RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta tese será disponibilizado somente a partir de 01/03/2019. Implicações taxonômicas das variações anatômicas em Hypotrachyna s.l. (Parmeliaceae, Ascomycota liquenizados) CAMILA APARECIDA ZANETTI Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Câmpus de Botucatu, UNESP, para obtenção do título de Doutora no Programa de Pós- Graduação em Ciências Biológicas (Botânica), AC: Morfologia e Diversidade Vegetal BOTUCATU – SP - 2018 - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS DE BOTUCATU Implicações taxonômicas das variações anatômicas em Hypotrachyna s.l. (Parmeliaceae, Ascomycota liquenizados) CAMILA APARECIDA ZANETTI MARCELO PINTO MARCELLI ORIENTADOR Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Câmpus de Botucatu, UNESP, para obtenção do título de Doutora no Programa de Pós- Graduação em Ciências Biológicas (Botânica), AC: Morfologia e Diversidade Vegetal BOTUCATU – SP - 2018 – FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO – CAMPUS DE BOTUCATU – UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSANGELA APARECIDA LOBO-CRB 8/7500 Zanetti, Camila Aparecida. Implicações taxonômicas das variações anatômicas em Hypotrachyna s.l. (Parmeliaceae, Ascomycota liquenizados) / Camila Aparecida Zanetti. - Botucatu, 2018 Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Botucatu Orientador: Marcelo Pinto Marcelli Capes: 20304013 1. Anatomia comparada. 2. Hypotrachyna. 3. Parmeliaceae. 4. Líquens. 5. Anatomia vegetal. 6. Taxonomia vegetal. Palavras-chave: Anatomia comparada, córtex superior, Hypotrachyna, Liquens, Parmelinopsis. III AGRADECIMENTOS À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – Botucatu), seu corpo docente e técnico-administrativo, por permitirem a realização deste trabalho. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado concedida. Ao Departamento de Botânica por disponibilizar infraestrutura e equipamentos para a realização do projeto. Ao Centro de Microscopia Eletrônica da UNESP – Botucatu, pelo auxílio no preparo e processamento de amostras. À Seção Técnica de Pós-Graduação por toda ajuda sempre que necessário. Ao meu orientador Dr. Marcelo Marcelli, pelos sábios ensinamentos, pela confiança, compreensão e amizade ao longo destes anos de orientação. À Profa. Silvia Machado e ao Laboratório de Pesquisas em Anatomia Vegetal (LAPAV) por disponibilizarem infraestrutura e materiais de consumo para a realização deste trabalho. Ao Kléber, técnico do laboratório de Anatomia, agradeço por toda ajuda sempre que necessário. À Profa. Simone de Pádua Teixeira pela gentileza em disponibilizar seu laboratório para as análises finais da tese. Também agradeço a Flávia, Giseli e ao Edimárcio pela ótima recepção e ajuda nos dias em que estive no laboratório. Aos meus amigos Clivia, Yve e Felipe, agradeço pela amizade e puxões de orelha e principalmente, pelo imenso apoio sempre que eu precisei. Ao Sérgio, agradeço pela imensa paciência e carinho, além das preciosas sugestões e críticas para a melhora deste trabalho. Aos meus pais Lê e Kido e ao meu irmão Victor que são meu porto seguro. Tudo é e sempre será para vocês. Muito obrigada! Camila IV SUMÁRIO Resumo 6 Introdução Geral 10 Referências Bibliográficas 15 Capítulo 1 - Caracterização anatômica de Hypotrachyna s.s. (Parmeliaceae), com ênfase nas variações corticais 20 Resumo ............................................................................................................................................ 21 Introdução ....................................................................................................................................... 22 Material e Métodos ......................................................................................................................... 24 Resultados ....................................................................................................................................... 26 Discussão......................................................................................................................................... 32 Considerações Finais ....................................................................................................................... 40 Agradecimentos .............................................................................................................................. 40 Referências Bibliográficas .............................................................................................................. 41 Tabela 1 ........................................................................................................................................... 45 Tabela 2 ........................................................................................................................................... 46 Lista de figuras: ............................................................................................................................... 50 Capítulo 2 - Estudos anatômicos em Hypotrachyna s.l. (Ascomycota Liquenizados) e suas aplicações taxonômicas 59 Resumo ............................................................................................................................................ 59 Introdução ....................................................................................................................................... 60 Material e Métodos ......................................................................................................................... 62 Resultados e Discussão ................................................................................................................... 64 Considerações Finais ....................................................................................................................... 77 Agradecimentos ............................................................................................................................... 78 Referências Bibliográficas .............................................................................................................. 78 Lista de Figuras ............................................................................................................................... 89 Capítulo 3 - A anatomia corrobora a recente sinonimização de Parmelinopsis em Hypotrachyna? 102 Resumo:......................................................................................................................................... 102 Introdução ..................................................................................................................................... 103 Material e Métodos ....................................................................................................................... 105 V Resultados e Discussão ................................................................................................................. 107 Considerações Finais ..................................................................................................................... 115 Agradecimentos ............................................................................................................................. 115 Referências Bibliográficas ............................................................................................................ 116 Tabela 1 ......................................................................................................................................... 119 Tabela 2 ......................................................................................................................................... 120 Lista de Figuras ............................................................................................................................. 124 Considerações Finais 135 6 ZANETTI, C.A. Implicações taxonômicas das variações anatômicas em Hypotrachyna s.l. (Parmeliaceae, Ascomycota liquenizados). 2018. 135 p. TESE (DOUTORADO) – INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, BOTUCATU. RESUMO - Hypotrachyna (Parmeliaceae) foi proposto por Hale em 1974 baseado em Parmelia subgênero Parmelia seção Hypotrachyna. Sua circunscrição incluía espécies com ramos sublineares, as vezes alongados e apicalmente subtruncados, apotécios imperfurados e adnatos, raramente subestipitados, rizinas dicotomicamente ramificadas, uniformemente distribuídas na superfície inferior negra. Segundo ele, o córtex superior seria plectenquimático paliçádico com epicórtex porado. Foi apenas cerca de 30 anos depois que Divakar et al. mostraram que Hypotrachyna, como então circunscrito, é polifilético e sugeriram uma detalhada revisão morfológica e anatômica para a reestruturação do gênero. Em 2013 Parmelinopsis, Cetrariastrum e Everniastrum foram reduzidos a subgêneros de Hypotrachyna, mas Parmelinopsis e Hypotrachyna continuaram sendo polifiléticos. Estudos morfológicos recentes têm levantado a possibilidade de que algumas características anatômicas ainda não estudadas, aliadas a uma abordagem minuciosa de outras já consideradas, muito provavelmente forneceriam importante subsídio a um rearranjo na classificação de gêneros e definição de espécies em Parmeliaceae, especialmente Hypotrachyna. Tendo isso em vista foram aqui anatomicamente estudadas 23 espécies de Hypotrachyna s.l., que foram processadas de acordo com o protocolo de Barbosa et al. e adaptado por Zanetti et al., desenvolvidos na UNESP/Botucatu. O córtex superior continua sendo um caráter útil na separação de espécies, apresentando características próprias dentro de um mesmo grupo. A medula e a camada de algas, no entanto, apresentam variações específicas, não sendo bons caracteres para a separação de gêneros. O córtex inferior, por não apresentar grande variação dentro de Parmeliaceae, não é um bom caráter para separar grupos. Foi possível sugerir que a atual delimitação de Hypotrachyna não é monofilética e que da forma como se encontra organizado apresenta grupos de espécies que podem ser separadas em diferentes gêneros, o que pode ser visto aqui baseado principalmente nas características do córtex superior. Em Hypotrachynella, Lyngenella e Vainia (gêneros ainda não publicados), foi possível concluir que as características anatômicas do córtex superior são constantes para cada gênero estudado corroborando com a recente 7 segregação de Hypotrachyna, embora esta característica não tenha sido eficiente para separar sozinha Lyngenella de Vainia, que apresentam características muito parecidas entre si. Para Parmelinopsis, as características anatômicas encontradas são diferentes daquelas vistas em Hypotrachyna s.s. e desta forma, os estudos anatômicos não corroboram com a sua sinonimização em Hypotrachyna. Palavras-chave: Anatomia comparada, córtex superior, liquens, Parmelinopsis. 8 ZANETTI, C.A. Taxonomic implications of anatomical variations in Hypotrachyna s.l. (Parmeliaceae, Ascomycota lichenized). 2018. 135 p. THESIS (DOCTORATE DEGREE) – INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, UNESP – UNIVERSDADE ESTADUAL PAULISTA, BOTUCATU. ABSTRACT - Hypotrachyna (Parmeliaceae) was proposed by Hale in 1974 based on Parmelia subgenus Parmelia section Hypotrachyna. Its circumscription included species with sublinear branches, sometimes elongated and apically subtruncate, imperforate apothecia and adnate, rarely subestipitate, and dichotomically branched rhizines, uniformly distributed in the lower black surface. According to him, the upper cortex would be palisade plectenchymatous with porate epicortex. It was only about 30 years later that Divakar et al. showed that Hypotrachyna, as then circumscribed, is polyphyletic and suggested a detailed morphological and anatomical revision for the restructuring of the genus. In 2013 Parmelinopsis, Cetrariastrum and Everniastrum were reduced to Hypotrachyna subgenera, but Parmelinopsis and Hypotrachyna remained polyphyletic. Recent morphological studies have raised the possibility that some anatomical features not yet studied, coupled with a thorough approach to others already considered, would probably provide important support for a rearrangement of genus classification and species definition in Parmeliaceae, especially in Hypotrachyna. Twenty-three species of Hypotrachyna s.l. were anatomically studied and processed according the protocol of Barbosa et al. adapted by Zanetti et al., both developed in studies developed at UNESP / Botucatu. The upper cortex continues to be a useful character in the separation of species, that present its own characteristics within a same group. The medulla and algal layer, however, present specific variations, not being good characters for the separation of genera. The lower cortex does not show significative variation within Parmeliaceae and is not a good character to separate groups. It was possible to suggest that the current delimitation of Hypotrachyna is not monophyletic and the manner how it is organized nowadays this name encloses several groups of species, some of them here represented mainly by the variation of the upper cortex structure. In Hypotrachynella, Lyngenella and Vainia (unpublished genera), it was possible to conclude that the anatomical characteristics of the upper cortex are constant for each genus studied, corroborating the recent segregation of Hypotrachyna, although this characteristic was not efficient alone to separate Lyngenella from Vainia, which are very similar in anatomy. For Parmelinopsis, the anatomical features found are quite 9 different from those seen in Hypotrachyna s.s. and thus the anatomical studies do not corroborate with its synonymizing under Hypotrachyna. Keywords: Compared anatomy, upper cortex, lichens, Parmelinopsis 10 Introdução Geral Fungos liquenizados são aqueles que obrigatoriamente se associam a fotobiontes, formando uma estrutura chamada líquen (Marcelli 1998). Eles não constituem uma unidade taxonômica, mas sim um grupo biológico formado por um fotobionte (alga ou cianobactéria) e um micobionte (fungo) (Nash III 2008). O micobionte pode ser um Ascomiceto ou Basidiomiceto (Hale 1983). O elemento básico dos fungos é a hifa. Sua parede consiste em pelo menos duas camadas, uma multilaminada e uma granular, rodeadas extracelularmente por uma camada de polissacarídeo fibrilar, onde podem ser encontradas bactérias e cristais de substâncias liquênicas. As células hifais são altamente vacuoladas e o plasmalema é invaginado (Hale 1983). Os liquens têm dois tipos de hifas: umas altamente gelatinizadas, que com o auxílio da capilaridade absorvem grandes quantidades de água com velocidade e eficiência, e outras de paredes finas com incrustações de cristais hidrofóbicos que, durante o umedecimento, impedem que a água preencha certas regiões onde são formadas bolhas de ar (Brodo 1961). A estrutura e o desenvolvimento dos tecidos dependem da forma das células e do tipo particular de contato entre elas. Isto é conseguido pela aderência mútua das paredes celulares, pela formação de anastomoses ou pela gelatinização das paredes celulares. Outros fatores importantes são a direção do crescimento e a orientação das hifas entre si e na superfície do talo (Jahns 1973). Os tecidos do talo consistem em certos tipos celulares, que são derivados das células das hifas (Jahns 1973). Eles são compostos por hifas compactadas, orientadas em várias direções dando aparência de organização celular. Para este tipo de organização, dá-se o nome de plectênquima (Hale 1983). Alguns plectênquimas são similares a tecidos de plantas e com isso recebem nomes que expressam esta semelhança. Se a estrutura celular do plectênquima consistir em células compactadas com paredes delgadas, lembrando parênquima, ele será chamado de paraplectênquima ou pseudoparênquima. Se as paredes celulares forem fortemente gelatinizadas, similar ao colênquima, ele será chamado de prosoplectênquima (Jahns 1973). Há ainda o escleroplectênquima, que é formado por 11 células de paredes espessas e lúmen estreito, com organização semelhante ao esclerênquima de plantas superiores (Kitaura & Marcelli 2013). A definição de plectênquima não é padronizada e varia de acordo com o autor (Hale 1983; Barbosa & Marcelli 2009). A principal divergência refere-se ao fato de que enquanto alguns autores utilizam um termo para definir um tipo morfológico de estrutura, outros utilizam os mesmos termos para descrever regiões específicas do talo (Ozenda 1963). Essas divergências levam a problemas conceituais, que interferem diretamente nas descrições anatômicas (Barbosa 2004). O plectênquima pode ser considerado um falso tecido próprio dos fungos (Font- Quer 1977), falso tecido formado por filamentos celulares das talófitas (Ozenda 1963) ou ainda um falso tecido formado por hifas fracamente entrelaçadas, interconectadas por anastomoses ou firmemente compactadas (Jahns 1973). Alguns autores consideram o plectênquima como um tecido verdadeiro considerando-o um tecido formado por hifas que se tornam entrelaçadas e compactadas (Hawksworth et al. 1995; ABRS 2009). A própria definição de tecido é muitas vezes controversa. Neste trabalho, para considerarmos o plectênquima como um tipo verdadeiro de tecido, adotamos por definição que tecidos são formados por células posicionadas lado a lado (Mauseth 1988). A morfologia do talo é otimizada para absorção e/ou perda de água dentro de um habitat específico, e sua estrutura anatômica deve seguir princípios que permitam um ótimo ganho de dióxido de carbono do fotobionte sob um determinado regime de umidade (Büdel & Scheidegger 2008). Os tipos morfológicos mais comuns são crostosos, foliosos e fruticosos (Marcelli 2006). Os talos foliosos possuem estrutura laminar e dorsiventral, comumente apresentam córtex inferior e se prendem ao substrato por rizinas. Suas ramificações podem ser chamadas de lobos, quando são arredondados, e lacínios, quando são estreitos e alongados, com formato de fita (Marcelli 2006). Anatomicamente, os talos foliosos podem ser separados em dois tipos distintos: os talos homômeros, que não apresentam diferenciação em camadas na estrutura interna e os heterômeros, que possuem pelos menos dois estratos internos distintos: a medula e a camada de algas (Hale 1961, Marcelli 2006). 12 Em Parmeliaceae, a maioria dos talos é folioso e podem variar quanto a sua forma, dimensão e contato com o substrato, mas sua estrutura anatômica apresenta certa unidade (Ozenda 1963). Parmeliaceae é a família mais importante e diversificada na paisagem liquênica do Brasil (Marcelli 1998, 2012) e por isso tem sido objetivo principal dos estudos do Grupo de Estudos Liquenológicos (Benatti 2005, 2010; Canêz 2005, 2009; Jungbluth 2006; Marcelli et al. 2011; Spielmann 2005, 2010), inclusive na abordagem anatômica, que já revelou boa quantidade de estruturas inéditas (Barbosa 2004, 2009; Kitaura 2012; Zanetti et al. 2015), estabeleceu e adequou terminologia e registrou diferenças significativas entre a anatomia do talo de alguns gêneros e espécies importantes (Barbosa 2009; Barbosa & Marcelli 2009, 2010a/b; Barbosa et al. 2009a/b, 2010; Zanetti et al. 2015), porém baseadas principalmente no estudo meticuloso do córtex superior. A estrutura dos liquens foliosos heterômeros normalmente é composta por córtex superior, camada de algas, medula e córtex inferior, que pode estar ausente em alguns gêneros (Hale 1979). O córtex pode ser formado por uma ou várias camadas de células, com diferentes espessuras da parede e padrões de orientação celular distintos, variando de acordo com gêneros e espécies e nem sempre formando um estrato contínuo (Jahns 1973). Em Parmeliaceae, o córtex é constituído por plectênquima paliçádico, mais ou menos verticalmente organizado, fracamente compactado e pode ser recoberto por um epicórtex, uma fina camada de polissacarídeos, perfurada por poros de 10-20 µm de diâmetro, que podem estar relacionados às trocas gasosas (Hale 1981, 1983). As camadas corticais e o epicórtex contêm frequentemente substâncias liquênicas específicas (Hale 1983). A anatomia do córtex inferior pode diferir do córtex superior em uma mesma espécie (Barbosa 2009). O córtex superior serve como uma cobertura protetora sobre a superfície do talo, como a epiderme de uma planta. Estudos utilizando o Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV) revelaram novos detalhes de modificações estruturais que servem para suporte e troca gasosa, mostrando que o córtex é muito mais complexo do que se imaginava (Hale 1983). 13 É dentro da camada de algas que se estabelece o contato entre os parceiros da simbiose, e as relações entre algas e hifas variam consideravelmente. A espessura da camada de algas varia em diferentes gêneros e a posição da camada de algas pode variar no talo. No entanto, as algas estão situadas na parte do talo onde as hifas são suficientemente frouxas deixando espaço entre elas e onde têm um ótimo de intensidade luminosa, sendo que elas raramente serão encontradas na superfície ou no interior do talo (Jahns 1973). A maioria das espécies de fungos liquenizados contém algas verdes como fotobiontes. Na ordem Lecanorales (onde é encontrada a família Parmeliaceae), Trebouxia é o fotobionte mais frequente (Nash III 2008). Na maioria dos liquens foliosos, a medula ocupa a maior parte do volume interno do talo. Normalmente consiste em hifas de células longas e frouxamente entrelaçadas, formando uma camada com aparência felpuda, com amplo espaço entre as hifas. A parte superior da medula forma a camada de algas (Büdel & Scheidegger 2008). O hábito de um líquen é devido não só à forma de crescimento, mas também é resultado de características anatômicas especiais. A forma da superfície do talo depende da anatomia do córtex superior, mostrando que a aparência externa e a estrutura interna são interdependentes (Jahns 1973). Os liquens produzem estruturas vegetativas e reprodutivas de importância taxonômica que são fundamentais para identificação de gêneros e espécies (Hale 1983). Assim como a morfologia externa, vários aspectos anatômicos necessitam de maior detalhamento (Marcelli 2012). Hypotrachyna (Parmeliaceae) foi proposto por Hale (1974), baseado em Parmelia subgênero Parmelia seção Hypotrachyna. Sua circunscrição incluía espécies com lobos sublineares, as vezes alongados e apicalmente subtruncados, apotécios imperfurados e adnatos, raramente subestipitados, rizinas dicotomicamente ramificadas, uniformemente distribuídas na superfície inferior negra. Segundo ele, o córtex superior seria plectenquimático paliçádico com epicórtex porado. Divakar et al. (2006) mostraram que Hypotrachyna é polifilético e sugeriram uma detalhada revisão morfológica e anatômica para a reestruturação do gênero. Em 2010, Remototrachyna foi segredado de Hypotrachyna baseado em características morfológicas e moleculares (Divakar et al. 2010) e em 2013 Parmelinopsis, 14 Cetrariastrum e Everniastrum foram reduzidos a subgênero de Hypotrachyna, mas mesmo assim, Parmelinopsis e Hypotrachyna continuaram sendo polifiléticos (Divakar et al. 2013). Nesta nova circunscrição o gênero tem cerca de 270 espécies. Uma extensa revisão taxonômica do gênero baseada em caracteres morfológicos, anatômicos e químicos, propôs a divisão de Hypotrachyna em quatro novos gêneros: Lyngenella, com ácido livídico como seu composto principal, relacionado ao grupo Hypotrachyna livida; Hypotrachynella, que agrega espécies com ácido girofórico e está relacionado ao grupo de Hypotrachyna pluriformis; Vainia, com ácidos equinocárpico e lecanórico; e Martiana, que produz os ácidos evérnico e lecanórico conjuntamente e não possui ácido barbático, além de Hypotrachyna s.s. (Hora 2015; Hora et al. 2017a,b no prelo). Estudos morfológicos recentes têm levantado a possibilidade de que algumas características anatômicas ainda não estudadas, aliadas a uma abordagem minuciosa de outras já estudadas, muito provavelmente fornecerão importante subsídio a um rearranjo na classificação de gêneros e definição de espécies em Parmeliaceae, especialmente Hypotrachyna, cujo estudo químico e morfológico (Hora et al. 2017a,b no prelo) já tem encontrado apoio em dados moleculares recém-publicados (Divakar et al. 2013). Neste trabalho, seguiu-se a nomenclatura e nova divisão taxonômica sugerida por Hora (2015). Desta forma, os nomes dos gêneros e algumas espécies novas estudados ainda não foram publicados pela autora, mas estão sendo aqui utilizados para perfeita correlação e corroboração ao seu trabalho. Tendo em vista a grande complexidade anatômica e a necessidade de reestruturação de Hypotrachyna, este trabalho tem por objetivos: 1. Atualizar e agregar informações anatômicas para os gêneros estudados; 2. Verificar a possível relevância taxonômica das características anatômicas em Hypotrachyna s.l; 3. Descrever detalhadamente a anatomia do talo de espécies de Hypotrachyna s.l., verificando se a anatomia corrobora a recente segregação de gêneros. 4. Verificar se a anatomia corrobora sinonimização de Parmelinopsis em Hypotrachyna. 15 Referências Bibliográficas ABRS. 2009. Australian Faunal Directory. Australian Biological Resources Study, Canberra. http://www.environment.gov.au/biodiversity/abrs/online-resources/fauna/afd/index.htm Acesso em 21 de dezembro de 2016. Barbosa, S.B. 2004. Estudos anatômicos em quatro espécies de Parmeliaceae (Ascomycota liquenizados). Dissertação de mestrado. Universidade Estadual Paulista – UNESP, Botucatu. Barbosa, S.B. 2009. Aplicabilidade taxonômica de variações anatômicas em fungos liquenizados. Tese de doutorado. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu. Barbosa, S.B. & Marcelli, M.P. 2009. Plectênquimas – tipos e definições. Glalia 2(1): 1-9. Barbosa, S.B. & Marcelli, M.P. 2010a. Comparative thallus anatomy of two Parmotrema (Parmeliaceae, lichenized Ascomycetes) with reticulate maculae. Acta bot. bras. 24(3): 803-811. Barbosa, S.B. & Marcelli, M.P. 2010b. Considerações sobre a definição de epicórtex. Glalia 3(1): 1-11. Barbosa, S.B., Marcelli, M.P. & Machado, S.R. 2009a. Evaluation of different protocols for anatomical studies in Parmeliaceae (lichenized Ascomycota). Micron 40: 218–225. Barbosa, S.B., Marcelli, M.P. & Machado, S.R. 2009b. Thallus structure and isidium development in two Parmeliaceae species (lichenized Ascomycota). Micron 40: 536– 542 Barbosa, S.B., Marcelli, M.P. & Machado, S.R. 2010. Thallus anatomy of Canoparmelia texana (Parmeliaceae, lichenized Ascomycota). Biota Neotropica 10(3): 150-154. Benatti, M.N. 2005. Os gêneros Canomaculina, Parmotrema e Rimelia (Parmeliaceae, Ascomycetes) no litoral centro-sul do Estado de São Paulo. Dissertação de mestrado. Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, São Paulo. Benatti, M.N. 2010. Revisão taxonômica do gênero Bulbothrix Hale (Parmeliaceae, Ascomycota liquenizados). Tese de doutorado. Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, São Paulo. 16 Brodo, I.M. 1961. A Study of Lichen Ecology in Central Long Island, New York. Am. Midl. Natur. 65(2): 290‒310. Büdel, B. & Scheidegger, C. 2008. Thallus morphology and anatomy. In Nash, T. H. III. (ed.), Lichen Biology. Cambridge University Press, Cambridge, pp. 40-68. Canêz, L.S. 2005. A família Parmeliaceae na localidade de Fazenda da Estrela, município de Vacaria, Rio Grande do Sul, Brasil. Dissertação (mestrado). Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. São Paulo. 292 p. Canêz, L.S. 2009. Estudos taxonômicos em Punctelia (Parmeliaceae, Ascomycetes Liquenizados) Tese de doutorado. Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, São Paulo. Divakar, P. K., Crespo, A., Blanco, O. & Lumbsh, T.H. 2006. Phylogenetic significance of morphological characters in the tropical Hypotrachyna clade of parmelioid lichens (Parmeliaceae, Ascomycota). Molecular Phylogenetics and Evolution 40: 448-458. Divakar, P. K., Lumbsch, H. T., Ferencova, Z., Del Prado, R. & Crespo, A. 2010. Remototrachyna, a newly recognized tropical lineage of lichens in the Hypotrachyna clade (Parmeliaceae, Ascomycota), originated in the Indian subcontinent. American Journal of Botany 97: 579–590. Divakar, P.K. Crespo, A., Núñez-Zapata, J., FLAKUS, A., Sipman, H. J. M., Elix, J. A. & Thorsten Lumbsch, H. 2013. A molecular perspective on generic concepts in the Hypotrachyna clade (Parmeliaceae, Ascomycota). Phytotaxa 132 (1), 21–38. Font-Quer, P. 1977. Diccionario de Botánica. 6ed. Editorial Labor, Barcelona. Hale, M.E. 1974. Delimitation of the lichen genus Hypotrachyna (Vainio) Hale. Phytologia 28 (4): 340-342. Hale, M.E. 1961. Morphology and anatomy lichens. In: Hale, M.E. (ed.). Lichen Handbook – A guide to the lichens of eastern North America. Smithsonian Institution, Washington, pp. 3-21. Hale, M.E. 1973. Growth. In: Ahmadjian, V. & Hale, H.E. The lichens. Academic Press, New York: pp. 473-492. Hale, M.E. 1979. How to know the lichens. 2nd ed. Wm. C. Brown Company Publishers Dubuque, Iowa. Hale, M.E. 1981. Pseudocyphellae and pored epicortex in the Parmeliaceae: their delimitation and evolutionary significance. Lichenologist 13: 1-10. 17 Hale, M.E. 1983. The Biology of Lichens. 3rd ed. Edward Arnold, London. 190 p. Hawksworth, D.L., Kirk, P.M., Sutton, B.C. & Pegler, D.N. 1995. Dictionary of the Fungi. 8th Edn. International Mycological Institute, CAB International. Hora, B.R. 2015. Estudos taxonômicos em espécies de Hypotrachyna (fungos liquenizados, Parmeliaceae) saxícolas do sudeste brasileiro. Tese de doutorado. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu. Hora B.R., Marcelli M.P. & Kitaura M.J. 2017a – Vainia, a new genus segregated from Hypotrachyna (Parmeliaceae). Hoehnea. In press. Hora B R., Marcelli M.P. & Kitaura M.J. 2017b. Lyngenella, a new genus segregate from Hypotrachyna (Parmeliaceae). Mycosphere. In press. Jahns, H.M. 1973. Anatomy, morphology and development. In: The Lichens. Ahmadjian, V. & Hale, M.E (eds.). Academic Press, London, pp. 3-57. Jungbluth, P. 2006. A família Parmeliaceae (fungos liquenizados) em cerrados do Estado de São Paulo, Brasil. Dissertação de mestrado. Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, São Paulo. Kitaura, M.J. 2012. Estudos taxonômicos de Leptogium (Ach.) S.F. Gray (Collemataceae, fungos liquenizados). Tese de doutorado. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu. Kitaura, M.J. & Marcelli, M.P. 2013. A revision of Leptogium species with spherical- celled hairs (section Mallotium p.p.). The Bryologist 116: 15-27. Marcelli, M.P. 1998. History and current knowledge of Brazilian lichenology. In: Marcelli, M.P. & M.R.D. Seaward (Eds). Lichenology in Latin America: history, current knowledge and applications, p. 25-45. CETESB. São Paulo. Marcelli, M.P. 2006. Fungos Liquenizados. In: Xavier Filho, L. (ed.). Biologia de Liquens, João Pessoa, pp. 1-25. Marcelli, M.P. 2012. A diversidade oculta dos liquens foliosos no Brasil. In: Pereira, E.C., Mota-Filho, F.O., Martins, Buril, M.L.L. & M.C.B, Rodrigues (Eds). A liquenologia brasileira no início do século XXI, p. 41-54. Editora e gráfica CCS, Recife. Marcelli, M.P., Canêz, L.S., Benatti, M.N., Spielmann, A.A., Jungbluth, P. & Elix J. A. 2011. Taxonomical novelties in Parmeliaceae. Bibliotheca Lichenologica 106: 211-224. Mauseth, J. D. Plant Anatomy. 1st ed. Longman Publishing Group, Londres. Nash, T.H. 2008. Lichen Biology. 2nd ed. University Press, Cambridge. 18 Ozenda, P. 1963. Lichens: Traité d’anatomie végétale. Gebrüder Borntraeger. Nikolassee. Spielmann, A.A. 2005. A família Parmeliaceae (fungos liquenizados) nos barrancos e peraus da encosta da Serra Geral, Vale do Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil. Dissertação (mestrado). Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. São Paulo. 204p. Spielmann, A.A. 2010. Estudos taxonômicos em Parmotrema s.l. (Parmeliaceae, Ascomycota liquenizados) com ácido salazínico. Tese de doutorado. Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, São Paulo. Zanetti, C.A., Jungbluth, P. & Marcelli, M.P. 2015. Comparative anatomy in Canoparmelia and Crespoa species (Parmeliaceae, lichenized fungi). Bryologist 118(2): 184–194 135 Considerações Finais Estudos filogenéticos recentes indicaram que Hypotrachyna é um gênero polifilético que necessita revisão. Por meio de estudos taxonômicos, químicos e anatômicos este gênero foi rearranjado e segregado em 4 gêneros, além de Hypotrachyna s.s. Em 2013, Parmelinopsis, Cetrariastrum e Everniastrum foram reduzidos a subgêneros de Hypotrachyna, mas mesmo com essas alterações, eles continuaram sendo polifiléticos. Foi possível concluir que o córtex superior continua sendo um caráter útil na separação de espécies, apresentando características próprias dentro de um mesmo grupo. A medula e a camada de algas, no entanto, apresentam variações específicas, não sendo bons caracteres para a separação de gêneros. O córtex inferior, por não apresentar grande variação dentro de Parmeliaceae, não é um bom caráter para separar grupos. A anatomia foi útil para elucidar algumas dúvidas que não puderam ser resolvidas com análises morfológicas, como por exemplo o padrão acetinado e aveludado, que se confirmou ser o reflexo da superfície convexa das hifas do córtex superior. Além disso, foi possível confirmar a presença de outras estruturas importantes em Hypotrachyna, como a linha negra e o aeroplectênquima. As espécies estudadas de Hypotrachyna s.s. revelaram a presença de cinco grupos de acordo com as características do córtex superior, sendo que o padrão noticiado para o gênero é um córtex superior prosoplectenquimático compacto na região distal e lacunoso na região proximal. A presença destes grupos concorda com a bibliografia em que a atual delimitação de Hypotrachyna ainda está distante de ser monofilética. Quanto a Hypotrachynella, Lyngenella e Vainia, o estudo anatômico permitiu concluir que as características anatômicas do córtex superior são constantes para cada gênero estudado e possuem valor taxonômico, corroborando com a recente segregação de Hypotrachyna. No entanto, as características anatômicas ainda não foram suficientes para sozinhas separar Lyngenella e Vainia, que apresentam características muito parecidas entre si, como o córtex superior, por exemplo. Para Parmelinopsis, de acordo com as características corticais diferentes das encontradas em Hypotrachyna s.s., é possível concluir que os estudos anatômicos não corroboram com a sinonimização de Parmelinopsis em Hypotrachyna.