EaD e/ou para uso das tecnologias na prática docente em matemática. 30 Consultando o banco de teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), tomando por base de pesquisa a expressão “formação continuada docente em matemática” obtive 20 registros de doutoramento. Recorrendo à leitura dos resumos desses trabalhos, verifiquei os textos de Gama (2007), Moretti (2007), Rossini (2006) e Silva (2005) tratam da formação continuada de professores de matemática da educação básica, enquanto os trabalhos de Costa (2004), Lobo da Costa (2004) e Kawasaki (2008) focam a formação para uso de tecnologias no ensino de matemática. Refinando a consulta por meio da expressão “educação a distância e formação continuada de professores de matemática” a busca resultou nos trabalhos de Almeida (2001), Morgado (2003), Luiz dos Santos (2004) e Zulatto (2007). A busca por trabalhos envolvendo, simultaneamente, políticas públicas, formação continuada e educação a distância, não encontrou trabalho. Sobre isso, os estudos de Hiltz e Goldman (2005), Gutiérrez e Boero (2006), Stahl (2006) e Bairral (2007) apontam a carência de pesquisas que investiguem o processo de formação profissional docente realizado na modalidade à distância, focando especificamente aspectos do desenvolvimento do conhecimento matemático. Vale destacar, entretanto, que existem trabalhos relacionados à formação de professores em face às políticas públicas nacionais e sobre formação continuada pautada em EaD sendo desenvolvidos por pesquisadores em educação matemática, que não constam nos registros consultados. Em Fiorentini (2008) há uma discussão sobre os impactos das políticas públicas sobre as propostas de formação de professores que ensinam matemática. Miskulin (2009) discute algumas dimensões de processos formativos pautados em EaD no cenário das políticas públicas, destacando possibilidades sociais, políticas e pedagógicas para cursos de licenciatura em matemática. Também o texto de Miskulin, Rosa e Silva (2009) evidencia que as comunidades virtuais, apoiadas pelos recursos da educação a distância, têm crescente importância na formação continuada de professores, pois constituem-se e transformam-se na interlocução entre os membros e favorecem o emergir do “conhecimento-da-prática”. Por meio dessa busca constata-se que as pesquisas em formação continuada docente, desenvolvidas no âmbito da educação matemática, mesmo em número ainda limitado vêm se disseminando e acompanhando o movimento de mudanças sociais e políticas do país. Esse aspecto merece ser destacado uma vez que a apropriação de conhecimentos de novas práticas educativas, em sinergia com a dinamicidade da realidade social, pressupõe a implementação de experiências formativas favoráveis ao desenvolvimento profissional do professor. Para tanto, é coerente e necessário compreender as dimensões do processo de formação e seus múltiplos aspectos, compreensão essa que é viabilizada pela realização de pesquisas. 31 Por outro lado, olhando para as propostas de formação continuada de professores, promovidas recentemente, nota-se que os resultados obtidos não têm favorecido o desenvolvimento profissional docente e, tampouco, produzido modificações nos processos educacionais clássicos (TANURI, 2008). Diante disso e considerando que as tecnologias podem propiciar diferentes dinâmicas de aprendizagem e formas distintas de abordar conteúdos, considero necessário repensar a formação docente para uso desses recursos na prática pedagógica, pois segundo Bairral (2007, p.15) “a presença massiva das TIC em nossa vida cotidiana e profissional tem contribuído, diferentemente, com a constituição de novas formas de interação e de aprendizagem”. Teorizando sobre essa questão Bairral (2005) pontua que no processo de formação continuada o professor precisa vivenciar, individual ou coletivamente, o uso de tecnologias no enfrentamento de situações de aprendizagem novas e diferenciadas. Diz, ainda, que a partir de dinâmicas formativas a distância o professor pode aprender de forma diferenciada, desenvolvendo-se profissionalmente e promovendo mudanças na prática. Outro aspecto que evidencia a necessidade de revermos a formação docente para uso de tecnologias e, portanto, precisa ser comentado, diz respeito à incompatibilidade da formação inicial dos profissionais licenciados na última década com as mudanças educacionais suscitadas por esses recursos. A maioria dos docentes formados na década de 90 não teve acesso às tecnologias, assim como a formação tecnológica que têm vivenciado ao longo da carreira, quando recebem, não é adequada e suficiente para que as incorporem na prática. Além disso, na década atual o uso desses recursos nas licenciaturas ainda é restrito, quando não negligenciado. Esses aspectos, conseqüentemente, contribuem para reforçar a resistência das escolas em promover o uso desses recursos na prática de sala de aula. A esse respeito, entendo que a objeção em aceitar o uso de tecnologias na prática pedagógica é agravada por outros fatores que se apresentam no cotidiano docente, como a ausência de estrutura física adequada, propostas de informática educativa nos projetos político pedagógicos das escolas, apoio dos pais e colegas professores e, em alguns casos, por falta de ousadia dos professores em experimentar, criar, recriar uma prática diferente. Focando a formação continuada de professores no RS, a partir de uma análise das ações promovidas no âmbito das escolas, pode-se verificar que parece não haver convergência entre os objetivos das propostas sugeridas pela Secretaria Estadual de Educação e as ações concretizadas. Muitas das propostas formativas são planejadas sem levar em conta as necessidades dos docentes e as mudanças sociais, assim como a formação continuada em matemática e, também, de outras áreas do conhecimento, não têm sido privilegiadas. 32 A meu ver as ações de formação continuada de professores precisam ser planejadas e concretizadas no contexto da prática pedagógica de cada área de conhecimento, focando a realidade educacional específica dos profissionais envolvidos, as necessidades e perspectivas dos alunos, as mudanças manifestadas na sociedade, bem como favorecer uma prática docente que possa promover o desenvolvimento dos estudantes. Ressalto que embora experiências formativas esporádicas tenham sido empreendidas no RS, poucos trabalhos focando a formação continuada dos professores gaúchos têm sido desenvolvidos, de modo que não há registros de teses de doutoramento sobre esse tema, assim como são escassas as dissertações que investigam o uso de tecnologias na formação docente. Partindo das considerações explicitadas nessa seção e da revisão da literatura sobre formação profissional docente, acredito que os resultados de pesquisas sobre esse tema são relevantes e necessários no âmbito educacional, pois podem apontar a necessidade de políticas públicas específicas e embasar a elaboração de novas propostas e programas formativos aos profissionais da educação. E, ainda, podem colaborar na constituição de um corpo de conhecimento sobre formação continuada de professores e desenvolvimento profissional docente, à medida que distintas compreensões sobre a natureza e as dimensões de ambos os processos são apresentadas. Além disso, a excursão teórica realizada mostrou que pesquisas em formação continuada docente, que investigam esse processo no contexto da educação a distância, considerando o impacto das recentes determinações das políticas públicas, são pertinentes, pois podem apontar caminhos para mudanças na educação uma vez que estão em sintonia com o movimento de mudanças sociais e políticas vigentes no país. Por fim, ressalto que nesse estudo a formação continuada de professores que ensinam matemática é olhada a partir de um espectro amplo, abrangendo aspectos históricos, metodológicos, sociais, políticos e motivacionais, identificados no processo de constituir-se professor e apropriar-se de novas práticas de docentes que participaram de uma prática formativa voltada à apropriação do conhecimento pedagógico-tecnológico em matemática. Para isso, procuro olhar e analisar a formação continuada docente no contexto político e social da escola pública do Rio Grande do Sul, guiada pela interrogação: Quais reflexões e compreensões sobre o processo de apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática são mobilizadas por uma prática formativa semipresencial realizada com professores da rede pública de ensino? 33 Assim, a pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar o processo de apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática de professores, considerando o modo como o movimento das políticas públicas impacta no desenvolvimento profissional docente e na realidade escolar, os processos que perpassam essa apropriação e o modo como o professor promove uma nova prática, bem como os ecos dessa experiência na cultura e prática cotidiana desses professores. 1.3. Apresentação sumarizada da tese A tese aqui apresentada constitui-se de cinco capítulos, além do prólogo, considerações finais, referências, apêndices e anexos. No capítulo primeiro reconstruo minha trajetória profissional e acadêmica, a transição de professora à pesquisadora em educação matemática, situando historicamente o despertar do meu interesse e envolvimento com questões relativas à formação de professores. Na seção 1.2 explicito o objetivo e a interrogação da pesquisa, assim como apresento argumentos que corroboram a relevância da mesma no âmbito da formação de professores e da educação matemática, situando-a no movimento de pesquisas em sintonia com as mudanças sociais e políticas vigentes no país. Por último faço a apresentação estrutural da tese, comentando, sucintamente, o conteúdo de cada capítulo. No segundo capítulo apresento a constituição teórica do objeto de estudo da pesquisa, ou seja, a formação continuada de professores que ensinam matemática na educação básica. Para tanto, explicito a concepção de formação docente incorporada à pesquisa a partir das concepções sugeridas por alguns autores, comento algumas tendências recentes em formação continuada de professores, focando a literatura internacional e nacional, e, por último, destaco algumas pesquisas brasileiras que tratam da formação continuada de professores de matemática no que se refere ao uso pedagógico de tecnologias. No terceiro capítulo apresento um panorama das políticas públicas nacionais à formação docente, olhando, primeiramente, a formação como um todo e em seguida à formação vinculada à política de informática educativa, em expansão no Brasil. Ao percorrer esse caminho, recaio, inevitavelmente, na questão da educação a distância, modalidade essa que está se disseminando no país e tem propiciado novas e distintas possibilidades de promover a formação de professores e, com isso, favorecido o desenvolvimento profissional docente em alguns contextos. Dessa forma, direciono a discussão para os aspectos legais e normativos da EaD, em sua dinâmica de expansão, destacando os principais programas implementados no Brasil com foco na formação de professores. Discuto, também, aspectos 34 pedagógicos da EaD relativos ao modo como as especificidades dessa modalidade de educação modificam a estrutura das interlocuções entre os sujeitos, bem como a natureza das práticas formativas realizadas. Por último esboço considerações acerca dos desafios e perspectivas do processo de desenvolvimento profissional docente, decorrentes da evolução das tecnologias, do aumento da demanda por formação e da ampliação da educação a distância no cenário nacional. No capítulo quatro descrevo os delineamentos metodológicos do estudo. Inicialmente retomo o objetivo e a pergunta diretriz da pesquisa, explicitando a natureza qualitativa da investigação desenvolvida. Na seqüência apresento considerações sobre a seleção dos sujeitos, perfil dos professores, elaboração da prática formativa implementada, encaminhamentos das atividades formativas, assim como descrevo os cenários onde ocorreram as interlocuções com os sujeitos e os principais momentos que caracterizaram o início e a evolução da prática formativa realizada. Explicito, também, os procedimentos e técnicas de coleta de dados utilizados nos diferentes momentos e situações da investigação, evidenciando a necessidade dessa multiplicidade de olhares sobre o objeto de estudo para a compreensão do mesmo. Por último exponho os encaminhamentos da análise dos dados, destacando a visão de conhecimento que permeia o estudo e o modo como os dados são organizados e mostrados no decorrer do capítulo de análise dos dados. No quinto capítulo sistematizo e comento os resultados do estudo baseada nos indicativos dos dados coletados em face à literatura visitada. A análise do processo de formação continuada docente perpassou diferentes momentos e situações, por meio das quais busquei elaborar reflexões e compreensões sobre o processo de apropriação de conhecimentos pedagógico-tecnológicos em matemática, olhando-o a partir de um espectro amplo, envolvendo aspectos políticos, sociais, motivacionais, ideológicos e históricos da vida profissional dos sujeitos da pesquisa. Por último exponho as considerações finais do estudo, destacando que a formação continuada de professores, na perspectiva do desenvolvimento profissional docente, é permeada por fatores externos e internos diversos que interferem no modo como o professor apropria-se de novos conhecimentos e busca promover novas práticas. CAPÍTULO II “A formação de professores tem a honra de ser, simultaneamente, o pior problema e a melhor solução em educação”. (Michael Fullan) 2.0. CONSTITUIÇÃO TEÓRICA DO OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA Nesse capítulo explicito a concepção de formação continuada assumida na pesquisa, apresentando entendimentos que evidenciam a amplitude e complexidade que esse termo supõe. A teorização sobre o entendimento de formação direciona a discussão para a questão do desenvolvimento profissional de professores que ensinam matemática. Assim, embasando- me em diversos autores, evidencio o modo como o desenvolvimento profissional docente é concebido em educação matemática e explicito a concepção de formação contextualizada presente nessa investigação. Em seguida apresento um breve panorama sobre a pesquisa em formação continuada de professores, focando as políticas e programas internacionais e as tendências no cenário nacional, com ênfase às pesquisas em educação matemática, procurando evidenciar a pertinência desse estudo no referido campo de pesquisa. 2.1. De qual formação docente trata essa pesquisa? Discussões e pesquisas sobre formação continuada de professores têm mobilizado reflexões sobre as dimensões do desenvolvimento profissional docente e, com isso, entendimentos distintos têm sido apresentados. Dentre esses, há entendimentos que evidenciam a amplitude e complexidade que esse processo sugere, tais como Ponte (1997), Oliveira (1997), Guérios (2005), Costa e Fiorentini (2007) e Ferreira (2008). Ao destacar as implicações da concepção de formação continuada presente no desenvolvimento de ações formativas, designadas em Ponte (1996) como momentos formais de formação, Ettiène Guérios esclarece que no seu entendimento o termo formação refere-se a “um movimento processual e permanente de constituição profissional do professor, tendo a experiencialidade como foco central do processo dinâmico de constituição do sujeito” (GUÉRIOS, 2005, p.134). Complementando essa concepção a autora acrescenta que “os conhecimentos adquiridos em momentos formais interagem, ou pelo menos devem interagir, com a vida do professor – considerada nas dimensões profissional e pessoal, incluindo os âmbitos emocional e afetivo” (IBIDEM, p.135). Essa compreensão é sintetizada na concepção de desenvolvimento profissional docente apresentado por essa autora. 36 Assim, apoiada em autores diversos, Guérios (2005) concebe desenvolvimento profissional como um movimento interno ao sujeito, protagonizado pelo docente em sua experiencialidade no trabalho cotidiano de sala de aula, que resulta de um processo contínuo de aperfeiçoamento pessoal e profissional e de modificação da prática docente. Para o pesquisador João Pedro da Ponte, desenvolvimento profissional docente designa “um processo de crescimento na competência em termos de practicas lectivas e não lectivas, no autocontrolo de sua atividade como educador e como elemento da organização escolar” (PONTE, 1997, p.44), constituindo-se no movimento das experiências e esforços empreendidos pelo professor na busca de uma reorganização da sua prática pedagógica. Para sintetizar as concepções de Ponte (1997) e Guérios (2005) busco respaldo na definição apresentada por Ana Cristina Ferreira. Para essa autora o desenvolvimento profissional docente é um processo que se dá ao longo de toda a experiência profissional com o ensino e aprendizagem da Matemática, que não possui uma duração preestabelecida e nem acontece de forma linear. Esse processo – influenciado por fatores pessoais, motivacionais, sociais, cognitivos e afetivos – envolve a formação inicial e a continuada, bem como a história pessoal como aluno e professor. As características do indivíduo, sua vida atual, sua personalidade, sua motivação para mudar, os estímulos ou pressões que sofre socialmente e sua cognição e afeto – crenças, valores, metas etc. – possuem importante impacto sobre esse processo (FERREIRA, 2008, p.149-150). Essa autora, parafraseando Oliveira (1997), diz que o desenvolvimento profissional docente abarca duas vertentes. A primeira diz respeito ao desenvolvimento pessoal do professor e a segunda trata do desenvolvimento de conhecimentos, atitudes, habilidades e competências mais específicas. Assim, Ana Cristina sintetiza as idéias de Lúcia Oliveira esclarecendo que “as mudanças no campo profissional não se dissociam das transformações vividas no nível pessoal, mas, sim, integram-nas e sustentam-nas” (FERREIRA, 2008, p.150). Essa concepção é apresentada de forma ampliada em Costa e Fiorentini (2007), que concebem o desenvolvimento da cultura profissional do professor como um processo contínuo e dinâmico, que se inicia na escola, “antes do início da licenciatura – à medida que internaliza modos de ser professor e de realizar o ensino nas escolas –, ganha um tratamento especial e intencional na licenciatura e prolonga-se ao longo de toda a sua vida profissional, [...]” (p.06), no âmbito das experiências vividas na prática de sala de aula, nas atividades formativas, nas interlocuções com os demais docentes. Esses autores, referenciando Fiorentini e Castro (2003, p.124), acrescentam que o desenvolvimento profissional do professor acontece “nos múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais” e envolve o professor como uma totalidade humana, permeada de sentimentos, desejos, utopias, saberes, valores e processos sociais e políticos. 37 Além disso, há uma concepção de formação esboçada na perspectiva fenomenológica que evidencia a dinamicidade e a natureza subjetiva do processo de desenvolvimento profissional docente. Essa concepção é explicitada em Bicudo (2003), em que formação, entendida como forma-ação, designa o processo do devir, em que o contorno da imagem, que persegue o modelo, se realiza. Mas, é mais que isso. Esse processo, porém, não se efetua de modo a atender a uma finalidade técnica a ele externa, mas brota do processo interno de constituição e de formação, permanecendo em constante evolução e aperfeiçoamentos (BICUDO, 2003, p.28). As concepções dos autores referenciados nessa seção não apenas convergem, elas, sobretudo, complementam-se. Por isso, corroboro a esses entendimentos, pois entendo que o processo de desenvolvimento profissional do professor perpassa todas as situações vividas pelo professor em sua prática social cotidiana, iniciando-se no âmbito das experiências escolares e estendendo-se ao longo da vida profissional e social, mobilizado pelas condições que lhe são oferecidas, pelo interesse e motivação do professor em investir em formação etc. Contudo, há outras dimensões implícitas no processo de desenvolvimento profissional docente, que considero necessárias e que não são claramente explicitadas nos entendimentos apresentados. O modo como as ações formativas são planejadas e realizadas, conectadas ou desconectadas da realidade contextual do professor, interfere no desenvolvimento docente, assim como o respaldo legal, advindo das políticas públicas, pode favorecer a formação docente, à medida que ações formativas são multiplicadas e a valorização social do profissional professor é priorizada. É a partir dos entendimentos apresentados pelos autores citados nessa seção que minhas concepções de formação continuada e desenvolvimento profissional docente se constituem. Porém, considero que as experiências vividas na prática cotidiana na escola e na vida social-acadêmica tomam lugar na constituição dessas concepções, conforme sinalizam as considerações apresentadas no primeiro capítulo dessa tese. A visão de formação assumida nessa pesquisa está em consonância com a perspectiva de Ferreira (2008) e Costa e Fiorentini (2007). Além disso, Richit e Maltempi (2009a) sugerem que a formação do professor que ensina matemática precisa acontecer de maneira contextualizada – no lócus do trabalho docente – e específica, de modo que as experiências e dificuldades enfrentadas no exercício da docência constituam-se em ponto de partida para a elaboração de ações e atividades de formação, bem como levem o professor a repensar sua prática pedagógica, buscando qualificá-la ou modificá-la. 38 A formação contextualizada sinalizada em Richit e Maltempi (2009a) refere-se tanto àquela que é planejada em vista das necessidades identificadas junto aos professores e realizada no ambiente profissional destes, quanto àquela na qual o professor traz para o ambiente de formação as suas dúvidas e necessidades, as quais servem de contexto para as ações formativas realizadas. Em ambos os casos as dificuldades experienciadas em sala de aula e os conhecimentos da prática precisam ser valorizados (RICHIT e MALTEMPI, 2009b). Ressalto, entretanto, que a experiência formativa mencionada nessa tese refere-se, principalmente, ao primeiro tipo de formação explicitada no presente parágrafo. Essa forma de conceber formação docente aproxima-se da idéia de desenvolvimento profissional preconizada por Santos e Mizukami (2007), as quais analisam uma proposta de formação direcionada ao contexto de trabalho escolar, focando as contribuições do percurso formativo para o processo de reflexão de docentes, a relação entre as atividades formativas e o movimento de reflexão desses profissionais sobre sua prática, bem como as potencialidades dessa proposta formativa para programas de formação profissional docente. Porém, a meu ver avança da mesma visto que leva em consideração a dinamicidade social, o movimento das políticas públicas específicas e o impacto dessas no interior das escolas, a presença das tecnologias no espaço educativo e a incorporação desses recursos na prática docente, bem como do desenvolvimento individual do professor. Do mesmo modo, os trabalhos de Rabelo (2004) e Simião (2006) trazem reflexões sobre modos de se promover o desenvolvimento profissional docente, com ênfase próxima à idéia de formação contextualizada evidenciada nessa tese. Embora, esses estudos não tratam da formação específica de professores de matemática para uso de tecnologias na prática educativa escolar, assim como não focam as possibilidades da educação a distância em processos formativos votados aos profissionais da referida área do conhecimento. Assim, entendo que a concepção de formação contextualizada presente nessa pesquisa está em sinergia com o entendimento presente em Pérez Gómez (1997). Neste trabalho Angel Pérez Gómez comenta que a análise de processos de formação continuada docente deve partir do pressuposto que o professor não é um sujeito isolado, pois encontra-se imerso em um contexto social e histórico e suas orientações dependem dos conceitos de escola, ensino e currículo predominantes em cada momento histórico da sua carreira profissional. Diante do exposto, entendo que no processo de desenvolvimento profissional o professor constitui-se professor em um processo histórico e dinâmico, na sua interação com o mundo, na sua prática social e nas interlocuções que estabelece com outros sujeitos sociais, a partir de aspectos internos e externos que perpassam esse processo. 39 É pertinente ressaltar, portanto, que o entendimento de formação presente em Richit e Maltempi (2009b) difere-se, substancialmente, do que se entendia por reciclagem (década de 80), treinamento ou aperfeiçoamento (anos 90) e capacitação (anos 2000), pois sugere engajamento e comprometimento por parte do professor, articulação entre os objetivos e metodologias das propostas implementadas com a realidade do contexto focado, convergência com as necessidades curriculares específicas dos professores, motivação e valorização do profissional professor, bem como supõe continuidade. Em outras palavras, a mudança sinalizada nesse parágrafo não é apenas metodológica. É, também, epistemológica, ideológica, pedagógica e política, pois leva a uma mudança paradigmática em termos de desenvolvimento profissional docente. Evidenciando as possibilidades de favorecer a formação continuada de professores por meio do desenvolvimento de ações formativas em sinergia com as necessidades da prática, autores como Almeida (2000), Lobo da Costa (2008) e Pérez Gómez (1997), apontam a formação contextualizada como um caminho para se promover o desenvolvimento profissional docente. É nessa perspectiva que vislumbro o desenvolvimento do professor de matemática no que se refere ao uso pedagógico das tecnologias na abordagem de conteúdos curriculares, processo esse que perpassa a apropriação de novas práticas por meio de ações formativas pautadas na utilização e investigação desses recursos. Conforme comentado no primeiro capítulo dessa tese, há um movimento de pesquisas focando a formação de professores, que se renova à medida que a escola e os processos educacionais, influenciados pelas mudanças que se manifestam no cenário social, modificam- se. Esses estudos mostram que embora o processo de profissionalização da atividade docente tenha sido estabelecido ainda no século XVIII, as propostas de formação docente são recentes e têm assumido modalidades distintas em diferentes momentos históricos. Sobre isso Palma Filho (2007) comenta que as ações de formação continuada de professores no Brasil são recentes, de modo que os primeiros programas empreendidos pelos órgãos públicos, incluindo-se o Ministério da Educação, datam de meados da década de 60 e início da década de 70. Estes programas constituíam-se em cursos de curta duração oferecidos a poucos professores, os quais tinham o compromisso de repassar o treinamento recebido aos docentes da instituição que representavam, predominando a idéia de professor multiplicador. Essas experiências pioneiras motivaram outras iniciativas e, com isso, alavancaram discussões sobre formação profissional docente, motivaram pesquisas acadêmicas e contribuíram para a criação de políticas públicas específicas, aspectos esses apresentados e comentados na próxima seção. 40 2.2. O cenário brasileiro no despontar das discussões sobre formação continuada docente Ao mapear os grupos e linhas de pesquisa em formação de professores, Santos (2008a) comenta que as discussões sobre formação profissional docente despontaram no cenário educacional brasileiro nos anos 80, momento esse em que a educação nacional enfrentava graves crises – desvalorização da profissão docente, baixos salários, altos índices de repetência e evasão escolar –, evidenciando, portanto, algumas contradições. Por outro lado, Tanuri (2008) considera que a importância da educação continuada, manifestada sob outras denominações – educação permanente, formação em serviço, capacitação profissional – “vem sendo ressaltada desde os anos sessenta, inserida em outros contextos sócio-políticos” (p.86). Entretanto, Leonor Tanuri corrobora Santos (2008a) ao afirmar que a ênfase na política de formação continuada dos profissionais da educação “insere-se no quadro das reformas educativas contemporâneas e das tentativas de se alinhar o professor às decisões e necessidades delas decorrentes, adaptando-o às exigências da sociedade globalizada” (TANURI, 2008, p.86). De acordo com Tadeu dos Santos, a década de 80 foi assinalada por um movimento de mudanças em âmbito mundial, abrangendo a estrutura social, política e cultural das sociedades, que ditaram reformas educacionais em vários países do mundo sob a premissa da necessidade de adequar a educação às exigências sociais. No Brasil esse período foi marcado, por um lado, pela mobilização dos educadores e pela discussão sobre formação de professores e, por outro, pelo crescente achatamento dos salários dos professores e pelos índices alarmantes de fracasso escolar. Portanto, o emergir da discussão sobre formação docente revela uma contradição, pois o movimento organizado pelos professores em defesa dos seus direitos e as iniciativas governamentais em favor de uma educação de qualidade tinham o sentido de superar os problemas da educação e não, necessariamente, qualificar a educação adequando-a às transformações do mundo (SANTOS, 2008a). Contudo, entendo que a busca pela melhoria da educação por meio da formação, da certificação dos professores que exerciam a docência sem ter habilitação específica, contribuiu para desencadear um movimento de reforma da educação, ao mesmo tempo em que motivou reflexões e debates sobre a formação de professores e a realização de muitas pesquisas sobre esse tema, aspectos esses que sinalizam a superação da contradição apontada em Santos (2008a). 41 Analogamente, de acordo com Santos (2008a), a década de 90 traduziu-se em novas tensões educacionais. De um lado havia um movimento de desvalorização exponencial dos profissionais da educação, caracterizado por uma política de baixos salários e precárias condições de trabalho (estruturais, políticas e pedagógicas). Por outro, a incorporação da política de valorização profissional na Constituição Federal e a aprovação da Declaração Mundial de Educação para Todos, em evento realizado em 1990 na Tailândia, representaram o marco de um novo tempo na educação. Segundo esse autor, embora esse documento previa mudanças nas condições de trabalho docente e sinalizava políticas à formação continuada, profissionalização, carreira e salários, no Brasil essas metas não foram priorizadas nas recentes diretrizes político-educacionais. Posteriormente, em 1996 com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1998 com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Plano Nacional de Educação (PNE) em 2001, a discussão acerca da valorização profissional docente é retomada. Por meio dessas políticas, diversas iniciativas de formação continuada docente vêm sendo implementadas pelas secretarias estaduais e municipais de educação, como o Programa de Educação Continuada (PEC), promovido pela secretaria de educação de São Paulo e o Programa de Capacitação de Professores (PROCAP), realizado em Minas Gerais. Além disso, as propostas de formação docente, elaboradas a partir de 1998, passaram a ser influenciadas pelas determinações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em particular pela concepção de formação e pela definição das atribuições da profissão professor presentes nesse documento. Conforme as diretrizes instituíd