II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores ARTE E SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Ana Paula Cordeiro, Francisane Nayare De Oliveira Maia, Luciana Ap De A Penitente Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Experiência - Apresentação Oral Com este texto temos por objetivo tecer uma discussão relacionada à Arte sob o viés da Sociologia da Infância no processo de formação de professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental (ciclo I), no âmbito do trabalho desenvolvido nos anos de 2012 e 2013 junto ao Projeto LUDIBUS da Faculdade de Filosofia e Ciências- Unesp de Marília. Consideramos a Arte como linguagem imprescindível aos processos de formação humana e apresentamos os pressupostos básicos da Sociologia da Infância, que vê a criança como ser ativo e criativo. Nesse sentido desenvolvemos junto ao Projeto um trabalho voltado para as Linguagens Artísticas por meio de atividades lúdicas com os objetivos de sensibilizar professores e crianças sobre a importância de tais linguagens e de levar as crianças a criarem e apreciarem obras de arte, bem como a refletirem sobre seu fazer artístico. Para a realização do trabalho fizemos uso da Pesquisa-Ação e nossos procedimentos consistiram em desenvolver estudos, realizar reuniões com a equipe do Projeto, oferecer curso de extensão, apresentar propostas a serem desenvolvidas nas escolas, avaliar o trabalho realizado e dialogar com professores da Educação Básica sobre as ações implementadas. Apresentamos o trabalho realizado nos anos de 2012 e 2013. Os resultados indicam que, por meio das atividades realizadas pudemos desenvolver um profícuo diálogo relacionado à Arte e à Sociologia da Infância junto a professores em processo de formação inicial e continuada, problematizando o fazer artístico e ligando-o a conceitos de criança e infância a partir do referencial proposto. Palavras chave: Arte; Sociologia da Infância; formação de professores. 0278 ARTE E SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Ana Paula Cordeiro; Luciana Aparecida de Araújo Penitente; Francisane Nayare de Oliveira Maia. Faculdade de Filosofia e Ciências. Unesp. Marília. Introdução Neste texto temos por objetivos estabelecer uma discussão sobre a Arte, tendo como arcabouço teórico a Sociologia da Infância e apresentar as relações desta temática com o trabalho de formação de professores desenvolvido junto do Projeto LUDIBUS da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Unesp- Campus de Marília. Artes Visuais, Artes Cênicas, Música e Dança são consideradas linguagens artísticas e trabalhadas pela equipe do Projeto junto a professores e crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, ciclo I, a partir da perspectiva da Sociologia da Infância e de atividades que privilegiam os aspectos lúdicos da cultura. O Projeto LUDIBUS possui um ônibus lúdico, que funciona com biblioteca, brinquedoteca e ateliê de artes itinerantes e tem por objetivos problematizar questões ligadas à Arte e ao lúdico junto a professores e crianças da Educação Básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental-ciclo I). Tal Projeto se caracteriza por unir em seu bojo ensino, pesquisa e extensão universitária. O veículo do Projeto possui prateleiras e baús com livros, brinquedos e material para o trabalho com as diversas linguagens artísticas. A equipe do Projeto, formada pela professora coordenadora, professora colaboradora, bolsistas e voluntários, alunos dos cursos de graduação da FFC- Unesp reúne-se semanalmente para discutir e deliberar sobre as atividades a serem desenvolvidas. O trabalho elaborado é fruto de uma construção coletiva. Nesse sentido fazemos uso da pesquisa-ação para que tenhamos condições de consolidar as atividades elaboradas e propostas pela equipe no tocante ao trabalho nas escolas. Do ponto de vista teórico nos pautamos em obras e autores ligados à Sociologia da Infância, tais como Corsaro (2011), FARIA, A. L. G.; 0279 DEMARTINI, Z. de B. F.; PRADO, P. D.(2009), Kosminsky (1992), em documentos oficiais, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) e outros documentos oficiais do MEC (sempre tecendo nossa análise dentro de uma perspectiva crítica ligada a tais documentos) e em autores que discutem as diversas linguagens artísticas a partir de uma perspectiva de criação, apreciação e reflexão, tais como Gobbi (2009), Boal (1991), Spolin (1992), Slade (1978), Laban (1978), Japiassu (2001), Picosque, Guerra (1998), Cordeiro (1997), entre outros. 1 Linguagens Artísticas e Sociologia da Infância: algumas considerações. O trabalho voltado para as linguagens artísticas nas escolas, não raro, resvala para práticas estereotipadas e inadequadas para uma educação artística que de fato vise os processos de criação e apreciação das crianças. Desenhos copiados, coreografias musicais repetitivas e prontas, peças teatrais com tom moralizante, elaboradas para momentos de datas e manifestações comemorativas, são algumas das atividades amplamente oferecidas nas escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental. Tendo em vista tais atividades, nos perguntamos: qual o sentido de um trabalho com artes junto às crianças, do ponto de vista de uma educação formal preocupada com a formação estética delas? Consideramos que um trabalho com arte, para ser significativo e efetivo deve levar em conta os processos de criação, apreciação e reflexão (BRASIL, 1998) da criança e não levá-la meramente a copiar, a reproduzir o que vê. Qual seria, afinal, a função da arte para o ser humano? O que vem a ser arte? Fischer (1971) afirma que a função da arte, numa sociedade complexa e opaca como a capitalista deve ser a de incitar o indivíduo à ação transformadora, a de clarificar as relações sociais e a mostrar a magia contida nas obras de arte que nos chegaram desde tempos imemoriais. Canclini (1984) define artes como atividades da cultura que trabalham com o sensível e o imaginário, com o objetivo de desenvolver a identidade simbólica de um povo ou classe social. Já Martins, Picosque e Guerra (1998, p.41) afirmam que arte é linguagem, que leva o ser humano a refletir sobre seu papel no mundo. Nesse sentido, pensando nas linguagens artísticas de forma dinâmica, capazes de operar reais transformações em formas de agir e de 0280 pensar do ser humano, consideramos de enorme importância apresentar as contribuições da Sociologia da Infância para uma educação em Artes que de fato contribua com os processos de criação e apreciação infantis, dentro da perspectiva do autoconhecimento e do conhecimento de seu entorno. Nesta perspectiva teórica, as crianças são vistas como seres “ativos e criativos, que produzem suas próprias e exclusivas culturas infantis, enquanto, simultaneamente, contribuem para a produção das sociedades adultas” (CORSARO, 2011, p.15). Já a infância é considerada como um período socialmente construído, uma forma estrutural: Quando nos referimos à infância como uma forma estrutural queremos dizer que é uma categoria ou uma parte da sociedade, como classes sociais e grupos de idade. Nesse sentido, as crianças são membros ou operadores de suas infâncias. Para as próprias crianças, a infância é um período temporário. Por outro lado, para a sociedade, a infância é uma forma estrutural permanente ou categoria que nunca desaparece, embora seus membros mudem continuamente e sua natureza e concepção variem historicamente. É um pouco difícil reconhecer a infância como uma forma estrutural porque tendemos a pensar nela exclusivamente como um período em que as crianças são preparadas para o ingresso na sociedade. Mas as crianças já são uma parte da sociedade desde seu nascimento, assim como a infância é parte integrante da sociedade (CORSARO, 2011, p. 15- 6). Para a Sociologia da Infância, “as crianças produzem uma série de culturas locais que se integram e contribuem para as culturas mais amplas de outras crianças e adultos a cujo contexto elas estão integradas” (CORSARO, 2011, p. 127). A ênfase está nas culturas de pares e nas relações das crianças em ambientes coletivos, estudadas por Corsaro nos Estados Unidos da América e na Itália. Segundo Farias e Finco (2001, p. 13), as crianças estabelecem relações com os adultos/as e com outras crianças e desfrutam, observam e são vítimas das relações entre adultos. Este é o cenário da produção das culturas infantis estudadas, por ora, pela sociologia da infância. Farias e Finco (2011) afirmam que, no Brasil, as pesquisas sociológicas com crianças nasceram com Florestan Fernandes. Em “Folclore e Mudança Social no Brasil”, o autor trata das trocinhas, brincadeiras infantis estabelecidas entre crianças filhas de imigrantes no Bom Retiro, em São Paulo. O autor nos apresenta as crianças em contextos coletivos, socializando-se por meio das culturas de pares e inclusive auxiliando no processo de socialização dos próprios pais. O termo cultura de pares é 0281 utilizado para referir-se a grupos de crianças que passam parte do tempo juntos frequentemente. Também destacamos as pesquisas de Faria, Demartini e Prado (2009), que consideram ser a Sociologia da Infância no Brasil um campo em construção. Segundo as autoras, as pesquisas na área problematizam abordagens psicológicas que por vezes “patologizam” comportamentos infantis e veem a escola como o lugar de preparar as crianças para o futuro. Cabe destacar que no campo da Sociologia, os estudos relacionados à infância provém, inicialmente, das teorias sobre socialização humana. Corsaro (2011) propõe o termo “reprodução interpretativa” em contraposição ao que ele chama de “modelos deterministas” de socialização, quais sejam: os funcionalistas e reprodutivistas, que veem os processos de socialização como adaptação social ou como reprodução e manutenção de uma sociedade desigual. A crítica de Corsaro a esses modelos é a de que há excessiva preocupação com os fins da socialização. O termo “reprodução interpretativa” é proposto no lugar do termo “socialização”, pois há por parte da Sociologia da Infância o entendimento de que as crianças não apenas internalizam e reproduzem normas sociais, mas interpretam, criam e recriam em contato com outras crianças e dentro dos diversos grupos sociais. Pensando na criança como ser ativo e criativo, criador pessoal de cultura, capaz de interpretar o que lhe é transmitido por meio da cultura, na infância como categoria social, como forma estrutural das sociedades contemporâneas e nas linguagens artísticas como imprescindíveis aos processos de criação infantis e como áreas de conhecimento formadoras do ser humano, ressaltamos alguns trabalhos que analisam a infância, as crianças e seus pensares dentro de uma perspectiva sociológica e histórica. Pelo viés da Sociologia da Infância as crianças e suas ações são analisadas primordialmente em momentos coletivos, por meio das culturas de pares. Suas formas de ver o mundo, a maneira como pensam e refletem sobre suas individualidades, grupos sociais, o seu entorno, seu potencial criativo e interpretativo são levados em conta nas análises de pesquisas com crianças. Enfatizamos o “com crianças” em contraposição a “sobre crianças”, pois nesse tipo de pesquisa as crianças são sujeitos, participantes, tem voz e poder de escolha. Pensando em pesquisas nas quais as crianças são sujeitos, possuem voz e tem efetivamente algo a dizer, destacamos a pesquisa de Kosminsky (1992), “A infância assistida”, que nos apresenta um método de pesquisas 0282 com crianças assistidas em uma instituição sócio-educativa, que valoriza e destaca seus desenhos e suas falas. Por meio dos desenhos e das falas das crianças a autora analisa suas representações de casa, de família, dos grupos e do entorno dos quais faziam parte. Recentemente Gobbi (2009) tem desenvolvido pesquisas aliando o desenho infantil à oralidade, defendendo que o desenho, aliado às falas infantis são “reveladores de olhares e concepções dos pequenos e pequenas sobre o seu contexto social, histórico e cultural, pensados, vividos, desejados” (GOBBI, 2009, p. 71). Suas produções devem, portanto, ser reconhecidas, valorizadas e respeitadas. No campo das artes cênicas, Cordeiro (1997) desenvolveu pesquisa intitulada “Os meninos da Rua da Descida: uma proposta de arte e vida através do teatro”. Em seu trabalho, desenvolvido junto a crianças entre 10 e 16 anos de uma instituição de caráter filantrópico e educacional a autora, utilizando-se do jogo teatral e do diálogo com as crianças como procedimentos para o estímulo a criações teatrais coletivas, analisou as falas, histórias, peças teatrais criadas pelas crianças e momentos de jogos nos quais os medos, anseios, alegrias, vivências, formas de ver o mundo e opiniões sobre diversas temáticas foram desvelados por meio da arte teatral. Desta forma, consideramos que temos um caminho teórico seguro em relação ao trabalho com as linguagens artísticas no âmbito do Projeto LUDIBUS, com o aporte no referencial da Sociologia da Infância. 2 Método No Projeto LUDIBUS privilegiamos a construção coletiva de procedimentos relacionados à organização de atividades (desde a preparação dos materiais), estudos, desenvolvimento das propostas, atividades e ações, análise do trabalho realizado e avaliação dos resultados à luz do referencial teórico estudado. Por isso consideramos que nos aproximamos dos pressupostos da Pesquisa- Ação, tendo em vista a intensa participação da Equipe do Projeto no desenvolvimento das atividades, bem como a efetiva participação da comunidade escolar (professores, crianças, gestores) envolvida e parceira nos trabalhos realizados. Visamos com o Projeto LUDIBUS que modificações efetivas no trabalho com artes ocorram no interior das escolas e instituições educacionais, levando seus atores a encararem as linguagens artísticas como importantes elementos transformadores nos campos da educação e da cultura. 0283 Nossos procedimentos consistem em: -reuniões semanais para discussões teóricas e para a organização das atividades e propostas a serem desenvolvidas nas escolas e instituições parceiras do Projeto; -idas semanais a uma instituição parceira durante o ano letivo para a realização das atividades junto às crianças e professores; -visitas agendadas com escolas e instituições interessadas em conhecer o Projeto e suas propostas; -oferecimento de cursos temáticos, de extensão, eventos e momentos de discussão com Professores da rede pública e particular a respeito das temáticas propostas pelo Projeto. -análise do material coletado e das propostas desenvolvidas; -desenvolvimento de Projetos individuais dos bolsistas da equipe, ligados às linguagens artísticas trabalhadas no âmbito da Proposta maior do Projeto LUDIBUS; -divulgação das pesquisas e ações desenvolvidas, por meio da elaboração de artigos, capítulos de livros, trabalhos de conclusão de curso, trabalhos completos e apresentações de trabalhos em eventos de caráter acadêmico- científico. -organização constante de todo o material disponibilizado pelo Projeto. -participação da equipe no Grupo de Pesquisa “Educação, comunicação e sociedade”, cadastrado no CNPQ, em especial na linha “Sociologia da Infância”. 3 Atividades desenvolvidas junto ao Projeto LUDIBUS: as Linguagens Artísticas trabalhadas sob o viés da sociologia da Infância. Apresentamos aqui o trabalho desenvolvido nos anos de 2012 e 2013 junto a escolas e instituições de ensino do município de Marília- SP. Nos anos em questão desenvolvemos nossas atividades numa instituição de caráter filantrópico e educativo de forma contínua, com idas semanais do ônibus e da equipe do Projeto todas as quintas- feiras. Concomitantemente, realizamos visitas esporádicas a instituições de ensino que nos convidam para que possam conhecer nosso trabalho ou para ocasiões específicas, como Feiras de Livros, Festivais de Cultura, entre outros. Dessa forma, cerca de mil crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental (ciclo I) foram atendidas pelo Projeto, que conta com o apoio do Núcleo de Ensino de 0284 Marília e da Pró- Reitoria de Extensão Universitária da Unesp. Destacaremos de forma sucinta algumas propostas desenvolvidas, bem como análise que aponta para resultados do trabalho realizado. As propostas apresentadas vão ao encontro de estudos e reflexões voltados para o referencial da Sociologia da Infância adotado, de documentos oficiais, tais como Referenciais, Diretrizes, Propostas Curriculares e legislação pertinente à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, bem como para autores e obras que apresentam as linguagens artísticas sob a perspectiva da criação e apreciação. Em todas as instituições parceiras, nas quais desenvolvemos um trabalho contínuo ou esporádico apresentamos o Projeto a professores e crianças, falamos sobre seus objetivos, formas e propostas de trabalho. Apresentamos todo o material do Projeto, que fica exposta no ônibus para uma primeira visita, na qual haverá o contato de crianças e professores com livros, gibis, brinquedos, fantoches, CDs, materiais variados para o trabalho com artes visuais e cênicas (papéis, tintas, lápis, máscaras, adereços), entre outros. Desde o início o clima é de experimentação. Este primeiro contato é de enorme importância, tendo em vista que o objetivo da exposição dos materiais é o de criar um ambiente lúdico e educativo, sem que as atividades se tornem impositivas, mas propostas e realizadas de acordo com a expressão dos desejos e vontades das crianças. Observações realizadas pela equipe do Projeto, composta pelos graduandos bolsistas têm demonstrado que as crianças se encantam inicialmente pela possibilidade de manuseio dos materiais, livres de regras comumente presentes em várias instituições, como as de “olhar, mas não tocar os materiais” quando se faz uma visita a um local diferente. Orientamos professores e crianças de que aquele é um espaço de liberdade e a única regra é a preservação do material utilizado, que é de uso coletivo e que será utilizado por muitas crianças. Portanto, cabe a cada criança preservá-lo. As crianças se encantam com quase tudo o que há no ônibus. Inicialmente costumam entrar timidamente. Mas conversamos com elas e deixamos claro que tudo o que ali está pode ser tocado, manuseado, não é uma “exposição de objetos raros num museu”, mas materiais com a finalidade de proporcionar prazer, alegria e aprendizagem. Por ocasião de um Festival de Cultura ocorrido no ano de 2012, num conhecido colégio particular da cidade, inúmeras crianças puderam conhecer o Projeto, que durante três dias inteiros esteve presente no local e recebeu 0285 crianças de escolas públicas e particulares da Educação Básica de toda a cidade. Nesses momentos, a equipe está sempre pronta a atender, auxiliar as crianças, propor atividades, estimulá-las a fazer usos do material e observar atentamente as ações, produções e falas das crianças. Cabe ressaltar que, muitos dos trabalhos ligados à arte sob o viés da Sociologia da Infância privilegiam as produções infantis (desenhos, pinturas, peças teatrais criadas coletivamente) e o registro de suas falas como documentos para análise relacionada às suas visões de mundo, anseios, medos, necessidades, capacidade de criação, de re- significação da cultura, de respostas às situações que se lhes apresentam na cotidianidade. Em relação à organização das atividades realizadas nos anos de 2012 e 2013 na instituição de caráter filantrópico e educacional com a qual já mantemos uma parceria de cinco anos, nos organizamos no sentido de oferecer às crianças atividades artísticas de forma lúdica, tendo o jogo como elemento essencial para a apresentação das propostas a serem desenvolvidas. Com o desenvolvimento das atividades as crianças, com idades entre 6 e 11 anos foram capazes de criar por meio das várias linguagens artísticas. No campo das artes cênicas e da dança, iniciamos o trabalho privilegiando exercícios, jogos e brincadeiras tradicionais que tem como mote o movimento e a personificação de tipos. Ricardo Japiassu (2001) fala sobre a importância dos jogos tradicionais, tais como a brincadeira do “gato e rato”, que contêm personagens e situações específicas para desenvolver nas crianças o gosto pelos jogos teatrais. Brincadeiras como essa, bem como rodas rítmicas, nas quais são ouvidas e reproduzidas canções, poemas e versos são atividades que estimulam a imitação, bem como a criação e ajudam a desenvolver a noção espacial, a consciência corporal e exercitam a linguagem oral. Por meio de exercícios e jogos as crianças foram capazes de criar inúmeras cenas, esquetes e histórias, demonstrando que a premissa do Teatro do Oprimido (BOAL, 1991) de que todos os seres humanos são capazes de se tornarem atores e criarem por meio da linguagem teatral pode ser confirmada quando a criança atua dramaticamente num ambiente de estímulo à iniciativa e à liberdade. Nesses momentos aparecem muitas falas relacionadas ao trabalho desenvolvido, às vidas das crianças e à alegria demonstrada pela presença do Projeto na instituição. Em nossa passagem por várias outras escolas as crianças nos deixam recados em folhas de papel, 0286 com desenhos e declarações tais como essas: “Eu posso morar no LUDIBUS? queria que fosse minha casa, eu posso dormir no banco mesmo”. “Busão muito legal, 100% cultural” e “Invente o que você quiser, pois o limite é a imaginação”. No campo das artes visuais desenvolvemos com as crianças inúmeras propostas relacionadas ao desenho e à pintura, no sentido de levar as crianças a soltarem sua imaginação, sem amarras. Percebemos, muitas vezes, que as crianças não consideram seus desenhos bons o bastante e buscam a aprovação dos adultos em relação às suas criações. Em todos esses momentos unimos as propostas de desenho e pintura à oralidade, às falas das crianças nos momentos da feitura ou após suas criações estarem finalizadas. Algumas das propostas envolveram tintas, papel cartão e cartolinas, pincéis variados, papéis coloridos. Outras consistiram em pedir que as crianças desenhassem a partir de uma simples interferência na folha de papel, a partir de duas linhas retas ou uma linha curva. Casas, prédios, barquinhos, baleias, peixes, montanhas, paisagens, pessoas tomaram forma e falaram um pouco a respeito do que de fato toca às crianças. Nesse sentido vale ressaltar a atividade da “Mandala”. Entregamos às crianças uma folha de papel sulfite com o desenho de um círculo grande no centro. Conversamos a respeito da Mandala e explicamos ser a Mandala um círculo. Nesse círculo pode estar a essência das coisas das quais gostamos, que nos são caras, importantes. Em nossa explicação dissemos que o círculo protege as melhores coisas da vida, as coisas boas ficam dentro dele. Fora da Mandala ficam as coisas desagradáveis, ruins, que nos fazem mal. O que é ruim não entra na essência da Mandala, no “círculo mágico”. Pedimos que as crianças, se quisessem, desenhassem coisas que considerassem boas dentro da Mandala e as coisas que considerassem ruins, que deixassem de fora do círculo mágico. Em todo o processo, a equipe conversou e colheu relatos das crianças. Alguns desses desenhos, aliados aos relatos nos revelaram situações surpreendentes. Em um dos desenhos, elaborado por uma menina de dez anos, visualizamos dentro da Mandala uma menina sentada numa cadeira de dentista e o dentista ao lado. Inicialmente, consideramos a possibilidade de a criança não ter compreendido a proposta, de colocar dentro da Mandala apenas as coisas que considerasse boas, agradáveis. Geralmente as crianças e inclusive os adultos não gostam muito de ter de ir ao dentista. Mas 0287 qual não foi nossa surpresa ao ouvir a explicação: seus dentes, já permanentes, estavam bastante cariados e alguns até escurecidos. A criança disse sentir-se envergonhada pela situação e relatou que tudo o que ela queria era poder tratar dos dentes. Por isso, seu grande sonho era estar naquela cadeira de dentista. Em outro desenho, também de uma menina de cerca de dez anos, vemos dentro do círculo da Mandala um homem em uma sala de aula. A criança disse que ele era um professor. Conversando mais sobre o desenho, ela nos relatou que aquela era a representação de seu pai. Perguntamos se ele era professor. A menina respondeu que não, que seu pai estava preso, mas que ela gostaria muito que ele fosse um professor, pois era uma profissão muito linda e ela teria muito orgulho dele. Depreende-se daí que a criança pode ter tido bons contatos e relações com seus professores e professoras, para desejar que seu pai tivesse essa profissão, fonte de orgulho para ela. Do lado de fora da Mandala escreveu a palavra “drogas” e disse que elas fazem muito mal. Os saraus culturais realizados no ano de 2013 também atestam que quando há liberdade para que a criação aconteça, as crianças avançam no seu fazer artístico, falam de si e de seu mundo por meio da arte e criam produções com qualidades artísticas e documentais, no sentido de conhecermos mais seu universo de relações e concepções sobre o mundo. Ocorreram leituras de histórias escolhidas pelas crianças, leituras com dramatização com o recurso dos fantoches, elaboração de músicas, coreografias improvisadas com arcos e bambolês, entre outras atividades. Estas são algumas das atividades que selecionamos para relatar, entre tantas outras em momentos variados, durante nossas visitas à instituição parceira. As professoras das turmas participaram e contribuíram com todas as atividades e importantes momentos de trocas ocorreram. Músicas, coreografias improvisadas, cenas e histórias, desenhos e pinturas foram criados pelas crianças em momentos de liberdade criativa aliada às mediações da equipe do Projeto. Todas as atividades foram permeadas pelo elemento lúdico, pelo jogo e por brincadeiras. Conclusão Apresentamos aqui uma discussão que consideramos pertinente sobre a importância das linguagens artísticas para o processo educacional da 0288 criança da Educação Básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental-ciclo I) sob a ótica da Sociologia da Infância, que vê a criança como ser ativo, criativo e criador pessoal de cultura. Essa discussão se deu no âmbito de um Projeto que alia em seu bojo ensino, pesquisa e extensão universitária: o Projeto LUDIBUS, que conta com um ônibus equipado e adaptado para o trabalho com artes e atividades lúdicas nas escolas e instituições de ensino da cidade de Marília- SP. O trabalho realizado no âmbito do Projeto visa a sensibilizar professores e crianças da Educação Básica para a importância da arte, por meio de atividades lúdicas, para o processo de formação humana. Uma formação de fato mais abrangente, capaz de abarcar os aspectos culturais voltados para a criação, a apreciação, a reflexão sobre o fazer artístico; que considere a estética, a sensibilidade, a subjetividade aliada à objetividade, entre outros elementos da cultura. Consideramos ter demonstrado que é possível desenvolver pesquisas e atividades com foco nas crianças e seus processos de criação, valorizando o que ela tem a dizer e analisar as criações e falas infantis à luz da Sociologia, não como contraponto às explicações dadas pela Psicologia, mas como forma de valorizar as crianças em suas culturas de pares, em ambientes escolares e coletivos, mesmo quando alguma atividade é mais individualizada. A importância de tal trabalho é a de mostrar que, no campo das artes, assim como em todos os outros da cultura, a criança tem algo a dizer, a compartilhar e nos auxiliar no avanço do conhecimento. Se buscamos por meio da educação um processo de democratização da sociedade, não podemos deixar a infância apartada disso e as crianças sem voz. Ouvir suas vozes é imprescindível para que possamos de fato desenvolver um trabalho com elas e não meramente para elas. Referências BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. Vol. 3. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Resolução n º 5, de dezembro de 2009. Brasília: MEC, 2009. 0289 CANCLINI, Nestor García. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. São Paulo: Cultrix, 1984. CORDEIRO, A. P. Os meninos da rua da descida: uma proposta de arte e vida através do teatro. 1997. 98 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista. Marília, 1997. CORSARO. W. A. 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