Presidente Prudente – SP 2024 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELISÂNGELA PEREIRA DOS SANTOS DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA NA CONTEMPORANEIDADE: A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA COMO CAMINHO PARA VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO Presidente Prudente – SP 2024 ELISÂNGELA PEREIRA DOS SANTOS DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA NA CONTEMPORANEIDADE: A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA COMO CAMINHO PARA VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO Relatório apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus Presidente Prudente, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). S237d Santos, Elisângela Pereira dos Desafios do Ensino de História na contemporaneidade: A Pedagogia Histórico-Crítica como caminho para valorização do conhecimento Histórico / Elisângela Pereira dos Santos. -- Presidente Prudente, 2024 97 p. : tabs., fotos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientador: Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho 1. Ensino de História. 2. Negacionismo Científico na escola. 3. Bolsonarismo na educação. 4. Pedagogia Histórico Crítica. I. Título. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Presidente Prudente CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Desafios do Ensino de História na contemporaneidade: A Pedagogia Histórico-Crítica como caminho para valorização do conhecimento Histórico. AUTORA: ELISÂNGELA PEREIRA DOS SANTOS ORIENTADOR: IRINEU ALIPRANDO TUIM VIOTTO FILHO Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em EDUCAÇÃO, pela Comissão Examinadora: Prof. Dr. IRINEU ALIPRANDO TUIM VIOTTO FILHO (Participaçao Virtual) Departamento de Educação Física / Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente Prof. Dr. RICARDO PIRES DE PAULA (Participaçao Virtual) do(a) Departamento de Geografia / Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente - FCT/Unesp Prof.ª(a). Dr(a). ELSA MIDORI SHIMAZAKI (Participação Virtual) do(a) Departamento de Pós- Graduação em Educação / Unoeste Presidente Prudente, 17 de setembro de 2024 Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente - Rua Roberto Simonsen, 305, 19060900, Presidente Prudente - São Paulo http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--educacao/CNPJ: 48.031.918/0009-81. http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--educacao/CNPJ AGRADECIMENTOS Nem sempre é fácil tecer agradecimentos, especialmente quando se é grato a tantas pessoas. Inobstante tais limites humanos, o dever e o prazer de agradecer permanecem. E eu tenho muito a agradecer! A minha Família, em especial à minha querida mãe, Adália Pereira dos Santos, cujo empenho em educar a mim e a meus irmãos sempre veio em primeiro lugar. Aqui estão os resultados dos seus esforços. Agradeço ao meu Marido, Alexandro (companheiro para todas as horas, tenho muita gratidão no coração por você fazer parte da minha vida), aos meus Filhos, Arthur e Henrique (minha razão de viver), meus irmãos, Sérgio e Wilson e aos meus amigos por fazerem parte da constituição do meu Eu e por me instigarem a galgar os níveis mais elevados do conhecimento. A todos integrantes do Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural (GEIPEEthc) da Unesp do Campus de Presidente Prudente por serem referência, por mediar conhecimentos e propiciar saltos qualitativos durante a trajetória do mestrado. Nesta seara um agradecimento especial ao meu orientador Tuim, pessoa que admiro por sua excelência acadêmica, mas sobretudo pelo ser Humano e humanizador que és. Agradeço ao professssor Ricardo e a professora Midori, por serem pessoas tão solicitas, por aceitarem participar da banca, por se debrussarem sobre o trabalho apresentado, na perspectiva de através de suas respectivas bagagens, contibuirem de maneira tão expressiva e técnica para o refinamento do trabalho. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Obrigada! 14ASASASAS1212114 “É vital o historiador lutar contra a mentira. O historiador não pode inventar nada, e sim revelar o passado que controla o presente às ocultas” (Erik Hobsbawm) 15ASASASAS1212114 SANTOS, E. P. Desafios do Ensino de História na Contemporaneidade: A Pedagogia Histórico- Crítica como Caminho de Valorização do Conhecimento Histórico. Orientador: Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho. 2024. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP, 2024. RESUMO O presente trabalho tem como premissa refletir sobre os desafios do ensino de história na conjuntura atual, marcada nos últimos anos pela onda de obscurantismo, presenteísmo, negacionismo e revisionismo, alimentada pelo bolsonarismo e propagada nas diversas mídias sociais no Brasil. Neste contexto é fundamental darmos especial atenção ao novo espaço de disputas pelo poder e a polarização política em nosso país, questões que são difundidas nos mais variados meios de comunicação e pautadas no fetiche da verdade absoluta, resgate de dogmas religiosos, negação da ciência e do conhecimento científico, e que estão presentes cada vez mais na sala de aula comprometendo o ensino de forma geral e o ensino de história especificamente. Diante do problema explicitado se faz necessário, ancorar o nosso estudo na Pedagogia Histórico-Crítica e problematizar a prática social, discutir as contradições e instrumentalizar procedimentos didáticos na educação escolar, através de objetivos factíveis que se desenvolvem em conhecimentos históricos fidedignos e metodologia adequada para que os alunos possam exercitarem–se na criticidade na objetividade e na totalidade, superando a onda ideológica Bolsonarista para compreenderem a realidade em suas múltiplas determinações. Palavras–chave: Ensino de História; Negacionismo científico na escola; Bolsonarismo na educação; Pedagogia histórico-crítica e ensino de história. 16ASASASAS1212114 SANTOS, E. P. Desafios do Ensino de História na Contemporaneidade: A Pedagogia Histórico- Crítica como Caminho de Valorização do Conhecimento Histórico. Orientador: Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho. 2024. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP, 2024. ABSTRACT The premise of this work is to reflect on the challenges of teaching history in the current situation, marked in recent years by the wave of obscurantism, presenteeism, denialism and revisionism, fueled by Bolsonarism and propagated on the various social media in Brazil. In this context, it is essential that we pay special attention to the new space of disputes for power and political polarization in our country, issues that are disseminated in the most varied media and based on the fetish of absolute truth, rescue of religious dogmas, denial of science and scientific knowledge, and which are increasingly present in the classroom, compromising teaching in general and the teaching of history specifically. In view of the problem explained, it is necessary to anchor our study in Historical-Critical Pedagogy and problematize social practice, discuss contradictions and implement didactic procedures in school education, through feasible objectives that are developed in reliable historical knowledge and appropriate methodology so that students can exercise criticality in objectivity and totality, overcoming the Bolsonaro ideological wave to understand reality in its multiple determinations. Keywords: Teaching History; Scientific denialism at school; Bolsonarism in education; Historical-critical pedagogy and history teaching 17ASASASAS1212114 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Gráfico de faixa etária dos professores que responderam o questionário........... 30 Figura 2 - Em suas aulas os alunos já apresentaram Fake News sobre fatos históricos?........ 31 Figura 3 - Temas mais recorrentes marcados pelo negacionismo na aula de História............ 31 Figura 4 - Retour, a la ville, dun propriétaire de chacra, 1835............................................... 32 Figura 5 – Gráfico representando a trajetória histórica do abandono.................................... 33 Figura 6 – Gráfico representando jovens e adultos que não sabem ler nem escrever............ 33 Figura 7 – Quadro1: Situações de Racismo estrutural vivenciadas no quadro escolar......... 34 Figura 8 - Deputado federal Jair Bolsonaro - apologia à ditadura........................................... 41 Figura 9 – Manifestação de caminhoneiros em 24/05/2018 no Brasil................................... 43 Figura 10 – Manifestações ocorridas em 28 de junho de 2020.............................................. 44 Figura 11 – 31 de outubro de 2022, manifestantes evocam intervenção militar após pleito eleitoral................................................................................................................................... 45 Figura 12 – Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro pedem intervenção militar e nova constituição criminalizando o comunismo, durante ato na frente do QG de Brasília em 28 de junho de 2020..................................................................................................................... 44 Figura 13 – Capítulos do Livro Didático retratando ditadura como “regime”....................... 47 Figura 14 – Slide veiculado pela SEED - PR aos professores da rede estadual....................... 49 Figura 15 – Slide veiculado pela SEED - PR aos professores da rede estadual..................... 50 Figura 16 – Congresso Nacional invadido em 08/01/2023 08 de janeiro............................... 52 Figura 17 – 08 de janeiro: a democracia ameaçada............................................................... 53 Figura 18 – 08 de janeiro: A democracia resiste.................................................................... 53 Figura19 – Dano ao patrimônio público físico e moral......................................................... 54 Figura 20 – Destruição provocada pelos ataques, com cadeiras fora do prédio do Planalto.. 54 Figura 21 – A Revolta da Vacina 1904.................................................................................... 56 Figura 22- Referência nacional na produção de soros e vacinas, o Instituto Butantan, em São Paulo, se prepara para intensificar a produção ............................................................... 57 Figura 23 - O Homem controlador do Universo, Diego Rivera............................................. 75 Figura 24 - Questionário da pesquisa aos professores de história.......................................... 97 18ASASASAS1212114 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico coletivo BNCC- Base Nacional Comum Curricular CAS – Comissão de assuntos sociais CNE – Conselho nacional de Educação COVID- Coronavírus DNA – Ácido Desoxirribonucleico ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio ERER – Educação para as Relações Étnicos Raciais EUA – ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia FUNDEB – Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica GEIPEETHC – Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria histórico-cultural HCFMRP – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa “Anísio Teixeira” LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MBL - Movimento Brasil Livre MEC – Ministério da Educação OMS – Organização Mundial de Saúde ONG- Organização não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OPEP – Organização Dos Países Exportadores De Petróleo PCNP – Professor Coordenador de Núcleo Pedagógico PHC – Pedagogia Histórico- crítico PL – Partido Liberal PNLDs – Programa Nacional do Livro e do Material Didático PSL- SP Partido Social Liberal PT- Partido dos Trabalhadores PUC – Pontifícia Universidade Católica RAV- Ambulatório de Reações a Vacinas SCIELO - Scientific Electronic Librar SUS – Sistema Único de Saúde THC – Teoria Histórico Cultural UFABC – Universidade Federal De Santo André São Bernardo E São Caetano UFPEL – Universidade Federal de Pelotas UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância 19ASASASAS1212114 UNRWA – Agência Das Nações Unidas De Assistência Aos Refugiados Da Palestina No Próximo Oriente USP – Universidade São Paulo SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 13 2. O FENÔMENO DO NEGACIONISMO NA CONTEMPORANEIDADE............. 19 3. O FENÔMENO DO NEGACIONISMO NOS FATOS HISTÓRICOS.................... 30 3.1. OS TEMAS MAIS RECORRENTES NO NEGACIONISMO NAS AULAS DE HISTÓRIA......................................................................................................................... 32 3.1.1. Negacionismo do racismo estrutural......................................................................... 32 3.1.2. Negacionismo da ditadura........................................................................................ 40 3.1.3. O negacionismo e a nova revolta da vacina............................................................... 56 4. O FENÔMENO DO NEGACIONISMO NO BRASIL E SUA RELAÇÃO COM O BOLSONARISMO...................................................................................................... 60 5. O FENÔMENO DO NEGACIONISMO NA ESCOLA: OS PROFESSORES DE HISTÓRIA DIANTE DA CRUZADA NEGACIONISTA............................................. 68 6. O ENSINO HISTÓRICO CRÍTICO NA SUPERAÇÃO DO NEGACIONISMO NA ESCOLA..................................................................................................................... 71 7. METODOLOGIA DE PESQUISA............................................................................. 79 8. CONCLUSÃO.............................................................................................................. 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 87 13 1. INTRODUÇÃO Diferentes razões serviram de motivação e estímulo para idealização deste trabalho de pesquisa em Educação e especificamente sobre o ensino de história. Na conjuntura atual, como educadora na rede Estadual Paulista no componente curricular de História, o desafio cotidiano consiste em desvelar as barreiras existentes no processo ensino aprendizagem com o intuito de promover intervenções que possam nortear o fazer pedagógico e desenvolver no educando uma consciência crítica pautada na Pedagogia histórico-crítica, a fim de alicerçar o ensino de História em uma prática de superação dos condicionantes sociais de alienação. Na vivência da sala de aula tenho observado que nos últimos tempos, sobretudo após a investida da ideologia bolsonarista em nosso país demarcada com a eleição de Jair Messias Bolsonaro para Presidente do Brasil de 2019 a 2022, fato superado com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na última eleição presidencial em 2022, mas que, no entanto, permanece em nossas vidas, ainda que de forma camuflada, pois polarização política mantém-se evidente e a direita radical comandada por Jair Bolsonaro atua livremente no Congresso Nacional e outras instâncias públicas e privadas de nosso país. Nossa preocupação com o ensino de história evidencia-se quando identificamos que os conhecimentos clássicos abordados no cotidiano escolar, têm sido marcados por uma corrosiva onda de obscurantismo, revisionismo Histórico e de negação de conhecimentos referendados cientificamente. Indubitavelmente o negacionismo alimentado pelo bolsonarismo encontra-se presente na sociedade contemporânea e na escola, prejudicando a compreensão realista dos fatos históricos. Essa lamentável situação nos instiga a refletir criticamente sobre os usos e abusos dos fatos históricos por grupos que buscam legitimar discursos e ideias que desqualificam os conhecimentos validados cientificamente. Temos identificado que tais grupos de ideologia bolsonarista costumam apresentar “novas versões sobre os acontecimentos históricos”, as quais não seguem os protocolos científicos de investigação e promovem distorções da realidade, mas são apresentados com o fetiche da verdade verdadeira, são amplamente difundidos através das mais variadas mídias e se tornam cada vez mais presentes na sala de aula. Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é discutir e esclarecer o fenômeno do negacionismo desde suas origens, desenvolvimento e sua presença na escola, enfatizando a importância da elucidação dos fatos históricos através de um ensino histórico-crítico e, nesse processo, contribuir para a sua superação do negacionismo no interior da escola e da sala de 14 aula, pois trata-se de um fenômeno que deixa marcas profundas e distorcidas na consciência dos alunos sobre a realidade histórica, social e cultural. Destarte muitas são as inquietações para aqueles que têm a desafiante missão de contribuir para a formação humana por meio da educação, neste sentido, para nortear o fazer pedagógico em sala de aula, se faz necessário pesquisar, refletir e analisar qual o papel do professor de história na formação da consciência crítica dos estudantes e elucidar como o professor tem atuado para superar ideias que apresentam claro viés político ideológico de dominação e alienação e, simultaneamente, compreender como o professor tem se instrumentalizado para propiciar situações de aprendizagens que promovam o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos na escola. Muitas são as questões que permeiam as reflexões diárias nos grupos de estudos de professores e nas Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo na escola. Sabemos que por meio do estudo desenvolvido não poderemos responder a todas as questões que se apresentam na escola e relacionadas ao ensino de história e que demandam um movimento de compreensão do trabalho docente na escola brasileira. No entanto, frente às indagações colocadas, enfatizamos a necessidade de pesquisarmos, analisarmos, encontrarmos e aplicarmos conhecimentos teóricos e metodológicos críticos, capazes de fomentar nos alunos a sua formação acadêmica ancorada na perspectiva de totalidade, historicidade e a realidade concreta, tendo como aporte teórico o Materialismo histórico-dialético e a Pedagogia Histórico-crítica. Deste modo, considerando que a história da humanidade, se constitui através do trabalho, e que este se centra nas relações sociais de produção material da realidade, entendemos o trabalho do professor na escola tal como afirma Saviani, (1994, p.24), pois “o trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Considerando essa compreensão do trabalho do professor, enfatizamos que o ensino, portanto, deve ser permeado pela história real e vivida pelos sujeitos ao longo do processo histórico, distante de especulações e negacionismos que distorcem a realidade para, ao invés de esclarecer, obscurecer o processo de construção da consciência humana na escola. A História é o estudo das ações humanas no passado e no presente, ou como defende o grande historiador Marc Bloch, a “ciência dos homens no tempo”. Fazer perguntas sobre a vida humana e buscar respostas para elas é o trabalho do historiador. Segundo Marc Bloch, a história tem por objeto o homem e por isso ela é a ciência que estuda os homens no tempo; (p.55) “uma ciência dos homens no tempo” (p.67); 15 Dado nosso objeto de preocupação ligado ao ensino de história, torna-se inevitável a questão: o que é a História? Podemos afirmar, para iniciarmos a conversa, que história é o resultado do que os homens produzem através de sua vida coletiva ou individual, baseados nos mais diversos interesses, tal como afirmam Marx e Engels (1967, p. 159), pois, A História não faz nada, não possui enorme riqueza, ela não participa de nenhuma luta. Quem faz tudo isso, quem participa das lutas é o homem como meio para realizar seus fins - como se tratasse de uma pessoa individual, pois a História não é senão a atividade do homem que persegue seus objetivos. (MARX, Karl e FRIEDRICH, Engels. A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo, 2003. p.111). Ao nos debruçarmos sobre as fontes, tentando ordenar o pensamento e as informações num conjunto compreensivo, inferimos que o historiador é levado a perscrutar sobre a natureza da História, História nos dois sentidos: História como processo vivido, História como conhecimento. O que requer uma tomada de consciência do historiador. Nessa perspectiva, E. H. Carr em seu livro What is History, consciente dos condicionamentos que influem numa tomada de posição, esclarece desde início: Quando tentamos responder a questão ‘O que é a História’ nossa resposta, consciente ou inconscientemente, reflete nossa posição no tempo e constitui uma parte da nossa resposta a uma questão mais ampla que se refere à visão que temos da sociedade dentro da qual vivemos. (p.37) A partir dessa convicção é premente discutir a noção de fato histórico, o problema dos limites da objetividade do conhecimento histórico, a importância da reflexão filosófica sobre a natureza da História, e a necessidade da formulação consciente por parte do historiador de uma teoria da História, cogita também do papel da ação individual no processo histórico, da noção de lei e causalidade na História, concluindo por uma verdadeira manifestação de credibilidade na teoria do progresso. Notoriamente, o conhecimento histórico se materializa no pensamento sistematizado, numa análise que olha e enxerga a totalidade do real no bojo da prática social. Situação que faz com que a História se concretize como ponto de partida e de chegada, no sentido da transformação da sociedade e dos indivíduos. A história passa a ser vista como campo de batalha, que propicia a visão de mundo no processo de construção humana fundamentada no conjunto de conceitos, valores, concepções e ações que se configuram como a prática social dos indivíduos no plano da vida em sociedade e que permeiam, inexoravelmente, concepções de mundo conflitantes, resultado de uma luta ideológica que se apresenta no seio da sociedade contraditória. Indubitavelmente, o homem é um ser interativo na história, portanto sua conscientização política e crítica são fundamentais para superar, transformar a realidade. O Homem é o elemento que movimenta a história e movimenta-se com a história, portanto história é uma construção social, um processo de construção coletivo que abarca muitas realidades 16 humanas e situações sociais diversas. Desse modo, se faz necessário compreendermos o movimento de construção histórica, enfatizando o movimento que começa na realidade empírica, identificando suas características e vicissitudes para, paulatina e processualmente, analisar cada fato histórico real, para pensarmos sobre eles, concatenando-os como fatos históricos em movimento que precisam ser compreendidos nas suas contradições, para que o pensamento sobre a realidade não se torne verdade absoluta e inquestionável, pois, a vida dos sujeitos que constroem a história que é por nós pesquisadores, sistematizada, é a vida real e deve ser compreendida na sua materialidade e possibilitar pensamentos que tenham objetividade social, evitando idealismos abstratos e ideologias negacionistas que obscurecem a história e a vida em sociedade. Para esse propósito, a metodologia empreendida em nosso trabalho de pesquisa teve como premissa a pesquisa-intervenção baseada em Viotto Filho (2005; 2010; 2018), Damiani (2012) dentre outros, os quais utilizam este termo para definir os seus trabalhos e pesquisas realizados desde o interior da escola. Esse termo intervenção tem sido historicamente utilizado na proposição de atividades in loco, nas quais os sujeitos da pesquisa têm participação ativa ao lado dos pesquisadores. Para Viotto Filho (2018) a pesquisa-intervenção deve ser construída entre pesquisador e sujeitos da pesquisa, a médio e longo prazo, pois evidencia a necessidade de ajuda mútua, reciprocidade, colaboração, integração e compromisso ético-político com o processo de transformação humana e social desde o interior da escola. Para o autor, uma pesquisa- intervenção avança para a formação crítica dos sujeitos, e assume-se como pesquisa intervenção-formativa (Viotto Filho, Nunes, Rinaldini, 2022), para que os sujeitos compreendam sua realidade nas suas múltiplas determinações e, ao lado dos pesquisadores, possam estudar trabalhar e agir coletivamente para a sua transformação. Neste trabalho de pesquisa nos apropriamos da Pedagogia Histórico-Crítica e do método materialista histórico-dialético, que ilumina as formas de pesquisa intervenção- formativa, pois contribui para a construção do pensamento dos sujeitos da pesquisa (pesquisador e sujeitos) numa perspectiva de totalidade enfatizando o pensamento conceitual crítico, que não se deixa levar pelas ideologias negacionistas presentes na sociedade e na escola em nosso país. Para obtermos uma melhor análise do fenômeno estudado tivemos um contato prolongado com o objeto de estudo, inicialmente nos dedicamos ao estudo da bibliografia existente, posteriormente vivenciamos a pesquisa de campo em uma escola onde foi possível a participação nos horários de trabalho coletivo (HTPC), momentos em que realizamos, leituras de textos, realizamos aplicação de questionário, tabulamos os dados e discutimos os temas mais 17 recorrentes e marcados pelo negacionismo, da mesma forma nas aulas do componente curricular de história. Destarte este trabalho está estruturado de modo a contemplar na primeira parte a definição do conceito de negacionismo na contemporaneidade evidenciando-se os marcos de construção semântica que na conjuntura atual apresenta-se como nova onda de manifestação da negação caracterizada pela corrosão de certos regimes de verdades, difundidos através dos mais variados produtos de comunicação, que se constituem como elementos fundamentais para a legitimação de elementos que negam e/ou distorcem a realidade histórica, pautados no fetiche da verdade verdadeira, distribuídos através de produtos midiáticos e que inelutavelmente chegam até a sala de aula. Na segunda parte, abordamos o fenômeno do negacionismo nos fatos históricos através do estudo e análise dos temas que com mais recorrência são marcados pelo negacionismo no adro escolar segundo pesquisa realizada com professores de história. Numa terceira etapa discute-se o fenômeno do negacionismo no Brasil e sua relação com o bolsonarismo ao qual, acintosamente, engendrou uma marcha conservadora em curso no país que tem como escopo o esvaziamento e desestruturação, afetando a educação escolar em todos os seus níveis. Diante do exposto se fez necessário abordar na quarta etapa o fenômeno do negacionismo na escola: os professores de história diante da cruzada negacionista que prima por desenvolver um processo de deslegitimação do conhecimento acadêmico e ver no professor de História um alvo potencial de seus ataques, uma vez que estes estão em constante processo de desautorização e descrédito. Tais atitudes visam impedir um ensino crítico e questionador e tem o firme propósito de colocar alunos e sociedade contra os professores e os conhecimentos validados cientificamente. Na quinta etapa apresentamos o ensino histórico crítico na superação do negacionismo na escola, visto que se faz necessário reiterar a escola como uma instância, como uma instituição emancipatória ao propiciar os conhecimentos historicamente acumulados, constituídos patrimônio cultural da humanidade, sabemos e defendemos o quanto a escola é lugar privilegiado para desenvolvimento e humanização dos sujeitos que dela participam especialmente os estudantes, mas também professores e gestores. Nesse sentido, o professor assume o papel crucial na formação de sujeitos conscientes e que atinjam alto grau de humanização, o qual, certamente, também precisa estar consciente das condições e possibilidades de realização do seu trabalho educativo. Na sexta etapa explicitamos a metodologia empreendida na coleta e análise dos dados. Para esse propósito, a metodologia de empreendida teve como premissa uma ação-intervenção crítico dialética, que 18 se constitui como uma abordagem qualitativa participativa que enfatiza o delineamento teórico e metodológico da Pedagogia Histórico-Crítica, no sentido de tornar o estudo em sala de aula o mais fidedigno possível, de compreensão histórica da realidade e, portanto, produto de relações sociais e de trabalho humano efetivado ao longo do processo histórico. Na sétima etapa apresentamos as conclusões obtidas por meio da coleta e tratamentos dos dados, bem como as fundamentações e interpretações teóricas da pesquisa. 19 2. O FENÔMENO DO NEGACIONISMO NA CONTEMPORANEIDADE Não obstante, na conjuntura atual, o ensino de história se constitui um desafio frente ao obscurantismo, ao presenteísmo e o negacionismo, propagados nas diversas mídias sociais como conhecimentos derivados de pesquisas históricas realizadas por especialista seguindo protocolos científicos, ou a “descoberta” de novidades sobre o passado, em grande medida, se configuram numa exumação dos fatos históricos conforme postula Meneses (2019). Para o autor, nesse processo obscuro negacionista, ocorre à releitura de antigos arquétipos que sustentam a manutenção de processos excludentes, preconceituosos e que formulam conclusões que utilizam de forma desonesta as informações extraídas de teses ou mesmo fontes históricas, selecionadas, recortadas e recoladas para referendar argumentos que tem por escopo, deslegitimar sujeitos, enunciados e conhecimentos validados e acumulados historicamente pela humanidade (MENESES, 2019). O conceito de negacionismo possui marco de significação e construção semântica, tendo sua matriz referencial o que se processou em 1987 na França no tocante à negação do holocausto durante a segunda guerra mundial, conforme indica Elisabeth Roudinesco: Henry Rousso forjou esse termo em 1987 para substituir o inadequado termo “revisionismo”. Cf. Le syndrome de Vichy, Paris, Seuil, 1987. O negacionismo não é uma revisão da história, como dizem seus adeptos, mas um discurso patológico que consiste em negar a existência do genocídio dos judeus e, mais precisamente, a das câmaras de gás. Observemos, aliás, que os Negacionistas não se interessam pelo extermínio dos doentes mentais, dos ciganos, das testemunhas de Jeová, o que mostra claramente que seu negacionismo é, principalmente, um antissemitismo. (ROUDINESCO, 2010: 173) Entretanto convém salientar que no século XV, a Igreja Católica era a grande negacionista da ciência. Condenou à morte o filósofo Giordano Bruno, condenou à reclusão o filósofo e físico Galileu Galilei e perseguiu cientistas, como Nicolau Copérnico. Na contemporaneidade o negacionismo obscurantista se apresenta como nova onda de manifestação da negação caracterizada pela corrosão de certos regimes de verdades, difundidos através dos mais variados produtos de comunicação, que se constituem como elementos fundamentais para a legitimação de elementos que negam e/ou distorcem a realidade histórica, pautados no fetiche da verdade verdadeira, distribuídos através de produtos midiáticos e que, lamentavelmente, chegam às salas de aula na escola. Frente ao explicitado, o negacionismo histórico diz respeito a uma Negação da cena pública, inerente às dimensões política, científica, ética e comportamental. Vislumbradas por grupos receptivos aos argumentos que buscam deslegitimar discursos históricos, evidenciando uma incisiva política de negação da realidade subjetiva e objetiva, numa tentativa de 20 reordenamento das narrativas do passado por meio de concepções dissimuladas que reverberam estratégias discursivas quase milenaristas e que estimulam uma cruzada assentada em polarizações impetradas como verdades e mentiras, partidos e sem partidos, o bem contra o mal, centralizando a discussão em apenas dois polos e negando a dialeticidade do real. Apresentam- se como uma história que se anuncia como uma escolha entre contrários, numa dicotomia sectária que aniquila a complexidade do pensamento e a diversidade de ideias. (MENESES, 2019, p. 84). De acordo com Meneses (2019), essa apropriação ordinária do passado não se faz sem o abuso da história, cuja competência é alcançada muitas vezes pela manipulação de informações e omissões deliberadas no tratamento de fontes sobre o passado. Uma bricolagem mal-intencionada da competência historiadora ao mesmo tempo em que se serve dessa, para construir as informações que divulga, como um valor de verdade para quem assiste, lê e escuta essa vasta produção, a qual se propõe a contar a verdade sobre algum acontecimento ou sobre algum fato científico, elemento que se tornou um dos principais investimentos comerciais desde o final do século XX e nesse primeiro quarto do século XXI. São situações presente em cenas de notícias enveredadas de um pressuposto de verdade monolítica, com certa áurea iluminista acionada de forma abusiva nas diversas esferas sociais e que causam, notoriamente, distorções precisas da realidade. Embora na elaboração de seus programas editoriais os grandes veículos de comunicação assumam a problemática de uma verdade única, ou de uma associação ingênua da notícia do dado verdadeiro, na prática cotidiana, vender uma notícia sempre significa vender a verdade, sobretudo quando os grandes enunciadores de verdade controlam boa parte da produção da informação distribuída à maioria da população em nosso país. A popularização da internet nas últimas décadas do século XX e no primeiro quarto do século XXI tem sustentado a sensação de que finalmente o real pode ser capturado, o que trouxe um grande problema para a história, a obsessão pela possibilidade de historicização completa do real capturado em todas as suas minúcias oferecidas por esses vários veículos de comunicação que asseveram a assombrosa produção que tem como objeto o passado. Conforme sinaliza Martins (2013) nessa busca da verdade verdadeira, transita como princípio norteador, que a verdade não apenas existe como é algo alcançável e, nestes termos, pode ser distorcida se a população for envolvida pelo manto do negacionismo e suas consequências obscuras. Em consonância com as proposituras de Meneses (2019), no âmago desses debates está uma disputa sobre a verdade ou sua negação, argumento que tem sido usado para desqualificar a incontestabilidade de determinados eventos. Não são questionamentos apenas 21 sobre as narrativas que os formulam, mas sobre as próprias ocorrências em sua condição de acontecência, como nos diria Ricoeur (2007). Assim, podemos também pensar em usos e abusos da própria ideia de verdade propagada nessas formulações, aspectos que se relacionam por sua vez às ideias de abuso da história na negação dos acontecimentos históricos em sua difusão através das mais variadas mídias. Na conjuntura atual é premente darmos especial atenção ao novo espaço dessas disputas, ou seja, o universo virtual. Este tem sido um ambiente eficiente de um novo movimento de negação histórica, fenômeno muito mais complexo e difuso do que assistimos em outras ondas negacionistas, cuja produção esteve inscrita em sujeitos de discursos muito bem delimitados. Essa nova disputa entre verdadeiro e falso na ação da cena pública ganham profundos enredamentos políticos e se no primeiro momento a negação não surge como um processo sistematizado tem sido evidente a disputa sobre o dizer verdadeiro. O desafio frente ao negacionismo consiste no alcance da dimensão ética e moral. Tomemos como referência acontecimentos históricos marcados pelo estado de exceção que são recortados e utilizados para referendar ideias e teses, mas que na realidade se constituem bricolagens que pouco ou nada esclarecem o fato delimitado pela história. Na obra o que O que resta de Auschwitz, de Giorgio Agamben (2008), Um importante testemunho reproduzido parcialmente por Primo Levi e Agamben, foi o do médico húngaro, Miklos Nyiszli, protegido de Josef Mengele, que presenciou uma famosa partida de futebol entre os guardas da SS e os membros do Sonderkommandos, jogo este que teria enchido o ambiente do campo de concentração com risadas sonoras e torcidas acaloradas: [...] “à partida assistem outros soldados da SS e o resto do esquadrão, torcendo, aplaudindo, apostando, encorajando os jogadores” (LEVI, 1990, p. 29). Esse relato é veementemente utilizado para difundir a ideia também explorada no documentário exibido no interior do filme O menino do pijama listrado (2008), defendendo que os campos de concentração não se constituíam plenamente como espaço de horrores. Uma micro visão da história, um recorte que não avalia a conjectura da produção histórica ao não propiciar uma análise profunda do papel do testemunho como documento histórico e de seus limites enquanto relato pessoal, considerando as dimensões da produção e destacando o fato de que o testemunho está imbuído de limitações, haja visto que estava inserido em um contexto de perda dos referenciais básicos e ausência total de normas, onde o esforço pela identificação de algo parecido com uma lógica de funcionamento não só se mostrava vão, como também poderia significar a não sobrevivência. 22 Nesta seara, reavaliemos o que permanece de absurdo e o que permanece da capacidade de aceitação do extermínio, capacidade de aceitação da violência. É nesse sentido que o novo negacionismo e seus novos pressupostos se constituem como uma erosão, onde se fundem as fronteiras entre o humano e o inumano, a vida e a morte, colocando à prova a reflexão de nosso tempo, que mostra sua insuficiência por deixar aparecer, entre suas ruínas, o perfil incerto de uma “nova ética”, usurpando a preeminência dos saberes históricos, invariavelmente friccionado e marcado por disputas de narrativas que de forma explícita, promovem um revisionismo histórico, negando a verdade sobre o passado. Do mesmo modo não é legitimo revisitar os fatos históricos com a premissa de utilizá- los para referendar extermínios ou expurgo, de outros grupos como na conjuntura atual com amalgama de legitima defesa, a exemplo o ocorrido no Oriente Médio. Neste cenário dois pontos de destaque são as armadilhas de linguagem e narrativa da mídia ocidental, que tem como axioma desviar a percepção real do que acontece com aqueles povos, há tantas décadas, resumindo a um conflito palestino-israelense em que a parte integrante da ideologia sionista insisti em defender a ideia de que quem questiona, mesmo moderadamente, a violência do Estado de Israel é antissemita. É a outra face da moeda que diz que os palestinos que enfrentam a violência recorrendo à luta armada são “terroristas”. Assim, se desenha um cenário de disputa entre antissemitas, terroristas e aliados incondicionais para justificar o massacre contra o povo palestino Segundo Giorgio Romano Schutte, Professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB), o Estado de Israel se tornou o maior aliado dos EUA em apoio militar e político. Era, e continua sendo, um pilar fundamental para exercer a hegemonia estadunidense em uma região que concentra mais da metade das reservas mundiais de petróleo. Ao mesmo tempo, o lobby sionista nos EUA se tornou mais poderoso, com enorme capacidade de influenciar a política, a mídia e a academia no país. Para Schute, a dupla Trump e Netanyahu, com Bolsonaro dando sua contribuição, partiu para uma nova fase: apagar o conflito. Negar o status de refugiados, questionar a legitimidade da UNRWA e tirar o assunto da pauta. Uma política de apagamento. Para isso, precisavam do apoio das lideranças árabes. Diante desta perspectiva, Trump foi para a ofensiva para convencê-los a reconhecer o Estado de Israel e fazer acordos de cooperação. Estes ganharam o nome de “Acordos de Abrahão”. No caso do Marrocos, por exemplo, este ganhou em troca o reconhecimento por parte dos EUA do seu direito soberano sobre o Sahara Ocidental. Nesses Acordos de Abrahão não estava nenhum compromisso por parte de Israel com os 23 palestinos. Até que foi servido o filé mignon: o reconhecimento do Estado de Israel pela Arábia Saudita, país sede de Meca e centro da religião islâmica, em particular do sunismo, a vertente do Islam majoritária entre os palestinos. Fazia muito tempo que esta monarquia conservadora apoiava na prática os interesses dos EUA e Israel na região, mas, da boca para fora, se mantinha solidária com o povo palestino. Se faz necessário colocar a origem do conflito num trilho e recontar essa narrativa repetida no Ocidente. Porque o projeto colonial europeu visa toda aquela região, a nação árabe na sua totalidade O que aconteceu no mês de outubro de 2023, 50 anos após a invasão do Sinai pelas forças de Egito na Guerra de Outubro de 1973, foi uma reação a esse processo de anexação de fato da Cisjordânia e ao apagamento da questão palestina de vez da agenda política internacional. O terror contra o povo palestino não começou em 7 de outubro, mas ganhou novamente visibilidade perante a opinião pública. E por mais que os líderes árabes tenham tentado durante anos se distanciar do problema, suas populações reagiram em massa obrigando- os a se posicionarem novamente, pelo menos no discurso. Diante desta conjuntura, o secretário de Estado americano, prometeu no dia 12 de outubro de 2023, que os Estados Unidos “sempre” vão apoiar Israel e sublinhou que o movimento radical Hamas não representa as “aspirações legítimas” dos palestinianos. "Vocês podem ser fortes o suficiente para se defenderem sozinhos, mas enquanto os Estados Unidos existirem, vocês nunca precisarão fazê-lo sozinhos, estaremos sempre convosco", afirmou Antony Blinken numa conferência de imprensa em Telavive, ao lado do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em Adis Abeba, na Etiópia, para a reunião da cúpula da União Africana. Durante o encontro, o presidente instou os países ricos a fornecerem mais ajuda a Gaza, expressando preocupação com a crise humanitária na região. Em suas declarações, Lula afirmou que o Brasil condena o Hamas, mas não pode deixar de condenar as ações de Israel em Gaza, classificando o que ocorre como "genocídio". No dia 06 de outubro de 2024, para marcar um ano do início da guerra em Gaza, Milhares de manifestantes marcharam em Ancara. A multidão acenou com bandeiras turcas e palestinas e cantou, segurando cartazes que diziam: “Israel é (o) verdadeiro terrorista.” Em Berlim, os apoiadores de Israel protestaram contra o crescente antissemitismo e houve brigas entre a polícia e os manifestantes pró-Palestina. Ao longo do ano passado, a escala de assassinatos e destruição em Gaza atraiu alguns dos maiores protestos globais em anos, em 24 uma onda de raiva que os defensores de Israel dizem ter criado um clima antissemita no qual manifestantes questionam o direito de Israel existir como nação. Convém lembrar que a causa imediata foi uma operação violenta sem precedentes perpetrada pela ala militante do Hamas, o partido político que governa Gaza desde a última eleição em 2006 e que tem apoio da população palestina. Esse ataque, chamado de “Operação Tempestade al-Aqsa”, surgiu no contexto de uma série de ações agressivamente provocativas por parte do governo israelense nos últimos meses que antecederam o ataque — geralmente omitidas de cobertura jornalística — além de 75 anos de ocupação, e 16 anos de embargo apertado da Gaza. O ataque subsequente de Israel a Gaza matou quase 42 mil palestinos, segundo o ministério da saúde de Gaza, e deslocou quase toda a população do enclave de 2,3 milhões. Segundo a ONU, antes da Operação Tempestade al-Aqsa, as forças israelenses mataram mais de 6.300 palestinos desde 2008, mais da metade deles civis, e feriram outros 150.000. Os palestinos mataram 308 israelenses – 131 dos quais eram civis – e feriram mais 6.307.Destarte os olhos do mundo, depois de ignorar os ataques diários contra os palestinos, estão agora voltados para a tragédia em curso na Palestina e Israel. E, como é de se esperar, muitas das mesmas distorções, mentiras e meias-verdades de sempre estão sendo repetidas nos meios de comunicação corporativos e nas redes sociais para legitimar a violência israelense e atacar a resistência palestina à colonização. Fato é que vivemos uma revolução da divulgação do conhecimento e, nesse processo, as transformações não são sempre progressistas, pelo contrário, longe de constatarmos apropriações que subvertem uma dada ordem, nos deparamos com aquela que serve para criar outras formas de controle e perpetuação de poderes, consumo reacionário que, no caso da história, pode também ser qualificado como uma violência que altera o eixo intelectual e a fidedignidade dos fatos históricos. Diante de tal perspectiva multifacetada que o tema ganhou nos últimos anos, é que se pretende analisar a repercussão da narrativa negacionista no campo historiográfico, levantando- se a hipótese que a necessidade de se contrapor a tal discurso levou a um embate epistemológico que auxiliou, mesmo de forma involuntária, o amadurecimento de alguns aspectos do ensino da disciplina história e de suas posturas teóricas e práticas. Essa situação que tem se apresentado na história de forma geral e no ensino da disciplina história na escola, também nos leva a averiguar como a narrativa negacionista ganhou legitimidade no tempo presente, influenciando discursos políticos e ideológicos, sobretudo nos últimos dez anos e, no Brasil, configurados em realidade com a eleição de Jair Messias 25 Bolsonaro para Presidência do Brasil entre 2019 a 2022. Toda essa situação tem sido abarcada pela ascensão da chamada “Nova Direita” e pelos avanços propagandísticos proporcionados pelas mídias sociais e seu inovador instrumento de ilusão e negacionismo as Fake News amplamente divulgadas na internet e redes sociais. Fica claro, desta forma, que nas inúmeras variações da narrativa negacionista em cada área do conhecimento há o comprometimento com tendências políticas e ideológicas específicas e não com a ciência e com a “verdade histórica”, como facilmente identificamos nas redes sociais repletas de vídeos montados que distorcem os fatos e, desta forma, confundem o pensar, o sentir e o agir das pessoas, sobretudo daquelas que não construíram uma consciência crítica sobre o fenômeno do negacionismo. para o bem da democracia, da ética e dos direitos humanos, não se pode correr o risco da História e dos demais ramos do conhecimento se tornarem instrumento de grupos intolerantes e discriminatórios. Em seu conhecido livro A Era dos extremos, Eric Hobsbawm chamou atenção para a velocidade com a qual o mundo presenciou, ao longo do século 20, as experiências mais radicais de ódio na política, materializadas em crimes de massa perpetrados por Estados autoritários que negavam a humanidade de certos grupos sociais. Segundo Hobsbawm (1998), quanto ao futuro previsível, é preciso defender Marx e o marxismo dentro e fora da história e contra aqueles que os atacam no terreno político e ideológico. Ao fazer isso, também defenderão a história e a capacidade do homem de compreender como o mundo veio a ser o que é hoje e como a humanidade pode avançar para um futuro melhor. Em momentos de incertezas e revisitações do passado, pode-se afirmar que “o espaço global e o tempo virtual nos têm levado à direção oposta à de sujeitos, nos relegando ao papel de consumidores e de espectadores da história” (CYTRYNOWICZ, 2000, p. 197). Para voltar a ser sujeito dessa história e romper com tal passividade, o trabalho consciente com memória e história, pelo profissional da área, é fundamental. Parece ser óbvio, mas é bom sempre lembrar que tal prática ocorre somente por meio do ofício do historiador, muito bem definido desta forma por Marc Bloch: “Historiador é aquele que busca nos documentos, algo além de explicações explícitas, ou seja, buscam extorquir os esclarecimentos que eles não pretendiam fornecer” (BLOCH, 2001, p. 81). As evidências para este posicionamento são encontradas, inicialmente nas obras do próprio Marx, por exemplo: Cabe à investigação apropriar-se da matéria em todos os seus pormenores, analisar as diversas formas do seu desenvolvimento e descobrir a sua relação íntima. É somente depois de concluída esta tarefa que o movimento real pode ser exposto no seu conjunto. Se eu conseguir chegar a esse ponto, de tal modo que a vida da matéria se reflitcta na sua reprodução ideal, isso pode levar a acreditar numa construção a priori 26 [...] o movimento do pensamento é apenas o reflexo do movimento real, transposto e traduzido no cérebro do homem (MARX, [1867], 1974, p. 9-10). Assim, a busca da melhor verdade ocorreria desvendando as aparências dos fenômenos no mundo, encontrando as verdadeiras intencionalidades que os motivam a ter uma visão que desnuda a alienação inicial. Esse processo investigativo se daria por mediações, com o uso conceitual de categorias mais genéricas, as quais podem ser apontadas por suas conexões e por suas contradições com a totalidade do fenômeno estudado. O pensamento de Marx parte do observável para dele, arrancar o movimento do real, ressignificando a concretude. Não se trata aqui de um materialismo mecanicista onde o material ou o “econômico” determinam as ideias e a realidade. As ideias exercem esse papel de domínio sobre a representação dos homens de si e sobre o mundo, mas são em sua relação concreta com a natureza e com outros seres humanos, que os seres humanos se fazem seres sociais. Marx atribui à filosofia um papel ativo, de transformação da realidade, como fica claro na famosa tese onze contra Feuerbach: “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. [...] A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes. [...] opressores e oprimidos, em constate oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito [...]” (MARX & ENGELS, 2016, p.40). Para Marx é preciso, portanto, se deter “não apenas na produção histórica em geral, mas na produção histórica determinada”, pois o “ser humano só se individualiza pelo processo histórico” (MARX, 2012, pp. 57, 407). Dedicando-se a essa análise, segundo Hobsbawm, as “diversas formas dessa individualização gradual do homem, que significa a ruptura da unidade original, correspondem aos diversos estágios da história” (HOBSBAWM, 2006, p. 38). Estágios estes em relação causal e não teleológica. Notoriamente com esse procedimento Hobsbawm converte a história não somente em conhecimento científico cerrado e autossuficiente que “se cultiva a si mesmo”, mas ao contrário, ele arranca a própria práxis intelectual de sua “fossilização cientificista para voltar a convertê- la [também, acrescento] numa ‘técnica’: num instrumento para a tarefa da mudança social”. O historiador britânico elabora uma visão de história que enxerga cada momento do passado não apenas como “a semente de um futuro pré-determinado e inescapável”, mas sim a semente “de toda uma diversidade de futuros possíveis, um dos quais pode acabar convertendo-se em dominante”, sem que isso signifique, entretanto, “que é o melhor nem por outra parte, que os outros estejam totalmente descartados” (FONTANA, 1998, pp. 265, 275). O tempo não linear abre espaço para o vínculo messiânico e tal vínculo para o engajamento. Mas não um engajamento vazio e panfletário, mas enquanto mecanismo para 27 “gerar novas ideias, perguntas e desafios a partir de fora” da prática científica, sendo que sem ele, o desenvolvimento das ciências sociais “estaria em risco” (HOBSBAWM, 2010, p. 154). Uma vez atingido esse ponto, faz-se necessário percorrer o caminho inverso, o que constitui o segundo momento do método, aonde se chega de novo do objeto agora entendido não mais como a representação caótica de um todo, mas como uma síntese, uma rica totalidade de determinações e numerosas relações. Portanto o processo de produção do conhecimento vai do particular ao geral, e do geral ao particular, sendo, ao mesmo tempo, dedutivo e indutivo analítico e sintético abstrato e concreto, lógico e histórico. No campo de batalha é salutar combater as distorções da realidade subjetiva e objetiva, explicitadas na circulação de fontes, que procurando contemplar certo circuito da informação, histórica e midiática, são produzidos a partir de uma matriz geradora cujo percurso de construção, apropriação e divulgação se pauta para justificar alguns argumentos em favor de mitos, símbolos e a estética que indicam vetores e processos de determinações políticas e ideológicas. Para Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky, Hoje se sabe que estudar história, interpretá-la e ensiná-la não é tão fácil como parecia, um mero instrumento de propaganda ideológica ou revolução. Porém, no lugar da utopia abandonada parece ter ficado um vazio. (PINSKY; PINSKY, apud KARNAL, 2003, p. 18). Nesse sentido, compreender as apropriações do passado como fenômeno contemporâneo ligado às mídias contemporâneas nos leva a considerar que esses espaços, transformaram significativamente as maneiras de tratamento da história e seus usos políticos. Neste caso, a narrativa histórica também foi atingida frontalmente pelos problemas próprios desse tempo em que somos confrontados pela emergência de ideias de pós-verdade e pelas quebras com qualquer referente epistemológico e social para a produção seja de informação ou conhecimento. Sendo assim, é inevitável reconhecer que o fator subjetivo intervém na produção do conhecimento histórico, mas a autorreflexão metodológica do historiador pode efetivar o progresso da objetividade na história. O historiador pode assim, “formular-se o postulado realista de uma investigação da objetividade do conhecimento, no sentido de um processo visando a superar as influências limitativas, coercivas e deformantes do fator subjetivo” (SCHAFF, 1995, p. 293). Essa superação depende, conforme discorreu o autor, de um processo de tomada de consciência do pesquisador. Portanto, em relação à questão da verdade relativa objetiva da história, é preciso termos em mente que os historiadores são construtores da história, porque 28 não partem dos fatos prontos para a análise como muitos interpretaram, mas dos materiais históricos, tendo como princípio as contradições, nexos e guias de suas investigações históricas. Hobsbawm, em seu livro Sobre a História, se expressa sobre as fronteiras da relativização o ao dizer que: Em resumo, acredito que sem a distinção entre o que é e o que não é assim, não pode haver história. Roma derrotou e destruiu Cartago nas Guerras Púnicas, e não o contrário. O modo como montamos e interpretamos nossa amostra escolhida de dados verificáveis (que pode incluir não só o que aconteceu, mas o que as pessoas pensaram a respeito) é outra questão. (HOBSBAWM, 1998, p.6). A contradição entre ideias opostas seria a base do movimento da realidade, compondo o esquema onde uma tese é confrontada por uma antítese, e nesse conflito, ambas se transformariam, em direção a uma síntese, algo totalmente novo, mas que conserva em si as marcas dos seus antecessores. Segundo Hobsbawm há essa variável entre o fato ocorrido e a interpretação acerca dele. Ao se apropriar de maneira abusiva da interpretação se incorre em negacionismo. O caminho a ser escolhido é explorar a verdade factual a que se aproxima da totalidade dos fatos históricos. O revisionismo fajuto da História ganha, reiteradamente, mais espaço e força. Esse revisionismo da História responde a projetos de poder os quais, também, buscam, nos espaços de educação, legitimar, suas narrativas como verdadeiras ou elucidativas. A guerra de informações em uma assentada disputa entre a verdade verdadeira. Na realidade, há em torno da história, segundo Chauí (2006), uma poderosa possibilidade de utilização ideológica para compreensão de qualquer objeto pesquisado. Trata-se de uma manipulação da História com o intuito deliberado de legitimar projetos políticos autoritários, que persegue a ciência e seus métodos colocando-a em xeque enquanto paradigma de explicação da realidade. Duarte (1993, p.46-47) considera que compete ao educador, dentro da prática didático- pedagógica, a “condução do processo de apropriação, pelos alunos, do conhecimento produzido histórica e socialmente”. Pois o processo de formação do indivíduo não se limita à prática educativa na escola, no entanto, se essa prática for planejada consciente e intencionalmente, ela oferecerá condições únicas para que os sujeitos possam, a partir das apropriações das experiências e conhecimentos acumulados pelo gênero humano, avançar às esferas mais elevadas do desenvolvimento da humanidade. Na busca da transmissão-apropriação do conhecimento, reconhecer a unidade dialética entre teoria e prática é imprescindível para refletimos sobre a transformação que ocorre nos indivíduos no processo ensino-aprendizagem; seja naquele sujeito que se vai humanizando por meio da educação, da apropriação dos conteúdos curriculares, dos conhecimentos científicos; 29 seja naquele que sistematiza o ensino de forma a instrumentalizar os alunos para, por meio de mediações teóricas, conhecer a realidade para além da pseudoconcreticidade, como afirma Kosik (1976). O professor Dermeval Saviani (2003), ao elaborar a Pedagogia Histórico-Crítica, deixa muito claro que a função da educação é a transmissão e apropriação dos conhecimentos produzidos pelos homens no processo histórico. Nesta socialização, quais seriam os fundamentos filosóficos, epistemológicos e psicológicos que guiam os profissionais que atuam no espaço educativo? Essa é uma questão premente de ser discutida, pois, para “[...] qualquer ciência chega, mais cedo ou mais tarde, o momento em que deve ter consciência de si mesma como um conjunto, compreender seus métodos e trasladar a atenção dos atos e fenômenos aos conceitos que utiliza” (VIGOTSKI, 1996, p. 229). Parece-me que o evento foi por este caminho e os autores se debruçaram sobre esse ponto nevrálgico, que merece toda nossa atenção. Vygotsky afirma (1995, p. 105) que o método de análise científica da realidade desvelará as complexas relações nela existentes, pois ao avançar à mera descrição subjetiva e abstrata dos fenômenos, possibilitará a realização de uma análise objetiva e concreta que revelará os multideterminados do fenômeno investigado. Nesse sentido, então, a busca da verdade objetiva, dos conhecimentos históricos objetivos deve ser o objetivo principal do pesquisador em história, para que possa construir conhecimentos com objetividade social e que permitam compreender a realidade nas suas múltiplas determinações. 30 3. O FENÔMENO DO NEGACIONISMO NOS FATOS HISTÓRICOS Na perspectiva de empreender os procedimentos necessários para executar o estudo e dialogar com a realidade escolar, na investida de conhecer os fenômenos constituintes do negacionismo neste cenário, buscamos nessa fase exploratória, uma aproximação intensa e profícua, haja vista a complexidade e dinamicidade dialética no desenvolver do percurso metodológico. Com o escopo de encontrar os elementos investigativos diretamente com os sujeitos da investigação, através de um contato prolongado, na pesquisa de campo foi possível verificar que nas aulas do componente curricular de história, em uma escola localizada no interior do estado de São Paulo, sucedeu de maneira recorrente, argumentações dos discentes expressando a contestação frente aos fatos históricos apresentados, o que nos causou inquietações e indagações, diante do exposto elaboramos um questionário para ser aplicado aos professores do componente curricular de história pertencente ao quadro docente da Diretoria Regional de Ensino. O questionário (em anexo figura 22) foi enviado no grupo de Whatsapp dos professores da diretoria de Ensino e obteve respostas de 69 professores. O questionário contou com a seguinte pergunta: Faixa etária? Nível de escolarização? Em sua aula os alunos já apresentaram fake News sobre fatos históricos? Em sua opinião quais conteúdos do componente curricular de História são marcados pelo negacionismo com mais recorrência? Responderam ao questionário 69 professores de história. FIGURA 1: Gráfico de faixa etária dos professore que responderam o questionário FONTE: Gráfico elaborado pela autora. 31 Dos 69 professores que responderam ao questionário, 63 já presenciaram em suas respectivas aulas fake News sobre fatos históricos. FIGURA 2: Em suas aulas os alunos já apresentaram Fake News sobre fatos históricos? FONTE: Gráfico elaborado pela autora. FIGURA 3: Temas mais recorrentes marcados pelo negacionismo na aula de História FONTE: Gráfico elaborado pela autora. Dos professores que responderam ao questionário, 40% apontam o racismo estrutural como sendo o tema mais recorrente no negacionismo, 39% apontam a ditadura militar no Brasil e 21% apontam a nova revolta da vacina. Com efeito, a partir da coleta, levantamento e por fim tratamento das informações obtidas e com o axioma de identificar os temas do componente curricular de história, mais marcados e recorrentes no negacionismo, neste capítulo, incluímos as análises e discussões acerca dos temas apresentados através da percepção dos sujeitos respondentes do questionário no Google Forms. 32 3.1. OS TEMAS MAIS RECORRENTES NO NEGACIONISMO NAS AULAS DE HISTÓRIA 3.1.1. Negacionismo do racismo estrutural FIGURA 4 : Retour, a la ville, dun propriétaire de chacra, 1835. FONTE: Debret, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, 2008. Destarte muitas são as inquietações para aqueles que têm a desafiante missão de contribuir para a formação humana por meio da educação, neste sentido, para nortear o fazer pedagógico em sala de aula, se faz necessário pesquisar, refletir e analisar qual o papel do professor de história na formação da consciência crítica dos estudantes e elucidar como o professor tem atuado para superar ideias que apresentam claro viés político ideológico de dominação e alienação e, simultaneamente, compreender como o professor tem se instrumentalizado para propiciar situações de aprendizagens que promovam o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos na escola. De acordo com os dados trazidos pelo Relatório Reprovação, Distorção Idade-série e abandono escolar, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), metade dos mais de 910 mil estudantes que deixaram as escolas municipais e estaduais de todo o país em 2018 eram pretos e pardos (453 mil). Além disso, as populações preta, parda e indígena têm entre 9% e 13% de estudantes reprovados, enquanto entre brancos esse percentual é de 6,5%. Em 2018 o estudo “Desigualdades Sociais por Raça ou Cor no Brasil" Abre em uma nova guia, do IBGE, demonstrava uma queda no abandono escolar entre estudantes brancos e uma ligeira alta entre os negros. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf 33 FIGURA 5: Gráfico representando a trajetória histórica do abandono FONTE: Censo Escolar - Microdados da situação de final de ano letivo, (INEP) De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua ( PNAD Educação 2019Abre em uma nova guia), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos caiu em 2022 para o menor nível (7,4%) histórico desde 2016, mas ainda é mais do que o dobro da registrada entre brancos (3,4%). De 2019 para 2022, a taxa de analfabetismo entre as pessoas pretas ou pardas de 15 anos ou mais recuou de 8,2% para 7,4% no país. Foi a primeira vez que o indicador ficou abaixo de 8%. FIGURA 6: Gráfico representando jovens e adultos que não sabem ler nem escrever FONTE: PNAD 2022 - IBGE - não houve este levantamento em 2020 e 2021 por causa da pandemia Segundo a pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), contratada pelo Projeto SETA e pelo Instituto de Referência Negra Peregum, coloca o ambiente escolar no topo da lista de locais em que os brasileiros mais afirmam ter sofrido a violência https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informativo.pdf https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101736_informativo.pdf 34 racial. A cada 10 pessoas que relatam ter sofrido o racismo no Brasil, 3,8 foram vítimas da violência em escolas, faculdades ou universidades. De acordo com o levantamento, nos espaços da educação básica, as pessoas pretas foram as que mais vivenciaram violência física (29%). A violência em espaços escolares talvez seja a parte mais dramática das violências a que nossas crianças e jovens estão expostos, de acordo com a pesquisa Percepções Sobre o Racismo, que foi concluída em julho de 2023. A identificação do racismo estrutural na escola, assim como em outras instâncias, é algo que por vezes se torna difícil porque, sendo estrutural, o racismo muitas vezes se manifesta nas sutilezas. É mais óbvio quando se trata de uma discriminação, uma injúria racial, em que um sujeito comete um ato contra o outro. Mas como estamos falando de racismo estrutural, isso significa que não está no sujeito, mas nas estruturas, ou seja, naquilo que dá base às relações. No adro escolar se manifesta em falas reproduzidas, piadas, gestos ou qualquer manifestação preconceituosa. FIGURA 7: Quadro 1 – Situações de racismo estrutural vivenciadas no quadro escolar: Racismo estrutural na escola Situações e Falas representativas Os alunos de uma sala do Ensino Fundamental Anos Finais, não integravam uma aluna por ser negra, para que a mesma participasse das brincadeiras na hora do intervalo ou fizesse trabalhos em grupo na sala de aula, a mesma precisava dar lanches, doces e objetos de pequeno vulto para as outras crianças Aluna negra tinha que dar abjetos para ser aceita pelos outros alunos. Uma aluna se refere ao cabelo da outra aluna da sala dizendo: “O cabelo dela é feio, é ruim”. “O cabelo dela é feio, é ruim”. 35 “Em uma dada situação um aluno teve um comportamento e foi reprendido por “sua amiga”, a qual disse: “isso é coisa de negro”. : “isso é coisa de negro”. O aluno do sexto ano se dirige a uma aluna da sala chamando-a de africana. Ao perguntar para aluna o porquê ele a chama assim ela respondeu: “por conta da minha cor”. Chamada de africana. “por conta da minha cor”. Uma aluna do sétimo ano chamou uma aluna da sala de macaca. macaca A profissional que atua na secretaria de escola questionou por que se ela chamar uma pessoa de negão caracteriza preconceito, sendo que quando a chamam de branquela não é racismo. Na circunstância foi explanado que se trata de trajetória historicamente constituída em torno da a população negra a qual carrega as chagas históricas da escravidão, processo pelo qual a população branca não foi submetida. porque se ela chamar uma pessoa de negão caracteriza preconceito sendo que quando a chamam de branquela não é racismo Ao discutirmos a situações de preconceito e colorismo uma aluna se autodeclarou negra e um amigo da sala disse a frase: “Ah! Você não é negra, para mim você é uma morena linda”. “Ah! Você não é negra, para mim você é uma morena linda”. FONTE: Elaborado pela autora Deste modo, evidencia-se que o racismo segue apesar das narrativas que insistem através da disseminação de um discurso propositalmente equivocado, sem validação ou experiência histórica em promover a negação da história através da simplificação da linguagem, reduzindo uma luta que vem sendo travada desde o passado escravocrata a expressões como “mimimi”, que desloca as problematizações para o campo de visão de mera vitimização, 36 relativizando e diminuindo a bandeira do combate ao racismo e ignorando assim a atualidade do instituto do racismo, que estrutura e mantém a sociedade intencionalmente desigual. Para Almeida (2019, p. 51), “no Brasil, a negação do racismo e a ideologia da democracia racial sustentam-se pelo discurso da meritocracia. Se não há racismo, a culpa pela própria condição é das pessoas negras que, eventualmente, não fizeram tudo que estava a seu alcance” a escravidão acabou, mas suas chagas continuam abertas. Para Almeida (2019), não é possível compreender o racismo sem pensar seu funcionamento a partir das estruturas estatais, pois é por meio do Estado que se opera com a classificação e divisão de pessoas. A ideologia nacionalista, por sua vez, apresenta-se como funcional à tentativa de reconstruir uma identidade comum numa tentativa de apagar os conflitos entre os diferentes grupos/classes e as contradições do sistema capitalista, o qual, ao longo do tempo, sofistica suas estratégias e técnicas de reprodução. Como exemplo disso, o autor aponta os limites da representatividade em instituições majoritariamente compostas por pessoas brancas; o exercício disciplinar e regulamentador da vida ou de sua suspensão; e a reprodução de um sistema burocrático mortífero, que se diz exceção, mas que estabelece como política o aniquilamento da população negra brasileira. Torna-se necessário salientar que negacionistas do racismo rechaçam políticas públicas de cunho racial como a demarcação de terras quilombolas e a criação de cotas nas universidades e nos concursos públicos, dentre outras ações sociais que visam à equidade social da população brasileira. Pode-se permitir afirmar com clareza que a sociedade moderna é racista e forma o que se chama de racismo estrutural, o qual se mostra como condição para o sustento da realidade social capitalista. Sobre racismo estrutural, dispõe Almeida (2019, p. 33) nestes termos: Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre “pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição”. Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente, torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas. Ribeiro (2019, p. 22) faz ainda o seguinte esclarecimento: “Por causa do racismo estrutural, a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade”. 37 A partir desse contexto, convém a seguinte colocação de Silva e Boakari (2021, p. 6): Assim, a escola precisa ser pensada como determinado lócus, que além da produção de conhecimento produz subjetividades. É nela que construiremos ou desconstruiremos estereótipos e relações mais igualitárias, partindo de um pressuposto, não de negar as diferenças, mas na intenção de valorizá-las combatendo as práticas discriminatórias. Os desafios para a desconstrução dessa realidade racista caminham em um viés com raízes profundas na mente e no cotidiano das pessoas e ainda na necessidade de identificação dessas manifestações racistas, por vezes, naturalizadas em especial por movimentos conservadores e da ascensão de grupos de extrema direita ao poder. Esses grupos –mais ou menos organizados e de diferentes formas –buscam desqualificar discursos dos movimentos negros, desmantelar políticas públicas conquistadas e impor determinada perspectiva histórica totalmente ideologizada e sem respaldo científico, ainda que contraditoriamente utilizem o argumento da neutralidade. Para isso, adotam o discurso integracionista, que deturpa ou mesmo nega –todo acúmulo de pesquisas sobre os temas da história da África e dos afros- brasileiros no Brasil. Nesta seara, é possível associar esses negacionismos a um projeto político mais amplo de grupos de extrema direita em ascensão que se colocam contrários às práticas democráticas, interferindo, assim, na autonomia dos professores e vulnerabilizando os. O exemplo do filósofo Olavo de Carvalho (1947-2022) – o “filósofo ícone” da extrema direita brasileira e cultuada pelos políticos bolsonaristas no Brasil - que, ainda sob o calor das manifestações do movimento Black Lives Matter nos EUA em 2020, fez uma sequência de publicações em seu perfil no antigo twitter afirmando, entre outras coisas, que “os africanos praticaram a escravidão durante MILÊNIOS, e nessa época as vidas negras não importavam”. Em tom de deboche, ele fala que foram os europeus “com suas malditas ideias cristãs abolicionistas” que libertaram o continente da escravidão, sendo absurdo culpar os brancos pela escravização dos africanos. As falas de Olavo de Carvalho (1947-1922) em entrevistas e vídeos que, via de regra, alcança milhares de visualizações, likes e compartilhamentos, Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, no dia 30 de julho o então candidato a presidência do Brasil Jair Messias Bolsonaro disse: “eram os próprios negros que entregavam os escravos”, fala negacionista que descontextualiza e distorce análises de historiadores sobre o processo de escravidão no Brasil. Em entrevista ao site de notícias G1de Brasília em 20 de novembro de 2020, então vice- presidente Hamilton Mourão também negou a existência do racismo no Brasil. “Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil, não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade: não tem racismo”. 38 O discurso integracionista fere e contesta toda uma história de luta de negros e negras por direitos em nosso país. Para os adeptos, qualquer história que explicite as opressões de minorias e as bases elitista e racista da formação da nossa sociedade não deve ser levada em conta, posto que apresentam uma versão “ideológica” da história, associada aos referencias da esquerda. Diante disso, outras indagações nos interpelam: para que estudamos história? Qual o papel do professor de história na construção de conhecimentos e narrativas que dialoguem com a luta antirracista no geral e, mais especificamente nas escolas? Notoriamente, quem define os conteúdos que farão parte dos currículos escolares são agentes externos à escola geralmente comprometidos com as culturas hegemônicas e os projetos dominantes de poder. A manutenção de currículos escolares acríticos contribui para a normalização de narrativas históricas construídas superficialmente sem o compromisso com a análise criteriosa. Isso impede a formação da consciência crítica dos estudantes sobre os processos históricos e favorece, na maioria das situações, conteúdos para discursos e as práticas que distorcem a realidade. De acordo com Abal (2019): A normalização do antissemitismo na Alemanha nazista, do racismo nos Estados Unidos da América (EUA) durante a vigência das leis de Jim Crow, entre outros exemplos, redundou em sistemas de exclusão, violência e morte para uma camada da sociedade. Evidentemente, não se trata de um fator único, mas pensamos tratar- se de uma questão fundamental a ser levada em conta. (ABAL, 2019, p. 5) As concepções pedagógicas críticas e perspectivas historiográficas que entendem que não há imparcialidade e neutralidade na produção científica pensam o currículo a partir de uma abordagem que não o concebe como algo rígido, descontextualizado e desprovido das contradições e conflitos do processo social que o produz. (ARANTES e COSTA, 2017). Todas essas inquietações são relevantes para que as escolas e seus agentes reflitam e estejam preparadas para tratar de temas sensíveis de forma adequada, levando em consideração os desdobramentos políticos, sociais e indenitários implicados. Um exemplo de meio de comunicação utilizado pelo sistema é a série, “Brasil: a última cruzada”, a qual tem como pressuposto revelar a verdade escondida pela esquerda, com a máxima, “a verdadeira versão dos fatos” e foi vinculada a TV escola vinculada ao MEC e que teve milhões de visualizadores no Youtube. O ensino de História exige que o professor identifique e analise os discursos que circulam entre os estudantes, em busca de compreender qual é a lógica de sustentação desses discursos. O que eles revelam? Porque encontram eco na voz dos estudantes. Conteúdos que visam confrontar historiadores e produção científica e a cada dia conseguem novos adeptos. Dessa forma é esperado que isso se reflita na escola e que 39 professores sejam confrontados em suas aulas a partir do que os alunos viram em séries de vídeos e como estes, ou em algum outro dos milhares de canais disponíveis no Youtube, ou mesmo em uma postagem ou meme nas redes sociais. Aqueles profissionais cujos posicionamentos não estão em consonância com o que pregam os negacionistas e os adeptos de movimentos como o ‘Escola sem Partido’, podem sofrer consequências, mesmo se amparados nas leis educacionais e nas pesquisas historiográficas. Dessa forma, o que assistimos é um movimento que fere a autonomia e liberdade de cátedra dos professores e os vulnerabiliza, uma vez que promovem censura e ideias obscurantistas que visam tão somente impor uma visão deturpada e conservadora da história. Essas histórias existem apesar de todo racismo e opressão e negá-las é fundamental para inviabilizar a compreensão do racismo estrutural em nossa sociedade. Negar o racismo é negar a necessidade de políticas públicas de promoção de equidade racial, entre estas, as cotas raciais e a implementação de leis que contribuam para com a construção de uma educação antirracista. A implementação da Lei 10.639, de 2003–que inclui no currículo oficial das escolas a obrigatoriedade da temática "História da África e da Cultura Afro-Brasileira" (BRASIL, 2003) - e com uma série de documentos posteriores à sua promulgação, teria sido assim, uma potencializadora do processo de inclusão da história africana nos currículos escolares. Logo após sua promulgação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou parecer acerca das “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” e, em 2006, as “Orientações e Ações para a Educação o das Relações Étnico-Raciais”. De acordo com Silvio de Almeida, ministro dos direitos humanos do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023-2026), o racismo estrutural evidencia-se quando o preconceito e a discriminação racial estão consolidados na organização da sociedade, privilegiando determinada raça ou etnia em detrimento de outra. O racismo é o principal instrumento de exclusão da sociedade brasileira explicitando a existência do racismo estrutural no padrão formalidade, na forma de racionalidade neoliberal, a qual se evidencia nas dimensões econômicas e política e no plano da subjetividade humana. Estas análises, permitem a reflexão de que no fazer pedagógico a que se incluir a discussão nas aulas, bem como atender, integrar e efetivar a legislação vigente no que tange ao combate do racismo estrutural. Torna-se essencial, portanto, a formação dos docentes do componente curricular de história e outros componentes, para que possam se instrumentalizar para o enfrentamento do racismo e outros fenômenos sociais que visam à discriminação e exclusão que se encontram na escola, tendo como aporte teórico e metodológico a Pedagogia 40 histórico- crítica e o método materialista histórico-dialético como temos defendido neste trabalho. 3.1.2. Negacionismo da ditadura Entre as principais negações acerca da história do Brasil, temos enfrentado, cotidianamente, a distorção sobre o período da Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964 a 1985). Além dos já clássicos negacionismos, tais como os que recusam o golpe e defendem a “revolução de 64”, Eicherler (2004, p.22) nos traz a seguinte consideração: Em apertada síntese, pode-se afirmar que a Revolução Militar de 31 de março de 1964 foi basicamente, uma reação corajosa e inevitável do povo contra os propósitos antidemocráticos do governo João Goulart para a implantação de uma “República Sindicalista” com forte viés comunista. Mas, principalmente, foi uma reação de autodefesa das Forças Armadas contra a sua manifesta destruição, em vista de constantes e criminosos (por isso, inadmissíveis!) atentados à disciplina e à hierarquia, fundamentos de quaisquer Instituições Militares, em qualquer lugar do mundo. Era evidente que as altivas, gloriosas e invictas Forças Armadas Brasileiras não tinham como não têm a vocação de monges bizantinos, que ficavam discutindo “sexo dos anjos”, enquanto os seus inimigos atacavam Bizâncio; assim, não iriam deixar-se abater, como indefesos cordeiros. Convém salientar que após o desenvolvimento da historicidade do conceito ligado ao Iluminismo, Revolução Inglesa e, mais tarde, ao materialismo histórico dialético no século XIX, o dicionário apresenta uma análise do termo contrarrevolução que tem como sentido a ação de impedir uma revolução e, baseando-se nas falas de autores como Clovis Rossi (1943-) e Florestan Fernandes (1920- 1995), explanaram porque não podemos chamar o golpe, a ditadura brasileira de contrarrevolução, muito menos de revolução, como por vezes, temos representados nas memórias militares e movimentos de direita, uma vez que não estava em curso no Brasil, uma tomada de poder revolucionária, por parte da sociedade em si, em que a insurreição popular objetivasse a destituição do governo democrático brasileiro. Notadamente, o discurso negacionista presente no que se refere à ditadura, se alinha a uma postura antidemocrática praticada por aqueles que querem se manter ou usurpar o poder, através da tentativa de persuadir que o governo militar ou de quem segue seus preceitos, é capaz de instaurar no país uma política correta, sem corrupção, exercida por pessoas extremamente honestas revestidas pela aureola do cristianismo. 41 FIGURA 8: Deputado Federal Jair Bolsonaro – apologia à Ditadura FONTE:https://oglobo.globo.com/epoca/brasil/oito-vezes-em-que-bolsonaro-defendeu-golpe-de-64- 24949762 (acessado em 29/10/2022) De frente ao Palácio do Planalto, a imagem de abril de 2015, Jair Bolsonaro, Deputado Federal na ocasião, comemora os 51 anos da Ditadura Civil-Militar, com uma faixa em que se lê: “Parabéns Militares – 31 / março /64 – graças a vocês o Brasil não é Cuba”. Essa imagem insere-se na conjuntura do acirramento das disputas pelo passado que tomaram conta do país. Apoiada em Carolina Bauer, Juliana Balestra (2016, p. 250) nos diz que essa disputa pelo passado fragiliza nossa democracia: Em 2015, mais do que comemorar a “Revolução de 64”, centenas de pessoas que participaram das manifestações contra o governo do país pediram a “volta” da ditadura militar. Como lembrou Bauer (2015), paradoxalmente, a data escolhida para as manifestações – 15 de março – marcava os exatos 30 anos de retorno à democracia, caso se considere o ano de 1985 e a posse de José Sarney como marcos democráticos no processo de transição política. O fato curioso é que elas contaram com a participação de jovens e adultos que não viveram a fase adulta durante o período, o que revela como estão as disputas sobre esse passado no país e dão a exata medida da fragilidade da nossa democracia. O negacionismo no que tange a ditadura militar no Brasil recebeu novos contornos com manifestações encabeçadas pelo Movimento Brasil Livre (MBL), com faixas pedindo o retorno do Regime Militar, o AI5, o fechamento do Congresso Nacional e até o fim do Supremo Tribunal Federal. A título de exemplo, vale mencionar que, na votação pelo impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, ocorrida no ano de 2016, o então deputado Jair Bolsonaro saudou o General Ulstra, conhecido torturador durante a ditadura Civil- Militar no Brasil. Tal ato não incorreu em qualquer tipo de ação ou atitude por parte dos demais poderes e mesmo da justiça brasileira, o que pode nos levar a pensar em como o Brasil lida mal com seus passados dolorosos. Nesta seara, enfatizam os bolsonaristas e outros ideólogos radicais de direita que para a “salvação” do país não há outra opção que não o absolutismo da direita e, assim, difundem a 42 dualidade, a dicotomia entre o bem e o mal, o certo e o errado, entre o amor e o ódio e insistem em legitimar as torturas e mortes como ‘excesso’ do regime em vigor e não como aparelho de repressão institucionalizada. Percebe-se, assim, que as diversas abordagens da temática esbarram continuamente no contexto político em que o país se encontra, sobretudo e evidenciado entre os anos de 2018 e 2022, uma vez que a negação da Ditadura civil-militar, a desinformação e distorção dos fatos históricos se tornaram estruturantes do próprio movimento bolsonarista, que usa dos meios digitais para realizar sua política pública de mentiras, negacionismo e obscurantismo, estamos convivendo com uma “naturalização” das ideias falsas que se espalham de maneira vertiginosa, por conta da facilidade de propagação advinda da internet e redes sociais. Defensor de atos de comemoração do Golpe de 1964, Jair Bolsonaro, em abril de 2019, já como presidente, negou via correspondência enviada à ONU, a ocorrência do Golpe de Estado no Brasil e considera legítimo que se realize comemorações nos quarteis por ocasião da data, sem levar em consideração a condenação ética e moral das ditaduras latinas que imputaram dor e sofrimento às vítimas e a seus familiares que padeceram perante prisões, torturas e desaparecimentos. Pelo contrário, a partir de 2019, Jair Bolsonaro usou o aparato democrático brasileiro - reestruturado pós Constituição/1988 - para buscar institucionalizar atos nomeados nessa pesquisa como falseamentos do tratamento epistemológico, tanto do saber histórico escolar quanto da historiografia nacional factual da Ditadura Civil-Militar. Vivenciamos seus algozes, seus apoiadores, seus interlocutores apologistas, defendendo a natureza necessária do evento ocorrido em março de 1964 e que perdurou por várias décadas no Brasil, para salvar o país da ameaça comunista. Estudantes questionam seus professores sobre o papel salvador dos militares. Uma série de memes, Fake News, mensagens de Whatsapp espalham-se, com intuito de legitimar historicamente o golpe e os governos ditatoriais militares, sempre mobilizando o caráter heroico das forças armadas, negando seus atos de violência, buscando legitimar suas práticas abusivas contra os que não apoiaram a ditadura, os opositores ao golpe, contra os setores sociais com grau de organização suficiente para reagirem. No discurso negacionista “a revolução de 64 salvou o país da ameaça comunista” Durante manifestações ocorridas em 24 de maio de 2018, caminhoneiros brasileiros intitulados de patriotas, vestidos de verde e amarelo, de maneira arbitrária se manifestaram favoráveis à intervenção militar. 43 FIGURA 9: Manifestação de caminhoneiros em 24/05/2018 no Brasil FONTE: Reproducao / BBC News Brasil Compondo o cenário, uma controvertida situação impunha-se à observação. Referimo- nos, no caso, à disputa envolvendo o uso de símbolos pátrios (sobretudo, da bandeira e hino nacionais) e das cores verde-amarelo como estratégia de legitimação dos posicionamentos políticos, ideológicos e morais adotados por uma parcela do eleitorado. Carregada de forte simbolismo. O uso das cores que compões a atual bandeira brasileira também tem a similaridade presente no projeto ufanista, à conotação não é a de Brasil ame-o ou deixe-o, mas a ideia é de que quem não é patriota (bolsonarista) luta contra o país. Sob o pretexto de que “Nossa bandeira jamais será vermelha!”, alusão ao símbolo maior do Partido dos Trabalhadores (PT). A antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, em entrevista para a Folha de S. Paulo (16 de maio de 2020), diz que os governos populistas usam símbolos nacionais de maneira a transformar a oposição em inimigos da pátria. A ligação entre o governo e os símbolos da nação, cria espaço para afirmar que aqueles que estão contra o governo, estão consequentemente, contra a nação. Durante a ditadura militar, usar as cores da bandeira era uma forma de mostrar apoio ao regime, portanto, a juventude resistente negou tais cores, conforme conta o professor Mozahir Salomão Bruck, da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas. “Passando ali na década de 70, eu, menino, me lembro disso. O Brasil se divorciou do verde e amarelo. Essas cores do Brasil viraram um tipo de sinalização de compactuação com a ditadura”. Portando a bandeira nacional e usando camisa verde-amarela da seleção brasileira, significativa parcela defende o Ato Institucional nº 5, o fechamento do Congresso Nacional e do STF, numa clara demonstração de pouco apreço pelo estado democrático de direito. https://www.linkedin.com/in/mozahir-salomão-bruck-015827a1/?originalSubdomain=br 44 O apelo à tradição e a manipulação de símbolos nacionais como instrumentos de legitimação político-ideológica, evidentemente, não dizem respeito a uma época ou regime em particular. Não obstante, costumam assumir maior visibilidade nos governos ditatoriais. No caso brasileiro, o regime militar, estabelecido entre os anos de 1964 e 1985, ilustra bem o que afirmamos. Durante boa parte dos assim chamados Anos de Chumbo, símbolos e cores nacionais foram largamente utilizados tendo em vista a imposição de uma gramática orientada pelo apelo aos sentimentos patrióticos e ao civismo. “Essas cores pertencem ao Estado brasileiro, que é algo permanente e diferente do governo”. FIGURA 10: Manifestações ocorridas em 28 de junho de 2020 FONTE: Sergio Lima FIGURA 11: 31 de outubro 2022, manifestantes evocam intervenção militar após o pleito eleitoral FONTE: Sergio Lima 45 FIGURA 12: Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro pedem intervenção militar e nova constituição criminalizando o comunismo, durante ato em frente ao QG de Brasília em 28 de junho de 2020 FONTE: Cristiano Mariz Em 31 de outubro 2022, após o resultado do segundo turno da eleição presidencial, com resultado favorável a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), simpatizantes do candidato segundo colocado Jair Messias Bolsonaro (PL), insatisfeitos com o resultado do pleito eleitoral, ocuparam diversos espaços públicos em especial o Distrito Federal e os Quarteis Generais de diversas cidades do Brasil evocando intervenção militar. Citado mais de uma vez pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o artigo 142 da Constituição de 1988 atingiu um novo pico de buscas no Google na madrugada da segunda- feira (31/10), horas após o resultado das eleições de 2022. No pleito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu o candidato à reeleição, com 50,90% dos votos. Nas declarações, o trecho da Constituição é usado como uma espécie de autorização, ou legitimação constitucional, para que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica atuem como um “poder moderador”, caso sejam convocados para uma “intervenção militar” e para “manter a ordem”. Juristas e ministros, no entanto, condenam tal interpretação. “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. “Reconhecer que as Forças Armadas possam ser usadas, excepcionalmente, na garantia da segurança pública, não deixa nenhuma margem para que sejam convocadas para intervenção de um poder sobre os outros”, explica o advogado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra. 46 Ele adiciona que “evocar intervenção militar ‘constitucional’ com base em interpretação capenga, contrária aos princípios basilares da própria Constituição Federal, é pregar o golpe de Estado, desrespeitar a separação dos Poderes e silenciar a soberania do Povo”. “Qualquer ação militar contra um dos três poderes, impedindo o exercício de suas funções, deve ser vista como rompimento ilegal da ordem constitucional em vigor e poderá ser chamada de ‘golpe de estado'”, frisa. Segundo Ana Flavia Castro escritora do blog Metrópole do distrito Federal em entrevista disponível em (https://twitter.com/Metropoles/status/1587187445375930368), “diante desse contexto, narrativas de intervenção militar constitucional “refletem uma forçada tentativa de manter apoio de uma militância,”, por muitas vezes fanática, e que facilmente assimilaria essa tortuosa narrativa”. Convulsão social, tumultos e desrespeito à ordem estabelecida seriam os resultados previsíveis dessa interpretação avalia Alessandro Costa em entrevista à Metrópole do distrito Federal, disponível em (https://www.metropoles.com/brasil/saiba-o-que-e-artigo-142-que-nao- autoriza-uma- intervencao-militar). Convém salientar que evocar ou defender a ditadura militar demonstra que o indivíduo desconhece a História do Brasil na sua totalidade, em especial no que se refere ao período de 1964 a 1985, desconsidera o ideário democrático e ignora os atos de tortura e repressão vivenciados por seus opositores políticos. Difundem na conjuntura atual distorções da realidade ao postular que a repressão só ocorreu para subversivos e criminosos. É também um ataque à democracia na medida em que exalta períodos históricos de repressão, censura e tortura como tempos idílicos de liberdade e benesses coletivas. E não deixa de ser um propulsor de discursos de ódio e apologia a ideias discriminatórias. No adro escolar, um fato digno de menção é que uma das coleções de livros didáticos mais escolhido pelos docentes nos últimos PNLDs é a História Sociedade & Cidadania. A coleção é adotada, com exemplares tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio. No PNLD/201738 foi à coleção de História mais comprada e distribuída pelo programa. O alcance que seu tratamento escolar tem é inegável. Analisando os exemplares dos PNLDs de 2017, 2018 (Ensino Médio), 2020 e 2021 (Novo Ensino Médio), tanto nos exemplares do 9º ano nas edições de 2017 e 2020, quanto do 3º ano do Ensino Médio na edição de 2018 e a edição de 2021 voltada para o Novo Ensino Médio, os capítulos que tratam do tema Ditadura Civil- Militar brasileira não utilizam a palavra ‘ditadura’ para se referir ao período, optando pelo termo “Regime Militar”. A palavra Ditadura aparece uma única vez em cada capítulo de cada obra, apenas quando o autor explica a conjuntura da decretação do AI5, dizendo ser esse, “o mais http://www.metropoles.com/brasil/saiba-o-que-e-artigo-142-que-nao- http://www.metropoles.com/brasil/saiba-o-que-e-artigo-142-que-nao- 47 opressivo de todos os atos da ditadura militar” (p.230/2017). Não há, também, o uso das palavras ‘ditadura’ e ‘regime’ tratadas como sinônimo, como ocorre em análise de outras coleções. Na edição de 2017 temos a seguinte afirmativa, iniciando o capítulo: Dizendo que era necessário livrar o país da ameaça comunista e reestabelecer a hierarquia, um grupo formado por civis e militares derrubou João Goulart e tomou o poder. O regime(grifo) estabelecido por eles durou 21 anos e pode ser chamado de Regime Militar(grifo) (1964-1985) (JÙNIOR, 2015). A imagem abaixo retrata a página inicial do capítulo sobre a Ditadura civil-militar, de exemplares de anos/edições diferentes da coleção História Sociedade & Cidadania, da editora FTD, assinada por Alfredo Boulos Júnior. FIGURA 13: Capítulos do Livro Didático retratando ditadura como “regime” FONTE: Página inicial dos capítulos sobre Ditadura Militar de Alfredo Boulos. Compilação em png, elaborada pela autora Constitui-se outro exemplo, o termo “Ditadura” foi reprimido em questões do ENEM/2019 e na edição de 2020. Em 2019, foi cria