RACIONALISMO E ABSTRAÇÃO COMO CONTRIBUIÇÕES PARA O DESIGN • UM ESTUDO NA OBRA DE GERALDO DE BARROS ARTE CONCRETA GERALDO DE BARROS RACIONALISMO E ABSTRAÇÃO COMO CONTRIBUIÇÕES PARA O DESIGN • UM ESTUDO NA OBRA DE GERALDO DE BARROS ARTE CONCRETA UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” FAAC – Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação Pós Graduação em Design Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, Campus de Bauru, para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Profª. Drª. Aniceh Farah Neves. • Bauru, 2010 • M A R K O A L E X A N D R E L I S B O A D O S S A N T O S Santos, Marko Alexandre Lisboa dos. Arte Concreta: racionalismo e abstração como contribuições para o design - um estudo na obra de Geraldo de Barros / Marko Alexandre Lisboa dos Santos,2010. 90f. Orientador: Aniceh Farah Neves. Dissertação (Mestrado)- Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2010. 1. Concretismo. 2. Geraldo de Barros. 3. Arte concreta. 4. Design de móveis. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. As manchas gráficas de texto foram estabelecidas a partir da localização do centro da obra de arte que se deu pelo cruzamento das diagonais ou ainda pelo ponto médio do lado. As margens foram definidas com base na medida da distância existente entre as colunas de texto. O ponto de partida para a diagramação desta dissertação foi a obra Sem Título, de Geraldo de Barros. A partir dela estabeleceu-se a estrutura da capa e das manchas gráficas de texto. texto texto RACIONALISMO E ABSTRAÇÃO COMO CONTRIBUIÇÕES PARA O DESIGN • UM ESTUDO NA OBRA DE GERALDO DE BARROS GERALDO DE BARROS ARTE CONCRETA RACIONALISMO E ABSTRAÇÃO COMO CONTRIBUIÇÕES PARA O DESIGN • UM ESTUDO NA OBRA DE GERALDO DE BARROS ARTE CONCRETA Banca avaliadora Profª. Drª. Aniceh Farah Neves Orientadora Prof. Dr. Roberto Alcarria do Nascimento Profª. Drª. Janira Fainer Bastos M A R K O A L E X A N D R E L I S B O A D O S S A N T O S "Foi a partir de Gropius que senti melhor a possibilidade de industrialização do objeto, seja um móvel ou um outro objeto qualquer.” "A crise pode gerar mais criatividade. Esse pode ser o caminho.” Geraldo de Barros In MORENO & OUTSUKA,1992 Para minha mãe, com carinho. Agradeço primeiramente a Deus, os motivos não caberiam nessa dissertação toda. A minha família, principalmente minha amada mãe. Aos amigos. À Universidade Estadual Paulista, pela oportunidade de estudo e pelos anos de aprendizado. Aos professores, pelo conhecimento adquirido em especial a Prof. Dra. Aniceh Farah Neves e ao Prof. Dr. Roberto Alcarria do Nascimento pelos anos de orientação, amizade e troca de conhecimentos, vários dos quais se fazem presentes neste trabalho. • Resumo / Abstract • Introdução • Capítulo I - Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico • Capítulo II - Geraldo de Barros – fotógrafo e pintor • Capítulo III – Geraldo de Barros: Designer 3.1 - A formação do design moveleiro no Brasil Mobiliário da Época 3.2 - Geraldo de Barros: a experiência na Unilabor • Capítulo IV – Procedimentos de pesquisa e análises 4.1 - Conceituando e aplicando 4.2 - Análises gráfico-visuais • Considerações finais • Referências bibliográficas • Lista de figuras Sumário 9 10 12 28 39 39 42 44 53 53 63 78 81 84 Resumo Abstract O Concretismo foi um movimento vanguardista que abrangeu as artes plásticas, a arquitetura, a música, a poesia, o design. Os artistas que formaram o grupo concretista paulista Ruptura, em 1952, concebiam a arte como projeto, como idéia racional e propunham objetos múltiplos contrapondo-se à noção de obra única. Preocupavam-se com a função social do artista, a questão da reprodução da arte para todos e ansiavam por intervir no centro da produção industrial. Geraldo de Barros foi um concretista que buscou a integração funcional da arte ao cotidiano por meio do design. A participação na indústria moveleira Unilabor, a partir de 1954, denota seu compromisso com essa idéia. O percurso de Barros – pintor, fotógrafo e designer – permite caracterizá-lo como artista múltiplo. Esta pesquisa, no entanto, se delimita a sua produção no período compreendido entre o final dos anos 40 e meados dos anos 60. Seu objetivo é evidenciar os pressupostos sociais e racionais do Concretismo sobre a produção plástica e a metodologia de projeto de Geraldo de Barros enquanto designer de móveis. O estudo teve como fio condutor a linguagem geométrica das vanguardas do primeiro vintênio do século XX e a produção artística do Concretismo brasileiro, cujo processo de criação está objetiva e filosoficamente embasado na geometria. A proposta aspira a uma contribuição bibliográfica sobre o assunto, acrescentando uma maneira a mais de olhar o design. Palavras-chave: Design; arte concreta; Geraldo de Barros; design de móvel. The Concretismo was a vanguard movement that covered the arts, architecture, music, poetry, design. The artists who formed the group Ruptura in 1952, conceived of art as design, as rational idea and proposed multiple objects in opposition to the concept of a single work. Worried about the social role of the artist, the question of the reproduction of art for all and were eager to intervene in the center of industrial production. Geraldo de Barros was a concrete sought the functional integration of art to everyday life through design. Participation in the furniture industry Unilabor, from 1954, reflects his commitment to this idea. The route of Barros - painter, photographer and designer - to characterize it as multiple artist. This research, however, is framed for its production in the period between the late 40th and mid '60s. Your intention is to show the social and rational assumptions of the Concretismo on the artistic production and design methodology Geraldo de Barros as a furniture designer. The study was lead by the geometric language of the vanguards occurred in the first twenty years of century XX and the artistic production of Concretismo Brazilian, whose creation process is objective and philosophically grounded in geometry. The proposal aims to a contribution of literature on the subject, adding one more way of looking at the design. Keywords: Design; concrete art, Geraldo de Barros, furniture design. 9 Introdução Em sua atividade, o designer se utiliza de diversos processos criativos e metodologias projetuais para a concepção e consecução de um produto. O fato do design abranger diferentes áreas do conhecimento, assumindo um caráter multidisciplinar, proporciona ao profissional um vasto repertório de informações úteis ao embasamento da projetação do produto. A arte é uma dessas áreas. A partir das vanguardas do século XX, é possível constatar que arte e design caminharam lado a lado. A percepção dessa realidade se aflorou para o pesquisador, enquanto estudante do Curso de Design, nas atividades de extensão, pesquisa de iniciação científica e de conclusão de curso, relacionadas com a linguagem geométrica e o pensamento racionalista de cunho social inerentes ao movimento concretista. A pesquisa ora apresentada é, de certa maneira, continuidade das investigações anteriormente efetuadas. O conhecimento, ainda que preliminar, da produção de Geraldo de Barros – fotógrafo, pintor e designer integrante do Concretismo brasileiro – constituiu- se no ponto de partida desta dissertação. O estudo foi impulsionado, inicialmente, pelo desejo de conhecer melhor esse artista múltiplo, sobretudo sua atuação como designer de móveis. A motivação principal, no entanto, surgiu da forte impressão causada pela organização formal e construções geométricas presentes em sua obra. Esse impacto conduziu à formulação das questões que nortearam a elaboração deste trabalho: a formação artística de Geraldo de Barros influenciou sua participação como designer da Unilabor? O desenho de móveis é uma extensão de sua produção artística junto ao Grupo Ruptura? A busca de respostas para estes questionamentos começou com a retomada dos movimentos vanguardistas europeus do início do século passado fundamentados na linguagem abstracionista geométrica, em razão de sua relevante influência sobre o panorama artístico nacional das décadas de 50 e 60. O resgate desse período - identificado como Projeto Construtivo – concorreu, em seguida, para evidenciar as premissas do Concretismo brasileiro, especialmente do grupo paulista denominado Ruptura, ao qual Geraldo de Barros se filiou. Os artistas, que em 1952 formaram esse grupo, tinham em comum a preocupação com a função social do artista e a concepção de arte como projeto, como idéia racional fundamentada na abstração geométrica. Geraldo de Barros foi um concretista que buscou, em certa fase de seu percurso, a integração funcional da arte ao cotidiano por meio do design. O engajamento com a fábrica de móveis Unilabor, a partir de 1954, demonstra seu comprometimento com essa idéia. A trajetória de Barros é bastante diversificada. Esta pesquisa, porém, se restringe à sua produção como artista plástico, fotógrafo e designer de móveis no período compreendido entre o final dos anos 40 e meados dos anos 60. Portanto, o propósito desta dissertação é evidenciar os pressupostos sociais e formais do Concretismo sobre a produção plástica e a metodologia de projeto 10 de Geraldo de Barros enquanto designer de móveis. O estudo visa, também, apontar as relações geométricas que estruturam os quadros e o desenho de móveis e estabelecem o princípio da multiplicação e modulação das formas. O enfoque central deste trabalho – análise da obra pictórica concretista de Geraldo de Barros e sua aplicação na concepção do móvel – conduziu à estratégia de investigação teórica de caráter histórico (GIL,1996). Esse delineamento possibilitou, pela forma de raciocínio dedutivo, reunir e analisar informações sobre o tema em questão. Para fundamentar o conteúdo, recorreu-se a livros, trabalhos acadêmicos, publicações em periódicos e eletrônicos, folders de exposições, textos e imagens disponibilizados na internet. As análises gráficas de algumas reproduções de obras de Geraldo de Barros – necessárias para destacar elementos considerados chaves no trabalho – foram executadas com instrumentos tradicionais de desenho e no software de editoração gráfica com ferramentas para desenho vetorial (Corel Draw, versão X3). A primeira fase dos estudos - o levantamento bibliográfico – que permitiu estabelecer o panorama geral das vanguardas artísticas e do Projeto Construtivo Brasileiro (Capítulo 1), assim como da produção de Geraldo de Barros como Fotógrafo e Pintor (Capítulo 2), e da sua atuação como designer (Capítulo 3) foi efetuada com base na proposta de De Fusco (1988). O autor sugere uma visão da história da arte do século XX segundo “linhas de tendência”, ou seja, relacionando fenômenos e obras artísticas que apresentam entre si fatores de semelhança, laços morfológicos e objetos afins, independentemente da sucessão de acontecimentos. Em razão da natureza desta pesquisa, contemplou-se a Linha da Arte Útil e a Linha da Formatividade. A primeira, por evidenciar a relação entre arte e sociedade, privilegiando as pesquisas com tendências a se integrarem na arquitetura, e, principalmente, no design. A segunda, por envolver as tendências que priorizam a forma e os processos configurativos. Todavia, é preciso salientar que, a despeito de se tratar de uma arte “formal”, outros aspectos nela se incluem como o expressivo, o social o utilitário... Por esta razão, muitas vezes, pode-se verificar no mesmo artista obras que ora se inserem nesta linha, ora em outra linha de tendência, como é o caso de Geraldo de Barros. A segunda fase deste estudo – abordada no Capítulo 4 – tratou de análises gráfico-visuais de algumas obras plásticas e peças de mobiliários criadas por Geraldo enquanto participante do movimento concretista e de sua fase como designer da Unilabor. Tais análises tiveram como suporte conceitos formais, gesltálticos e geométricos apresentados por Dondis (1997), Gomes Filho (2000), Wong (1998), Rohde (1982) e Weyl (1997) que permitiram analisar elementos que se relacionam entre si e fazem parte do conjunto total da obra bi e tridimensional. Estas considerações introdutórias serão abordadas mais amplamente nos capítulos que compõem a dissertação. 11 Introdução Capítulo I Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. A intenção deste capítulo é proporcionar uma breve visão das pesquisas que induziram artistas a buscar novas experimentações, originando concepções e tendências significativas para a arte no primeiro vintênio do século XX e nos períodos posteriores. O aprofundamento é dado no que tange ao Projeto Construtivo Brasileiro - seus precursores, influências e conseqüências de tal vertente artística – que viriam culminar no Concretismo Brasileiro. Considera-se que as primeiras experimentações artísticas que tiveram influência para o nascimento da vertente abstracionista geométrica iniciaram em Paul Cézanne, que na segunda metade do século XIX, passou a representar elementos geométricos em suas pinturas (figuras 1 e 2). Tal influência concorreu para o nascimento das grandes correntes artísticas da primeira metade do século XX. Ao estudar a paisagem natural, passou a identificar formas geométricas em casas, árvores, montanhas vendo-as não obrigatoriamente sob um único ponto de vista, em contraposição à exatidão da perspectiva do Renascimento. Para o artista, a arte não precisava reproduzir a realidade, e sim, produzir pensamento e consciência em forma de ação. A pintura de Cézanne não mais imitaria a arte dos antigos: seria dedicada a formar uma imagem nova e concreta do mundo, que não deveria ser buscada na realidade exterior, mas na consciência. Em uma carta, datada de 1904 ele descreveu que “é preciso ‘tratar a natureza conforme o cilindro, a esfera, o cone, o conjunto posto em perspectiva’, e pretendeu-se nessa fase uma antecipação teórica do Cubismo” (ARGAN, 1992, pág. 112). Os estudos de Cézanne vieram a influenciar as experiências de Pablo Picasso e Georges Braque na França, entre 1907 e 1914, que se encaminharam para a formulação de uma nova manifestação na arte que culminou na revolução cubista (figuras 3, 4, 5 e 6). Figura 1: Paul Cézanne. Le cabanon de Jourdan, 1906. Figura 2: Paul Cézanne. Vista de Auvers-sur- Oise, 1873 Figura 3: Georges Braque. Les Maisons à l'Estaque, 1908. Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• 12 Paralelamente, outros artistas europeus se lançaram à pesquisa no plano da abstração. Moscou tornou-se cenário da busca do ideal absoluto na arte. As vanguardas russas exerceram papel central na fundamentação da linguagem não figurativa, tanto na área pictórica e escultórica, como nas experiências gráficas sobre o cartaz, edição de livros e catálogos. As condições na esfera artística, social e política favoreceram a inúmeras declarações e manifestos. Apesar das divergências em aspectos da concepção artística, alguns nomes se destacaram nesse contexto: Malevitch, Tatlin e os irmãos Gabo e Pevsner. Influenciado pelo Cubismo, ainda que não tivesse saído da Rússia, Kasimir Malevitch voltou-se para a pesquisa com formas geométricas puras, intitulada Suprematismo. Buscava uma arte livre de resultados práticos, comprometida apenas com a visualidade plástica da obra. Em 1913 Kasimir Malevitch expôs a obra Quadrado preto sobre fundo branco (figura 7), deplorada pelo público e pelos críticos por não conter elementos figurativos. Para Malevitch, esta obra foi uma tentativa de livrar a arte do “peso inútil do objeto” reconhecível¹. No mesmo ano, Wladimir Tatlin lançou o Construtivismo na Rússia. “A arte de Tatlin [...] consistiria [...] na construção de objetos e de contra-relevos realizados em metal plástico, madeira ou vidro”. (GULLAR, 1999, p. 139). Figura 5: Pablo Picasso. Bandolim. 1914. Figura 6: Pablo Picasso. Folha de Música e Guitarra, 1912-13. Figura 7: Kasimir Malevitch. Quadrado preto sobre fundo branco, 1913-15. ¹MALEVITCH, Kasimir. In: AMARAL, A. Projeto Construtivo na Arte: 1950-1952. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 1977 pág. 32. Figura 4: Pablo Picasso. Horta de Ebro, 1909. Figura 8: Wladimir Tatlin. Monumento para a III Internacional, 1920. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 13Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• A aceitação do mundo contemporâneo das máquinas, objetos em série e procedimentos tecnológicos influenciaram a busca de novos caminhos para a escultura. Para Tatlin e outros artistas, ela passou a ser ‘construção’ e não mais objeto que se talha ou modela. Por essa razão, difundiam a necessidade do artista ser um técnico que fizesse uso dos instrumentos e materiais modernos. (figuras 8 e 9). Os irmãos Naum Gabo e Antoine Pevsner, divulgadores do Manifesto Construtivista, foram presenças relevantes para a história do Construtivismo e da escultura moderna. Em seus trabalhos, atribuíam importância não tanto aos objetos, mas, sobretudo aos espaços nele contidos (figuras 10 e 11). Ao lado de outros artistas, contribuíram para o surgimento de uma nova concepção plástica do espaço, desvinculada das formas tradicionais (pintura, escultura, arquitetura), que se concretizou pelo uso de materiais industrializados (plástico, fios de nylon, bronze oxidado, fios de cobre), pela inovação formal e, principalmente, por concepções da relação forma/espaço/tempo, embasadas em valores métricos e leis matemáticas. Os movimentos russos traziam consigo, também, a pretensão de uma reformulação da estética do objeto, ou seja, “estavam empenhados em tentar entender a forma de um ponto de vista tal que permitisse levar os objetos ao povo” (AZEVEDO, 1988 p. 25). Os poetas, artistas plásticos, designers e arquitetos se uniram para produzir obras - cartazes, pinturas e esculturas - que divulgassem a idéia comunista. A palavra de ordem era construir (figura 12). Figura 10: Naum Gabo. Construção no espaço, sem data. Figura 11: Antoine Pevsner. Cruz ancorada, 1933. Figura 12: Valentina Kulagina. Estamos prontos para defender a URSS, 1930. Figura 9: Wladimir Tatlin. Contra relevo de canto, 1915. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 14Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Trabalhos realizados pelos construtivistas, como os de Rodchenko (figura 13) celebraram a racionalidade científica e a tecnologia da era da máquina. Após a Revolução Bolchevique ocorrida em 1917, os artistas construtivistas foram apoiados pelos políticos e isso gerou desacordo entre os interessados numa arte pessoal e aqueles voltados a produzir arte para a massa. Com isso, alguns artistas construtivistas como Gabo, Pevsner e Kandinsky deixaram a União Soviética e migraram para a Alemanha para lecionar na Bauhaus, disseminando os princípios construtivistas pela Europa, que viriam a ecoar em outras partes do mundo, anos mais tarde. Na Holanda, por volta de 1917, despontou o Neoplasticismo difundido pela revista De Stijl. Trazia consigo “a primeira tentativa de encontrar a síntese da nova linguagem plástica, não-figurativa, que aqueles movimentos pioneiros direta ou indiretamente propunham.” (GULLAR, 1999, p. 150). O Neoplasticismo originou-se das experiências de abstração de Piet Mondrian (figura 14) iniciadas em 1911, quando decidiu, a partir da abstração contida na geometrização cubista das formas, atingir o equilíbrio e harmonia universais por meio de formas que descartavam imagens particulares. Para impedir qualquer lembrança do transitório da vida orgânica, não usava linhas curvas, apenas retas ortogonais, que originavam campos chapados. Assim, através da simplicidade das formas retilíneas e das cores puras conseguiu dois objetivos. O primeiro se refere à total e absoluta autonomia da pintura ao se desprender da imitação ou ligação com a natureza. O segundo objetivo diz respeito à utilização de relações puras de composição, dimensão e posição que serviram de elementos básicos para as demais artes, da arquitetura à tipografia. Figura 13: Alexander Rodchenko. Retrato de Lilya Brik, 1924. Figura 14: Piet Mondrian. Composição com Vermelho, Amarelo e Azul, 1930. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 15Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Além de Mondrian, outro expoente desse movimento artístico foi Theo van Doesburg (figura 15). Ele propôs a expressão “arte concreta” pela primeira vez no texto Comentário sobre as bases da pintura concreta no ano de 1930, publicado na única edição da revista A.C. (Arte Concreta). Neste texto, Doesburg faz uma compilação de idéias já defendidas por alguns artistas como Gabo, Mondrian e outros. Alegou que essa pintura concreta não utilizava formas abstraídas da natureza e que elementos plásticos componentes de sua obra seriam a representação do que é concreto pois “nada mais concreto, mais real que uma linha, uma cor, uma superfície”.² Até a década de 20, a arte abstrata caracterizou-se como um veio altamente criativo. Entre 1920 e 1930, o abstracionismo estendeu-se à arquitetura, mobiliário e ao design gráfico como recurso ilustrativo, formal ou construtivo (figura 16). É possível afirmar que a arte abstrata não veio por acaso: ela foi resultado de diversos fatores, principalmente da evolução ²DOESBURG, Theo Van. In: AMARAL, A. Projeto Construtivo na Arte: 1950-1952. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 1977 pág. 42. Figura 15: Theo van Doesburg, Composition XX, 1920. Figura 16: Gerrit Thomas Rietveld. Cadeira Vermelha e Azul, 1917. Figura 17: O Estilo Art Noveau. que a arte sofreu ao seguir num movimento paralelo ao da ciência e do avanço tecnológico (PEDROSA, 1996). Um dos primeiros movimentos ligados à produção industrial, a Art Nouveau, despontou na segunda metade do século XIX. No século XX esse movimento artístico apresentou duas vertentes: a primeira teve por base as formas orgânicas (figura 17), extraídas da representação realista ou convencional da natureza. A segunda utilizou-se da geometrização das formas, reforçando cada vez mais o uso de motivos abstratos (figura 18). Esse antagonismo pode ser justificado pela inserção das máquinas na vida cotidiana: “no primeiro caso, o desejo de humanizar/naturalizar a máquina através de formas estilizadas e, no segundo, o desejo de adaptar o mundo e as pessoas à mecanização através da imposição de formas euclidianas (por serem entendidas, de modo ingênuo, como inerentes à produção mecanizada)”. (DENIS, 2000, p. 114) Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 16Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Os movimentos artísticos ocorridos no início do século XX que mais se identificaram com essa perspectiva da construção euclidiana da arte foram o Construtivismo, o Suprematismo e o Neoplasticismo ou “De Stijl”, uma vez que adotaram para seu programa estético as máquinas, os objetos industrializados, as formas abstratas e geométricas, a razão matemática, a otimização e racionalização dos materiais de trabalho. Associada a essa concepção, estabeleceu-se um sentido de destino social que conduziu muitos artistas a se organizar em grupos para formular explicações teóricas por meio de manifestos, livros, revistas e conferências. No contexto das vanguardas, surgiu a Bauhaus, escola fundada em 1919 na Alemanha por Walter Groupius, (figura 19) que tinha como ideal, unir, através do ensino, a arte aplicada e as belas artes. A escola contribuiu de forma significativa para a definição do papel do designer, o estabelecimento dos conceitos de design e didática para o ensino das artes aplicadas, adotados até hoje. Em seus primeiros anos de atuação, a escola tinha uma orientação mais individualista, valorizando a expressão pessoal do artista na concepção do produto. Posteriormente adotou uma orientação estética que vinha de encontro com os interesses da escola para estreitar o seu relacionamento com a indústria, a produção seriada e a utilização das máquinas. Nessa fase, começou a produzir modelos de produtos para a indústria, consolidando a linguagem estética que caracterizou a Bauhaus, denominada Figura 19: Prédio da Bauhaus em Weimar, Alemanha. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• 17 Figura 18: Henry van de Velde. Bancada de Piano, 1902. por Maldonado de “funcionalismo técnico-formalista” (1977, p. 68) devido à característica marcante de um estilo de produtos despidos de ornamentos, funcionais e econômicos, cujos protótipos saíam de suas oficinas para a execução em série na indústria. Bruno Munari (1982) evidencia a importância dessa escola afirmando que o design nasceu na Bauhaus em Weimar. Até os dias de hoje é possível encontrar no desenho de automóveis, cadeiras e poltronas, formas originárias dessa escola. No âmbito formal, o novo conceito – funcional e técnico-formalista - desenvolvido pela Bauhaus, se tornou referência em relação àqueles criados anteriormente à fundação da escola, ou seja, a Bauhaus atuou como um verdadeiro divisor no que tange à estética do design. Tanto no design gráfico (figura 20) quanto no design de produto (figura 21) é possível encontrar resquícios do conhecimento disseminado pela Bauhaus. No âmbito didático a Bauhaus influenciou o ensino do design e das artes aplicadas no século XX. A experiência pedagógica da escola continua sendo fonte de referência para a educação nas áreas de design, arquitetura e artes, seja por utilizar uma estrutura física parecida, seja pela organização da grade curricular, ou por fazer referências críticas à história e aos conceitos pedagógicos por ela utilizados (WICK, 1989). Tendo como proposta a continuidade do trabalho a partir de onde a Bauhaus havia parado, a Escola Superior da Forma de Ulm iniciou suas atividades em 1953. Ajustada ao contexto histórico da década de 1950, ela buscou a afirmação do racionalismo formalista, uma das correntes dominantes na Bauhaus, tornando-se o mais importante centro europeu das experiências plásticas de vanguarda dos anos de 1950. Sua estrutura pedagógica teve o paradigma arte-função como principal diretriz para a construção do ensino e da prática do design industrial, da comunicação visual e da arquitetura. Mesmo depois do encerramento de suas atividades, a escola “continuou a existir através da atuação dos seus professores e ex-alunos não só na Alemanha como no exterior” (NIEMEYER, 2000, p. 47). A arte e o design brasileiros receberam influência de Ulm como se verificará adiante. Gradativamente as vanguardas européias alcançaram um novo espaço plástico. No Brasil, entretanto, a passagem da figuração para a abstração não foi fruto de um processo de pesquisa contínuo e múltiplo, como se constata na história da arte européia. Ocorreu de maneira quase súbita, Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 18 Figura 20: Herbert Bayer. Fonte Sturm Blond, também chamada de Universal, 1925. Figura 21: Marcel Breuer. Cadeira Wassily. Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• caracterizando uma ruptura conceitual se comparada a mudanças morfológicas em outras áreas de criação. Em busca de uma nova identidade nacional, a Semana de 22 – considerada como primeiro surto modernista – colocou-se imediatamente contra o academicismo. Este fato assinalou uma acentuada diferença entre o modernismo nacional e as vanguardas européias, pois enquanto desvincular- se da tradição era condição para o surgimento do novo na Europa, para os artistas brasileiros a recusa ao academicismo se fez acompanhar do revigoramento da arte colonial e de seus motivos históricos. O propósito de firmar artisticamente a identidade nacional – pela representação figurativa do tema, do homem e da paisagem brasileiros - permaneceu, portanto, no decorrer das décadas de 1930 e 1940. Contudo, posteriormente à Semana de 22, algumas tentativas esparsas de geometrização podem ser apontadas em fundos de telas, onde o primeiro plano é figurativo, e na decoração de interiores, cenografia e vitrais (AMARAL, 1998). Exemplificando as situações acima mencionadas destacam-se Vicente do Rego Monteiro (figura 22 e 23), Tarsila do Amaral (figura 24), Lasar Segall (figura 25) e os pioneiros da decoração abstrato-geométrica dessa época: Antônio Gomide, Regina Gomide Graz e John Graz, que geometrizavam formas em almofadas, tapetes e vitrais. Figura 24: Tarsila do Amaral. A negra, 1923. Figura 25: Lasar Segall. Estudos para decoração do Pavilhão de Arte Moderna de Olívia Penteado. 1924-25. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 19 Figura 22: Vicente do Rego Monteiro, A Crucifixão, 1922. Figura 23: Vicente do Rego Monteiro, Mulher diante do Espelho, 1922 Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 20 Os estudos de Antonio Gomide em aquarela, feitos possivelmente para vitrais (figura 26), demonstram uma forte inclinação geométrica. Em seus quadros da fase de 1923 percebe-se uma nítida influência de Cézanne: desde os planos sobrepostos, até as cores e os contrastes, apropria-se de uma preocupação nítida de construtivismo, como no desenho Ponte Saint- Michel (figura 27) (AMARAL, 1998). Em suas tapeçarias Regina Gomide Graz apresentou estudos geométricos de formas que preenchem o espaço, valendo-se de conceitos matemáticos, como divisão de áreas e as simetrias (figura 28). John Graz (figura 29) levou a abstração geométrica até as últimas conseqüências no final dos anos de 1920 e particularmente durante a década de 1930. Nessa fase, além de painéis e vitrais, ele criou pisos, portas, luminárias e demais objetos de decoração, focando sempre a abstração geométrica. É, sobretudo, na arte decorativa que a abstração geométrica se inseriu no contexto artístico brasileiro pós Semana de 22. O Projeto Construtivo Brasileiro configurou o segundo surto modernista brasileiro na década de 1950. O país vivia um momento econômico e social alicerçado numa empolgante proposta de crescimento com a implementação do programa de aceleração da modernidade nacional instituída pelo presidente Juscelino Kubitschek. Dele fizeram parte a implantação da indústria automobilística no país e o projeto de construção de Brasília. Movida pela ideologia do progresso e pela associação a capitais externos, a Figura 26. Antonio Gomide. Estudos para vitral, 1926 Figura 28: Regina Gomide Graz. Panneau, Déc. 1920. Figura 29: John Graz,Composição abstrata, s/d. Figura 27: Antonio Gomide. Composição comparte de uma ponte (Ponte Saint-Michel), 1923. Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• sociedade brasileira adquiriu, definitivamente, sua feição urbana. Esse período ficou conhecido como boom econômico, por conta da veloz forma de desenvolvimento adotada, que buscou realizar 50 anos de progresso em apenas cinco de governo, o famoso 50 em 5. As mudanças socioeconômicas refletiram-se, evidentemente, em outras áreas culturais onde a Arte e o Design se inserem. A inauguração dos Museus de Arte Moderna de São Paulo (1948) e do Rio de Janeiro (1949) e da I Bienal de Arte (1951) retratou os sinais dessas alterações. Com o Projeto Construtivo Brasileiro aflorou a modernidade das vanguardas européias já considerada como histórica. Mondrian, Malevitch, os irmãos Gabo e Pevsner tornaram-se os principais pontos de referência. A I Bienal de São Paulo, em 1951, agregou componentes de diversos movimentos da arte moderna do início do século XX, fato que concorreu para ampliar o interesse pela arte abstrata no país. Nesse evento, o suíço Max Bill recebeu o grande prêmio de escultura com sua Unidade Tripartida (figura 30). A obra exerceu forte influência na formação de jovens artistas brasileiros tanto no aprofundamento de suas experiências no campo da linguagem geométrica, como no estímulo para atuar em conjunto (PEDROSA, 1973). Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 21 Desde 1936, Max Bill utilizava e expressão “arte concreta” para nomear sua arte, que, desprendendo-se totalmente da natureza e figuração, era construída racional e objetivamente, privilegiando conceitos e procedimentos matemáticos. Max Bill também possibilitou o contato entre a Escola de Ulm e elementos determinantes para a posterior consolidação da arte e do design no Brasil, como Geraldo de Barros e Alexandre Wollner. (NIEMEYER, 2000). Tanto a I Bienal (1951) como a II Bienal (1953) foram decisivas para o desenvolvimento da arte concreta no Brasil, pois seguidamente a elas criaram-se, em São Paulo e no Rio de Janeiro, grupos de jovens artistas que se lançaram à exploração de formas abstratas geométricas. Assim, em São Paulo, formou-se um grupo de artistas, composto por pintores e escultores, em sua maioria paulistas, denominado Grupo Ruptura. Contava, inicialmente, com Geraldo de Barros e Waldemar Cordeiro. Aos poucos, o grupo ampliou-se com a presença de Luiz Sacilotto, Anatol Wladyslaw, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Maurício Nogueira Lima, Alexandre Wollner, Hermelindo Fiaminghi, Antonio Maluf, Willys de Castro, Almir Mavignier e Judith Lauand. No Rio de Janeiro, em torno de Ivan Serpa, reuniram-se Aluísio Carvão, Décio Vieira, João José da Silva Costa, Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Amilcar de Castro, Franz Weissman, Abraham Palatnik, formando-se o Grupo Frente. Tal como no acontecimento modernista de 1922, os dois grupos agregaram Figura 30: Max Bill. Unidade tripartida, 1948-49. Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• poetas e artistas plásticos. Os irmãos Augusto de Campos e Haroldo de Campos ao lado de Décio Pignatari participavam do grupo paulista. Ferreira Gullar atuava no Rio. Paulistas e cariocas estavam, a princípio, ligados pelas mesmas concepções e interesses. Manifestando-se contra a arte figurativa – fruto da simples cópia ou da recriação da natureza - bem como do não figurativismo lírico, expressionista que despontava no Brasil, buscavam uma maneira de utilizar as formas puras da geometria para vivenciar experiências de uma nova visualidade. De certa forma, pode se dizer que estavam alinhados com o conceito de arte concreta já visto anteriormente nas palavras de Doesburg. Figura 31: Judith Lauand. Movimento e contra movimento em espiral, 1956. Figura 32: Lygia Clark. Planos em superfície modulada nº 5, 1957. Figura 33: Lygia Pape. Tecelares, 1957. Figura 34: Waldemar Cordeiro. Movimento, 1951. Figura 35: Décio Pignatari. Terra, 1956. Figura 36: Rubem Ludolf. Assimetria resultante de deslocamentos simétricos. 1955. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 22Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• t e r r a r a t e r r a t e r r a t e r t e r t e r t e r t e r t e r t e t t e r r e r r a r r a r a a e r r a r a t e r r a r r a r a t e r r a r a r a t e r r a a r a t e r r a r a t e r r a r a t e r r r a t e r r a t e r a t r a De acordo com Klintowitz (1989, p. 12): O Concretismo influenciou profundamente a arte brasileira. Embasado em forte teoria, ele caiu como um raio num meio despreparado e fundado em boa parte, na sensibilidade. Em boa medida, o concretismo negava a própria realidade brasileira, dotada de forte sensibilidade ambiental e impregnada de emoção. Na verdade, o concretismo propunha uma nova realidade, baseada (...) em relações exatas. O Grupo Ruptura apresentou em 1952, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, uma exposição com um conjunto de obras defendidas pelo manifesto e assinado por seus componentes (figura 39). O foco da exposição era promover o debate entre adeptos da arte predominantemente figurativa que se praticava naquele momento no Brasil e do abstracionismo geométrico. Além disso, o grupo se expressou contrário a todo teor individualista existente nas composições naturalistas, quer no momento da concepção ou no da confecção da obra artística. Para os participantes do Grupo Ruptura, a obra de arte devia ser dedutível de conceitos, e não de opiniões, ou seja, a obra de arte não deveria ser interpretada de diversas maneiras; ela significava somente o que estava representado na tela (AMARAL, 1998). A intenção do grupo era produzir uma arte puramente mental, onde os elementos pictóricos – fundamentados em noções matemáticas - fossem utilizados para construir uma idéia geométrica, valorizando a organização do espaço, a estruturação das formas e das cores, desvinculada de conteúdos extrapictóricos. Nas palavras de Waldemar Cordeiro, citado por Aracy Amaral, “a arte, enfim, não é expressão, mas produto”. (CORDEIRO apud AMARAL, 1977, p.314). Para Cordeiro, a obra de arte era um produto da época, resultante da simultaneidade do mecanismo individual e social. Figura 39: Manifesto Ruptura, 1952. Figura 37: Luis Sacilotto. Concreção, 1952. Figura 38: Hélio Oiticica. Metaesquema, 1958. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 23Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Todavia, a partir de 1957, as divergências teóricas e práticas transpareceram entre os dois grupos. Por um lado, os paulistas – não levando em conta qualquer abertura para a intenção simbólica – recorriam ao conceito da pura visualidade e autonomia da forma nas artes plásticas e na poesia. Por outro lado, os cariocas - numa recusa às formulações defendidas pelo racionalismo concreto - almejavam não considerar a obra como objeto ou máquina, mas próxima de uma noção orgânica e do conceito tradicional de arte como expressão (MAM, 2006). O grupo paulista, encabeçado por Waldemar Cordeiro, manteve-se firme em relação aos princípios da arte concreta, que se pautavam nas possibilidades óticas e sensoriais determinadas pela teoria da Gestalt, denominada, também, Psicologia da Forma ou Teoria da Forma, a partir do século XIX. Cabe neste momento, abordar, mesmo que rapidamente, alguns aspectos dessa teoria. A Gestalt descobriu determinadas leis que regem a percepção do olho humano para com as formas, organizando-as e facilitando a compreensão das imagens. Essas leis foram estabelecidas por meio de conclusões sobre o comportamento cerebral quando age no processo de percepção de imagens. Os elementos constitutivos do todo são agrupados de acordo com as características que possuem entre si, como Semelhança, Proximidade, Unidade, Continuidade entre outros (GOMES FILHO, 2004). Os artistas concretistas se apoiaram significativamente nestes princípios para a elaboração de seus quadros. As leis das cores complementares e a dinâmica da figura/fundo tornaram-se, quase que constantes na produção concreta, muitas vezes sob a forma de exercícios óticos. Nas figuras de número 40 e 41 é possível observar que Luis Sacilotto compõe os quadros sob influência de princípios como Cores Complementares, Figura-fundo, entre outras. Figura 40: Luis Sacilotto. Concreção 6048, 1960. Figura 42: Antonio Maluf. Cartaz da I Bienal de São Paulo. 1951. Figura 43: Alexandre Wollner. Argos Industrial Têxtil, 1959.Figura 41: Sacilotto, Retângulo Eventual, 1954. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 24Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Aberto às transformações culturais e influenciado pelo Neoplasticismo de Mondrian, pelo construtivismo derivado do De Stijl holandês, pelas vanguardas russas, bem como pela experiência participativa da Bauhaus e da Escola de Ulm, o grupo concretista preocupava-se com a questão da reprodução da arte para todos e por todos e ansiava por intervir no centro da produção industrial. Oriundos da classe média, os artistas se entrosavam com o clima industrial paulista e com o campo da cultura e economia. Buscavam uma arte “objetiva” para um novo mundo industrial e aspiravam à perspectiva igualitária de uma sociedade socialista, funcional, sem superfluidades. Uma arte, portanto, quase-design, socializável como produtos industriais, que eliminasse a aura religiosa ou aristocrática do objeto único. Esse ficaria reduzido ao projeto-protótipo, matriz da serialização. Negavam o “gênio” artesanal, que vendia obras únicas por preço vultuoso, mas ressaltavam o artista-projetista industrial, “cujas obras-projetos seriam reproduzidas e encontradas em todos os lares”. (GONÇALVES, 1996, p.10). Daí sua contribuição para o design, mobiliário, artes gráficas, marcas e logotipos, arquitetura e paisagismo. O surgimento do Neoconcretismo em 1959 e da teoria do não-objeto formulada por Ferreira Gullar, resultaram das divergências entre paulistas e cariocas. O Grupo Frente, núcleo do Neoconcretismo, acreditava no Projeto Construtivo. Seus componentes consideravam o Concretismo um ponto de partida e não, um alvo. Entretanto, em rejeição às proposições do Figura 45: Geraldo de Barros. Cadeira Unilabor, 1954-56. Figura 44: Jardim projetado por Waldemar Cordeiro na década de 1950 em São Paulo. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 25Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• racionalismo concreto, desejavam expressividade para o vocabulário geométrico. Para isso, a intuição, a sensibilidade e a subjetividade não poderiam ser desprezadas. Opostos à rigidez dos concretistas – favoráveis à integração arte/processos industriais – os neoconcretistas se voltaram para uma pesquisa intuitiva e diferenciada. A ênfase a aspectos experimentais na procura de soluções para um novo espaço expressivo apontava para “...uma direção explícita quanto à quebra de moldura e do espaço bidimensional da tela ou parede que evidenciava a lição aprendida com Malevitch, Tatlin, Gabo, Pevsner...” (NEVES, 1998, p.99). Distanciando-se do reducionismo da linguagem geométrica, o grupo neoconcreto se voltou para o ‘humanismo’ por meio de “duas vertentes amplas” (BRITO, 1999). Uma delas, leal à tradição construtiva e à sua peculiaridade, baseou-se em um humanismo direcionado para a sensibilização da atividade artística, levando em conta a qualidade da pesquisa desenvolvida e, inclusive, apresentada à produção industrial. Willys de Castro, Franz Weissmann, Hércules Barsotti, Aluísio Carvão e Amilcar de Castro foram representantes dessa ala. A outra vertente decidiu pelo rompimento com os fundamentos construtivistas embasando-se em um humanismo dirigido à dramatização da atividade artística. As produções de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape confirmaram essa posição. Evidenciaram uma saída não convencional para soluções plásticas ao quebrar a barreira entre artista e público, convidando o espectador a participar da obra. Se os paulistas demonstraram uma forte solidariedade grupal, no Rio, os artistas – oriundos de classe média e classe média alta – eram mais individualistas, desenvolvendo uma produção menos homogênea e mais intuitiva. Indícios de tensões na área econômica, social e política do país permearam a década de 1960. A passagem de uma conjuntura a outra concorreu para a dispersão do grupo neoconcretista. O núcleo paulista, no entanto, pareceu conservar sua formação grupal, valorizando a experiência de convivência plástica coletiva. Figura 47: Lygia Clark. Ovo, 1958. Figura 46: Hélio Oiticica. Relevo espacial (vermelho), 1960. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 26Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Vale, por fim, ressaltar o fato do Concretismo brasileiro ser o único movimento de arte nacional a marcar presença e influência no exterior. Figura 48: Lygia Clark. Bicho, 1960. Figura 49: Lygia Clark. O dentro é fora, 1963. Capítulo I •Vanguardas artísticas e o abstracionismo geométrico no contexto brasileiro. 27Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Capítulo II Geraldo de Barros fotógrafo e pintor No contexto do grupo concretista de São Paulo destaca-se o pintor, fotógrafo e designer Geraldo de Barros. Natural de Chavantes, interior de São Paulo, Geraldo de Barros - um dos quatro filhos de um casal imigrante - nasceu em 1923. Transferindo-se para São Paulo, na década de 30, teve a oportunidade de se formar economista, o que lhe garantiu ingresso no Banco do Brasil e permanência até a aposentadoria. Seus primeiros indícios de talento artístico despontaram ao lado do irmão mais velho, com quem desenhava quadrinhos para serem publicados em jornais. Após a morte do irmão, Geraldo desistiu da idéia de ser cartunista e passou a procurar uma nova forma de manifestação artística - a pintura. Os estudos iniciais em artes plásticas datam de 1945, quando travou conhecimento com Clóvis Graciano, inicialmente por meio de um livro de arte que continha ilustrações desse artista e em seguida, como aluno ouvinte do seu atelier, situação que não o satisfez, impelindo-o a buscar outros professores. Procurou, então, o Sindicato dos Artistas Plásticos e ao constatar que o conteúdo programático dos cursos ali oferecidos era baseado no estilo figurativo realista - o que não o agradava - optou pela Associação de Artistas. Entretanto, devido à timidez não se sentia à vontade para as aulas que envolviam a representação do nu, além disso, seu traço como desenhista não atendia às expectativas de verossimilhança para a representação figurativa. Em meio aos colegas, era taxado pejorativamente como “moderno” por ser contrário ao academicismo vigente (CIACON, 2003). Em 1946 conheceu Colette Pujol, com quem realizou sua primeira exposição no X Salão do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo, conquistando a medalha de prata. Por intermédio de seu amigo Ataíde de Barros, no ano seguinte, foi apresentado a Yoshiya Takaoka. A experiência vivenciada ao lado de Takaoka, sobretudo em marcenaria, e dos artistas freqüentadores de seu atelier muito contribui para a sua formação como designer de mobiliário. A contribuição dada por Takaoka para Geraldo fica clara em um depoimento feito pelo artista: Takaoka foi para mim o mestre adorado. O pai. Foi fascinante, nessa época, o contato com um pintor com sua sabedoria e conhecimento. Estudar com ele, absorver suas lições, tanto de estética, cultura, pintura e coisas da vida (e que vida!) foi a coisa mais importante que me aconteceu. [...] Devo, praticamente, tudo o que sou a esse homem³. Nessa fase, associando-se a Takaoka e aos demais artistas do atelier formou o Grupo 15 que nada mais era que um atelier de arte de estilo expressionista, localizado no centro da capital paulista. O propósito do grupo, também conhecido como Jacaré – por conta do animal que, no jogo 28Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• ³BARROS, Geraldo de. In: MORAIS, Frederico. Núcleo Bernardelli. Arte Brasileira nos anos 30 e 40. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheka, 1982. do bicho, corresponde ao número 15 – era reunir pessoas em torno de objetivos comuns, buscando uma interação coletiva que conduzia ao hábito de discussão em grupo como maneira de compreender a produção artística. Essa experiência de convivência se fez presente, posteriormente, no seu percurso como artista e designer. Na expressão gráfica figurativa do final dos anos 1940 é possível constatar uma transição gradual no traçado de Geraldo de Barros. Na figura 50 observam-se linhas sinuosas e abertas que praticamente não se encontram para fechar uma forma. O emaranhado de traços no “pé” da imagem sugere discretamente um plano horizontal. Na figura 51, percebe-se um traçado mais firme e retilíneo, com formas fechadas definidas. O braço, juntamente com o quadril, forma um ângulo reto evidenciando a sugestão de um plano horizontal - onde a mulher está sentada – e outro plano vertical subtendido. A figura 52 evidencia sua futura tendência artística: ainda que figurativo, o desenho reflete despreocupação com a fidelidade da imagem representada. Enquanto o rosto - completamente desfigurado - demonstra influência cubista nos traços do artista, o piso e as paredes do cômodo são representados em uma perspectiva clássica. Paralelamente aos estudos gráficos executados nesse período, foi, contudo, na arte da fotografia que Geraldo de Barros exprimiu pela primeira vez seu ideal de arte reprodutível, ao ser presenteado por Ataíde de Barros, em 1946, com uma câmera fotográfica. Passou, então, a fotografar times de Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor 29Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 50: Geraldo de Barros. Sem título, 1947. Figura 52: Geraldo de Barros. Sem Título, 1948 Figura 51: Geraldo de Barros. Sem título, 1947. várzea com o objetivo de complementar sua renda. Geraldo não era fotógrafo profissional e, dessa maneira, não contava com conhecimentos especializados, nem técnicos. Assim, acabou por enveredar pela trilha do experimentalismo e do acaso: ...acreditava no erro, na exploração e domínio do acaso [...] me preocupei em conhecer a técnica o suficiente para me expressar, sem me deixar levar por excessivos virtuosismos [...] Acredito que a exagerada sofisticação técnica [...] leva a um empobrecimento dos resultados. (BARROS, 1994, não pág.) Exemplos dessa fase experimentalista podem ser observados nas imagens a seguir. Com a intenção de ampliar o conhecimento sobre essa linguagem artística, em 1947, Geraldo passou a frequentar o Foto Cine Bandeirante, destacado núcleo de fotografia da época. Em suas atividades lançou mão de ampliações baseadas em sobreposição de negativos e alguns outros materiais sobre o papel fotográfico, re-exposições de um mesmo filme, intervenções sobre negativos, entre outras. Além de trabalhar com o acaso, Geraldo também explorou a racionalidade nas suas fotografias. No auto-retrato datado de 1949, um dos primeiros Figura 53: Geraldo de Barros. Mulher no espelho, 1948. Figura 54: Geraldo de Barros. A Menina do Sapato, 1949. 30Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor exemplos dessa fase, o artista deixou evidente que a foto foi pensada e estudada para se obter este resultado final apresentado na figura 55 e que logo mais a frente, será amplamente analisada por meio de recursos geométricos. Os primeiros indícios de geometrização na arte de Geraldo surgem em suas fotografias, principalmente naquelas da série Fotoformas. Desde suas experiências como fotógrafo Geraldo já indicava tendências ao racionalismo geométrico para a construção de suas fotografias, como pode ser observado nas imagens seguintes: O contraste claro-escuro e os feixes de luz que passam pelo olhar e pelo nariz evidenciam a preocupação com o enquadramento da fotografia, em que a parte superior dos lábios se encontra exatamente ao centro da imagem e as diagonais do retângulo passam exatamente pelo canto dos olhos. Orelha, nariz, olhos e sobrancelhas parecem geometricamente posicionados com base na divisão de 1/8 da largura e da altura da fotografia (figura 56). Ao aperfeiçoar-se na arte da fotografia, Barros produziu vários tipos de cenas e objetos: muros, portões, ferragens... As experimentações ocorriam na revelação dos filmes: o artista intervinha com bico de pena e nanquim e com o estilete fazia recortes nos filmes. Resultantes dessas experimentações surgiram as Fotoformas, um conjunto de fotos pioneiras no ramo do experimentalismo na fotografia. Elas representaram uma nova fase no processo de fotografia no Brasil, que, deixando o mero campo da representação, passou a ser considerada uma nova linguagem artística. Como se verifica nas figuras seguintes, Geraldo revelava preocupação com a geometria da foto (figura 57) e nos recortes dos negativos e nos estudos para o encaixe destes (figura 58).Figura 55: Geraldo de Barros. Auto retrato, 1949 Figura 56: Análise geométrica da fotografia. Figura 57: Geraldo de Barros, Fotoforma. 1950. 31Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor racionalmente para que fossem compatíveis com a ordem produtiva e industrial (LIMA, 2006). Ainda no final da década de 40, Geraldo de Barros conheceu Mario Pedrosa, que exerceu papel importante na sua formação, introduzindo-o nas questões da Teoria da Gestalt, apresentadas em 1949, na tese Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte. Ao se enveredar pelo estudo da pregnância, ou seja, da boa forma, Pedrosa preocupou-se em identificar o caráter afetivo da forma na obra de arte. Este Na Fotoforma datada de 1949 (figura 59), percebem-se figuras geométricas em preto chapado e diversos tons de cinza que tendem para o branco, concebidas por meio de recursos fotográficos de re-exposições do filme à luz. Os triângulos, polígonos regulares, linhas, planos e retas, ou seja, formas geométricas simples são reconhecidas por qualquer observador e não requerem interpretações dedutivas. Como a fotografia foi feita mecanicamente e a matriz preservada (filme fotográfico) o trabalho é, obviamente, reprodutível, ou seja, a arte de Geraldo, nesse momento, já demonstrava indícios coincidentes com os ideais de aplicação industrial presentes na arte concreta paulista. O artista deveria atuar na sociedade por meio da indústria, por isso, suas obras deveriam ser planejadas objetiva e Figura 59: Geraldo de Barros, Fotoforma, 1949. 32Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 58: Geraldo de Barros, Movimento Giratório, 1952. PEDROSA, Mário. Da natureza afetiva da forma na obra de arte. In: PEDROSA, Mario & ARANTES, Otília (org.). Forma e percepção estética: Textos escolhidos II. São Paulo: EDUSP, 1996. Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor 4 4 caráter não diz respeito ao sentido de afeto emotivo, mas àquele do qual provém o verbo afetar, isto é, daquilo que tem a capacidade de transformar. O autor pondera: Formas geométricas elementares são dotadas desse poder de nos afetar, de nos ditar atitudes. O ato de perceber é já um ato de criação. A forma percepcional obedece, no rudimentarismo de sua organização, às mesmas leis da boa forma que regem o mundo e a obra de arte. Através do crítico, conheceu alguns artistas do Rio, como Almir Mavignier e Ivan Serpa. Barros passou a considerar Pedrosa seu mentor intelectual tanto para assuntos acadêmicos quanto para políticos. Por meio dele, descobriu o socialismo e tornou-se um militante ativo, o que o levou a buscar uma maneira de inferir sentido social para seus trabalhos artísticos. Sinalizações da inferência do sentido social em seu trabalho foram apontadas no texto Da produção em massa de uma pintura: quadros a preço de custo (BARROS, 1967) onde discute o conceito de “PROJETO/OBJETO-PINTURA” para ser produzido em série, versus o conceito de obra única. Para Claro (2004) esse sentido social se fez presente na obra de Geraldo a partir de alguns aspectos: o pensamento racionalista europeu apreendido por Geraldo na observação do legado de Paul Klee, Gropius, Bauhaus e Ulm; o estudo acerca da Teoria da Gestalt, interpretada e debatida por Mario Pedrosa com o grupo concretista e a experiência de convivência e colaboração coletiva, vivida em torno do atelier de Takaoka e do Grupo 15, onde todos os participantes discutiam democraticamente as produções artísticas do atelier. Com Pedrosa, Geraldo fundou o jornal Vanguarda Socialista que intencionava traduzir e discutir o socialismo internacional. Não era objetivo da publicação a discussão de assuntos nacionalistas nem populistas. Curiosamente não discutiam temas voltados às artes, apenas assuntos relativos às condições de trabalho do artista. Nessa mesma época, Pedrosa e outros fundam o Partido Socialista, ao qual Geraldo de Barros se filiou. A exposição Fotoformas - realizada em 1951 no MASP, no Rio de Janeiro e na Bahia - rendeu a Geraldo uma bolsa de estudos do governo francês que lhe garantiu a ida a Paris para estudo de litografia. Lá, teve a oportunidade de conhecer diversos artistas pertencentes à elite cultural e artística do Brasil e da Europa. Aproveitando sua estada na Europa, encaminhou-se à escola de Ulm, para se aprofundar de maneira mais decidida nos princípios e métodos utilizados pela Bauhaus e que influenciariam seus futuros trabalhos. Nessa mesma época, manteve contato com Max Bill, diretor da Escola de Ulm, e passou a pesquisar textos teóricos sobre a arte e a função social do artista que, certamente, exerceram impacto em sua produção. Com base no ideal construtivo, caberia ao artista atuar na realidade da vida cotidiana, contribuindo para sua modificação e construção de uma sociedade mais Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• 33 Idem., p. 177. Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor 5 5 justa e igualitária. Desse contato, brotou a amizade com Bill, como mostra o depoimento cedido por este último, na década de 90, ou seja, 40 anos depois das Fotoformas: ...fui imediatamente seduzido por sua força criativa e fiquei muito impressionado com sua pesquisa fotográfica, que realizava paralelamente à sua pintura.[...] Suas imagens, quarenta anos depois, são testemunhas disso: conservam a sua força inicial, a imaginação que as elaborou, o método moderno que as endengrou. Na visita à Alemanha, Barros também freqüentou aulas de artes gráficas com Otl Aicher, reconstrutor da Bauhaus nazista e condutor dos acontecimentos culturais de Ulm. Desse contato resultaram alguns trabalhos posteriores como designer gráfico, como o cartaz do IV Centenário de São Paulo, confeccionado em 1952 de acordo com um dos princípios concretistas fundamentais: a marcante linguagem geométrica (figura 60). Retornando ao Brasil em 1952, Geraldo se deparou com a capital paulista em verdadeira turbulência causada pela primeira Bienal de 1951 e o país num significativo ritmo de aceleração industrial. Motivado por esse clima, expôs duas vezes consecutivas no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Primeiramente em agosto, Geraldo fez uma exposição individual com desenhos, pinturas e gravuras realizados entre 1950 e 1951. Em dezembro do mesmo ano, participou da exposição inaugural do Grupo Ruptura. Como se constata pelas datas, os dois conjuntos de obras dessas exposições foram produzidos num intervalo de tempo pequeno e na sequência um do outro. No folheto da sua exposição individual, Geraldo se utilizou de uma longa citação de Paul Klee, explicitando que o artista suíço era uma referência para ele: (...) quero ser um recém nascido, nada conhecendo da europa, ignorando poetas e modas, sendo quase primitivo. retendo realizar algo de muito modesto. quero trabalhar, por mim mesmo, um pequeno motivo formal, que o lápis possa dominar sem qualquer técnica. um mero acaso basta. essa cousa pequena é fácil e concisamente resolvida. já está realizada! é um trabalho minúsculo porém autêntico. e um dia através da repetição de tais pequenas, mas originais realizações, há de chegar a vez de um trabalho sobre o qual eu possa verdadeiramente construir. (sic) 34Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• BILL, Max. Comentário sem título. In: BARROS, Geraldo de. Fotoformas. Fotografias. São Paulo: Raízes, 1994. KLEE, Paul. Citado in: MAM - MUSEU DE ARTE MODERNA. Geraldo de Barros. São Paulo, agosto de 1952. (folder de exposição). Figura 60: Geraldo de Barros. Cartaz para o IV Centenário de São Paulo, 1952. Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor 6 6 7 7 As obras apresentadas nessa exposição, feitas com traços livres e que se assemelhavam à expressão gráfica infantil e ingênua, evidenciaram o envolvimento de Geraldo com a produção de Klee. Professor da Bauhaus, Paul Klee considerava atentamente a questão da pura visualidade. Contudo, na década de 1910, como integrante do grupo alemão Der Blaue Reiter, nunca se desvinculou da concepção de arte como expressão subjetiva. Argan (1992) atribui a Klee, a responsabilidade de manter os métodos didáticos da Bauhaus distanciados do racionalismo mecânico próprio da tecnologia industrial. Em sua produção artística a figuração se sujeita à bidimensionalidade do quadro. Os elementos – linha, claro-escuro, cor – se agrupam formando estruturas (aparentemente infantis e ingênuas) que têm a função de objetos na composição, sejam elas pertencentes à esfera da abstração ou, por sugestão, ao mundo concreto. Para Klee, a pureza da obra gráfica conduzia à abstração. Dessa maneira, é possível condicionar suas pesquisas “aos ideais de pureza formal da arte geométrica construtiva” (LIMA, 2006, p.13). O contato com a obra de Klee parece, portanto, determinante para as experimentações gráficas e abstratas de Geraldo que o levaram, em 1952, a atuar no movimento concreto paulista. Essa trajetória foi indicada no depoimento do artista ao jornal “Diário de São Paulo”, em 1979, ao mencionar que por meio de Klee conheceu a Bauhaus e a abstração geométrica: 35 Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Estudando a vida de Klee, soube que foi professor da Bauhaus. E fui estudar o que foi a Bauhaus. Então tomei conhecimento de Gropius, que foi diretor da Bauhaus. E com Gropius comecei a perceber as referências ao desenho industrial. A quase simultaneidade entre a produção de obras ligadas ao experimentalismo de Klee e sua atuação no movimento concreto evidenciam um aparente paradoxo presente em seu percurso artístico: o traço livre e a subjetividade coexistindo com a objetividade e o rigor construtivo. BARROS, Geraldo de. In: VASCONCELOS, Jorge. Itinerários (Geraldo de Barros). Diário de São Paulo. São Paulo, 14 de jul. de 1979. Figura 61: Geraldo de Barros. Sem Título, 1947 Figura 62: Geraldo de Barros. Trabalhador , 1949 Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor 8 8 36Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Esse paradoxo motivou algumas pesquisas que tentam explicar a existência dual na obra de Barros. Até mesmo a crítica sinalizou o fato de que a obra desse artista não pode ser interpretada a partir de uma visão unilateral. Em um folder de exposição do Museu de Arte Contemporânea da USP, o crítico de arte Teixeira Coelho afirma que a obra de Geraldo é tão “multi-orientada” do ponto de vista estético que rejeita o “engessamento” em categorias muito definidas. Segundo ele, “algumas de suas peças têm uma vinculação expressionista, outras, aproximam-se de princípios cubistas e outras ainda, anunciam o minimalismo...” (COELHO, 2000, não pág.). Todavia, o intuito deste trabalho é priorizar a faceta racional de Geraldo de Barros, amplamente explicitada nos trabalhos realizados durante sua participação no movimento concretista brasileiro. Ancorada na “lógica interna de desenvolvimento e construção” definida por Max Bill, a obra de Geraldo baseou-se na aplicação de parâmetros objetivos como ritmo, progressão, alinhamento, precisão, regularidade, proporcionados pelo racionalismo geométrico. O contato com a Teoria da Gestalt permitiu-lhe, também, a busca de uma unidade estrutural da obra rigorosamente ordenada por princípios matemáticos. Figura 63: Geraldo de Barros. Fotoformas, 1950. Figura 64: Geraldo de Barros: Movimento contra Movimento, 1952. Figura 65: Geraldo de Barros. Vermelho e verde em formas contrárias, 1952. Figura 66: Geraldo de Barros. Função Diagonal, 1952. Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor 37Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 68: Geraldo de Barros. Sem título, 1952. Figura 67: Geraldo de Barros. Ruptura, 1952. Figura 69: Geraldo de Barros. Estrutura tridimensional, 1953. Figura 70: Geraldo de Barros. Concreto, 1958 Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• A proposta de socialização da arte adotada pelo Concretismo e abordada no capítulo anterior acompanhou a produção de Geraldo. A idéia de atingir o espectador sem exclusões ou elitismos, por meio de uma linguagem única e universal - vinculada ao manuseio de formas geométricas simples - impulsionou Geraldo a uma significativa contribuição: idealizar a pintura concreta através de protótipos, com obras que implicavam a produção multiplicável. Para tanto, o projeto geral das pinturas elaboradas na década de 50 foi por ele reformado e transformado, no decorrer da década de 80. Essa transformação redundou em trabalhos geométricos executados com placas de fórmica nas cores básicas e que, mediante jogos de dados perceptivos simples, mas eficazes, poderiam ser reproduzidos pela decomposição e recomposição das formas. O projeto dessa nova série de trabalhos - em que Geraldo propunha a multiplicação de cinco protótipos de seus quadros concretos – foi indicado no folheto distribuído na 15ª Bienal de São Paulo em 1979. Posteriormente a reprodução desse folheto tornou-se parte do encarte da exposição “Geraldo de Barros – Modulação de Mundos”, realizada pelo SESC-Pinheiros/SP, de abril a junho de 2009 (SESC, 2009) (figura 71). O evento possibilitou ao espectador conhecer os aspectos peculiares de sua produção mediante a exibição de 73 fotografias, 36 móveis e 24 “pinturas- objeto” em fórmica. A intenção de obter um “PROJETO/OBJETO-PINTURA” para ser produzido em grande escala, opostamente ao “objeto-único” (caracterizado como meio de sustento do marchand e da galeria), confirma a proposta de Geraldo de Barros no sentido de coletivizar a pintura e as demais artes. Corrobora, igualmente, o alargamento de sua concepção sobre a reciprocidade entre arte e design. O engajamento do artista no desenho industrial, especificamente no setor moveleiro frente à Unilabor, será objeto de abordagem do próximo capítulo. Figura 71: Entrada da Exposição Geraldo de Barros modulação de mundos. Sesc Pinheiros/SP, 2009 38 Capítulo II •Geraldo de Barros • fotógrafo e pintor Capítulo III Geraldo de Barros 3.1 - A formação do design moveleiro no Brasil designer Antes de abordar mais objetivamente a estética e os ideais concretistas no mobiliário nacional seria oportuno analisar sucintamente a evolução da marcenaria no Brasil, que abrange um longo período de produção artesanal até concretizar-se na produção industrializada no segundo quartel do século XX. O móvel brasileiro tem sua principal origem nos móveis portugueses, que chegaram à Colônia junto com as famílias que aqui se estabeleceram durante o período em que o Brasil pertenceu ao Reino de Portugal, entre o século XVI e primeiro quartel do XIX, historicamente conhecido como Período Colonial. Nesses primeiros séculos os artesãos carpinteiros, marceneiros e entalhadores eram portugueses natos, que aqui vieram para exercer o ofício e ensiná-lo aos nativos, fossem eles brasileiros, luso-brasileiros, escravos ou índios. Esses profissionais formaram escolas de marcenaria, sendo as mais relevantes no Nordeste, quase sempre junto às igrejas e aos conventos, estendendo seus serviços para as casas coloniais e os poucos edifícios públicos - como Escolas, Hospitais, Bibliotecas Públicas e as Câmaras Municipais. As primeiras peças de móveis trazidas pelos colonizadores portugueses foram as Arcas - de madeira e ou de ferro, seguidas de outros móveis trazidos pelas famílias como cadeiras, contadores indo portugueses, bufetes, mesas e raros armários. Essas peças serviram de modelo para ainda, insipiente marcenaria brasileira, onde as intervenções dos artesãos, no processo de criação quase não existiu, cabendo-lhes apenas a opção da escolha das madeiras, estas sim sempre brasileiras, em sua maioria desconhecidas no continente europeu. No decorrer do século XVIII existiu no Brasil uma forte demanda de marcenaria, principalmente para atender à Igreja e suas incontáveis construções em todo território nacional. Enquanto na zona litorânea predominava o mobiliário de origem lusitana, que por sua vez era influenciado pelos móveis europeus, algumas escolas regionais se formaram no decorrer do período até início do século XX. Esses núcleos de oficiais e aprendizes marceneiros surgiram no Nordeste, Minas Gerais, interior do Brasil Central e no sul do país, nas Missões Jesuíticas. A influência cabocla, Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• José de Almeida Santos. Mobiliário Artístico Brasileiro. São Paulo: Coleção Museu Paulista, vol.I, pags. 33 a 47, 1963. Figura 72: Arca de origem portuguesa, século XVI. 39 9 9 indígena e africana pode ser observada nos entalhes, nas aplicações de marchetaria de madeiras diferenciadas, e nas pinturas sobre a madeira, de temas primitivos e bem coloridas que denotam a iniciativa dos artesãos de criar o que viria ser o princípio da marcenaria artesanal brasileira. Já no século XIX, à época do Império o leque de mobiliário importado e a consequente influência formal na marcenaria local fez-se presente, sobretudo com as peças importadas da França, Inglaterra e de outros países como Alemanha, Áustria e até dos Estados Unidos. A partir da segunda metade do século XIX e na primeira do XX, dezenas de famílias européias imigraram para o Brasil trazendo em seus pertences peças de móveis que passaram a fazer parte da história moveleira nacional. Conforme assinala Glória Bayeux, a abertura dos portos e a independência em relação a Portugal, foi a vez da Inglaterra e, posteriormente, da França, Alemanha e Estados Unidos exportarem, sem intermediação, produtos que passaram a constituir novas referências para a produção local. A coexistência de várias peças de origem diversas, fez com que, durante o século XIX, o mobiliário no Brasil se caracterizasse por um forte hibridismo, ou seja, pela combinação em uma só peça de elementos de diferentes estilos. O móvel moderno no Brasil só viria se consolidar vários anos depois do ápice dos movimentos de vanguarda na Europa. A influência dos novos estilos como o Neoplasticismo e o da Bauhaus, por exemplo, surgiria com o desenvolvimento da arquitetura moderna no país, concomitante com a expansão da indústria nacional e desencadeando a fabricação em série e a otimização da produção. Vários arquitetos modernistas contribuíram para a evolução do mobiliário moderno no país como é o caso de John Graz, Cássio M’Boi, Gregori Warchavchik entre outros, influenciados pelos grandes nomes da arquitetura e do design no exterior (Gerrit Rietveld, Le Corbusier, Marcel Breuer, Mies van der Rohe). A cama patente (figura 73 e 74) foi uma experiência pioneira na racionalização do desenho e da produção do móvel no país. O projeto data de 1915 e é de autoria de Celso Martinez Carrera (1884-1955). Essa cama foi Capítulo III •Geraldo de Barros • designer 40Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Glória Bayeux. O Móvel da Casa Brasileira. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, pag. 12 e 13, 1997. Figura 73 e 74: Cama Patente em madeira torneada. Indústria Campa Patente S.A. 10 10 um marco fundamental para a evolução do desenho do mobiliário brasileiro e da passagem da produção artesanal para a produção em série. A racionalização e a limpeza das formas da cama patente não foram programadas nem influenciadas por questões estéticas, foi realizada para baixar custos, para atender as camadas mais pobres. Isso pode ser confirmado pelo fato de que com o passar do tempo a cama foi ganhando ornamentos, desenhos mais estilizados, chegou até ser produzida uma versão gótica da cama que jamais poderia ser conciliada com a racionalidade de suas primeiras linhas (SANTOS, 1995). Na época, os grandes centros do país eram São Paulo e Rio de Janeiro, estas duas capitais detinham a maior parte da produção artística e tecnológica entre os anos de 1930 e 1960. Foi daí também que surgiu a maioria das iniciativas em matéria de modernização da mobília. O Rio de Janeiro, na qualidade de capital federal, investia grande parte de seu recurso em obras públicas, fazendo-se necessária uma produção efetiva de mobília para escritório. São Paulo como maior pólo industrial e econômico, detinha grande parte dos recursos tecnológicos para executar essa mobília. Restava às outras cidades absorver o que era produzido nessas duas capitais. Entre os grandes nomes do desenho de móveis e da arquitetura destacam-se Lucio Costa e Oscar Niemeyer que contribuíram para o surgimento de um novo estilo de móveis, que se consolidou por completo nos anos 60, sendo rapidamente absorvido pela indústria. Com a Segunda Guerra Mundial, os países exportadores deixaram de suprir as necessidades dos países importadores, como no caso do Brasil. Essa situação surtiu a necessidade de substituir artigos importados da Europa ou dos Estados Unidos, o que contribuiu de modo decisivo para a expansão do parque industrial nacional. Não resta dúvida de que as fases do surto industrial das décadas posteriores foram estabelecidas durante e logo após o período da Segunda Guerra (DENIS, 2000). Mas foi após o término da Guerra e a partir da década de 1950 que o racionalismo presente na Vanguarada Soviética, no De Stijl, na Bauhaus, passando obviamente pela Escola Superior da Forma de Ulm, chegou ao Brasil na forma do Concretismo e do Neoconcretismo. O Concretismo no Brasil influenciou diferentes áreas da Arte, com o design de mobiliário não foi diferente. Acerca disso Santos diz que “o mobiliário é produzido dentro do mesmo espírito que se preside nas demais artes. Ele é a expressão de seu tempo e liga-se, de alguma maneira, às correntes estéticas em vigor” (1995, p. 26). Alguns críticos de arte se posicionam a favor dessa afirmação, como é o caso de Aracy Amaral. Ela diz que a contribuição dos concretistas de São Paulo se deu em diversos campos do design: no cartazismo, no mobiliário, nos logotipos da época, publicidade e até na implantação do Departamento de Desenho Industrial na FAU-USP. Ferreira Gullar afirma que a influência concretista no design se deu maneira deliberada. Diz que o Concretismo “levou muitos artistas a ingressar involuntariamente no campo do desenho industrial, sem fazer a devida crítica que esta atividade requeria” (GULLAR 41Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Capítulo III •Geraldo de Barros • designer apud SANTOS 1995, p. 26). Contrário a tudo isso, Júlio Katinsky afirma categoricamente que os concretistas nunca se dedicaram ao desenho industrial e que talvez, a mais importante contribuição do Concretismo para o design tenha ocorrido após o encerramento do movimento, quando da diáspora de seus membros e abandono de seus princípios programáticos (KATINSKY apud AMARAL, 1977). Para Santos (1995) houve um compromisso do Concretismo com o surgimento do desenho industrial no Brasil. Podemos admitir que a racionalidade presente no Concretismo é um fator relevante no desenho industrial. Sobre esse assunto, Ferreira Gullar afirma que “...a arte concreta deriva de um compromisso com a época moderna, com a sociedade industrial, dentro da qual o planejamento, o conhecimento teórico e a divisão do trabalho contam como fatores relevantes”. (GULLAR, 1999, p. 236). Nos anos de 1950 e 1960, marcados pela Era JK, pela construção de Brasília, pelo boom econômico, pelo crescimento da industrialização do Brasil, surgem empreendedores do setor moveleiro atentos à demanda crescente do mercado por móveis modernos e adaptados às novas condições de vida da população. Coube ao designer da época “colocar o seu saber ao lado e a favor dos processos produtivos e seus meios, dentro da lógica capitalista requisitada pela modernização” (NIEMEYER, 2000, p. 58). Ou seja, estava Mobiliário da Época estabelecida a conexão entre o designer e a indústria. Os designers que mais se destacaram nessa época, entre outros, foram Geraldo de Barros, Zanine Caldas, Sérgio Rodrigues, Michel Arnoult que realizavam projetos “afinados com racionalização do processo produtivo, desde o início até a embalagem” (Marisa Ota, apud LEAL, 2002, p. 44). Como pode ser observado nas figuras a linha reta e o uso de formas geométricas para a concepção do móvel é evidente. O designer da época procurava também adquirir uma identidade nacional tentando cada vez mais utilizar materiais nacionais, como as madeiras. Figura 76: Joaquim Guedes e Karl Heinz Bergmiller. Sofá cama estruturado em madeira e assento em espuma de borracha. 1961. 42Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 75: Branco & Preto. Escrivaninha Milan, 1952 Capítulo III •Geraldo de Barros • designer Dentre os diversos designers atuantes nessa fase foi dada maior a atenção para a atuação de Geraldo de Barros, que além de designer de mobiliário, atuou como pintor concretista, fotógrafo e designer gráfico. Suas experiências como designer de mobiliário se concentraram principalmente nas empresas Unilabor e na Hobjeto e esta primeira será explorada mais a fundo no decorrer deste capítulo. 43Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 77 e 78: Branco & Preto. Apartamento Juvenal Prado Jr. Figura 79: Jocabo Ruchti. Poltrona R3 produzida pela Branco & Preto, 1952. Figura 80: Lina Bo Bardi. Cadeira Bowl, 1951. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer Como visto no Capítulo II, é primeiramente na fotografia e depois na pintura que Geraldo de Barros aplica os preceitos da arte concreta. Embora ele tenha desenvolvido alguns trabalhos como designer gráfico, é como designer de móveis que ele iria reunir todo o seu conhecimento em prol de um ideal formal, estético e até social. Esses três pilares definem a Unilabor que teve à frente Geraldo de Barros como designer. Este capítulo tem como eixo central a experiência vivida por Geraldo na Unilabor e foi basicamente concebido com fundamentação teórica dada por Claro (2004) e Santos (1962). Na obra de Mauro Claro, encontram-se depoimentos valiosos, como o de Maria Irene Szmrecsanyi, orientadora do autor durante sua pesquisa de Mestrado. A professora socióloga, doutora, coordenadora da área de Pós Graduação em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo, na FAU-USP diz sobre a motivação de Mauro Claro a estudar profissionais que enveredaram pelo desenho de móveis modernos, chamado por ela de: “...belos exemplos de profissionais mergulhados na criação de móveis como objetos-suportes de uma vida mais digna, confortável e simultaneamente elegante pela simplicidade, colocando o risco criador e a racionalidade técnica a serviço das necessidades do dia-a-dia.” Maria Irene Szmrecsanyi apud Claro 2004, p. 12 Sua colocação denota a importância de se pesquisar tal assunto que permeia as correntes abstracionistas geométricas e suas influências diretas que causaram no design de mobiliário. Retomando a temática da Unilabor, sabe-se que esta foi uma comunidade de auto-gestão operária, constituída em torno de uma capela e de uma fábrica de móveis situadas no bairro do Alto Ipiranga em São Paulo. A empresa integra - e viabiliza financeiramente - a Comunidade de Trabalho Unilabor, um projeto social-religioso conduzido pelo frei dominicano João Batista Pereira dos Santos com o apoio de empresários, intelectuais e artistas. O projeto visava integrar “...um punhado de homens semelhantes a todos os outros, que realizaram uma empresa industrial e comercial tendo em vista os princípios cristãos que aprendemos da Igreja”, aqui nas palavras do próprio frei (SANTOS, 1962, pg. 5). A capela (figura 81) foi criada em 1950 e nos dois anos seguintes, decorada com diversas obras de arte moderna. Entre os artistas que contribuíram para a ornamentação da capela está Alfredo Volpi, Bruno Giorgi, Yolanda Mohalyi e Elisabeth Nobiling, entre outros – e essa coletiva em sintonia com os ideais de integração das artes vigentes no período, incluía o próprio edifício e o jardim em sua volta, projetado por Burle Max. Esse conjunto artístico- arquitetônico foi descrito por vários críticos, à época, como uma obra esteticamente moderna. O contato entre o frei e Geraldo de Barros se deu de forma curiosa. O frei João Batista tinha dúvida em relação a um dos painéis que estava pintado Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• 44 3.2 - Geraldo de Barros: a experiência na Unilabor Capítulo III •Geraldo de Barros • designer em uma das paredes da capela porém, considerava-se sem conhecimento estético para obter um julgamento adequado sobre aquela pintura. Indagando de diversas maneiras e consultando diversos artistas é que foi dito a ele que procurasse “um tal” de Geraldo de Barros – que então trabalhava no Museu de Arte moderna – para que pudesse avaliar os painéis realizados no interior capela. Nesse momento o frei lembrou-se que Geraldo casara-se uns dois anos antes na capela em questão. O Frei então, procurara Geraldo no Museu de Arte Moderna e o artista foi logo no dia seguinte ao seu encontro. Logo nos primeiros contatos, o frei percebeu que Geraldo de Barros se interessava muito mais pelas idéias de comunidade que o pároco já idealizava junto com Justino Cardoso (engenheiro industrial, participante do projeto em seus momentos iniciais) do que pelos painéis a que a ele foi incumbido avaliar e idealizar. Além disso, nesse momento foi perceptível que Geraldo passava por um momento delicado em sua carreira como artista plástico, denominado, nas palavras do frei, por “crise de comunicação”. Tal crise se deu pelo fato de Geraldo perceber que sua arte naquele momento atingira um número mínimo de pessoas e que tal número estava muito aquém daquele idealizado pelo artista. O verdadeiro artista sente que o “Belo pode ainda 45Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 81: Vista externa da capela e a fábrica de móveis ao fundo. Figura 82: Alfredo Volpi. Mural Cristo Operário (Capela Unilabor), 1951. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer salvar este mundo e quer comunicar o que sente à multidão de seus semelhantes. Mas aí ele encontra uma barreira instransponível que vem a ser a inadaptação dos meios de expressão” (SANTOS, 1962, p. 22). O artista queria comunicar-se com toda humanidade e à época ele só detinha como ferramentas o pincel e a tela que só conseguem se comunicar com um número mínimo de pessoas. Num cenário de industrialização em massa e de efervescência cultural, expressar algo profundo e universal a tão pouca gente é para o frei, como colocar-se na situação de um orador de comícios que fala a uma multidão sem o auxílio de microfones. Dessa forma, considera-se que Geraldo naquele momento interessava-se por uma arte seriada que pudesse ser multiplicada e chegasse ao alcance de todos. Facilmente nesta fase, Geraldo passara dos quadros às fotografias e logo em seguida ao cartaz e, finalmente na Unilabor, passaria à produção em série de móveis residenciais. Segundo Loschiavo dos Santos (1995), Geraldo de Barros é responsável pelos desenhos dos móveis, pelo nome atribuído à coopetariva – Unilabor, que quer dizer “União” e “Labor”, trabalho - e pela criação do logotipo. O logotipo pode ser interpretado de duas maneiras: por se tratar de uma cooperativa de trabalho fundada em torno de uma capela, pode-se considerar que sejam duas mãos empunhando uma cruz. Como as mãos aproximam-se da cruz de lados opostos, entende-se que são de dois indivíduos distintos – onde fica óbvio o conceito de cooperação e ajuda mútua. Devido à influência socialista de Geraldo e às idéias coletivistas da cooperativa, o logotipo pode ser 46 Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• entendido como que as duas mãos estejam empunhando um martelo – que juntamente com a foice, é um dos símbolos do comunismo, embora este conceito não seja amplamente abordado pelo Frei João Batista, que em seu livro Unilabor – Uma revolução na estrutura da empresa (1962) deixa claro que tal projeto por ele encabeçado permeia meandros do Comunismo e Capitalismo, já que obviamente, a empresa visa o lucro. Acerca do logotipo (figura 83), é interessante ainda observar o que diz o frei a respeito de sua composição: ...sobre o fundo verde duas mãos reunidas seguram um martelo em forma de cruz. [...] o verde, cor da natureza, simboliza a paz e a esperança, a cruz só pode ser a do Cristo que une realmente o mundo operário e redime o seu trabalho. Que surja uma Unilabor no campo e um dia cruzaremos também o martelo com a foice sem precisar para isto nenhum fundo vermelho. (SANTOS, 1962, p. 49). Capítulo III •Geraldo de Barros • designer Figura 83: Geraldo de Barros, Logotipo Unilabor, 1957. 47Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Do ponto de vista do desenvolvimento do móvel moderno no Brasil, é interessante observar como se deu a transição do artesanal para o industrial na Unilabor, que, ao evocar o ideário socialista, funcionava como uma espécie de cooperativa. Não havia patrões nem empregados, todos trabalhavam com vistas a alcançar um bem comum para a comunidade a qual aquele projeto se destinava. A fábrica de móveis (figura 84) surgiu em 1954 e chegou a essa realidade após alguns experimentos que passaram da fabricação de algumas peças decorativas e de um tipo de liquidificador muito barato que não obteve sucesso. A fabricação de móveis partiu da idéia de Geraldo de Barros, por conta de uma breve experiência que tivera no desenho dos próprios móveis realizados para a sua recente vida de casado. Geraldo de Barros, na época, pintor concretista ligado ao grupo Ruptura, traz da sua experiência como artista plástico “o papel social do artista moderno: atuar na concretude da vida cotidiana, contribuindo para sua modificação (CLARO, 2004, p. 22). Ele queria que sua arte fosse reproduzida por todos. Esse era um ideal concretista. Por isso havia todo um projeto para seus quadros de forma que o espectador pudesse reproduzir um igual. Está aí o papel democrático e social da arte concreta, de levar a arte a todos, independente do seu grau intelectual. O próprio Geraldo de Barros diz que “fazia parte da utopia concretista – desde as artes plásticas até a poesia – essa coisa de espalhar, serializar, não ficar preso a um círculo restrito” (MORENO & OUTSUKA, 1992, p. 52). Como dito anteriormente, antes mesmo de ingressar no design, Geraldo toma conhecimento acerca da atuação de Paul Klee e de Walter Gropius que lhe conferem importante papel na formação como designer de móveis, chegando inclusive a afirmar o seguinte: eu sou desenhista de móveis, área que conheço profundamente. Se você me pede para desenhar uma geladeira, eu não sei. Tudo o que sei aprendi na Unilabor, onde pude aplicar amplamente as idéias de Gropius. (apud depoimento de Barros em 1979 a Loschiavos dos Santos. 1995, pág. 115). A Unilabor sempre teve uma produção voltada a consumidores de alta Figura 84: A fábrica de móveis da Unilabor. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer 48Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• renda, com lojas localizadas nos melhores endereços de São Paulo e Belo Horizonte. Na época, não só a Unilabor tinha lojas próprias, mas outros concorrentes como Branco & Preto, Terneiro, Mobília Contemporânea se viam na necessidade de vender seus produtos em endereços próprios já que, o tipo de móvel por eles produzido, era de difícil aceitação pelos grandes magazines e pelo público em geral. Essa não aceitação tem diversas explicações, segundo Mauro Claro (2004): ...até mesmo porque faltava ainda um público maior que sustentasse uma produção também maior e permitisse, pela escala, um preço mais baixo da fábrica aos magazines, já que estes trabalhavam com uma margem de lucro que fábricas pequenas não conseguiam oferecer. (Pág. 101). A Unilabor conseguiu conquistar e convencer o público consumidor moderno que este móvel que era feito em série – e não artesanalmente – tinha uma qualidade igual ou superior aos dos magazines e ainda era provido de bom gosto, funcionalidade e durabilidade. Embora o móvel Unilabor não fosse barato, ele não tinha nada de ostentador. Tratava-se de um desenho simples e limpo, com um acabamento impecável. Segundo Claro (2004), os móveis Unilabor eram providos de uma certa simbologia: “moderno, avançado, sem ostentação, racional” (Pág. 102). A racionalidade presente no desenho de Geraldo começou a aflorar de fato quando a Unilabor se encontrou com um volume de produção elevado, comprometendo o armazenamento das peças em estoque. A solução para isso foi a modulação, permitindo que Geraldo de Barros aumentasse a produção e baixasse os custos. Segundo ele, era “(...) uma espécie de jogo de armar, desenvolver um mínimo de peças e o maior número de combinações” (Geraldo de Barros , apud SANTOS, 1995, p. 117). A modulação consistiria em existir caixas e armações metálicas em formatos padrões que poderiam ser combinados de forma a se constituírem em diversos móveis, como: estantes, aparadores, cômodas, camas, penteadeiras. Portanto uma única armação metálica poderia comportar diversas combinações de caixas, gavetas e espelhos de forma a se tornar um desses móveis acima citados. Sendo as caixas de formato padrão, ficava a critério do cliente, decidir se em determinado espaço ele gostaria de uma caixa aberta, com uma porta, duas portas ou com um gaveteiro. Cabia a Geraldo padronizar essas medidas de forma a otimizar a utilização da matéria prima bem como obter o melhor resultado estético e funcional. Como dito, a produção da Unilabor era voltada exclusivamente à mobília residencial e, por volta de 1959, fabricava um total de 77 moveis a partir da combinação de um conjunto de peças cujo desenho possibilitava o encaixe recíproco em virtude de a maioria das medidas obedecerem a um certo número de padrões “comprimento-largura-altura” fixos. A produção se tornara completamente seriada, o que permitiu realizar um catálogo com as Capítulo III •Geraldo de Barros • designer 49Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• disponibilidades oferecidas e inaugurar o que foi chamado de Padrão UL. Na próxima imagem está apresentada a capa do catálogo Unilabor, que teve o seu projeto gráfico desenvolvido por Alexandre Wollner (figura 85). Neste catálogo eram apresentadas as opções de combinações entre caixas e armações metálicas (figura 86 e 87) bem como as opções de acabamento (revestimento) que o móvel receberia. Figura 85: Capa do Catálogo Unilabor. Projeto Gráfico de Alexandre Wollner. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer Figura 86 e 87: Exemplos de módulos e suas combinações. Como pode ser observado na figura anterior, os móveis eram denominados por um código de quatro dígitos, como os 2010, 2012, 4005 etc. Neste catálogo, eram ainda especificadas as medias em centímetros do comprimento ( C ), largura ( L ) e altura ( A ). Nota-se que em alguns conjuntos de móveis, a medida do comprimento é idêntica, ou seja, a estrutura metálica que sustentaria o móvel é a mesma. Ainda, que a largura ( L ) é a mesma, facilitando a junção de caixas uma ao lado da outra e o encaixe de gavetas que já eram fabricadas separadamente com esta profundidade. O mesmo serve para a altura ( A ) que também é idêntica de acordo dom a linha do móvel. Com tal recurso, todo o processo de venda, fabricação e montagem ganhavam mais agilidade e precisão, minimizando erros e aumentando a produtividade. As figuras 88 e 89 apresentam a Estante de ferro esmaltado que é um exemplo de móvel configurado a partir de módulos. Tanto a armação de ferro como as caixas de madeiras eram concebidas separadamente e montadas apenas na hora da venda para o cliente. Esta estante apresentada na foto é uma variante da famosa estante MF 710 (figura 90) que é um dos ícones da Unilabor e foi um dos móveis que mais tiveram aceitação por parte do público consumidor. Esta estante é um dos móveis que melhor representa o racionalismo existente no desenho de Geraldo de Barros. No catálogo, além de configurações de peças, é possível encontrar opções de acabamento que os móveis teriam, como as laminações das pranchas de madeira e os revestimentos dos assentos e encostos das cadeiras, como mostra a figura 91. Figura 88: Estante de ferro esmaltado e madeira revestida em fórmica e jacarandá. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer 50Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 89: Detalhe da estante de ferro esmaltado e madeira revestida em fórmica e jacarandá. Figura 91: Página do catálogo Unilabor e algumas opções de revestimento. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer 51Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Figura 90: Geraldo de Barros. Estante MF 710 em madeira laqueada. Unilabor, 1956. Além de estantes e demais mobílias residenciais, a cadeira se mostra na Unilabor, uma fabricação constante que, ao longo dos anos de existência da empresa, totalizaram em treze modelos fabricados (CLARO, 2004). As cadeiras para Geraldo sempre foram uma paixão. Segundo o artista, elas sempre foram o ponto inicial do desenho da mobília de uma residência, chegando Geraldo afirmar que o seguinte: “Gosto muito de cadeiras. Elas são o ponto inicial, depois vêm os outros móveis” (BARROS apud CLARO, 2004). As cadeiras Unilabor tinham um desenho muito simples, resumindo-se basicamente a uma armação metálica, onde eram definidos um assento e um encosto (figuras 92 e 93abc). A breve história da Unilabor demonstra que um sonho e um ideal de vida pode ser concretizado quando unem-se pessoas alinhadas com tais perspectivas. Ainda assim, com tantos pontos a favor do sucesso da empresa e do projeto comunitário a Unilabor se dissolveu em 1967. A fábrica teve 13 anos de atividade (1954-1967). O fechamento da empresa fez com que acabasse o projeto comunitário ao qual ela fazia parte. Em 1964, Geraldo funda, com sócios, a fábrica de móveis Hobjeto que também fez muito sucesso em meio à sociedade paulistana. Decidiu-se neste trabalho por não abordar os motivos que levaram à dissolução da Unilabor e sim focar nas análises dos móveis e quadros que serão amplamente explanados no próximo capítulo. Figura 92: Geraldo de Barros. Cadeira em Jacarandá. Produzida pela Unilabor, 1955. Figura 93abc: Vistas de algumas cadeiras Unilabor fotografadas na exposição Geraldo de Barros – Modulação de Mundos. SESC, 2009. Capítulo III •Geraldo de Barros • designer 52Arte Concreta Racionalismo e abstração como contribuições para o design • um estudo na obra de Geraldo de Barros• Capítulo IV Procedimentos de pesquisa e análises Este trabalho foi estruturado em duas etapas. A primeira consistiu na realização de uma pesquisa bibliográfica para embasar o contexto histórico e artístico do qual participou Geraldo de Barros. O estudo de caráter histórico-descritivo permitiu, por meio do raciocínio dedutivo, agrupar e analisar informações sobre seu tema-objeto. Possibilitou, também, traçar um panorama