UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS FELIPE PEREIRA DE SISTO Programa de Pós-Graduação em Geociências e Meio Ambiente COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS SHALSTAB E SINMAP NO ESTUDO DE ÁREAS SUSCEPTÍVEIS A ESCORREGAMENTOS EM SÃO SEBASTIÃO - SP Orientador: Prof. Dr. Fábio Augusto Gomes Vieira Reis Rio Claro - SP 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro FELIPE PEREIRA DE SISTO COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS SHALSTAB E SINMAP NO ESTUDO DE ÁREAS SUSCEPTÍVEIS A ESCORREGAMENTOS EM SÃO SEBASTIÃO – SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Geociências e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Fábio Augusto Gomes Vieira Reis Rio Claro - SP 2018 Sisto, Felipe Pereira de Comparação dos modelos SHALSTAB e SINMAP no estudo de áreas susceptíveis a escorregamentos em São Sebastião - SP / Felipe Pereira de Sisto. - Rio Claro, 2018 115 f. : il., figs., gráfs., tabs., quadros, fots., mapas + 4 mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Fábio Augusto Gomes Vieira Reis 1. Geologia estrutural. 2. Serra do Mar. 3. Escorregamentos. 4. SHALSTAB. 5. SINMAP. I. Título. 551.8 S623c Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP - Ana Paula Santulo C. de Medeiros / CRB 8/7336 FELIPE PEREIRA DE SISTO COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS SHALSTAB E SINMAP NO ESTUDO DE ÁREAS SUSCEPTÍVEIS A ESCORREGAMENTOS EM SÃO SEBASTIÃO – SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Geociências e Meio Ambiente. Comissão Examinadora: Prof. Dr. Fábio Augusto Gomes Vieira Reis - Orientador Departamento de Geologia Aplicada / Instituto de Geociências e Ciências Exatas – UNESP, Campus de Rio Claro Prof. Dr. José Eduardo Zaine Departamento de Geologia Aplicada / Instituto de Geociências e Ciências Exatas – UNESP, Campus de Rio Claro Prof. Dr. Edilson Pissato Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental / Instituto de Geociências USP Resultado: Aprovado Rio Claro, SP, 17 de março de 2018 Agradecimentos Agradeço aos meus pais, Ana Claudia e José Antônio, que desde o início de minha graduação me apoiaram em todos os momentos, além, é claro, de todo o resto da minha família. Ao meu orientador, Prof. Fábio Reis, que durante minha iniciação científica, TCC, e agora, no mestrado, sempre me orientou e ajudou, seja durante os erros e acertos. Ao Prof. José Eduardo Zaine, que mesmo não sendo meu orientador oficialmente, sempre me auxiliou, durante a graduação e no mestrado. Agradeço também ao Alan de Oliveira, que me ensinou tudo o que sei sobre ensaios geotécnicos, e que foram imprescindíveis para minha formação. Aos meus amigos que conheci em Rio Claro, Cleberson, Matheus, Igor, Rodrigo, Bruno, e aos demais colegas que tive a oportunidade de conhecer em momentos de descontração, e no grupo de estudo dos orientados pelo Prof. Fábio Reis. Agradeço também aos amigos de Mococa, dos quais a amizade já vem de longa data. “We all make choices, but in the end our choices make us” Andrew Ryan RESUMO Os estudos ambientais com intuito de avaliar a susceptibilidade de áreas quanto à ocorrência de processos geológicos, como os escorregamentos, vêm tendo cada vez mais espaço e importância, conforme novas metodologias e tecnologias, capazes de prevê-los, vão surgindo. O litoral norte do Estado de São Paulo, onde se localiza o município de São Sebastião, é uma das regiões mais afetadas por escorregamentos no país, devido a fatores naturais como altas declividades e índices pluviométricos elevados, aliado a uma ocupação desordenada de suas encostas, fruto da falta de planejamento urbano. No presente trabalho foram realizadas simulações através dos modelos de estabilidade de taludes, SHALSTAB (Shallow Landsliding Stability Model) e SINMAP (Stability Index Mapping), em diversos cenários distintos, para avaliar e comparar os resultados obtidos de acordo com a metodologia da razão entre o Índice de Acerto (IA) e Índice de Acerto e (IE). Para tal, foi elaborado um mapa geológico, pelo compilado de dados de outros autores, e mapas auxiliares, como o MDT, hipsométrico, de declividade e um inventário das cicatrizes de escorregamentos, necessários nas etapas de compartimentação fisiográfica e de modelagem. Na etapa de compartimentação fisiográfica, foram definidas feições de terreno mais importantes no estudo dos escorregamentos e baseando- se nelas, a área de estudo foi dividida em unidades fisiográficas. Depois de uma avaliação de susceptibilidade nas unidades fisiográficas, algumas se apresentaram mais propícias ao desenvolvimento dos escorregamentos. Dentre essas, as unidades III e IV, se destacaram, principalmente por apresentar número muito superior de cicatrizes de escorregamento, e nelas foram escolhidas algumas bacias hidrográficas como áreas alvo para a aplicação dos modelos SHALSTAB e SINMAP. Os trabalhos de campo, com foco nestas áreas, contaram com 58 pontos de visitação, onde foi possível obter dados quanto a espessura dos perfis de alteração e realização de coleta de material para ensaios geotécnicos em laboratório. Os ensaios geotécnicos de índices físicos possibilitaram a obtenção de parâmetros de entrada necessários para aplicação dos modelos SHALSTAB e SINMAP. Os modelos, no geral, conseguiram prever de maneira satisfatória as áreas instáveis da área de estudo, mostrando a correlação entre essas e as cicatrizes de escorregamentos mapeadas. Na comparação entre os modelos pela razão IA/IE, observou-se que os valores de IA e IE foram maiores no SINMAP, devido ao próprio funcionamento do modelo. Os valores da razão, no entanto, foram semelhantes, com uma pequena vantagem para o SHALSTAB, indicando que na metodologia aplicada, o modelo conseguiu simular as áreas instáveis de modo mais satisfatório que o SINMAP. Palavras-chave: Serra do Mar, Escorregamentos, SHALSTAB, SINMAP. ABSTRACT Environmental studies with the purpose of evaluating the susceptibility of areas related to the occurrence of geological processes, such as landslides, are becoming more and more important, as new methodologies and technologies capable of predicting such processes are emerging. The northern coast of the State of São Paulo, where the municipality of São Sebastião is located, is one of the most affected regions by landslides in the country, due to natural factors such as high slopes and high rainfall levels, together with a disorderly occupation of its slopes, due to the lack of urban planning. In the present work, simulations were performed through the slope stability models, SHALSTAB and SINMAP, in several different scenarios, in order to evaluate and compare the results obtained according to the methodology of the ratio between the Success Index (SI) and Error Index (EI). For this, a geological map was made through the compilation of data from other authors, and auxiliary maps, such as the MDT, hypsometric, slope and an inventory of the landslides scars, required in the physiographic compartmentalization and modeling stages. In the physiographic compartmentalization stage, more important terrain features in the study of landslides were defined and based on them, the study area was divided into physiographic units. After an evaluation of susceptibility of the physiographic units, some were more propitious to the development of landslides. Among these, units III and IV, stood out, mainly because they presented a much higher number of sliding scars, and in them, some watersheds were chosen as target areas for the application of the SHALSTAB and SINMAP models. Fieldwork focused on these areas was made, with a total of 58 points of visitation, where it was possible to obtain data on the thickness of the alteration profiles, and the collection of material for geotechnical tests in the laboratory. The geotechnical tests of physical indexes allowed to obtain the necessary input parameters for the SHALSTAB and SINMAP models. The models, in general, were able to predict satisfactorily the unstable regions of the study area, showing the correlation between these and the landslides scars. In the comparison between the models using the SI/EI ratio, it was observed that the SI and EI values were higher in the SINMAP, due to the model's own functioning. The values of the ratio, however, were similar, with a small advantage for SHALSTAB, indicating that in the applied methodology, the model was able to simulate unstable areas more satisfactorily than SINMAP. Keywords: Serra do Mar, Landslides, SHALSTAB, SINMAP. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização da área de estudo. ................................................................................ 17 Figura 2 – Esquema do Sistema Transcorrente Paraíba do Sul ................................................ 19 Figura 3 – Tipos de formas do plano de ruptura nos escorregamentos .................................... 25 Figura 4 – Esquema mostrando um escorregamento rotacional ............................................... 25 Figura 5 – Esquema mostrando um escorregamento translacional .......................................... 26 Figura 6 – Esquema mostrando um escorregamento em cunha ............................................... 27 Figura 7 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica na análise textural ...................... 35 Figura 8 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica das formas e características do relevo ........................................................................................................................................ 35 Figura 9 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica das estruturas geológicas ........... 36 Figura 10 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica complementar .......................... 36 Figura 11 – Esquema ilustrando o modelo de encosta infinita ................................................. 40 Figura 12 – Figura ilustrando o modelo hidrológico de estado uniforme ................................ 42 Figura 13 – Fluxograma das etapas de trabalho ....................................................................... 47 Figura 14 – Balão Volumétrico conectado à bomba para retirada de ar .................................. 52 Figura 15 – Em A, os blocos de rocha alterada. Em B, os blocos impermeabilizados com a camada de parafina. Em C, o bloco imerso sendo pesado e em D, um detalhe do processo ... 53 Figura 16 – Parâmetros de entrada para o modelo SHALSTAB .............................................. 57 Figura 17 – Esquema de cores utilizado pelo modelo SHALSTAB na representação das 7 classes de estabilidade .............................................................................................................. 57 Figura 18 – Parâmetros de entrada para o modelo SINMAP ................................................... 59 Figura 19 – Parâmetros geotécnicos de calibração utilizadas pelo modelo SINMAP ............. 59 Figura 20 – Ilustração das áreas utilizadas no cálculo de IA e IE ............................................ 61 Figura 21 – Histograma do Mapa Hipsométrico, relacionando as classes de elevação com as cicatrizes de escorregamentos .................................................................................................. 62 Figura 22 – Histograma do Mapa de Declividade, relacionando as classes de declividade com as cicatrizes de escorregamentos .............................................................................................. 63 Figura 23 – Fotografia de uma típica área de praia da Unidade Ic, estando limitada por costões rochosos, como visto ao fundo da imagem .............................................................................. 65 Figura 24 – Fotografia mostrando as Unidades Ia, Ib, Ic e III ................................................. 66 Figura 25 – Processo de erosão linear observado na Unidade III ............................................ 67 Figura 26 – Escorregamento planar em solo recente encontrado na Unidade III (ponto de campo 25) ................................................................................................................................. 67 Figura 27 – Bandamento de gnaisse podendo ser observado em perfil de solo. Nesta localidade (ponto 25) foram retiradas amostras nas camadas esbranquiçadas (quartzo feldspática) e na camada avermelhada, mais argilosa, vinda da alteração de minerais como a biotita e anfibólio ...................................................................................................................... 69 Figura 28 – Figura 28 – Fotografia mostrando a distribuição espacial das unidades Ia, Ib, Ic, III e IV ...................................................................................................................................... 70 Figura 29 – Escorregamento recente encontrado em campo, na unidade VI ........................... 71 Figura 30 – Histograma relacionando as unidades fisiográficas com a ocorrência de cicatrizes .................................................................................................................................................. 73 Figura 31 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 1A ............................................ 75 Figura 32 – Histograma do Cenário 1A mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 75 Figura 33 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 2A ............................................ 77 Figura 34 – Histograma do Cenário 2A mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 77 Figura 35 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 3A ............................................ 78 Figura 36 – Histograma do Cenário 3A mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 78 Figura 37 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 1B ............................................ 80 Figura 38 – Histograma do Cenário 1B mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 80 Figura 39 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 2B ............................................ 81 Figura 40 – Histograma do Cenário 2B mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 81 Figura 41 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 3B ............................................ 82 Figura 42 – Histograma do Cenário 3B mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 83 Figura 43 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 1C ............................................ 84 Figura 44 – Histograma do Cenário 1C mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 84 Figura 45 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 2C ............................................ 85 Figura 46 – Histograma do Cenário 2C mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 85 Figura 47 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 3C ........................................... 86 Figura 48 – Histograma do Cenário 3C mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 86 Figura 49 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 1D ............................................ 87 Figura 50 – Histograma do Cenário 1D mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 88 Figura 51 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 2D ............................................ 89 Figura 52 – Histograma do Cenário 2D mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 89 Figura 53 – Simulação pelo modelo SHALSTAB do cenário 3D ............................................ 90 Figura 54 – Histograma do Cenário 3D mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 90 Figura 55 – Simulação pelo modelo SINMAP do cenário 4A ................................................. 92 Figura 56 – Histograma do Cenário 4A mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 92 Figura 57 – Simulação pelo modelo SINMAP do cenário 4B ................................................. 93 Figura 58 – Histograma do Cenário 4B mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 93 Figura 59 – Simulação pelo modelo SINMAP do cenário 4C ................................................. 94 Figura 60 – Histograma do Cenário 4C mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 94 Figura 61 – Simulação pelo modelo SINMAP do cenário 4D ................................................. 95 Figura 62 – Histograma do Cenário 4D mostrando a relação entre a frequência das classes de estabilidade na área e a concentração de cicatrizes de escorregamentos presentes por classe . 95 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Comparação entre diferentes classificações de movimentos de massa ................. 24 Quadro 2 – Tipos de causas para a ocorrência dos movimentos de massa .............................. 28 Quadro 3 – Agentes presentes nos movimentos de massa ....................................................... 29 Quadro 4 – Características dos métodos de zoneamento de risco a movimentos de massa ..... 38 Quadro 5 – Classes de estabilidade de encostas ....................................................................... 44 Quadro 6 – Classes de estabilidade do modelo SINMAP ........................................................ 45 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Dados geotécnicos da bacia do rio Guaxinduba ..................................................... 55 Tabela 2 – Tabela 2 – Os 12 cenários utilizados nas simulações com o modelo SHALSTAB. Os valores de densidade do solo foram calculados através de ensaios geotécnicos e a espessura média dos perfis de alteração foi obtida por observação em campo. A coesão e o ângulo de atrito foram obtidos através da bibliografia ............................................................. 56 Tabela 3 – Parâmetros de calibração utilizados no modelo SINMAP .................................... 58 Tabela 4 – Índices físicos obtidos a partir das amostras da Unidade III .................................. 68 Tabela 5 – Tabela relacionando as frequências das classes instáveis com a presença de cicatrizes por classe .................................................................................................................. 96 Tabela 6 – Tabela dos Índices de Acerto e Erro, e da razão IA/IE dos cenários do SHALSTAB ............................................................................................................................. 97 Tabela 7 – Tabela dos Índices de Acerto e Erro, e da razão IA/IE dos cenários do SINMAP 97 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas Datum - Dado (latim) IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IG - Instituto Geológico IA - Índice de Acerto IE - Índice de Erro IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas MDT - Modelo Digital de Terreno NBR - Norma Brasileira Registrada SHALSTAB - Shallow Landsliding Stability Model SIG - Sistema de Informação Geográfica SINMAP - Stability Index Mapping TIFF - Tagged Image File Format TIN - Triangular Irregular Network UTM - Universal Transversa de Mercator SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12 2. OBJETIVOS ......................................................................................................................... 15 3. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................................... 16 3.1. Localização da área ................................................................................................ 16 3.2. Contexto Geológico Regional ................................................................................ 16 3.3. Contexto Geológico Local ..................................................................................... 20 3.4. Divisão Geomorfológica da Área ......................................................................... 21 4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 23 4.1. Movimentos de Massa ........................................................................................... 23 4.1.1. Escorregamentos ..................................................................................... 24 4.1.1.1. Escorregamentos Rotacionais .................................................. 25 4.1.1.2. Escorregamentos Translacionais .............................................. 25 4.1.1.3. Escorregamentos em Cunha ..................................................... 27 4.1.2. Fatores Condicionantes dos Movimentos de Massa ............................... 27 4.1.2.1. Condicionantes Geológicos ...................................................... 29 4.1.2.2. Condicionantes Geomorfológicos ............................................ 30 4.1.2.3. Condicionantes Pedológicos .................................................... 31 4.1.2.4. Cobertura Vegetal .................................................................... 32 4.1.2.5. Condicionantes Climáticos ....................................................... 32 4.1.2.6. Ação Antrópica ........................................................................ 33 4.2. O uso da Fotointerpretação na Compartimentação Fisiográfica ............................ 34 4.3. Métodos de Mapeamento da Susceptibilidade a Movimentos de Massa .............. 37 4.3.1. Análise Determinística ............................................................................ 38 4.3.2. Análise Probabilística ............................................................................. 39 4.4. O modelo SHALSTAB .......................................................................................... 39 4.4.1. Modelo de Estabilidade de Encosta Infinita ........................................... 40 4.4.2. Modelo Hidrológico de Estado Uniforme ............................................... 41 4.4.3. Relação entre os modelos de Estabilidade de Encosta Infinita e o Hidrológico de Estado Uniforme .................................................................................. 43 4.5. O modelo SINMAP ............................................................................................... 44 5. METODOLOGIA ................................................................................................................. 47 5.1. Pesquisa bibliográfica ............................................................................................ 47 5.2. Elaboração da base cartográfica ............................................................................ 48 5.3. Etapas da Compartimentação Fisiográfica ........................................................... 48 5.3.1. Elaboração dos Mapas Básicos ............................................................... 48 5.3.2. Compartimentação Fisiográfica ............................................................. 49 5.3.3. Trabalhos de campo ................................................................................ 50 5.3.3. Definição de Áreas Alvo ......................................................................... 51 5.4. Obtenção de Parâmetros Geotécnicos.................................................................... 51 5.4.1. Índices Físicos ......................................................................................... 51 5.4.2. Balança Hidrostática ............................................................................... 52 5.5. Aplicação dos Modelos SHALSTAB e SINMAP ................................................. 53 5.5.1. Aplicação do modelo SHALSTAB ......................................................... 54 5.5.1.1. Parâmetros Topográficos ......................................................... 54 5.5.1.2. Parâmetros Geotécnicos ........................................................... 54 5.5.1.3. Simulação dos Cenários de Susceptibilidade no SHALSTAB 56 5.5.2. Aplicação do modelo SINMAP .............................................................. 57 5.5.2.1. Parâmetros Geotécnicos ........................................................... 57 5.5.2.2. Simulação dos Cenários de Susceptibilidade no SINMAP ...... 58 5.6. Comparação entre os Modelos SHALSTAB e SINMAP pela razão IA/IE ........... 60 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................... 62 6.1. Mapas auxiliares para a realização da compartimentação fisiográfica e modelagem .................................................................................................................................................. 62 6.2. Descrição das Unidades Fisiográficas ................................................................... 63 6.3. Definição da Área de Estudo ................................................................................. 73 6.4. Apresentação dos cenários do SHALSTAB .......................................................... 74 6.4.1. Cenários 1A, 2A e 3A ............................................................................. 74 6.4.2. Cenários 1B, 2B e 3B ............................................................................. 79 6.4.3. Cenários 1C, 2C e 3C ............................................................................. 83 6.4.4. Cenários 1D, 2D e 3D ............................................................................. 87 6.5. Apresentação dos cenários do SINMAP ................................................................ 91 6.5.1. Cenário 4A .............................................................................................. 91 6.5.2. Cenário 4B .............................................................................................. 93 6.5.3. Cenário 4C .............................................................................................. 94 6.5.4. Cenário 4D .............................................................................................. 95 6.6. Comparação entre cenários do SHALSTAB e do SINMAP pela razão IA/IE ...... 97 7. CONCLUSÕES .................................................................................................................. 100 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 102 APÊNDICE 1 – Mapa Geológico ........................................................................................... 110 APÊNDICE 2 – Mapa Hipsométrico...................................................................................... 111 APÊNDICE 3 – Mapa de Declividade ................................................................................... 112 APÊNDICE 4 – Carta de Compartimentação Geológico-Geotécnica .................................... 113 12 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento urbano que ocorreu, e ainda ocorre, no Brasil, foi fruto de políticas de desenvolvimento realizadas praticamente a qualquer custo, gerando assim, o crescimento rápido e desordenado de suas cidades. Resultado disso, foi uma configuração heterogênea das mesmas, onde a pobreza e exclusão social ocasionam mudanças em sua estrutura interna. Essa configuração gera no país problemas intensos para a gestão urbana, nos quais se manifestam na forma de assentamentos subnormais, onde o acesso à infraestrutura e a programas sanitários é difícil. Como resultado disso, são observados problemas como de poluição do ar e água, lançamento de água e esgoto a céu aberto e ocupação de encostas e áreas de risco (NETTO et al., 2009; OLIVEIRA, 2009; MARTINS, 2012). A ocupação em encostas é um problema particularmente grave nas regiões serranas do Brasil, que são comumente afetadas por processos geológicos, como os escorregamentos, por exemplo, principalmente nas estações chuvosas do ano. Apesar de serem processos naturais, de grande importância para a evolução dos terrenos, esses movimentos de massa podem ser acelerados ou deflagrados pela ação antrópica, seja através da retirada da vegetação nativa, que facilita a instalação de processos superficiais, ou pela construção civil. Desse modo, a expansão urbana para as encostas, em áreas pouco estáveis, além de colocar a população como alvo direto, pode favorecer a deflagração desses processos. Por outro lado, essas regiões acabam sendo a única opção para a população menos favorecida, que acaba indo para as periferias dos centros urbanos, que no caso de regiões litorâneas no sudeste brasileiro, geralmente são associadas às regiões de serras e morros. A Serra do Mar, no estado de São Paulo, apresenta condições naturais para desenvolvimento de processos de movimentos de massa, sendo uma das áreas mais afetadas por esses processos no sudeste do país (TOMINAGA et al., 2009). Em março de 1967, os municípios de Caraguatatuba e São Sebastião foram afetados por um evento pluviométrico excepcional que ocasionou a ocorrência de escorregamentos generalizados nas encostas das Serra do Mar e desencadeou corridas de massa nos principais vales, sendo considerado um dos eventos mais significativos de movimentos da massa ocorridos no Brasil, tendo ocasionado centenas de mortes (AUGUSTO FILHO, 1994; TOMINAGA et al, 2009). Mais recentemente, em janeiro e fevereiro de 2015, algumas praias do município de São Sebastião, como Maresias, Cambury e Barra do Una foram afetadas por escorregamentos e enchentes durante intensas chuvas. No dia 15 de fevereiro de 2018, chuvas fortes, chegando aos 265 mm em 24 horas, também causaram mais escorregamentos no município. Como agravante dos problemas 13 originados por movimentos de massa, São Sebastião possui um terminal de descarga e armazenamento de petróleo, de onde partem os oleodutos OSPLAN I, OSBAT e OSVAT, de grande importância econômica para o país, e que durante seu trajeto acabam por atravessar áreas de risco. No âmbito destes graves problemas ambientais, e que afetam diretamente a população, neste trabalho foram utilizadas metodologias para definir e prever áreas susceptíveis a escorregamentos. Para tal, inicialmente, foi utilizada a compartimentação fisiográfica em escala 1:50000, baseada na metodologia de Zaine (2011), onde, obtendo-se um panorama geral da área de estudo, onde, pode-se então determinar áreas alvo para a aplicação dos modelos de avaliação de susceptibilidade, SHALSTAB e SINMAP. A utilização de tais modelos, atreladas às ferramentas SIG (Sistemas de Informação Geográfica) vem sendo cada vez mais implementada no âmbito dos estudos ambientais, conforme mais tecnologias vêm sendo desenvolvidas. Apesar disso, ainda são necessários mais modelos geotécnicos e hidrológicos, com embasamento físico e que possam prever os efeitos do terreno na incidência dos escorregamentos, como ressaltam Bathurst et al. (2005) e Michel et al. (2012). Através da semelhança entre elementos do meio físico, a compartimentação fisiográfica, permite que áreas com mesmas feições e comportamentos geotécnicos, sejam agrupadas em mesmas unidades, permitindo, por exemplo, que zonas com maior número de feições condicionantes aos processos de escorregamentos sejam destacadas de outras, de menor número. Desse modo, tem-se uma importante ferramenta para a delimitação de áreas alvo, podendo ser aplicável em simulações de áreas instáveis. Em regiões tropicais como São Sebastião, que possuem uma intensa vegetação e altas amplitudes, devido à Serra do Mar, os trabalhos de campo com intuito de estudar áreas susceptíveis a escorregamentos são difíceis de serem realizados. É neste panorama, em que a aplicação de modelos geotécnicos e hidrológicos, como o SHALSTAB e o SINMAP, fornecem um importante auxílio nos estudos de estabilidade de taludes em áreas de difícil acesso e historicamente afetadas por tais processos, servindo como alternativa para o mapeamento e posteriormente o gerenciamento dessas áreas. Como afirma Sorbino et al. (2010), esses modelos, apesar de servirem como meios para se mapear áreas susceptíveis a movimentos de massa, não são perfeitos, e possuem limitações atreladas principalmente às simplificações em relação a propriedades físicas, das quais são baseados, seja na utilização de dados meteorológicos ou geomorfológicos. Deste modo, neste trabalho, é apresentada uma comparação entre dois desses modelos, o SHALSTAB e o 14 SINMAP, feita pela razão Índice de Acerto/Índice de Erro (IA/IE), proposta por Sorbino et al. (2010) e utilizada por Michel et al. (2012), sendo possível averiguar, de modo quantitativo, a precisão dos modelos em simular a realidade em vários cenários distintos, além de destacar suas limitações e qualidades. 15 2. OBJETIVOS O objetivo principal da pesquisa é comparar, através da razão IA/IE, a aplicação do modelo determinístico SHALSTAB e probabilístico SINMAP, quanto a sua eficácia na avaliação da suscetibilidade a escorregamentos em bacias hidrográficas no município de São Sebastião, litoral norte do estado de São Paulo. Para isso, baseando-se em feições de terreno que agem como condicionantes aos processos de escorregamentos, a pesquisa propõe aplicar a metodologia da compartimentação fisiográfica para determinar unidades mais susceptíveis ao desenvolvimento de tais processos, e assim, definir áreas alvo para a aplicação do SHALSTAB e SINMAP. 16 3. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO 3.1. Localização da área O município de São Sebastião, situado na porção norte da Serra do Mar Paulista, apresenta um contexto urbano com expansão pouco ordenada e condicionada pela configuração do relevo em planícies costeiras restritas com morros e escarpas com alta declividade próximos a elas, fazendo com que o munícipio se desenvolva linearmente ao longo da linha de costa e expandindo para as zonas de relevo acidentado. Aliado as condições de pluviosidade intensa, essa região é constantemente afetada por processos de movimentos de massa. A geologia da região de São Sebastião é composta principalmente por gnaisses e migmatitos, com quartzitos e anfibolitos associados. Esses litotipos, que comumente formam profundos perfis de solo, se encontram intensamente fraturados na área, o que acaba funcionando como condicionante para os movimentos de massa, seja por facilitarem a infiltração de água ou por simplesmente diminuírem a estabilidade dos taludes. (AUGUSTO FILHO; VIRGILI, 1998; MOURA et al. 2012). A área de estudo abrange as Folhas Topográficas Maresias (SF-23-Y-D-V-4), Caraguatatuba (SF-23-Y-D-VI-1), São Sebastião (SF-23-Y-D-VI-3), Pico do Papagaio (SF-23- Y-D-V-2) e Salesópolis (SF-23-Y-D-V-1), todas na escala 1:50000, obtidas no Banco de Dados do site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mais precisamente, a área compreende diversas bacias hidrográficas do Município de São Sebastião, no litoral norte do Estado de São Paulo, indo da área urbana de São Sebastião a oeste, até a bacia do Rio Juqueí a leste (Figura 1). Localiza-se a leste de São Paulo, aproximadamente a 198 km do município, tendo como principais vias de acesso a BR-101 e a Rodovia dos Tamoios. 3.2. Contexto Geológico Regional O município de São Sebastião se localiza no contexto geológico regional do Domínio Costeiro, inserido na Faixa Ribeira, uma das subdivisões do chamado Sistema Orogênico Mantiqueira, ou apenas Província Mantiqueira. Segundo Heilbron et al. (2004), a Província Mantiqueira se estende por uma faixa localizada nas partes costeiras do Sudeste e Sul do Brasil, do Estado da Bahia ao Rio Grande do Sul. Possui mais de 3000 km de comprimento e uma largura que varia de aproximadamente 600 km em sua porção norte e 200 km ao sul (HASUI, 2012). A província é limitada a oeste pelo Cráton São Francisco, e sua porção sul com a Faixa Brasília e com a Bacia do Paraná, que chega a recobrir parte da província nos estados da região sul do país. 17 Figura 1 – Localização da área de estudo. De modo geral, os litotipos da província podem ser descritos como: embasamento arqueano ou paleoproterozoico; sequências metassedimentares paleoproterozoicas e mesoproterozoicas; sequências metassedimentares e metavulcanosedimentares neoproterozoicas; granitóides neoproterozoicos e coberturas neoproterozoicas e cambrianas (HEILBRON et al., 2004). De acordo com Almeida e Hasui (1984) e Hasui (2012), essa província litoestrutural é compartimentada em três grandes setores. São eles o setentrional, que ficou conhecido por Cinturão Araçuaí, o central, chamado de Cinturão Ribeira, e o meridional, o Cinturão Tijucas. Para Heilbron et al. (2004) a Província Mantiqueira é dividida de maneira diferente, sendo que sua porção setentrional é representada pelo Orógeno Araçuaí; a central pela parte sul do Orógeno Brasília e orógenos Ribeira e Apiaí; e o segmento meridional, formado pelos orógenos Dom Feliciano e São Gabriel. A Faixa Ribeira, ou Cinturão Ribeira, como também é conhecido, se limita com o Cinturão Araçuaí na divisa dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, estendendo-se para sudoeste até o Paraná e o leste de Santa Catarina, possuindo mais de 1400 km de comprimento, ao longo da margem atlântica brasileira (Brito Neves e Cordani, 1991). 18 De acordo com Hasui (2012) a faixa pode ser subdividida nos domínios Varginha, Embu, Costeiro, São Roque, Paranaguá e Luiz Alves e Apiaí. De acordo com Ebert e Hasui (1998), Dias Neto (2001) e Dias Neto et al. (2009) a Faixa Ribeira teria se formado no Neoproterozoico, no fechamento dos blocos Vitória, São Francisco e Paraná, através de movimentos laterais, oblíquos e frontais. A composição dos litotipos da Faixa Ribeira é complexa, sendo que pode ser resumida da seguinte maneira: o Domínio São Roque é formado por rochas de idades meso a neoproterozoicas, representando uma sequência metavulcanossedimentar de quartzitos, filitos, metaarenitos, metaconglomerados, metavulcanitos máficos e ultramáficos, dentre outras rochas, de baixo a médio grau metamórfico; o Domínio Embu possui suas rochas mais antigas sendo datadas do Arqueano, seguido por evento metamórfico de baixo a alto grau no Mesoproterozoico, migmatização no Neoproterozoico e geração de corpos graníticos sin a pós colisionais pré-cambrianos; o Domínio Varginha é representado por rochas de alto a médio grau metamórfico de idade neoproterozoica, como granulitos, ortognaisses e anfibolitos; o Domínio Paranaguá, situa-se a leste do Domínio Luiz Alves e é compsoto por corpos granitóides de diversas suítes, datando do Neoproterozoico; O Domínio Apiaí, com idade máxima de 2,2 G.a, formado por rochas metamórficas de baixo a médio grau, como mármores, quartzitos, micaxistos, anfibolitos, ortognaisses, dentre outros litotipos. (TASSINARI; CAMPOS NETO, 1988; JULIANI et al., 2000; HACKSPACHER et al., 2000; DIAS NETO et al., 2009; HASUI, 2012). De acordo com Hasui (2012), a Faixa Ribeira é marcada por processos orogênicos brasilianos, que envolveram metamorfismo e deformações tangenciais seguidas de transcorrência, resultando em corpos rochosos alongados, na forma de sigmóides e lentes, com nappes e lascas empilhadas e com a foliação, de modo geral, acompanhando essa geometria. A transcorrência ocorrida na região, que ficou conhecido como Sistema Transcorrente Paraíba do Sul (Figura 2), ocorreu de maneira concomitante, e continuou após os cavalgamentos do final do Ciclo Brasiliano, resultanto em uma difícil reconstituição da área anteriormente a tais eventos, e transformando a região em um feixe de diversas zonas de cisalhamento (HEILBRON et al., 2004; HASUI, 2012). 19 Figura 2 – Esquema do Sistema Transcorrente Paraíba do Sul. Fonte: Hasui (2012). De modo geral, a estruturação da Faixa Ribeira possui orientação com direção N35E no oeste do Domínio Apiaí, chegando a N55E nos domínios Curitiba e Paranaguá. O Domínio Varginha é exceção, com trend estrutural com direção WNW, não tendo sido afetado pelo Sistema Transcorrente Paraíba do Sul. De acordo com Dias Neto et al. (2006), alguns autores como Silva et al. (1977), Campanha e Ens (1993, 1996) e Maffra (2000), reconhecem uma flor positiva como principal estrutura regional referente à Faixa Ribeira nos entornos do município de São Sebastião. Esse fato é corroborado pela presença da passagem gradativa da posição da foliação, que vai de alto ângulo na porção central, para baixo ângulo nas abas norte e sul, o que indica um regime transpressivo e condizente com a presença da estrutura em flor positiva. A orientação observada para a estrutura é N60-70 sendo concordante com uma série de núcleos anfibolíticos, diques máficos e intrusões de rochas alcalinas na região. Esse alinhamento, confere à estrutura uma grande importância, pois possivelmente favoreceu reativações ao longo do tempo geológico (DIAS NETO et al., 2006). Essas estruturas geológicas regionais também afetam a orientação de estruturas em menor escala e que podem possuir papel fundamental na deflagração de movimentos de massa, já que facilitam a infiltração de fluidos, acelerando processos intempéricos. Além disso, 20 dependendo da orientação das falhas e fraturas em um talude, essas podem servir como planos de instabilidade. Por sua vez, o Complexo, ou Domínio Costeiro, no Estado de São Paulo, é delimitado a norte pela Falha de Cubatão e a Sul pela linha de costa do continente (HASUI et al., 1981). Quanto à sua composição, o domínio apresenta diversos litotipos diferentes e distintos entre si. Heilbron et al. (2004) e Riccomini et al. (2004) citam a predominância de gnaisses peraluminosos, com granada, silimanita e cordierita, com sucessões de quartzitos, biotita gnaisses bandados, intrusões máficas, rochas cálcio-silicáticas, anfibolitos e metabásicas. Alguns autores, como Chiodi et al. (1983), Sobreiro Neto et al. (1983) e Dias Neto et al. (2009) separam o domínio em três conjuntos litológicos. O primeiro, é um conjunto gnáissico- migmatítico, formado por ortognaisses e migmatitos; o segundo, dos metassedimentos, é composto por rochas síltico-argilosas, quartzitos arcosianos e cálcio-silicatadas; e o terceiro, o das rochas granulíticas, predominantemente formado por charnockitos e noritos, associados a gnaisses e granitos. 3.3. Contexto Geológico Local Existe certa divergência sobre qual unidade geológica os litotipos da região de São Sebastião fazem parte, como por exemplo no trabalho de Machado Filho et al. (1983), onde para os autores essas rochas pertenceriam ao Complexo Paraíba do Sul, de idade arqueana. No entanto, a maioria dos autores, tal como Hasui e Oliveira (1984), consideram esses litotipos como parte do Domínio Costeiro. Para Campanha e Ens (1996) o embasamento cristalino na região de São Sebastião é formado por rochas orto e paraderivadas, de médio a alto grau metamórfico, com granitóides apresentando gnaissificação variada, como o Granito Pico do Papagaio, descrito pelos autores como um biotita granito porfirítico com variado grau de deformação, que é separado ao sul, pela zona de cisalhamento do Camburu, de um pacote de rochas paraderivadas migmatizadas, que teriam como protólito, biotita gnaisses e xistos bandados. Intercalados com os migmatitos existem ainda anfibolitos centimétricos, ora concordantes com a foliação das rochas e ora discordantes, formando verdadeiros diques de rochas máficas, além de granitóides foliados e ricos em granada. Essa zona de cisalhamento, também chamada de Falha de Camburu, é descrita como uma faixa com dezenas a centenas de metros de espessura de rochas miloníticas. Para Dias Neto et al. (2009) há uma predominância de gnaisses paraderivados na península de São Sebastião, sendo descritos como sendo rochas relativamente heterogêneas, acompanhando as variações de uma sequência metassedimentar. O bandamento desses 21 gnaisses, no entanto, não é regular, refletindo regiões onde o metamorfismo atingiu graus maiores, chegando ao ponto de formar migmatitos, envolvendo núcleos de rocha menos deformada. A mineralogia dessas rochas possui plagioásio, quartzo e biotita em porcentagens semelhantes, com cordierita e cristais de granada, às vezes atingindo alguns centímetros de diâmetro, como minerais secundários. De acordo com os autores, injeções de material neossomático rico em quartzo e feldspato em migmatitos e até mesmo pegmatitos são comuns. Na região, também podem ser encontrados núcleos anfibolíticos no interior dos gnaisses. Esses núcleos se apresentam de duas formas distintas, podendo-se dividi-los em dois grupos: no primeiro, as rochas apresentam formas tabulares, concordantes com a foliação dos gnaisses e de granulação mais fina; o segundo grupo, formam corpos irregulares e de granulação média a grossa. Para Dias Neto et al. (2009), vale notar que, em ambos os casos, os anfibolitos foram deformados e metamorfizados juntamente aos gnaisses. No mapa geológico do município de São Sebastião, feito pelo IG (Instituto Geológico) em 1996, e que foi utilizado como base para o Mapa Geológico dessa dissertação (Apêndice 1), são encontrados depósitos sedimentares do quaternário, subdivididos pela sua origem, marinha ou flúvio-lacustre, e se são atuais ou sub-atuais, além de depósitos coluvionares e de tálus. As rochas do embasamento cristalino presentes na área são representadas pelo Granito Pico do Papagaio, biotita gnaisses com ou sem granada com porções migmatíticas e leucogranitóides. 3.4. Divisão Geomorfológica da Área Seguindo a divisão do Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo (IPT, 1981), a área de estudo deste trabalho é dividida em duas unidades morfoesculturais, a Província Costeira e o Planalto Atlântico. As planícies costeiras, são uma subdivisão da Província Costeira e estão presentes na área, sendo caracterizadas por serem terrenos baixos, mais ou menos planos, próximo ao nível do mar e com drenagens meandrantes e localmente anastomosadas. No Planalto Atlântico são encontradas as subzonas das Escarpas Festonadas e com Espigões Digitados, caracterizadas por altas declividades (maiores que 30%), amplitudes maiores que 100 metros, topos angulosos, vertentes com perfis retilíneos, vales fechados, alta densidade de drenagens com com padrões subparalelo a dendrítico. Há também uma subzona denominada de Morros Paralelos, sendo encontrada nas altitudes mais elevadas da área de estudo, possuindo declividade média a alta (acima de 20%), amplitudes de 100 a 300 metros, topos arredondados, vertentes com perfis retilíneos a convexos, drenagem de alta densidade com padrão em treliça e localmente dendrítica, vales fechados a abertos e com eventuais planícies aluvionares interiores restritas. 22 A topografia de São Sebastião, condicionada principalmente pela Serra do Mar, apresenta diversos fatores que podem ser considerados condicionantes aos processos de escorregamentos. Dentre estes, a declividade se apresenta como o mais importante, já que segundo o IPT (1991), uma declividade maior determina maiores velocidades no escoamento das águas, aumentando assim, sua capacidade erosiva, mas a forma das encostas, altitude e densidade dos elementos de drenagem também tem sua importância. Esses fatores condicionantes, que serão detalhados mais à frente, foram de grande importância neste trabalho na etapa da compartimentação fisiográfica, pois foram as feições de terreno que mais foram levadas em conta na divisão da área em unidades e na escolha das áreas alvo. 23 4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Este capítulo apresenta os principais conceitos relacionados aos temas que esta pesquisa abrange, tais como a definição, tipos e condicionantes dos movimentos de massa, compartimentação fisiográfica, ensaios geotécnicos e as metodologias dos modelos SHALSTAB e SINMAP e a análise comparativa entre eles. 4.1. Movimentos de Massa Os movimentos de massa atuam como importantes agentes da transformação do relevo, em qualquer latitude, ou seja, são processos de grande importância em qualquer tipo de ambiente (GUIDICINI; NIEBLE, 1984). Aliado a isso, há também o fato de que os movimentos de massa causam grandes impactos econômicos, ambientais e humanos, fazendo com que sejam alvo de estudos de profissionais de diversas áreas, como engenheiros, geógrafos e geólogos, afim de entender mais a fundo suas causas e consequências. Bigarella e Passos (2003), definem os movimentos de massa como os processos geomorfológicos mais importantes no sentido de remodelar a superfície terrestre. São constituídos pelo deslocamento de solo, rocha, material orgânico e a mistura dos três, vertente abaixo, através da força da gravidade. Frequentemente a água e o gelo estão envolvidos nestes processos, reduzindo a resistência e aumentando a plasticidade dos materiais. Mas também grandes movimentos de massa podem se formar por consequência de terremotos, em áreas tectonicamente ativas. Geralmente esses processos se desenvolvem em superfícies ou taludes com elevada inclinação, mas também podem ocorrer em vertentes de baixa inclinação. A classificação de movimentos de massa leva em consideração fatores como o tipo de material envolvido, quantidade de água, velocidade, mecanismo e tipo de movimento (BIGARELLA et al., 1996). Pela quantidade de critérios empregados, a classificação desses processos é difícil e não é uniforme na bibliografia, com diversos autores utilizando classificações distintas. Dentre essas classificações, a de Sharpe (1938) é reconhecida como a primeira onde se buscou um caráter mais amplo e abrangente. Posteriormente houve classificações de Freire (1965), adaptada por Guidicini e Nieble (1976), a de Varnes (1958 e 1978) e a do IPT (1991). No Quadro 1 é apresentada uma comparação de algumas propostas de classificação bastante utilizadas no Brasil. 24 Quadro 1 – Comparação entre diferentes classificações de movimentos de massa. Freire (1965) Guidicini e Nieble (1984) IPT (1991) Escoamentos: Rastejos e Corridas Escoamentos: Rastejos e Corridas Rastejos Corridas de Massa Escorregamentos: Rotacionais e Translacionais Escorregamentos: Rotacionais, Translacionais, Quedas de Blocos e Queda de Detritos Escorregamentos Subsidências e Desabamentos Subsidências: Subsidências, Recalques e Desabamentos Quedas/ Tombamentos Formas de Transição Movimentos Complexos Fonte: Modificado de Fernandes e Amaral (1996). A classificação para os escorregamentos escolhida neste trabalho terá como base a de Guidicini e Nieble (1984). 4.1.1. Escorregamentos A definição de escorregamentos é por muitas vezes confusa, devido ao fato de diversos termos diferentes serem utilizados para denominar o mesmo tipo de movimento. Queda de barreira, desbarrancamento e deslizamento, são alguns exemplos dessa variada nomenclatura dada aos escorregamentos. Para Fernandes e Amaral (1996) muitos problemas surgem na utilização de termos gerais como estes citados, já que se referem apenas ao rápido movimento descendente do material constituinte da encosta. Em sua definição mais clássica, escorregamentos são movimentos rápidos e de duração relativamente curta, de massas de solo, rocha e sedimento, com volume e plano de ruptura bem definido e cujo centro de gravidade se desloca para baixo e para fora do talude (TERZAGUI, 1950; GUIDICINI; NIEBLE, 1984; BIGARELLA et al., 1996; FERNANDES; AMARAL, 1996). Os escorregamentos podem ser classificados quanto a duas características: a geometria do plano de ruptura, podendo ser dividida em planar, circular ou em cunha (Figura 3); e o tipo do material a ser movimentado (GUIDICINI; NIEBLE, 1984; AUGUSTO FILHO, 1994; FERNANDES; AMARAL, 1996; COELHO, 2015). 25 Figura 3 – Tipos de formas do plano de ruptura nos escorregamentos. Fonte: Modificado de IPT (1991) por Coelho (2015). 4.1.1.1. Escorregamentos Rotacionais Para Fernandes e Amaral (1996), os escorregamentos do tipo rotacional possuem uma superfície de ruptura curva, côncava para cima, ao longo da qual se dá um movimento rotacional da massa de solo (Figura 4). Dentre os materiais mais propícios para o desenvolvimento deste tipo de escorregamento, Guidicini e Nieble (1984) e Fernandes e Amaral (1996) destacam solos espessos e homogêneos, principalmente em mantos de alteração originados de rochas argilosas, como filitos e folhelhos, onde são deflagrados ao longo de uma ruptura qualquer, ou no contato do manto de alteração e a rocha, mas também devido a escavações naturais, como a erosão de um canal fluvial ou artificial. Figura 4 – Esquema mostrando um escorregamento rotacional. Fonte: Modificado de Infanti Jr. e Fornasari Filho (1998) por Reis (2001). 4.1.1.2. Escorregamentos Translacionais As formas mais frequentes de escorregamentos são os translacionais. Eles possuem uma superfície de ruptura plana (Figura 5), em comparação à superfície côncava dos escorregamentos rotacionais, que se desenvolve em uma descontinuidade no material, se 26 tornando um plano de fraqueza (GUIDICINI; NIEBLE, 1984; FERNANDES; AMARAL, 1996; OLIVEIRA; BRITO, 1998; TOMINAGA, 2011). A morfologia desses escorregamentos é distinta, no geral, são compridos e rasos, com profundidades da ordem de 0,5 m a até 5 m e comprimentos que podem chegar a centenas e a até milhares de metros, sendo que em sua maioria ocorrem na interface solo-rocha, por ser uma importante descontinuidade, durante eventos de intensa precipitação (FERNANDES; AMARAL, 1996). Dependendo do material a ser transportado, e por consequência o tipo de plano de ruptura, Guidicini e Nieble (1984) subdividem os escorregamentos translacionais em três tipos: de rocha, solo e uma combinação dos dois. Os escorregamentos translacionais de rocha variam em escala, mas são muito destrutivos. Estes são caracterizados por possuírem planos de fraqueza que refletem a estrutura geológica do material, como falhas, fraturas, foliações, acamamentos e camadas preenchidas por material de alteração. Os escorregamentos translacionais de solo geralmente possuem o plano de fraqueza associado a diferenças na composição e estruturas de horizontes pedológicos, bem como, no nível do lençol freático. Por fim, quando existe um volume significativo de material rochoso nos escorregamentos translacionais de solo, estes podem vir a ser classificados levando em conta sua composição mista. Nesse caso, esses movimentos acabam sendo formados principalmente por material advindo das camadas de saprólito próximas do contato solo-rocha, e de depósitos de tálus, que podem vir a ser desestabilizados novamente. Figura 5 – Esquema mostrando um escorregamento translacional. Fonte: Modificado de Infanti Jr. e Fornasari Filho (1998) por Reis (2001). 27 4.1.1.3. Escorregamentos em Cunha Apesar de não fazerem parte da classificação de Guidicini e Nieble (1984), os escorregamentos em cunha foram inseridos aqui por apresentarem importância no estudo desses processos. Esses tipos de movimento estão associados principalmente a saprólitos e maciços rochosos, onde duas estruturas planares condicionam o deslocamento de uma estrutura com uma morfologia semelhante a um prisma ao longo do eixo de intersecção dos mesmos (Figura 6). Essas estruturas podem ser naturais do maciço, como falhas ou fraturas, ou condicionadas por atividades antrópicas nas proximidades (OLIVEIRA E BRITO, 1998; TOMINAGA, 2011). Figura 6 – Esquema mostrando um escorregamento em cunha. Fonte: Modificado de Infanti Jr. e Fornasari Filho (1998) por Reis (2001). 4.1.2. Fatores Condicionantes dos Movimentos de Massa De acordo com Oliveira e Brito (1998), a desestabilização das encostas, e por consequência, a deflagração de processos de movimentos de massa, são causados por uma cadeia de eventos, que se iniciam com a formação da rocha e subsequentemente com a ocorrência de eventos tectônicos, intemperismo, erosão, dentre outros. Deste modo é possível definir um conjunto de fatores que influenciam na ocorrência destes processos. A ação da gravidade sobre um talude ou encosta, faz com que este naturalmente tenda a escorregar, porém, quando a resistência ao cisalhamento do próprio material é equilibrada à ação da gravidade, este se torna estável (SILVA, 2015; DYMINSKI, 2007). Sua desestabilização ocorre no momento em que este equilíbrio se rompe, que de acordo com 28 Guidicini e Nieble (1984) pode ocorrer através de causas internas, externas e intermediárias (Quadro 2). Quadro 2 – Tipos de causas para a ocorrência dos movimentos de massa. Causas Internas Efeito de oscilações térmicas; Diminuição dos parâmetros de resistência ao intemperismo. Externas Mudanças na geometria do sistema; Efeitos de vibrações; Mudanças naturais na inclinação das camadas. Intermediárias Elevação da coluna de água em descontinuidades; Rebaixamento rápido do lençol freático; Erosão subterrânea retrogressiva (piping); Diminuição do efeito de coesão aparente. Fonte: Guidicini e Nieble (1984). As causas internas não alteram a geometria aparente do talude e resultam na diminuição da coesão do solo ou rocha, seja pela contração e dilatação do material pelas oscilações térmicas, ou pela ação do intemperismo, com a dissolução de elementos solúveis presentes em solos e rochas sedimentares. As causas externas podem ser artificiais, tais como a mudança da geometria da base do talude, com a retirada de material, ou mesmo uma sobrecarga sobre sua porção superior, ou naturais, devido a processos tectônicos, como vibrações causadas por terremotos e soerguimentos. Por fim, as causas intermediárias, tem relação com fatores externos (ação da água, por exemplo), que agem no interior do talude, principalmente ocasionados pela pressão hidrostática (GUIDICINI; NIEBLE, 1984). Todas as causas citadas são entendidas por Guidicini e Nieble (1984) como o modo de atuação de determinado agente, sendo que este pode se manifestar de diversas maneiras. Dentro de sua classificação, pode-se distinguir os agentes predisponentes e os efetivos (Quadro 3). Diversas feições ou agentes podem agir como fatores que condicionam temporalmente e espacialmente os movimentos de massa. Os agentes predisponentes estão relacionados às condições relativas à geologia e a geomorfologia do ambiente em que o movimento de massa irá ocorrer, sendo que esses podem ou não ser ainda atuantes. Dentre estes, existem o complexo geológico, que agrupa fatores como o litotipo, o nível do intemperismo, presença de fraturas, falhas e foliação; o complexo morfológico, que possui relação com a forma e inclinação das encostas; o complexo climático-hidrológico; a gravidade; o calor solar e o tipo da vegetação original. Por sua vez, os agentes efetivos, são relacionados aos elementos diretamente responsáveis pela ocorrência dos movimentos de massa, que podem ainda ser subdivididos entre os preparatórios, que ocorrem mais lentamente e de modo natural como pluviosidade, gelo 29 e neve e a erosão e os imediatos, que ocorrem em uma escala de tempo menor, seja por serem eventos mais raros ou com maior intensidade, como terremotos e chuvas fortes, ou ainda por interferência antrópica (GUIDICINI; NIEBLE, 1984; FERNANDES; AMARAL, 1996; TOMINAGA, 2011). Quadro 3 – Agentes presentes nos movimentos de massa. Agentes Predisponentes Complexo geológico, complexo morfológico, complexo climático-hidrológico, gravidade, calor solar, tipo de vegetação original. Efetivos Preparatórios Pluviosidade, erosão pela água e vento, congelamento e degelo, variação de temperatura, dissolução química, ação de fontes e mananciais, oscilação de nível de lagos e marés e do lençol freático, ação de animais e humana, inclusive desflorestamento. Imediatos Chuvas intensas, fusão de gelo e neves, erosão, terremotos, ondas, vento, ação do homem, etc Fonte: Guidicini e Nieble (1984). 4.1.2.1. Condicionantes Geológicos Segundo Oliveira e Brito (1998), as anisotropias, ou seja, falhas, fraturas, foliações e xistosidades presentes em um maciço rochoso controlam seu grau de instabilidade, por sua distribuição espacial, representada pelas atitudes e mergulhos e sua relação com a geometria da encosta. Além disso, fatores como a presença e composição de materiais preenchendo essas estruturas e irregularidades em sua superfície, também devem ser levadas em conta. As fraturas e falhas em um maciço rochoso podem ter origem tectônica, quando relacionadas a esforços geológicos regionais, por exemplo, ou atectônicas, como no caso de alívio de pressão (FERNANDES; AMARAL, 1996). De qualquer modo, essas estruturas servem como caminho preferencial para a percolação de fluidos, aumentando a área de contato destes com a rocha, e por consequência causando uma aceleração no processo intempérico. Dessa maneira, áreas fraturadas em um maciço rochoso são mais propícias à deflagração de movimentos de massa, seja pelo aumento do manto intempérico ou pela perda de estabilidade associada ao intemperismo (OLIVEIRA; BRITO, 1998; MOURA et al. 2012). Fernandes e Amaral (1996), discutem ainda o caso de tombamentos de blocos, originados pela presença de famílias de fraturas sub-verticais e pouco espaçadas entre si. De acordo com Oliveira e Brito (1998), os maciços de rochas resistentes, principalmente, possuem resistência a cisalhamento de pico elevadas, e resistências residuais baixas, muitas vezes se aproximando da resistência de seus próprios solos de alteração. Este 30 fato faz com que haja uma queda repentina de resistência assim que o cisalhamento se inicia, o que não permite a formação de muitos indícios da ocorrência deste processo, como abatimentos e trincas, porém, quando se dá a ocorrência destes, a desestabilização do talude é iminente. Por fim, em áreas metamórficas, a orientação e mergulho da foliação pode ser um importante fator para o desenvolvimento dos processes de movimentos de massa, visto que, em alguns casos, essa orientação pode possuir um mergulho desfavorável em relação aos taludes abertos em entradas, por exemplo, o que causará em instabilidade no maciço. Neste caso, um estudo anterior para definir bem a orientação das estruturas na rocha, deve ser realizado. (FERNANDES; AMARAL, 1996). 4.1.2.2. Condicionantes Geomorfológicos Os fatores condicionantes de caráter geomorfológico vão desde a inclinação e forma da encosta, sua área, espessura da camada de solo e comprimento da encosta. Tanto em perfil como em planta, a morfologia de uma encosta pode condicionar direta e indiretamente a ocorrência dos movimentos de massa. Diretamente, tem-se que quanto maior o ângulo de inclinação da encosta, menor se torna sua estabilidade (FERNANDES; AMARAL, 1996; FERNANDES et al. 2001). Em sua maioria os escorregamentos ocorrem em vertentes com ângulo de inclinação entre 20° e 35°, explicados pela variação de cobertura vegetal e tipos de solo (FERNANDES; AMARAL, 1996; BIGARELLA; PASSOS, 2003). Nas vertentes com valores acima de 40°, se formam solos pouco desenvolvidos, chamados de solos litólicos, com presença de cobertura vegetal de pequeno porte, que retém pouca água ocasionando em pouca instabilidade, o que não favorece os movimentos de massa, que quando ocorrem não possuem grande expressão em área (SILVA, 2015; FERNANDES; AMARAL, 1996; FERNANDES et al. 2001). Mais autores fizeram trabalhos onde foi observada a relação entre a declividade e a ocorrência dos escorregamentos. No trabalho de Gramani (2001), valores de declividade a partir dos 30° são mais propícios ao desenvolvimento dos escorregamentos, sendo que o autor analisou diversos casos de corridas de massa, muitas vezes associadas a escorregamentos e encontrou um predomínio dessas declividades nas encostas afetadas. No entanto, a relação entre o aumento da declividade e um maior número de escorregamentos não é linear. Fernandes et al. (2001) observaram limites críticos para algumas bacias analisadas, onde o potencial de deslizamento cresce com o aumento da declividade até a classe 37°-55°, e a partir daí decresce. Os mesmos autores ainda afirmam que escorregamentos em declividades menores são comuns, 31 evidenciando que o fator declividade não pode ser unicamente levado em consideração no estudo desses processos. A presença, no terreno, de zonas que convergem o fluxo de água, como anfiteatros, possui um papel relevante no estudo de movimentos de massa, pois além de concentrar a água para determinado ponto, geralmente uma drenagem, podem também concentrar sedimentos advindos de várias regiões, intensificando um processo de escorregamento ou de enchente. São também nestas zonas que depósitos coluvionares e de tálus tendem a se formar, muitas vezes sobre a própria rocha, formando uma descontinuidade, que favorece a percolação de água, deste modo, criando uma superfície favorável a movimentos de massa (FERNANDES; AMARAL, 1996). Quanto à hipsometria, Pinto et al. (2013) afirma que não existem limites precisos para classificar o nível de susceptibilidade e a sua altitude, porém, Bigarella et al. (2003) comentam que, em seu trabalho, Aguiar e Silva (1991) observaram uma maior frequência de escorregamentos entre 150 e 700 m, com destaque para as cotas de 300 e 450 m. 4.1.2.3. Condicionantes Pedológicos De acordo com Bigarella et al. (1996), o papel realizado pelos processos pedogenéticos na compreensão da evolução geomorfológica do relevo é de grande importância, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais, onde, devido a maior pluviosidade, a ação do intemperismo químico é mais intensa, fazendo com que haja uma tendência a se formar mantos de intemperismo mais espessos. Porém deve-se levar em conta outros fatores, como o nível de fraturamento da rocha e sua composição e granulometria, que podem auxiliar ou frear a alteração da rocha em solo, fazendo com que o manto de intemperismo não seja regular por todo o terreno. A composição mineralógica da rocha afeta os processos de movimentos de massa, pois esta será refletida no solo. Os feldspatos, por exemplo, no início dos processos de alteração, restarão como fragmentos no solo, que com o tempo irão se alterar para argilominerais, como a illita e a caulinita, aumentando a instabilidade do talude (BIGARELLA et al., 1996). O autor ainda complementa, afirmando que em regiões onde o perfil de alteração é completo e mais evoluído, a presença da caulinita faz com que os taludes sejam mais estáveis a movimentos de massa. De modo contrário, a presença maior da illita, em perfis de solo onde não houve tempo de formação da caulinita, favorece a deflagração desses movimentos. A alta pluviosidade e, consequentemente, a saturação do solo, faz com que a pressão hidrostática entre planos existentes em solos, tais como, contatos entre os diferentes horizontes 32 e o contato entre solo saprolítico e rocha sã, aumente. De acordo com Bigarella et al. (1996), é neste último que a grande maioria dos escorregamentos ocorre, sendo que neste caso, há a presença marcante de blocos de rocha em meio ao material sendo movimentado. 4.1.2.4. Cobertura Vegetal De acordo com Fiori e Carmignani (2001), há um consenso de que a cobertura vegetal possui um importante papel na proteção e estabilização das encostas, dificultando não só a ocorrência de processos erosivos, mas também de movimentos de massa. As porções superiores da vegetação, como as copas e outras partes aéreas atuam de diversas maneiras como atenuadores da intensidade da ação do clima no solo. Baseado nisso, Guidicini e Nieble (1984), citam fatores como a proteção pelas copas das árvores de raios solares, chuva e ventos, impedindo variações bruscas de umidade e temperatura no solo. Sternberg (1949) afirma que as copas das árvores chegam a reter entre 10 e 15% da água de chuvas mais intensas, e até 100% de chuvas fracas, sendo essa água então evaporada. Além disso, a retenção de água pelas folhas, troncos e galhos das árvores através de molhamento, além é claro de seu metabolismo, ajudam a impedir de maneira direta na saturação do solo. A matéria orgânica em decomposição na superfície do terreno, seja na forma de folhas, troncos ou galhos mortos, dificulta a infiltração de água no solo através de absorção desta, ou até mesmo servindo como proteção, impedindo o contato direto do solo com a água da chuva, que passa a escorrer por entre esse material, ao invés de se infiltrar diretamente no manto de alteração (GUIDICINI; NIEBLE, 1984). Além do fato de que as raízes absorvem diretamente a água presente no solo, elas são relativamente resistentes ao cisalhamento, fazendo com que passem a ter um efeito semelhante ao de estacas ou tirantes em meio ao solo (com menor resistência ao cisalhamento), formando assim, um sistema solo-raiz mais estável (FIORI; CARMIGNANI, 2001). Deste modo, o desmatamento nas encostas é em si um fator condicionante para os movimentos de massa, pois expõem o solo diretamente a ação da erosão e da infiltração de água de maneira descontrolada, chegando ao ponto de saturação do solo, facilitando assim, a movimentação do material (BIGARELLA et al., 1996). 4.1.2.5. Condicionantes Climáticos De acordo com Pinto et al. (2013), a pluviosidade pode ser considerada como o principal agente deflagrador imediato dos movimentos de massa, no sentido de que altos índices de chuva provoca a saturação do solo ou rocha, diminuindo assim a resistência à desagregação do 33 material ocasionando uma perda na estabilidade das encostas. Bigarella et al. (1996) complementa, afirmando que períodos prolongados de chuva que saturam o solo ocorrem mais comumente em áreas sem ou com pouca vegetação, afetando assim materiais coloidais, que devido ao excesso de água, passam a se comportar como um material liquefeito, formando uma superfície lubrificada, a partir da qual se inicia o movimento de massa. A distribuição de chuvas em uma região é um fator condicionante aos movimentos de massa, desta maneira regiões com maiores índices pluviométricos possuem maiores chances de ocorrência desses movimentos. Na Serra do Mar, uma das regiões com maiores índices pluviométricos do país, o município de São Sebastião registra em média 1638 mm de chuva por ano, relativamente baixa se comparada a outras cidades próximas. É valido notar, no entanto, que não só eventos anômalos com alta pluviosidade causam os movimentos de massa, pois também devem ser considerados fatores como a distribuição temporal das chuvas, a diferença de condutividade hidráulica nos solos e variações no grau de saturação. No geral, os escorregamentos ocorrem devido a eventos pluviométricos intensos sobre solos já saturados devido a dias precedentes com chuva, já que apenas o gradual e contínuo aumento do grau de saturação do solo normalmente não é suficiente para deflagrar um movimento de massa, se este fosse o caso e isso ocorresse mais vezes, estes eventos seriam muito mais comuns nas estações chuvosas (GUIDICINI; IWASA, 1976; BIGARELLA et al., 1996). Porém esse fato não é uma regra, sendo que estes mesmos eventos anômalos de chuva, se ocorrerem com intensidade suficiente, podem desencadear movimentos de massa, mesmo em solos que estavam secos anteriormente. A importância de dados pluviométricos no estudo dos movimentos de massa é tanta que a maioria dos sistemas de alerta para ocorrência desses fenômenos se baseia em limites definidos de intensidade e duração de eventos pluviométricos. Esses limites, de acordo com Di et al. (2008) podem ser definidos pela comparação de características de diversas tempestades que conhecidamente ocasionaram movimentos de massa. Além disso, esses dados pluviométricos são comumente utilizados na definição de parâmetros de entrada em modelos matemáticos para se definir áreas de risco, tal como o SINMAP. 4.1.2.6. Ação Antrópica A evolução das vertentes é geralmente um processo lento e que pode vir a ocorrer de maneira acelerada quando afetado por eventos pluviométricos excepcionais, porém ainda sim se trata de um processo natural. No entanto, a ação antrópica em vertentes pode intervir no 34 equilíbrio das mesmas, possuindo um papel importante na deflagração de movimentos de massa. A ocupação das vertentes, principalmente nas regiões mais povoadas, faz com que a vegetação original, responsável por ajudar no equilíbrio das mesmas, seja removida. Além disso, muitas vezes, cortes profundos nos taludes tiveram que ser feitos, seja na abertura de estradas ou para a construção de edifícios. Desse modo, a infiltração de fluidos é intensificada, diminuindo assim, a resistência às forças cisalhantes dos materiais (BIGARELLA et al., 1996). Além desses fatores indutores dos movimentos de massa, Fernandes e Amaral (1996) e Augusto Filho (1994) citam outros, como o lançamento e concentração de águas pluviais e vazamentos em redes de abastecimento, lançamento de esgoto e lixo em encostas, aterros mal projetados e vibrações advindas de tráfego de veículos. 4.2. O uso da Fotointerpretação na Compartimentação Fisiográfica As técnicas e metodologias de fotogeologia foram inicialmente propostas por Guy (1966), onde foi desenvolvido um método lógico para a interpretação das fotografias aéreas. Em seguida, Rivereau (1969), deu continuação ao desenvolvimento da fotogeologia, apresentando, por exemplo, o conceito do elemento textural, como sendo a menor feição contínua e homogênea que se pode distinguir na imagem, sendo apta de repetição e possuindo formas definidas. Outro trabalho de grande importância foi o de Soares e Fiori (1976), que adaptaram a metodologia já existente para aplicação em mapeamentos. A metodologia desenvolvida pelos autores é dividida em três fases: - Fotoleitura: se trata do reconhecimento e a identificação dos elementos da imagem, com os objetos correspondentes e sua repartição; - Fotoanálise: é o estudo das relações entre as imagens, e da associação e ordenação das partes de imagens; - Fotointerpretação: estudo da imagem fotográfica visando a descoberta e avaliação, por métodos indutivos, dedutivos e comparativos do significado, função e relação dos objetos correspondentes às imagens. No método proposto por Soares e Fiori (1976), as feições de terreno são extraídas da imagem e analisadas, quanto a textura, forma e estrutura, atribuindo um significado geológico à mesma. Deste modo, de acordo com Coelho (2015), busca-se identificar materiais, processos e fenômenos presentes na área, alcançando assim um diagnóstico que pode ser utilizado em aplicações nas áreas de geologia, geotecnia, geomorfologia e pedologia. 35 Sendo uma evolução dos métodos de Soares e Fiori (1976), Zaine (2011) desenvolveu uma metodologia própria para análise de fotos aéreas, com o intuito principal de ser aplicada em planejamento ambiental e mapeamentos geológicos e geotécnicos. O autor criou quatro quadros para facilitar e sistematizar a obtenção e análise das feições de terreno, sendo eles divididos na análise da densidade textural (Figura 7), análise das formas e características do relevo (Figura 8), análise das estruturas geológicas (Figura 9) e análise complementar (Figura 10). Figura 7 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica na análise da densidade textural. Fonte: Zaine (2011). Figura 8 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica das formas e características do relevo. Fonte: Zaine (2011). 36 Figura 9 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica das estruturas geológicas. Fonte: Zaine (2011). Figura 10 – Quadro de análise e interpretação fotogeológica complementar. Fonte: Zaine (2011). Segundo Cardoso et al. (2009), a utilização das imagens aéreas na compartimentação fisiográfica ocorre de maneira a permitir que o fotointérprete identifique elementos de terreno e drenagem. Através desse reconhecimento, áreas contento características iguais são reconhecidas e separadas em zonas homólogas. Ainda segundo o autor, essa metodologia permite que as informações do meio físico sejam sintetizadas, partindo-se do princípio de que dentro de uma mesma unidade, as 37 características do terreno e seu comportamento geotécnico sejam semelhantes. Tais informações então, fornecem subsídios ao pesquisador, qualquer que seja seu foco no planejamento territorial. No estudo dos escorregamentos, por exemplo, algumas características devem ser focadas, tais como, a densidade de elementos de drenagem, declividade, forma de encostas, dentre outras, por apresentarem relação direta com a deflagração desses fenômenos. 4.3. Métodos de Mapeamento da Susceptibilidade a Movimentos de Massa Os movimentos de massa são um dos desastres naturais que mais causam perdas de cunho econômico, humano e ambiental em todo o mundo, mesmo com o advento da tecnologia para a previsão de tais eventos (CHALKIAS et al., 2014). Para Van Westen (1993), os ambientes em SIG, permitem que sejam realizadas correlações e sistematizações de dados em diferentes escalas, gerando assim, mapas de susceptibilidade, a partir de diferentes abordagens e métodos (Quadro 4), que variam de autor para autor. Para ele, estes métodos podem ser divididos em diretos e indiretos, enquanto que outros autores, como Aleotti e Chowdhury (1999), os dividem em qualitativos e quantitativos. Guzzetti et al. (1999) optam por uma abordagem que leva em conta os dois tipos de divisões, ou seja, para ele os métodos para se ranquear os fatores de instabilidade em taludes podem ser quantitativos ou qualitativos e diretos ou indiretos. Os métodos qualitativos são subjetivos e retratam o mapeamento de áreas de risco em termos descritivos, enquanto que os métodos quantitativos se utilizam de estimativas numéricas (probabilidade) para o mesmo fim. O autor ainda define os métodos diretos como consistindo em um mapeamento geomorfológico de risco em relação a potencialidade de ocorrência de movimentos de massa, de modo que nos métodos indiretos, inicialmente se faz um reconhecimento e mapeamento de cicatrizes de eventos passados. 38 Quadro 4 – Características dos métodos de zoneamento de risco a movimentos de massa. Tipo de análise de risco a movimentos de massa Características principais Análise de Distribuição Mapeamento direto das feições dos movimentos de massa, dando apenas informações de onde estes ocorreram anteriormente. Análise Qualitativa Método direto ou indireto, no qual o mapa geomorfológico é transformado em um mapa de risco, ou diversos mapas são combinados em um, se utilizando do julgamento subjetivo do autor. Análise Heurística Método direto ou semi-direto, que se fundamenta sobre o peso atribuído por julgamento, permitindo a combinação de mapas. Análise Estatística Método indireto onde análises estatísticas são usadas para se obter previsões quanto ao risco de movimentos de massa, a partir de mapas de parâmetros. Análise Determinística Método indireto no qual mapas de parâmetros relativos à ocorrência de movimentos de massa são combinados para cálculos de estabilidade de taludes. Análise Probabilística Método com bases estatísticas, que levam em consideração a variabilidade dos parâmetros condicionantes de movimentos de massa ao longo do espaço e do tempo. Fonte: Adaptado de Van Westen (1993) e Nery (2011). 4.3.1. Análise Determinística Tominaga et al. (2009), descrevem os métodos determinísticos como sendo abordagens que se utilizam de modelos matemáticos que descrevem os processos e leis físicas que regem a estabilidade de vertentes. São modelos que requerem grande quantidade de dados, obtidos tanto em laboratório, como em trabalhos de campo, fornecendo assim informações quantitativas e que podem ser utilizadas em projetos de engenharia. A análise determinística se difere das apresentadas anteriormente, por tratar o estudo da estabilidade dos taludes em termos de engenharia, ou seja, o fator de segurança deve ser calculado, quantificando propriedades físicas do meio e aplicando modelos matemáticos apropriados (ALEOTTI; CHOWDHURY, 1999). Segundo Van Westen (1993), os fatores que são levados em consideração neste tipo de análise são: a profundidade do manto de alteração e sua resistência ao cisalhamento; a profundidade em que os movimentos de massa geralmente ocorrem; a inclinação dos taludes; e as condições de poro-pressão esperadas para as superfícies de escorregamento. Aliado a isso são necessários mapas geológicos, pedológicos e hidrológicos, com perfis associados e mapas de inclinação das vertentes na forma de um MDT (Modelo Digital de Terreno). Devido a esses tipos de dados de entrada não servirem para escalas médias de mapeamento, o método só deve 39 ser aplicado em escalas grandes ou em bacias. O modelo SHALSTAB, utilizado neste trabalho, é um exemplo de análise determinística. 4.3.2. Análise Probabilística Os métodos probabilísticos se utilizam de análises com bases estatísticas, tais como variáveis, parâmetros e constantes matemáticas, além de componentes aleatórios resultantes de flutuações dos dados, que fornecem um menor grau de subjetividade nos mapeamentos de áreas susceptíveis a movimentos de massa. São métodos que se baseiam no princípio de que os fatores que causaram a instabilidade no passado, também poderão ocasionar o fenômeno futuramente (VAN WESTEN, 1993; CHRISTOFOLLETI, 1999; TOMINAGA et al., 2009). As metodologias determinísticas, apesar de facilitarem as análises e modelos geotécnicos, não levam em consideração fatores importantes, tais como a variabilidade desses mesmos fatores ao longo do espaço e do tempo. A coesão, ângulo de atrito interno, força de cisalhamento e valores de poro-pressão são alguns exemplos citados por Aleotti e Chowdhury (1999). É do reconhecimento dessas variações e possíveis erros que podem vir a causar, que análises com sistemas probabilísticos surgiram. Ainda segundo os autores, a utilização desses métodos foi facilitada pelo uso dos SIGs para avaliar movimentos de massa, como é o caso do SINMAP, que apesar de ser definido como um modelo estocástico, faz parte da teoria probabilística. 4.4. O modelo SHALSTAB O modelo SHALSTAB (Shallow Landsliding Stability Model) foi criado por Dietrich e Montgomery (1994), com o intuito de estudar e prever as regiões em uma encosta que podem sofrer com processos de escorregamentos rasos. Inicialmente foi desenvolvido para aplicação em zonas montanhosas, onde o contato entre a rocha, geralmente fraturada, e as diferentes camadas de um solo é abrupto, aliado ao fato de que os materiais perdem coesão quando submetidos a grandes cargas de água (DIETRICH; MONTGOMERY, 1998). O SHALSTAB vem sendo utilizado com sucesso em estudos realizados principalmente nos Estados Unidos, porém em áreas tropicais, como no caso do Brasil, o modelo também mostra bons resultados na previsão de áreas instáveis, além de ser aplicável em áreas onde se conhece pouco sobre os perfis de alteração. No entanto, há regiões em que o modelo não apresenta bons resultados, tais como áreas com afloramentos rochosos, falésias, precipícios e áreas com lençol freático profundo (DIETRICH; MONTGOMERY, 1998; SILVA, 2006). 40 Além disso, com o modelo, pode-se definir a quantidade de chuva necessária para ocasionar a perda de equilíbrio de vertentes, onde, para isso, se leva em consideração fatores como a intensidade pluviométrica, a área de drenagem a montante, a inclinação local, e características geotécnicas e hidrológicas (TABALIPA, 2015; 2015; VIEIRA; RAMOS, 2015). Sendo um modelo determinístico, o SHALSTAB se baseia em outros dois modelos, o de estabilidade de encosta infinita e o modelo hidrológico de estado uniforme, apresentados a seguir. 4.4.1. Modelo de Estabilidade de Encosta Infinita Nos estudos de estabilidade de taludes, define-se o Fator de Segurança (FS), como sendo o quociente entre a resistência do terreno e as forças motoras, que agem sobre o mesmo, ao longo da superfície de movimentação (OLIVEIRA E BRITO (1998). Quando as forças desestruturantes superam as forças estruturantes em um solo, tem-se um escorregamento. No caso dos escorregamentos translacionais rasos, é comum se usar o modelo de estabilidade de encosta infinita, utilizado para situações onde o comprimento da encosta é muito superior ao da profundidade do solo (Figura 11). Tal modelo despreza os efeitos de margem, e compara os componentes desestabilizadores de uma encosta, com os restauradores de sua coesão, em um plano de ruptura paralelo à superfície do solo (MICHEL et al., 2012). Figura 11 – Esquema ilustrando o modelo de encosta infinita. Fonte: Michel et al. (2012). O modelo de estabilidade de encosta infinita se baseia na Lei de Mohr-Coulomb, que define que no momento de ruptura, as forças cisalhantes, igualam-se as forças estruturantes. De outro modo: 41 c (u) tan Onde: = Tensão cisalhante no momento da ruptura (N/m²) c = Coesão do solo (N/m²) ensão normal (N/m²) u = Poro-pressão (N/m²) Ângulo de atrito interno do solo (graus) A Equação 1, pode ser aplicada para o caso das encostas infinitas, considerando uma largura unitária para a encosta. A tensão cisalhante, neste caso, é representada pela componente do peso do solo paralela a encosta (SELBY, 1993; MICHEL et al., 2012). Desse modo, a equação para o modelo de estabilidade de encosta infinita é: sg z sincoscr cs (g z cos ²wg h cos ²) tan  Essa equação, pode ser rearranjada, de modo a considerar o fator de segurança, dividindo a porção das forças estruturantes do solo, pelas desestruturantes, de modo a ficar da seguinte maneira: FS = cr cs (sg z cos ²wg h cos ²)  𝑡𝑎𝑛∅ 𝜌𝑠·g·z·sinθ·cosθ  Onde: FS = Fator de segurança cr = Coesão das raízes (N/m²) cs = Coesão do solo (N/m²) s = Densidade do solo úmido (kg/m³) z = Profundidade do solo (m) Declividade da encosta (graus) w = Densidade da água (kg/m³) h = Altura da camada de água (m) Ângulo de atrito interno do solo (graus) g = Aceleração da gravidade (m/s²) Quando o FS tem valor igual a 1, as duas forças se igualam; quando FS > 1, a encosta se encontra estável; e quando FS < 1, a encosta está propensa a se desestabilizar. Michel (2012), cita o fato de que, em períodos chuvosos, com o aumento da coluna de água, o valor de FS decai, aumentando a instabilidade nas encostas. É devido a isso, que o modelo hidrológico de estado uniforme tem sua importância na aplicação do modelo SHALSTAB. 4.4.2. Modelo Hidrológico de Estado Uniforme Como já citado em capítulo anterior, a água é responsável por ser o principal agente na deflagração dos escorregamentos, o que acontece com maior frequência em períodos chuvosos. 42 Essa ação, de acordo com Silva (2006), ocorre de diversas maneiras, como por exemplo a elevação do grau de saturação no solo e o aumento do peso específico, devido à retenção da água infiltrada. O modelo hidrológico de estado uniforme, baseado nos trabalhos de Beven e Kirkby (1979) e O’Loughlin (1986), simula a variação da altura de coluna de água, relacionada à recarga hídrica, durante uma época chuvosa. Um esquema desse modelo é apresentado na Figura 12, onde a, representa a área de contribuição à montante; b, o comprimento de contorno da fronteira inferior de cada elemento; e q, como a taxa de recarga uniforme. De acordo com Michel et al. (2012), o nível de saturação do solo é obtido através da relação entre a água que entra no sistema por recarga, e a água que sai do mesmo pela camada saturada do solo. Desse modo, as equações a seguir definem o modelo hidrológico de estado uniforme. Tabalipa (2015), cita que resultados de W, maiores que 1, indicam que o solo possui condições aptas para a sua saturação. Figura 12 – Figura ilustrando o modelo hidrológico de estado uniforme. Fonte: Modificado de Montgomery e Dietrich (1994) por Michel et al. (2012). W = q  𝑎 𝑏 sin T Ks z cos Onde: W = Umidade do solo T = Transmissibilidade do solo (m²/d) Ks = Condutividade hidráulica saturada 43 4.4.3. Relação entre os modelos de Estabilidade de Encosta Infinita e o Hidrológico de Estado Uniforme De acordo com Michel et al. (2012), o modelo SHALSTAB baseia-se na relação entre a Equação 2 e a proporção saturada da espessura do solo (h/z), que resulta na equação abaixo: ℎ 𝑧 = 𝑝𝑠 𝑝𝑤 1 − 𝑡𝑎𝑛𝜃 𝑡𝑎𝑛∅ ) + 𝑐 𝑐𝑜𝑠²𝜃·tan∅·𝜌𝑠·g·z (6) Baseando-se na Equação 6, os autores definem duas condições extremas: instabilidade incondicional e estabilidade incondicional. A primeira situação ocorre quando há a ausência de coluna de água (razão h/z igual a 0), sendo que a relação entre os parâmetros de resistência do solo, como o ângulo de atrito e a coesão, não são capazes de compensar a elevada declividade da encosta. Por outro lado, quando a camada de solo está saturada, e os parâmetros de resistência do solo superam a declividade da encosta, tem-se a situação de estabilidade incondicional (MICHEL et al., 2012; TABALIPA, 2015). As duas situações são representadas respectivamente nas Equações 7 e 8. tan𝜃 ≥ tan∅ + 𝑐 𝑐𝑜𝑠²𝜃·tan∅·𝜌𝑠·g·z (7) tan𝜃 ≤ tan∅ · (1 − 𝑝𝑤 𝑝𝑠 ) + 𝑐 𝑐𝑜𝑠²𝜃·tan∅·𝜌𝑠·g·z (8) O acoplamento entre os modelos de estabilidade de encosta infinita e o modelo hidrológico de estado uniforme, de acordo com Michel et al. (2012), é realizado igualando-se as Equações 4 e 6. 𝑞·𝑎 𝑇·𝑏·𝑠𝑖𝑛𝜃  𝑝𝑠 𝑝𝑤 1 − 𝑡𝑎𝑛𝜃 𝑡𝑎𝑛∅ + 𝑐 𝑐𝑜𝑠²𝜃·tan∅·𝜌𝑤·g·z  (9) Reescrevendo a Equação 9, em função das variáveis hidrológicas, q e T, obtém-se a fórmula final adotada pelo modelo SHALSTAB. 𝑞 𝑇 = 𝑏 𝑎 sin 𝑝𝑠 𝑝𝑤 ·1 − 𝑡𝑎𝑛𝜃 𝑡𝑎𝑛∅ + 𝑐 𝑐𝑜𝑠²𝜃·tan∅·𝜌𝑤·g·z } (10) A Equação 10 é a utilizada pelo modelo SHALSTAB para dar o grau de estabilidade de uma encosta, sendo que os dados de entrada requeridos são: a coesão do solo; o ângulo de atrito interno do solo; densidade do solo úmido; a profundidade do solo; e as variáveis a, b e obtidas com o MDT da área de estudo. Desse modo, o SHALSTAB dá uma resposta baseada no 44 parâmetro (q / T), responsável pela classificação do terreno em seu grau de estabilidade. No Quadro 5, são mostradas sete classes de estabilidade, definidas por Dietrich e Montgomery (1994), sendo as duas extremas, instabilidade incondicional e estabilidade incondicional, já mostradas nas Equações 7 e 8. Quadro 5 – Classes de estabilidade de encostas. Fonte: Dietrich e Montgomery (1994). 4.5. O modelo SINMAP O SINMAP (Stability Index Mapping) é um modelo probabilístico, que de maneira semelhante ao SHALSTAB, se utiliza dos conceitos dos modelos de encosta infinita e do modelo hidrológico de estado uniforme, sendo melhor aplicado em situações onde há um fluxo raso de água subterrânea. A teoria em que o modelo se baseia permite um amplo espectro quanto aos dados temporais e espaciais de solo e clima, permitindo com que tais dados apresentem uma variação, quando colocados como parâmetros de entrada no modelo. Devido a isso, Pack et al. (1998), afirmam que os resultados do SINMAP não devem ser interpretados como numericamente precisos e apenas em termos de susceptibilidade relativa. De acordo com Pack et al. (1998), com o advento de tecnologias, como os SIG, permitiu que trabalhos que buscam definir áreas susceptíveis aos movimentos de massa se utilizassem de dados topográficos, a partir dos modelos digitais de elevação, fazendo com que os padrões 45 de instabilidade pudessem ser mapeados digitalmente. A classificação de estabilidade realizada pelo SINMAP se utiliza de parâmetros como a declividade, área de contribuição, características climáticas e pedológicas (MICHEL et al., 2012). Devido às incertezas quanto a estes parâmetros, o modelo se utiliza de limites máximos e mínimos para estes. Desse modo, o índice de estabilidade (SI) é estabelecido como a probabilidade de dada área ser estável, variando, normalmente, entre 0 (mais instável) e 1 (mais estável), porém valores maiores que 1 podem ser obtidos, quando são adotados parâmetros mais conservadores. As classes de estabilidade adotadas no modelo SINMAP, são mostradas no Quadro 6. Quadro 6 – Classes de estabilidade do modelo SINMAP. Índice de estabilidade Classes de estabilidade Intervalos de parâmetros Possível influência de fatores não modelados SI > 1,5 Incondicionalmente Estável Instabilidade não prevista São necessários fatores desestabilizantes significativos para gerar instabilidade 1,5 > SI > 1,25 Estabilidade moderada Instabilidade não prevista São necessários fatores desestabilizantes moderados para gerar instabilidade 1,25 > SI > 1,0 Estabilidade baixa Instabilidade não prevista São necessários fatores desestabilizantes mínimos para gerar instabilidade 1,0 > SI > 0,5 Limiar inferior de instabilidade Combinação pessimista prevê instabilidade Fatores desestabilizantes não são necessários para gerar instabilidade 0,5 > SI > 0,0 Limiar superior de instabilidade Combinação otimista prevê estabilidade Fatores estabilizantes podem gerar estabilidade 0,0 > SI Incondicionalmente Instável Estabilidade não prevista Fatores estabilizadores são necessários para gerar estabilidade Fonte: Michel et al. (2012). O modelo SINMAP se baseia na Equação 3 para cálculo do FS, proposta por Hammond et al. (1992), incorporando o modelo hidrológico de estado uniforme para o cálculo da altura da camada de solo saturada. De acordo com Michel et al. (2010), o SINMAP segue algumas hipóteses, tais como: O fluxo lateral de subsuperfície segue a topografia do terreno; a descarga em cada ponto se encontra em equilíbrio com o estado uniforme de recarga; e por fim, que a descarga lateral em cada ponto é controlada por Tsinonde T é a transmissividade do solo. Desse modo, os autores afirmam que a condutividade hidráulica é considerada constante para toda a camada de solo, podendo-se utilizar o seno ao invés da tangente de  já que a distância de fluxo está acompanhando o declive da encosta. Dito isso, Michel et al. (2010) definem a equação abaixo para se descrever a umidade relativa: 𝑤 = 𝑀𝑖𝑛( R T · 𝑎 sin θ ) (11) 46 Onde: R = Recarga efetiva, para um período crítico T = Transmissibilidade do solo (m²/d) a = Área de contribuição específica Substituindo a Equação 11 na Equação 3, obtém-se a formulação final utilizada pelo modelo SINMAP. 𝐹𝑆 = C+cosθ·[1−𝑀𝑖𝑛( R T · 𝑎 sin θ )·r]·tan∅ sin θ (12) 47 5. METODOLOGIA Neste capítulo são descritas as etapas de trabalho da pesquisa, e os materiais e procedimentos utilizados para cada uma, além do cronograma de atividades realizado. A Figura 13 apresenta a ordem das etapas seguidas nesta dissertação. Figura 13 – Fluxograma das etapas de trabalho. 5.1. Pesquisa bibliográfica Nesta etapa inicial, teve-se como finalidade o levantamento de bibliografia relacionada à temática abordada na dissertação. O levantamento bibliográfico, que ocorreu ao longo de todo o período desta pesquisa, teve como palavras-chave mais importantes: escorregamentos, movimentos de massa, Serra do Mar, compartimentação fisiográfica, SHALSTAB e SINMAP. Além disso, buscou-se também um levantamento d