Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede Nacional Números construtíveis e construções geométricas Jefferson David Alves Rio Claro 2020 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Números construtíveis e construções geométricas Jefferson David Alves Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional, do Instituto de Geociên- cias e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Rio Claro. Orientador Prof. Dr. Thiago de Melo Rio Claro 2020 A474n Alves, Jefferson David Números construtíveis e construções geométricas / Jefferson David Alves. -- Rio Claro, 2020 134 p. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Thiago de Melo 1. Geometria. 2. Construções geométricas. 3. Números construtíveis. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. TERMO DE APROVAÇÃO Jefferson David Alves Números construtíveis e construções geométricas Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação – Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional, do Instituto de Geociências e Ci- ências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, pela seguinte banca examinadora: Prof. Dr. Thiago de Melo Orientador Profa. Dra. Eliris Cristina Rizziolli Departamento de Matemática - IGCE/UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. Anderson Paião dos Santos Departamento de Matemática - UTFPR/Cornélio Procópio (PR) Rio Claro, 25 de agosto de 2020 Aos meus pais irmão, e minha namorada. Agradecimentos À minha namorada Joice Mara Antonholi, pelo incentivo e compreensão ao longo desta caminhada. Aos meus pais, Antonio Alves e Rita de Cássia de Souza Alves, e ao meu irmão Jeisson David Alves. Ao meu orientador, Prof. Dr. Thiago de Melo, pela aceitação da orientação, por todo o aprendizado que proporcionou, as contribuições para a realização deste trabalho, a toda paciência e dedicação, e por todos os conselhos. Também dedico a ele este trabalho. Aos meus antigos orientadores, Sylvio Dionysio de Souza e Maristela Olzon Monteiro Dionysio de Souza que me ensinaram muito sobre Física e sobre a vida, saiba que tenho um carinho especial por vocês. Ao pessoal do GIH–Grupo de Interações Hiperfinas, Danilo Olzon Dionysio de Souza, Edilaine Honório da Silva, Marcelo Campos, Pablo Felipe Marins Finotti, Thiago Pavan de Arruda, Willian Takemitsu Shigeyosi, por todo acolhimento e ajuda em minha caminhada na UFSCAR. Aos meus colegas do PROFMAT que juntos passamos momentos difíceis e felizes ao longo desta caminhada em especial ao Cristiano Santini Rodrigues. Aos professores do Departamento de Matemática da UNESP campus de Rio Claro que contribuíram para minha formação. Gostaria de agradecer a todos os professores que tive ao longo desta vida, que mui- tas vezes não são valorizados da forma como merecem pela sociedade. Em especial aos professores do Ensino Médio Mariana, Márcia e Rodrigo, da Graduação aos professores Carlos Roberto de Moraes, Celso Luis Levada, Gilson Coutinho Junior, Huemerson Ma- ceti, Ivan José Lautenschleguer, Silma Ramos Coimbra Mendes. E ao professor Antonio Sebastião Bordignon, por todo o incentivo, ensinamentos e conversas que temos a respeito de matemática. Aos membros da banca examinadora Prof. Dr. Anderson Paião dos Santos e Profa. Dra. Eliris Cristina Rizziolli por terem aceitado o convite de participar da banca e pelas contribuições para a dissertação. À UNESP e à SBM (Sociedade Brasileira de Matemática) que promovem o PROFMAT – Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional. Ao Centro Paula Souza que administra a ETEC (Escola Técnica) que permitiu afastar- me de parte de minhas aulas para desenvolver meus estudos. “Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.” – Gandalf, o Cinzento. A Sociedade do anel J. R. R. Tolkien Resumo Este trabalho trata das construções geométricas e dos números construtíveis, que são obtidos utilizando-se apenas régua não graduada e compasso. Apresentamos a demons- tração de diversas propriedades destes números juntamente com a descrição para suas construções. A motivação para este estudo é devido aos problemas clássicos da Grécia antiga, que são: a duplicação do cubo, a quadratura do círculo, a tri-secção de um ângulo qualquer e a construção de polígonos regulares. Palavras-chave: Geometria, Construções geométricas, Números construtíveis. Abstract This work deals with geometric constructions and constructible numbers obtained using only a non-graduated ruler and compass. The motivation for it is due to the classical problems of ancient Greece which are: the doubling of the cube, the squaring of the circle, the tri-section of any angle and the construction of regular polygons. It presents several properties of these numbers and describes their constructions. Keywords: Geometry, Geometric Constructions, Constructible Numbers. Lista de Figuras 2.1 Pontos pertencentes e não pertencentes à uma reta . . . . . . . . . . . . . 29 2.2 Unicidade da reta que contém dois pontos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2.3 Pontos colineares e não colineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.4 Retas paralelas e concorrentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.5 Correspondência entre pontos de uma reta e os números reais . . . . . . . . 31 2.6 Postulado da Colocação da Régua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.7 Semirretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.8 Segmento de reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.9 Ponto médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.10 Figuras convexas e não convexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.11 Ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.12 Ângulo reto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.13 Transferidor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.14 Construção de um ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.15 Adição de dois ângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.16 Ângulos opostos pelo vértice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.17 Bissetriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2.18 Polígonos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2.19 Ângulo externo e ângulo interno de um polígono . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.20 Figuras congruentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.21 Triângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.22 Triângulos congruentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 2.23 Caso L.A.L. de congruência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 2.24 Triângulo isósceles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2.25 Caso A.L.A. de congruência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2.26 Caso L.L.L. de congruência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2.27 Mediatriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.28 Mediana de um triângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.29 Ângulo externo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.30 Altura de um triângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.31 Caso L.A.A. de congruência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.32 Paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.33 Ângulos alternos internos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 2.34 Teorema fundamental da proporcionalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 2.35 Caso A.A.A. de semelhança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 2.36 Caso L.A.L de semelhança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 2.37 Caso L.L.L. de semelhança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 2.38 Triângulo retângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.39 Relações métricas no triângulo retângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.40 Circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.41 Corda e diâmetro de uma circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.42 Reta tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.43 Ângulo central de circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.44 Ângulos inscrito e central . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.45 Potência de ponto com circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3.1 Instrumentos básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.2 Segmento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 3.3 Segmento congruente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 3.4 Angulo e reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.5 Ângulo congruente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.6 Segmento qualquer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.7 Mediatriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.8 Ponto e reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.9 Perpendicular; caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.10 Reta com ponto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.11 Perpendicular; caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.12 Ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.13 Bissetriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 3.14 Reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.15 Reta paralela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.16 Três pontos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.17 Circuncentro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.18 Triângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.19 Incentro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 3.20 Ângulo e segmento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 3.21 Arco capaz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 3.22 Arco capaz e ângulo inscrito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.23 Segmento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.24 Divisão de segmento em partes iguais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.25 Divisão proporcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.26 Circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3.27 Circunferência e centro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3.28 Circunferência e ponto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 3.29 Circunferência e tangentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3.30 Segmentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3.31 4a proporcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.32 Raiz da soma de quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 3.33 Raiz da subtração de quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3.34 Natural multiplicado por raiz de 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3.35 Natural multiplicado por raiz de 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 3.36 Raiz de um número natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 3.37 Média aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 3.38 Média geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.39 Relações métricas e média geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.40 Segmento áureo interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.41 Segmento áureo externo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 3.42 Construção dos segmentos áureos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 3.43 Segmento áureo sobre uma reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 3.44 Quadrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.45 Retângulo áureo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.46 Inverso multiplicativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 3.47 Quadrado de um número . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 3.48 Raiz de um segmento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 3.49 Raiz de um segmento como altura de um triângulo retângulo . . . . . . . . 78 4.1 Construções elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.2 Subconjunto de pontos construtíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.3 Ponto médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 4.4 Reta perpendicular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 4.5 Transporte de um segmento; caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 4.6 Transporte de um segmento; caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 4.7 Segmento congruente; caso I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 4.8 Segmento congruente; caso II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.9 Segmento congruente; caso III . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.10 Paralelogramo construtível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 4.11 Paralelogramos construtíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 4.12 Ponto de coordenadas construtíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 4.13 Subtração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.14 Multiplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.15 Divisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 4.16 Representação do corpo e extensões construtíveis . . . . . . . . . . . . . . 94 4.17 Representação das extensões de K . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 4.18 Construção do segmento √ α com r construtível . . . . . . . . . . . . . . . 98 4.19 Cubo de aresta α . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 4.20 Círculo de raio r = 1 e quadrado de mesma área . . . . . . . . . . . . . . . 100 4.21 Polígono regular de 8 lados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 4.22 Polígono regular de 12 lados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 Sumário Introdução 21 1 Geometria e ensino 23 1.1 Breve histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.2 Lei de Diretrizes e Bases - LDB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.3 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio . . . . . . . . . . 24 1.4 Base Nacional Comum Curricular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 1.5 Currículo do Estado de São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.5.1 Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo 27 1.6 Centro Paula Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.7 Reflexão sobre o ensino de geometria através de régua e compasso . . . . . 27 2 Geometria euclidiana plana 29 2.1 Retas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2.2 Ângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.3 Polígonos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 2.4 Congruência de triângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.5 Paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.6 Semelhança de triângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 2.7 O Teorema de Pitágoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.8 Circunferências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.9 Arcos de circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3 Construções geométricas 47 3.1 Construções elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.1.1 Segmento congruente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.1.2 Ângulo congruente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 3.1.3 Mediatriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.1.4 Perpendicular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.1.5 Bissetriz de um ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.1.6 Retas paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.2 Construções intermediárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.2.1 Circunferência circunscrita a um triângulo . . . . . . . . . . . . . . 55 3.2.2 Circunferência inscrita em um triângulo . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.2.3 Arco capaz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 3.2.4 Divisão de um segmento em partes iguais . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.2.5 Determinar o centro de uma circunferência . . . . . . . . . . . . . . 61 3.2.6 Traçar as tangentes a uma circunferência . . . . . . . . . . . . . . . 62 3.3 Construções de expressões algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3.3.1 A 4a proporcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 3.3.2 √ a2 ± b2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.3.3 a √ n, com n natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3.3.4 Média aritmética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 3.3.5 Média geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 3.3.6 O segmento áureo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.3.7 Retângulo áureo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 3.3.8 1/a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 3.3.9 a2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 3.3.10 √ a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 4 Números construtíveis 79 4.1 Álgebra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 4.2 Construção por meio de régua e compasso . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.2.1 Problemas clássicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 Referências 105 A Atividades propostas 107 Introdução Este trabalho tem por objetivo principal apresentar as construções geométricas por meio de compasso e régua não graduada, bem como abordar um pouco da teoria dos núme- ros construtíveis, apresentar demonstrações de algumas propriedades e propor atividades que possam ser realizadas em sala de aula dos mais diversos níveis de ensino. Após a escolha do tema deste trabalho, foi efetuada uma busca na base de dissertações do programa de pós-graduação Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT [1] com o intuito de verificar o que já havia sido desenvolvido sobre este tema. Constatou-se que havia trabalhos que citavam este tema e, após a leitura dos traba- lhos, optou-se por apresentar uma abordagem diferente das demais dissertações, tentando aproximar o leitor das descrições, seja das construções elementares, seja das demonstra- ções relativas aos números construtíveis, e nas propostas de atividades para a sala de aula. Antes de dissertar a respeito dos números construtíveis, apresenta-se no Capítulo 1 Geometria e ensino um pouco sobre como o ensino de geometria é proposto no Ensino Médio, seja pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), pela atual proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pelo currículo da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), e pelos currículos de alguns dos cursos de Ensino Técnico Inte- grado ao Ensino Médio (ETIM) do Centro Paula Souza que mantém as Escolas Técnicas ETEC’s. O Capítulo 2 Geometria euclidiana plana apresenta ao leitor diversos postulados e definições para que o mesmo possa estar familiarizado para as demostrações que serão descritas em capítulos posteriores. No Capítulo 3 Construções geométricas, estão descritos os processos de construção utilizando compasso e régua não graduada. Também, temos o Capítulo 4 Números cons- trutíveis, cuja teoria vem acompanhada de algumas demonstrações e dos critérios de construtibilidade. Por fim, no Apêndice A Atividades propostas, como o próprio nome diz, estão as atividades para que o leitor possa aplicar os conceitos apresentados neste trabalho. Espera-se que este trabalho possa ser utilizado por professores do Ensino Fundamental e Médio como roteiro e guia para construções com régua e compasso, e que também possa ser utilizado por alunos de graduação e programas de pós-graduação que venham a cursar a disciplina de Geometria onde as construções geométricas serão estudadas. Também é esperado que este trabalho possa ser utilizado por estudantes de graduação e pós-graduação na disciplina de Álgebra a fim de se aprofundar nas demonstrações de propriedades e proposições dos números construtíveis e apresentar uma aplicabilidade para as extensões algébricas dos racionais, como os problemas clássicos de construtibilidade propostos pelos gregos. 21 1 Geometria e ensino 1.1 Breve histórico A palavra geometria é hoje em dia conhecida por todos que em algum momento tiveram contato com a matemática, sua origem é relacionada à palavra geometrein que é na verdade a junção de duas palavras, geo o mesmo que terra, e metrein que significa medir. Porém, hoje sabemos que geometria é na verdade uma área da matemática de grande importância e que está muito além de apenas medir terras e segmentos. As construções geométricas por meio de compasso e régua não graduada já se apresen- tam desde o século 5 a.C., conforme podemos verificar em diversas literaturas que tratam sobre o tema [2]. Estas construções tiveram uma grande importância no desenvolvimento da matemática grega e nas que dela se ramificaram. É importante deixar claro que nesta época, a palavra número era utilizada apenas para números inteiros e as frações eram razões entre tais números. Na época de Euclides, aproximadamente século 3 a.C. as grandezas passaram a ser associadas a segmentos de reta, e deste modo a palavra resolver passou a ser o mesmo que construir. Com essa noção, a equação ax = b não poderia ser resolvida, pois comparava uma área (lado esquerdo) com um segmento de reta (lado direito). Porém, era possível resolver a equação ax = bc pois bastava tomar a área do retângulo do lado direito e torná-la equivalente à área do retângulo do lado esquerdo de base a e altura x. Os números construtíveis possuem sua origem associada à lenda de que em 429 a.C. atenienses foram consultar o oráculo de Apolo na ilha de Delos, a fim de que a peste tivesse um fim, e o oráculo respondeu que era necessário construir outro altar no templo com o dobro do tamanho do altar já existente. Construíram então um novo altar dobrando a aresta do antigo, que possuía a forma de um cubo, e assim aumentaram o volume do cubo em oito e não dobrando como era preciso, e então a peste continuou. Para dobrar o volume do cubo era necessário que a aresta do cubo fosse multiplicada por 3 √ 2. Com esta lenda, o problema de “duplicar o cubo” se tornou o “problema de Delos” e que deveria ser resolvido somente utilizando régua não graduada e compasso. Os gregos propuseram os problemas: 1. Duplicar o cubo, ou seja, construir um cubo com o dobro do volume. 2. Quadrar o círculo, ou seja, construir um quadrado com área igual a de um círculo dado. 3. Tri-seccionar um ângulo, isto é, dividir um ângulo dado em três ângulos congruentes. 4. Construir certos polígonos regulares, como por exemplo, o heptágono. 23 24 Geometria e ensino Na época, eles ainda não tinham os instrumentos matemáticos que lhes permitissem demonstrar que estas construções são na verdade impossíveis utilizando somente régua e compasso, pois tais soluções necessitavam da consolidação dos números complexos por Gauss (1777–1885), e da criação da teoria dos grupos por Galois (1811–1832). 1.2 Lei de Diretrizes e Bases - LDB No Brasil a Lei no 9394 de dezembro de 1996 comumente chamada de LDB, disponível em [3] estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e determina que a matemá- tica é uma das áreas do conhecimento obrigatórias no ensino, conforme podemos ver no Capítulo II, Seção I, Art. 26: §1o Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil. Mais adiante ainda no Capítulo II, é reforçado que a matemática é obrigatória em todo o Ensino Médio, e que a Base Nacional Comum Curricular determina seus objetivos, como podemos ver na Seção IV, Art. 35-A: A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento: II - matemática e suas tecnologias; §3◦ O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utili- zação das respectivas línguas maternas. Deste modo, a LDB estabelece a obrigatoriedade da matemática durante o Ensino Fundamental e Médio, porém não determina os conteúdos, habilidades e competências a serem desenvolvidos, deixando isso para a Base Nacional Comum Curricular. 1.3 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) foram propostas curriculares desenvolvidas pelo Ministé- rio da Educação (MEC) e disponíveis em [4] que indicavam os conteúdos, competências e habilidades que deveriam ser utilizados nas escolas do Brasil. Hoje tais propostas estão sendo substituídas pela Base Nacional Comum Curricular. 1.4 Base Nacional Comum Curricular A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) encontra-se em desenvolvimento pelo MEC, e tem o intuito de ser um documento oficial que norteará a elaboração dos currículos de todas as etapas da educação no Brasil. Nos dias atuais a BNCC está em processo de finalização, sendo possível consultar a atual proposta [5]. O objetivo do ensino de matemática consta na página 470: Base Nacional Comum Curricular 25 A área de Matemática, no Ensino Fundamental, centra-se no desenvolvi- mento da compreensão de conceitos e procedimentos em seus diferentes cam- pos, visando à resolução de situações-problema. No Ensino Médio, na área de Matemática e suas Tecnologias, os estudantes devem utilizar conceitos, procedimentos e estratégias não apenas para resolver problemas, mas também para formulá-los, descrever dados, selecionar modelos matemáticos e desenvol- ver o pensamento computacional, por meio da utilização de diferentes recursos da área. Mais adiante, na página 517 temos a descrição dos conhecimentos para o Ensino Fun- damental: Na BNCC de Matemática do Ensino Fundamental, as habilidades estão organizadas segundo unidades de conhecimento da própria área (Números, Álgebra, Geometria, Grandezas e Medidas, Probabilidade e Estatística). O assunto desta dissertação é descrito na mesma página da seguinte maneira: Em relação ao pensamento geométrico, eles desenvolvem habilidades para interpretar e representar a localização e o deslocamento de uma figura no plano cartesiano, identificar transformações isométricas e produzir ampliações e re- duções de figuras. Além disso, são solicitados a formular e resolver problemas em contextos diversos, aplicando os conceitos de congruência e semelhança. Já no Ensino Médio na página 523 temos 5 competências específicas para a matemá- tica, sendo: 1 – Utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos para in- terpretar situações em diversos contextos, sejam atividades cotidianas, sejam fatos das Ciências da Natureza e Humanas, ou ainda questões econômicas ou tecnológicas, divulgados por diferentes meios, de modo a consolidar uma formação científica geral. 2 – Articular conhecimentos matemáticos ao propor e/ou participar de ações para investigar desafios do mundo contemporâneo e tomar decisões éticas e socialmente responsáveis, com base na análise de problemas de urgência social, como os voltados a situações de saúde, sustentabilidade, das implicações da tecnologia no mundo do trabalho, entre outros, recorrendo a conceitos, procedimentos e linguagens próprios da Matemática. 3 – Utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos, em seus campos – Aritmética, Álgebra, Grandezas e Medidas, Geometria, Probabili- dade e Estatística –, para interpretar, construir modelos e resolver problemas em diversos contextos, analisando a plausibilidade dos resultados e a adequa- ção das soluções propostas, de modo a construir argumentação consistente. 4 – Compreender e utilizar, com flexibilidade e fluidez, diferentes registros de representação matemáticos (algébrico, geométrico, estatístico, computaci- onal etc.), na busca de solução e comunicação de resultados de problemas, de modo a favorecer a construção e o desenvolvimento do raciocínio matemático. 5 – Investigar e estabelecer conjecturas a respeito de diferentes conceitos e propriedades matemáticas, empregando recursos e estratégias como observa- ção de padrões, experimentações e tecnologias digitais, identificando a neces- sidade, ou não, de uma demonstração cada vez mais formal na validação das referidas conjecturas. 26 Geometria e ensino Dentre tais competências, podemos destacar as seguintes habilidades que relacionam a geometria: Competência 1 (EM13MAT105) Utilizar as noções de transformações isométricas (trans- lação, reflexão, rotação e composições destas) e transformações homoté- ticas para analisar diferentes produções humanas como construções civis, obras de arte, entre outras. Competência 2 (EM13MAT201) Propor ações comunitárias, como as voltadas aos locais de moradia dos estudantes dentre outras, envolvendo cálculos das medidas de área, de volume, de capacidade ou de massa, adequados às demandas da região. Competência 3 (EM13MAT307) Empregar diferentes métodos para a obtenção da medida da área de uma superfície (reconfigurações, aproximação por cortes etc.) e deduzir expressões de cálculo para aplicá-las em situações reais, como o remanejamento e a distribuição de plantações, com ou sem apoio de tecnologias digitais. (EM13MAT308) Resolver e elaborar problemas em variados contextos, envolvendo triângulos nos quais se aplicam as relações métricas ou as noções de congruência e semelhança. (EM13MAT309) Resolver e elaborar problemas que envolvem o cálculo de áreas totais e de volumes de prismas, pirâmides e corpos redondos (cilindro e cone) em situações reais, como o cálculo do gasto de material para forrações ou pinturas de objetos cujos formatos sejam composições dos sólidos estudados. Competência 4 (EM13MAT407) Interpretar e construir vistas ortogonais de uma figura espacial para representar formas tridimensionais por meio de figuras pla- nas. Competência 5 (EM13MAT505) Resolver problemas sobre ladrilhamentos do plano, com ou sem apoio de aplicativos de geometria dinâmica, para conjecturar a respeito dos tipos ou composição de polígonos que podem ser utilizados, generalizando padrões observados. (EM13MAT512) Investigar propriedades de figuras geométricas, questio- nando suas conjecturas por meio da busca de contraexemplos, para refutá- las ou reconhecer a necessidade de sua demonstração para validação, como os Teoremas relativos aos quadriláteros e triângulos. Após a leitura desta nova proposta, verifica-se que o conteúdo de geometria é obriga- tório, porém não é especificado o tema construção por meio de compasso e régua. 1.5 Currículo do Estado de São Paulo Atualmente, por meio da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) as escolas do Estado de São Paulo utilizam o “Currículo do Estado de São Paulo - Mate- mática e suas tecnologias” [6], que instrui os professores a quais conteúdos, habilidades e Centro Paula Souza 27 competências devem ser estudados de acordo com o ano em que cada aluno se encontra, desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. O currículo apresenta os conteúdos de Números e Geometria intercalados entre os bimestre, de forma que a cada ano que o aluno avança no estudo é aprofundado um determinado tema. O tema construção geométrica é citado no desenvolvimento do currículo porém não é especificada nos quadros de conteúdos e habilidades específicos para cada ano do ensino. 1.5.1 Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo O Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) é uma avaliação aplicada aos alunos que visa orientar professores e gestores quanto a melhoria do ensino. Atualmente os professores e gestores do estado de São Paulo possuem disponível as “Matrizes de referência para a avaliação Saresp” [7] que determinam as habilidades que são verificadas em cada etapa do ensino. Encontra-se também a disposição para os professores a “Matriz de avaliação proces- sual” [8] que apresenta de uma forma direta os conteúdos, habilidades, competências, e as metas para o processo de avaliação. Esta matriz fica disponível na forma impressa nas escolas e também possui uma versão digital que o professor pode solicitar a sua Diretoria de Ensino. Neste documento, não temos nenhuma menção quanto a construção geométrica por meio de régua e compasso. 1.6 Centro Paula Souza O Centro Paula Souza (CPS) é uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo e é vinculado a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que administra as Escolas Técnicas (ETEC) e Faculdades de Tecnologia (FATEC). Nas escolas ETEC, mantém diversos cursos onde os alunos realizam um curso téc- nico concomitantemente com o Ensino Médio, chamados de Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio (ETIM). Nesta modalidade, cada curso apresenta um currículo diferenci- ado que é desenvolvido com o intuito de promover as capacidades técnicas que o aluno necessita para seu curso técnico. Existem diversos currículos, todos estão disponíveis em [9] onde também verifica-se que não é citado o tema construção por meio de régua e compasso. 1.7 Reflexão sobre o ensino de geometria através de régua e compasso A Geometria é reconhecida em todos os documentos oficiais, seja a nível estadual quanto federal, como uma grande área dentro da Matemática que deve ser desenvolvida nos diversos níveis de ensino. O tema “construção por meio de compasso e régua” não é citado de forma direta em nenhum dos documentos oficiais, mesmo sendo de extrema importância para o processo 28 Geometria e ensino de aprendizagem, pois apresenta de maneira concreta diversos conteúdos algébricos, além de, como visto anteriormente, ter surgido de problemas da antiguidade que podem servir de inspiração ou situações problema para os estudantes. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) reforça o quanto o conhecimento de Geometria, em especial a construção por meio de régua e compasso é importante em suas avaliações da primeira e segunda fases, tendo até mesmo apostilas específicas para o tema Geometria e construções como “A geometria do corpo terrestre”, “Uma introdução às construções geométricas” e “Encontros de geometria parte 1” todas disponíveis em [10]. Construções geométricas podem ser aplicadas em diversas áreas do conhecimento como por exemplo na realização de operações com vetores na Física, construção de mapas na Geografia, e até mesmo contribuir para uma compreensão sobre como os problemas ma- temáticos impactaram algumas civilizações dentro da história. Diversas situações no cotidiano da sociedade que vão da construção civil a projetos das mais diversas áreas como automobilística, projeto de componentes eletrônicos, dimensionamentos de celula- res e equipamentos tecnológicos como notebooks, todas estas grandes áreas e outras se utilizam da leitura e interpretação de desenhos geométricos como poderosa ferramenta para compreensão e desenvolvimento. Deste modo, as construções por meio de régua e compasso deveriam constar nos docu- mentos oficiais que norteiam o ensino de Matemática, pois possuem grande potencial para a contextualização e a interdisciplinaridade, além de serem grandes motivadores para o processo de aprendizagem. 2 Geometria euclidiana plana Antes de iniciarmos as construções geométricas, precisamos determinar certos concei- tos que serão a base dos processos desenvolvidos. Para um aprofundamento e demonstra- ções das proposições e teoremas que não serão apresentadas nesta dissertação, consulte [11], [12] e [13]. Os conceitos mais básicos da Geometria, a saber, ponto, reta e plano são na verdade noções primitivas que se supõe que qualquer pessoa compreenda. No livro Os Elementos, de Euclides, como visto em [14] estes conceitos eram descritos de maneiras que não podemos tomar como definições. Ponto era definido como “aquilo que não possui partes”, linha como “o que possui comprimento mas não largura” e reta, “uma linha que jaz igualmente com respeito a todos os seus pontos”. Deste modo, assumiremos que estes conceitos já são compreendidos pelo leitor. Deste momento em diante, todo este trabalho será realizado em um plano Euclidiano, sendo que pontos serão representados com letras latinas maiúsculas e retas por letras latinas minúsculas. Observe a Figura 2.1, onde a reta r é um conjunto de pontos. O ponto A pertence à reta r e então escreveremos A ∈ r e o ponto B não pertence à reta r, e escreveremos B 6∈ r. r A B Figura 2.1: Reta r e pontos A e B. 2.1 Retas Tomemos três Postulados que são conhecidos como Postulados de Incidência. Postulado 2.1. Dados dois pontos distintos, existe uma única reta que os contém. Conforme a Figura 2.2, no caso em que a reta contém os pontos A e B, a denotamos por ←→AB. r A B Figura 2.2: Reta r que contém os pontos A e B. 29 30 Geometria euclidiana plana Postulado 2.2. Qualquer reta contém no mínimo dois pontos distintos. Definição 2.3. Um conjunto de pontos do plano é dito colinear se existir uma reta que contém todos os pontos desse conjunto. r A B C (a) s D E F (b) Figura 2.3: (a) Pontos colineares; (b) não colineares. Postulado 2.4. Existem pelo menos três pontos distintos não colineares. Definição 2.5. Retas paralelas são retas que não se interseccionam, ou seja, não existe ponto comum às retas. Retas concorrentes são retas distintas que se interseccionam em um ponto. r s (a) r s P (b) Figura 2.4: (a) Retas paralelas; (b) retas concorrentes. Para os próximos postulados, utilizaremos os números reais, e para referência sobre suas propriedades e definições, consulte [15]. Postulado 2.6 (Postulado da Distância). A cada par de pontos corresponde um único número maior ou igual a zero, sendo que este número só é zero se os pontos forem coin- cidentes. Definição 2.7. A distância entre dois pontos é o número obtido pelo Postulado da Dis- tância. Postulado 2.8 (Postulado da Régua). Podemos estabelecer uma correspondência entre os pontos de uma reta e os números reais de modo que: 1. Cada ponto da reta corresponde a exatamente um número real. 2. Cada número real corresponde a exatamente um ponto da reta. 3. A distância entre dois pontos é o valor absoluto da diferença entre os números correspondentes. Retas 31 Na Figura 2.5, observe que foi estabelecido que o real −2 corresponde ao ponto A, o número real 0 ao ponto B, o número real 2 ao ponto C e o número real d > 0 ao ponto D. r A B C D −2 0 2 d Figura 2.5: Correspondência entre pontos de uma reta e os números reais. Definição 2.9. A coordenada de um ponto em um sistema de coordenadas fixado é o número correspondente a este ponto, obtido pelo Postulado da Régua. Postulado 2.10 (Postulado da Colocação da Régua). Dados dois pontos P e Q de uma reta, pode ser escolhido um sistema de coordenadas de modo que a coordenada de P seja zero e a coordenada de Q seja positiva. r −2 −1 0 P 1 2 3 4 Q 5 6 7 8 Figura 2.6: Postulado da Colocação da Régua. Definição 2.11. Um ponto A divide uma reta em duas semirretas com origem em A. Escolhendo dois pontos B e C de maneira que o ponto A fique entre B e C, podemos determinar a semirreta de origem em A e que contém o ponto B, que será representada por −→AB, e a semirreta de origem no ponto A que contém o ponto C, representada por−→ AC. ←→ AB ≡ r C A B −→ AB A B −→ AC C A Figura 2.7: Semirretas de origem no ponto A. Definição 2.12. Dois pontos A,B determinam um segmento de reta, que é o conjunto dos pontos A,B e dos pontos X que estão entre A e B. O segmento é representado por AB e seus extremos são A e B. A B Figura 2.8: Segmento de reta AB. Definição 2.13. A medida ou comprimento de um segmento AB é a distância entre seus extremos, denotada por AB. Utilizando um sistema de coordenadas no qual A e B têm coordenadas a e b, respectivamente, tem-se AB = |a− b|. 32 Geometria euclidiana plana Se dois segmentos possuem a mesma medida, dizemos que são segmentos congruentes. Definição 2.14. Ponto médio de um segmento AB é o ponto M que está entre A e B, satisfazendo AM = MB. A M B Figura 2.9: Ponto médio do seguimento AB. Definição 2.15. Conjunto convexo é formado por figuras onde para todo par de pontos distintos P e Q desse conjunto, o segmento PQ está inteiramente contido nele. (a) (b) Figura 2.10: (a) Figuras convexas; (b) figuras não convexas. Postulado 2.16 (Postulado da Separação do Plano). Dada uma reta, os pontos que não pertencem à ela formam dois conjuntos disjuntos tais que: 1. cada um dos conjuntos é convexo; 2. se P pertence a um dos conjuntos e Q ao outro, então o segmento PQ intersecciona a reta. Definição 2.17. Dada uma reta r, os conjuntos determinados pelo Postulado 2.16 são chamados de semiplanos, e r é chamada de origem de cada um deles. Dizemos que r separa o plano em dois semiplanos. 2.2 Ângulos Definição 2.18. Dadas duas semirretas −→AB e −→AC distintas, não opostas, de mesma origem A, o ângulo determinado por elas é a união destas duas semirretas, denotado por B̂AC ou ĈAB. Também, cada semirreta é chamada de lado do ângulo. A C B Figura 2.11: Ângulo B̂AC. Ângulos 33 Postulado 2.19 (Postulado da Medida de Ângulos). A cada ângulo B̂AC corresponde um único número real entre 0 e 180. O número do postulado acima é chamado medida do ângulo, denotado por mB̂AC cuja unidade é grau, e assim, ângulos que possuem a mesma medida são chamados congruentes. Para este trabalho, todas as vezes que nos referirmos ao ângulo B̂AC, o contexto deixará claro se faz referência ao ângulo ou a medida do ângulo mB̂AC, uma vez que tal distinção não comprometerá o entendimento pelo leitor. Para medidas de ângulo que correspondem a 90◦ será utilizado um quadrado junto ao ângulo. O A B 90◦ Figura 2.12: Ângulo reto. Transferidor é o instrumento mais comum utilizado para realizar medição de ângulos. A Figura 2.13 apresenta um modelo deste instrumento. 01234567 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 1 2 3 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 14 0 15 0 16 0 17 0 170 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 Ευκλιδ made in NES Figura 2.13: Transferidor. Definição 2.20. Um ângulo α = B̂AC será classificado de acordo com sua medida, do seguinte modo: 1. Agudo, se 0◦ < α < 90◦. 2. Reto, se α = 90◦. 3. Obtuso, se 90◦ < α < 180◦. Postulado 2.21 (Postulado da Construção de Ângulo). Seja −→AB uma semirreta con- tida na reta de origem de um semiplano H . Para cada número α entre 0 e 180 existe exatamente uma semirreta −→AP com P em H , tal que P̂AB = α. 34 Geometria euclidiana plana A B PH α Figura 2.14: Construção do ângulo P̂AB no semiplano H . Postulado 2.22 (Adição de ângulos). Se D é um ponto interior ao ângulo B̂AC então B̂AC = B̂AD + D̂AC. A B D C r s r + s Figura 2.15: Adição de dois ângulos. Ângulos adjacentes: são ângulos onde seus vértices coincidem e possuem um dos lados em comum. Ângulos complementares: são ângulos cuja soma de suas medidas é igual a 90◦, e neste caso um ângulo é chamado de complemento do outro. Ângulos suplementares: são ângulos cuja soma de suas medidas é 180◦, e cada ângulo é chamado de suplemento do outro. Teorema 2.23. Dois ângulos opostos pelo vértice são congruentes. O r sA BC D β α Figura 2.16: Ângulos α e β opostos pelo vértice. Definição 2.24. Bissetriz de um ângulo é a semirreta interna ao ângulo, com origem no vértice do ângulo e que o divide em dois ângulos de mesma medida. Polígonos 35 A O B P α α Figura 2.17: Bissetriz do ângulo ÂOB. Proposição 2.25. A bissetriz de um ângulo é o conjunto de todos os pontos que equidis- tam de seus lados. 2.3 Polígonos Definição 2.26. Um polígono é uma união de segmentos A1A2, . . . , An−1An, AnA1 com n ≥ 3, satisfazendo: 1. Nenhum par de segmentos se intersecciona a não ser (possivelmente) nas suas ex- tremidades. 2. Nenhum par de segmentos com extremidade comum está na mesma reta. Escreveremos simplesmente polígono A1A2 . . . An e definimos: Vértices do polígono são os pontos A1, . . . , An. Lados do polígono são os segmentos A1A2, . . . , An−1An, AnA1. Perímetro do polígono é a soma dos comprimentos dos seus lados. Definição 2.27. Um polígono convexo está contido em um dos semiplanos determinados pelas retas que contêm os seus lados. A B C D E F (a) G H I JK (b) Figura 2.18: (a) Convexo; (b) não convexo. Definição 2.28. Os ângulos de um polígono convexo A1A2 . . . An são ̂Ai−1AiAi+1, i = 2, . . . , n− 1 juntamente com os ângulos ̂An−1AnA1 e ÂnA1A2. Já os ângulos externos são formados por um lado do polígono e pelo prolongamento do lado adjacente. 36 Geometria euclidiana plana A B C D E α β Figura 2.19: α é um ângulo interno do polígono, β é um ângulo externo. Definição 2.29. Polígono regular é um polígono convexo onde quaisquer dois de seus lados são congruentes. 2.4 Congruência de triângulos Definição 2.30. Figuras planas congruente são figuras que podem ser sobrepostas, ou seja, que coincidem por meio de movimentos rígidos no plano, isto é, sem que seja neces- sário modificar sua forma ou qualquer medida. Figura 2.20: Figuras congruentes. Definição 2.31. Triângulo é um polígono de três lados, denotado por 4ABC, sendo seus vértices os pontos A, B e C, seus lados os segmentos AB, BC e CA, e seus ângulos internos ÂBC, B̂CA e ĈAB. A B C Figura 2.21: Triângulo 4ABC. Podemos classificar os triângulos de duas maneiras: 1. Quanto aos lados: (a) Triângulo equilátero, quando possuir os três lados congruentes. (b) Triângulo isósceles, quando possuir dois de seus lados congruentes e o ter- ceiro lado será chamado de base do triângulo. Congruência de triângulos 37 (c) Triângulo escaleno, quando não possuir um par de lados congruentes. 2. Quanto aos ângulos: (a) Triângulo acutângulo, quando seus três ângulos forem agudos. (b) Triângulo retângulo, quando possui um ângulo reto. O lado oposto a este ângulo é chamado hipotenusa e os demais lados, catetos. (c) Triângulo obtusângulo, quando possui um ângulo obtuso. (d) Triângulo equiângulo, quando possui os três ângulos congruentes. Definição 2.32. Triângulos congruentes são triângulos para os quais é possível definir uma correspondência biunívoca entre seus vértices de modo que os pares de ângulos (resp. lados) correspondentes sejam congruentes. Note que na Figura 2.22 temos a correspondência A ↔ D, B ↔ F e C ↔ E entre os vértices dos triângulos 4ABC e 4DEF , de modo que B̂AC ≡ F̂DE, ĈBA ≡ ÊFD, ÂCB ≡ D̂EF , AB ≡ DF , BC ≡ EF e CA ≡ ED. Portanto, os triângulos são congru- entes e são denotados por 4ABC ∼= 4DEF . B β C γ A α D α E γ F β Figura 2.22: Triângulos congruentes. Postulado 2.33 (Caso lado-ângulo-lado, L.A.L.). Dados dois triângulos 4ABC e 4DEF , se AB ≡ DE, ÂBC ≡ D̂EF e BC ≡ EF então 4ABC ∼= 4DEF . B C A c a β E F D c a β Figura 2.23: Caso L.A.L. de congruência. Teorema 2.34 (Teorema do Triângulo Isósceles). Em um triângulo isósceles, os ângulos da base são congruentes. 38 Geometria euclidiana plana B C A c c Figura 2.24: Triângulo isósceles. Demonstração. Para provarmos que ÂBC ≡ ÂCB faremos a correspondência do triângulo 4ABC com ele mesmo por A ↔ A, B ↔ C e C ↔ B. Como AB ≡ AC, AC ≡ AB e o ângulo B̂AC ≡ ĈAB, temos pelo caso L.A.L. de congruência de triângulos que 4ABC ∼= 4ACB, e deste modo temos que ÂBC ≡ ÂCB. Postulado 2.35 (Caso ângulo-lado-ângulo, A.L.A.). Dados os triângulos ABC e DEF , se B̂AC ≡ ÊDF , AB ≡ DE e ÂBC ≡ D̂EF , então os triângulos são congruentes. B C A β c α E F D β c α Figura 2.25: Caso A.L.A. de congruência. Postulado 2.36 (Caso lado-lado-lado, L.L.L.). Se dois triângulos têm os três lados cor- respondentes congruentes, então são triângulos congruentes. B C A c a b E F D c a b Figura 2.26: Caso L.L.L. de congruência. Definição 2.37. Mediatriz de um segmento é a reta perpendicular ao segmento que contém o ponto médio deste segmento. Congruência de triângulos 39 r A B M Figura 2.27: Mediatriz r do segmento AB. Teorema 2.38. A mediatriz de um segmento é o conjunto de todos os pontos que equi- distam das extremidades do segmento. Definição 2.39. Mediana de um triângulo é um segmento cujas extremidades são um vértice do triângulo e o ponto médio do lado oposto a esse vértice. B C A M mm Figura 2.28: Mediana de um triângulo. Teorema 2.40 (Teorema do ângulo externo.). A medida de um ângulo externo é igual a soma das medidas dos outros dois ângulos internos não adjacentes a ele. Demonstração. Na Figura 2.29 temos que α + β + γ = 180◦. Do fato que x+ γ = 180◦, podemos escrever x+ γ = α + β + γ. Somando −γ em ambos os lados da equação acima, temos x = α + β. B C A β γ α x Figura 2.29: Ângulo externo. 40 Geometria euclidiana plana Definição 2.41. Em um triângulo 4ABC, a altura relativa ao lado BC (ou ao vértice A) é o segmento que une o vértice A ao pé da perpendicular baixada de A à reta ←→BC. Na Figura 2.30 o segmento AH é a altura do triângulo 4ABC relativa ao lado BC. A B CH Figura 2.30: Altura de um triângulo. Postulado 2.42 (Caso lado-ângulo-ângulo, L.A.A.). Sejam 4ABC e 4DEF dois triân- gulos tais que AB ≡ DE, ÂBC ≡ D̂EF e B̂CA ≡ ÊFD. Então 4ABC ∼= 4DEF . c A BC c D EF Figura 2.31: Caso L.A.A. de congruência. 2.5 Paralelas Postulado 2.43 (Postulado das Paralelas). Por um ponto não pertencente à reta r pode- se traçar uma única reta paralela à reta r. Na Figura 2.32, é dada a reta r e o ponto P não pertencente à reta. Temos que a reta s é a única reta paralela a reta r que contém o ponto P . r s P Figura 2.32: Reta s paralela à reta r contendo o ponto P . Definição 2.44. Seja r uma transversal às retas s e t, interseccionando-as nos pontos P e Q, respectivamente. Seja A um ponto de s e B um ponto de t, tais que A e B estejam em lados opostos de r. Os ângulos ÂPQ e B̂QP são chamados ângulos alternos internos formados por s, t e a transversal r. Semelhança de triângulos 41 s t r P Q A B Figura 2.33: Ângulos alternos internos. Teorema 2.45. Se duas retas cortadas por uma transversal formam dois ângulos alternos internos congruentes, então as retas são paralelas. Teorema 2.46 (Teorema fundamental da proporcionalidade). Se uma reta paralela a um dos lados de um triângulo corta os outros dois lados em pontos distintos, então ela os divide na mesma razão. Considerando um triângulo 4ABC como o da Figura 2.34, temos que AB AD = AC AE . s r t B C A D E Figura 2.34: Teorema fundamental da proporcionalidade. Teorema 2.47 (Teorema de Tales). Se duas retas são transversais a um conjunto de três ou mais retas paralelas, então a razão entre os comprimentos de dois segmentos quais- quer determinados sobre uma delas é igual a razão entre os comprimentos dos segmentos correspondentes determinados sobre a outra. Da Figura 2.34 temos então, pelo Teorema 2.47, que AD DB = AE EC . 2.6 Semelhança de triângulos Definição 2.48. Seja S uma correspondência biunívoca entre os vértices de dois tri- ângulos. Se os ângulos correspondentes são congruentes e os lados correspondentes são proporcionais, então a correspondência S é uma semelhança e dizemos que tais triângulos são semelhantes. A semelhança entre os triângulos 4ABC e 4DEF será denotada por 4ABC ∼ 4DEF . 42 Geometria euclidiana plana Teorema 2.49 (Teorema de semelhança ângulo-ângulo-ângulo, A.A.A.). Dados dois tri- ângulos 4ABC e 4DEF , se B̂AC ≡ ÊDF , ÂBC ≡ D̂EF e B̂CA ≡ ÊFD, então 4ABC ∼ 4DEF . B C A E ′ F ′ FE D Figura 2.35: Caso A.A.A. de semelhança. Teorema 2.50 (Teorema da semelhança lado-ângulo-lado, L.A.L.). Dados dois triângulos 4ABC e 4DEF , se B̂AC ≡ ÊDF e AB DE = AC DF , então 4ABC ∼ 4DEF . B C A c b D E F c b Figura 2.36: Caso L.A.L de semelhança. Teorema 2.51 (Teorema de semelhança lado-lado-lado, L.L.L.). Se dois triângulos 4ABC e 4DEF são tais que seus lados satisfazem a relação AB DE = AC DF = BC EF , então 4ABC ∼ 4DEF . B C A 2c 2b 2a D E F c b a Figura 2.37: Caso L.L.L. de semelhança. O Teorema de Pitágoras 43 2.7 O Teorema de Pitágoras Teorema 2.52 (Teorema de Pitágoras). Em um triângulo retângulo qualquer, o qua- drado do comprimento da hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos, ou seja, a2 = b2 + c2. A C B a b c Figura 2.38: Triângulo retângulo. Além da famosa relação a2 = b2 + c2 do teorema acima, em todo triângulo retângulo são também válidas as seguintes relações: b2 = an, c2 = am, h2 = mn, ah = bc, bh = cn, ch = bm. B C A a c bh m n Figura 2.39: Relações métricas no triângulo retângulo. 2.8 Circunferências Definição 2.53. Dado um ponto O e um número real r > 0, chamamos de circunferência de centro O e raio r o conjunto de todos os pontos P do plano tais que OP = r. O P r Figura 2.40: Circunferência de centro O e raio r. 44 Geometria euclidiana plana Corda de uma circunferência é qualquer segmento cujas extremidades sejam pon- tos pertencentes à circunferência. Diâmetro é qualquer corda que contém o centro da circunferência. A Figura 2.41 abaixo mostra duas cordas de uma circunferência de raio r e centro O. O P r B A C D Figura 2.41: Corda AB e diâmetro CD. Definição 2.54. Uma tangente a uma circunferência é uma reta que a intersecciona em apenas um ponto, chamado ponto de tangência. Assim, dizemos que a reta e a circunferência são tangentes. Proposição 2.55. Seja C um círculo de centro O e P um ponto de C . Se t é a reta que passa por P e é perpendicular a ←→OP , então t é tangente a C . O P r t C Figura 2.42: Reta tangente. 2.9 Arcos de circunferência Definição 2.56. Um ângulo central de uma circunferência é um ângulo cujo vértice é o centro da circunferência. O B A Figura 2.43: Ângulo central de circunferência. Arcos de circunferência 45 Definição 2.57. Sejam A e B pontos distintos de uma circunferência de centro O. Se AB não for um diâmetro, o conjunto de pontos formado por A e B e pelos pontos da circunferência que estão no interior do ângulo ÂOB é chamado de arco menor determi- nado por A,B, e o conjuntos dos pontos A e B e dos pontos da circunferência que são exteriores ao ângulo central ÂOB é chamado de arco maior. Proposição 2.58. Se AB e AC são cordas distintas de uma circunferência de centro O, então a medida do ângulo B̂AC é igual à metade da medida do ângulo central B̂OC. O C B A αα 2 Figura 2.44: Ângulos inscrito e central. Teorema 2.59. Sejam C uma circunferência, P um ponto exterior a C e r uma reta que contém P e secante a C nos pontos A e B. Seja t uma tangente a C em T contendo o ponto P . Então PT 2 = PA · PB. t r O P T A B Figura 2.45: Potência de ponto com circunferência. 3 Construções geométricas Este capítulo tem o intuito de ser utilizado como um guia para as construções elemen- tares utilizando régua e compasso, e familiarizar o leitor com as descrições. Uma vez que uma construção seja apresentada neste capítulo, a mesma será apenas citada quando necessário em construções posteriores. Os dois instrumentos necessários para efetuar as construções serão a régua sem escala que será utilizada somente para traçar retas e o compasso que será utilizado unicamente para traçar circunferências de centro e raio dados, e transportar medidas. (a) (b) Figura 3.1: Instrumentos básicos, (a) compasso e (b) régua sem escala. Note que transportar um segmento com o uso de um compasso, consiste em construir uma circunferência com raio de mesma medida do segmento. Deste ponto em diante serão descritas diversas construções geométricas que visam desenvolver no leitor a habilidade no manuseio de régua e compasso. Observe que a construção geométrica não constitui uma prova de uma propriedade geométrica, pois a construção envolve escolhas particulares e é passível de erros de precisão. 3.1 Construções elementares Construções elementares são a base no desenvolvimento de construções mais elabora- das. Apresentamos aqui a descrição e justificativas de cada uma dessas construções. 3.1.1 Segmento congruente Dados um segmento PQ, uma reta r e um ponto A ∈ r (ver Figura 3.2), construir um segmento AB congruente a PQ contido em r. 47 48 Construções geométricas r A P Q Figura 3.2: Segmento PQ que será construído sobre a reta r. Descrição: 1. Coloque a ponta seca do compasso sobre um dos extremos do segmento PQ, por exemplo no ponto P e abra o compasso de modo que a ponta com o grafite fique sobre o ponto Q e aperte o compasso caso o mesmo possua esta função, de modo a travar a abertura com a medida do segmento PQ. 2. Sem modificar a abertura do compasso, coloque a ponta seca sobre o ponto A ∈ r e construa a circunferência C . 3. Marque os pontos de intersecção da circunferência C com a reta r sendo C e D. 4. Escolha um dos pontos C ou D para ser a extremidade B do segmento desejado. Justificativa. Note na Figura 3.3 que, como por construção a abertura do compasso possui o comprimento PQ, temos que ambos os segmentos AC e AD são congruentes, sendo assim podemos escolher qualquer um deles como solução. r A P Q C C D Figura 3.3: Segmentos AC e AD sobre a reta r congruentes a PQ. 3.1.2 Ângulo congruente Fornecido um ângulo α como na Figura 3.4, construí-lo de forma que um de seus lados esteja contido na reta r com vértice no ponto O ∈ r. Construções elementares 49 r O A α Figura 3.4: Ângulo α a ser transportado para a reta r. Descrição: 1. Abra o compasso com uma abertura qualquer que seja menor que os lados do ângulo α. Coloque a ponta seca do compasso sobre o vértice do ângulo α, no caso o ponto A e construa a circunferência C1 de modo que a mesma intersecte os lados do ângulo α. 2. Marque os pontos de intersecção da circunferência C1 com os lados do ângulo, sendo C e D. 3. Com a mesma abertura do compasso, construa a circunferência C2 sobre a reta r sendo o ponto O o seu centro. 4. Marque os pontos E e F sendo a intersecção da circunferência C2 com a reta r. 5. Coloque a ponta seca do compasso sobre o ponto C e a ponta com o grafite sobre o ponto D obtendo assim a abertura de comprimento CD. 6. Escolha um dos pontos E ou F de acordo com o que preferir, no caso F , centre o compasso no ponto escolhido e construa a circunferência C3 de raio CD. 7. Marque o ponto G intersecção das circunferências C2 e C3 do lado onde preferir construir o ângulo congruente a α. 8. Trace a reta s que contém o segmento OG obtendo assim o ângulo ĜOF congruente a α. O resultado é apresentado na Figura 3.5. r O A αC1 C D C2 E F C3 G s α Figura 3.5: Ângulo ĜOF sobre r congruente a α. 50 Construções geométricas Justificativa. Observe os triângulos 4CAD e 4GOF . Temos por construção que os segmentos AC e AD são congruentes pois são os raios da mesma circunferência. Como a circunferência C2 foi construída com o mesmo raio da circunferência C1, os segmentos OG e OF são congruentes entre si, logo AC ≡ AD ≡ OG ≡ OF . Como a circunferência C3 foi construída através do segmento DC temos que DC ≡ FG. Temos então a congruência de triângulos 4CAB ∼= 4GOF pelo caso LLL: CA ≡ GO, AD ≡ OF, DC ≡ FG. 3.1.3 Mediatriz Construir a mediatriz de um segmento AB. A B Figura 3.6: Segmento AB para ser encontrada a mediatriz. Descrição: 1. Coloque a ponta seca do compasso no ponto A e abra até que a ponta com grafite esteja sobre o ponto B. 2. Construa a circunferência C1 centrado em A e com abertura de comprimento AB. 3. Mantendo a mesma abertura, centre o compasso no ponto B e trace a circunferên- cia C2. 4. Marque os pontos C e D como intersecção das circunferências C1 e C2. 5. Trace a reta r que contém os pontos C e D, esta é a mediatriz do segmento AB. 6. Marque a intersecção da reta r com o segmento AB como ponto M , este é o ponto médio do segmento. A B C1 C2 C D r M Figura 3.7: Mediatriz r do segmento AB e seu ponto médio M . Construções elementares 51 Justificativa. Vamos utilizar o fato de que a mediatriz de um segmento AB é o lugar geométrico dos pontos que equidistam de A e B, na Figura 3.7 a reta r. Uma reta equidistante a pontos A e B é uma reta em que para todo ponto P pertencente à reta r temos d(P,A) = d(P,B). Como por construção AC ≡ AD ≡ BC ≡ BD, pois são raios das circunferências C1 e C2, temos o losango ACBD e assim suas diagonais se intersectam nos pontos médios e são perpendiculares. 3.1.4 Perpendicular Por um ponto não pertencente à reta Traçar a perpendicular a uma reta r e contendo um ponto P não pertencente a reta r. r P Figura 3.8: Reta r e ponto P não pertencente a reta r. Descrição: 1. Coloque a ponta seca do compasso sobre o ponto P e com uma abertura maior que a distância até a reta r, trace uma circunferência C1. 2. Marque os pontos A e B, intersecção da circunferência C1 com a reta r. 3. Construa a reta s, mediatriz do segmento AB. 4. Marque o ponto M , intersecção das retas r e s. A reta s é a perpendicular à reta r que contém o ponto P . Note que o ponto M , intersecção das retas r e s é o ponto médio do segmento AB. r P C1 A B s M Figura 3.9: Reta s contendo o ponto P e perpendicular à reta r. 52 Construções geométricas Justificativa. Por construção, o ponto P pertence à mediatriz do segmento AB, deste modo, a reta s construída é perpendicular à reta r. Por um ponto pertencente à reta Por um ponto P ∈ r, traçar a reta s, perpendicular à reta r e contendo P . r P Figura 3.10: Reta r com ponto P ∈ r. Descrição: 1. Coloque o compasso com a ponta seca no ponto P e com uma abertura qualquer construa a circunferência C1. 2. Marque os pontos A e B que são as intersecções da circunferência C1 com a reta r. 3. Construa a mediatriz s do segmento AB, sendo esta a reta desejada. r P C1 A B s Figura 3.11: Reta s contendo o ponto P e perpendicular à reta r. Justificativa. Novamente, utilizaremos o fato de que a mediatriz é a reta que equidista dos pontos A e B, sendo portanto a perpendicular. 3.1.5 Bissetriz de um ângulo Dado um ângulo α, construir a sua bissetriz. α O Figura 3.12: Ângulo α. Construções elementares 53 Descrição: 1. Coloque o compasso sobre o vértice O do ângulo α, com uma abertura qualquer, trace a circunferência C1. 2. Marque os pontos A e B, intersecção da circunferência C1 com os lados do ângulo α. 3. Construa a circunferência C2 de centro no ponto A, e a circunferência C3 de centro no ponto B, ambas com a mesma medida de raio. 4. Marque um dos pontos de intersecção das circunferências C2 e C3 como ponto C. 5. Trace a reta r que contém os pontos O e C. A reta r, conforme a Figura 3.13, divide o ângulo α em dois ângulos iguais, ou seja, é a bissetriz de α. α 2 α 2 O C1 A B C3 C2 C r Figura 3.13: Bissetriz do ângulo α. Justificativa. Observe que, por construção, o segmento OA é congruente ao segmento OB, sendo raios da circunferência C1. Note também que, por construção, os segmentos AC e BC também são congruentes, pois são os raios da circunferência C2 e C3. Temos então a congruência de triângulos 4OAC ∼= 4OBC pelo caso LLL: OA ≡ OB, AC ≡ BC, CO ≡ CO. Assim ÂOC = B̂OC = α/2 e portanto a reta r é a bissetriz do ângulo α. 54 Construções geométricas 3.1.6 Retas paralelas Construir uma reta paralela à reta r contendo o ponto P não pertencente à reta r. r P Figura 3.14: Reta r e ponto P para construção da reta paralela. Descrição: 1. Marque um ponto A sobre a reta r. 2. Trace a circunferência C1 de centro no ponto A e que contém o ponto P . 3. Marque o ponto B, intersecção da circunferência C1 com a reta r. 4. Com a mesma abertura no compasso, coloque a ponta seca sobre o ponto B e trace a circunferência C2. 5. Mantendo a abertura no compasso, construa a circunferência C3 de centro P . 6. Marque a intersecção dos círculos C2 e C3 como ponto D, que é distinto de A. 7. Trace a reta s que contém os pontos P e D, sendo essa a reta procurada. r P A C1 B C2 C3 D s Figura 3.15: Reta s paralela a reta r. Justificativa. Observe que por construção os segmentos AB, BD, DP e PA são con- gruentes. Temos os triângulos equiláteros 4ABP e 4BPD congruentes. Portanto os ângulos ÂBP e D̂PB são congruentes e alternos internos com relação a transversal ←→PB. Logo r e s são paralelas. Construções intermediárias 55 3.2 Construções intermediárias Apresentamos nesta seção as construções por meio de régua e compasso que são mais elaboradas, pois dependem das construções elementares apresentadas anteriormente. 3.2.1 Circunferência circunscrita a um triângulo Dados três pontos não colineares A, B e C, traçar a circunferência que contenha os três pontos. É preciso determinar o centro da circunferência procurada, sendo este ponto o encontro das mediatrizes dos lados do triângulo 4ABC. Este ponto é chamado circuncentro. A B C Figura 3.16: Três pontos dados para traçar a circunferência que os contém. Descrição: 1. Trace os segmentos AB, BC e CA. 2. Trace a reta r mediatriz do segmento AB. 3. Trace a reta s mediatriz do segmento BC. 4. Trace a reta t mediatriz do segmento CA. 5. Marque o ponto D, intersecção das três mediatrizes, sendo este o circuncentro. 6. Trace a circunferência C de centro no ponto D e que contém um dos três pontos. Note que a circunferência conterá os três pontos. Por construção, duas retas já seriam suficientes para determinar o circuncentro. A B C r s t D C Figura 3.17: Circuncentro. 56 Construções geométricas Justificativa. Note que r, s e t são as mediatrizes dos lados AB,BC e CA, respectiva- mente. Observe que r e s não são paralelas, pois do contrário, A,B e C seriam colineares. Sendo assim, r e s se interseccionam. Como temos as mediatrizes dos segmentos AB, BC e CA, seus pontos equidistam das extremidades. Deste modo, temos AD = BD e BD = CD pois D pertence a r e s, e de modo análogo temos o mesmo para a reta t. Portanto, o ponto D pertence as três mediatrizes e equidista dos pontos A,B e C. 3.2.2 Circunferência inscrita em um triângulo Dados três pontos A, B e C que formam o triângulo 4ABC conforme a Figura 3.18, traçar a circunferência que tangencie os três lados deste triângulo, ou seja, devemos de- terminar o centro deste círculo chamado de incentro. A B C Figura 3.18: Triângulo para a construção da circunferência inscrita. Descrição: 1. Traçar a bissetriz r do ângulo no vértice A. 2. Traçar a bissetriz s do ângulo no vértice B. 3. Traçar a bissetriz t do ângulo no vértice C. 4. Marque o ponto D como intersecção das bissetrizes. 5. Trace uma perpendicular em relação a um dos lados do triângulo (por exemplo, AB) e que contenha o ponto D. 6. Marque o ponto E como a intersecção da perpendicular com o segmento escolhido. 7. Construa a circunferência C de centro no ponto D e que contém o ponto E. Observe que duas bissetrizes seriam suficientes para determinar o incentro. Construções intermediárias 57 A B C r s t D E u C Figura 3.19: Incentro. Justificativa. Como r, s e t são as bissetrizes do triângulo 4ABC, então são formadas por pontos equidistantes dos lados do ângulo em questão. Deste modo, note que o ponto D equidista dos segmentos AB e AC, e de maneira análoga, também de BC, ou seja, é equidistante de todos os lados do triângulo. 3.2.3 Arco capaz Sejam dois pontos A e B e um ângulo α fixado. O lugar geométrico dos pontos P em um mesmo semiplano formado pela reta ←→AB e tais que o ângulo ÂPB = α é constante é chamado arco capaz do ângulo α sobre o segmento AB. Para a construção deste arco, iniciaremos a partir de um ângulo α e um segmento AB. α A B Figura 3.20: Ângulo e segmento para construção do arco capaz. Descrição: 1. Transporte o ângulo fornecido de modo que o segmento seja um dos lados do ângulo e que o vértice do ângulo coincida com uma das extremidades do segmento. 2. Construa a reta r, perpendicular ao lado do ângulo α diferente do lado AB, e que contém o vértice do ângulo. 3. Construa a reta s, mediatriz do segmento AB. 4. Marque o ponto M intersecção da reta s com o segmento AB. 5. Marque o ponto C intersecção das retas r e s. 58 Construções geométricas 6. Construa o arco de circunferência de centro no ponto C e que contém o ponto A, contido no semiplano oposto ao semiplano que contém α. O arco capaz do ângulo α é o arco da circunferência C , conforme a Figura 3.21. Observamos que a construção poderia ser feita no outro semiplano determinado pela reta ←→AB, dependendo da posição do ângulo transportado. Assim, o arco capaz não é único, mas são simétricos em relação à reta ←→AB. α A B α r s M C C Figura 3.21: Arco capaz. Justificativa. Observe que, por construção, a reta r é perpendicular ao lado do ângulo α e deste modo o ângulo ĈAM é o complementar do ângulo α, assim α + ĈAM = 90◦. (3.1) Note também que o ângulo ÂMC é reto e assim temos as seguintes relações no triân- gulo retângulo 4AMC: ÂMC + M̂CA+ ĈAM = 90◦ + M̂CA+ ĈAM = 180◦ ⇒ M̂CA+ ĈAM = 90◦. (3.2) Comparando a equação (3.1) com a equação (3.2), temos α + ĈAM = M̂CA+ ĈAM ⇒ α = M̂CA. Como, por construção, os triângulos 4AMC e 4BMC são congruentes, os ângulos M̂CA e M̂CB são iguais, e assim M̂CA = M̂CB = α. Deste modo o arco formado pelos pontos A e B é um arco de 2α, e como visto anteriormente no Capítulo 2 na Proposição 2.58, a medida de um ângulo inscrito é a Construções intermediárias 59 metade da medida do seu arco correspondente. Assim, para todo ponto P pertencente ao arco da circunferência C temos que o ângulo ÂPB = α. A B α M C C α α P α Figura 3.22: Arco capaz α e ângulo correspondente 2α. 3.2.4 Divisão de um segmento em partes iguais Para dividir um segmento AB em duas partes iguais, basta determinar o ponto médio do segmento. A seguir, faremos a divisão de um segmento em 3 partes iguais e esta construção pode então ser generalizada para n partes. A B Figura 3.23: Segmento para divisão em 3 partes iguais. Descrição: 1. Construa a reta r que contém uma das extremidades do segmento AB, por exemplo, o ponto A. 2. Determine uma medida qualquer no compasso e construa 3 pontos equidistantes sobre a reta r, na Figura 3.24 denotados por A1, A2 e A3. 3. Trace a reta que contém o ponto B e A3. 4. Por A1 e A2, trace duas retas paralelas ao segmento BA3, interceptando o segmento AB nos dois pontos A′1 e A′2, respectivamente. Pela Figura 3.24 nota-se que obtemos a divisão do segmento AB em 3 partes iguais AA′1 + A′1A ′ 2 + A′2B = AB. (3.3) 60 Construções geométricas A B r A1 A2 A3 A′2A′1 Figura 3.24: Segmento dividido em 3 partes iguais. Justificativa. Note que temos um feixe de retas paralelas formadas pelos segmentos A1A′1, A2A′2 e A3B, e pelo Teorema de Tales da Proposição 2.47 do Capítulo 2 temos AA1 A1A2 = AA′1 A′1A ′ 2 , A1A2 A2A3 = A′1A ′ 2 A′2B . Por construção, os segmentos AA1, A1A2 e A2A3 são congruentes, ou seja, AA1 = A1A2 = A2A3, e assim 1 = AA′1 A′1A ′ 2 ⇒ AA′1 = A′1A ′ 2, 1 = A′1A ′ 2 A′2B ⇒ A′1A ′ 2 = A′2B. Logo AA′1 = A′1A ′ 2 = A′2B. (3.4) Agora, podemos generalizar a construção acima para n arbitrário simplesmente deter- minando sobre a reta r os n segmentos de igual comprimento e daí dividir o segmento AB em n partes iguais. Divisão proporcional a 2 e 3 Dividir um segmento AB em partes proporcionais a 2 e 3 é na verdade dividir o segmento em 5 partes iguais e depois escolher apenas as partes desejadas. Descrição: 1. Construa de maneira análoga à construção anterior a reta r contendo 5 segmentos congruentes, ou seja, AA1 = A1A2 = A2A3 = A3A4 = A4A5. 2. Trace o segmento BA5. Escolhendo a medida do segmento AA1 como unidade, note que o segmento AA2 = 2 e A2A5 = 3. 3. Trace o segmento paralelo ao segmento BA5 que contém o ponto A2 e obtenha o ponto P ∈ AB. Temos então o segmento AB dividido na proporção 2 para 3. A B r A1 A2 A3 A4 A5 P Figura 3.25: Divisão de um segmento AB proporcional a 2 e 3. Construções intermediárias 61 Justificativa. A justificativa é análoga ao caso anterior utilizando o Teorema de Tales. 3.2.5 Determinar o centro de uma circunferência Dada uma circunferência C , determinar seu centro. C Figura 3.26: Circunferência C para determinação do centro. Descrição: 1. Trace um segmento (corda) conforme a Figura 3.27, sendo suas extremidades os pontos A e B. 2. Construa a mediatriz r do segmento AB. 3. Trace outro segmento (corda) distinto do anterior, com extremidades C e D. 4. Trace a mediatriz s do segmento CD. 5. Marque o ponto O como intersecção das mediatrizes r e s, sendo este o centro da circunferência. r s O A B C D Figura 3.27: Circunferência C com o centro O determinado. 62 Construções geométricas Justificativa. Como os segmentos AB e CD são quaisquer e como O equidista de A,B,C e D então O equidista de qualquer ponto da circunferência C . Note que podería- mos ter utilizado duas cordas adjacentes. 3.2.6 Traçar as tangentes a uma circunferência Seja C uma circunferência e um ponto P externo a ela. Determinar as retas tangentes a circunferência que contém o ponto P . P C Figura 3.28: Circunferência C e ponto P para determinação das tangentes. Caso o centro da circunferência não esteja determinado, utilize a construção anterior e determine seu centro. Descrição: 1. Determine o ponto O, centro da circunferência C . 2. Trace o segmento PO. 3. Determine a mediatriz r do segmento PO. 4. Marque o ponto M intersecção do segmento PO com a mediatriz r. 5. Construa a circunferência C1 de centro no ponto M e que contém o ponto O, e consequentemente o ponto P . 6. Marque os pontos A e B como intersecção das circunferências C e C1. 7. Trace a reta t1 que contém os pontos P e A, e a reta t2 que contém os pontos P e B, sendo estas as tangentes procuradas. Construções de expressões algébricas 63 P C O r M C1 A B t1 t2 Figura 3.29: Circunferência C e tangentes t1 e t2 que contêm o ponto P . Justificativa. Note que por construção o ponto A pertence ao arco capaz do ângulo ÔAP , utilizando a construção 3.2.3 verifica-se que quando o segmento PO coincide com o diâmetro da circunferência este arco é de 90◦. Deste modo temos que o ângulo ÔAP é reto, e Proposição 2.55, concluímos que a reta t1 é tangente a circunferência C . A justificativa é análoga para o ponto B. 3.3 Construções de expressões algébricas Nesta sessão, trataremos das construções geométricas relacionadas às expressões al- gébricas. Tais expressões contribuirão para a solução de diversos problemas nos quais as construções básicas não são suficientes. Daqui em diante, construir um segmento x corresponderá a construir um segmento de comprimento x. 3.3.1 A 4a proporcional Dizemos que o segmento x é a 4a proporcional entre os segmentos a, b e c quando a b = c x , ou equivalentemente, ax = bc. Para esta construção, utilizaremos o Teorema de Tales (Proposição 2.47 do Capítulo 2) e a Construção 3.2.4. Dados os segmentos a, b e c, determinar sua 4a proporcional. a b c Figura 3.30: Segmentos para determinação da 4a proporcional. 64 Construções geométricas Descrição: 1. Trace uma semirreta r com origem em um ponto O qualquer. 2. Marque sobre a reta r partindo da origem O o comprimento a, sendo o ponto A a outra extremidade do segmento. 3. Marque o segmento AC de medida c de modo que se tenha o ponto A entre o seguimento OC. 4. Trace uma semirreta s com origem no ponto O e distinta da semirreta r. 5. Marque sobre a semirreta s o comprimento b através de um segmento de extremi- dades O e B. 6. Trace a reta t que contém os pontos A e B. 7. Trace a reta u, paralela a reta t que contém o ponto C. 8. Marque o ponto D, intersecção das retas u e s. A 4a proporcional é o comprimento BD = x conforme podemos verificar na Fi- gura 3.31. rO a A c C s Bb Dx t u Figura 3.31: 4a proporcional. Justificativa. Ver Construção 3.2.4 na página 59. 3.3.2 √ a2 ± b2 Caso x = √ a2 + b2. Observe que se temos x = √ a2 + b2 com a e b segmentos fornecidos, temos que x é na verdade a hipotenusa de um triângulo retângulo de catetos a e b. Descrição: 1. Trace uma reta r. 2. Trace uma reta s, perpendicular à reta r. 3. Marque o ponto O, intersecção das retas r e s. 4. Sobre a reta r, marque o segmento de comprimento a e de extremidades O e A. Construções de expressões algébricas 65 5. Sobre a reta s, marque o segmento de comprimento b e de extremidades O e B. A medida procurada é x = AB. r s O A B ta b x Figura 3.32: Construção do segmento x = √ a2 + b2. Justificativa. A justificativa decorre diretamente do Teorema de Pitágoras 2.7 do Ca- pítulo 2. Caso x = √ a2 − b2. Para determinar x = √ a2 − b2, com a e b sendo segmentos dados, basta notar que a é a hipotenusa de um triângulo retângulo com catetos b e x. Descrição: 1. Trace uma reta r. 2. Trace uma reta s, perpendicular à reta r. 3. Marque o ponto O de intersecção das retas r e s. 4. Sobre a reta r, construa o segmento de comprimento b com extremidades O e B. 5. Trace a circunferência C de raio a e centro no ponto B. 6. Marque o ponto A como uma das intersecções da circunferência C com a reta s. A medida procurada é x = AO, representado na Figura 3.33. Observe que esta construção fornece duas soluções, uma para cada semiplano determinado por r. (em branco) 66 Construções geométricas r s O Bb C A ax Figura 3.33: Construção do segmento x = √ a2 − b2. Justificativa. Novamente a justificativa decorre diretamente do Teorema de Pitágoras do Capítulo 2, Teorema 2.7. 3.3.3 a √ n, com n natural Esta construção nos fornecerá todos os segmentos da sequência a, a √ 2, a √ 3, . . . Inici- aremos descrevendo a construção do segmento a √ 2. Descrição: 1. Sobre uma reta r qualquer, construa o segmento de comprimento a e marque suas extremidades como os pontos O e A. 2. Construa a reta s, perpendicular à reta r que contém o ponto A. 3. Marque sobre a reta s um segmento de comprimento a e extremidades A e B. O segmento procurado é OB de comprimento a √ 2. r O Aa s B a t a √ 2 Figura 3.34: Construção do segmento a √ 2. Construções de expressões algébricas 67 Justificativa. Do Teorema de Pitágoras do Capítulo 2, Teorema 2.7, temos OB 2 = OA 2 + AB 2 = a2 + a2 = 2a2 ⇒ OB = √ 2a2 = a √ 2. Podemos continuar a construção e encontrar outros triângulos da sequência a partir da Figura 3.34. Descrição: 1. Construa a reta u, perpendicular à reta t, que contém o ponto B. 2. Marque o comprimento a sobre a reta u através do segmento de extremidades B e C, de modo que C e A estejam em lados opostos da reta t. 3. Construa a reta v que contém os pontos O e C. Temos então o segmento OC = a √ 3. r O Aa s B a t a √ 2 u C v a a √ 3 Figura 3.35: Construção do segmento a √ 3. Justificativa. Utilizando o Teorema de Pitágoras do Capítulo 2, Teorema 2.7, temos OC 2 = OB 2 +BC 2 = (a √ 2)2 + a2 = 2a2 + a2 = 3a2 ⇒ OC = √ 3a2 = a √ 3. Generalizando a construção, obtemos a Figura 3.36. (em branco) 68 Construções geométricas . . . a a a √ 2 a a √ 3 a a √ 4 a a √ 5 a a √ 6a a √ 7 a a √ 8 a a √ 9 a a √ 10 Figura 3.36: Construção de a √ n, com n ∈ N. 3.3.4 Média aritmética Dados dois segmentos a e b definimos a média aritmética por m = a+ b 2 . Descrição: 1. Trace uma reta r. 2. Transporte o segmento a sobre a reta r. 3. Nomeie as extremidades do segmento por O e A. 4. Trace o segmento b sobre a reta r de modo que uma das extremidades do segmento b coincida com uma das extremidades do segmento a sem o sobrepor. 5. Construa a mediatriz s do segmento OB conforme a Construção 3.1.3. 6. Marque o ponto M , intersecção das retas r e s. A média aritmética será o comprimento do segmento m = OA = OB. (em branco) Construções de expressões algébricas 69 r O Aa Bb s M Figura 3.37: Média aritmética. Justificativa. É imediata devido à construção que, na verdade, é uma construção ele- mentar. 3.3.5 Média geométrica Conhecidos dois segmentos a e b, a média geométrica é definida por g = √ ab. Descrição: 1. Sobre uma reta r, transporte o segmento a e nomeie suas extremidades de O e A. 2. Transporte o segmento b para a reta r de modo que uma extremidade de b coincida com o ponto A sem sobrepor o segmento a. 3. Marque como ponto B a extremidade do segmento b, distinta de A. 4. Determine a mediatriz s do segmento OB. 5. Marque o ponto H, intersecção das retas r e s. 6. Construa a circunferência C de centro no ponto H e raio OH. 7. Trace a reta t perpendicular à reta r que contém o ponto A. 8. Marque o ponto P , intersecção da reta t com a circunferência C . O segmento procurado é g = √ ab = AP . 70 Construções geométricas r aO A b B s H C t P √ ab Figura 3.38: Média geométrica. Justificativa. Note que o segmento OB é o diâmetro da circunferência C e que temos o triângulo 4OPB, que está sobre o arco capaz de 90◦ conforme visto na Seção 3.2.3. Pelas relações métricas no triângulo retângulo da Seção 2.7, temos então h2 = mn⇒ PA 2 = OA · AB = ab⇒ PA = √ ab. O A B P a b √ ab h m n Figura 3.39: Relações métricas e média geométrica. Existem outras maneiras de construir a média geométrica, conforme [2] que utiliza o Teorema 2.59. 3.3.6 O segmento áureo Sejam um segmento AB e um ponto C em seu interior. Chamaremos o segmento CB de segmento áureo interno de AB se AC CB = CB AB . (3.5) A BCm n Figura 3.40: Segmento áureo interno. Construções de expressões algébricas 71 Escrevendo AB = a, temos que a = m+ n e da equação (3.5), m n = n a ⇒ n2 = am = a(a− n) = a2 − an⇒ n2 + an− a2 = 0. Calculando as raízes na variável n temos n = −a± √ a2 − 4(−a2) 2 = −a± √ 5a2 2 CB = n = a √ 5− 1 2 . (3.6) Tomando agora o ponto C ′ externamente ao segmento AB como na Figura 3.41 cha- maremos o segmento AC ′ de segmento áureo externo de AB se AB BC ′ = BC ′ AC ′ . (3.7) A C ′Ba n Figura 3.41: Segmento áureo externo. Utilizando a equação (3.7) a n = n (a+ n) ⇒ n2 = a(a+ n)⇒ n2 − an− a2 = 0. Calculando as raízes n = −(−a)± √ (−a)2 − 4(−a2) 2 = a± √ a2 + 4a2 2 AC ′ = n = a √ 5 + 1 2 . (3.8) Multiplicando agora as raízes (3.6) e (3.8) CB · AC ′ = a √ 5− 1 2 · a √ 5 + 1 2 = a2 5 + √ 5− √ 5− 1 4 = a2. Como em ambos os casos consideramos AB = a, a última igualdade equivale a AB2 = CB · AC ′. (3.9) Temos então a média geométrica dos segmentos, e utilizando o Teorema 2.59 faremos a construção dos segmentos áureo interno representado por AC e áureo interno representado por AC ′. 72 Construções geométricas Descrição: 1. Sobre uma reta r, transporte o segmento AB. 2. Determine a reta s mediatriz do segmento AB. 3. Marque o ponto M , intersecção das retas r e s. 4. Trace a reta t perpendicular à reta r que contenha um das extremidades do segmento AB, por exemplo, o ponto B. 5. Construa a circunferência C1 de centro no ponto B e que contém o ponto M . 6. Marque o ponto O intersecção da circunferência C1 com a reta t. 7. Construa a circunferência C2 de centro no ponto O e que contém o ponto B. 8. Trace a reta u que contém os pontos A e O. 9. Marque os ponto C1 e C2, intersecção da reta u com a circunferência C2. A Figura 3.42 apresenta a descrição parcial. r A B s M t C1 O C2 u C1 C2 Figura 3.42: Construção dos segmentos áureos. 10. Construa a circunferência C3 de centro no ponto A e que contém o ponto C1. 11. Marque o ponto C, intersecção da circunferência C3 com a reta r. 12. Construa a circunferência C4 de centro no ponto A e que contenha o ponto C2. 13. Marque o ponto C ′, intersecção da circunferência C4 com a reta r. Construções de expressões algébricas 73 A Figura 3.43 apresenta a construção finalizada. r A B u C1 C2 C3 C C4 C ′ Figura 3.43: Segmento áureo sobre uma reta. Temos então os segmentos AC áureo interno e AC ′ áureo externo. Justificativa. Decorre do Teorema 2.59, das definições de segmento áureo e da equa- ção (3.9). 3.3.7 Retângulo áureo Desde a antiguidade até os dias atuais, principalmente nas artes e arquitetura, é utilizada a proporção áurea, também chamada de divina proporção [13]. A proporção áurea consiste na razão entre os lados de um retângulo áureo sendo o número irracional ϕ = 1 + √ 5 2 ' 1,618, (3.10) também é chamado de número áureo ou número de ouro. Construiremos então o retângulo áureo tendo como lado menor um dado segmento de comprimento AB = a. Descrição: 1. Transporte o segmento AB sobre uma reta r. 2. Trace a reta s perpendicular à reta r e que contém o ponto A. 3. Construa a circunferência C1 de centro no ponto A e que contém o ponto B. 4. Marque o ponto B′, intersecção da circunferência C1 com a reta s. 5. Trace a reta t perpendicular à reta s e que contém o ponto B′. 6. Trace a reta u paralela à reta s e que contém o ponto B. 74 Construções geométricas 7. Marque o ponto B′′, intersecção das retas u e t. Note que temos na verdade um quadrado de lado AB = a. r A B s C1 B′ t u B′′ a a Figura 3.44: Quadrado. 8. Construa a reta v, mediatriz do segmento AB′. 9. Marque o ponto O, intersecção da reta v com o segmento AB′. 10. Construa a circunferência C2 de centro no ponto O e que contém o ponto B′′. 11. Marque o ponto C, intersecção da circunferência C2 com a reta s. 12. Trace a reta w, perpendicular à reta s e que contém o ponto C. 13. Marque o ponto D, intersecção das retas w e u. O retângulo procurado é o quadrilátero ABDC da Figura 3.45. A B s B′ u B′′ a v O C2 C w D Figura 3.45: Retângulo áureo. Construções de expressões algébricas 75 Justificativa. Observe que no triângulo retângulo4OB′B′′ de base a/2 e altura a, pelo Teorema de Pitágoras 2.7, podemos calcular (OB′′)2 = (OB′)2 + (B′B′′)2 = ( a 2 )2 + a2 = a2 4 + a2 = 5a2 4 ⇒ OB′′ = √ 5a2 4 = a 2 √ 5. A base do retângulo ABDC é AC = AO +OB′′ = a 2 + a 2 √ 5 = a 1 + √ 5 2 . A razão entre o lado maior e o lado menor do quadrilátero ABDC é AC AB = a 1 + √ 5 2 a . Portanto, temos a proporção áurea AC AB = 1 + √ 5 2 . 3.3.8 1/a Devido ao Postulado 2.10 (Postulado da Colocação da Régua), sempre é possível de- terminar um segmento unitário que será representado por 1. Sejam a e b segmentos conhecidos, temos então a expressão a b = x⇔ a = bx. Da forma como os antigos pensavam, não poderíamos comparar um segmento com uma área, porém podemos contornar este impasse utilizando o segmento unitário como a quarta proporcional. Assim, a b = x 1 ⇔ a · 1 b = x. Faremos agora como na Construção 3.3.1. Descrição: 1. Trace a reta r que contém um ponto O qualquer. 2. Marque sobre a reta r, partindo da origem O, o comprimento a, sendo o ponto A a outra extremidade do segmento. 3. Marque o segmento unitário 1, com uma extremidade no ponto A e outra na semir- reta r do lado que não contém o ponto O, determinando um ponto C. 4. Trace uma reta s que contenha o ponto O e distinta da reta r. 76 Construções geométricas 5. Marque sobre a reta s o comprimento b, sendo uma de suas extremidades o ponto O e a outra nomeie-a de ponto B. 6. Trace a reta t que contém os pontos A e B. 7. Trace a reta u, paralela a reta t que contém o ponto C. 8. Marque o ponto D, intersecção das retas u e s. Observe que o segmento procurado é o segmento BD = x = b/a. Para calcularmos então o segmento x = 1/a, basta tomar b = 1. rO a A 1 C s Bb D x = b/a t u Figura 3.46: Segmento b/a. Justificativa. Para mais detalhes, consulte a justificativa da Construção 3.2.4 e utilize o Teorema 2.47 (Tales) para obter b x = a 1 ⇒ b · 1 = ax⇒ x = b a . 3.3.9 a2 Dado um segmento a, o procedimento para construir a2 é parecido com o da Constru- ção 3.3.8: a x = 1 a ⇒ a · a = 1 · x⇒ x = a2. Descrição: 1. Trace a reta r que contendo um ponto O qualquer. 2. Marque sobre a reta r, partindo da origem O, o comprimento unitário 1, sendo o ponto A a outra extremidade deste segmento. 3. Marque o segmento dado a, com uma extremidade no ponto A e a outra na reta r, do lado que não contém o ponto O, e determine o ponto C. 4. Trace uma reta s que contenha o ponto O e distinta da semirreta r. 5. Marque sobre a reta s o comprimento a, sendo uma de suas extremidades o ponto O e a outra nomeie-a de ponto B. Construções de expressões algébricas 77 6. Trace a reta t que contém os pontos A e B. 7. Trace a reta u, paralela a reta t, que contém o ponto C. 8. Marque o ponto D, intersecção das retas u e s. O segmento procurado é BD = x = a2. rO 1 A a C s B a D x = a2 t u Figura 3.47: Segmento a2. Justificativa. Consulte a justificativa da Construção 3.2.4 e utilize o Teorema de Ta- les 2.47 da maneira como foi enunciado no início desta sessão. 3.3.10 √ a Sejam a um segmento fixado e um segmento unitário u. Descrição: 1. Sobre uma reta r, marque o segmento a. 2. Nomeie as extremidades de a, sendo uma o ponto O e a outra o ponto A. 3. Construa o segmento unitário sobre a reta r de modo que uma de suas extremidades esteja sobre o ponto A e a outra esteja do lado da semirreta determinada por A e que não contém o ponto O. 4. Nomeie a outra extremidade do segmento unitário como ponto B. 5. Determine a reta s, mediatriz do segmento OB = a+ 1. 6. Marque o ponto M , intersecção das retas r e s. 7. Construa a circunferência C de centro no ponto M e que contém o ponto O. 8. Trace a reta t, perpendicular à reta r que contém o ponto A. 9. Marque o ponto C, intersecção da reta t com a circunferência C , notando que há duas possibilidades e o resultado independe da escolha. 78 Construções geométricas O segmento procurado é AC = √ a. r O Aa B s M C t C √ a 1 Figura 3.48: Segmento √ a. Justificativa. Utilizando as relações métricas no triângulo retângulo do Teorema 2.7, observando que o triângulo 4OCB está sobre o arco capaz da circunferência C (ver Sessão 3.2.3), obtemos ÔCB = 90◦ e a relação h2 = mn = a · 1⇒ h = √ a. r O Aa B M C t C √ a 1 Figura 3.49: Segmento √ a como altura de um triângulo retângulo. 4 Números construtíveis Neste capítulo, a construção por meio de compasso e régua será descrita com um maior grau de formalidade, e destina-se a leitores e estudantes que desejam compreender uma aplicação das extensões algébricas dos racionais. 4.1 Álgebra Esta seção apresentará conceitos da disciplina de Álgebra que são necessários para as demonstrações que serão desenvolvidas. Para o leitor que desejar uma referência, consulte [16], [17] e [18]. Seja A um conjunto não vazio onde estejam definidas duas operações, as quais cha- maremos de soma e produto em A e denotaremos por ‘+’ e ‘·’. Assim +: A× A −→ A e · : A× A −→ A. (a, b) 7→ a+ b (a, b) 7→ a · b Definição 4.1. Dizemos que (A,+, ·) é um corpo se, dados a, b e c elementos de A, valem as seguintes propriedades: 1. (a+ b) + c = a+ (b+ c) (Associatividade da soma). 2. a+ b = b+ a (Comutatividade da soma). 3. Existe 0 ∈ A tal que a+0 = 0+a = a (Existência de elemento neutro para a soma). 4. Para qualquer a ∈ A existe um b ∈ A, tal que a + b = b + a = 0 (Existência de inverso aditivo). 5. (a · b) · c = a · (b · c) (Associatividade do produto). 6. a · (b + c) = a · b + a · c e (a + b) · c = a · c + b · c (Distributividade à esquerda e à direita). 7. Existe 1 ∈ A, e 0 diferente de 1, tal que a · 1 = 1 · a = a, para qualquer a ∈ A (Existência de elemento neutro para o produto). Dizemos que até esta propriedade, (A,+, ·) é um anel com unidade 1. 8. Para quaisquer a, b ∈ A, a · b = b · a. Até esta propriedade dizemos que (A,+, ·) é um anel comutativo com unidade. 79 80 Números construtíveis 9. Sejam a, b ∈ A, a · b = 0 implica que a = 0 ou b = 0. Definimos até esta propriedade que (A,+, ·) é um anel sem divisores de zero. Se (A,+, ·) for comutativo, com unidade e sem divisores de zero, será um domínio de integridade. 10. Para qualquer a ∈ A, com a diferente de 0, existe b ∈ A tal que a · b = b · a = 1. Seja K um corpo qualquer. Se um espaço vetorial V sobre K possui uma base com n elementos, chamamos ao número n de dimensão de V sobre K e denotamos [V : K] = n. Uma extensão L ⊃ K diz-se finita se [L : K] = n <∞. Caso contrário L ⊃ K diz-se uma extensão infinita. Proposição 4.2. Sejam M ⊃ L ⊃ K corpos tais que [M : L] e [L : K] são finitos. Então [M : K] é finito e [M : K] = [M : L] · [L : K]. Seja A um anel comutativo com unidade. Chamamos de polinômio sobre A em uma indeterminada x uma expressão formal p(x) = a0 + a1x+ · · ·+ amx m + · · · onde ai ∈ A e ai = 0, para todo i ≥ m, com i,m ∈ N. Será chamado de grau do polinômio p(x) denotado por ∂p(x) = n se p(x) = a0 +a1x+ · · ·+ anx n é tal que an 6= 0 e aj = 0, para qualquer j > n. Denotaremos por A[x] o conjunto de todos os polinômios, sobre A, em uma indeter- minada x. Dizemos que p(x) é um polinômio mônico em A[x] se f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anx n for um polinômio de A[x] tal que an = 1. Definição 4.3. Seja f(x) ∈ A[x] tal que ∂f(x) ≥ 1. Dizemos que f(x) é um polinômio irredutível sobre A se toda vez que f(x) = g(x) · h(x), com g(x), h(x) ∈ A[x] então g(x) = a constante em A ou h(x) = b constante em A. Se f(x) não for irredutível sobre A dizemos que é redutível. Para a demonstração do próximo Teorema e Proposições seguintes, consulte [17]. Teorema 4.4 (Critério de Eisenstein). Seja f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anx n um polinômio em Z[x]. Suponhamos que exista um inteiro primo p tal que: 1. p - an. 2. p | a0, a1, . . . , an−1. 3. p2 - a0. Então f(x) é irredutível sobre Q. Seja p um número primo e seja Zp = {0, 1, . . . , p− 1} o corpo contendo p elementos. Se f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anx n ∈ Z[x], definiremos o polinômio f(x) ∈ Zp[x] por f(x) = a0 + a1x+ · · ·+ anx n onde ai = ai + p · Z é a classe de equivalência, módulo p, cujo representante é ai ∈ Z. Proposição 4.5. Seja p primo. Se p - an e f(x) é irredutível sobre Zp então f(x) é irredutível sobre Q. Construção por meio de régua e compasso 81 4.2 Construção por meio de régua e compasso Para tais construções, é importante deixar claro que a régua a ser utilizada não possui qualquer marcação, sendo assim apenas um instrumento utilizado para traçar segmentos de reta. Definição 4.6. Seja P um subconjunto do R2 que contém pelo menos dois pontos distin- tos. Uma reta em P será uma reta r de R2 que contém pelo menos dois pontos distintos de P, e uma circunferência em P será uma circunferência C em R2 com seu centro e pelo menos um ponto pertencendo a P. Definição 4.7. Serão chamadas de construções elementares: 1. Intersecção de duas retas em P. 2. Intersecção de uma reta e uma circunferência ambas em P. 3. Intersecção de duas circunferências em P. r s P (a) t Q R (b) C1 C2 S T (c) Figura 4.1: (a) Construção 1; (b) construção 2; (c) construção 3. Definição 4.8. Dizemos que um ponto A ∈ R2 é construtível a partir de P se pode ser obtido através de um número finito de operações elementares em P. O conjunto de tais pontos será denotado por 〈P〉. Observação 4.9. Note que, se P é finito, apenas uma quantia finita de retas e circun- ferências pode ser obtida a partir de P, e consequentemente, apenas uma quantia finita de novos pontos por meio das construções elementares. Exemplo 4.10. Seja P0 = {0, U} sendo que 0 = (0, 0) e U = (1, 0). Então 〈P0〉 = {0, U, A1, A2, A3, A4}. 0 U r C0 CU A1 A2 A3 A4 Figura 4.2: Subconjunto 〈P0〉 construído a partir de P0. 82 Números construtíveis Descrição: 1. Construir a reta r que contém os pontos 0 e U . 2. Construir a circunferência C0 de centro no ponto 0 e que contém o ponto U . 3. Utilizando a construção 2, marcar o ponto A1 = (−1, 0), intersecção da circunferên- cia C0 com a reta r. 4. Construir a circunferência CU de centro no ponto U e que contém o ponto 0. 5. Utilizando a construção 2, marcar o ponto A2 = (2, 0), intersecção da circunferência CU com a reta r. 6. Utilizando a construção 3, marcar os pontos A3 = ( 1 2 , √ 3 2 ) e A4 = ( 1 2 , − √ 3 2 ) , intersecção das circunferências C0 e CU . Assim, temos o subconjunto 〈P0〉 = {0, U, A1, A2, A3, A4}. Note que 〈P0〉 foi construído utilizando somente as construções elementares da Defi- nição 4.7. Definição 4.11. Seja P0 = {0, U}. Recursivamente, teremos P1 = 〈P0〉 ,P2 = 〈P1〉 , . . . ,Pn+1 = 〈Pn〉 ,∀n ∈ N. Logo, P0 ⊂P1 ⊂P2 ⊂ · · · ⊂Pn ⊂Pn+1 ⊂ · · · ⊂ R2. Assim, definimos P∞ = ⋃∞ n=0 Pn. Pela Observação 4.9, segue que Pn é subconjunto finito do R2. Proposição 4.12. Para todo n ≥ 0, Pn 6= Pn+1. Demonstração. Como Pn é finito, existem P,Q ∈Pn tais diam Pn = max{XY , X, Y ∈Pn} = PQ. Seja r a reta que contém os pontos P e Q, logo construtível em Pn. Seja C a circunferência de centro Q e que contém P , também construtível em Pn. Deste modo, a intersecção de r com C contém, além do ponto P , um outro ponto P ′ e que portanto será construtível a partir de Pn, ou seja, P ′ ∈ Pn+1. Porém, PP ′ = 2PQ > PQ e assim P ′ /∈Pn, o que conclui a prova. Corolário 4.13. O conjunto P∞ é infinito. Demonstração. Basta supor que P∞ é finito e utilizar a prova da Proposição 4.12. Pontos construtíveis serão todos os pontos que pertencem a P∞. As retas em P∞ contendo dois pontos construtíveis distintos de P∞ serão chamadas de retas construtíveis. Circunferências construtíveis em P∞ devem ter seu centro e ao menos um ponto, ambos pertencendo em P∞. Um número real a será construtível se (a, 0) ∈P∞. Proposição 4.14. Se A e B são pontos distintos construtíveis então o ponto médio M do segmento AB é construtível e as retas perpendiculares a AB contendo A, B e M também são construtíveis. Demonstração. Construção do ponto médio do segmento AB. Construção por meio de régua e compasso 83 Descrição: 1