KALLEB VINICIUS MACHADO DE PAIVA A abordagem humanista no Ensino de Física: uma proposta com experimentos de baixo custo Guaratinguetá - SP 2022 MODELO TCC - SE NÃO FOR ESSE SEU TIPO DE TRABALHO, FAVOR APAGAR Kalleb Vinicius Machado de Paiva A abordagem humanista no Ensino de Física: uma proposta com experimentos de baixo custo Trabalho de Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Graduação em Licenciatura em Física da Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Graduação em Licenciatura em Física. Orientadora: Profa. Dra. Alice Assis Coorientador (a) se houver: (Prof. Dr. ou Prof. Me.) Nome Completo Guaratinguetá – SP 2022 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, nosso Criador, que me concede em cada amanhecer a oportunidade de aprimorar meus conhecimentos. Agradeço a Ele pela graça de poder concluir mais uma etapa em minha vida. Agradeço à minha família, especialmente aos meus pais, por toda compreensão e ajuda carinhosa durante o curso, principalmente na elaboração deste trabalho, que requereu muitas horas de estudo. Agradeço à minha orientadora Alice Assis por ter despertado em mim uma nova forma de enxergar o que é ser professor, e também por acreditar no meu potencial em busca da minha tão sonhada graduação. RESUMO Este trabalho visa investigar concepções humanistas de Carl Rogers para a educação que possam contribuir para o Ensino de Física. A importância das formulações psicopedagógicas de Rogers para a atividade docente contemporânea se torna evidente quando se observa que um determinado alinhamento de competências (a ser cultivado pelo docente) pode gerar um processo evolutivo de conhecimento e também de mudança de comportamento do discente, que através da experiência e da experimentação, utiliza mais do seu potencial natural para o aprendizado. Dessa forma, a proposta deste trabalho para o Ensino de Física é o uso de uma abordagem centrada no aluno em conjunção com atividades experimentais de baixo custo, e assim buscar uma aprendizagem significativa em Física concomitante ao crescimento do aluno como pessoa. É importante compreender que o uso de uma metodologia de ensino mais estimulante, a exemplo da construção de experimentos pelas mãos dos próprios alunos, faz com que a aprendizagem seja finalmente percebida como algo relevante para a vida dos estudantes. Dessa maneira, a Física pode deixar de ser entediante e descontextualizada, passando a ser uma ciência que gera curiosidade, motiva descobertas e produz conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: Humanismo. Carl Rogers. Aluno. Ensino de Física. Experimento de Baixo Custo. Aprendizagem significativa. ABSTRACT This work aims to investigate Carl Rogers’ humanistic conceptions to education that can contribute to the Physics Teaching. The importance of Rogers' psychopedagogical formulations for contemporary teaching activity becomes evident when it is observed that a certain alignment of competences (to be cultivated by the teacher) can generate an evolutionary process of knowledge and also of change in student behavior, whom through experience and experimentation uses more of its natural potential for learning. In that sense, the proposal of this work for the Physics Teaching is the use of a student-centered approach in conjunction with low-cost experimental activities, and thus seek significant learning in Physics concomitant with student growth as a person. It is important to understand that the use of a more stimulating teaching methodology, such as the construction of experiments by the hands of the students themselves, makes learning finally be perceived as relevant to the students' lives. In that manner, Physics can stop being boring and decontextualized, becoming a science that generates curiosity, motivates discoveries and produces knowledge. KEYWORDS: Humanism. Carl Rogers. Student. Physics Teaching. Low-cost Experiment. Significant learning. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Críticas à educação tradicional ............................................................................. 18 Figura 2 – Ideias centrais do humanismo na educação .......................................................... 18 Figura 3 – Princípios da Aprendizagem Significativa ........................................................... 20 Figura 4 – Visão humanista de professores e estudantes ....................................................... 27 Figura 5 – Dinamômetro ........................................................................................................ 40 Figura 6 – Usina Térmica ....................................................................................................... 42 Figura 7 – Força centrípeta .................................................................................................... 43 Figura 8 – Movimento retilíneo uniformemente acelerado ................................................... 44 Figura 9 – Gerador de energia ................................................................................................ 45 Figura 10 – Lata mágica ......................................................................................................... 47 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Fases do pensamento de Carl Rogers ................................................................... 15 Quadro 2 – Dinamômetro ...................................................................................................... 39 Quadro 3 – Usina de Calor ..................................................................................................... 41 Quadro 4 – Força Centrípeta .................................................................................................. 43 Quadro 5 – Movimento retilíneo uniformemente acelerado .................................................. 44 Quadro 6 – Gerador de energia .............................................................................................. 45 Quadro 7 – Lata mágica ......................................................................................................... 46 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 9 2 HUMANISMO DE CARL ROGERS ............................................................... 12 3 CONCEPÇÃO HUMANISTA PARA A EDUCAÇÃO .................................. 17 3.1 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE CARL ROGERS ..............................19 3.2 APRENDIZAGEM CENTRADA NO ALUNO .................................................. 22 3.3 PEDAGOGIA NÃO-DIRETIVA ......................................................................... 23 3.4 FACILITAÇÃO: PROFESSOR E A TRÍADE ROGERIANA ............................25 4 POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DO HUMANISMO NA FÍSICA ..... 31 4.1 ENSINO DE FÍSICA: PROBLEMAS ..................................................................32 4.2 ABORDAGEM HUMANISTA NO ENSINO DE FÍSICA ..................................34 4.2.1 Atividades experimentais ......................................................................………. 36 4.2.2 Experimentos: possibilidades ............................................................................ 39 4.2.2.1 Dinamômetro ........................................................................................................ 39 4.2.2.2 Usina de Calor ...................................................................................................... 40 4.2.2.3 Força Centrípeta ................................................................................................... 42 4.2.2.4 Movimento retilíneo uniformemente acelerado ................................................... 44 4.2.2.5 Gerador de energia ............................................................................................... 45 4.2.2.6 Lata mágica .......................................................................................................... 46 4.2.3 Resultados esperados ......................................................................................... 47 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 49 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 50 9 1 INTRODUÇÃO O processo de ensino-aprendizagem é objeto de variados estudos que exploram múltiplas concepções e linhas de pensamento. O processo de produção do conhecimento, portanto, é considerado segundo diferentes perspectivas. Nesse sentido, há que se destacar a pesquisa de Carl Rogers (1902-1987), importante psicólogo norte-americano que estendeu os conceitos de sua abordagem teórica humanista para diversas áreas, dentre elas a educação. A abordagem rogeriana considera o ser humano como alguém dotado de uma capacidade perene de atualização de suas potencialidades naturais para o aprendizado (OLIVEIRA et al., 2021). Ao trazer sua Abordagem Centrada na Pessoa para o contexto educacional e assim conceber a Aprendizagem Centrada no Aluno, Rogers contribui grandemente ao considerar que o processo de ensino-aprendizagem seja fruto das possibilidades de mudança envolvidas na relação professor-aluno (AIRES et al., 2015). O papel que o professor exerce é de facilitador da aprendizagem autodirigida pelo aluno, que é figura central de todo esse processo. Rogers divergia da visão obsoleta de aprendizagem que só leva em consideração o aluno “do pescoço para cima”, visão essa que prioriza somente o aspecto cognitivo e ainda confere protagonismo ao professor. Ainda que com o único objetivo de apenas “ensinar”, nesse modelo aprende-se com grande dificuldade e de forma mecanizada uma série de conteúdos descontextualizados que são facilmente esquecidos (COSTA; FERNANDES, 2020). Na concepção humanista de Rogers, a aprendizagem é tratada como “experiencial” ou “significativa” pois abraça a pessoa do aluno como um todo, ou seja, valoriza o ser humano por detrás do estudante ao considerar tanto os aspectos cognitivos quanto os socioafetivos. Por outro lado, o professor é um facilitador do verdadeiro “aprender”, aquele decorrente de um impulso autoiniciado de compreender, que vem de dentro, e é capaz de provocar mudanças no comportamento, nas atitudes e até mesmo na personalidade do aluno, pois o significado para a aprendizagem é a sua essência e acontece em sua experiência como um todo (COSTA; FERNANDES, 2020), perceptível para o próprio aluno como algo que tem relevância para sua vida. Todas essas observações apresentadas por Carl Rogers em sua visão humanista da aprendizagem são inspiradoras, e apesar de todos os problemas que existem nas escolas 10 atualmente, suscitam discussões sobre as possibilidades de aplicação desses conceitos num trabalho pedagógico de sala de aula para o Ensino de Física. Nos documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), o Ensino de Física tem como premissa a formação crítica do aluno a partir do desenvolvimento de competências e habilidades em diferentes instâncias que permitam decidir e lidar com as questões socioambientais relativas à evolução científica e tecnológica. A análise crítica e a revisita ao cotidiano, quando em posse de novos conhecimentos da Física, permite a compreensão deste cotidiano e também auxilia na resolução de problemas. Isso ocorre de tal forma que a relevância dos saberes escolares é ampliada na vida cotidiana dos alunos (RICARDO; FREIRE, 2007). Nesse sentido, a motivação para este trabalho se dá pela carência de humanização do Ensino de Física e pelo parco desenvolvimento de práticas pedagógicas que despertem nos alunos a necessária disposição para o aprendizado significativo dessa disciplina. Desse modo, o problema que orienta a presente pesquisa são as possibilidades de se usar a teoria de Carl Rogers no contexto das aulas de Física. Diante dessas reflexões, pretende-se primeiramente investigar quais foram as principais contribuições do humanismo de Rogers para a educação a fim de esboçar possíveis adaptações ao Ensino de Física. Para tal, esta pesquisa objetiva especificamente: a) fazer um levantamento dos principais conceitos da abordagem rogeriana; b) identificar e contextualizar fatores relevantes dessa corrente para a aprendizagem, para o desenvolvimento do aluno como protagonista, e para o papel do professor enquanto facilitador nesse processo; c) discutir possibilidades de aplicação desses conceitos ao Ensino de Física. Justifica-se a escolha do tema no anseio de contribuir de alguma forma para o processo de ensino-aprendizagem. A escolha também se justifica pelo duplo intento de aprimorar a relação professor-aluno e de promover métodos mais instigantes de compreensão da Física. Ainda sobre métodos, a escolha por atividades experimentais que utilizam materiais de baixo custo e de fácil manuseio se dá porque estas são fáceis de serem aplicadas e também capazes de dialogar com o conteúdo ensinado e o material didático, de forma que despertam no aluno uma curiosidade natural pelo conceito físico trabalhado. A metodologia utilizada para este estudo é a da pesquisa bibliográfica de literatura técnico-acadêmica que trata das contribuições teórico-científicas pertinentes aos principais pontos associados às ideias de Carl Rogers. Isso se faz necessário para que a percepção do tema seja mais ampla. Como observa Correia e Souza (2010), realizar pesquisa bibliográfica: 11 [...] é localizar e consultar nas fontes escritas as informações pertinentes ao tema proposto, coletando dados úteis para embasar, complementar e responder a um problema pela utilização de bibliografias já publicadas. Desse modo, essa modalidade de pesquisa está vinculada – direta e objetivamente – ao problema de pesquisa, de forma a respondê-lo. (CORREIA; SOUZA, 2010, p. 2) Por fim, a estrutura deste trabalho está disposta em cinco sessões. A primeira é destinada à introdução e delimitação da pesquisa; a segunda trata de conceitualizar as bases da psicologia humanista de Carl Rogers; a terceira consiste de uma revisão da literatura relacionada à abordagem de Rogers na educação; a quarta apresenta uma análise de possíveis aplicações (via atividades experimentais de baixo custo) das teorias de Rogers ao Ensino de Física; e a quinta traz as considerações finais e as referências com as quais este estudo se baseia. 12 2 HUMANISMO DE CARL ROGERS O Humanismo representa uma corrente de pensamento que aborda a busca pela humanização das relações interpessoais: o conhecimento do ser humano (MIZUKAMI, 2009). O grande representante da Psicologia Humanista foi o psicólogo americano Carl Ransom Rogers (1902-1987), que por mais de 30 anos atuou como psicoterapeuta, agregando contribuições inestimáveis às práticas clínica e educacional (AIRES et al., 2015). Carl Rogers dedicou-se à pesquisa e ao trabalho clínico em diversos campos, sempre mantendo o foco em demonstrar as condições psicológicas que permitem a comunicação aberta e a capacitação do ser humano para atingir seu máximo potencial para a saúde mental e o crescimento criativo (KONOPKA, 2015). Quando em condições favoráveis, o ser humano é inerentemente bom e orientado para o crescimento, tende principalmente à manutenção de si mesmo e ao desenvolvimento de suas potencialidades num anseio de se sentir engrandecido e, por conseguinte, autorrealizado. Segundo Moreira (2010), o ponto de partida de Carl Rogers foi seu trabalho clínico com crianças, publicado em 1939 no livro “O tratamento clínico da criança-problema”. Decorrente da observação do desenvolvimento infantil está a proposição do conceito de “tendência atualizante”, que se delineia como uma predisposição intrínseca aos seres humanos de se desenvolver numa direção positiva: cerne de toda a abordagem humanista de Rogers. Rogers acreditava que cada pessoa teria dentro de si as respostas para suas questões, e que o papel tanto do terapeuta quanto do professor seria o de criar um ambiente de suporte para que o indivíduo chegasse a essas respostas (KONOPKA, 2015). Ele acreditava que cada um tem dentro de si uma aptidão, possivelmente latente, de descobrir o que o torna infeliz; o que implica, assim, que cada um é capaz de provocar mudanças significativas na própria vida. Em sua época, a psicanálise (pessimismo e falta de esperança) e o behaviorismo (visão manipulável e automatizada) eram predominantes no que diz respeito à interpretação do comportamento e do pensamento humano (KONOPKA, 2015). Posto isto, as concepções de Rogers se chocavam frontalmente contra essas perspectivas, dado que as mesmas enxergavam o ser humano sob uma ótica determinista, irracional, instintiva e, portanto, desumanizadora (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). Em relação ao Behaviorismo, as críticas de Rogers incidiam sobre o reducionismo simplista da abordagem. Os riscos atrelados às ideias de condicionamento comportamental e de dependência aos estímulos externos, quando aplicadas a um meio social, foram prontamente alertados pelo psicólogo (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). 13 Em relação à Psicanálise, embora reconhecesse Sigmund Freud como um grande teórico, o psicólogo discordava de sua visão ortodoxa, que enxergava o indivíduo como um ser movido por forças animalescas mediadas pelo desejo e influenciadas pelo inconsciente (KONOPKA, 2015). A título de curiosidade, foram justamente essas críticas frente à psicanálise e ao behaviorismo que produziram contribuições tanto para a psicologia quanto para a educação (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). A visão holística e sistemática das relações entre o indivíduo e o mundo fez com que Rogers se tornasse o maior expoente da psicologia humanista, também conhecida como a terceira força da psicologia, bem como o mais importante teórico no campo das teorias humanísticas da personalidade (KONOPKA, 2015). A extensa notoriedade e reputação de Carl Rogers são provenientes de sua “Terapia Centrada no Cliente”, incorporada e utilizada preliminarmente na psicoterapia a partir da década de 40, onde intencionalmente deixa de empregar o termo “paciente” e o substitui por “cliente”, por entender não que se trata de uma pessoa doente, mas sim de uma pessoa que precisa de ajuda com a atualização de suas potencialidades (KONOPKA, 2015). A utilização do termo “cliente” sugere uma participação ativa, voluntária e responsável do indivíduo nas relações terapêuticas (MENEZES, 2016), e aponta a importância dessa relação entre pessoa e terapeuta. Para o humanista, estes últimos não assumem qualquer posição hierárquica, isto porque são iguais entre si. Conforme já mencionado, Rogers entendia que cada indivíduo era capaz de descobrir a razão de sua infelicidade e de seus problemas. Posto isto, o terapeuta não teria o papel de curar seu paciente; mas sim o de prover um ambiente de compreensão, onde o cliente pudesse se expressar abertamente, fosse assistido em seu processo de aceitação pessoal e, por fim, guiado até a descoberta da raiz de suas aflições (MENEZES, 2016). Na visão de Carl Rogers, o terapeuta deve auxiliar na liberação do potencial de seu cliente a fim de que este seja capaz de resolver seus problemas por conta própria. O terapeuta não apenas deve proceder como um especialista, que compreende o problema e decide qual é a maneira de resolvê-lo. Por conta disto, anos mais tarde, esta visão foi alterada para “Abordagem Centrada na Pessoa” (MENEZES, 2016). A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) foi uma denominação utilizada por Rogers para se referir a uma maneira específica de interagir com o outro: onde o indivíduo é centro de sua própria história, a tendência humana de autoatualização (a partir de suas próprias reflexões) é estimulada e as experiências subjetivas são privilegiadas. Implicitamente, um modo positivo de descrever o ser humano (CAPELO, 2000). 14 Nesse ponto, convém ressaltar que a ideia por trás do conceito de tendência atualizante é a premissa fundamental da Abordagem Centrada na Pessoa, uma vez que leva à satisfação do indivíduo em níveis básicos e complexos, proporcionando simultaneamente a confirmação do “eu” (self) e a preservação do organismo, facultando a consonância entre a experiência vivida e a sua simbolização. Caso essa consonância não seja verificada, o indivíduo entra em estado de incongruência, ou seja, é causado um desequilíbrio entre a experiência real e a experiência simbólica, produzindo, por conseguinte, estados de ansiedade, angústia e depressão, os quais, por sua vez, afetam sua personalidade e seu próprio desenvolvimento (CAPELO, 2000). Rogers afirmava que “todo o organismo é movido por uma tendência inerente a desenvolver todas as suas potencialidades e a desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento” (CAPELO, 2000, n.p). A partir do momento em que atitudes facilitadoras se fazem presentes na relação e estimulam o desenvolvimento, a pessoa entra num processo de autoaceitação, adquirindo flexibilidade em suas próprias percepções, adotando objetivos mais realistas para si própria e, simultaneamente, tornando-se mais capaz de aceitar os outros (CAPELO, 2000). Moreira (2010) observa que as ideias de Rogers também foram se autoatualizando com o passar dos anos: O pensamento de Carl Rogers sofreu uma evolução ao longo de sua carreira profissional, de tal maneira que a própria denominação de sua proposta teórica também foi se modificando. Em 1940, quando, segundo ele mesmo, nasce sua nova proposta teórica de psicoterapia, Rogers a nomeia de Psicoterapia Não-Diretiva ou Aconselhamento Não-Diretivo, tal como publicado em 1942 em seu livro Psicoterapia e consulta psicológica. Posteriormente passa a denominá-la Terapia Centrada no Cliente, Ensino Centrado no Aluno, Liderança Centrada no Grupo e, por último, Abordagem Centrada na Pessoa, que, segundo ele, é a denominação mais adequada a sua teoria. Essas mudanças na denominação de sua teoria devem-se aos diferentes interesses que Rogers foi assumindo como foco de seu trabalho ao longo da vida (MOREIRA, 2010, p. 537). A perspectiva humanista rogeriana e a evolução de seu pensamento foram caracterizadas e agrupadas, com base no foco teórico e metodológico ao longo do percurso intelectual do autor. A divisão mais usualmente utilizada é a seguinte: 1) fase não-diretiva (1940-1950); 2) fase reflexiva (1950-1957); 3) fase experiencial (1957-1970); 4) fase coletiva ou inter-humana (1970-1987); 5) fase pós-rogeriana (1987-atualidade) (FONTGALLAND; MOREIRA, 2012). O quadro a seguir descreve resumidamente as fases do pensamento rogeriano: 15 Quadro 1 - Fases do pensamento de Carl Rogers (continua) FASES CARACTERÍSTICAS Fase não-diretiva (1940-1950) - Base da psicoterapia é o impulso individual para crescimento e saúde; - Maior ênfase aos aspectos sentimentais em vez dos intelectuais; - Foco no indivíduo (presente) e não no problema; - Relação terapêutica é experiência de crescimento; - Terapeuta intervém o mínimo possível (neutralidade); - Indivíduo tem dentro de si próprio variados recursos para autocompreensão, para alterar seu autoconceito, suas atitudes e seu comportamento autodirigido; - Atitude em face do cliente; - Confiança na capacidade de autodirecionamento do cliente; Fase reflexiva (1950-1957) - Reflexo de sentimentos é muito utilizado; - Promove o desenvolvimento do cliente sob condições facilitadoras; - Noção de "não-diretiva" é substituída por "centrada no cliente"; - Foco maior no cliente; - Teoria das atitudes facilitadoras; - 3 condições para crescimento do cliente (tríade rogeriana): 1) empatia: capacidade de se colocar no lugar do outro e participar de sua experiência; 2) aceitação positiva incondicional: capacidade de respeitar incondicionalmente a individualidade do cliente, sem julgá-lo; 3) congruência: autenticidade, capacidade de aceitar os sentimentos, as atitudes, as experiências, de se ser genuíno e integrado na relação com o cliente; - Abandono do interesse diagnóstico; - Priorização da capacidade de desenvolvimento inerente à pessoa; Fase experiencial (1957-1970) - Mudança da conduta rogeriana influenciada pelo conceito de experienciação; - Foco na experiência vivida do cliente, do psicoterapeuta e entre ambos; - Objetivo da psicoterapia é ajudar o cliente a usar plenamente sua experiência para promover uma maior congruência do self (eu) e do desenvolvimento relacional; - Ênfase na vida inter e intrapessoal; - Enfatizada autenticidade do terapeuta enquanto atitude facilitadora; - Experiência do terapeuta é parte da relação terapeuta-cliente; - Relação bicentrada (cliente e terapeuta); - Passagem da focalização na pessoa do cliente para a focalização na experiência intersubjetiva; Fase coletiva ou inter-humana (1970-1987) - Definição de “abordagem”, em vez de “psicoterapia”; - Transcendência de valores e de ideias; - Rogers trabalha com conceitos que coexistem em outras áreas da ciência, tais como a física, a química ou a biologia; - Expressa sua preocupação com o futuro do homem e do mundo; - Rogers assume a denominação de “Abordagem Centrada na Pessoa”; 16 Quadro 1 - Fases do pensamento de Carl Rogers (conclusão) FASES CARACTERÍSTICAS Fase pós- rogeriana ou neorrogeriana (1987-atualidade) - Desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa; - Escolas de terapia relacionadas à Abordagem Centrada na Pessoa; 1) versão clássica; 2) linha experiencial, com ênfase na experienciação e focalização; 3) linha experiencial processual, com interesse principal no estudo detalhado dos elementos do processo; 4) linha existencial-fenomenológica, embasada na fenomenologia existencial; 5) linha transcendental, que abrange interesses espirituais, religiosos e transpessoais; 6) linha expressiva, que integra elementos de arte e movimento corporal, estabelecendo pontes com a gestalt-terapia e o psicodrama; 7) linha analítica, com interesse na relação entre a psicologia do si mesmo; 8) linha comportamental-operacional, com ênfase no desenvolvimento de habilidades; 9) linha do curriculum centrado na pessoa, realizado na área de educação; Fonte: Adaptado de Moreira (2010) A evolução do pensamento de Carl Rogers vai migrando ao longo de sua vida à medida que vai depurando suas ideias, partindo do campo exclusivo da psicoterapia para serem aplicadas em outras áreas, fazendo também com que as mudanças de nomenclatura fossem consideradas como atualizações do seu modelo teórico (CAPELO, 2000). A pesquisa de Moreira (2010) destaca a progressão evolutiva de Rogers e de sua teoria: O que ocorreu é que o primeiro Rogers, o psicoterapeuta, foi se ampliando no Rogers professor, facilitador de grupos, e o Rogers preocupado com processos sociais e questões como a paz mundial, fazendo com que ele buscasse ampliar sua teoria a esses vários campos. A denominação Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) configura-se apenas em 1977, com a publicação de Sobre o poder pessoal. Para John Wood, um dos colaboradores mais próximos de Rogers, o período dos primeiros 30 anos - da Abordagem Centrada no Cliente - tinha como foco o desenvolvimento de um sistema de mudança na personalidade, concentrando-se no mundo subjetivo do indivíduo, enquanto os 30 anos seguintes - da Abordagem Centrada na Pessoa - voltaram-se prioritariamente para interações sociais. (MOREIRA, 2010, p. 538) Em essência, a Abordagem Centrada na Pessoa é uma concepção do homem amparada por princípios humanistas que privilegiam a experiência subjetiva do indivíduo e exaltam a particularidade de cada ser humano, implicando que o conhecimento que se tem do outro surge a partir da compreensão de seu próprio referencial (CAPELO, 2000), numa 17 oportunidade de se questionar sobre a própria realidade e, desta forma, encontrar meios de atuar frente às próprias experiências (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). Por esse prisma, o indivíduo se torna sujeito por meio da reflexão sobre seu próprio contexto, de forma a se tornar consciente e comprometido com a realidade em que está inserido, a fim de transformá-la, de libertar a si mesmo e de evoluir. É importante ressaltar que as concepções da teoria rogeriana foram se estendendo ao longo dos anos, ampliando seu espectro de atuação para os mais diversos campos, tais como a educação (aprendizagem), as relações interpessoais e familiares, a gestão de recursos humanos e de empresas, entre tantos outros (KONOPKA, 2015). O conceito fundamental do humanismo ganha cada vez mais espaço no pensamento de Carl Rogers, e passa a ser entendido como um processo onde a compreensão empática, a aceitação e a congruência demandam um incessante esforço por parte da pessoa (FONTGALLAND; MOREIRA, 2012). Pode-se afirmar, portanto, que a capacidade do indivíduo de se desenvolver numa direção que engrandeça sua existência é um princípio básico do humanismo rogeriano. 3 CONCEPÇÃO HUMANISTA PARA A EDUCAÇÃO Concomitante ao ofício de psicoterapeuta, Rogers se torna professor universitário e é no exercício dessa função que ele confere, de perto, problemas comuns enfrentados pelos alunos: a dificuldade em aprender, a apatia e o desinteresse. O ensejo também permitiu que ele conhecesse a estrutura, o funcionamento e os currículos da escola. Seguindo um roteiro autoritário e hierarquizante, todos estes eram pré-estabelecidos e ajustados ao professor e a mais ninguém. A insatisfação com suas próprias aulas e com os resultados obtidos, levaram Rogers a diversos questionamentos acerca daquele modelo de educar: Se, na terapia, é possível basear-se na capacidade do cliente para lidar construtivamente com sua situação de vida, e se a meta do terapeuta é melhor dirigida quando se volta para a liberação dessa capacidade, então por que não aplicar essa hipótese e esse método de ensino? Se a criação de uma atmosfera de aceitação, compreensão e respeito é a base mais eficaz para facilitar o aprendizado que se chama terapia, não poderia ser também a base para o aprendizado que se chama educação? (ROGERS, 1992, p. 439). Convicto dos resultados de sua prática psicoterápica, o teórico começa a ponderar se as mesmas condições facilitadoras utilizadas no contexto clínico poderiam também favorecer o 18 processo de aprendizagem na educação (COSTA; FERNANDES, 2020). Naturalmente, Carl Rogers começa a transpor seus conhecimentos, estendendo assim os conceitos da psicologia humanista para o contexto escolar. A articulação entre a aprendizagem educacional e os conceitos da terapia são reflexos diretos da indissociável relação entre o comportamento e o cognitivo com o domínio afetivo (MENEZES, 2016) O enfoque humanista para a educação, antes de mais nada, enxerga o aluno como ser humano em sua plenitude: alguém que vive em um meio, que possui sentimentos e atitudes, que pensa e que age de acordo com suas próprias escolhas. O aluno, portanto, deve ser considerado por inteiro e não apenas por sua capacidade cognitiva (MENEZES, 2016). Essa abordagem apresenta um posicionamento diferenciado e crítico frente ao ensino tradicional, de modo a transformar o processo de aprendizagem em algo realmente significativo para o aluno (ROGERS, 1989). O ensino tradicional coloca a figura do professor em posição central: ele é a autoridade detentora do conhecimento e do domínio em sala de aula. O aluno, por sua vez, é visto como um ser passivo e submisso: alguém que não questiona as imposições e orientações que recebe, sendo capaz apenas de reproduzir informações (OLIVEIRA et al., 2021). A Figura 1 expõe as críticas ao modelo tradicional de ensino: Figura 1 - Críticas à educação tradicional Fonte: Oliveira et al. (2021) A humanização do contexto escolar, a qual Rogers se referia, está diretamente relacionada à mudança de foco da aprendizagem que, a partir de então, seria orientada ao aluno: ser humano que possui sentimentos, desejos, necessidades e pensamentos, dotado da capacidade de se autotransformar. 19 A concepção humanista para a educação pressupõe que o importante é a autorrealização pessoal do aluno, de maneira que toda sua carga emocional, sentimental e afetiva caminhe lado a lado com o seu cognitivo (MENEZES, 2016). Dessa forma, o propósito do ensino é facilitar a autorrealização, o crescimento pessoal (MOREIRA; MASSONI, 2015). A figura a seguir ilustra resumidamente as ideias centrais do humanismo para a educação: Figura 2 – Ideias centrais do humanismo para a educação Fonte: Moreira (1999, p.18) Após a adaptação das ideias humanistas ao ensino, Rogers disponibilizou diversas publicações, entre elas o “Ensino Centrado no Aluno”, onde discute a importância das atitudes em detrimento das técnicas (MENEZES, 2016), e destaca a importância da atuação do aluno enquanto ser humano e de suas experiências, além de sua capacidade de pensar e de buscar novas alternativas para a realidade em que está situado, distanciando-se assim da passividade (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). O aluno deve ser visto como um sujeito pleno e ativo e os processos educativos devem se basear na natureza dinâmica da sociedade e objetivar o desenvolvimento de pessoas plenamente atuantes. A abordagem humanista na educação deve proporcionar um fazer pedagógico que tenha como foco central o aluno, considerando seus interesses, emoções e motivações. Nesse sentido, o professor deve ser um facilitador da aprendizagem, demonstrando interesse e preocupação pelos alunos e estabelecendo uma relação democrática com eles (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016, p. 96) Essa percepção tem como base o desenvolvimento de métodos que aprimorem, não apenas competências escolares do aluno, mas também que ampliem sua capacidade de crescimento pessoal (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). Na avaliação de Rogers, a aprendizagem deve ser significativa, isto é, deve contemplar a pessoa como um todo de forma a transcender os aspectos cognitivo, afetivo e psicomotor (MOREIRA; MASSONI, 2015). 20 3.1 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE CARL ROGERS Rogers considera como aprendizagem significativa1, ou significante, aquela que possui real significado para a vida do aluno, isto é, que remeta a algo além da mera transmissão mecanizada de um aglomerado de informações. Para tal, é necessário que essa aprendizagem seja capaz de causar uma alteração profunda no aluno, alteração esta que pode se manifestar no comportamento, nas atitudes e/ou na própria personalidade do estudante (KONOPKA, 2015). Enquanto que a aprendizagem mecânica é provisória, por se tratar de situação momentânea e com maior tendência a ser esquecida, a aprendizagem significativa perdura ao longo do tempo. Em pormenores, a aprendizagem significativa configura um conhecimento internalizado; que se mostra apto a ser acessado, de forma relativamente imediata quando necessário, e também de ser aplicado, em diferentes situações e de maneira reflexiva (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Para Carl Rogers, o processo de aprender acontece de maneira específica para cada pessoa, e o conhecimento é adquirido conforme a relevância do conteúdo ministrado, sendo este melhor entendido quando vinculado às experiências do aluno. Assim, a aprendizagem é significativa, em virtude do envolvimento pleno e simultâneo entre conhecimento, sentimentos e expectativas pessoais (DE SOUZA; LOPES; DA SILVA, 2013). Baseando-se nas ideias de Rogers, Capelo (2000) lista uma série de princípios que regem a aprendizagem significativa: 1 Originalmente creditada ao psicólogo da educação David Paul Ausubel, a teoria da aprendizagem significativa se ocupa em explicar como são assimilados os significados que derivam de um corpo organizado de conhecimento em contexto escolar. Ainda que possuam o mesmo nome na tradução para o português, as teorias de Rogers (significant learning) e Ausubel (meaningful learning) possuem muitas diferenças; enquanto que Rogers enfatiza os aspectos afetivos e relacionais da aprendizagem (humanismo), Ausubel se preocupa com os aspectos relacionados à aquisição, organização e consolidação do conhecimento (cognitivismo) (PONTES NETO, 2006). 21 Figura 3 – Princípios da Aprendizagem Significativa Fonte: Adaptado de Capelo (2000) Rogers afirma que a aprendizagem significativa é autoiniciada, e que mesmo sob estímulo externo, o senso de descoberta e a compreensão vêm de dentro. Por estar profundamente atrelada às emoções do aluno, é penetrante e mais duradoura, proporciona modificações na percepção e na atitude, e até mesmo na personalidade, de modo que o aluno passa a se apropriar diretamente daquilo que está aprendendo. Analogamente, o ambiente de ensino deve ser agradável e estimulante em grau que viabilize, ao aluno e ao professor: engajamento espontâneo com o conteúdo, sensação de liberdade (para novas descobertas), 22 motivação para aprender e as necessárias autonomia e liberdade (tanto de expressão quanto de sentimentos) que propiciem o diálogo e o acesso ao conhecimento (OLIVEIRA et al., 2021). Por outro lado, a aprendizagem significativa é verificada quando, situações percebidas como problemáticas e/ou que fazem parte da vida cotidiana, dão origem a um pensamento crítico, de tal forma que a aprendizagem significativa só ocorre quando o aluno se debruça em cima de problemas que fazem parte de sua realidade. Em decorrência disso, o aluno aprende por meio de sua tendência atualizante e progride em direção à autonomia, enquanto que o professor deverá ofertar situações para que se desenvolva esse tipo de pensamento, criando assim uma relação empática, autêntica e não-autoritária e que permita o desenvolvimento natural da tendência atualizante no aluno (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). Consequentemente, Carl Rogers aborda ser primordial no desenvolvimento do processo educacional, considerar as atitudes, os sentimentos, a afetividade e a criatividade do ser humano. Em linhas gerais, a pessoa não aprende somente com os processos instrucionais instituídos, mas também se situa, posiciona-se frente à realidade e fatos que existem dentro e fora de si. Assim, ocorre uma relação interpessoal entre professor e aluno, que caminham juntos para o aprendizado significativo, ou seja, um aprendendo com o outro, de forma constante. A atitude e a empatia do professor para com os alunos, de acordo com as ideias de Rogers, são comportamentos essenciais para que a aprendizagem seja facilitada, uma vez que despertam o desejo de aprender emanado dos próprios alunos constituindo-se num fator emocional que a concepção humanista da aprendizagem defende em sua fundamentação (OLIVEIRA et al., 2021, p. 136) A aprendizagem é verdadeiramente significativa e influente sobre o comportamento quando é autodirigida, autoapropriada, e também assimilada no curso de uma experiência em que o aluno esteja diretamente envolvido no processo educativo (OLIVEIRA et al., 2021). A definição de aprendizagem, na visão de Rogers, é uma "insaciável curiosidade inerente ao ser humano e que a sua essência é o significado”, expressando claramente que seu foco está no processo, e não no conteúdo. O aluno aprende aquilo que tem significado para ele, logo a passividade vivida em sala de aula é simultaneamente produto e produtora do desinteresse (CAPELO, 2000). Fica evidente que o essencial da proposta pedagógica de Rogers consiste no professor proporcionar ao aluno uma relação de afeto e cumplicidade, que considere não apenas o aspecto cognitivo do discente, e que facilite sua aprendizagem ao trazer o conhecimento para mais próximo de sua vida. Certamente essa proposta fará com que o aluno aprenda melhor, tenha seu interesse despertado, sua assiduidade aumentada, sua participação motivada e sua criatividade na resolução de problemas estimulada. O aluno, portanto, estará no centro da aprendizagem (KONOPKA, 2015). 23 3.2 APRENDIZAGEM CENTRADA NO ALUNO Carl Rogers trouxe para a educação uma extensão dos conceitos fundamentais de sua teoria que fora desenvolvida enquanto psicoterapeuta. No exercício da função, ele definia sua terapia como não-diretiva e centrada no cliente, (não mais “paciente”), haja vista que o último (através dessa abordagem) era responsável pela condução e sucesso de seu próprio tratamento (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Rogers transfere e aplica os conceitos de sua “Terapia Centrada no Cliente” para a sua “Abordagem Centrada na Pessoa” no contexto educacional. O câmbio de atenção, do professor para a pessoa do aluno, permite a criação da “Aprendizagem Centrada no Aluno”: uma didática em que o professor facilita o processo de aprendizagem e se abstém do tradicional protagonismo. Nesse processo, o professor tem papel semelhante ao do terapeuta e o papel do aluno é semelhante ao do cliente, ou seja, que a tarefa do professor é facilitar o aprendizado, que o aluno conduz ao seu modo (FERREIRA; ALVARENGA; EVANGELISTA, 2021, p. 3). A Aprendizagem Centrada no Aluno coloca o estudante no centro do processo de ensino. Isso significa que ela almeja contribuir com a formação do aluno enquanto pessoa, enquanto sujeito crítico, capaz de fazer escolhas, e de adquirir conhecimentos para a solução de problemas, em busca da autonomia (COSTA; FERNANDES, 2020), e do aprendizado integral, que respeite tanto o domínio cognitivo quanto o domínio afetivo. Assim, conforme as ideias de Rogers, o ensino deve ter toda a sua organização e desenvolvimento centrado no aluno, cabendo ao professor (facilitador) nesse processo incentivar e estimular o aprendiz a ser o agente da sua própria aprendizagem, envolvendo-o em ações educativas que atendam aos seus interesses, objetivos e expectativas (OLIVEIRA et al., 2021, p. 137). Ao centralizar o ensino na figura do aluno, é possível alterar positivamente todo o processo educacional. O estudante, antes passivo e em posição de mero receptor de informações, se torna ativo e capacitado a aprender, interpretar e também agir de forma crítica (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Na prática, isso significa que o professor passa a ser um facilitador da aprendizagem, ou seja, aquele que conduz o aluno a produzir sua própria aprendizagem e o leva a desenvolver suas capacidades intelectual e emocional, promovendo o acesso a conhecimentos 24 verdadeiramente significativos e que façam sentido para a realidade do estudante (OLIVEIRA et al., 2021). Por esta perspectiva, cria-se um terreno fértil para a aplicação do que foi aprendido, tanto na solução de problemas quanto na adaptação a novas situações-problema, e ainda utilizar criativamente a própria experiência pessoal numa busca pela autonomia da pessoa. Ademais, esse modelo se propõe a desenvolver mecanismos que não só favoreçam o aluno no ambiente educacional, mas também impulsionem sua capacidade de crescimento pessoal e de autorrealização. De tal forma seria satisfatório se buscássemos o estudo centrado no aluno, uma vez que a aprendizagem significativa ocorre quando o aluno percebe a relevância da matéria de estudo para seus objetivos. É através da prática que a aprendizagem significativa é aprendida, possibilitando aos alunos o contato direto com diferentes problemas de classe. E para participar desse contexto da prática, considera-se que o aluno deva assumir com responsabilidade esse processo de aprendizagem significativa. [...] Para uma aprendizagem adequada torna-se necessário que o aluno aprenda a aprender, quer dizer que, para além da importância dos conteúdos, o mais significativo para Rogers é a capacidade de o indivíduo interiorizar o processo constante de aprendizagem (PINHEIRO; BATISTA, 2018, p. 80). 3.3 PEDAGOGIA NÃO-DIRETIVA A Abordagem Centrada na Pessoa, quando aplicada ao contexto educacional, coloca o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem e confia ao professor o papel de facilitador; que deverá instigar o aluno a aprender, desafiar este último a buscar novos conhecimentos e não mais se limitar a só transmitir os conteúdos (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). De acordo com Capelo (2000), o ato de aprender é sempre individual, o que significa que há uma particularidade intrínseca naquilo que se aprende, de modo que o conhecimento obtido adquire em cada pessoa, um sentido e um significado próprios. Em síntese, cada aprendizagem ocorre de maneira diferente, logo, as características individuais de cada aluno devam ser respeitadas pelo professor. Carl Rogers propôs a pedagogia centrada no aluno, também chamada de pedagogia experiencial ou pedagogia não-diretiva (KONOPKA, 2015). Nela, o que realmente importa é o aluno que aprende e a forma com que este aprende, e não mais o professor que ensina. O que compete ao professor é oportunizar esse processo a cada aluno, fomentando a autonomia 25 e interferindo o mínimo possível. A esse método de ensino, Rogers deu o título de pedagogia não-diretiva (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). Sob o prisma da não-diretividade do método não estruturante de Rogers, o professor é um facilitador que não dirige propriamente esse processo de ensino e, dessa forma, não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, apenas cria condições para que esse mesmo possa estruturar seu comportamento experiencial (ARAÚJO; PEIXOTO, 2016). Ainda nesse sentido, o ato de aprender é um processo de construção no qual o aluno tem papel decisivo. É importante salientar que esse modelo de ensino requer um nível de maturidade e de segurança por parte do professor, de forma que deste se espera: a redução do alcance de seu poder enquanto docente, o compartilhamento da responsabilidade no processo de aprendizagem com o discente, e a confiança na capacidade de aprender e pensar por si próprio do aluno (CAPELO, 2000). Esse processo dinâmico exige concentração, interesse, empenho e motivação, e por este motivo é extremamente importante que haja cooperação entre professor e aluno (CAPELO, 2000). Em contraste ao estabelecido pelo ensino tradicional, o professor facilitador é deslocado da posição de único detentor do conhecimento para assumir o papel de interlocutor com o aluno, permitindo assim uma conexão afetiva baseada na confiança e no respeito, capaz de orientar o estudante a vivenciar experiências que contribuam significativamente para sua aprendizagem e para seu desenvolvimento enquanto ser humano (OLIVEIRA et al., 2021). Fundamentado nessa perspectiva teórica, o professor deve conceber o estudante como um ser humano que possui um potencial para a aprendizagem, acreditar no diálogo, na troca de ideias e no crescimento individual a partir da realização de atividades educativas coletivas. Deve também exprimir seu desejo e interesse em ensinar por meio da realização de aulas criativas, pela utilização de metodologias diversificadas, pelo uso de materiais pedagógicos e recursos didáticos que estimulem a efetiva participação do estudante no processo de ensino-aprendizagem (OLIVEIRA et al., 2021, p. 138) Nesse sentido, o aluno deixa de ser um receptáculo passivo e passa a ter uma participação ativa em seu próprio aprendizado. Essa transformação não significa que o professor deva abdicar de sua responsabilidade enquanto docente, mas sim que seja corresponsável pelo processo de aprendizagem, de forma que proporcione ao aluno um papel central neste processo (CAPELO, 2000). Importante ressaltar que atender aos interesses e objetivos do aluno e torná-lo responsável por seu próprio aprendizado não implica liberdade absoluta para escolher conteúdos programados. A liberdade está na maneira de abordar determinada informação, de 26 compreender o cenário, de refletir sobre o contexto, de adaptar-se à situação e de colocar em prática o que foi aprendido, a fim de alterar a realidade vivenciada (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Cabe ao professor encontrar meios de orientar o aluno a fim de que esse possa ir ao encontro do que tenta compreender e, se necessário, reestruturar os conhecimentos e o método de ensinar (CAPELO, 2000). Ademais, cabe ao professor aceitar o aluno da maneira como ele é (sem quaisquer julgamentos ou condenações), além de permitir que ele expresse seus sentimentos (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Rogers propõe a sensibilização, a afetividade e a motivação como fatores primordiais para a construção do conhecimento. Ele parte da ideia de que cada sujeito é capaz de controlar seu próprio desenvolvimento, sem a necessidade de interferência de terceiros, o que se denomina tendência atualizante. Para que a não- diretividade funcione, Rogers aponta que o professor deve possuir algumas características que o qualificam para o fazer docente: a congruência, a compreensão empática e a aceitação incondicional positiva (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016, p. 94). Decorre dessas proposições um ensino centrado na pessoa do aluno e que resulta em técnicas educativas do tipo “dirigir sem dirigir”, isto é, que conduzem o aluno à sua própria experiência para que este, então, consiga se estruturar e agir. É esta a finalidade da pedagogia não-diretiva, que possui como premissa a confiança e o respeito pela pessoa do aluno. 3.4 FACILITAÇÃO: PROFESSOR E A TRÍADE ROGERIANA Todas as pesquisas de Carl Rogers em educação se desenvolveram colocando o aluno no centro do processo de ensino. O conceito de desenvolver a pessoa do aluno, para que este aprenda a viver como indivíduo em processo de evolução, alinha-se ao objetivo principal do método rogeriano, que é a facilitação da aprendizagem e da mudança (OLIVEIRA et al., 2021). Essa facilitação da aprendizagem e da mudança deve ocorrer independentemente do nível de ensino, haja vista que a crença do ser humano ser capaz de se adaptar às situações ao longo da vida é prezada pela abordagem de Rogers (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Ainda para esta abordagem, o homem, em autêntico processo de aprendizagem, é aquele que aprende a aprender e que modifica o conhecimento a todo instante. A aprendizagem é significativa quando aquilo que se aprende possui aplicação prática, envolve sentimento e pensamento, e o conhecimento obtido é interiorizado de forma duradoura (MENEZES, 2016). 27 Educado é, tão-somente, a pessoa que aprendeu como aprender, a pessoa que aprendeu como se adaptar e mudar, a pessoa que se deu conta de que nenhum conhecimento é seguro, que somente o processo de procurar o saber fornece embasamento sólido (ROGERS, 1969, p. 104). No desenvolvimento de seu método, Rogers promoveu uma perspectiva ainda mais ampla, acerca da função do professor enquanto facilitador da aprendizagem. Foi ele o responsável por estabelecer as bases fundamentais da relação professor-aluno, propondo alguns fatores vistos como primordiais para o estímulo do crescimento (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Em contraste, Capelo (2000) chama a atenção para as disparidades do ensino tradicional: Um professor que se limite a expor uma série de conhecimentos aos seus alunos, baseando-se exclusivamente na transmissão dos mesmos, não conseguirá certamente ensinar, pois poderá correr o risco de não haver uma verdadeira compreensão das matérias, pese embora os bons resultados provenientes de exames ou testes, fruto de um trabalho de memorização e mecanização (CAPELO, 2000, p. 9). Em respeito à abordagem humanista de Rogers, não se deve ensinar diretamente, só se deve facilitar a aprendizagem. Assim, o que cabe ao docente não é fornecer soluções finais, mas fornecer soluções meio que facilitem ao aluno adquirir conhecimento de forma autônoma. Nesse sentido, o professor deve estar atento às oportunidades de conduzir experimentos, em que teoria e prática estabelecem interface. Isto porque, quando implementados e incentivados, os experimentos favorecem a dedução de novos questionamentos, suscitam reflexões e também dão gênese a novos pensamentos, concepções, comportamentos e atitudes (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Discorrendo sobre a visão rogeriana, Konopka (2015) é taxativo ao considerar, dentre as qualidades do professor-facilitador, aquela que é determinante para uma aprendizagem significativa: [...] não repousa em habilidades de ensino do líder, nem de seu saber em um domínio particular, nem em seu planejamento curricular, nem no uso que ele faz de recursos audiovisuais. Também não repousa nos materiais programados que ele utiliza, nem em suas aulas, nem na abundância de livros, apesar de que cada um desses recursos possa em um certo momento ser importante. Não, uma verdadeira aprendizagem é condicionada pela presença de certas atitudes positivas na relação pessoal que se instaura entre aquele que ‘facilita’ a aprendizagem e aquele que aprende (KONOPKA, 2015, p. 24). Extremamente importante: o apoio do exercício docente via livros e materiais instrucionais não é rejeitado pelo método de Rogers. Isso porque esses recursos também consistem de soluções-meio, ou seja, também facilitam o processo de aprendizagem. Para o 28 teórico, entretanto, o que aumenta consideravelmente a probabilidade de se ter uma aprendizagem significativa é a confluência de dois fatores: a percepção do professor quanto ao modo como o aluno enxerga o processo de aprendizagem e a sua compreensão quanto às reações íntimas do discente (OLIVEIRA et al., 2021). Dentre as particularidades mencionadas, é possível inferir que se faz necessário, por parte do docente: a iniciativa de incutir no aluno motivação e envolvimento com o planejamento das atividades de classe; o fornecimento de recursos didáticos adequados; a viabilização da participação ativa do aluno no processo educativo; e também a admissão de seus aspectos emocionais e cognitivos, interesses, escolhas e consequências (OLIVEIRA et al., 2021). As atribuições de professor e aluno, segundo a visão humanista do processo educacional, estão esquematizadas na figura a seguir: Figura 4 – Visão humanista de professores e estudantes Fonte: Oliveira et al. (2021) Em virtude da abordagem de Rogers estar centrada no aluno, o professor cumpre apenas um papel de facilitador da aprendizagem que compõe a tendência atualizante de qualquer aluno (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). Para que cumpra esse papel, entretanto, é necessária uma segurança por parte do mesmo em acreditar no aluno e na capacidade deste para o aprendizado e pensamento autônomos (CAPELO, 2000). A fim de se tornar um facilitador do processo de aprendizagem, é necessário que o professor possua algumas características que o qualifiquem para o fazer docente (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). As atitudes positivas da chamada tríade rogeriana são correspondidas: 1) pela autenticidade (congruência); 2) pela aceitação incondicional positiva (prezar, aceitar, confiar); e 3) pela compreensão empática (empatia). A autenticidade, ou congruência, refere-se à primeira e mais básica qualidade do professor, designando sua capacidade de ser honesto, de ser transparente na relação com os alunos, de apresentar um caráter verdadeiro, sem máscaras (CAPELO, 2000). O docente, para 29 seus alunos, é uma pessoa que apresenta sentimentos e atitudes, e não um mero mecanismo de transmissão de conhecimento de uma geração a outra (MOREIRA; MASSONI, 2015). Rogers critica o ensino tradicional porque neste o professor representa um papel, e não representa a si mesmo. Por este motivo, sua proposta se traduz em uma relação de pessoa para pessoa com o aluno (CAPELO, 2000), pois um posicionamento mais genuíno, sincero e espontâneo também promove autenticidade no aluno, e isto, por consequência, é mais eficaz para a aprendizagem significante (MENEZES, 2016). Isso igualmente implica que o professor deva aceitar o aluno tal como é e compreender os sentimentos que ele possui. Aceitando o aluno e compreendendo-o empaticamente, o professor fará de sua parte, tudo para a criação de clima favorável a aprendizagem. Essas condições a autenticidade e a congruência são pessoais do professor (MIZUKAMI, 2009, p. 52). Essa transparência na conduta do professor (que estabelece um diálogo direto numa relação genuína) tende a conquistar a confiança dos alunos e isto promove, com mais qualidade, o papel de facilitador da aprendizagem (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). A aceitação incondicional positiva, também conhecida por “prezar, aceitar, confiar”, é a segunda qualidade designada por Rogers. Esse termo se manifesta pela capacidade: de aceitar, com valor próprio, a pessoa do aluno, seus sentimentos, suas opiniões; e de confiar no aluno sem quaisquer julgamentos ou condenações (CAPELO, 2000). Dessa característica, depreende-se que o professor deve valorizar e estimar o aluno enquanto ser humano, respeitando suas imperfeições, seus sentimentos, suas opiniões e suas potencialidades, garantindo sua aceitação como pessoa e confiando que este é capaz de compreender, buscar, experimentar, errar, acertar e aprender, de maneira autônoma, livre de restrições e de preconceitos (MENEZES, 2016). Valorizar a pessoa daquele que aprende, a seu próprio modo, com suas qualidades próprias: só assim é possível acolher sem restrições os receios e as hesitações que o aluno experimenta quando aborda um novo problema. Da mesma forma, só assim é possível receber a satisfação do aluno quando este obtém sucesso (KONOPKA, 2015). Um professor assim aceita a apatia ocasional de um aluno, suas inclinações repentinas por explorar as zonas marginais do conhecimento em vez dos esforços que são necessários para atingir objetivos importantes. Ele pode aceitar sentimentos suscetíveis, ao mesmo tempo, de perturbar e de favorecer o processo de aprendizagem, quer se trate de rivalidade fraterna, de recusa de autoridade ou de um questionamento a respeito de suas atitudes pessoais. O que descrevemos acima corresponde à valorização daquele que aprende enquanto um ser humano imperfeito, mas rico de sentimentos e de potencialidades. Isto é a tradução operacional, para o 30 formador, de sua fé e confiança fundamentais nas capacidades do organismo humano (ROGERS, 1969, p. 109). A compreensão empática, ou empatia, terceira qualidade da tríade rogeriana, refere-se à capacidade de compreender efetivamente o aluno, de se colocar em seu lugar, considerando o mundo segundo sua perspectiva, e entendendo o seu contexto, seus sentimentos e suas atitudes, sem necessariamente julgá-lo ou avaliá-lo (MOREIRA; MASSONI, 2015). A empatia é, portanto, uma atitude que diz respeito ao entendimento da subjetividade do outro, compreendendo como este reage internamente; ao tino para com a percepção do aluno, no que tange o processo de aprendizagem; e também à participação ativa do docente nessa experiência. Nesse sentido, o professor capaz de se colocar no lugar do aluno, também é capaz de compreender as motivações e as dificuldades encontradas por ele. E essa capacidade facilita o processo de aprendizagem (FREITAS; PINTO; FERRONATO, 2016). A compreensão do outro, profunda e autêntica, constitui um elemento a mais que contribui para criar um clima próprio para a autoaprendizagem fundada sobre a experiência. Quando aquele que ensina é capaz de compreender as reações do estudante no seu íntimo, de perceber a maneira como nele repercute o processo pedagógico, aí a probabilidade de uma aprendizagem autêntica torna-se ampliada. Colocar-se no lugar do aluno, ver o mundo através dos seus olhos: tal atitude é mais que rara nos professores. É possível ouvir milhares de relatos mostrando a maneira como as coisas se passam nas salas de aula sem encontrar um único exemplo de empatia fundada sobre a compreensão dos sentimentos do outro e demonstrada claramente. No entanto, quando ela existe, seu efeito desencadeador é extraordinário (ROGERS, 1969, p. 111-112). Para que a aprendizagem significativa seja factível e o facilitador da aprendizagem caracterizado, essas três qualidades devem ser percebidas pelo aluno. Sendo assim, é preciso que o aluno consiga diferenciar um professor que possui essas características de outro que carece delas (KONOPKA, 2015). Assim reunidos, os argumentos de Rogers apontam para um fazer pedagógico onde o aluno é mais que apenas sua perspectiva cognitiva no processo de aprendizagem (MENEZES, 2016). Estas qualidades enunciadas por Rogers não são mais do que uma adaptação à educação das atitudes facilitadoras da mudança, propostas pelo autor no seu modelo psicoterapêutico, sendo ele mesmo o primeiro a reconhecê-lo, afirmando que a educação é uma forma de relação de ajuda, na medida em que permite que alguém cresça e se desenvolva (CAPELO, 2000, p. 8). Em síntese, o modelo de Rogers favorece a aprendizagem significativa e a interiorização do processo de aprender (CAPELO, 2000). Além disso, proporciona o 31 desenvolvimento do aluno por inteiro, que termina por evoluir tanto no aspecto pessoal quanto no aspecto cognitivo. 4 POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DO HUMANISMO NO ENSINO DE FÍSICA A formação docente em Física contempla uma introdução à psicologia da educação. Costumeiramente, os conceitos trabalhados por esta matéria tratam dos mecanismos associados ao aprendizado e também às fases do desenvolvimento do indivíduo. Compondo as demais disciplinas específicas dessa licenciatura, estão as metodologias e os instrumentos de Ensino de Física. Estas se distinguem por suprimir os processos reflexivos e as relações humanas do âmbito escolar, deixando uma lacuna na capacitação para o enfrentamento das questões relacionais diretamente envolvidas no processo de aprendizagem (MEDEIROS; ROCHA FILHO, 2015). A isso se acrescenta a dificuldade para o aprendizado no sistema tradicional de ensino; um modelo centrado no professor que se consagrou pelas aulas expositivas, atentas a um currículo previamente instituído; pelo foco na transmissão dos conteúdos; e pela imposição, aos alunos, da cópia dos mesmos. Segundo essa perspectiva, o Ensino de Física está ocupado com o repasse de informações, exigindo a memorização de regras e fórmulas, e lançando mão de algoritmos padronizados para a resolução de exercícios. Por fim, estão os procedimentos didáticos centrados no uso de livros didáticos, que geralmente contam com uma breve apresentação do assunto além de um resumo da teoria, e se encerram com alguns exercícios ordenados em escala, presumidamente gradativa de dificuldade (OLIVEIRA et al., 2021). Nessa perspectiva educacional, a relação entre o docente e o aluno é caracterizada pela verticalização, marcada por um lado pelo comando, exigências e diretrizes estabelecidas pelo mestre, que detém o poder decisório, principalmente quanto à forma de interação na aula, a metodologia, ao conteúdo, a avaliação, e por outro lado, pelo estudante obediente, passivo, subserviente que acata, segue e obedece ao determinado pelo professor (OLIVEIRA et al., 2021, p. 141). Dessa forma tem-se a seguinte situação: de um lado, os professores de Física; incapazes de solucionar dificuldades de aprendizagem e os problemas tipicamente encontrados em sala de aula que se associam aos aspectos relacionais e afetivos (não abordados nas licenciaturas); de outro lado, os alunos; muitas vezes rejeitados, sem aprender, e demonstrando apatia e desinteresse pela matéria. Um panorama que mostra claramente a desarticulação entre teoria e prática, formação e realidade (MEDEIROS; ROCHA FILHO, 2015). 32 É contraproducente desenhar a formação de professores de Física unicamente a partir de conjuntos de competências técnicas, didáticas, metodológicas ou relativas aos conteúdos, ignorando a necessidade de constante aperfeiçoamento das competências pedagógicas essenciais à manutenção de um trabalho educativo saudável em uma sociedade em transformação. Por isso, autores da área têm referências explícitas à importância do aspecto afetivo no ensino de Física e de outras ciências, mas é preciso apontar estratégias para preparar os professores para o enfrentamento das questões afetivas na sala de aula (MEDEIROS; ROCHA FILHO, 2015, p. 3). A abordagem humanista de Carl Rogers vai além da aprendizagem em si, pois enxerga na educação uma relação humana que busca mais um sentido em aprender aquilo que é significativo, que faça sentido para a vida do aluno, contribuindo para sua realização enquanto pessoa (COSTA; FERNANDES, 2020). [...] para que o processo de ensino e aprendizagem da Física aconteça visando um melhor aproveitamento são necessários recursos didáticos que precisam ser utilizados de maneira relevante ao conteúdo estudado, levando em consideração elementos que estimulem a educação científica, a formulação de conceitos, a formação de habilidades, o papel social e cultural da ciência que possibilitem ao aluno construir seu conhecimento sobre o assunto proposto (ROSARIO; ROSARIO, 2019, p. 4). Para expandir o desenvolvimento do aluno para além da dimensão intelectual, buscando a formação integral, o professor de Física precisa se apropriar de habilidades que o permitam compreender o processo de aprendizagem pela ótica do aluno. Ainda nesse esforço, o professor precisa propor formas de abordar o conteúdo de maneira significativa e humanizada, despertando assim o interesse pela ciência e facilitando o aprendizado (MEDEIROS; ROCHA FILHO, 2015). 4.1 ENSINO DE FÍSICA: PROBLEMAS Física é a ciência que investiga os fenômenos naturais e analisa suas relações e propriedades, buscando compreendê-los e descrevê-los em suas mais diversas ramificações (SOUZA; CARVALHO, 2014), tais como a Mecânica; a Termodinâmica; a Acústica; a Óptica; a Eletricidade; entre outras. Atualmente, o Ensino de Física se apresenta tal qual se apresentam os livros didáticos: descontextualizado e marcado por práticas obsoletas, que privilegiam apenas resoluções de problemas com a aplicação de fórmulas matemáticas memorizadas (SOUZA; CARVALHO, 2014). 33 Muito se questiona quanto aos motivos pelos quais os alunos não gostam de Física: se é a deficiência em aprender a disciplina, se é a desmotivação do aluno, ou se é uma associação destes com o tipo de ensino praticado nas escolas (BONADIMAN; NONENMACHER, 2007). Entre as possíveis causas, Bonadiman e Nonenmacher (2007) destacam de maneira assertiva: As causas que costumam ser apontadas para explicar as dificuldades na aprendizagem da Física são múltiplas e as mais variadas. Destacamos a pouca valorização do profissional do ensino, as precárias condições de trabalho do professor, a qualidade dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula, a ênfase excessiva na Física clássica e o quase total esquecimento da Física moderna, o enfoque demasiado na chamada Física matemática em detrimento de uma Física mais conceitual, o distanciamento entre o formalismo escolar e o cotidiano dos alunos, a falta de contextualização dos conteúdos desenvolvidos com as questões tecnológicas, a fragmentação dos conteúdos e a forma linear como são desenvolvidos em sala de aula, sem a necessária abertura para as questões interdisciplinares, a pouca valorização da atividade experimental e dos saberes do aluno, a própria visão da ciência, e da Física em particular, geralmente entendida e repassada para o aluno como um produto acabado (BONADIMAN; NONENMACHER, 2007, p. 196-197). O Ensino de Física se apresenta constantemente de maneira desarticulada da realidade do aluno: algo distante, cujos conceitos, leis e fórmulas privilegiam uma teoria muitas vezes intangível, sem exemplos concretos e sem aplicação prática; ou seja, vazio de significado (BONADIMAN; NONENMACHER, 2007). Compete ao professor, portanto, fazer uso do material didático e do conteúdo pedagógico de forma a propor um Ensino de Física contextualizado e que não se restrinja à memorização de fórmulas (SOUZA; CARVALHO, 2014). Dessa forma, o professor leva o conhecimento da disciplina de forma atrativa para o aluno, participando de forma ativa da construção de seu aprendizado, e construindo conceitos que fazem parte de seu cotidiano. Para que sejam abordados todos os fundamentos relativos à construção do aprendizado, um dos grandes desafios para o Ensino de Física é justamente vincular o conteúdo ensinado em sala de aula com aquele presente no dia a dia. Nesse sentido, a vivência do estudante assume um papel essencial na definição da abordagem dos conteúdos, isso porque, quando limitado a um enfoque estritamente formal, o ensino acaba por desconsiderar diversas possibilidades de tornar a Física mais concreta e próxima do aluno (VALADARES, 2001). Um dos aspectos fundamentais no Ensino de Física, que é de cunho teórico- metodológico capaz de motivar o aluno para o estudo e, deste modo, propiciar a ele condições favoráveis para o gostar, e para o aprender, está relacionado com a 34 percepção que o estudante tem da importância, para a sua formação e para a sua vida, dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula. Essa importância fica evidenciada para o aluno se o professor atribuir significado à Física por ele ensinada na escola, satisfazendo, dessa forma, parte da curiosidade do estudante, que comumente é explicitada pela conhecida pergunta: para que serve isso, professor? (BONADIMAN; NONENMACHER, 2007, p. 198). Ponto de partida para isso se encontra no Ensino de Física aliado à realização de experiências que possibilitem uma aprendizagem verdadeiramente significativa, façam uso de situações reais para apresentar e exemplificar conceitos teóricos, e rompam a barreira de passividade que é imposta pelos métodos tradicionais de ensino. 4.2 ABORDAGEM HUMANISTA NO ENSINO DE FÍSICA A abordagem humanista para a educação coloca o aluno no centro do processo de aprendizagem. O objetivo dela é a realização do aluno enquanto pessoa, auxiliando o crescimento deste em suas dimensões cognitiva e socioemocional, colocando em segundo plano o conteúdo a ser estudado, e focando as atenções para as relações humanas decorrentes da interação entre professor e aluno (MENEZES, 2016). Reflete, nessa prática, o interesse simultâneo entre as questões intelectuais e os aspectos que propiciam o entendimento holístico da realidade, e não apenas com respeito ao objeto da aprendizagem e ao conteúdo da disciplina em estudo (OLIVEIRA et al., 2021). Como resultado, a aprendizagem é percebida pelo aluno como algo realizado, fruto de seus interesses e de suas experiências prévias, ou seja, uma aprendizagem significativa. O processo de ensino-aprendizagem da Física, conforme os princípios de Carl Rogers, configura-se de maneira distinta, haja vista que preconiza um ensino dependente da interação entre aluno e professor, seja mediando o conhecimento ou acompanhando a evolução do estudante, seja construindo o entendimento da Física a partir das relações interpessoais e das experiências (MENEZES, 2016). Dessa forma, o professor não mais transmite o conteúdo, mas acompanha, orienta e cria condições pedagógicas que facilitam a aprendizagem. Isso permite que os alunos aprendam de forma significativa e por si próprios, além de propiciar o crescimento pessoal, a participação e a vontade de aprender (OLIVEIRA et al., 2021). Fica evidente, portanto, a distância entre o pensamento da “Física Humanista” da Física a que se está acostumado: metódica, conteudista e formal. 35 Ao contextualizar a Física e trazê-la para a realidade dos alunos, é possível se pautar pelas relações dos indivíduos como um todo: ações, história e perspectivas. Atendendo a isso, justifica-se a seguinte percepção: os conteúdos da disciplina estão vinculados à realidade e à vivência de cada um (MENEZES, 2016). Para que isso seja feito, deverá prevalecer o conceito de “não-diretividade”, pois subentende-se que o docente confia nas potencialidades do aluno em seu processo educativo, trabalhando de modo a oferecer condições básicas para que o aluno elabore o conhecimento a partir de suas próprias ações (OLIVEIRA et al., 2021); e assim estabelecendo uma aprendizagem que se volte à criatividade, à autonomia, à autoiniciativa (na aquisição dos saberes) e à autorrealização. Um curso centrado nos alunos começa e deve continuar em torno dos objetivos. Outro ponto importante é que o professor deve apresentar aos alunos uma gama de materiais e recursos, como: discussão em sala de aula, aula expositiva, leitura de artigos relacionados ao tema, documentários, visitas a ambientes e outros, que possam facilitar o processo e contribuir para atingir as metas por eles propostas. E isso deve se dar de forma atualizada, sempre, no início e no decorrer do curso, considerando que os objetivos podem igualmente se atualizar e se ampliar (COSTA; FERNANDES, 2020, p. 26). Quando facilita a aprendizagem e favorece a autoiniciativa do aluno, sem subjugá-lo com teorias e/ou fórmulas matemáticas, é possível que o professor direcione o estudante na busca de novas reflexões. Atuando assim, também é provável que ele instigue o aluno a aprender mais sobre a Física, estimulando suas dimensões afetiva e intelectual, e produzindo assim um conhecimento mais duradouro e sólido da matéria (PINHEIRO; BATISTA, 2018). Exequível graças à relação respeitosa entre professor e aluno, essa pedagogia dá voz ao estudante de forma prestativa, incentivando que este participe e apresente seu conhecimento prévio da disciplina. Para tanto, são necessárias determinadas atitudes que acabam por transformar o professor de Física em um facilitador propriamente dito. De fato, é preciso que essa condição esteja evidente aos olhos dos alunos. As atitudes em questão são aquelas que compõem a tríade rogeriana: a autenticidade, a aceitação incondicional positiva e a compreensão empática (FERREIRA; ALVARENGA; EVANGELISTA, 2021). Deriva-se então um processo de ensino-aprendizagem baseado na relação entre aluno e professor, cujos conhecimentos de Física passam a ser produto das percepções e concepções que cada aluno tem elaborado a partir de suas experiências (OLIVEIRA et al., 2021). 36 Evidentemente, a estrita apresentação de conceitos teóricos causa desinteresse e desmotivação na sala de aula. Assim sendo, práticas de ensino alternativas se fazem necessárias para que haja engajamento por parte dos alunos e o interesse pelas aulas de Física também seja alavancado (SANTOS, 2022). A fim de criar esse engajamento, o docente pode lançar mão de alguns recursos como a atividade experimental; podendo esta criar uma boa relação do professor com os demais alunos e também com o conhecimento, além de manter os alunos envolvidos no processo, pois é atividade incomum e desafiadora (SOUZA; CARVALHO, 2014). O desafio caracteriza-se pela promoção de uma situação com certa complexidade, em que as habilidades ou conhecimentos dos estudantes são provocados, mas num nível intermediário de dificuldade, de forma passível de ser vencido com um emprego razoável de esforço. A curiosidade manifesta na conduta exploratória é ativada por situações ambíguas, incongruentes, surpreendentes, inesperadas, de novidade, que despertem a atenção dos alunos pelo fato de estarem em desacordo com suas crenças ou conhecimentos anteriores, além de incentivá-los a buscar a informação necessária para sua explicação (LABURÚ, 2006, p. 392). A aprendizagem passa a ser realmente significativa quando novos conhecimentos passam a significar algo para o aluno. Nesse sentido, à medida que os conceitos, proposições, leis e fórmulas fazem algum sentido para o cotidiano do aluno, este será capaz de solucionar novos problemas com aquilo que foi aprendido nas atividades de Física experimental (SOUZA; CARVALHO, 2014). 4.2.1 Atividades Experimentais O uso de atividades experimentais é capaz de influenciar positivamente na motivação dos alunos na medida em que fomenta a reflexão acerca dos temas propostos, estimula a participação ativa na construção das aulas e também contribui para alcançar o objetivo de uma aprendizagem significativa (MALACARNE; STRIEDER, 2009). Em geral, os estudantes não têm um ‘contato concreto’ com os fenômenos envolvidos durante uma explicação em sala de aula. Com a experimentação e possibilitando um processo pedagógico que leve em consideração a epistemologia dialógico-construtivista, eles podem observar, de forma mais abrangente e significativa, as explanações que envolvem o experimento e seus conceitos, não só aprimorando e superando suas concepções prévias sobre o tema em questão, mas possibilitando uma aprendizagem significativa na medida em que o interesse em participar da atividade é muito grande. Com isso podemos dar uma contribuição mais efetiva para a formação deles (MILTÃO et al., 2019, p. 180). 37 Existe uma clara dificuldade em relacionar as leis e teorias da Física com a vivência do aluno, de forma que este fato dificulta a assimilação dos conceitos apresentados. Assim sendo, o uso da experimentação em sala de aula se mostra pertinente em razão dos benefícios de uma mudança na abordagem metodológica, reduzindo o desgaste dos recursos didáticos tradicionais, e articulando múltiplas possibilidades na construção do conhecimento (DOS- SANTOS; RODRIGUES; GONZÁLEZ-BORRERO, 2021). A pesquisa de Frota e Sales (2019) elucida que o cotidiano do aluno (e do ser humano em geral) é marcado por suas experiências e por suas interações com o meio onde vive, ou seja, é marcado por suas relações. Nesse sentido, a experimentação é justamente uma atividade humana que procura, entre outras coisas, uma forma de organizar ideias e de modelar a própria realidade. Como a experimentação está ligada ao método científico, ao trazê-la para uma sala de aula percebe-se que no aluno é estimulado tanto a visão científica dele como sua forma de entender e explicar as leis e fenômenos da natureza. Além disso, a experimentação possui outras utilidades para um professor, por exemplo: ferramenta de auxílio para exemplificar conceitos, instrumento de fixação de um conhecimento prévio, modo de instigar a curiosidade do aluno, etc. Consequentemente, ela ganhou destaque devido à importância de o aluno vivenciar uma teoria, para que haja a conexão entre o conhecimento e o conceito por sua parte (DOS-SANTOS; RODRIGUES; GONZÁLEZ-BORRERO, 2021, p. 40470-40471). Conforme Laburú (2006), a experimentação também abre caminho para uma aprendizagem significativa, haja vista que o uso de estratégias diferenciadas pode motivar os alunos a aprenderem Física. O manuseio de objetos, em exercícios práticos de representação, permite viabilizar uma conexão com a disciplina, além de tirar o aluno da passividade (SOUZA; CARVALHO, 2014), criando uma aula mais dinâmica e proativa, em que o estudante seja instigado a cumprir metas e objetivos reais para um melhor entendimento da Física, despertando a curiosidade, interagindo com o conteúdo, quebrando a rotina e gerando satisfação pela realização (DOS-SANTOS; RODRIGUES; GONZÁLEZ-BORRERO, 2021). A utilização da experimentação, como estratégia para o Ensino de Física, pode: [...] priorizar além de demonstrações, a abordagem do contexto histórico; o estudo de potencialidades e limitações da instrumentação; a manipulação por parte dos alunos do instrumento pesquisado; a realização de atividades de pesquisa por parte dos alunos e também a motivação para a resolução de problemas que abordem o conteúdo a ser ensinado (SOUZA; CARVALHO, 2014, p. 5). 38 É preciso ressaltar que a realização de experimentos nas escolas também é um grande desafio em razão da grande carência de recursos para o ensino de ciências em geral, além da falta de laboratórios apropriados, inclusive para o Ensino de Física. Atentando-se a isso, uma proposta factível, e capaz de driblar os problemas relacionados à falta de recursos, seria a de produzir experimentos com materiais de baixo custo (SANTOS, 2022). Por materiais de baixo custo entende-se que sejam materiais simples, acessíveis, baratos e de fácil aquisição, tais como recicláveis e sucata. O uso de materiais de baixo custo se caracteriza como uma alternativa muito interessante, haja vista que é capaz de conciliar os conteúdos de Física com algum tema relevante do cotidiano. A fim de desenvolver e contextualizar esse conteúdo, são construídos, descritos e utilizados experimentos que mostram na prática de que forma aquele conteúdo acontece. E toda essa experiência pode ser realizada pelos próprios alunos (ROSARIO; ROSARIO, 2019). O estudo de Rosário e Rosário (2019) propõe ainda alguns objetivos adicionais: criar um experimento em que o aluno seja protagonista de sua aprendizagem; promover o trabalho em grupo, difundindo as interações aluno-aluno; elaborar experiências, inclusive de caráter social; desvencilhar-se do ensino tradicional, pautado na transmissão de conteúdos descontextualizados; estimular o aluno a buscar mais informações sobre Física e sobre como construir seus próprios experimentos; além de incentivar o hábito de pesquisa para a construção do conhecimento. A proposta consiste em ajudar o aluno a obter senso prático de um conteúdo específico, compreendendo suas relações de causa e efeito, resolvendo problemas do dia a dia, com maior interação e participação ativa, e dessa forma facilitando o entendimento da Física por meio de elementos lúdicos e de baixo custo (FROTA; SALES, 2019). Trabalhada pela perspectiva sociocrítica, a estratégia pedagógica da experimentação apresenta características que vão de acordo com a teoria humanista de Carl Rogers. Dentre elas, é possível destacar: o envolvimento do aluno num ambiente de investigação, favorecendo a autoria de seu conhecimento; o encorajamento do aluno a pensar por si próprio, não sendo mais tratado como depósito de informações; o aluno como figura central e o professor como facilitador do processo de aprendizagem; as relações sociais construídas em função das atividades desenvolvidas; e a ampliação do senso crítico frente aos problemas propostos na medida em que o aluno os enxerga como parte integrante de sua vivência (OLIVEIRA et al., 2021). 39 4.2.2 Experimentos: possibilidades Confeccionado pelos alunos com materiais de baixo custo, o experimento proporciona um Ensino de Física mais acessível, lúdico, interativo e visual, traz um caráter motivacional implícito, reduz obstáculos para a aprendizagem, e produz uma relação única a respeito da relevância da Física e de sua aplicação cotidiana - todos esses fatores importantes para a aprendizagem significativa (FERREIRA; ALVARENGA; EVANGELISTA, 2021). Sendo assim, é justificável e produtiva a utilização desse tipo de experimento para o Ensino de Física em seus diversos assuntos: termologia, dilatação térmica, eletrodinâmica, entre outros tópicos. Isto porque, frequentemente, os alunos têm dificuldade de entender e também de relacionar esses conteúdos com o cotidiano (SOUZA; CARVALHO, 2014). Por fim, este trabalho apresenta alguns experimentos de baixo custo, passíveis de serem construídos pelos próprios alunos. 4.2.2.1 Dinamômetro Objetivo: Construir um aparelho para medir pesos e forças em geral (SANTOS, 2022). Quadro 2 - Dinamômetro Materiais necessários Método de Construção Cano de PVC de 30 cm; Tábua de madeira (25 cm × 3 cm × 2 cm); Tábua de madeira (20 cm × 1,5 cm × 1,5 cm); Três ganchos pequenos; Toco de madeira redondo; Fita métrica; Fita de cetim (ou similar); Mola (espiral de encadernações ou similar); Cola; Tesoura; Caixa de acrílico transparente. Corte a fita métrica e cole-a na tábua de madeira (20 cm x 1,5 cm x 1,5 cm); Cole a mola entre a tábua de madeira menor e o toco de madeira redondo; Na parte livre da tábua de madeira menor encaixe um dos ganchos, e na parte livre do toco de madeira circular encaixe o segundo gancho; Na tábua de madeira maior (20 cm x 3 cm x 2 cm), use o terceiro gancho e prenda-o no meio lateral da tábua; Na caixa de acrílico transparente faça furos em suas laterais e com a fita de cetim cortada em duas tiras faça uma espécie de cesto com alças. Procedimento Experimental: Pesar vários objetos ao alcance, procurando não exceder o limite da mola que foi utilizada no equipamento. Se ultrapassar o limite, a mola não retornará mais ao seu estado natural e ficará permanentemente alongada (SANTOS, 2022). Fonte: Adaptado de Santos (2022) 40 O professor realiza primeiramente uma apresentação da teoria abordada pelo experimento e descreve o procedimento da aula, exemplificando os conceitos e envolvendo os alunos num ambiente de investigação. Divide então a turma em grupos para que sejam montados os kits experimentais. Após a montagem, os alunos medem as massas de diversos objetos e anotam as respectivas medidas em uma tabela, verificando o estiramento do dinamômetro. Posteriormente, os alunos podem criar um gráfico e fazer um relatório para descrever o experimento, construindo o conhecimento a partir de suas próprias ações e ampliando o senso crítico frente ao problema. O emprego dessa atividade experimental pode despertar o interesse e também estimular a curiosidade natural dos estudantes quando esses identificam e contextualizam os fenômenos abordados em sala de aula, sendo capazes de citar aplicações do cotidiano que utilizam a força elástica, tais como uma balança de mercado, molas de suspensão de um automóvel, entre outros. Figura 5 – Dinamômetro Fonte: Santos (2022) 41 4.2.2.2 Usina de Calor Objetivo: Estudar que nos fluidos o calor se propaga principalmente via corrente de convecção, enquanto que para os sólidos, o modo de propagação principal é por condução (SOUZA; CARVALHO, 2014). Quadro 3 – Usina de Calor Materiais necessários Método de Construção Lata de refrigerante (cheia) Arame Recipiente de metal (por exemplo, lata de sardinha) Prego pequeno ou alfinete Embalagem (caixa) de suco ou de leite revestida por dentro com alumínio Grampeador Cola branca (ou super-cola) Giz Álcool Água e seringa (opcionais) Fazer um pequeno furo na lata cheia (caldeira), no local indicado (alfinete ou preguinho); Inverter a lata e agitá-la. O refrigerante saíra pelo furinho formando um jato; Inverter novamente quando o refrigerante que sobrar corresponder a cerca de 1/3 do volume original; Colar dois pedaços da embalagem de leite ou de suco, com cerca de 9x9cm, de modo a obter uma placa com os dois lados recobertos como alumínio; Usar esta placa para fazer uma ventoinha. Caso necessário, utilizar o grampeador para estruturá- la. Com arame, produzir um suporte para a caldeira e um eixo para a ventoinha, que deve ser fixado na borda da lata; Procedimento Experimental: Colocar o giz no recipiente de metal (fornalha) e derramar álcool no giz até que ele não consiga mais sugar o álcool derramado. Posicionar a caldeira no suporte com a fornalha embaixo e acender o fogo com cuidado. Após alguns minutos o líquido na caldeira ferverá e o jato de vapor que sai pelo furinho fará a ventoinha girar (SOUZA; CARVALHO, 2014). Fonte: Adaptado de Souza e Carvalho (2014) O professor pede que os alunos se dividam em grupos e atua como um facilitador encorajando-os a pensar e a confeccionar o experimento. Nessa etapa, pode ser utilizado um manual de instruções ou uma figura ilustrando o equipamento já montado. Antes de realizar o experimento, o professor frisa que é necessário tomar alguns cuidados com os materiais utilizados, principalmente em relação ao uso do álcool. O docente também precisa alertar para o risco de acidentes provocados pela pressão excessiva no interior da lata caso as instruções não sejam seguidas de forma correta. O professor então acompanha a evolução dos experimentos, confiando nos alunos para que eles compartilhem da responsabilidade nesse processo cooperativo de aprendizagem, 42 estruturando seu comportamento experiencial, e assim permitindo uma conexão afetiva baseada na confiança e no respeito. Dessa forma, ao realizar o experimento corretamente, é possível observar que a propagação do calor nos fluidos ocorre principalmente pelo deslocamento da matéria (corrente de convecção). O experimento também permite observar que a propagação de calor nos sólidos se dá por condução e que a velocidade de propagação nesse caso depende do material utilizado. O professor pede que então seja feito um relatório científico do experimento para que seja apresentado aos demais grupos, relacionando o experimento com situações do cotidiano, promovendo a educação a partir da pesquisa e da troca de ideias, e alavancando a curiosidade e o diálogo. Nesse processo, o aluno é protagonista da produção de seu próprio conhecimento e de sua evolução individual, realizando atividades em conjunto e superando o caráter individualista da pedagogia tradicional. Figura 6 – Usina Térmica Fonte: Souza e Carvalho (2014) 43 4.2.2.3 Força Centrípeta Objetivo: Mostrar que um corpo só se mantém em movimento circular por conta de uma aceleração que aponta para o centro da trajetória (SANTOS, 2022). Quadro 4 - Força Centrípeta Materiais necessários Método de Construção Tábua de madeira (6 cm x 6 cm x 1 cm); Quatro parafusos pequenos; Fita de cetim; Duas borrachas; Chave de fenda. Com ajuda de uma chave de fenda, fixar 4 parafusos nas 4 extremidades da tábua de madeira; Cortar a fita de cetim (ou similar) em 4 pedaços de tamanhos iguais (ex: 60 cm); Amarrar cada pedaço cortado da fita em cada ponta dos parafusos colocados nas extremidades da tábua de madeira. Procedimento Experimental: Colocar as duas borrachas em cima da tábua de madeira. Segurar as pontas soltas das fitas erguendo a tábua da madeira com as borrachas em cima. Fazer movimentos circulares. A borracha não cai (SANTOS, 2022). Fonte: Adaptado de Santos (2022) O professor, inicialmente, pode promover um ambiente descontraído, que propicie a espontaneidade, a confiança nos alunos e o trabalho em equipe, fazendo uma dinâmica de integração e solicitando que os alunos tentem explicar com suas próprias palavras o que é Força Centrípeta, sem julgamentos ou condenações em eventuais erros, mas valorizando a definição de cada um. Em seguida, a turma é dividida em grupos para a montagem do experimento. Cada grupo faz sua demonstração, de modo que cada um dos grupos desenvolve uma compreensão da força centrípeta, debatendo o conteúdo abordado e, assim, explorando o potencial natural de cada aluno para o aprendizado. Por fim, podem ser discutidas com a turma situações práticas como um carro realizando uma curva, um motociclista no “globo da morte”, ou um satélite orbitando o planeta Terra. 44 Figura 7 – Força centrípeta Fonte: Santos (2022) 4.2.2.4 Movimento retilíneo uniformemente acelerado Objetivo: Estudar o conceito de aceleração (SANTOS, 2022). Quadro 5 – Movimento retilíneo uniformemente acelerado Materiais necessários Método de Construção Dois canos de PVC; Dois elásticos; Fita métrica; Fita transparente; Bola de gude ou Esfera de rolamento (grande); Bloco de madeira (10 cm x 6 cm x 5 cm); Cola. Colar a fita métrica no tubo; Amarrar os tubos com os elásticos colocados nas extremidades, ou juntá-los com uma fita transparente; A bola, ao rolar entre os tubos, não deverá encostar na fita de papel, mas no tubo de PVC. Procedimento Experimental: Colocar o bloco de madeira numa das extremidades dos tubos, de tal modo que a bola deixada em liberdade na mesma extremidade adquira um movimento acelerado, mas não muito rápido. Uma vez familiarizado com o movimento, fazer os alunos observarem que à medida que a esfera desce e o tempo transcorre, a velocidade da bola vai aumentando (aceleração). Fazer os alunos observarem que a relação distância/tempo vai aumentando em cada intervalo de dois ou três segundos. Com os dados obtidos, fazer os alunos construírem os gráficos do MRUA: 𝑑 = 𝑓(𝑡); 𝑣 = 𝑓(𝑡); 𝑎 = 𝑓(𝑡) Fonte: Adaptado de Santos (2022) 45 Figura 8 – Movimento retilíneo uniformemente acelerado Fonte: Santos (2022) O professor pode gerar uma discussão inicial sobre o Movimento Retilíneo Uniformemente Acelerado ao proporcionar de forma lúdica que os alunos vivenciem a teoria na prática: deixando um objeto cair de uma altura considerável, deixando de pedalar uma bicicleta ao subir uma ladeira, liberando um balão a partir do chão, etc. A seguir, pede que os alunos se dividam em grupos e iniciem a construção do experimento da bola de gude rolando entre tubos. Nesse experimento, os alunos deverão observar que a medida que o tempo passa, a bola de gude desce com velocidade cada vez maior, ou seja, seu movimento é acelerado. O professor pode solicitar que cada grupo grave a descida da bola de gude com um celular para que uma análise em câmera lenta seja realizada. Ao fazer um registro das variações de espaço cada vez maiores em intervalos de tempo iguais, os alunos são encorajados a criar seus próprios gráficos, de maneira autônoma e com mínima interferência docente, oportunizando a participação ativa na produção de conhecimento. Ao valorizar os conhecimentos prévios do corpo discente, o professor também será capaz de indagar sobre outros exemplos do cotidiano. O que acontece quando um carro é deixado desengatado em um pequeno declive? Qual o comportamento e o que seria necessário para pará-lo? Esse tipo de discussão permite que os alunos compreendam o cenário e reflitam sobre o contexto de forma crítica, além de estabelecerem uma interface com outros conceitos da Física, a exemplo da Inércia e do Atrito. 46 4.2.2.5 Gerador de energia Objetivo: Estudar a geração de energia (ROSARIO; ROSARIO, 2019). Quadro 6 – Gerador de energia Materiais necessários Método de Construção Garrafas plásticas (pet) pequenas Água sanitária Água natural Fios de cobre / Fios de ferro Pequenos pedaços de fios encapados Limões ou batatas Led Misturar a água sanitária e a água natural dentro da pequena garrafa pet; Colocar os fios de cobre e ferro cada um em uma extremidade e ligados nos fios encapados, um no cobre e outro no ferro; Ligá-los ao led. Procedimento Experimental: Notar que o led acende ao ser conectado aos dois fios (ROSARIO; ROSARIO, 2019). Fonte: Adaptado de Rosario e Rosario (2019) Figura 9 – Gerador de energia Fonte: Rosario e Rosario (2019) O professor pode contextualizar o conteúdo, debatendo em sala as aplicações dos conceitos de eletrostática e eletrodinâmica no que diz respeito às variadas formas de geração de energia, propondo em seguida uma experiência em grupos para a geração de energia com 47 materiais de baixo custo. Por meio dessa atividade, o aluno participa ativamente do processo educativo, impulsiona sua tendência atualizante e evolui quanto ao aspecto socioemocional, na medida em que a interação social é incentivada. Após a construção do próprio aparato experimental, os alunos podem testar hipóteses de forma criativa. Verificando na prática os princípios físicos que regem o fenômeno da eletricidade, o arcabouço teórico passa a apresentar sentido e, em vista disso, a aprendizagem acontece de forma significativa. 4.2.2.6 Lata mágica Objetivo: Estudar a transformação de energia. Discutir o porquê de a lata voltar. Deduzir qual força é aplicada na lata que faz com que ela se movimente para frente e para trás (DA SILVA, 2018). Quadro 7 – Lata mágica Materiais necessários Método de Construção Lata de alumínio vazia e com a tampa Chave de fenda ou objeto pontiagudo Elástico comum Peso (porcas de parafuso, baterias, etc.) 2 Pregos ou clips de papel Fita adesiva Furar o centro da parte inferior e superior da lata; Colar o peso no centro do elástico com a fita adesiva; Prender com os pregos as pontas dos elásticos nas duas partes furadas da lata; Dentro da lata, o peso deve ficar pendurado pela tensão do elástico Procedimento Experimental: Rolar a lata em posição horizontal sobre uma superfície plana e empurrá-la para frente, e ela voltará sozinha. Quando a lata rolar, o elástico vai contorcendo por dentro e, acumulando energia (energia potencial). Quando o elástico é solto, vai se desenrolando e a energia potencial vai se transformando em energia de movimento ou energia cinética, fazendo com que a lata volte, ou seja, movimento oposto (DA SILVA, 2018). Fonte: Adaptado de Da Silva (2018) Para esse experimento de grande potencial didático, o professor pedirá que os alunos se dividam em grupos. Cada grupo ficará responsável pela construção e demonstração de seu experimento em sala de aula. Os grupos deverão arremessar suavemente a lata em uma superfície horizontal e observar o que acontece. Levando em conta suas experiências prévias e resgatando conceitos da Dinâmica, os alunos anotam as distâncias percorridas pela lata e registram suas impressões acerca do fenômeno. Isso feito, é solicitado aos alunos que expliquem, com suas próprias palavras, o porquê de a lata percorrer determinada distância e logo em seguida retornar. 48 O professor deve aceitar as possíveis respostas de maneira empática, apreciando as tentativas dos alunos e distribuindo dicas que auxiliem na conclusão da atividade. Aproveitando o caráter lúdico dessa última e interagindo de forma descontraída, é possível