unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP Albino Fernando Colantuono IINNTTEERRNNAACCIIOONNAALLIIZZAAÇÇÃÃOO DDEE EEMMPPRREESSAASS PPRROODDUUTTOORRAASS DDEE IINNSSUUMMOOSS BBÁÁSSIICCOOSS DDEE PPAAÍÍSSEESS EEMM DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO:: ANÁLISE DAS INDÚSTRIAS DE AÇO E DE CIMENTO ARARAQUARA – S.P. 2009 IINNTTEERRNNAACCIIOONNAALLIIZZAAÇÇÃÃOO DDEE EEMMPPRREESSAASS PPRROODDUUTTOORRAASS DDEE IINNSSUUMMOOSS BBÁÁSSIICCOOSS DDEE PPAAÍÍSSEESS EEMM DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO:: ANÁLISE DAS INDÚSTRIAS DE AÇO E DE CIMENTO Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de Pesquisa: Economia Industrial Orientador: Prof. Dr. Marcelo Silva Pinho Colantuono, Albino Fernando Internacionalização de empresas produtoras de insumos básicos de países em desenvolvimento: análise das indústrias de aço e de cimento / Albino Fernando Colantuono – 2009 168 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara Orientador: Marcelo Silva Pinho l. Relações econômicas internacionais. 2. Empresas multinacionais. 3. Áreas subdesenvolvidas. 4. Aço. 5. Cimento. I. Título. i AALLBBIINNOO FFEERRNNAANNDDOO CCOOLLAANNTTUUOONNOO IINNTTEERRNNAACCIIOONNAALLIIZZAAÇÇÃÃOO DDEE EEMMPPRREESSAASS PPRROODDUUTTOORRAASS DDEE IINNSSUUMMOOSS BBÁÁSSIICCOOSS DDEE PPAAÍÍSSEESS EEMM DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO:: ANÁLISE DAS INDÚSTRIAS DE AÇO E DE CIMENTO Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de Pesquisa: Economia Industrial Orientador: Prof. Dr. Marcelo Silva Pinho Data de Aprovação 02/03/2009 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: ------------------------------------------------------------------------------------------------- Presidente e Orientador: Prof. Dr. Marcelo Silva Pinho Departamento de Engenharia de Produção - UFSCAR ------------------------------------------------------------------------------------------------- Membro Titular: Prof. Dr. Célio Hiratuka Instituto de Economia – UNICAMP ------------------------------------------------------------------------------------------------- Membro Titular: Prof. Dr. Rogério Gomes Departamento de Economia – FCLAr/UNESP Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara ii Ao meu pai, Amélio (in memoriam) A minha mãe, Anna Maria A minha princesinha, Leticia iii AGRADECIMENTOS A vontade de cursar o mestrado acadêmico me perseguia como uma idéia fixa machadiana. Cheguei a esquecê-la em alguns momentos, mas, felizmente, várias pessoas me incentivavam e, por fim, consegui realizar meu sonho. Esta dissertação contou com a colaboração de pessoas e de instituições que, direta ou indiretamente, ajudaram a tornar real esse sonho. Não poderia deixar de iniciar os agradecimentos com menção ao meu orientador Prof. Dr. Marcelo Silva Pinho que, sempre atento, conduziu-me com muito esmero para a realização deste trabalho. Além de um grande profissional, é um excelente amigo. Agradeço aos Professores Dr. Rogério Gomes e Dr. Célio Hiratuka pela participação na banca examinadora e pelas críticas e sugestões para o aprimoramento do trabalho. À Cristina Dametto, da secretaria da Pós-Graduação da FCLAr, sempre atenciosa e prestativa, que me deu suporte e apoio administrativo. Durante a realização da pesquisa, algumas pessoas me auxiliaram com dados e informações: Antje Wollenschläger, da Holcim; Carina Klein e Castro e Carlos Henrique Doss, da Gerdau; Günter Wesh e Andrea Messler, da Heidelberg; Eduardo Laguna, da Steel Business Briefing; Emília Realista, da Cimpor; Paul Rathkey, da Corus Group e Ricardo Meireles da FSB Comunicações (Votorantim). Agradeço também às empresas Cemex, Italcementi e Lafarge pelas respostas a questionamentos e por documentações remetidas. Agradeço ao Prof. Dr. Flávio Azevedo Marques de Saes, da Universidade de São Paulo, pela amizade e por ter me encorajado a cursar o mestrado em Araraquara. Registro os meus mais sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Germano Mendes de Paula, da Universidade Federal de Uberlândia, pelo envio de artigos, que enriqueceram, enormemente, esta dissertação. Ao Prof. Dr. Victor Prochnik, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelos comentários feitos ao projeto apresentado na VIII Semana de Economia Industrial do Grupo de Estudos de Economia Industrial da UNESP (GEEIN). Aos Prof. Dr. Luis Carlos Bresser-Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, por sugestões de artigos e críticas para o aprimoramento do trabalho. Ao Prof. Dr. Ramon Garcia Fernandez, pela calorosa acolhida na Fundação Getúlio Vargas, onde pude cursar disciplinas e utilizar a ótima estrutura da faculdade para a realização de pesquisas bibliográficas. iv À Professora Sara Mechlin Prado, muito compreensiva e atenta à redução dos defeitos deste trabalho, com a correção gramatical e ortográfica. Agradeço a minha mãe, Anna; a minha irmã, Roseli e a minha filha, Letícia. Essas mulheres da minha vida suportaram minha ausência e me apoiaram sempre. A minha amiga Meire pelas palavras de apoio e pela confiança na minha capacidade. Aos meus amigos Paulo, Peu e Rodrigo que me toleraram em uma época de muito estresse com os estudos. Ao Prof. Rodrigo Ribeiro Silva, agradeço, ainda, à correção do abstract. Ao casal amigo Roberto e Susana, que me incentivaram desde o início, mas, infelizmente, não puderam participar do encerramento deste trabalho. Agradeço aos funcionários da biblioteca da FEA/USP pela utilização do acervo e do acesso às pesquisas de periódicos e a artigos em jornais de economia. Agradeço à Aline pelo carinho, amor e apoio incondicional que me deu em todo momento. Não há palavras que expresse o conforto que tive com a presença dela. Nos meses em que cursei o mestrado em Araraquara, fiz grandes amigos, os quais quero preservá-los sempre comigo: Ana Raquel, Aline, Júlio, Renato, Rogério, Rodrigo e Wellington. Agradeço a todos pelo companheirismo e pela amizade. Foram muitas pizzas, no Mineiro; pasteizinhos, no Sakaná; nachos, no mexicano, e os épicos cafés da manhã no Hotel Uirapuru, onde a Dona Léo nos recepcionava calorosamente. Todos os momentos em que passamos juntos me deixaram inúmeras recordações, todas muito agradáveis de Araraquara, cidade que aprendi a amar. Depois de tudo isso, só me resta uma coisa a expressar: ENFIM MESTRE! v RESUMO A partir dos anos 1980, as empresas transnacionais elevaram o envolvimento em atividades produtivas no exterior, em resposta ao acirramento da concorrência provocado pela globalização. A internacionalização produtiva não se limitou somente a empresas de nações desenvolvidas, já que algumas empresas de países em desenvolvimento também procuraram a expansão de suas atividades internacionais. Esta dissertação examina a internacionalização produtiva de empresas produtoras de insumos básicos (aço e cimento) provenientes de alguns países em desenvolvimento e, assim, procura identificar as estratégias adotadas pelas empresas selecionadas: Gerdau, Tata Steel, Techint, Cemex e Votorantim. Além do exame de artigos teóricos sobre internacionalização de empresas, foram caracterizadas as estruturas de mercado e a dinâmica competitiva das indústrias do aço e do cimento, procedimento importante para a compreensão do ambiente competitivo em que são definidas e operacionalizadas as estratégias de internacionalização das empresas. Com informações relevantes em artigos, relatórios anuais e em sítios das empresas, reconstruíram-se as trajetórias de crescimento delas, tanto no mercado doméstico como em outros países. Adicionalmente, elaborou-se um indicador de internacionalização produtiva (IP), o qual se demonstrou consistente na comparação entre o grau de internacionalização de cada empresa. Concluiu-se que as firmas de países em desenvolvimento encaminharam suas atividades ao exterior por diversas razões, como a busca de novos mercados, a procura de ganhos de eficiência, a busca por recursos naturais, ou mesmo, para a aquisição de conhecimentos técnicos. A busca de mercados foi a principal motivação, estratégia fortalecida com o controle de canais de distribuição. As empresas apresentaram trajetórias de internacionalização consistentes e coerentes com aspectos inerentes às suas localizações, capacitações e potencialidades econômicas. Em regra, a internacionalização produtiva inicia-se em locais próximos geográfica e culturalmente. Nas siderúrgicas e nas cimenteiras analisadas, a integração vertical das operações no exterior também se caracterizou como uma estratégia de consolidação no mercado. A internacionalização pode ser considerada ainda como uma atitude defensiva do mercado doméstico, e a experiência na atuação internacional facilita a busca e o acesso a fontes regulares de matérias-primas. Palavras-chaves: Internacionalização. Transnacionais. Investimento Direto no Exterior. Países em Desenvolvimento. Aço. Cimento. vi ABSTRACT Since the 1980s, transnational companies have increased their involvement in productive activities abroad, in response to a worsening of the competition caused by globalization. The internationalization of the production system was not limited only to companies from developed nations, but also to companies in developing countries. This dissertation examines the internationalization of the production system in basic materials (steel and cement) companies from some developing countries and therefore seeks to identify the strategies adopted by the selected corporations (Gerdau, Tata Steel, Techint, Cemex and Votorantim). To achieve the proposed objectives, in addition to analysis from texts on internationalization, were also characterized the structures of the market and competitive dynamics of the industries of steel and cement, an important procedure for the understanding of the competitive environment in which are stablished strategies for internationalization of enterprises. With relevant information in articles, annual reports and websites, it was possible to reconstruct the trajectories of growth in both the domestic market and in other countries. Additionally, an indicator for international production (IP), which appeared very consistent, was developed to compare the level of internationalization of each company. It was noticed that firms from developing countries sent their activities abroad for a variety of reasons, starting from the search for new markets, the highly demand for gains in efficiency, the search for natural resources or even the acquisition of expertise. However, the attempt for market seeking figures as the main motivation, as well as the controlling of distribution channels in order to strengthen the strategy. Companies displayed consistent internationalization trajectories as well as coherent histories of their locations, capabilities and economic potential. In general, internationalization began in close geographically and culturally locations. In the steel and cement firms analyzed, the vertical integration of operations abroad is also a strategy of consolidation in the market. Internationalization can be seen also as a defensive attitude of the domestic market, and the experience in international operations facilitates the search and the access to regular sources of raw materials. Keywords: Internationalization. Transnational Corporation. Foreign Direct Investment. Developing Countries. Steel. Cement. vii LISTA DE EQUAÇÕES Equação 4.1 Índice de Transnacionalização...........................................................................125 Equação 4.2 Índice de Internacionalização ............................................................................125 Equação 4.3 Índice de Dispersão............................................................................................126 Equação 4.4 Índice de Internacionalização Produtiva............................................................127 viii LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 Estágios do Ciclo de Vida do Produto ......................................................................8 Figura 2.1 Fluxograma Simplificado de Produção de Aço ......................................................31 Figura 3.1 Fluxograma Simplificado de Fabricação de Cimento.............................................62 ix LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1.1 Fluxos de Entradas de IDE (1985-2006)...............................................................16 Gráfico 1.2 Fluxos de Saídas de IDE (1985-2006) ..................................................................17 Gráfico 1.3 Participação das F&As nos Fluxos de Entrada de IDE (1987-2006)....................18 Gráfico 1.4 F&A Internacionais Realizadas pelas 100 ETNs de RDEs, 1988-2006................25 Gráfico 2.1 Produção Mundial de Aço Bruto (1945-2007)......................................................32 Gráfico 2.2 Índice de Preços de Produtos Siderúrgicos - SBB Word Index ............................35 Gráfico 2.3 Preços do Aço na América do Norte (2000-2007) ................................................36 Gráfico 2.4 Participação Relativa na Produção Mundial de Aço Bruto (1992-2007)..............42 Gráfico 2.5 Índices de Concentração da Siderurgia Mundial, 1988-2007 ...............................45 Gráfico 2.6 Produção de Aço Bruto - Principais Empresas, 2007 ...........................................46 Gráfico 2.7 Evoluções da Produção e da Exportação de Aço Laminado e Semi-acabado (1975-2007) ..............................................................................................................................49 Gráfico 3.1 Consumo de Cimento per capita por Países Ordenados Segundo o PIB per capita PPC, 2005 .................................................................................................................................68 Gráfico 3.2 Principais Países Exportadores de Cimento, 2006 ................................................71 Gráfico 3.3 Principais Importadores de Cimento, 2006 ...........................................................72 Gráfico 3.4 Capacidade de Produção de Cimento - Principais Empresas, 2007......................78 Gráfico 4.1 Evolução da Capacidade de Produção de Aço Bruto* da Gerdau, 1997-2007 .....95 Gráfico 4.2 Distribuição Geográfica dos Ativos do Grupo Tata Steel .....................................99 Gráfico 4.3 Distribuição do Faturamento da Tenaris por Região, 2007.................................105 Gráfico 4.4 Distribuição Geográfica da Produção de Laminados da Ternium, 2007 ............108 Gráfico 4.5 Composição da Receita do Grupo Votorantim....................................................117 x LISTA DE QUADROS Quadro 1.1 Determinantes da Produção Internacional, Objetivos e Exemplos de Atividades Transnacionais ..........................................................................................................................14 Quadro 2.1 Principais Impactos das Mini-Mills na Indústria Siderúrgica................................38 Quadro 3.1 Composição dos Cimentos Portland Produzidos no Brasil ...................................63 xi LISTA DE TABELAS Tabela 1.1 Estoque de IDE de PED e de Economias em Transição (2005) .............................19 Tabela 1.2 Fluxos Anuais Médios de IDE entre Países em Desenvolvimento (2002-2004)....20 Tabela 2.1 Produção de Aço Bruto – Principais Países Produtores .........................................33 Tabela 2.2 Consumo Aparente de Aços Laminados – Principais Países Consumidores .........34 Tabela 2.3 Comércio Internacional de Aço Laminado e Semi-Acabado (1997-2006) ............50 Tabela 2.4 Exportações Líquidas de Aço Laminado e Semi-Acabado (1997-2006) ...............51 Tabela 3.1 Participação dos Tipos de Cimento na Produção Brasileira, 2000/04....................63 Tabela 3.2 Produção de Cimento – Principais Países Produtores ............................................65 Tabela 3.3 Consumo Aparente de Cimento – Principais Países...............................................66 Tabela 3.4 Evolução do Consumo per capita de Cimento – Principal Países..........................69 Tabela 3.5 Grupos, Fábricas e Capacidades Instaladas de Países Selecionados (2002) ..........74 Tabela 3.6 Vendas por Produto – Empresas Selecionadas, 2007.............................................82 Tabela 4.1 Principais Aquisições Internacionais do Grupo Gerdau.........................................94 Tabela 4.2 Principais Empresas do Grupo Tata Steel ............................................................100 Tabela 4.3 Principais Empresas Controladas pela Tenaris – 2007.........................................106 Tabela 4.4 Principais Aquisições do Grupo Techint ..............................................................108 Tabela 4.5 Principais Aquisições da Cemex (1987-2007) .....................................................115 Tabela 4.6 Dados Relevantes do Grupo Cemex, 2007...........................................................116 Tabela 4.7 Principais Investimentos da Votorantim Cimentos no Exterior ...........................122 Tabela 4.8 Síntese das Informações das Empresas Analisadas ..............................................131 Tabela A 1 Gerdau - Capacidade de Produção e Cálculo do IP, 2007 ...................................145 Tabela B 1 Tata Steel - Capacidade de Produção e Cálculo do IP, 2007...............................146 Tabela C 1 Ternium - Capacidade de Produção e Cálculo do IP, 2007 .................................147 Tabela D 1 Tenaris - Capacidade de Produção e Cálculo do IP, 2007...................................148 Tabela E 1 Cemex - Capacidade de Produção e Cálculo do IP, 2007....................................149 Tabela F 1 Votorantim Cimentos - Capacidade de Produção e Cálculo do IP, 2007.............150 Tabela F 2 Capacidade de Produção das Usinas da Votorantim Cimentos, 2007..................150 xii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABCP Associação Brasileira de Cimento Portland ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas AÇOMINAS Aço Minas Gerais S.A. AITEC Associazone Italiana Técnico Econômica del Cemento BCB Banco Central do Brasil BCG Boston Consulting Group BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CANACEM Camara Nacional del Cemento CCF Ciclone Conerter Furnace CEA Clube de Participação Acionária dos Empregados da Açominas CEI Comunidade dos Estados Independentes CEMEX Cementos Mexicanos S.A. CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CESE Comitê Econômico e Social Europeu CFC Cloro-Fluór-Carbono CNOOC China National Offshore Oil Corporation CNPC China National Petroleum Corporation COCECA Compañía de Cemento Camba CPI Consumer Price Index CSA Companhia Siderúrgica do Atlântico CSN Companhia Siderúrgica Nacional CSV Companhia Siderúrgica de Vitória CVG Corporación Venezolana de Guayana DIACO Distribuidora de Aceros Colombianos DIOS Direct Iron Ore Smelting DRI Direct Reduced Iron ENAP Empresa Nacional del Petróleo ERSA Estanho de Rondônia S.A. ET Economias em Transição ETN Empresa Transnacional xiii F&A Fusões e Aquisições FEBELCEM Federación de L’Industrie Cimentière Belge FINSIDER Finanziaria Siderurgia dell’IRI FMI Fundo Monetário Internacional GHG Greenhouse Gases HBI Hot Briquetted Iron IBCH Instituto Boliviano del Cemento y el Hormigón IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBS Instituto Brasileiro de Siderurgia IDE Investimento Direto no Exterior IISI International Iron and Steel Institute ILAFA Instituto Latinoamericano del Fierro y del Acero INCA Industrias Nacionales, C. por A. INDAC Industrias del Acero INLASA Industria Nacional Laminadora ISC International Steel Cartel KCIA Korea Cement Industrial Association LACSA La Auxiliar e La Construción S.A. MATESI Materiales Siderúrgicos S.A. MCR Mineração Corumbaense Reunida MERCOSUL Mercado Comum do Sul MRM Manitoba Rolling Mills NDRC National Developing and Reform Commission NIC Newly Industrialized Countries OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OFICEMEN Agrupación de Fabricantes de Cemento de España OHF Open Heart Furnaces ONU Organização das Nações Unidas P&D Pesquisa e Desenvolvimento PCA Portland Cement Association PCI Powder Coal Injection PD Países Desenvolvidos PDVA Petróleos de Venezuela S.A. xiv PED Países em Desenvolvimento PIB Produto Interno Bruto PPC Pib Per Capita PTTEP PTT Exploration and Production Public Company Limited RDE Rapidly Developing Economies SBB Steel Business Briefing SIDELPA Siderúrgica del Pacifico SIDOR Siderúrgica del Orinoco SIPSA Sociedad Industrial Puntana SIZUCA Siderúrgica Zuliana SFLC Sindicat Français de L’Industrie Cimentière SNIC Sindicato Nacional da Indústria do Cimento SOMISA Siderúrgica Oeste de Minas TCMA Turkish Cement Manufacturers’ Association TI Tecnologia de Informação UE União Européia UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development VENCEMOS Corporación Venezolana de Cementos VRA Voluntary Restraint Agreements VSC Vietnam Steel Corporation VTI Valor da Transformação Industrial xv SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 1 1 INTERNACIONALIZAÇÃO ........................................................................................................ 6 1.1 Abordagens Teóricas ............................................................................................................. 7 1.2 Evolução do IDE Originado em Países em Desenvolvimento e Economias em Transição. 15 1.3 Conclusões Preliminares...................................................................................................... 26 2 A INDÚSTRIA SIDERÚRGICA................................................................................................. 28 2.1 Caracterizações Técnica e Econômica................................................................................. 28 2.1.1 Descrição Técnica................................................................................................... 28 2.1.2 Configuração Econômica........................................................................................ 31 2.2 Estrutura de Mercado e Dinâmica Competitiva................................................................... 37 2.2.1 Dinâmica Tecnológica ............................................................................................ 37 2.2.2 Alterações na Distribuição Geográfica da Produção de Aço.................................. 41 2.2.3 Estrutura de Propriedade do Capital ....................................................................... 43 2.2.4 Comércio Internacional........................................................................................... 47 2.2.5 Integração Vertical.................................................................................................. 52 2.3 Internacionalização .............................................................................................................. 55 2.4 Conclusões Preliminares...................................................................................................... 59 3 A INDÚSTRIA DO CIMENTO................................................................................................... 60 3.1 Caracterizações Técnica e Econômica................................................................................. 60 3.1.1 Descrição Técnica................................................................................................... 60 3.1.2 Evolução do Consumo, Produção e Comércio Internacional de Cimento.............. 64 3.1.3 Produção ................................................................................................................. 64 3.1.4 Demanda ................................................................................................................. 66 3.1.5 Comércio Internacional........................................................................................... 70 3.2 Estrutura de Mercado e Dinâmica Competitiva................................................................... 72 3.2.1 Dinâmica Tecnológica ............................................................................................ 76 3.3 Integração Vertical............................................................................................................... 80 3.4 Conclusões preliminares ...................................................................................................... 83 4 ANÁLISE DAS EMPRESAS SELECIONADAS ....................................................................... 85 4.1 Internacionalização das Empresas Siderúrgicas .................................................................. 85 4.1.1 Grupo Gerdau ......................................................................................................... 86 4.1.2 Grupo Tata .............................................................................................................. 97 4.1.2.1 Tata Steel............................................................................................................ 98 4.1.3 Grupo Techint ....................................................................................................... 101 4.2 Internacionalização das Empresas Cimenteiras ................................................................. 110 4.2.1 Cemex ................................................................................................................... 110 4.2.2 Grupo Votorantim................................................................................................. 117 4.2.2.1 Votorantim Cimentos ....................................................................................... 118 4.3 Avaliação da Internacionalização Produtiva das Empresas Analisadas ............................ 124 4.3.1 Indicadores de Internacionalização Produtiva e de Dispersão Geográfica ........... 124 4.3.2 Conclusões Preliminares....................................................................................... 128 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 133 REFERÊNCIAS.................................................................................................................................. 136 APÊNDICES....................................................................................................................................... 144 Apêndice A Índice de Internacionalização Produtiva da Gerdau .................................................. 145 Apêndice B Índice de Internacionalização Produtiva da Tata Steel .............................................. 146 Apêndice C Índice de Internacionalização Produtiva da Ternium................................................. 147 Apêndice D Índice de Internacionalização Produtiva da Tenaris .................................................. 148 Apêndice E Índice de Internacionalização Produtiva da Cemex ................................................... 149 Apêndice F Índice de Internacionalização Produtiva da Votorantim Cimentos ............................ 150 1 INTRODUÇÃO O conceito de internacionalização de empresas consiste na atuação de uma determinada firma em mais de um país, efetuada através de transferências de capital – recursos financeiros, tecnologias e plantas de produção – em empreendimentos de projetos individuais ou com sócios estrangeiros, ou, simplesmente, por meio da comercialização de produtos no exterior. A internacionalização produtiva, diferentemente da internacionalização comercial, expõe as empresas a uma série de situações e riscos não confrontados em seus ambientes domésticos. Exatamente por isso, requer uma análise particular. De fato, o Investimento Direto no Exterior (IDE) “[...] suplantou o comércio exterior como vetor principal no processo de internacionalização; seu papel é tão importante nos serviços como no setor de manufaturas” (CHESNAIS, 1996, p.33). Os investimentos em ativos, não de carteira1 - apresentaram taxas de crescimento superiores às da exportação nas últimas décadas, o que ultrapassou, em importância, o comércio internacional no aporte de bens e serviços. Em 2003, por exemplo, o faturamento das subsidiárias estrangeiras foi o dobro das exportações: US$ 18 trilhões e US$ 9 trilhões, respectivamente (SAUVANT, 2007). O estudo da internacionalização produtiva tornou-se, portanto, cada vez mais relevante para a economia. O processo de internacionalização de empresas não é um evento novo. Todavia, o movimento recente incorpora, dentre outros aspectos diferenciadores, um crescimento em número e um reposicionamento mundial de Empresas Transnacionais (ETN) originárias de Países em Desenvolvimento2 (PED). 1 Os investimentos internacionais podem ser classificados em investimentos diretos e de carteira (portfólio). O IDE é um investimento em que há um interesse duradouro em uma ou mais empresas situadas em outros países, em cuja gestão se deseja influir de modo efetivo. Os investimentos de carteira são capitais direcionados a aplicações financeiras e que não estão orientados ao controle operacional de alguma empresa. “Os fluxos de investimentos diretos de qualquer tipo constituem-se da agregação dos seguintes elementos: (i) aportes líquidos de capital pelo investidor direto, sob forma de compra de ações ou quotas, aumento de capital ou criação de empresas; (ii) empréstimos líquidos, incluindo empréstimos em curto prazo e adiantamentos feitos pela matriz a sua filial; (iii) lucros não distribuídos” (CHESNAIS, 1996, p. 56). 2 A UNCTAD (2006) classifica os países em: (I) Desenvolvidos (Andorra, Alemanha, Áustria, Austrália, Bélgica, Canadá, Chipre, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Mônaco, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, São Marinho, Suécia e Suíça). (II) Economias em Transição (Albânia, Armênia, Azerbaijão, Belarus, Bósnia Herzegovina, Bulgária, Cazaquistão, Croácia, Eslováquia, Geórgia, Macedônia, Moldávia, Montenegro, Quirguistão, Romênia, Rússia, Sérvia, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão). (III) Países em Desenvolvimento, em geral, são todas as economias não especificadas anteriormente. 2 Esta dissertação examinará a internacionalização produtiva de empresas sediadas em PED. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) especifica que, para uma empresa ser considerada transnacional, deve possuir participação superior a 10% ou influir, de forma direta, na gestão de suas subsidiárias no exterior. Segundo Chesnais (1996), há um consenso de que participações acima de 10% em ações ordinárias ou com direito a voto em outra empresa no exterior implicam investimentos de longo prazo, os quais permitem ao investidor influenciar na gestão da empresa. Já o investimento com participação inferior a 10% é considerado como investimento de carteira, desde que tal participação não interfira na gestão de outras empresas3. Segundo o FMI (1993), uma das características mais importantes do IDE é o comprometimento da empresa com o futuro de sua filial e do país receptor. Dunning (2005) acrescenta que o IDE não é apenas o componente mais importante da atividade transnacional, mas também um proeminente modelador da divisão internacional do trabalho, da reestruturação econômica e de estilos de vida. Os Países Desenvolvidos (PD) sediam a maioria das ETNs que efetuam investimentos diretos em quase todos os setores da economia global. Em termos do total de ativos e de vendas no exterior, as ETNs provenientes de PED são relativamente menores que as ETNs de PD. No entanto, as ETNs de países em desenvolvimento apresentam elevação em suas participações e registram maior penetração no mercado mundial em diversos setores. Enquanto, em 1990, apenas 19 empresas de nações em desenvolvimento figuravam entre as 500 maiores empresas transnacionais na lista da revista Fortune, em 2005, já eram 47 (UNCTAD, 2006). No Brasil, o processo de internacionalização de empresas nacionais em diversos setores iniciou-se tardiamente, mesmo se comparado com algumas empresas de outros PED. Ainda assim, segundo Gouvêa e Santos (2004), o número e a dispersão geográfica de filiais brasileiras no exterior têm aumentado continuamente. No final da década de 1990, mais de 300 empresas brasileiras atuavam em cinco continentes. Embora a quantidade de empresas brasileiras que investem no exterior4 seja menor do que a da China e da Índia, “o número de 3 Desse modo, entende-se que as aquisições de participação majoritária denotam transações nas quais o investidor adquire mais de metade das ações com direito a voto da empresa. Analogamente, participação minoritária é quando se detém menos de 50% das ações de uma determinada empresa ou joint-venture. Por Joint-venture subentende-se a empresa controlada em conjunto por outra empresa e por um ou mais sócios. 4 O IDE de brasileiros tem-se elevado nos últimos anos. Segundo dados do Banco Central, em 2006, o estoque de ativos atingiu US$ 114,2 bilhões. Desse montante, US$ 16,5 bilhões foram declarados como empréstimos intercompanhia, e US$ 97,7 bilhões, como investimentos diretos (a partir de 10%). Nos ativos declarados como 3 empresas sob o controle de brasileiros e com potencial de se internacionalizar é o maior da América Latina” (VIEIRA, 2006, p.21). Nas indústrias de aço e de cimento, observa-se crescente participação internacional de empresas de PED. No Brasil, o grupo Gerdau, que iniciou sua internacionalização em 1980, está entre os maiores produtores de aço bruto do mundo5. Na indústria de cimento, a Votorantim Cimentos6 iniciou o processo de internacionalização mais recentemente. A Gerdau e a Votorantim são dois grupos empresariais que assumiram uma posição ativa no processo de internacionalização produtiva7 das empresas brasileiras. A forte posição dos dois grupos nesse movimento não é, porém, uma exclusividade entre os concorrentes oriundos de países em desenvolvimento em suas respectivas indústrias. O grupo Techint (Argentina) e a Tata Steel (Índia) são exemplos de siderúrgicas que deslancharam processos de internacionalização semelhantes aos da Gerdau, enquanto, na indústria de cimento, a inserção internacional da Cemex8 é, ao mesmo tempo, fonte de inspiração e motivação para a reação estratégica da Votorantim. As indústrias de aço e cimento são importantes tanto em relação à posição industrial como em valores no total da transformação industrial9. As demandas de aço e cimento estão vinculadas ao crescimento econômico, à urbanização e à industrialização, o que reforça a relevância dessas indústrias em países que anseiam se desenvolver e necessitam de investimentos em infraestrutura. A internacionalização de empresas nesses países surge como uma expressão do crescimento e desenvolvimento, além de indicar que a acumulação de capital em determinadas empresas tornou-se expressiva e consistente. A importância que as empresas de PED alcançaram nos mercados internacionais de insumos básicos e a posição de primazia de algumas delas nas transações de Fusões e Aquisições (F&A) sugerem que investimentos diretos, aproximadamente 55% foram alocados em paraísos fiscais, o que dificulta a distinção entre IDE e investimento de carteira. 5 Em 2007, a Gerdau ocupava a 13ª posição no ranking dos maiores produtores mundiais de aço bruto do International Iron and Steel Institute (IISI), uma das maiores associações industriais da siderurgia mundial. 6 A Votorantim Cimentos iniciou suas operações no exterior, em maio de 2001. É líder no mercado nacional de cimento e de concreto e está entre as dez maiores cimenteiras mundo. 7 As empresas Gerdau e Votorantim Cimentos são citadas pela UNCTAD (2007) como empresas brasileiras internacionalizadas em suas indústrias. A Gerdau figura na 33º colocação do ranking das maiores ETNs não- financeiras de PED (UNCTAD, 2006). A Gerdau e a Votorantim estão entre os 100 maiores grupos empresariais de países em rápido desenvolvimento do Boston Consulting Group (BCG, 2007). 8 A Cemex está entre as quatro maiores companhias de cimento do mundo e é a maior fabricante de cimento branco do mundo. 9 De acordo com a Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PIA/IBGE) de 2006, o valor da transformação industrial (VTI) da indústria siderúrgica foi de R$ 25,9 bilhões, e o VTI da indústria de cimento foi de R$ 5,0 bilhões. Em 2006, essas duas indústrias representaram 5,8% do VTI da indústria de transformação no Brasil. 4 qualquer análise da internacionalização de empresas desse grupo de países dedique especial atenção a essas indústrias. A seleção de duas indústrias diferentes, mas posicionadas em estágios de base na matriz industrial, permitirá, em princípio, obter resultados que não sejam pautados estritamente por idiossincrasias setoriais, sem que haja necessidade de investigar atividades sujeitas a dinâmicas competitivas excessivamente diferentes. Do mesmo modo, a inclusão de empresas estrangeiras no objeto de estudo obedece ao interesse de oferecer referências externas para a interpretação dos movimentos das empresas brasileiras, procedimento que deve fornecer pistas sobre a influência dos diferentes contextos institucionais. O enfoque comparativo será amplamente utilizado, em especial, entre empresas de uma mesma indústria e de países diferentes. Além disso, a revisão da literatura setorial buscará elucidar as tendências e as estratégias empresariais predominantes em cada indústria. As empresas escolhidas constituem casos de internacionalização destacados em países com níveis de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil. Na indústria siderúrgica, a Tata Steel, com a recente aquisição da empresa britânica Corus, tornou-se a sexta maior produtora de aço bruto do mundo. O grupo Techint, em particular no segmento de tubos10, é um dos mais internacionalizados da siderurgia mundial. A Gerdau é a empresa industrial brasileira mais internacionalizada. Na indústria de cimento, o critério de escolha levou em consideração o tamanho, grau de internacionalização e procedência das empresas. Entre as dez maiores empresas produtoras de cimento do mundo, a Cemex encontra-se entre as quatro primeiras, enquanto a Votorantim está entre as dez maiores. O objetivo desta dissertação é, pois, examinar a internacionalização produtiva de empresas líderes produtoras de insumos básicos (aço e cimento) provenientes de PED, o que será efetuado por meio do estudo dos casos das empresas selecionadas. Com a comparação entre seus processos e estratégias de internacionalização, pretende-se aprofundar a avaliação dos avanços das empresas brasileiras escolhidas. O entendimento e a quantificação do movimento de internacionalização são importantes para as ações governamentais no âmbito da política industrial e podem auxiliar no delineamento de atuação dos órgãos oficiais no apoio à internacionalização, por exemplo, via financiamento. 10 Quanto à produção siderúrgica, o grupo Techint é especializado em tubos de aço sem costura, tubos de aço soldados (com costura) e aços planos. 5 Esta dissertação foi realizada por meio de pesquisas em artigos, tanto com os que têm abordagem de caráter teórico e generalista sobre a internacionalização de empresas, como com os que retratam o processo específico de internacionalização de empresas de países em desenvolvimento. Além das referências bibliográficas da literatura acadêmica, buscaram-se informações em jornais especializados em economia e comércio exterior; fontes setoriais; órgãos públicos; empresas de consultoria; relatórios anuais, sítios corporativos e comunicados das diretorias das empresas. O trabalho está dividido em quatro capítulos. O capítulo inicial trabalha conceitos teóricos, com uma breve revisão da literatura sobre o IDE e a apresentação de um panorama geral do IDE de economias em desenvolvimento. O segundo e o terceiro capítulos, de abordagem mais empírica, buscam caracterizar a estrutura de mercado e a dinâmica competitiva das indústrias de aço e de cimento. Esses capítulos são fundamentais para a compreensão do ambiente competitivo em que são definidas e operacionalizadas as estratégias de internacionalização das empresas. O último capítulo examina os processos e as estratégias de internacionalização das empresas selecionadas para este estudo. O intuito dele é o de reconstituir a trajetória e a estratégia que cada empresa seguiu até atingir, operacionalmente, outros países. Adicionalmente, o quarto capítulo traz a proposição de um indicador de internacionalização produtiva (IP), concebido por analogia a indicadores tradicionais de diversificação empresarial. Por fim, são apresentadas algumas conclusões às quais a pesquisa conseguiu chegar. 6 1 INTERNACIONALIZAÇÃO A internacionalização não é apenas o desejo de se obter lucros no curto prazo em outros países, pois, pode estar associada a uma série de objetivos estratégicos como buscar novas oportunidades; ganhar eficiência; evitar barreiras protecionistas11; conquistar novos mercados; diversificar riscos; obter recursos naturais e matérias-primas; seguir competidores; aproveitar economias de escala; proteger o mercado doméstico; diluir gastos com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e ter acesso a novas tecnologias. Além disso, a taxa de câmbio e os incentivos governamentais oferecidos pelos países receptores são componentes relevantes nas decisões da empresa de instalar suas subsidiárias (HARRISON et al., 2000). Independente das motivações, cuidadosa preparação é essencial para que a empresa inicie o processo de internacionalização: um objetivo definido e bem articulado, que esteja entrelaçado com as atividades internacionais; a capacidade de identificar e de ajustar produtos e/ou serviços às necessidades dos consumidores e às oportunidades nos mercados internacionais; compreender o comportamento dos consumidores em diversas culturas e avaliar a natureza das transformações locais; desenvolver produtos ou serviços de alta qualidade para que resistam à competição de rivais, tanto no mercado interno, quanto no externo, e um programa efetivo de pesquisa comercial para identificar os mercados potenciais e suas exigências (HARRISON et al., 2000). Para ser bem-sucedida nos mercados internacionais, uma firma deve primeiramente ser bem-sucedida em seu próprio mercado. É o bom desempenho em seu próprio mercado que freqüentemente estimula a firma a se internacionalizar (HARRISON et al., 2000, p. 22). Não há um consenso teórico a respeito do conceito de empresa internacionalizada e é possível considerar diferentes interpretações sobre tal: características das empresas, suas atividades, suas formas de propriedade, seus tipos de gestão e suas diversificações geográficas. Há tipos diferentes de empresas, sob qualquer definição apresentada, pois, por mais abrangente que seja, nunca é completa ou precisa. 11 A produção internacional é a opção preferida quando existem barreiras comerciais que impedem ou dificultam a exploração das vantagens competitivas da empresa por meio da exportação direta. 7 As Nações Unidas e a OCDE, por exemplo, definem as empresas internacionalizadas com ênfase no impacto exercido sobre o comércio internacional e os investimentos diretos e as denominam como “transnacionais”. O destaque se dá na propriedade, na diversidade de países em que está estabelecida a produção e na governança singular das atividades em um país sede. Em se considerando a definição respeitada pelas Nações Unidas e pela OCDE, este estudo se reportará a essas empresas como “Empresas Transnacionais” (ETN). Dessa maneira, uma ETN será considerada como a empresa que empreende atividades produtivas em mais de um país, utiliza seus ativos na produção isoladamente ou associada a outras empresas e que detenha poder sobre a gestão de subsidiárias no exterior. 1.1 Abordagens Teóricas Diversos autores têm procurado explicar a internacionalização da produção. Entre os pioneiros no tratamento do tema, Vernon (1966) desenvolveu um modelo que incorporou a importância da inovação, das economias de escala e da incerteza para explicar o comércio internacional e as fases da internacionalização de empresas de países desenvolvidos. No Modelo de Ciclo de Vida do Produto, inicialmente, a P&D e a fabricação e comercialização de novos produtos são efetuadas em países desenvolvidos, devido à proximidade e à natureza do mercado consumidor, bem como ao fato de o produto não ter alcançado um estágio superior de desenvolvimento e padronização. As interações entre consumidores e produtores permitem importantes desenvolvimentos até que se atinja um produto padronizado. Posteriormente, o produto passa a ser exportado para países com altos níveis de renda. Com a elevação da demanda, viabiliza-se a implantação de subsidiárias no exterior, sobretudo em países com mercados expressivos e vantagens nos custos de produção. As novas unidades podem, além de atender ao mercado do país hospedeiro, exportar para países vizinhos e, eventualmente, para o país sede. O modelo de Vernon, que explica as etapas sucessivas e graduais de desenvolvimento da indústria, interpreta o início da internacionalização de empresas a partir de países desenvolvidos e atribui à inovação um papel fundamental. Contudo, o modelo não discorre , de modo satisfatório, sobre a internacionalização de empresas a partir de países em desenvolvimento, uma vez que, em sua maioria, os produtos comercializados por esses países 8 são provenientes de indústrias maduras tecnologicamente, e sua inserção em outros países ocorre, primordialmente, por meio de aquisições de outras empresas. Para Porter (2004), a hipótese de que uma indústria atravessa vários estágios (introdução, crescimento, maturidade e declínio), e de que segue uma trajetória em formato de S (Figura 1.1) é contestável, pois a duração dos estágios pode variar, consideravelmente, de indústria para indústria e não determinar, de forma exata, em qual estágio se encontrará uma indústria em particular. O formato de S não é observado, porque algumas indústrias passam direto do crescimento ao declínio. As empresas podem afetar ainda o formato da curva de crescimento com inovações de produto, ao reposicioná-la e estendê-la diversas vezes. Além disso, a natureza da concorrência em cada estágio do ciclo de vida é distinta nas diversas indústrias. Desse modo, padrões divergentes podem gerar dúvidas quanto às implicações estratégicas atribuídas ao Modelo de Vernon. Figura 1.1 Estágios do Ciclo de Vida do Produto Fonte: Extraído de Porter (2004). O Modelo de Johanson e Vahlne (1977), que também ficou conhecido como Modelo de Internacionalização de Uppsala, procurou explicar a internacionalização das empresas suecas12 pela aquisição gradual, integração e uso do conhecimento dos mercados e operações externas. A análise concentrou-se no envolvimento crescente das empresas com os países externos, de forma individual. De modo similar ao Modelo de Ciclo de Vida do Produto, o Modelo de Uppsala também apresenta estágios lineares de envolvimento da firma com o 12 As empresas estudadas por Johanson e Vahlne foram: Sandvik, Atlas, Copco, Facit e Volvo. Vendas da Indústria Declínio Maturidade Introdução Crescimento Tempo 9 exterior. Há quatro etapas principais: a princípio, surgem exportações irregulares; quando as exportações tornam-se constantes, aparecem representantes para operacionalizá-las; posteriormente, as exportações começam a ser feitas direto pela firma por meio de escritórios de vendas implantados no exterior e, por último, a empresa constitui unidades de produção em países estrangeiros. Esse modelo, porém, apresenta limitações e as etapas de desenvolvimento gradual, por exemplo, suscitaram muitas críticas, já que novos entrantes na indústria podem eliminar etapas ao produzirem diretamente, em outro país, sem passar por todos os estágios listados na teoria. Outro enfoque de internacionalização produtiva é oferecido por Chesnais (1996), o qual ao analisar empresas globais de países desenvolvidos, verificou que a estratégia de “mundialização” constitui-se, essencialmente, em três níveis de atuação. O primeiro é o das vantagens próprias do país de origem, das quais cada empresa se apropria em sua filiação nacional. O segundo relaciona-se à aquisição dos insumos estratégicos à produção, cujo suprimento internacional deve ser organizado por toda grande empresa: as matérias-primas estratégicas, que são encontradas, geralmente, em países em desenvolvimento, e os insumos científicos e tecnológicos encontrados nos países da OCDE. O terceiro refere-se às “[...] atividades ‘correntes’, mas decisivas, de produção e, sobretudo de comercialização”, ao realçar que os grandes blocos econômicos, formados nos três pólos da Tríade, constituem o quadro geopolítico da integração industrial. Nessas regiões, as ETNs procuram tirar proveito da ampliação e da crescente homogeneidade de seus mercados e também das desigualdades entre os países de uma área regional ou continental, tanto sob o âmbito da especialização do aparato produtivo, como em matéria de custos de salários, de legislação trabalhista e de regime fiscal do capital (CHESNAIS, 1996, p. 117-8). O estudo de Chesnais (1996) contempla empresas transnacionais originárias da Tríade (Estados Unidos, Japão e União Européia), as quais competem, globalmente, por insumos, domínio de mercado e de tecnologia e, normalmente, atuam em rede internamente integrada com relações não só intra, como também interfirmas (subcontratação, franchising, licença, terceirização, dentre outras). Essas relações envolvem a dispersão dos vários estágios da cadeia de valor até mesmo em algumas indústrias intensivas em conhecimento e em tecnologia. Do mesmo modo que Vernon (1966), Chesnais (1996) não considera as empresas transnacionais provenientes de países em desenvolvimento, pois estas, geralmente, não apresentam características inerentes a indústrias mais avançadas. 10 A internacionalização de uma determinada firma pode ser empreendida de diversos modos. Segundo a UNCTAD (2006), as Fusões e Aquisições (F&A) compreendem a maior parte do IDE13. Com a aquisição de uma nova empresa, adquire-se, rapidamente, o conhecimento do mercado local e se obtém, dentre outras coisas, um sistema de logística e de distribuição já constituído (PENROSE, 1959; HYMER, 1978). O beneficio principal obtido pela firma, ao optar pela F&A, é a minimização dos custos da luta concorrencial por fatias de mercado. Apesar de ser um meio rápido de entrada, as F&A também podem comportar riscos e dificuldades, tais como diferenças culturais, ativos ruins, elevados custos na aquisição, exigências legais e políticas do governo local (GOULART, 2004). Existem também os inconvenientes de se possuir empresas no exterior, os quais podem estar associados aos riscos de mudanças, às dificuldades para se obter informações, de se coordenar decisões a grandes distâncias, ou, até mesmo, a políticas nacionais discriminatórias em relação a empresas estrangeiras. Para ser capaz de produzir em mercados estrangeiros, com outras firmas estabelecidas nesses mercados, uma empresa deve ter vantagens de propriedade adicionais, suficientes para compensar os custos de servir um ambiente não familiar e distante (DUNNING, 1980, p. 9). As vantagens de propriedade são encontradas, dificilmente, em setores concorrenciais, nos quais as barreiras à entrada são menores. Entretanto, se uma empresa estrangeira possui algum tipo de privilégio, encontrará condições de compensar os inconvenientes de origem de nacionalidade e de competir, com eficácia, com as empresas domésticas. Entre esses privilégios, constam patentes, produtos específicos, melhores conhecimentos técnicos, facilidades em obter financiamento, entre outros. A empresa pode ceder, alugar ou vender a vantagem específica a certo número de compradores, bem como optar por internalizar a produção em outros países (HYMER, 1978). De acordo com o Paradigma Eclético da Produção Internacional de John Dunning, a motivação para uma empresa internacionalizar a produção por meio de IDE, fundamenta-se em três condições: (i) a propriedade de ativos que uma empresa tem, ou pode adquirir, em termos mais favoráveis que seus competidores ou potenciais competidores, (ii) se há o interesse em licenciar, vender ou usar – internalizar – esses ativos e (iii) como explorar, ao máximo, esses ativos combinados com os recursos de outros países em condições mais 13 Os investimentos diretos no exterior, efetuados entre 1987 e 2006, foram de aproximadamente US$ 10,9 trilhões. Desse montante, US$ 7,2 trilhões, ou seja, 66% originaram-se de fusões e aquisições internacionais. 11 favoráveis do que as empresas locais. Quanto mais vantagens específicas de propriedade uma empresa possuir, maior será a motivação em internalizá-la e, quanto mais atrativo produzir em outros países, mais provável será que a empresa se internacionalize (DUNNING, 1980). Segundo Dunning (1993), ativos são recursos capazes de gerar um fluxo de renda futura e incluem não somente ativos tangíveis como: dotações naturais, força de trabalho e capital, como também intangíveis: tecnologia, administração, marketing, habilidades empresariais, organizações e acesso a mercados de bens intermediários ou finais. Uma empresa capaz de adquirir ativos não disponíveis, ou não disponíveis em termos favoráveis para as outras empresas, terá motivação necessária para produzir no mercado externo e/ou doméstico. Esses ativos específicos são chamados de Vantagens de Propriedade (O) e são privativos às firmas de uma determinada nacionalidade. As vantagens de propriedade dividem-se em estruturais (Oa) e de transações (Ot). As vantagens de propriedade estruturais (Oa) se originam da posse desses ativos pelas ETNs vis- à-vis às possuídas pelas outras empresas e estão relacionadas ao acesso à melhor tecnologia e aos ganhos na atuação transnacional, os quais podem ocorrer devido a distorções estruturais do mercado, tais como: poder de monopólio, diferenciação de produto, barreiras à entrada (em virtude de custos irrecuperáveis) e intervenção governamental. As vantagens de propriedade de transações (Ot) refletem a capacidade das hierarquias das ETNs de capturar benefícios de transação (ou de diminuir os custos de transação), que se manifestam pela governança singular desses ativos localizados em diversos países, isto é, implicam a existência de custos de transação menores, se comparados aos do mercado, dado que a firma opera em uma organização transnacional. As ETNs bem-sucedidas são capazes de promover e de explorar as vantagens de propriedade estruturais e de transação (DUNNING, 1988). Porém, as Vantagens de Localização (L) podem ser específicas a uma firma em suas origens e usos, ou disponíveis às demais. Além das dotações “ricardianas”, incluem-se como ativos específicos de localização: a cultura, a legislação, o ambiente político e institucional, a estrutura de mercado e a política governamental. Esses ativos podem ser propriedade de alguma empresa, bem como combinar-se com recursos do país doméstico ou de outro país. As empresas podem proteger esses ativos por meio de direitos de propriedade ou de barreiras monopolistas, que surgem pelo tamanho ou características tecnológicas das firmas, economias de escala, recursos financeiros e marketing. 12 Para alguns tipos de comércio, é suficiente ao país exportador possuir somente uma vantagem (L) sobre o país importador. Isto é, não é necessário às firmas exportadoras possuírem qualquer ativo específico (O) sobre suas competidoras locais no país importador. Grande quantidade do comércio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (que são do tipo ricardianos ou HOS) é dessa categoria. [...] Entre países industrializados desenvolvidos, o comércio envolve produtos inovadores ou schumpeterianos, e está baseado mais em vantagens (O) das firmas exportadoras (DUNNING, 1993, p. 77). As Vantagens de Internalização (I) denotam a capacidade e a preferência da firma detentora das vantagens específicas de propriedade (O) de combiná-las com os ativos externos do país receptor por meio de IDE, ou seja, dentro de sua própria hierarquia, ao invés de utilizar o mercado internacional. Ao internalizar mercados, a firma não só procura reduzir a incerteza e o risco, como também elevar seus ganhos de escala. Desse modo, a produção internacional depende tanto de uma configuração OLI14 competitiva, ou seja, dos ativos (O) e (L), como da percepção das firmas de que, ao internalizarem as atividades produtivas, têm mais vantagens totais (I) do que os mercados. No Quadro 1.1, estão dispostos alguns exemplos de possíveis configurações OLI com suas respectivas Vantagens de Propriedade (O), de Localização (L) e de Internalização (I), além das atividades e dos objetivos da produção internacional pelas ETNs. O investimento direto no exterior pode ter motivações relacionadas à busca de mercados, de recursos naturais, de eficiência e de ativos estratégicos: (a) market seeking, investimentos orientados para a exploração do mercado doméstico do país receptor do IDE, a fim de substituir importações; (b) resource seeking, investimentos que visam à exploração dos recursos naturais ou à mão-de-obra não qualificada, em que a disponibilidade desses recursos é a principal vantagem de localização que o país receptor oferece; (c) efficiency seeking, investimentos que procuram racionalizar a produção para apropriar economias de especialização, ou seja, frequentemente, ocorrem por meio dos processos de complementação tanto comercial quanto produtiva das operações das filiais das ETNs; (d) strategic asset seeking, investimentos para a aquisição de recursos e capacidades que podem ajudar a empresa a manter e/ou a aumentar suas competências (DUNNING, 1988; DE PAULA, 2003). 14 Em 2005, Dunning incluiu a dimensão das instituições na configuração OLI, em uma apresentação na FEA/USP, e mostrou que elas têm impactos formais e informais nas dimensões OLI, bem como suas disfunções institucionais. Como impactos formais, citam-se: as regras de mercado, as leis, os contratos, as punições e os treinamentos, e os impactos informais compreendem: a cultura corporativa, a moral, as religiões, as ONGs, os relacionamentos e as lideranças. As disfunções institucionais estão relacionadas à falta de transparência, ao crime, à corrupção e à falta de boa interação entre organizações e alianças. 13 No paradigma eclético, as vantagens e/ou desvantagens de determinada localização são tratadas, separadamente, das vantagens de propriedade de uma determinada empresa, embora as primeiras sejam internalizadas no mercado. Não obstante, a decisão sobre em que local situar uma mina, fábrica ou escritório não é independente da propriedade desses ativos, nem do modo pelo qual esses investimentos e/ou seus direitos são transacionados. Da mesma forma, a escolha da localização pode ser estimulada por falhas de mercado. Por exemplo, a imposição de barreiras comerciais por alguns países tem levado muitas ETNs a efetuar IDE com o intuito de contornar essas dificuldades (DUNNING, 1988). De acordo com Cavalcanti e Alem (2005)), o que diferencia as empresas transnacionais de países desenvolvidos das de países em desenvolvimento é, justamente, a composição das vantagens de propriedade, as quais envolvem, em grande medida, diferentes tipos de recursos naturais e qualificação de mão-de-obra, diferentes níveis de capacitação tecnológica e políticas de governo. A grande maioria das empresas transnacionais de países desenvolvidos apóia-se em vantagens de propriedade derivadas da operação na fronteira tecnológica. No entanto, as empresas transnacionais de países em desenvolvimento, geralmente, possuem vantagens decorrentes, por exemplo, de certas habilidades ou de ativos específicos construídos sobre tecnologias difundidas, bem como do melhor acesso a recursos naturais. Essas vantagens podem ser incrementadas por meio da utilização de mão-de-obra qualificada a baixo custo nos países de origem. Essas condições permitem às empresas transnacionais de países em desenvolvimento operarem tecnologias e métodos de gestão abaixo da fronteira e, assim, construírem vantagens de propriedade exploráveis por meio de investimentos diretos no exterior. “Embora seu caráter faça com que tais vantagens sejam exploráveis em outros PEDs, certas inovações específicas podem dotá-las de alguma qualidade que possa ser explorada em um país desenvolvido, sendo este caso mais raro pela forte concorrência e diferenças culturais existentes entre esses mercados” (LALL, 1983, apud CHUDNOVSKY e LÓPEZ, 1999, p. 8). 14 Q ua dr o 1. 1 D et er m in an te s da P ro du çã o In te rn ac io na l, O bj et iv os e E xe m pl os d e A ti vi da de s T ra ns na ci on ai s Fo nt e: A da pt ad o de D un ni ng ( 19 80 ; 1 99 3) . P ro du çã o In te rn ac io na l V an ta ge ns d e P ro pr ie da de ( O ) V an ta ge ns d e L oc al iz aç ão ( L ) V an ta ge ns d e In te rn al iz aç ão (I ) O bj et iv os e E xe m pl os d e A ti vi da de s 1. B as ea da e m R ec ur so s C ap it al , ac es so à te cn ol og ia e a m er ca do s; at iv os co m pl em en ta re s; ta m an ho e p od er d e ne go ci aç ão . P os se d e re cu rs os n at ur ai s, p ro xi m id ad e a tr an sp or te s e à in fr ae st ru tu ra de co m un ic aç õe s, im po st os e ou tr os in ce nt iv os . P ar a m an te r a es ta bi li da de d a of er ta e m pr eç os ju st os . C on tr ol e de m er ca do . D om ín io d a te cn ol og ia . P ar a ob te r o ac es so p ri vi le gi ad o a re cu rs os v is -à - vi s a co m pe ti do re s. E xe m pl os : P et ró le o; c ob re ; es ta nh o; z in co ; ba ux it a; b an an as ; ab ac ax i, co co ; ch á e pr od ut os ou pr oc es so s in te ns iv os em tr ab al ho . 2. M an uf at ur a Su bs ti tu ti va d e Im po rt aç ão C ap it al , te cn ol og ia , in fo rm aç ão , ha bi lid ad es ge re nc ia is e or ga ni za ci on ai s, P & D e ou tr as ca pa ci da de s, e co no m ia s de e sc al a, m ar ca s. C us to s de m at er ia is e m ão -d e- ob ra , di m en sã o e ca ra ct er ís ti ca s do m er ca do , po lí tic as go ve rn am en ta is (r ef er en te s a ba rr ei ra s a im po rt ad os , a in ce nt iv os , a in ve st im en to s, d en tr e ou tr os ). E xp lo ra r va nt ag en s te cn ol óg ic as . R ed uz ir cu st os de tr an sa çã o e in fo rm aç ão , e de in ce rt ez a qu an to a fo rn ec ed or es e co m pr ad or es , pr ot eg er di re it os d e pr op ri ed ad e, d en tr e ou tr os . P ro te ge r m er ca do s ex is te nt es ; an ul ar co m po rt am en to d os c om pe ti do re s e im pe di r ri va is ou po te nc ia is ri va is de co nq ui st ar em no vo s m er ca do s. E xe m pl os : co m pu ta do re s; fa rm ac êu ti ca ; ve íc ul os au to m ot or es ; ci ga rr os ; al im en to s in du st ri al iz ad os e s er vi ço s aé re os . 3. P la ta fo rm as E xp or ta do ra s M an uf at ur ei ra s A s m es m as a ci m a, a lé m d o ac es so a m er ca do s, a e co no m ia s de e sc op o, à di ve rs if ic aç ão ge og rá fi ca , à fo nt e in te rn ac io na l d e re cu rs os . E co no m ia s de co nc en tr aç ão e es pe ci al iz aç ão p ro du ti va . B ai xo c us to d e m ão -d e- ob ra i nc en ti va da p ar a a pr od uç ão lo ca l p el os g ov er no s es tr an ge ir os . A s m es m as do ti po 2, ac re sc id as de va nt ag en s da g ov er na nç a co m um e d a in te gr aç ão v er ti ca l. R ac io na li za çã o pr od ut iv a e ob te nç ão d e va nt ag en s de es pe ci al iz aç ão de pr oc es so s. V eí cu lo s au to m ot or es , ap ar el ho s el ét ri co s, el et rô ni co s, tê xt ei s e ve st uá ri o, c âm er as , fa rm ac êu ti ca , en tr e ou tr os . 4. C om ér ci o e D is tr ib ui çã o (I m po rt aç ão e E xp or ta çã o M er ca nt il) A ce ss o ao m er ca do ; di st ri bu iç ão d e pr od ut os . F on te de in su m os de m er ca do s lo ca is , ne ce ss id ad e de es ta r pr óx im o ao s co ns um id or es . S er vi ço s pó s- ve nd as , de nt re o ut ro s. G ar an ti r po nt os de re ve nd as ; pr ot eg er no m es co m er ci ai s, qu al id ad e do s in su m os ; ev it ar ba ix o de se m pe nh o e de tu rp aç ão p or a ge nt es e st ra ng ei ro s. T an to a e nt ra da a n ov os m er ca do s co m o pa rt e de es tr at ég ia s de m ar ke ti ng r eg io na l o u gl ob al . V ár io s be ns , es pe ci al m en te , os qu e re qu er em co nt at os c om c on su m id or es f in ai s. 5. S er vi ço s A ux ili ar es E xp er iê nc ia co m cl ie nt es no pa ís lo ca l. D is po ni bi lid ad e de m er ca do s, es pe ci al m en te , os qu e sã o co nd uz id os pe lo s cl ie nt es . D e m od o ge ra l, co m o em 2 e e m 4 . D iv er si fi ca çã o ge og rá fi ca . E xe m pl os : se gu ro s, se rv iç os b an cá ri os e d e co ns ul to ri a. 15 1.2 Evolução do IDE Originado em Países em Desenvolvimento e Economias em Transição A internacionalização produtiva de empresas de PED vem ganhando força e, além de se consolidar nas duas últimas décadas, tem modificado a estrutura e o modo de inserção das ETNs em diversas indústrias e regiões do mundo. As motivações para que as empresas de PED se alinhem à competição em âmbito mundial estão associadas, principalmente, à globalização produtiva que se impôs, sobretudo, a partir do final da década de 1980. É frequente a associação da globalização com a internacionalização de empresas e com o recente auge dos investimentos diretos no exterior. Para muitas empresas, com o movimento crescente de abertura das economias nacionais, a internacionalização deixou de ser uma questão de opção, para se tornar questão de sobrevivência. Segundo Sauvant (2007), o investimento direto no exterior, oriundo de países em desenvolvimento, não é novo, mas sim, “o irmão gêmeo negligenciado do influxo de IDE nesses mercados”. O motivo pelo qual não se aprofundaram estudos sobre os investimentos provenientes de PED é, principalmente, sob a ótica das políticas, a idéia de que a insuficiência cambial e as limitações de capital constituíam-se em barreiras à internacionalização produtiva nessas economias. Assim, os países em desenvolvimento deveriam importar, e não, exportar capital. No entanto, dois aspectos são negligenciados nesse tipo de análise: a expansão das empresas para outros países pode ser efetuada com recursos próprios e, devido à necessidade de se manterem competitivas, as empresas precisam, cada vez mais, de “uma carteira de ativos ‘locacionais’ diversificada geograficamente” (SAUVANT, 2007, p.39). Na lista das 100 maiores empresas não-financeiras do mundo, dominada por ETNs de países desenvolvidos, o número de ETNs de países em desenvolvimento no ranking apresenta ligeira elevação. Em 2004, cinco empresas de PED figuravam entre as 100 maiores do mundo; em 2005, esse número passou a sete. A participação de ETNs de países em desenvolvimento poderia ser maior caso não tivesse ocorrido a transferência de sedes de algumas empresas15 que, originalmente, iniciaram suas atividades em economias em desenvolvimento, e depois as transfeririam a países desenvolvidos (UNCTAD, 2007). 15 Citam-se como exemplos: Anglo American (fusão entre a empresa Anglo American da África do Sul e a Minorco de Luxemburgo); SAB Miller (fusão entre as cervejarias sul-africanas South African Breweries e Miller Brewing Company) e a empresa Mittal Steel da família indiana Mittal, criada pela fusão entre LNM Holdins do Reino Unido e Ispat International (UNCTAD, 2007). 16 Os fluxos de entradas de IDE alcançaram, em 2006, cerca de US$ 1,3 trilhão, próximos ao recorde de US$ 1,4 trilhão do ano 2000. Os países desenvolvidos são os maiores receptores dos fluxos de investimento direto no exterior, entretanto, os países em desenvolvimento apresentaram significativa elevação em suas participações como receptores de investimentos externos (UNCTAD, 2006). O Gráfico 1.1 apresenta os fluxos de entradas de IDE no período de 1985 a 2006. A década de 1990, marcada pela intensificação das privatizações em várias regiões do mundo, apresentou elevação dos IDEs destinados às economias em desenvolvimento e em transição. Em 1994, por exemplo, os investimentos recebidos por essas economias foram de US$ 103,5 bilhões, correspondentes a aproximadamente 41% de todo IDE efetuado mundialmente. Entre 1985 e 2006, as taxas médias anuais de crescimento dos fluxos de entrada de IDE em PEDs e em economias em transição foram de 16,1%, enquanto os países desenvolvidos apresentaram taxas médias anuais de 14,5%. Dessa forma, constatou-se uma ligeira elevação na participação de países em desenvolvimento e economias em transição no recebimento dos fluxos de investimentos externos. Em 1985, essas economias recebiam 24,5% de todo IDE e, em 2006, receberam 29% dos fluxos totais de IDE. Gráfico 1.1 Fluxos de Entradas de IDE (1985-2006) 0 200 400 600 800 1.000 1.200 � � �� ��� �� � � � � 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 Países Desenvolvidos Países em Desenvolvimento e Economias em Transição Fonte: Elaboração própria a partir de dados estatísticos da UNCTAD. 17 O Gráfico 1.2 apresenta os fluxos de saídas de IDE no período de 1985 a 2006. Similar ao Gráfico 1.1, os países desenvolvidos são responsáveis por grande parte dos fluxos de saída dos investimentos externos. Apesar disso, os PEDs e as economias em transição elevaram suas participações como inversoras no exterior. Enquanto, em 1985, essas economias investiam cerca de 6% em outros países; em 2006, aproximadamente 16% de todo o IDE partiu de PEDs e de economias em transição. Em termos absolutos e em valores correntes, o ano de 2006 marca o auge dos investimentos remetidos por PEDs e economias em transição, cerca de US$ 193 bilhões. Entre 1985 e 2006, os IDEs efetuados por esses países cresceu a taxas médias de 19,4% a.a., enquanto os investimentos provenientes de países desenvolvidos apresentaram taxas médias de 13,8% a.a. O ano de 1994 apresenta a maior participação relativa de PEDs e de economias em transição nos fluxos de saída de IDE (17,3%), correspondente a aproximadamente US$ 48 bilhões. Gráfico 1.2 Fluxos de Saídas de IDE (1985-2006) 0 200 400 600 800 1.000 1.200 E m b ilh õ es d e U S $ 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 Países Desenvolvidos Países em Desenvolvimento e Economias em Transição Fonte: Elaboração própria a partir de dados estatísticos da UNCTAD. 18 A elevação dos investimentos diretos no exterior reflete não apenas a continuidade das fusões e aquisições internacionais, especialmente, entre países desenvolvidos, como também a aceleração do crescimento e os melhores resultados da economia de muitos países em desenvolvimento e de muitas economias em transição. O Gráfico 1.3 apresenta a participação relativa das F&As em comparação com os fluxos de entrada de IDE no período de 1987 a 2006. As F&As internacionais foram responsáveis por grande parte das entradas de investimento direto, praticamente, em todo o período. Em 2006, as F&As internacionais alcançaram US$ 880,4 bilhões, o segundo maior montante depois do recorde de US$ 1.143,8 bilhões obtido no ano 2000. Do total de F&A internacionais do ano de 2006, US$ 752,4 bilhões foram efetuados por países desenvolvidos, US$ 122,9 bilhões, por países em desenvolvimento, e US$ 5 bilhões, por economias em transição. Das F&As internacionais efetuadas por países em desenvolvimento, US$ 79,4 bilhões partiram de economias asiáticas; US$ 31,9 bilhões, de países latino-americanos, e US$ 11,2 bilhões, de nações africanas. Gráfico 1.3 Participação das F&As nos Fluxos de Entrada de IDE (1987-2006) 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 Fonte: Elaboração própria a partir de dados estatísticos da UNCTAD. 19 A origem dos investimentos diretos no exterior provenientes de países em desenvolvimento e de economias em transição se alterou consideravelmente, nas últimas décadas. Os países asiáticos apresentaram um crescimento gradual como fontes de IDE e, em 2006, responderam por aproximadamente 67% dos recursos originários de PED. A América Latina, que, em 1970, era responsável por 61% dos investimentos oriundos de países em desenvolvimento, teve sua participação reduzida a 28% em 2006. A Tabela 1.1 apresenta o estoque acumulado de IDE dos 15 principais países em desenvolvimento e economias em transição. O estoque de ativos das duas “cidades-estado” asiáticas Hong Kong e Cingapura alcança US$ 581 bilhões (42% do total de ativos de países em desenvolvimento), o que está, em grande medida, vinculado à diáspora chinesa e ao retorno de seu capital à própria China. Verifica-se também o envio de US$ 157 bilhões (11% do total) a paraísos fiscais, o que dificulta a análise sobre o volume de investimento direto no exterior efetuado por algum país ou empresa em particular. Ao se desconsiderar os recursos em paraísos fiscais e “cidades-estado” asiáticas, o estoque acumulado de investimentos direto no exterior de países em desenvolvimento é de US$ 662 bilhões, resultado bem expressivo. Tabela 1.1 Estoque de IDE de PED e de Economias em Transição (2005) Ranking Economia Total (em bilhões de US$) 1 Hong Kong (China) 470 2 Ilhas Virgens Britânicas 123 3 Rússia 120 4 Cingapura 111 5 Taiwan 97 6 Brasil 72 7 China 46 8 Malásia 44 9 África do Sul 39 10 Coréia do Sul 36 11 Ilhas Cayman 34 12 México 28 13 Argentina 23 14 Chile 21 15 Indonésia 14 PED e Economias em Transição 1.400 Fonte: Adaptado de UNCTAD (2006, p.113). 20 Na Tabela 1.2, estão dispostas as médias dos fluxos de IDE intra e inter-regional Sul- Sul no período 2002-2004. É notável que a internacionalização de países em desenvolvimento seja um processo eminentemente regional, pois mais de 94% dos fluxos ocorreram em países localizados no mesmo continente do país de origem do capital, situação muito distante de um quadro de autêntica “globalização”. A liderança asiática, ainda que se deva ponderar o efeito do IDE oriundo de cidades- estado, é inconteste, pois compreende 89% dos fluxos de saída e 88% dos fluxos de entrada de IDE. Em relação ao IDE entre países em desenvolvimento, o saldo entre saídas e entradas é bem mais equilibrado do que no IDE em geral, isto é, incluindo recursos oriundos de países desenvolvidos. O IDE proveniente de países em desenvolvimento da Ásia, até mesmo pelo peso e dinamismo da região, é o que apresenta maior componente regional, com média anual de aproximadamente US$ 48 bilhões, ou seja, 97% de todas as inversões desse grupo de países. A América Latina, com 78% de IDEs intra-regional, ficou em segundo lugar, com média anual de US$ 2,7 bilhões. Destacam-se como investidores latino-americanos as empresas transnacionais originárias da Argentina, do Brasil e do México. Os investimentos intra- regionais africanos foram de cerca de US$ 2 bilhões anuais, que correspondem, basicamente, aos investimentos de empresas da África do Sul no restante do continente. Tabela 1.2 Fluxos Anuais Médios de IDE entre Países em Desenvolvimento (2002-2004) Em Milhões US$ América Latina África Ásia Total América Latina US$ 2.701 78% US$ 16 0% US$ 754 22% US$ 3.471 6% África US$ 21 1% US$ 2.105 74% US$ 702 25% US$ 2.828 5% Ásia US$ 403 1% US$ 1.201 2% US$ 47.881 97% US$ 49.485 89% Total US$ 3.128 6% US$ 3.322 6% US$ 49.337 88% US$ 55.787 100% Fonte: Adaptado de UNCTAD (2006, p. 119). Os IDEs inter-regionais entre países em desenvolvimento se deram, principalmente, da Ásia para a África, com média anual de US$ 1,2 bilhões e, em segundo lugar, da América Latina para a Ásia, com média anual de US$ 754 milhões. O IDE da África para a Ásia correspondeu a aproximadamente US$ 700 milhões anuais, e o IDE da Ásia para a América Latina foi relativamente baixo, cerca de US$ 400 milhões ao ano. Os fluxos médios de investimentos entre a América Latina e a África foram praticamente equilibrados e insignificantes. Em relação aos investimentos de países asiáticos na Ásia, destacam-se os 21 investimentos efetuados pelas empresas da China, especialmente, na busca de insumos energéticos (gás e petróleo) e minerais. Quanto à distribuição industrial, há setores mais representados do que outros, porém são marcantes as diferenças entre as diversas regiões. Algumas ETNs16 de países em desenvolvimento passaram a ocupar posições de destaque em algumas indústrias, tais como: a automobilística, a química, a eletrônica, a petroquímica, a siderúrgica, e em serviços como bancários, transportes marítimos e de tecnologia de informação. Em todos os países em desenvolvimento têm surgido empresas transnacionais voltadas à exploração de petróleo, gás e de minérios, como no segmento de manufatura baseada em recursos naturais (metalurgia). Algumas dessas empresas competem com empresas de países desenvolvidos, como: na África do Sul, a Sasol; no Brasil, a Vale e a Petrobrás; no Chile, a ENAP; na China, a Baosteel, a CNPC e a CNOOC; na Coréia do Sul, a Posco; na Malásia, a Petronas; na Rússia, a Gazprom e a Lukoil; na Tailândia, a PTTEP e, na Venezuela, a PDVSA (UNCTAD, 2006). Nos setores de serviços financeiros, serviços de infraestrutura (eletricidade, telecomunicação e transporte) e na fabricação de produtos relativamente difíceis de transportar (cimento, alimentos e bebidas) participam muitas ETNs de países em desenvolvimento. Essas atividades econômicas requerem, tipicamente, IDE, já que os bens e serviços são de difícil comercialização internacional. Com raras exceções17, a maioria das ETNs de países em desenvolvimento dedicadas a esses setores são regional players. Há um terceiro grupo de atividades mais exposto à concorrência mundial: automóveis, eletrônica (incluídos os semicondutores e equipamentos de telecomunicações), a indústria têxtil e de tecnologia de informação (TI). Quase todas as grandes ETNs originárias de países em desenvolvimento, que se dedicam a essas atividades, têm sede na Ásia. São companhias eletroeletrônicas, como a Acer (Taiwan), a Huawei (China) e a Samsung Eletronics (Coréia do Sul); empresas do setor automotivo, tais como a Hyundai Motor e a Kia Motor (Coréia do Sul), ou empresas menores que se dedicam a serviços de tecnologia de informação, como a Infosys ou a Wipro Technologies, ambas com sede na Índia (UNCTAD, 2006). 16 Muitas ETNs de PED classificam-se entre as 20 maiores em suas respectivas indústrias: Hyundai Motors, Tata Motors (automobilística); Saudi Basic Inds, LG Chem (química); Samsung Electronics, LG Eletronics (eletrônica); Sinopec, CNPC, PDVSA, Petrobrás, Petronas (petroquímica); Posco, Baosteel, Gerdau, Tata Steel (siderurgia); dentre outras. 17 As principais exceções, segundo a UNCTAD (2006), são: a Cemex, do México, a Old Mutual e a SAB Miller, ambas fundadas na África do Sul, com posterior transferência de suas sedes para o Reino Unido. 22 Nas indústrias de linha branca e de computadores pessoais, várias ETNs18 estão expandindo seus mercados via investimentos diretos no exterior e, assim, estão convertendo- se, efetivamente, em global players. Outras empresas também têm cruzado a fronteira e se transformaram em players efetivos, tanto em mercados regionais quanto no mercado mundial. Por exemplo, em 2005, a Cemex (México) figurou entre as três maiores fabricantes de cimento do mundo, com mais de um terço de suas receitas provenientes de países desenvolvidos. Para a CEPAL (2006), é importante distinguir o rápido crescimento dos investimentos externos efetuados pelos países asiáticos dos realizados pelos países latino-americanos, principalmente, quanto a fatores que conduzem à especialização produtiva. Supõe-se que as ETNs das economias asiáticas apresentem uma inclinação maior a se incorporarem aos mercados mundiais na busca estratégica de eficiência e de ativos, enquanto as latino- americanas operam, em geral, em países vizinhos, na maioria das vezes, na busca estratégica de recursos naturais e de mercados. É notável, assim, a concentração dos investimentos de empresas da América Latina19 no continente americano como um todo. As ETNs de países desenvolvidos utilizam mais vantagens específicas baseadas na propriedade de ativos, como tecnologias, marcas e outras propriedades intelectuais do que as ETNs originárias de países em desenvolvimento, as quais, em muitos casos, dependem de vantagens específicas de outras empresas, derivadas das capacidades relacionadas ao processo de produção, redes e relacionamentos e da estrutura organizacional. Há uma tendência das empresas de PED em se desenvolverem, e assim, equipararem-se às empresas de países desenvolvidos quando suas economias atingem determinado grau de desenvolvimento econômico. Por exemplo, as vantagens das empresas coreanas derivam, cada vez mais, da posse de tecnologia de ponta relacionada, em grande medida, à intensificação de investimentos em P&D, normalmente factível em países desenvolvidos. Muitas ETNs de países em desenvolvimento têm não só vantagens competitivas, específicas à localização da empresa, como as provenientes do acesso a recursos naturais ou à tecnologia de competência de seus próprios países. Essas vantagens de localização podem ser acessíveis a todas as empresas do país. Não obstante, algumas empresas de PEDs são mais aptas do que outras ao combinarem várias fontes de vantagens, incluídas as específicas à empresa, numa base competitiva sólida. 18 Citam-se como exemplos: Acer (Taiwan), Arcelik (Turquia), Haier (China) e Lenovo (China). 19 As ETNs da América Latina vêm, fundamentalmente, de quatro países: Argentina, Brasil, Chile e México e são denominadas de “translatinas” (CEPAL, 2006). 23 Segundo a UNCTAD (2006), quatro motivos podem explicar o movimento de internacionalização de empresas de países em desenvolvimento: (i) os fatores relacionados com o mercado, que estão ligados à necessidade de se obter clientes, de se evitar barreiras comerciais, alfandegárias e não tarifárias e, também, para a redução de riscos com a dependência excessiva do mercado interno; (ii) o aumento dos custos de produção do país de origem, particularmente, os da força de trabalho; (iii) as pressões competitivas exercidas por outras empresas sobre as empresas dos PEDs, as quais forçam à expansão internacional e (iv) os aspectos legais dos países de origem e receptores que influem nas decisões de investimento. Além dos motivos acima mencionados, há dois elementos importantes que estão impulsionando muitas ETNs de países em desenvolvimento ao exterior. O primeiro é o rápido crescimento de grandes países – China e Índia –, o qual suscita o temor da falta de recursos e insumos básicos para a expansão econômica dos demais, e o segundo é a mudança de atitude entre as empresas, as quais entenderam que, cada vez mais, atua-se em uma economia globalizada e, por isso, devem adotar uma perspectiva internacional. Quanto ao destino do IDE, o resultado final da combinação de fatores impulsionadores, vantagens e motivações é que a maioria dos investimentos se efetua em outros países em desenvolvimento e em países vizinhos (Tabela 1.2), devido à similaridade no mercado consumidor, nos processos tecnológicos e no ambiente institucional. A empresa de consultoria empresarial, Boston Consulting Group (BCG), desde 2006, apresenta relatórios anuais, que destacam as 100 maiores empresas procedentes de Economias em Rápido Desenvolvimento (Rapidly Developing Economies – RDEs). Essas empresas tornaram-se dinâmicas concorrentes em seus mercados e, assim, podem desafiar as grandes empresas transnacionais de países desenvolvidos. Para o BCG, as economias em rápido desenvolvimento representam um grupo de 14 países, selecionados de acordo com o tamanho do PIB real, o valor das exportações e das importações e o estoque de investimento direto no exterior. Os RDEs, segundo esse critério, são: Argentina, Brasil, Chile, China, Egito, Hungria, Índia, Indonésia, Malásia, México, Polônia, Rússia, Tailândia e Turquia20. Essas economias representavam 13,4% do PIB real do mundo no ano 2000, passaram para 15,7% em 2005 e, em 2006, atingiram 17,3% de participação. 20 Conforme os critérios da UNCTAD, das quatorze economias definidas como RDEs, onze são países em desenvolvimento; duas, países desenvolvidos (Hungria e Polônia), e uma, economia em transição (Rússia). 24 Na lista de empresas do relatório The 2008 BCG Global Challengers, a China lidera com 41 representantes, seguida pela Índia (20), Brasil (13), México (7), Rússia (6), Turquia (3), Malásia (2) e Tailândia (2). A Argentina, Chile, Egito, Hungria, Indonésia e Polônia participam com uma empresa cada. A seleção das empresas considerou, dentre outros critérios21, os resultados financeiros obtidos nos anos de 2004, 2005 e 2006. O relatório do BCG contempla várias indústrias, no entanto, a classificação industrial das empresas é uma tarefa complicada, já que muitas delas são, na verdade, grandes grupos que atuam em diversas indústrias. Mesmo assim é possível identificar representantes da indústria siderúrgica e da cimenteira, objetos de análise desta dissertação. A siderurgia, por exemplo, está representada com seis empresas: Tenaris (Argentina); Gerdau (Brasil); Shanghai Baosteel Group Corporation e Shougang Group (China); Tata Steel (Índia) e Severstal (Rússia). A indústria do cimento tem duas empresas listadas pelo BCG: a Cemex (México) e a Votorantim (Brasil). O BCG apontou seis modelos de internacionalização que podem ser combinados entre si pelas empresas: (i) a formação de uma marca global; (ii) o emprego de engenharia reversa para a complementação de inovações; (iii) a busca pela liderança na indústria; (iv) as aquisições estratégicas de recursos com a finalidade de acumulação as quais proporcionem o crescimento no futuro; (v) a busca de novos negócios, até mesmo em outras indústrias e (vi) a busca de recursos naturais, notadamente, de energia e de minerais. Há várias motivações para explicar a internacionalização das empresas de RDEs. Muitas empresas estão se internacionalizando para continuar a crescer, impulsionadas pela globalização, uma vez que a busca de novos mercados, com o intuito de elevar receitas e lucros, ocorre pela impossibilidade de crescimento orgânico em seus países de origem. A internacionalização vislumbra possibilidades de ganhos de escala em outros países, além de complementar P&D para a obtenção de ativos intangíveis, tais como marcas. Há também a possibilidade de se adentrar em novas indústrias por meio de F&A, bem como investimentos em busca de recursos que garantam o crescimento no longo prazo. 21 O BCG identificou, a princípio, 3.000 companhias e, para selecionar as 100 mais relevantes, efetuou uma triagem. Primeiramente, verificou-se se as empresas, realmente, eram nativas dos países, quando foram descartadas joint-ventures e subsidiárias de ETNs de outros países. Na segunda etapa, elegeram-se as empresas com receitas em torno de US$ 1 bilhão. A terceira etapa classificou as empresas de acordo com: (a) a internacionalização, indicada pelo número de subsidiárias, receitas, quantidade de instalações produtivas e de centros de P&D; (b) o IDE efetuado nos últimos cinco anos; (c) o acesso a financiamentos que visassem à expansão internacional, os estoques de capital em outros países e de outros recursos; (d) a quantidade de funcionários qualificados e a tecnologia empregada e (e) o acesso a capitais internacionais. 25 As empresas têm elevado suas receitas e lucros e, com esses ganhos, aumentam os gastos em aquisições de bens, serviços e P&D e, principalmente, buscam oportunidades de aquisições em todo o mundo. Muitas dessas empresas dão prioridade às fusões e aquisições em detrimento do crescimento orgânico. Em 2006, as 100 empresas da lista do BCG fizeram 72 aquisições internacionais com valor médio de US$ 981 milhões, e sete dessas operações superaram US$ 1 bilhão. O Gráfico 1.4 apresenta a evolução das F&A internacionais efetuadas pelas 100 empresas oriundas de RDEs. Os estudos da UNCTAD e do BCG apresentam alguns aspectos comuns entre si. Ambos apontam que a maioria das ETNs de países em desenvolvimento se origina na Ásia, notadamente, na China, que apresenta, em ambos os estudos, o maior número de empresas internacionalizadas. Outra semelhança entre o relatório da UNCTAD e do BCG é o avanço de empresas transnacionais de países em desenvolvimento em indústrias mais sofisticadas, apesar de a concentração ainda ocorrer em indústrias tradicionais. Além disso, tais estudos assinalam o crescimento da participação de ETNs de países em desenvolvimento nas F&A internacionais e a elevação dos valores transacionados, que podem indicar uma intensificação da acumulação de capital pelas ETNs de países em desenvolvimento e economias em transição. Gráfico 1.4 F&A Internacionais Realizadas pelas 100 ETNs de RDEs, 1988-2006 2 1 0 1 2 6 5 4 0 4 7 16 21 31 40 43 48 71 72 0 10 20 30 40 50 60 70 80 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 Fonte: The Boston Consulting Group. 26 Coutinho et al. (2005) assinalam que, no caso brasileiro, apesar do aumento dos investimentos diretos no exterior efetuados pelas empresas nacionais, a internacionalização ainda se encontra em um estágio embrionário. Quando se compara o Brasil a outros países em desenvolvimento, nota-se, ainda, a existência de uma disparidade entre o movimento de internacionalização de empresas brasileiras e o de outras economias em desenvolvimento. Na década de 1990, os estoques de investimentos dos PEDs cresceram mais rápido do que os de países desenvolvidos. No entanto, o Brasil apresentou uma taxa de crescimento em seu estoque de investimentos no exterior inferior à média dos demais países em desenvolvimento. Ao se comparar a relação IDE/PIB dos anos de 1990 e 2000, observa-se que o Brasil, novamente, apresentou uma razão inferior à de muitos países em desenvolvimento. Para Coutinho et al. (2005), as empresas brasileiras prevalecem em indústrias tradicionais e/ou intensivas em recursos naturais, e muitas delas têm vantagens competitivas na produção de commodities primárias ou em produtos manufaturados que utilizam, com intensidade, a base de recursos naturais. Há, no entanto, espaço para a expansão nesses segmentos no exterior, ou mesmo, em novos setores com sofisticação de produtos. Para tal, as grandes empresas brasileiras devem se fortalecer e elevar suas operações produtivas e seus ativos (principalmente, intangíveis) no mercado interno e no externo. Assim, conseguirão enfrentar o acirramento da concorrência mundial em suas indústrias, a fim de não se tornarem alvos fáceis das grandes corporações internacionais. Trata-se muito mais de uma questão de sobrevivência do que de uma estratégia empresarial para a elevação das exportações. 1.3 Conclusões Preliminares A falta de uma teoria de internacionalização construída especialmente para explicar o processo de expansão internacional de empresas de países em desenvolvimento, e a ênfase que as existentes concedem às empresas transnacionais de países desenvolvidos direcionaram a fundamentação teórica desta dissertação para o esquema analítico proposto por Dunning. Embora o Paradigma Eclético da Produção Internacional tenha sido construído para explicar o processo de internacionalização de empresas de países desenvolvidos, a abrangência do esquema analítico proposto por Dunning representou um avanço perante as outras teorias. Ao incorporar importantes conceitos existentes em outros estudos sobre a internacionalização comercial e produtiva, o Paradigma Eclético possibilitou sua utilização na explicação do processo de internacionalização de empresas de países em desenvolvimento. 27 As vantagens de propriedade, localização e internalização (configuração OLI) de uma empresa, situada em um país em desenvolvimento e estabelecida em uma determinada indústria, podem impulsioná-la à internacionalização. Em algumas atividades, as firmas de países em desenvolvimento podem reunir condições que as favoreçam na expansão internacional. Por isso, a análise do processo de internacionalização não pode prescindir do estudo da dinâmica competitiva da indústria na qual a firma está inserida. A internacionalização de empresas de países em desenvolvimento, que se deflagrou com a globalização produtiva iniciada na década de 1980, aprofundou-se nos anos 2000, apesar de ainda estar distante da intensidade da expansão internacional alcançada pelas empresas de países desenvolvidos. As F&As foram responsáveis por grande parte das entradas de investimento direto no exterior, nos últimos vinte anos. Essa estratégia de internacionalização associa vantagens ao permitir que a empresa adquirente adentre novos países com exposição menor aos riscos da disputa concorrencial por fatias de mercados, da constituição de uma marca, dentre outros. Entre os países em desenvolvimento, os estudos da UNCTAD e do BCG apontaram que as economias asiáticas respondem pela maioria dos investimentos efetuados em outros países, e que possuem o maior número de empresas internacionalizadas. Apesar da concentração em indústrias tradicionais, há um avanço das ETNs de PED sobre indústrias mais sofisticadas, demonstrando que a acumulação de capital de firmas de PED intensificou-se e tornou-se consistente em algumas atividades. 28 2 A INDÚSTRIA SIDERÚRGICA O estudo do ambiente competitivo, no qual as empresas siderúrgicas estão inseridas, é imprescindível para se compreender como são definidas e operacionalizadas as estratégias de internacionalização. Este capítulo tem, pois, o objetivo de explorar as características que estimulam o movimento de internacionalização produtiva das empresas siderúrgicas, bem como o de examinar a indústria do aço, na qual se configura esse ambiente competitivo. O capítulo está dividido em três seções. Na primeira seção, há a descrição técnica da indústria siderúrgica e sua configuração econômica básica. A análise compreende a exposição dos principais países produtores e consumidores mundiais de produtos siderúrgicos, além da exposição do comportamento dos preços do aço nos anos mais recentes. A segunda seção trata da estrutura de mercado e da dinâmica competitiva da indústria siderúrgica, ao abordar assuntos como a dinâmica tecnológica, distribuição geo