UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS - CAMPUS ARARAQUARA A Influência do Relatório Beveridge nas Origens do Welfare State Britânico (1942 – 1950) Aluno: Fábio Luiz Lopes Cardoso (Ciências Sociais – Diurno - RA: 1279343) Orientadora: Prof ª. Drª. Claudia Heller (Departamento de Economia) Fábio Luiz Lopes Cardoso A Influência do Relatório Beveridge nas Origens do Welfare State Britânico (1942 – 1950)1 Monografia apresentada ao curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Campus de Araraquara, como requisito para obtenção do título de bacharel. Orientadora: Profª Drª Claudia Heller . Profª. Drª. Claudia Heller . Profª. Drª. Maria Teresa Miceli Kerbauy . Prof. Dr. Sérgio Azevedo Fonseca Araraquara/SP Outubro de 2010 1 Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), bolsa de Iniciação Científica (IC). Aos meus avôs. “(...) libertar o homem da miséria é algo que não pode impor-se à democracia, nem ser a ela oferecido, mas que deve ser por ela conquistado.” (Beveridge, 1942, § 459). Agradecimentos Muitas pessoas contribuíram direta ou indiretamente para a concretização deste trabalho, seria impossível homenagear todas. Farei então uso de uma “dica” da minha orientadora a respeito da bibliografia. Ela havia me dito que apenas referências que fizessem parte diretamente do trabalho deveriam ser apresentadas. Pois, se não fosse por este critério, até o livro utilizado para minha alfabetização seria passível de ser referenciado. Desta forma, gostaria de agradecer o apoio dos meus amigos Pedro Rodrigues Sousa da Cruz, Rafael Magri Trevine e Julian Araujo Brito. A meus pais Marta Estela Lanzoni Lopes Cardoso e Fernandino da Silva Cardoso, minha irmã Doutoranda Msª. Juliana Lopes Cardoso e a minha avó Izaura Lanzoni Lopes. Aos professores Dr. Marco Aurélio Nogueira, Doutorando Ms. Lucas Cid Gigante e Drª. Carla Gandini Giani Martelli. O apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) foi de fundamental importância para esta pesquisa. E a Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP) Campus de Araraquara, Faculdade de Ciências e Letras (FCL), onde este estudo foi realizado. Em especial gostaria de agradecer a minha orientadora professora Drª. Claudia Heller por todo o apoio, dedicação, atenção, confiança e ensinamentos, sem os quais seria impossível viabilizar este trabalho e ao Grupo de Pesquisa em História do Pensamento Econômico Contemporâneo (GPHPEC) por ela organizado. Expresso por meio destas palavras a minha gratidão por toda ajuda e apoio. Peço desculpas para aquelas pessoas, igualmente importantes, mas que não foram mencionadas nestes agradecimentos. Muitas vezes os conselhos mais sutis surtem efeitos profundamente essenciais e desta forma, considero diversas experiências transmitidas durante estes anos de estudo. Finalmente, a todos, muito obrigado. Resumo Esta pesquisa analisa a origem do Regime de Welfare State, a partir do trabalho realizado pelo economista britânico William Beveridge (1879-1963). Muitos foram os motivos que culminaram na disseminação do Estado de Bem-Estar Social ao final da Segunda Guerra Mundial. A influência inglesa, também representada pelo Relatório Beveridge, teve neste processo grande importância. Assim, analisar o Plano Beveridge, que propôs de maneira concreta diversas reformas no âmbito da seguridade social, juntamente com suas contribuições para o surgimento do Welfare State inglês, é crucial para termos um parâmetro histórico mais completo sobre a temática do Estado Protetor e do tipo de sociedade dele advinda, esclarecendo o grau de influência do Relatório nas políticas públicas implementadas na Inglaterra. Palavras-Chave: Estado de Bem Estar Social; Macroeconomia; Política Social; Inglaterra. Abstract This research analyzes the origin of Welfare State, from the Report by William Beveridge. At the end of Second World War, the concern about citizenship rescue spread the idea of Social Welfare State. The British influence, also represented by the Beveridge Report, is of great importance in this process. Thus, analyzing the Beveridge Plan, which proposed a set of reforms within the social security system, along with its contributions to the emergence of British Welfare State, is crucial to a more complete historical parameter on the subject of the Protector State. The goal of this study is to clarify the influence of the Beveridge Report in the practical organization of the Welfare system in England. Keywords: Welfare State; Macroeconomics; Social Policy; England. Resumen Esta investigación analiza el origen del Régimen de Welfare State, desde el trabajo realizado por el economista británico William Beveridge (1879-1963). Muchas fueron las razones que llevaron a la expansión del Estado de Bienestar Social en fines de la Segunda Guerra Mundial. La influéncia inglesa, también representada por el Informe Beveridge, tuvo una gran importancia en este proceso. Por lo tanto, analizar el "Plan Beveridge", que propuso de forma concreta varias reformas en el ámbito de la seguridad social, además de sus aportes para el desarrollo inicial del Estado Social Inglés, es fundamental para tenermos un parámetro histórico más completo sobre el tema del Estado Providência y el tipo de sociedad surgida a partir de él, indicando así el grado de influencia del Informe en las políticas públicas implementadas en Inglaterra Palabras clave: Estado de Bienestar; Macroeconomia; Política Social; Inglaterra. Sumário Prefácio.............................................................................................................................. i Introdução......................................................................................................................... 1 A Origem de um Novo Ícone...................................................................................................................4 I - O Relatório Beveridge ............................................................................................... 10 1.1.1. - A Proposta .................................................................................................................................10 1.1.2 - O Presidente da Comissão ..........................................................................................................10 1.1.3 - Os Princípios da Comissão.........................................................................................................13 1.1.4 - Os Estudos da Comissão ............................................................................................................14 1.1.4.1 - O Serviço Social inglês anteriormente ao Relatório Beveridge..........................................14 1.1.4.2 - Diagnosticando a situação inglesa ......................................................................................15 1.1.4.3 - A população e suas necessidades........................................................................................16 1.1.5 - As Primeiras Ações da Comissão...............................................................................................17 1.1.6 - As Novas Propostas....................................................................................................................18 1.1.7 - O Plano de Segurança Social......................................................................................................25 1.1.8 - Regras do Seguro Social.............................................................................................................30 1.1.8.1 - Auxílios e outros pagamentos de seguros...........................................................................30 1.1.8.2 - Assistência Nacional...........................................................................................................30 1.1.8.3 - Seguro Voluntário...............................................................................................................31 1.1.8.4 - Ministério da Segurança Social ..........................................................................................31 1.1.8.5 - Caixa de Seguros Sociais....................................................................................................31 1.1.9 - Segurança Social e Política Social..............................................................................................32 1.2.1 - O Orçamento da Segurança Social .............................................................................................33 1.2.1.1 - Suspensão das Contribuições..............................................................................................35 1.2.1.2 - Plano Tripartido de Contribuição .......................................................................................36 1.2.1.3 - Auxílios ..............................................................................................................................37 1.2.1.4 - A Segurança Social Vale o seu Preço Monetário ...............................................................40 1.2.2 - Comparação com outros países ..................................................................................................40 1.2.3 - A Abolição da Miséria e o Plano de Paz. ...................................................................................41 II - O Desenvolvimento do Serviço Social Inglês .......................................................... 43 2.1 Origem.............................................................................................................................................43 2.2 As Leis dos Pobres (Poor Laws) e o Período Pré-industrial ............................................................44 2.3 A era Vitoriana (1837 – 1901).........................................................................................................45 2.4 As Crises do Início do Século XX ...................................................................................................47 2.5 Os Reformadores Sociais.................................................................................................................49 2.6 Rumo ao Welfare State....................................................................................................................51 2.7 Teoria na Prática ..............................................................................................................................53 III - Desvinculando as Duas Dimensões ........................................................................ 57 3.1- Diagnosticando a problemática ......................................................................................................57 3.2 - Relatório Beveridge X Welfare State Inglês..................................................................................58 3.3 - Sobre as propostas aprovadas........................................................................................................63 3.4 - A problemática da Tipologia .........................................................................................................66 3.5 - Questão de consenso .....................................................................................................................67 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 127 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS INDIRETAS ................................................................ 132 Lista de Figuras Ilustração 1 .................................................................................................................................................10 Ilustração 2 .................................................................................................................................................11 Ilustração 3 .................................................................................................................................................18 Lista de Tabelas Tabela 1 ......................................................................................................................................................17 Tabela 2 ......................................................................................................................................................26 Tabela 3 ......................................................................................................................................................26 Tabela 4 ......................................................................................................................................................26 Tabela 5 ......................................................................................................................................................28 Tabela 6 ......................................................................................................................................................28 Tabela 7 ......................................................................................................................................................29 Tabela 8 ......................................................................................................................................................35 Tabela 9 ......................................................................................................................................................36 Tabela 10 ....................................................................................................................................................38 Tabela 11 ....................................................................................................................................................39 Lista de Gráficos Gráfico 1.....................................................................................................................................................17 Gráfico 2.....................................................................................................................................................34 Gráfico 3.....................................................................................................................................................39 Gráfico 4 .....................................................................................................................................................67 Lista de Quadros Quadro 1.......................................................................................................................................................60 Lista de Anexos Anexo I.......................................................................................................................................................74 Anexo II....................................................................................................................................................104 Anexo III ..................................................................................................................................................106 Anexo IV..................................................................................................................................................110 Anexo V ...................................................................................................................................................113 Lista de Sigla e Abreviações “£” (pound sterling / pounds) – do latim Librae – Libra Esterlina, moeda Inglesa utilizada até 1971. “s” (schilling / shillings / solidus) – 1s. equivale a 12 d e £ 1 equivale a 20 s. “d” (penny / pence / denarius) – £ 1 equivale a 240 d.2 “h” – Horas “min” – Minutos. “LSE” - London School of Economics . 2 Fonte:Terra Magazine. i PREFÁCIO Neste trabalho buscou-se aprimorar o entendimento quanto ao complexo fenômeno do Welfare State a partir de suas origens. Para isto foi analisado mais especificamente o Relatório Beveridge, referencial teórico desta temática e a complexa experiência prática do Welfare State na Inglaterra, que de certa forma, foi fruto também do próprio Relatório. Posteriormente às crises dos anos 70 e à ascensão das ideologias neoliberais, o debate sobre o Welfare State foi considerado obsoleto, ultrapassado e arcaico. No entanto, assim como afirmam Pereira (2008), Offe (1985), Alves e Zimmermann (2009), Esping-Andersen e Therborn3 respeitáveis autores da temática da política social, as estruturas de Bem-Estar tiveram grandes méritos no combate à pobreza e à desigualdade e seu declínio foi mais ideológico que prático. Durante a elaboração desta pesquisa levantaram-se muitos questionamentos quanto à sua importância para o Brasil e para a contemporaneidade. O assunto é considerado antigo e distante da nossa realidade. O ambiente do final do século XX era de completo descrédito quanto às políticas sociais. Este quadro se modificou principalmente com a alteração de agenda das políticas brasileiras, a crise dos EUA (2008) e os questionamentos quanto ao pensamento neoliberal que afloram vagarosamente. O que as análises desta pesquisa revelaram foi que muitas experiências daquele período, esquecidas e desmoralizadas, são ainda de grande valor (Alves e Zimmermann, 2009). Colocam questões pertinentes para pensar a dignidade humana mesmo com as conturbadas mudanças nas relações sociais que vivemos atualmente. Três perguntas se seguem a partir das argumentações expostas anteriormente: (i) qual o papel da política social hoje? (ii) e o Brasil, onde se inserem os interesses nacionais neste tipo de pesquisa? (iii) como relacionar estas dimensões na contemporaneidade com as antigas e ultrapassadas estruturas de Welfare State? Segundo Alves e Zimmerman (2009) as estruturas de Welfare State não são efetivamente tão obsoletas; apesar da necessidade de aprimoramentos, esses programas são efetivamente poderosas medidas de combate às desigualdades sociais e de redução da pobreza. Hoje 3 Esping-Andersen e Therborn apud Alves e Zimmermann, 2009. ii como nunca antes e principalmente no Brasil, observamos cada vez mais a enorme necessidade de aprimorar intervenções sociais que combatam de forma específica os graves problemas sociais e de desigualdade que possuímos (Dowbor, 2010). O mero desenvolvimento econômico não significou melhoria dos índices sociais, e neste sentido é preciso tomar medidas concretas e objetivas na área de política social para combatermos efetivamente, entre outros problemas, os nossos vergonhosos índices de desigualdade, ampliando a integração social (Schwartzman, 2007). O Welfare State como representante do auge da política social, de medidas de proteção concretas, com resultados efetivos e com valiosas experiências político- históricas, faz necessário estarmos atentos às suas lições, principalmente para pensarmos, a partir delas, não só na engenharia dos programas - já que nossa tradição não nos fornece muitos exemplos - mas para buscarmos elementos de comparação com nossa realidade política, colocando problemas teóricos de pontos de vista diferentes, buscando similaridades, contribuições ou simplesmente pela grande virtude de pensarmos a sociedade a partir de ideais de justiça, igualdade e universalidade. Para Sader (2002), aprimorar a esfera das políticas sociais é essencial para o avanço e desenvolvimento de qualquer sistema político de caráter democrático. É necessário explicitar, no entanto, que, como observa Draibe (2007), não se pretende nesta análise sugerir qualquer aplicação inadequada e sem critério de conceitos e experiências, mas sim explorar as potencialidades analíticas e de releituras presentes na literatura dos Estados de Bem-Estar. Para além de referências, modelos e paradigmas, trata-se de buscar, como a idéia desenvolvida por Boron (2009), inspiração em fenômenos de vulto do passado com vistas a pensar a realidade atual. Articular, portanto, as diferentes dimensões, trazendo elementos para o aprimoramento dos debates, captando respostas e experiências a problemas comuns. Um ponto central nesta discussão pode ser esclarecido quando pensamos a escolha do objeto. Nesse sentido, uma grande indignação se faz presente quando observamos, no dia-a-dia brasileiro, pessoas passando grande necessidade sem a menor possibilidade de auxílio. Este especificidade brasileira tem algo muito próximo da realidade vivida pelos miseráveis europeus do início do século, pois a sensação de fome é igual em todos os seres humanos. Desta forma, buscar respostas concretas à questão do abandono social vai alem de qualquer recorte temporal. Entre outros motivos e iii justificativas, a tentativa foi de compreender a promoção de programas sociais em níveis ótimos; e neste caso, o Welfare State tem muito a nos ensinar. Como exemplo emblemático podemos salientar o enorme grau de excelência do Relatório Beveridge, principalmente considerando seu período de formulação, e que na prática enfrentou grandes dificuldades de implementação. E, articulando os argumentos de forma breve, no Brasil - segundo Santos (2010) - existe historicamente uma enorme necessidade de constitucionalização do país, que, por exemplo, possui um projeto de Renda Básica aprovado (em 2004), mas que está longe de ser implementado (Brito e Soares, 2010). Boschetti (2005) indica que existe uma deficiência nas análises históricas, ao não distinguirem o Relatório Beveridge como um plano de propostas - um ideal - daquilo que foi efetivamente implementado. Assim, o trabalho visa aprofundar a análise quanto aos distintos fenômenos do Relatório Beveridge e do Welfare State desenvolvido na Inglaterra. Buscou-se, em uma longa introdução ambientar a discussão quanto ao assunto proposto. A análise do próprio Relatório Beveridge nos elucida seu verdadeiro teor. Para uma compreensão mais aprofundada descrevemos, no segundo capítulo, um parâmetro histórico da Inglaterra e a especificidade do seu desenvolvimento quanto à questão social. O terceiro capítulo é responsável por analisar a trajetória do Relatório Beveridge frente ao desenvolvimento do Welfare State Inglês. Por fim, a conclusão aborda pontos importantes da discussão e faz um balanço de toda trajetória descrita. A pergunta que se pretendeu responder com este trabalho, sem a pretensão de esgotar a temática, foi a seguinte: Quais propostas do Relatório Beveridge foram responsáveis pela formação do Welfare State na Inglaterra? 1 INTRODUÇÃO A primeira metade do século XX foi um período marcado por profundas transformações, provenientes de fatos históricos de grande relevância como a crise do liberalismo, crise do colonialismo, a revolução russa, a queda do padrão ouro, a primeira guerra mundial, a crise da bolsa em 1929, a ascensão do fascismo e, por fim, a segunda guerra mundial. Tais eventos provocaram grandes modificações sobre a cultura, a visão de mundo e o equilíbrio da sociedade advinda do século XIX. Segundo Karl Polanyi (1944), a sociedade que precedeu essas mudanças ruiu totalmente e a estabilidade entre as grandes nações européias, garantidora da paz e de prosperidade econômica, havia terminado. No ambiente político, o liberalismo clássico foi posto em cheque na medida em que suas orientações mostravam-se insuficientes para o direcionamento dos novos problemas que emergiam. A contestação de antigos valores (devido, entre outros fatores, à exacerbação da violência, à queda no padrão de vida e ao desequilíbrio político-econômico) alterou significativamente a organização das sociedades européias ocidentais. Entretanto, o desenvolvimento de políticas voltadas para a assistência social se fortaleceu frente a essas mudanças. Entre riscos de alimentação, catástrofes naturais, pânico financeiro, perda generalizada de empregos e de direitos ou medo de perdê-los, conflitos étnicos, religiosos, nacionais, insegurança pessoal, os homens e mulheres se sentem (no início do século XX) cada vez menos capazes de entender o que lhes acontece, de controlar sua vida, de programá-la, de viver com menos ansiedade. (Sader, 2000, p.7). Na perspectiva das medidas de bem-estar, como uma das formas de resposta ao cenário conturbado em que se vivia, o ambiente do início do século abriu espaço para diversos atores sociais (intelectuais, políticos, sindicalistas) que promoviam sua defesa. Algumas circunstâncias foram de especial congruência para fornecer as condições necessárias a seu desenvolvimento (decorrentes diretamente das respostas advindas das crises da primeira metade do século XX), como a formação dos monopólios, aprofundamento das crises socais, o fortalecimento do Estado e o surgimento da teoria keynesiana (fundamentando a intervenção estatal, através da publicação da Teoria Geral de Keynes (1936), antes mal vista ou aplicada por vias empiristas (Furtado, 1959; Offe, 1984)). Tais características delinearam um ambiente bastante peculiar, favorável à 2 ampliação dos direitos sociais, que pôde se concretizar a partir de um consenso geral da sociedade transcendendo velhas ideologias (liberais clássicas e marxistas radicais) em torno de um projeto moderado da então nova via social democrata (Prezeweoski, 1991). Este círculo virtuoso foi responsável por gerar o chamado Welfare State Keynesiano (unindo as políticas de cunho social com as perspectivas intervencionistas e revolucionárias da teoria de Keynes), que consistiu em um regime específico do capitalismo moderno. Somente este formato histórico do capitalismo juntamente com os excedentes econômicos, desenvolvimento tecnológico, avançada burocratização e um específico modelo de produção - modelo fordista Quadagno (1987)4 - foi capaz de viabilizar o Estado Protetor. Ademais, a ação dos indivíduos enquanto agentes históricos também foi determinante para os rumos políticos adotados naquele período. Segundo alguns autores (Esping-Andersen, 1991; Rosanvallon, 1997), o Welfare State só pode ser viabilizado por um pacto interclasses acordado através da pressão proletária (organizada em sindicatos) e das tendências da elite econômica, favoráveis na época à adoção de políticas de cunho social para a preservação das próprias forças produtivas. Existem ainda outras vertentes de explicação que creditam apenas às questões estruturais do sistema capitalista a convergência que deu origem ao Welfare State (O’Connor, 1977; Offe, 1984; Prezeworski, 1991). O Welfare State, nesse sentido, fez parte de um amplo processo civilizatório e modernizante decorrente do desenvolvimento do sistema capitalista de tipo industrial, dos direitos (ampliação progressiva da cidadania através dos direitos civis no século XVII, direitos políticos no século XIX e direitos sociais no século XX (Marshall, 1967)), e de experiências históricas, culminando fundamentalmente com o surgimento do formato democrático partidário competitivo (Offe, 1984). Claus Offe (1984) destaca que a junção do Welfare State keynesiano com a democracia partidária competitiva, a partir do final da primeira guerra mundial, não foi apenas um modelo de política adotado como medida de caridade pública. Na perspectiva das relações sociais, o regime de Welfare State alterou o capitalismo e os indivíduos, não tanto quanto a social-democracia imaginava em sua origem, mas proporcionando a desintegração de seu caráter espontâneo e auto-regulador, assim como, a noção de autoridade ou bem absolutos do sistema. Esta modalidade foi a 4 Quadagno, 1987 apud Faria, 1998. A referência completa pode ser conferida na ultima seção do trabalho em“Referências Bibliográficas Indiretas”. 3 expressão máxima do processo de ampliação das responsabilidades do Estado. O Welfare State foi também o mais bem sucedido modelo, na tentativa de agregar a instável combinação do capitalismo com a democracia, principalmente promovido pelo funcionamento, em seu seio, do sistema partidário competitivo. Seu objetivo era prover serviços que suprissem as necessidades básicas do ser humano e da família, assegurando direitos fora do mercado. O capitalismo, deste modo, adotou uma face específica, diversa da anteriormente praticada, através de uma profunda politização da economia, o específico “neocorporativismo europeu” nas palavras de Offe (1984) e Vianna (1998).5 O assistencialismo encontra suas origens político-normativas na Lei dos Pobres (Poor Laws) advindas do absolutismo inglês do início do século XVI (Fiori, 1995). A partir disso, desenvolveu-se desordenadamente até as propostas de seguridade social apresentadas na antiga Prússia (atual Alemanha) pelo chanceler conservador Otto Von Bismarck (1871-1890), com o objetivo principal de evitar as mobilizações, o desgaste físico dos trabalhadores e reprimir o partido socialista (Sigerist, 1943) e obteve seu auge ao final da segunda guerra mundial, tornando a questão social definitivamente uma atribuição do Estado. Carvalho (2004) e Rosavallon (1997) defendem que o desenvolvimento do assistencialismo está ligado à origem do Estado nacional no século XIV, que tinha como objetivo garantir a segurança da propriedade privada. Historicamente registram-se associações e fundos de ajuda mútua datados da Grécia antiga e do período da Idade Média (Sigerist, 1943). Embora o amplo desenvolvimento de políticas sociais só tenha se dado efetivamente no decorrer do século XX, o que fica evidente é que a preocupação com medidas voltadas ao assistencialismo e a coação da miséria esteve presente em outros períodos, promovida pelos mais variados setores sociais e com crescimento irregular e fragmentado. Existem muitos debates em torno do conceito de Welfare State. O próprio termo possui diversas variações, entre elas: Estado Protetor, Estado Benfeitor, Estado de Bem- Estar Social, Estado Providência, Estado Executor, Estado Reformista e Estado Interventor. Os estudiosos utilizam e adjetivam o conceito conforme a perspectiva de 5 O neocorporativismo, fenômeno europeu, caracteriza-se pela presença de grupos especializados e organizados nos ambientes de decisão política, uma “competição oligopólica” das elites que fornecem bens públicos, introduzindo contingencias de mercado nas disputas políticas, alavancadas pelo controle do Estado na economia e politizando a sociedade. O Estado participa ativamente das associações, e as associações participam de diversas formas do gerenciamento das políticas públicas. Este processo teria o poder de reduzir os conflitos de classe e revela o caráter participativo de uma sociedade frente a um estado democrático forte. Diferencia-se do conceito de corporativismo pela ausência de conotações pejorativas, e por ter um sentido de colaboração (Vianna, 1998; Offe, 1984). 4 cada abordagem, o que gera imprecisão conceitual. Ficam evidentes, também, as divergências quanto ao período histórico em que os termos podem ser aplicados (Almeida, 2003). A mesma falta de precisão na definição ocorre com os conceitos “seguridade social” e “política social” (Esping-Andersen, 1991). Alguns autores - entre eles Sigerist (1943), Marshall (1965), Esping-Andersen (1991), Fiori (1995) e Rosanvallon (1997) - defendem que as políticas sociais esparsas, presentes desde a antiguidade até meados do século XX, não tinham nível assistencial, abrangência e coesão capazes de serem caracterizadas como um Regime de Welfare State pleno. Em geral, o conceito de Welfare State significa uma política nacional, efetiva e coerente de serviços sociais que englobam as diversas necessidades humanas e, a partir da perspectiva dos direitos, busca atender a totalidade da população com o intuito de promover sua emancipação. É muito mais complexo que o termo “política social”, abrangendo uma gama muito maior de instrumentos de igualdade (Almeida, 2003). Vale lembrar, no entanto, que características conservadoras, de preservação do sistema capitalista e de instrumento de controle das massas, estão presentes também no Welfare State. Tal fato demonstra não só algumas de suas grandes contradições, mas também a complexidade da temática abordada. É por isso que autores como Gough (1982)6 vêm o Welfare State como um fenômeno também contraditório, porque, ao mesmo tempo em que tem de atender necessidades sociais, impondo limites às forças do mercado, o faz preservando a integridade do modo de produção capitalista. (Pereira, 2008, p.177). A Origem de um Novo Ícone Esta conotação geral supracitada, a respeito das características do Welfare State, foi amplamente aplicada no período pós-segunda guerra mundial (Arretche, 1995; Vianna, 1998), principalmente após o surgimento do Report on Social Insurance and Allied Services; também conhecido como Relatório Beveridge, Informe Beveridge ou Plano Beveridge, na Inglaterra, em 1942 (Fiori, 1995). Embora existissem diversas formas desenvolvidas de regimes de seguridade social, como o caso sueco (Carvalho, 2004), o grande mérito do Relatório foi apresentar de maneira pioneira um plano 6 Gough, 1982 apud Pereira, 2008. 5 político concreto, com propostas de reformas sociais abrangentes e universalistas. Assim, foi capaz de implantar um avançado regime de proteção social obtendo ampla aceitação e repercussão (Pereira, 2008). Na Inglaterra, o governo composto por uma coalizão de partidos chefiada pelo primeiro-ministro conservador Winston Churchill encomendou, em meados de 1941, a formação de uma comissão interministerial (Committee on Social Insurance and Allied Services) que tinha como objetivo planejar e propor reformas ao serviço de seguridade social então vigente, o Nacional Insurance Act de 1911 (Leite, 1983).7 Com esta iniciativa, segundo Sigerist (1943), o governo pretendia fornecer um incentivo ao esforço nacional de guerra, além de assegurar um nível aceitável de padrão de vida para a população e promover a solidariedade entre as classes. Antevendo demandas políticas e econômicas ao término do conflito mundial, as políticas sociais eram entendidas como um mecanismo de estabilidade macroeconômica necessárias para manter a ordem em períodos críticos como aquele (Sigerist, 1943). Nesse sentido, o Welfare State, derivado do Relatório Beveridge, foi constituído de maneira diferente do que ocorria anteriormente, já que não era uma simples questão de seguridade social, mas envolvia a sociedade como um todo. Tratava-se de uma nova forma de assistência social que saiu da esfera privada e se tornou objeto de política pública (Prezeworski e Wallerstein, 1988). Tal perspectiva já havia sido discutida de maneira superficial na Carta do Atlântico (1941), documento elaborado pelo primeiro ministro britânico Winston Churchill em conjunto com o presidente americano Franklin Roosevelt (Marshall, 1965). Esta Carta foi na prática uma declaração de princípios a serem adotados ao final da Segunda Guerra pelos dois países, e contou com a posterior adesão de diversas nações aliadas (Sigerist, 1943). 8 O relatório pretendia inovar, através da completa racionalização do sistema de seguros sociais vigente, e superar as experiências realizadas até então, formulando um modelo que atendesse toda a população mediante um esforço conjunto do Estado e da sociedade (Pereira, 2008). Os benefícios deveriam ser ajustados para compreender todas as necessidades básicas dos indivíduos e das famílias, sem comprovação de necessidades e sua duração seria ilimitada até a resolução do problema. Pretendia criar 7 Para maiores informações sobre o sistema de 1911 ver anexo 1. 8 Ver anexo 2. 6 um senso de orgulho e solidariedade, promovendo a igualdade e o comprometimento dos indivíduos (Beveridge, 1942). Com essas características a publicação do Relatório é considerada um marco histórico para as políticas sociais, embora não seja um documento revolucionário, como o próprio Beveridge chegou a afirmar Pedersen (1993)9 pois se baseou em regimes já existentes em outros países. Pode-se afirmar que o Plano possui diversas características do Welfare State de tipo escandinavo, de acordo com a tipologia desenvolvida por Esping-Andersen (1991), que descreve três modelos de assistência: “o assistencialista”, “o previdenciário” e o “modelo Beveridge”.10 Este último caracteriza-se por ser um sistema universalista, com benefícios uniformes, democráticos, igualitários, desmercadorizantes e universalizantes – que são também as características básicas do Welfare State escandinavo (que oferece serviços sociais e benefícios de elevada qualidade, desmercadorizantes e universalizantes e que busca promover a independência individual e o pleno emprego, sintetizando as demandas das classes trabalhadoras e das classes médias, juntamente com o compromisso de solidariedade). O sistema desenvolvido no Plano Beveridge, assim como o escandinavo, aproxima-se da classe média urbana, já que os proprietários rurais na Inglaterra não eram fortes a ponto de oferecer respaldo político para a formação do sistema de Welfare State. Além de ter uma preocupação especial com a questão da miséria, podemos citar o sistema de proteção familiar, a ampla estrutura de proteção proposta no Relatório e a preocupação com o pleno emprego como fatores de aproximação destes dois modelos. Esta também é a concepção de Titmuss (1974), para quem existem duas modalidades básicas de proteção, uma de tipo Bismarckiano (de caráter seletivo e corporativista, no qual os benefícios eram fixos, uniformes e voltados apenas aos grupos profissionais) e outra de tipo Beveridgeano (de formatação calcada nos direitos de cidadania, com ampla rede de benefícios sociais garantidores de um bom nível de vida a todos os indivíduos). Para Titmuss (1974), as proposições do Relatório Beveridge se aproximam do modelo desenvolvido pelos países escandinavos, pois ambos são do tipo “Institucional” baseado no tipo Beveridgeano de proteção.11 9 Pedersen, 1993 apud Faria, 1998. 10 Um aprofundamento sobre a questão das tipologias e sobre a importância teórica do Relatório estão no anexo 3. 11 Ver o anexo 3. 7 A história da Inglaterra tem vários episódios de preocupação com questões sociais (Pereira, 2008). No entanto, foi com a Segunda Guerra Mundial que os propugnadores de reformas sociais ganharam força e visibilidade para empreender suas convicções. O Relatório Beveridge, inserido neste contexto, tinha duas características: uma em que suas propostas seriam apenas fruto de uma evolução do passado e outra inovadora derivada de seu alto grau de racionalização, sistematização e abrangência (Marshall, 1965). Nesse sentido, o modelo proposto por Beveridge foi um grande marco, influenciou policy-makers e intelectuais, tornando-se um paradigma para outras nações (Leite, 1983). Galgou, desta forma, o nível de referência metodológica juntamente com John Maynard Keynes e Thomas Humphrey Marshall nas análises acadêmicas do Welfare State (Pereira, 2008). A importância e influência internacional do Relatório foram muito grandes. Segundo Gonçalves (2001), o Brasil também sofreu influência do plano proposto para a Grã-Bretanha. Esta influência, no caso brasileiro, se caracterizou principalmente pela participação de técnicos do governo nas conferências internacionais sobre seguridade social no pós-guerra, e pela repercussão do Relatório através de debates e artigos escritos por estudiosos do assunto12 (Assis, 1950)13. Neste sentido, vale a pena reproduzir um trecho do discurso de Getúlio Vargas de meados dos anos 50, citado em Gonçalves (2001, p.20): Com esse plano [o ISSB - Instituto de Serviços Sociais do Brasil], colocava-se o Brasil novamente na liderança dos sistemas de previdência social, antecipando e superando em muitos pontos as reformas no mesmo sentido empreendidas em outras nações (...) inclusive o famoso Plano Beveridge, na Inglaterra. 14 E esta influência possui reflexos muito claros ainda nos dias de hoje, Noronha (1999) caracteriza o Plano Beveridge como tendo influência sobre a constituição brasileira de 1988. O desenvolvimento das políticas sociais inglesas teve, sob influência do Relatório Beveridge, um inquestionável aprimoramento qualitativo (Leite, 1983). Há 12 Em 1944 o Jornal do Comércio e a partir de 1945 o Boletim do Trabalho, Indústria e Comércio, o Boletim dos Inapiários, a Revista Brasileira de Seguridade Social, são alguns exemplos (Gonçalves, 2001). 13 Assis, 1950 apud Gonçalves, 2001. 14 Vargas, 1952 apud Gonçalves, 2001. 8 claras evidências de que as circunstâncias da época e do país colaboraram muito com o surgimento de um relatório nos moldes em que foi organizado. A Inglaterra encontrava- se em uma posição geopolítica favorável, sendo um dos países mais avançados e ricos do mundo (Marshall, 1965). Desta forma, o conflito mundial foi um fator ainda mais importante, pois da maneira como se desencadeou, fortaleceu a unidade nacional, o consenso em torno das medidas de seguridade social e promoveu reflexões quanto ao futuro da nação. Beveridge exemplifica bem esta: “(...) a declaração de uma política de reconstrução feita por uma nação em guerra equivale a uma declaração dos usos que aquela nação pretende fazer da vitória, quando a vitória for alcançada.” (Beveridge, 1942, § 459). O modelo Beveridge oferece uma ampla variedade assistencial e promove, segundo Esping-Andersen (1991), um alto grau de “desmercadorização” – termo cujo significado considera os serviços sociais como direitos do cidadão, pois sua abrangência possibilita que este possa manter-se sem depender do mercado, permitindo a emancipação do indivíduo e a elevação da qualidade dos postos de trabalho. Beveridge assumiu posteriormente a tarefa de defender e consolidar as diversas medidas propostas, no decorrer dos debates e da cena política, fazendo modificações e adicionando novos benefícios quando necessário. Essa postura causou forte atrito entre Beveridge e o governo inglês (Komine, 2006). Os debates que se desenvolveram após a publicação do Plano se concentraram, principalmente, até início dos anos de 1950 (Marshall, 1965) – período em que a onda reformista do pós-guerra foi substituída por posições conservadoras, visando a manutenção das vitórias alcançadas. Fica claro também que, com o passar do tempo, o consenso em torno das políticas de seguridade mais abrangentes foi sendo corroído, dificultando o seu desenvolvimento e promovendo características bastante específicas e distintas no tipo de Welfare State implantado na Inglaterra (Marshall, 1965 e Hobsbawm, 1994). O Relatório Beveridge surge como uma nova referência nas questões de política social, superando as antigas formas de se organizar e aplicar tais políticas. Os eventos da primeira metade do século XX proporcionaram uma atmosfera fértil para o desenvolvimento de idéias transformadoras e inovadoras, mas também permeada por perspectivas bastante nebulosas; pelo fato da Inglaterra ser um dos países centrais nas disputas bélicas do período, o surgimento do Relatório Beveridge inaugurou uma nova percepção sobre direito, cidadania e política estatal. As propostas de Beveridge não 9 tiveram apenas influência sobre os policy-makers e sobre a opinião pública (Baldwin, 1992)15 mas também sobre os intelectuais, diversas nações e esferas sociais. Comparar as heranças práticas com a formulação proposta originalmente significa observar qual o grau de influência que Beveridge galgou e ainda trazer lições para futuras intervenções no campo das políticas sociais, advindas desta peculiar e avançada experiência. 15 Baldwin, 1992 apud Faria, 1998. 10 I - O RELATÓRIO BEVERIDGE 1.1.1. - A Proposta A comissão responsável pela formulação do Relatório Beveridge, primeiramente chamada de Comissão Inter-Ministerial de Seguros Sociais e Serviços Afins (Inter-departamental Committee on Social Insurance and Allied Services), foi convocada em junho de 1941 pelo então Ministro da Saúde Ernest Brown e pelo Ministro sem pasta, responsável pelos estudos dos problemas de reconstrução e subordinado ao Gabinete de Guerra, Arthur Greenwood. A tarefa desta Comissão era a formulação de um novo projeto de Seguro Social e Serviços Afins, que fosse capaz de interligar uma grande quantidade de programas já em vigor, a fim de reformular o modelo de seguro social vigente até o momento, tendo como base as iniciativas existentes em outras nações e a experiência histórica inglesa. (Beveridge, 1942, § 1) 1.1.2 - O Presidente da Comissão Ilustração 1 Sir Willian Beveridge, 1910 Fonte: Library of Congress 16 A Comissão Inter-Ministerial de Seguros Sociais e Serviços Afins foi criada no início de 1942, sob a presidência de Sir Willian Beveridge. Posteriormente, com o intuito de minimizar pressões políticas e aperfeiçoar a qualidade das propostas, delegou- se a Beveridge a redação completa do Relatório. Procurou-se, desta forma, desvincular a 16 Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/41/Sir_W.H._Beveridge%2C_head- and-shoulders_portrait%2C_facing_left.jpg – acessado em 18/01/2010 às 20h e12 min. 11 Comissão o máximo possível do governo, salvaguardando a formulação das propostas de qualquer constrangimento político e interesses econômicos. Beveridge não era funcionário público e sim um prestador de serviços para o Estado, ao contrário da maioria dos outros colaboradores da Comissão. Embora o financiamento e o apoio técnico fossem estatais, o Relatório não era mais atribuído ao governo, mas sim à figura pessoal de Beveridge. William Beveridge nasceu na cidade de Rangpur (atualmente no Paquistão) em 5 de março de 1879, filho de um juiz do Indian Civil Service. Tornou-se advogado e economista e em 1902, aos 23 anos de idade, passou a escrever para o jornal Morning Post sobre temas relacionados à política social. Posteriormente trabalhou na formulação das propostas para o Nacional Insurance Act de 1911 (Leite, 1983). Foi ativo no Departamento de Controle de Recursos Humanos no período da primeira guerra mundial, deixando o governo após o término do conflito. Tornou-se, em 1919, diretor da London School of Economics e posteriormente professor do University College de Oxford. Após o fim da segunda guerra mundial foi eleito, em 1944, pelo Partido Liberal, para a Câmara dos Comuns e em 1946 tornou-se Sir. Morreu em 16 de março de 1963. Ilustração 2 Beveridge, ao centro, juntamente com estudantes da universidade onde foi diretor em 1923. Fonte: LSE Archives 17 Sua obra bibliográfica está centrada nas questões das problemáticas da política social, e seus principais livros são: 17 Disponível em: http://lib-1.lse.ac.uk/archivesblog/?tag=beveridge - acessado em 18/01/2010 as 20:05 12 Unemployment: A problem of industry, 1909 and 1930. Londres: Longmans, Green and Co, 1930 Prices and Wages in England from the Twelfth to the Nineteenth Century. Londres: Longmans, Green and Co, 1939. Social Insurance and Allied Services, 1942. (Beveridge Report) London; H.M.S.O, 1943 Report on Full Employment in a Free Society. Londres: Allen & Unwin, 1944. The Economics of Full Employment, 1944. Why I am a Liberal. Madson, Herbert Jenkins, 1945. Plan for Britain: A Collection of Essays prepared for the Fabian Society by G. D. H. Cole, Aneurin Bevan, Jim Griffiths, L. F. Easterbrook, Sir William Beveridge, and Harold J Laski. Michigan, G. Routledge & sons, ltd, 1943. John and Irene: An Anthology of Thoughts on Women. Longmans, 1912. British Food Control. Oxford University Press, 1928. Tariffs: The Case Examined, by a committee of economists under the chairmanship of Sir William Beveridge. Longmans, 1932. Planning under Socialism and Other Essays. Longmans, 1936. Changes in Family Life, by Sir William Beveridge and others. Allen and Unwin, 1932. Pillars of Security and Other Wartime Essays and Addresses. Allen and Unwin, 1943. The Price of Peace . Pilot Press, 1945. India Called Them . Allen and Unwin, 1947. Voluntary Action: A Report on Methods of Social Advance. Allen and Unwin, 1948. The Evidence for Voluntary Action, ed. W. H. Beveridge and A. F. Wells. Allen and Unwin, 1949. Antipodes Notebook, by Janet and W. H. Beveridge. Pilot Press, 1949. Power and Influence. Hodder and Stoughton, 1953. A Defence of Free Learning. Oxford University Press, 1959. The London School of Economics and its Problems. Allen and Unwin, 1960. Fonte: (Harris, 1997). Posteriormente à apresentação do Relatório para a Câmara dos Comuns (House of Commons), Beveridge viria a incumbir-se de consolidar, defender e preservar as novas propostas nos processos políticos e discussões que visavam a sua implementação. Em suas palavras: “O Plano aqui proposto é revolucionário sob muitos aspectos, mas sob outros aspectos mais importantes é um desenvolvimento natural do passado. É uma revolução britânica.” (Beveridge, 1942, § 31). 13 1.1.3 - Os Princípios da Comissão A Comissão estabeleceu três princípios básicos para atender os critérios exigidos pelo Governo. Beveridge salientou que, mesmo que as bases para a construção das novas propostas se remetessem ao que já existia, as novas formulações deveriam superar os modelos anteriores. Assim, propõe que aquele deveria ser um momento para “revoluções - não para remendos” (Beveridge, 1942, §7). Este seria o primeiro princípio norteador dos trabalhos e do Relatório e já apresentava claramente as suas ambições. O novo plano de seguro social não deveria se limitar apenas ao combate à pobreza. Deveria contemplar o combate aos “cinco gigantes”: a doença, a ignorância, a miséria, a imundície e a desocupação (Beveridge, 1924, §8). Esses seriam os maiores problemas que a sociedade inglesa deveria enfrentar e esta concepção caracteriza o segundo princípio. Completando as diretrizes básicas, o terceiro ponto previa a cooperação entre Estado e indivíduo, fator essencial para o funcionamento do seguro social. O mínimo oferecido pelo Estado deveria deixar margem para a “ação voluntária” (Beveridge, 1942, §9). Esta ação voluntária seria a ambição do indivíduo de conquistar mais do que o mínimo oferecido, proporcionando o bom funcionamento da esfera econômica e salvaguardando o equilíbrio do sistema, já que a cobertura seria universal sem necessidade de comprovação de pobreza, fornecendo os meios necessários de subsistência a todos. A busca pelo trabalho não deveria ser desencorajada. Além disso, a não colaboração dos indivíduos para com a sociedade inglesa e com os novos planos propostos era passível de sanções legais. Os mecanismos usados como padrão para os novos projetos propostos seriam seis: Horizontalidade da Taxa de Auxílio-Subsistência – estabelecimento de uma taxação horizontal para todos os seguros e que fosse independente do valor dos salários, porém, que abarcassem todas as despesas mínimas de subsistência; Horizontalidade da Taxa de Contribuição – Taxação horizontal independente dos recursos individuais; Unificação das Responsabilidades Administrativas – Visando uma maior eficiência e economia, cada segurado teria apenas uma contribuição semanal para ter acesso a todos os benefícios do seguro. Os processos administrativos referentes aos seguros seriam centralizados e processados no futuro Ministério da Segurança Social. 14 Adequação do Auxílio – Os auxílios deveriam ser adequados quanto a seu montante e a época, seguindo o princípio de que deveriam ser suficientes para prover os rendimentos necessários à subsistência. Racionalização – O Seguro Social deveria ser racionalizado para atender com eficácia todas as principais necessidades das pessoas, assim como para promover a universalização de sua abrangência. Classificação – Os seguros deveriam ser ajustados de maneira a atender satisfatoriamente os diferentes modos de vida, e as diferentes classes de indivíduos. Na arquitetura do projeto, buscou-se sempre habilitá-lo para ser prontamente aplicável. Beveridge procurava prever possíveis problemas e contestações em torno das propostas, e apresentava as falhas do sistema que seria substituído, procurando justificar desta forma, as novas proposições. A questão da imigração foi uma preocupação ressaltada no início dos trabalhos, no entanto, seria um ponto demasiadamente complexo para tratar no novo Plano de Seguros Sociais. O ambiente ideal seria aquele no qual as diversas nações tomassem os mesmos rumos, no sentido de desenvolver políticas sociais mais complexas, assim como acordado na Carta do Atlântico pelas nações aliadas. 1.1.4 - Os Estudos da Comissão 1.1.4.1 - O Serviço Social inglês anteriormente ao Relatório Beveridge Para a formulação das propostas do Relatório foram realizados diversos estudos e levantamentos, que procuraram observar a tradição inglesa nos 45 anos anteriores à formação da Comissão, sem desconsiderar a Poor Law de 1601, importante lei assistencial formulada no período da Rainha Elizabeth (1533 – 1603), e que embora não tivesse sido a primeira lei deste tipo, era tida como ponto de partida para as provisões fornecidas através do Estado. Posteriormente, a Comissão buscaria analisar os seguros sociais vigentes em outros países, a fim de buscar exemplos e experiências. Pela primeira vez foi proposta a realização de um amplo estudo compreensivo na área dos seguros sociais, uma proposta pioneira, inovadora, mas também concreta e viável. Os dispositivos de seguros sociais ingleses estudados foram: Lei de indenizações por acidente de trabalho de 1906. Lei de pensões de 1908 (para indigentes acima de 70 anos). Seguro compulsório de saúde de 1912. 15 Seguro contra o desemprego de 1920. Lei de pensões contributivas para a velhice, viuvez e crianças de 1925. Lei contra o desemprego de 1934. Diversas provisões fragmentadas concedidas no período em questão abarcando uma infinidade de necessidades especiais, como a cegueira (Beveridge, 1942, §2). Juntamente com essas políticas de seguro social foram analisados os serviços de socorro médico, os serviços de proteção à infância e os diversos serviços advindos da iniciativa privada, como as provisões em caso de morte do sindicato dos operários, que se encontrava em um estado avançado de desenvolvimento. Como fruto deste estudo histórico e situacional foi diagnosticada uma ampla abrangência dos sistemas vigentes, mas com inúmeras falhas e limitações. Um grande obstáculo encontrava-se na descentralização dos serviços, o que gerava altos custos, morosidade, falta de atendimento em certas áreas e redundâncias de serviços de proteção em outras (Beveridge, 1942, § 3). A preocupação unicamente com os indivíduos e a não consideração das famílias nos cálculos dos auxílios era um fator que não raramente causava a distribuição insuficiente de auxílios. Uma importante lacuna dos serviços vigentes na época referia-se à limitação do seguro às pessoas vinculadas a um contrato de trabalho, o que implicava que não havia qualquer cobertura para trabalhadores autônomos, muitas vezes mais necessitados que muitos outros trabalhadores regulares. Os valores comumente pagos eram arbitrários e não levavam em conta as necessidades. Foram analisados os mecanismos de proteção social de um total de 30 países, sendo eles: Austrália; Bélgica; Canadá; Dinamarca; Alemanha; Nova Zelândia; Romênia; África do Sul; Suécia; Estados Unidos; Brasil; Bulgária; Chile; Costa Rica; Equador; Espanha; Finlândia; França; Grécia; Holanda; Hungria; Itália; Iugoslávia; Japão; Noruega; Panamá; Peru; Polônia; Uruguai; e Tchecoslováquia. Uma comparação especial também foi estabelecida com a União Soviética, mas devido a seu sistema de seguridade peculiar, considerou-se que a comparação não podia ser feita de forma direta. 1.1.4.2 - Diagnosticando a situação inglesa Os estudos procuraram diagnosticar a situação da sociedade inglesa para que fosse possível construir um modelo adequado de proteção social. O Relatório foi 16 pautado por parâmetros científicos da época, e neste caso, cada um dos problemas deveria ser diagnosticado na prática para posteriormente ser analisado. Técnicos do governo investigaram as condições de vida nas principais cidades da Grã-Bretanha (Londres; Liverpool, Sheffield; Plymouth; Southampton, York e Bristol). As análises demonstraram que um combate eficiente à miséria deveria levar em conta as necessidades das famílias e não apenas dos indivíduos; que os mecanismos de proteção social deveriam durar o tempo que durassem as necessidades e não períodos arbitrários; que o valor dos benefícios deveria estar de acordo com as necessidades; que seria necessário ampliar as coberturas vigentes quanto ao número de necessitados e ao número de eventos prejudiciais à renda; e que era necessário instituir um serviço de proteção às crianças que fosse fixo e universal (Beveridge, 1942, §11). A manutenção do emprego seria uma condição essencial para o êxito de qualquer regime de proteção social e o sistema de saúde deveria ser aprimorado. O valor dos auxílios tinha de levar em conta as necessidades e o custo de vida, diferentes, dependendo do local onde se vive. Questões como a viabilidade econômica e decrescimento populacional também teriam de ser analisados para que as propostas pudessem ter viabilidade concreta (Beveridge, 1942, § 14). 1.1.4.3 - A população e suas necessidades Os estudos feitos pela Comissão permitiram dividir a sociedade em seis classes de segurança, podendo, desta forma, atender melhor as necessidades de cada perfil: I – Empregados com contrato de trabalho; II – Outros Profissionais Remunerados; III – Donas de Casa; IV – Outras Pessoas em Idade de Trabalhar; V – Pessoas Abaixo da Idade Produtiva; VI – Pessoas Acima da Idade Produtiva. Outro levantamento foi realizado para determinar as causas da pobreza na Inglaterra. Os principais agentes listados foram: desemprego; incapacidade; perda dos meios de subsistência; aposentadoria; necessidades do casamento; despesas de funeral; infância; e doenças. A tabela e o gráfico a seguir descrevem a distribuição do total população inglesa através das classes de segurança determinadas no Relatório. Fica evidente que a predominância era de pessoas economicamente ativas no período. 17 Tabela 1 Distribuição da população pelas classes de segurança. Classes Homens Mulheres Total I - Empregados 13. 350.000 4.750.000 18.100.000 II - Outros Profissionais Remunerados 2.150.000 450.000 2.600.000 III - Donas de Casa # 9.450.000 9.450.000 IV - Outras pessoas em idade de trabalhar 1.000.000 1.300.000 2.300.000 V - Crianças 5.000.000 4.800.000 9.800.000 VI - Aposentados 1.200.000 3.550.000 4.750.000 Total 22.700.000 24.300.000 47.000.000 Fonte: Beveridge, 1942, p. 301 Gráfico 1 Comparativo dos totais das classes de segurança Fonte dos dados: Beveridge, 1942, p.301. 1.1.5 - As Primeiras Ações da Comissão Após iniciar o levantamento de dados, a iniciativa seguinte foi a divulgação dos trabalhos, a fim de estimular a participação de toda a comunidade, recebendo a avaliação e sugestões da população. Muitas entidades privadas contribuíram com propostas. Incentivou-se a apresentação de sugestões e dados das diversas repartições governamentais, e promoveu-se a divulgação pela imprensa e outros meios de 18 publicidade. Foram recebidos memorandos de mais de 100 organizações18 (Beveridge, 1942, § 33). Outras iniciativas ficaram a cargo de reuniões com diversas personalidades, a exemplo do apoio fornecido pela importante figura pública da época, o economista inglês John Maynard Keynes (Komine, 2006), que assim como Beveridge, era membro da Sociedade Fabiana19. 1.1.6 - As Novas Propostas Ilustração 3 Brasão do parlamento inglês presente na primeira página do Relatório Fonte: Beveridge, 1942. Capa. Primeiramente foram propostas 23 modificações para o sistema de seguro social vigente na Inglaterra no período de estudos da Comissão: 1º Alteração: Unificação das Contribuições Referentes ao Seguro Social A unificação das contribuições para o seguro social reduziria custos administrativos para o governo e empregadores. Um levantamento feito pela comissão avaliou que das £ 1.200.000 libras pagas pelos empregadores apenas com a burocracia do atual sistema de seguro social, £ 400.000 libras seriam economizadas com a 18 As organizações listadas no Relatório Beveridge estão no Anexo 4. 19 A Sociedade Fabiana era uma associação inglesa de tendência socialista fundada em 1883-84 e que propunha a reforma social por meio de mudanças graduais do sistema capitalista. Composta basicamente de intelectuais, rejeitava a luta revolucionária e forneceu as bases ideológicas do Partido Trabalhista inglês. Seus membros acreditavam na luta político-democrática ativa como forma de promover a transformação (Sandroni, 1994). 19 implementação deste recurso. Ao unificar as contribuições, seria possível reunir todos os recursos em uma Caixa de Seguro Social, um dispositivo que, entre outros benefícios, facilitaria a transparência das contas. Não haveria alteração quanto ao equilíbrio dos recursos divididos pelas áreas de cobertura do seguro social, pois as taxas referentes a cada seguro seriam fixadas previamente. De acordo com este dispositivo, todos os segurados teriam direito a todos os auxílios por uma única contribuição semanal e através de um único documento. 2º Alteração: Unificação Administrativa do Sistema de Seguro Social Consistia na proposta de unificação do seguro e da assistência social, em nível administrativo, com a criação de um Ministério da Segurança Social, concomitante com a criação de postos de atendimento em locais ao alcance de toda a população. A primeira vantagem desta proposta consistia no aumento da eficiência administrativa, com redução de gastos, e a possibilidade de corrigir problemas e desenvolver programas mais complexos de seguros sociais. Promoveria ganhos na acessibilidade dos segurados, diminuição das disputas políticas, capacidade de ampliar a abrangência dos seguros, regularidade na distribuição dos auxílios, uniformidade dos benefícios e maior facilidade de controle e na obtenção de dados estatísticos. 3º Alteração: Desregulamentação de Benefícios Especiais Para Classes Diferentes de Trabalhadores. O sistema de “Sociedades Reconhecidas” que faziam parte do seguro social inglês vigente caracterizava-se por conceder benefícios especiais para contribuições iguais. Sociedades privadas reconhecidas obtinham seguros especiais frente ao governo, uma prática que deveria ser suprimida segundo esta alteração. A manutenção do sistema de “Associações Reconhecidas” era tida como incompatível com a política de um mínimo nacional, pois, estabelecido um mínimo nacional e contribuições unificadas, seria uma anomalia que entidades privadas recolhessem e pagassem um valor maior do que o estabelecido pelo Estado. Na perspectiva da universalização dos serviços de proteção, qualquer cobertura adicional seria desconexa com o todo do sistema, já que toda a sociedade deveria receber tratamento igual. A grande maioria das próprias sociedades reconhecidas era a favor da sua desregulamentação no período. Outras desvantagens do sistema de sociedades reconhecidas eram: a diversidade de tamanho das Associações; a possibilidade de um trabalhador modificar a sua categoria e perder todas as coberturas; as disputas administrativas entre organizações; a 20 desresponsabilização do Estado; o aumento das despesas e a dificuldade de regulamentação destas Associações. Porém, uma vantagem deste sistema seria mantida e incorporada aos novos projetos. O seguro voluntário representava um dispositivo em que o Estado oferecia uma cobertura extra além do mínimo nacional, caso o segurado optasse por pagar pelo serviço. Este serviço tinha o intuito de atender uma demanda da sociedade que pudesse pleitear maior cobertura que o sistema padronizado oferecido universalmente para a população e ainda ajudaria a financiar a Caixa de Seguro Social. Tais apontamentos, no entanto, não excluiriam definitivamente as “Associações Reconhecidas”, que poderiam continuar atuando administrativamente, fiscalizando e auxiliando a prestação de serviço por parte do Estado. 4º Alteração: Criação do Seguro Por Acidentes e Doenças. Esta proposta previa universalizar e atualizar as antigas coberturas contra acidentes de trabalho, abrangendo todo o tipo de acidente, que por algum motivo privasse o cidadão de suas plenas capacidades, podendo ser acidentes de trabalho ou de qualquer outra natureza. Propunha-se que fosse horizontalizado o valor dos seguros para todos os indivíduos ou famílias privadas do salário, por morte ou acidente. No entanto, existiam postos de trabalho que necessitavam de cobertura especial, principalmente quando se tratasse de trabalhos de risco. Nestes casos, as taxas de auxílios seriam sempre proporcionais ao salário do trabalhador. Atentava-se para as responsabilidades legais dos empregadores, que não se anulariam com a cobertura governamental destes acidentes. Parte dos fundos para cobrir os acidentes de trabalho seriam provenientes dos próprios empregadores, que pagariam uma taxa diferenciada, por oferecer trabalhos com níveis de risco elevados. Não havendo condições de contribuição para esta proposta, isto significaria que todos os segurados estariam automaticamente cobertos pelo seguro, no momento que este entrasse em vigor. 5º Alteração: Ampliação e Racionalização dos Serviços Médicos Vigentes, Bem Como a Separação Entre o Tratamento Médio e os Auxílios em Dinheiro. Os auxílios seriam totalmente administrados pelo Ministério do Seguro Social, enquanto os serviços médicos e de reabilitação ficariam a cargo do Estado, financeira e administrativamente, e de suas respectivas repartições responsáveis. Este fato não 21 diminuiria a importância de tais serviços para o funcionamento pleno do Plano de Seguridade Social. 6º Alteração: Classificação das Donas de Casa como um Tipo Profissional. Ao implantar esta medida, diversas necessidades especiais deveriam ser consideradas: bonificação de maternidade; bonificação de casamento (recebimento de compensação por pensões já pagas e outros serviços); provisões de viuvez e desquites; pensões de aposentadoria, pensões contra invalidez e desemprego dos maridos. As pensões para viuvez seriam as únicas que, dependendo das necessidades, poderiam ultrapassar a taxa de auxílio para o desemprego. Em caso de desquite, as mulheres teriam acesso a todos os benefícios do Serviço de Segurança Social. As mulheres que por ventura solicitassem isenção das contribuições receberiam, mesmo assim, na integra, o auxílio maternidade. 7º Alteração: Extensão do Seguro Contra a Incapacidade Prolongada e das Aposentadorias Para Todas as Pessoas. Tratava-se essencialmente de estender os benefícios do Seguro Social aos trabalhadores informais, muitas vezes mais necessitados que os trabalhadores com contrato regular. O seguro contra incapacidade prolongada seria pago apenas para as pessoas que exerciam alguma atividade remunerada anteriormente ao acidente ou doença. As pensões seriam pagas após a 13º semana de suspensão dos salários, e anteriormente a este período os segurados se enquadrariam no auxílio doença. 8º Alteração: Auxílio de Aprendizado Para Facilitar a Realocação no Mercado de Trabalho. O auxílio aprendizado atenderia a todos. Consistia em um pagamento proporcional ao seguro desemprego, por um período limitado e sujeito a condições de aprendizado e exigências administrativas. 9º Alteração: Equiparação das Taxas de Auxílio Desemprego, Incapacidade e Aposentadoria. Não haveria diferença entre as necessidades das pessoas prejudicadas pelas várias formas de interrupção dos salários que justificasse uma diferenciação. A unificação também contribuiria para evitar que o segurado reclamasse da sua forma de auxílio, já que seriam todas igualmente tabeladas. 22 10º Alteração: Equiparação Entre Todos os Auxílios em Relação ao Tempo de Espera. Adoção do tempo de espera (carência) único para todos os auxílios. Todos os sistemas de auxílio recusariam o pagamento nos primeiros dias após a interrupção dos salários, para, entre outros motivos, realizar o processamento dos pedidos. Seriam admitidos três dias de espera para todos os benefícios do Plano de Seguros Sociais. Seu funcionamento previa que se a interrupção dos salários durasse quatro semanas sucessivas, haveria um pagamento retroativo dos três primeiros dias que não haviam sido pagos devido ao tempo de espera. 11º Alteração: Equiparação das Condições de Contribuição Para Todos os Seguros e Revisão das Condições de Contribuição Para Pensões. Igualar as taxas de contribuição simplificaria o sistema e economizaria recursos administrativos. Quanto às pensões, a primeira medida seria estender a contribuição a todas as pessoas com idade de trabalhar, sendo que as contribuições deveriam abarcar toda a vida produtiva como condição para as pensões. 12º Alteração: Duração Indefinida do Seguro Desemprego, Sujeito a Exigências. 13º Alteração: Duração Indefinida do Auxílio-incapacidade, em sua Plenitude, Sujeita a Imposição de Condições Especiais de Comportamento. Ambos dispositivos (12º e 13º) visavam impedir fraudes ou acomodações dos segurados, e exigiriam a contrapartida do cidadão ao desfrutar de fundos públicos. No caso dos desempregados, a condição de frequentar cursos de capacitação e de procurar novos rendimentos deveria ser fiscalizada. Para as pessoas que recebessem auxílio- incapacidade, o acompanhamento médico deveria ser periódico, e deveria evitar a incapacidade crônica. 14º Alteração: Crescimento do Valor das Pensões a Cada Novo Ano de Contribuição Após o Cumprimento da Idade Mínima. Visava tornar flexível o tempo de aposentadoria, de acordo com a conveniência dos segurados, e forneceria incentivo financeiro aos que desejassem continuar trabalhando. Este dispositivo visava diminuir os encargos sobre os benefícios das pensões. Esta medida ajudaria a financiar as pensões na medida em que aumentaria o tempo de contribuição dos trabalhadores e retardaria o tempo de recebimento das aposentadorias. 23 15º Alteração: Fusão dos Planos Especiais de Seguro com o Plano Geral do Seguro Social. O plano de seguro social vigente a partir de 1911 permitiria a criação de planos especiais de seguros para certas categorias de trabalho. A extinção destes planos especiais faria parte da transferência de todos os planos de seguridade para o novo Plano Geral de Seguro Social, com o intuito de igualar todos os segurados nas mesmas taxas de auxílio. 16º Alteração: Abolição das Isenções de Seguros. Seguindo o princípio de extensão universal dos seguros sociais, era evidente que qualquer mecanismo que limitasse o serviço de Seguro Social devido ao valor dos salários ou tipo de ocupação deveria ser abolido. 17º Alteração: Substituição das Pensões Incondicionais de Viuvez Pelas Pensões Adaptadas às Várias Necessidades das Viúvas. As taxações especiais tinham por objetivo corrigir as pensões que pudessem ser de valor exagerado em certos casos ou inferiores em outros, além da economia de recursos que uma adequação mais regular poderia trazer para a Caixa de Seguros Sociais. Estas pensões se caracterizavam por serem, assim como o auxílio-maternidade, maiores que o seguro desemprego. Outros auxílios deveriam ser oferecidos como auxílio-aprendizado e o auxílio-tutelar no caso de haver crianças dependentes. Este seguro, no entanto, não deveria durar alem das necessidades imediatas da viúva, que posteriormente deveria se enquadrar em algum outro nível de assistência ou, se apta a trabalhar, continuar a exercer profissão remunerada. O seguro permanente para viuvez seria oferecido pelo Seguro Voluntário e deveria ser feito pelo marido. 18º Alteração: Inclusão da Bonificação Universal de Funeral no Seguro Compulsório. Necessidade da maioria dos indivíduos abarcava, na época, apenas uma parcela dos trabalhadores industriais e a um custo administrativo muito elevado. De acordo com os princípios do Relatório propunha-se que a bonificação de funeral fosse universalizada. Sua administração deveria ficar a cargo do Ministério da Segurança Social e as taxas de auxílios deveriam ser proporcionais aos custos relativos de cada indivíduo de acordo com a sua faixa etária. 24 19º Alteração: Transferência das Funções Locais de Assistência Pública Para o Ministério da Segurança Social. A transferência das responsabilidades locais de seguro social para o ministério da Segurança Social, entre outros motivos, visava agilizar, universalizar, horizontalizar e tornar mais eficiente a aplicação e o custeio dos seguros. No entanto, as ações de instituições locais (como a importante atuação das igrejas no apoio à população) não seriam desincentivadas. 20º Alteração: Transferência das Responsabilidades Quanto à Cobertura do Seguro Para os Cegos para o Ministério da Segurança Social. Com o objetivo de firmar e aprofundar a proteção aos cegos propunha-se a elaboração de um plano que atendesse melhor essas necessidades especiais, corrigindo as falhas do sistema de proteção vigente. 21º Alteração: Transferência de Diversas Funções Pertencentes a Outros Órgãos do Governo para o Ministério da Segurança Social. Esta medida abarcaria a transferência das responsabilidades das pensões não contributivas da “Customs and Excise Department”; transferência das funções da Junta de Assistência; transferência do serviço do emprego e dos serviços suplementares do seguro desemprego subordinados ao Ministério do Trabalho; entre outras transferências ministeriais relativas à administração de benefícios sociais. 22º Alteração: Substituição da Comissão do Seguro Desemprego por Uma Comissão do Seguro Social, Muito Mais Abrangente. Suas principais funções seriam: supervisão das finanças; opinar sobre a regulamentação dos seguros; produzir relatórios sobre o desempenho do seguro social; realizar as correções monetárias dos seguros, manter a atualidade dos mecanismos de proteção social e aplicar possíveis alterações aprovadas; e tratar de outros problemas referentes à aplicação dos mecanismos de proteção. 23º Alteração: Conversão do Seguro Industrial em um Serviço Público Subordinado à Junta de Seguro Industrial. Propunha que o Seguro Industrial fosse incorporado pelo serviço público, a ser administrado pela Junta de Seguro Industrial. O Seguro Industrial consistia de um seguro de vida dos trabalhadores industriais e administrado pela iniciativa privada. Esta medida visava incorporar ao Seguro Voluntário a aquisição das apólices de seguro de vida e de retirar as pretensões de lucro de um serviço de tamanha importância, evitando assim diversos problemas. Outro 25 importante fator referia-se à horizontalidade da cobertura de seguro social, procurando evitar as possíveis redundâncias entre a oferta privada e as novas coberturas propostas pelo serviço público. 1.1.7 - O Plano de Segurança Social O Conceito de Seguridade Social – a expressão Seguridade Social é aqui usada para designar a garantia de um rendimento que substitua os salários, quando estes se interromperem pelo desemprego, por doença ou acidente, que assegure a aposentadoria na velhice, que socorra os que perderam o sustento em virtude da morte de outrem e que atenda a certas despesas extraordinárias, tais como as decorrentes do nascimento, da morte e do casamento. Antes de tudo, segurança social significa segurança de um rendimento mínimo; mas esse rendimento deve vir associado a providências capazes de fazer cessar tão cedo quanto possível à interrupção dos salários. (Beveridge, 1942, § 300). O plano de segurança social tinha como objetivo seguir três proposições básicas: subsídio para as crianças; serviços racionais de saúde e reabilitação; e prevenção contra o desemprego. Para tratar destas proposições foram criadas três repartições: O Seguro Social – para as necessidades básicas; A Assistência Nacional - para casos de auxílios imediatos e especiais pagos pelo Tesouro Nacional; e o Seguro Voluntário – para coberturas adicionais. 1.1.7.1 - As Taxas de Auxílios e os Problemas Especiais As taxas de auxílio ou pensão deveriam assegurar níveis de subsistência para todos os casos, sem comprovação de necessidade. Como o cálculo do custo de vida não podia ser feito com exatidão, estimou-se uma renda mínima de subsistência com base nos preços do ano de 1938. O valor estimado dos custos de produtos básicos podem ser acompanhados na tabela 2, 3 e 4. De acordo com essas informações, o valor do mínimo para a subsistência serviu de base para o calculo de todos os auxílios, pensões e dos subsídios para a infância que constam no Relatório. As necessidades anormais de subsistência deveriam ser levadas em conta e do mesmo modo o seguro e a economia voluntária deveriam ser incentivados, ambos para garantir a qualidade dos serviços aos segurados. Problemas especiais também deveriam ser cobertos, quando representassem serviços fundamentais para a manutenção básica do cidadão: os aluguéis; o problema da idade; e referente aos recursos alternativos (Beveridge, 1942, § 193). 26 Tabela 2 Estimativa de gastos dos adultos a partir das necessidades básicas. Necessidade de subsistência dos adultos com base nos preços de 1938. Casal Homem Mulher Alimento 13 s. 7 s. 6 s. Roupa 3 s. 1 s. 6 d. 1 s. 6 d. Combustível e Luz 4 s. 2 s. 6 d. 2 s. 6 d. Margem adicional 2 s. 1 s. 6 d. 1 s. 6 d. Aluguel 10 s. 6 s. 6 d. 6 s. 6 d. Total 32 s. 19 s. 18 s. Fonte: Beveridge, 1942, p. 136. Tabela 3 Estimativa de gastos dos aposentados a partir das necessidades básicas. Necessidade de subsistência dos aposentados com base nos preços de 1938. Casal Homem Mulher Alimento 11 s. 6 d. 6 s. 5 s. 6 d. Roupa 2 s. 8 d. 1 s. 4 d. 1 s. 4 d. Combustível e luz 5 s. 3 s. 3 s. Margem adicional 2 s. 1 s. 6 d. 1 s. 6 d. Aluguel 8 s. 6 d. 6 d. 6 d. Total 29 s. 8 d. 17 s. 10 d. 17 s. 4d. Fonte Beveridge, 1942, p. 138. Tabela 4 Estimativa dos custos das crianças a partir das necessidades básicas divididas por faixa etária. Custo das necessidades básicas das crianças Idade: Custo: 0 a 5 5 s. 4 d. 5 a 10 7 s. 1 d. 10 a 14 8 s. 3 d. 14 a 15 9 s. Fonte: Beveridge, 1942, p. 140. 1.1.7.1.1 Os Aluguéis A Comissão considerava que existem três características que diferenciam os aluguéis das outras formas de despesa: 1º varia de um lugar para o outro; 2º é independente do tamanho das famílias; 3º é uma despesa que não pode ser reduzida como método de economia. 27 Seguindo o estudo de impacto sobre o peso dos aluguéis, em média, e observando a dificuldade em tratar esta questão, já que a variação pode ser muito grande, assim como as dificuldades administrativas, trabalhou-se com uma margem aceitável para chegar ao valor de 10 s. por semana de auxílio aluguel para famílias e 6 s. para pessoas solteiras. Esta era uma questão bastante complexa e a proposta não estava fechada, devendo ser estudada e desenvolvida mais a fundo posteriormente, dada a importância dos aluguéis no orçamento dos indivíduos. 1.1.7.1.2 Outras taxas de auxílios Estas taxas de auxílios fixas, porém ajustadas à maior parte das necessidades dos indivíduos, se referiam às cobertura das necessidades de alimentação, vestuário, combustíveis, luz e utensílios domésticos. O valor dos auxílios ficou no patamar de 40 s. semanais para casais; 24 s. para solteiros; 20 s. para jovens e 15 s. para crianças. Todas essas taxas eram provisórias e pensadas com base no aumento do custo de vida no pós-guerra. 1.1.7.1.3 O problema da idade Questão de grande delicadeza, pois, na Inglaterra, pelo menos no período anterior à guerra, o número de pessoas fora da idade ativa já superava os homens e mulheres em idade de trabalhar. A tendência para os anos seguintes era de crescimento desta discrepância, mesmo que retardada pelo período especial de guerra ou pelo possível aumento no número de nascimentos. Este diagnóstico trazia grandes preocupações, pois os encargos das pensões de aposentadoria eram os que mais oneravam os serviços de seguro social. Visando equilibrar as contas, o teto seria o mesmo valor dos auxílios desemprego de 40 s. para o casal e 24 s. para os solteiros. No início do período de aposentadoria esses valores seriam menores, aumentando em 2 s. ao ano para os casais e 1 s. ao ano para os solteiros se fosse adiado o período de recebimento. O valor das pensões para quem se aposentasse imediatamente após completar a idade devida seria de 25 s. para os casados e 14 s. para os solteiros. As pessoas que atingissem a idade de aposentadoria sem terem contribuído durante um período mínimo de 10 anos teriam o auxílio reduzido para 14 s. se optassem por receber as pensões imediatamente. As pensões conjuntas de 40 s. só seriam pagas se a mulher não estivesse trabalhando. Devido ao sistema de horizontalidade das taxas 28 de auxílio, as contas provenientes do auxílio desemprego serviriam também para os valores dos subsídios para doença e acidentes, calculados com relação ao nível das necessidades como explicitado anteriormente. Tabela 5 Valor pago às pessoas que já estariam na idade de receber os benefícios. Pessoas que já se enquadrariam no Plano de Pensões Ano de Pagamento Solteiro Casal 1º ano (1944 - 1945) 14s. 25s. 2º ano 14s. 25s. 3º ano 15s. 26s. 6d. 4º ano 15s. 26s. 6d. 5º ano 16s. 28s. 11º ano (1954 - 1955) 19s. 32s. 6d. 16º ano (1959 - 1960) 21s. 35s. 6d. 21º ano (1964 - 1965) 24s. 40s. Fonte: Beveridge, 1942, p. 274. De acordo com as proposições do Relatório para as pensões e do período de transição, a tabela acima representa o valor a receber para as pessoas que já estivessem em idade de se aposentar anteriormente à plena vigência do novo plano de seguridade. A tabela abaixo mostra como ficariam os planos de pensões quando o período de transição e o de contribuições mínimas já estivesse superado. Tabela 6 Valor pago as pessoas que estariam completamente submetidas aos novos planos de proteção Pessoas fora do período de transição das pensões Ano de Pagamento Solteiro Casal Ano de Aposentadoria Ano de Aposentadoria 11º 12º 13º 16º 21º 11º 12º 13º 16º 21º 11º ano (1954 - 1955) 14s. 25s. 12º ano 14s. 15s. 25s. 26s. 6d. 13º ano 14s. 15s. 16s. 25s. 26s. 6d. 28s. 16º ano ( 1959 - 1960) 14s. 15s. 16s. 19s. 25s. 26s. 6d. 28s. 32s. 6d. 21º ano (1964 - 1965) 14s. 15s. 16s. 19s. 24s. 25s. 26s. 6d. 28s. 32s. 6d. 40s. Fonte: Beveridge, 1942, p. 274. 29 Por sua vez, a relação das aposentadorias através do mecanismo de adiamento e bonificação, do período de idade mínima para o teto do valor das pensões está descrita na tabela a seguir. Tabela 7 Regime proposto no Plano para as aposentadorias dividido por idade e com o valor adicional por ano de adiamento Pensão de 24 s. Pensão de 14 s. (período de transição) Idade da Aposentadoria Valor da Aposentadoria Ganho por ano de adiamento Valor da Aposentadoria Ganho por ano de Adiamento Para os Homens: 65 anos 24 s. # 14 s. # 66 anos 26 s. 11 d. 2 s. 11 d. 15 s. 9 d. 1 s. 9 d. 67 anos 30 s. 5 d. 3 s. 6 d. 17 s. 10 d. 2 s. 1 d. 68 anos 34 s. 6d. 4 s. 1 d. 20 s. 3 d. 2 s. 5 d. 69 anos 39 s. 4d. 4 s. 10 d. 23 s. 2 d. 2 s. 11 d. 70 anos 45 s. 2d. 5 s. 10 d. 26 s. 8 d. 3 s. 6 d. Para as Mulheres: 60 anos 24 s. # 14 s. # 61 anos 26 s. 2 d. 2 s. 2 d. 15 s. 4 d. 1 s. 4 d. 62 anos 28 s. 8 d. 2 s. 6 d. 16 s. 11 d. 1 s. 7 d. 63 anos 31 s. 6 d. 2 s. 10 d. 18 s. 8 d. 1 s. 9 d. 64 anos 34 s. 8 d. 3 s. 2 d. 20 s. 7 d. 1 s. 11 d. 65 anos 38 s. 3 d. 3 s. 7 d. 22 s. 9 d. 2 s. 2 d. Fonte: Beveridge, 1942, p. 284. 1.1.7.1.4 Problemas dos Recursos alternativos Algumas das necessidades, para as quais se requeria a manutenção dos rendimentos, num plano de seguro social, poderiam derivar de causas que davam à pessoa necessitada direito a uma reclamação legal contra outra pessoa. Esses casos podem ser de três tipos: acidentes de trabalho; acidentes causados por negligência de terceiros; separação com prejuízo para uma das partes. A esse respeito ficava claro que mesmo com a existência de pendências jurídicas, as coberturas do sistema de seguridade deveriam ser iniciadas imediatamente. No entanto, se existisse algum recurso alternativo proveniente dos motivos 30 supracitados, os auxílios do seguro governamental deveriam ser suspensos, devolvidos ou ajustados conforme quantia recebida de indenizações. 1.1.8 - Regras do Seguro Social 1.1.8.1 - Auxílios e outros pagamentos de seguros O Relatório definia as categorias auxílio, pensão, bonificação e subsídio como segue: os auxílios designariam pagamentos semanais e de duração igual às necessidades que atendessem, as pensões se refeririam a perdas definitivas da capacidade produtiva ou em virtude da idade, as bonificações seriam um pagamento destinado a um fim específico, como funeral, maternidade; os subsídios seriam auxílios pagos a pessoas que dependessem de terceiros, como crianças e jovens. Estas categorias não deveriam ser acumuladas e as modalidades de cobertura seriam: subsídio de dependência; auxílio desemprego; bonificação de remoção e alojamento; auxílio de incapacidade; pensão industrial; incapacidade parcial; bonificação industrial; pensão contributiva de aposentadoria; bonificação de casamento; bonificação e auxílio maternidade; auxílio doença; auxílio viuvez; auxílio de aprendizado; bonificação funeral; e auxílio para os cegos. 1.1.8.2 - Assistência Nacional A Assistência Nacional serviria para atender todas as necessidades que não fossem cobertas pelo Plano de Seguro Social. Seria inteiramente coberta apenas pelo Tesouro Nacional e cobraria comprovante de necessidade especial, análise da solicitação e condições de comportamento. Este segmento do Seguro Social teria caráter provisório, para atender aos segurados com necessidades imediatas, mas transitórias. E seu caráter permanente serviria para atender aqueles indivíduos que não puderam contribuir com os Seguros Sociais. (Beveridge, 1942, § 369). Os custos calculados para a Assistência Nacional eram de £ 39 milhões em 1945 caindo para £ 25 milhões em 1965 devido à previsão de diminuição do contingente de pessoas que estaria sob o regime de transição do antigo para o novo Plano de Segurança Social. 31 1.1.8.3 - Seguro Voluntário O Seguro Voluntário tinha o objetivo de ultrapassar o nível de subsistência na cobertura dos riscos gerais e atender a demandas não tão comuns como as tratadas no seguro compulsório. Muitos riscos eram demasiadamente diversos e específicos para serem cobertos pelo seguro compulsório. Sua importância era também econômica, na medida em que poderia fornecer um excedente a ser utilizado pela Caixa de Seguros Sociais. Seus serviços seriam constituídos pelas seguintes modalidades: acréscimo ao valor pago pelo Estado no auxílio desemprego; auxílios complementares que utilizassem as sociedades mutualísticas para oferecer seguros-saúde mais abrangentes; planos de aposentadoria, garantindo adicionais às aposentadorias; seguro de vida; seguro contra perda dos salários dos trabalhadores independentes, auxílios como o de aprendizado para pessoas das classes em que este serviço não fosse oferecido pelo seguro compulsório. O valor do prêmio a ser pago seria proporcional aos riscos cobertos. Alguns outros tipos de seguro, a exemplo dos seguros contra incêndios, não seriam contemplados pelo Plano de Seguros Sociais e ficariam a cargo da iniciativa privada devido à multiplicidade de modalidades e casos que poderiam abarcar. 1.1.8.4 - Ministério da Segurança Social O Ministério da Segurança Social tinha como objetivo propor e administrar as medidas do Seguro Social e os encargos sobre a Caixa de Seguro Social. A descentralização nas subdivisões internas e a relação com os agentes locais seria o ponto principal na forma de atuação do Ministério. Suas secretarias incluem: Serviço de Emprego; Pensões de Guerra; Registro dos Segurados; Caixa de Seguro Social; Comissão do Seguro Social; Junta de Seguro Industrial; Comissão de Acordos com as Sociedades Mutualíticas; Associações Legais nas Indústrias Perigosas; Recursos de Apelação; Apelações das Contribuições; Subsídios para as Crianças; Informações aos Cidadãos; Estatística; Perda da Função; Perda de Negócio. 1.1.8.5 - Caixa de Seguros Sociais A Caixa de Seguros Sociais, subordinada ao Ministério da Segurança Social, seria responsável por recolher, administrar e distribuir os recursos a todos os segurados. Sua finalidade era apresentar aos cidadãos britânicos a economia que estariam fazendo 32 para si mesmos. Representava, no limite, que o dinheiro para os benefícios não vinha de uma caixa sem fundo e sim do esforço de toda comunidade. 1.1.9 - Segurança Social e Política Social O Plano de Segurança Social, exposto no relatório, é um plano de emancipação da miséria pela manutenção dos rendimentos. Mas a suficiência da renda não é suficiente por si mesma. Libertar o homem da miséria é, apenas, uma das liberdades essenciais a que ele tem direito. Qualquer plano de Segurança Social em sentido estrito pressupõe uma Política Social articulada em muitos campos, a maioria dos quais exorbitam dos limites deste Relatório. O Plano aqui proposto envolve três proposições particulares, tão intimamente relacionadas (...) a seus objetivos. (Beveridge, 1942, § 409). As três propostas são: Os Subsídios para a Infância, Os Serviços Racionais de Saúde e Reabilitação e a Manutenção do Emprego. Estas propostas se referiam às alterações radicalmente novas em relação ao Serviço de Segurança implantado em 1911. Proposta A: Subsídios para a Infância. Significava a criação de provisões diretas para a manutenção das crianças, mediante pagamento de subsídios aos responsáveis (Beveridge, 1942, § 410), partindo do pressuposto de que não era razoável garantir rendimentos somente quando os salários eram interrompidos, sendo que o salário em sua vigência podia ser insuficiente. Para preservar tanto o equilíbrio do Relatório como para prover incentivos ao trabalho, o Seguro Social através dos seus subsídios para a infância deveria ser parte da política de um mínimo nacional. Um das principais causas da miséria, além da própria interrupção dos salários, era ocasionado por famílias numerosas, para as quais os salários muitas vezes eram insuficientes. A proposta resumia-se a pagar subsídios às crianças na época do trabalho produtivo assim como na época do desemprego (Beveridge, 1942, § 412). O mínimo baseado no subsídio às crianças caracterizava não apenas uma esfera de proteção à infância, mas contribuiria para o incentivo ao aumento da natalidade. Como as taxas de nascimentos eram baixas antes da guerra, um estímulo tornava-se peça importante para o equilíbrio da sociedade inglesa e das contas das pensões. Os subsídios para a infância deveriam ser encarados como auxílio aos pais no custeio das suas despesas e como aceitação de novas responsabilidades pela comunidade (Beveridge, 1942, § 413). O custo destes subsídios deveria ser inteiramente coberto pela Assistência Nacional. Porém, a primeira criança de cada família não receberia subsídios do Estado, se os pais estiverem trabalhando, pois, assim, a divisão das responsabilidades entre o Estado e os pais não os isentariam de seus compromissos. 33 Proposta B: Serviços Racionais de Saúde e Reabilitação. Esta proposta resumia-se na criação de um serviço nacional de saúde e um serviço de reabilitação e reajustamento para o emprego. Nos dois aspectos exigia-se a intervenção conjunta dos Ministérios da Saúde, Educação e do Trabalho. Significava mais propriamente que um serviço de amplitude nacional, e custeado pelo Estado, asseguraria a todos os cidadãos o tratamento médico que fosse preciso. A reabilitação profissional era vista como um processo contínuo, pelo qual as pessoas incapacitadas deveriam se submeter para se tornarem novamente produtoras e assalariadas. Proposta C: Manutenção do Emprego. Um plano satisfatório de Segurança Social pressupunha a manutenção do emprego e a prevenção do desemprego em massa. Qualquer sistema de Segurança Social deveria promover o emprego, pois, uma taxa elevada de desemprego poderia desregular o valor das contribuições com relação ao valor pago pelos segurados. Uma medida que poderia ser adotada, apenas para assegurar a estabilidade do sistema, era promover a flexibilidade do valor das contribuições. Assim, em períodos de grande prosperidade no emprego, poder-se-ia aumentar as reservas da Caixa de Seguros Sociais que seriam usadas em momentos de dificuldade (Beveridge, 1942, §440). 1.2.1 - O Orçamento da Segurança Social O Relatório afirmava que seria muito difícil determinar com exatidão os números referentes ao orçamento da Segurança Social, mas que era necessário tratar dos valores apropriados para as pensões e auxílios, assim como um modelo do impacto do plano na economia. A elaboração do orçamento englobava todos os serviços oferecidos pelo Serviço de Segurança Social. Estimava-se que os primeiros 20 anos seriam transitórios e teriam como principal objetivo a adequação dos novos projetos. Depois disso, já seria possível se obter um quadro mais estável e ordenado das mudanças em curso. Primeiramente, o plano estabelecia um sistema geral de subsídios para as crianças, quando o pai responsável estivesse recebendo algum auxílio do governo. Em segundo lugar, estabelecia o plano de serviços racionais de saúde e reabilitação que proporcionassem tratamento, livre de despesas, a todos os cidadãos. As despesas feitas com esses dois propósitos incidiram, apropriadamente, no Orçamento de Segurança. O total avaliado do Orçamento de Segurança, para os fins propostos no Relatório, era estimado em £697 milhões para 1945, e destes, £367 milhões seriam 34 custeados pela Caixa de Seguro Social. O serviço de maior impacto no orçamento era o das pensões de aposentadoria, que girariam em torno de £126 milhões. Projeções também foram feitas para o ano de 1965, no intuito de estimar o impacto do plano em um período de tempo maior. Quanto aos cálculos de saúde, que representam £170 milhões, esta estimativa ainda era reconhecida como muito preliminar. O gráfico abaixo descreve a variação das despesas e o significativo aumento causado pela maior abrangência do regime de proteção social proposto no Plano Beveridge. Gráfico 2 Diferença dos gastos entre o plano de 1911 e o proposto pelo relatório no ano de 1945 Fonte dos dados: Beveridge, 1942, p. 316. A tabela a seguir mostra a separação das despesas de cada um dos novos benefícios propostos, calculados para o ano de 1945, acompanhado do prognóstico dos valores destes benefícios 20 anos após sua implantação. 35 Tabela 8 Divisão das despesas com Seguros Sociais divididas pelas propostas do Relatório. Despesas com Segurança Social 1945 1965 SEGURO SOCIAL Auxílio Desemprego 110 107 Auxílio Incapacidade 57 71 Auxílio de Incapacidade Industrial 15 15 Aposentadoria 126 300 Auxílio para as Viúvas 29 21 Maternidade 7 6 Casamento 1 3 Funeral 4 12 Custos Administrativos 18 18 Total 367 553 ASSISTÊNCIA NACIONAL Pensões 39 25 Outros Serviços 5 5 Custos Administrativos 3 2 SUBSÍDIOS PARA AS CRIANÇAS 110 100 Custos Administrativos 3 2 SAÚDE E REABILIAÇÃO 170 170 TOTAL 697 858 Valores em Milhões de Libras Fonte: Beveridge, 1942, p. 308. 1.2.1.1 - Suspensão das Contribuições Todas as pessoas das classes I, II, III e IV deveriam contribuir, exceto as donas de casa que exercessem profissões lucrativas. Elas poderiam pedir isenção, pois o marido já contribuiria para os seus benefícios. As pessoas das classes II e IV, cuja renda total era menor que £ 75 anuais, poderiam pedir isenção, perdendo também o direito aos auxílios. A suspensão das contribuições poderia ocorrer durante o desemprego e após a 13º semana de pagamento de auxílio incapacidade. No caso específico das mulheres, durante o pagamento do auxílio maternidade e do auxílio viuvez. As pensões seriam isentas de contribuição. 36 1.2.1.2 - Plano Tripartido de Contribuição A receita do Plano de Segurança Social teria como base a continuação do Plano Tripartido de Contribuições estabelecido em 1911. Este consistia na venda dos selos de seguro para os trabalhadores da Classe I e seus empregadores e da contribuição dos segurados das Classes II e IV, além das contribuições do Tesouro Nacional financiado pelas taxações gerais. As receitas totais das contribuições dos usuários estavam calculadas na esfera de £325 milhões em 1945, £ 326 milhões em 1955 e £ 319 milhões em 1965. Resumo das Contribuições: Contribuições Simples – Contribuições semanais que seriam especificadas conforme a classe. Imposto Industrial – Contribuição voltada para os acidentes e doenças industriais. Contribuição Estatal – Alem da cobertura total da assistência nacional, o Estado também deveria contribuir com a Caixa de Seguro Social. A contribuição estatal era calculada para o ano de 1945 a 61% do valor total do Plano de Seguros Sociais. De acordo com o plano orçamentário do relatório, a tabela abaixo mostra a divisão dos encargos e custos do plano de segurança proposto dividido pelo modelo tripartido de contribuição. Como este modelo de contribuição já estava vigente foi possível estabelecer não só um prognóstico, mas uma comparação com anos anteriores. Tabela 9 Despesas com seguros sociais para cada categoria através dos anos. Despesas do Seguro Social 1938 1945 plano vigente 1945 Relatório 1965 Tesouro Nacional 212 265 351 519 Segurados 55 69 194 192 Empregados 66 83 137 132 Outras Fontes 9 15 15 15 Total 342 432 697 858 *Valores em Milhões de Libras Fonte: Beveridge, 1942, p. 176. 37 1.2.1.3 - Auxílios Auxílios para maternidade e casamento Os auxílios maternidade seriam de £ 4 semanais para todas as mulheres casadas, e de 36 s. para as que ex