UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA CONDIÇÕES DE TRABALHO E TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE AVARÉ – SP Patrícia Estela Monteiro Pereira Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de mestre em Saúde Coletiva. Orientadora: Profa. Adjunta. Maria Cecília Pereira Binder Botucatu 2016 Patrícia Estela Monteiro Pereira CONDIÇÕES DE TRABALHO E TRANSTORNOSMENTAIS COMUNS EM PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE AVARÉ – SP Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de mestre em Saúde Coletiva. Orientadora: Profa. Maria Cecília Pereira Binder BOTUCATU 2016 Palavras-chave: professores; saúde mental; trabalho e saúde. Pereira, Patrícia Estela Monteiro. Condições de trabalho e transtornos mentais comuns em professores do ensino fundamental de Avaré-SP / Patrícia Estela Monteiro Pereira. - Botucatu, 2016 Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina de Botucatu Orientador: Maria Cecília Binder Pereira Capes: 40602001 1. Saúde e trabalho. 2. Professores - Saúde mental. 3. Ambiente de trabalho. 4. Professores de ensino fundamental. 5. Doenças mentais. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSANGELA APARECIDA LOBO-CRB 8/7500 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. FOLHA DE APROVAÇÃO Autora: Patrícia Estela Monteiro Pereira Título: CONDIÇÕES DE TRABALHO E TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE AVARÉ – SP Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Orientadora Profa. Adjunta. Maria Cecília Pereira Binder Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP Comissão examinadora Prof. Dra Maria Dionísia do Amaral Dias Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP Profa. Dra. Mara Alice Batista Conti Takahashi Instituição: Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Piracicaba-SP Botucatu, 2016 DEDICATÓRIA Aos professores que participaram deste estudo, pela dedicação e comprometimento de educar. À minha família, da qual muitas vezes precisei me ausentar, pela compreensão e apoio. Aos meus amigos docentes que incentivaram e apoiaram a minha busca pelo conhecimento. Ao meu marido, pelo seu amor e pelas palavras de conforto nos momentos em que mais precisei. Aos meus alunos, que entenderam minhas ausências. À minha secretária e babá das minhas filhas que muito me ajudou na realização dessa dissertação. AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS ESPECIAIS À estimada professora Maria Cecília Pereira Binder, que muito me ensinou desde o início da minha trajetória na saúde do trabalhador, pela motivação como educadora, pela admiração que tenho pela sua pessoa, pelo empenho e disponibilidade demonstrados durante a elaboração deste trabalho, a minha imensa gratidão por me auxiliar na realização deste sonho. Ao colega e amigo Valdir Alves, meu muito obrigada pelo muito contribuiu durante meus primeiros passos na área da Saúde do Trabalhdor À Secretária Municipal de Educação de Avaré - SP, pela indispensável colaboração, possibilitando a realização deste estudo. Aos diretores e equipes das escolas em que este estudo se desenvolveu, pelo acolhimento, atenção e colaboração durante a fase de campo desta pesquisa. À Faculdade Sudoeste Paulista, pelo apoio na realização dessa dissertação. AGRADECIMENTOS Ao Professor doutor Adriano Dias, pelo auxílio prestado e pelas recomendações que contribuíram para o enriquecimento deste estudo e pela assistência e realização da análise estatística dos resultados. À Professora doutora Cristiane Murta, pelas valiosas sugestões. À professora Aline Danaga , pela disponibilidade de atender minhas variadas solicitações durante o desenvolvimento deste trabalho. Ao Wagner Barboza, do departamento de Saúde Pública, pela atenção e disponibilidade, ajudando a resolver os vários problemas surgidos na utilização do programa Excel. À Secretaria de Administração de Avaré, pelo importante apoio recebido. À minha tia Anita de Fátima Andrades, pela presteza e dedicação em me ajudar a digitar os resultados deste trabalho. Às minhas antigas colegas de trabalho no CEREST Regiane Araújo, Patrícia Duarte, pelo incentivo no início desta pesquisa. Ao professor e amigo Nelson Serrão Jr., meu respeito, admiração pelo seu trabalho e minha gratidão pelo incentivo e persistência em me conduzir para o campo da pesquisa científica. À minha grande amiga Fernanda Righi Chadad, pela sua preciosa amizade, carinho e colaboração inestimável neste estudo. Aos professores Diego Silvestre, Márcia, David, Sandra Domingues, agradeço profundamente pelo importante apoio e orientações que amenizaram as minhas dificuldades possibilitando a continuidade e conclusão deste trabalho. À minha secretária e babá de minhas filhas pela dedicação às meninas, que tornou possível a realização deste mestrado. RESUMO CONDIÇÕES DE TRABALHO E TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM PROFESSORES DA REDE BÁSICA MUNICIPAL DE ENSINO DE AVARÉ - SP Estudo epidemiológico de corte transversal realizado entre professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré – SP, com objetivo de investigar associação entre condições de trabalho e ocorrência de transtornos mentais comuns (TMC). Participaram 244 professores, dos 312 exercendo atividades docentes durante a pesquisa de campo. A coleta de informações, no primeiro semestre de 2014, foi efetuada por meio de questionário autoaplicado não identificado, composto por 80 itens. Foi investigada existência de associação entre fatores pessoais, do trabalho, satisfação no trabalho, situação de trabalho segundo modelo de Karasek por meio do job content questionnaire (JCQ) e ocorrência de transtornos mentais comuns por meio do self reporting questionnaire (SRQ-20). As variáveis de exposição foram: fatores relacionados à pessoa, ao trabalho, satisfação / insatisfação com o trabalho e situação de trabalho de acordo com o modelo demanda-controle de Karasek e, a variável de desfecho, transtornos mentais comuns (TMC). Os resultados obtidos foram analisados por meio de regressão logística múltipla. Observou-se elevada prevalência de TMC na casuística estudada (48,8%). No ajuste do modelo de regressão logística condicional múltipla, permaneceram associados à ocorrência de TMC lecionar em duas escolas, dispor de materiais necessários ao exercício das atividades, não acreditar na permanência no emprego por muitos anos sob as mesmas condições de trabalho, e estar submetido a exigências psicológicas elevadas (modelo demanda-controle). A prevalência de TMC segundo o estabelecimento de ensino variou de 12,5% a 87,5%. Os resultados indicam necessidade de intervenção do poder público de Avaré – SP visando à melhoria das condições de trabalho dos professores do ensino fundamental municipal e, consequentemente, a elevação do grau de saúde dos professores. ABSTRACT WORK CONDITIONS AND COMMON MENTAL DISORDERS AMONG SCHOOL TEACHERS FROM OF THE CITY OF AVARÉ, SAO PAULO STATE Cross-sectional survey, undertaken after approval by the Committee of Ethics in Research of the Faculty of Medicine Botucatu – UNESP, on first grade school teachers employed by the local education authority of the city of Avaré, Sao Paulo state. Out of a total of 312 active teachers from 24 local authority schools, 244 participated in the study. The data was collected from April to May 2013 using an anonymous self-reporting questionnaire. Consisting of 80 items, the survey covered socio-demographic and occupational factors, as well as the occurrence of common mental disorders (CMD), and the degree of job satisfaction. Work related psychological demands were also evaluated, as well as the degree of control by teachers in relation to their own work and the social support received in work, utilising the Job Content Questionnaire (JCQ), according to Kasarek’s model. The occurrence of common mental disorders, CMD, was investigated trough the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). The socio-demographic and occupational factors comprised the exposure variables, and the common mental disorders the conclusion variable. The results were analysed through the use of multiple logistic regression. It has been observed a frequency of 48,7% of CMD. In the adjustment of the logistical regression of multiple conditions model, the following characteristics remained associated with the occurrence of common mental disorders, number of schools that teachers work, have been victim of violence at work, not to believe to be able to remain in work without too many difficulties and for many years with the same work conditions, as well as to be part in and highly stressing active work situations. The high prevalence of CMD amongst teachers suggests the need for public intervention by the local authority with the aim of improving the work conditions and mental health of the teachers in municipal schools in Avaré – São Paulo state. ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 Professores do ensino fundamental da Secretaria de Educação de Avaré – SP, de acordo com as variáveis relativas à pessoa. 54 Tabela 2 Professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré - SP, segundo características do trabalho. 56 Tabela 3 Distribuição dos professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré-SP, segundo algumas opiniões sobre o trabalho. 61 Tabela 4 Professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré-SP, distribuídos segundo modelo de Karasek. 66 Tabela 5 Transtornos mentais comuns em professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré-SP, segundo variáveis relacionadas à pessoa. 72 Tabela 6 Transtornos mentais comuns em professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Bauru-SP, de acordo com algumas características do trabalho. 74 Tabela 7 Transtornos mentais comuns em professores do ensino fundamental da secretaria municipal de educação de Avaré – SP, de acordo com algumas opiniões sobre o trabalho. 80 Tabela 8 Transtornos mentais comuns em professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré-SP, segundo situação de trabalho definida de acordo com o modelo de Karasek. 82 Tabela 9 Variáveis de exposição que permaneceram no modelo de regressão logística múltipla e que se mantiveram associadas à ocorrência de transtornos mentais comuns 85 ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 Transtornos mentais comuns segundo escola de ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré – SP. 70 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 Esquema demanda-controle segundo Karasek 47 Figura 2 Distribuição dos professores segundo as pontuações obtidas para demandas psicológicas e grau de controle sobre o trabalho de acordo com o Modelo de Karasek. 68 Figura 3 Transtornos mentais comuns entre professores do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Avaré-SP, segundo situação de trabalho de acordo com o modelo de Karasek. 82 SUMÁRIO Preâmbulo .......................................................................................................................................... 14 1. Introdução ....................................................................................................................................... 16 1.1. O trabalho do professor...................................................................................................... 24 1.2. Trabalho e saúde dos professores ..................................................................................... 28 1.3. Satisfação no trabalho e saúde mental .............................................................................. 31 1.4. Estresse no trabalho: o modelo de Karasek ....................................................................... 33 1.5. Transtornos mentais comuns ............................................................................................. 34 2. Justificativa ..................................................................................................................................... 37 3. Objetivos ......................................................................................................................................... 41 4. Métodos .......................................................................................................................................... 41 4.1. Critérios de inclusão na casuística ..................................................................................... 42 4.2. Procedimentos ................................................................................................................... 43 4.3. Instrumento de coleta de informações ............................................................................... 44 4.4. Análise dos dados .............................................................................................................. 48 4.5. Caracterização de Avaré - SP e sua rede de ensino ......................................................... 49 5. Resultados e Discussão ................................................................................................................. 51 5.1. Características gerais da casuística .................................................................................. 52 5.2. Algumas características do trabalho .................................................................................. 55 5.3. Opiniões sobre o trabalho .................................................................................................. 60 5.4. Situação de trabalho segundo modelo de Karasek ........................................................... 64 5.5. Prevalência de transtornos mentais comuns .................................................................... 69 5.6. Identificação de fatores de risco para transtornos mentais comuns................................... 71 6. Considerações finais ....................................................................................................................... 90 7. Referências ..................................................................................................................................... 93 Anexos ................................................................................................................................................ 107 1. Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMB-UNESP .......................................... 108 2. Autorização da Secretaria Municipal da Educação de Avaré – SP ....................................... 112 3. Carta de esclarecimento aos professores ............................................................................ 113 4. Termo de consentimento livre e esclarecido......................................................................... 114 5. Questionário aplicado ........................................................................................................... 115 14 PREÂMBULO 15 Minha atenção para a saúde do trabalhador foi despertada por volta de 2005, quando comecei a trabalhar no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Avaré-SP, como fisioterapeuta. Em função do trabalho exercido nesse Centro, pude participar do primeiro curso de especialização em Saúde do Trabalhador, realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp, que me propiciou aprofundar o estudo de vários aspectos relacionados à problemática Trabalho e Saúde. Como trabalho de conclusão de curso, realizei uma pesquisa com os motoristas de ambulância da Prefeitura Municipal de Avaré. Além de trabalhar no centro de referência, exercia – e continuo exercendo até o presente – a função de professora de fisioterapia em saúde do trabalhador na Faculdade Sudoeste Paulista. Considero minha decisão de prosseguir estudando aspectos das influências do trabalho no processo saúde-doença consequência natural, tanto da minha experiência no centro de referência, como da realização do curso de especialização em Saúde do Trabalhador e da minha inserção como professora da Faculdade Sudoeste Paulista. Assim, realizar o mestrado na instituição em que havia me especializado em Saúde do Trabalhador foi uma consequência, a meu ver, natural. Na função de fisioterapeuta do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, aproximei-me das numerosas e variadas dificuldades enfrentadas pelos servidores, sobretudo entre os professores (problemas de saúde física e mental, absenteísmo, afastamentos, sobrecarga de trabalho, dificuldades de adaptação e de relacionamento interpessoal, estresse no trabalho, agressões por alunos, dificuldades para lidar com problemas de disciplina / comportamento em sala de aula, de aprendizagem dos alunos etc.). Tendo sido aluna da professora Cecília no curso de especialização, procurei-a para obter orientação sobre como proceder para fazer o mestrado, tendo recebido a sugestão de abordar a categoria dos professores, uma vez que já havia tido contato profissional com alguns deles enquanto fisioterapeuta, além de, eu mesma, pertencer ao magistério. Diante disso, foi se delineando um quadro que me pareceu importante aprofundar e que acabou desembocando neste estudo, voltado à investigação de associações entre trabalho e ocorrência de transtornos mentais entre professores do ensino fundamental da rede pública municipal de Avaré – SP. 16 1. INTRODUÇÃO 17 O trabalho constitui atividade intencional, consciente, com finalidade determinada, razão pela qual se considera que apenas os seres humanos trabalham. E, ao fazê-lo, modificam a natureza e a si mesmos. O trabalho é o meio pelo qual o Homem se constitui sujeito e é de fundamental importância para sua sobrevivência, o que faz dele a única espécie capaz de sobreviver em todas as latitudes do planeta. Do ponto de vista da Psicologia Organizacional e do Trabalho, a palavra trabalho, segundo Borges e Yamamoto (2004), pode significar diferentes objetos e corresponder a diferentes constructos como motivação, comprometimento, satisfação, socialização, estresse, qualidade de vida. Relações de poder, natureza do trabalho, forma de contratação, grau de complexidade das tarefas, grau de qualificação exigido, tipo de esforço exigido, remuneração e formas de pagamento, dentre várias outras, constituem facetas pelas quais o trabalho pode ser abordado. De acordo com Kurz (1999) o Capitalismo, ao tratar o trabalho como mercadoria, contribui para a degradação do homem, em virtude de alienar, explorar, inibir seu desenvolvimento, diminuir sua autoestima, dentre tantos outros efeitos. E, nas crises periódicas desse modo de produção, a taxa de exploração dos trabalhadores tende a aumentar. Segundo Antunes (1995, 2012, 2013), as transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho nas últimas décadas, sobretudo a partir de meados dos anos 70 do século passado, relacionam-se, por um lado, com o acentuado e progressivo desenvolvimento tecnológico (microeletrônica, automação, robótica, desenvolvimento de novos materiais, informática, telecomunicações, etc.) e, por outro lado, com as recentes crises do capitalismo, iniciadas aproximadamente na mesma ocasião. Para Antunes (2010), trata-se de crise estrutural do capital que fez com que, entre tantas outras consequências, o mundo produtivo implementasse vastíssimo processo de reestruturação, visando a recuperação do seu ciclo de expansão e, ao mesmo tempo, recompor seu projeto de dominação societal, abalado pela confrontação do trabalho dos anos de 1960, que questionou alguns dos pilares da 18 sociabilidade do capital e de seus mecanismos de controle social. (p. 21) Tais mudanças nos processos produtivos, denominadas de acumulação flexível, segundo Antunes (2010) baseiam-se na “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (p.21) e vêm acompanhadas de desemprego estrutural em escala global. Para este autor, o padrão fordista vem sendo progressivamente substituído ou mesclado pelo toyotismo e os direitos do trabalho, fruto de conquistas dos trabalhadores ao longo de séculos, flexibilizados - eufemismo que designa perda progressiva de direitos trabalhistas e securitários. A incorporação tecnológica não implicou diminuição da taxa de exploração do trabalho pelo capital, pois, a terceira revolução industrial acabou por desencadear a denominada “crise da terceira revolução industrial” constituída pela diminuição da mais valia relativa e pelo retorno à exploração da mais valia absoluta. Intensificação do trabalho, prolongamento da jornada de trabalho e redução da proteção social ao trabalho indicam retorno à exploração da mais valia absoluta o que, segundo Kurz (1999), vem revelando cada vez mais a face bárbara do Capitalismo. Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010), ao analisar o desgaste mental dos trabalhadores face às novas relações de trabalho, assinalam que a acumulação flexível, visando manter os níveis de acumulação, utiliza-se do aumento das taxas de exploração dos trabalhadores, com graves consequências para a qualidade de vida e para a saúde. Pochmann (1999 e 2001) considera a década de 90 do século passado como marco das transformações contemporâneas no mundo do trabalho no Brasil, fruto das políticas neoliberais, orientadas pelo Consenso de Washington de 1989 e aliada à concentração do desenvolvimento científico e tecnológico nas grandes corporações, cujo efeito tem sido agravar a exclusão de muitos países do espaço econômico. No Brasil, os anos de 1990 caracterizaram-se por aumento do desemprego e da precarização do trabalho, com diminuição da massa salarial e retrocesso 19 produtivo, de sorte que, no curto espaço de doze anos, 1986 para 1998, o Brasil passou da 13ª para a 4ª posição no mundo em termos de desemprego. Já, de 2003 a 2011, segundo Santos (s/d), em termos de emprego verificou-se no país um quadro alentador, com a taxa de desemprego decrescendo de 12%, para menos de 6% e tornando-se uma das mais baixas do mundo. E, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014), nos anos de 2013 e 2014 houve diminuição, tanto do desemprego, como do trabalho informal. Em setembro de 2014 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014) registrou taxa de desemprego de 4,9%. Todavia, a partir de 2015 o país vem apresentando queda progressiva do nível de emprego, com destaque para o setor industrial, mas que atinge também o setor de serviços. Os professores, trabalhadores do setor de serviços, fazem parte da classe-que-vive-do-trabalho, denominação utilizada por Antunes (1999) para validar contemporaneamente o conceito de classe trabalhadora segundo Marx: a classe trabalhadora, hoje inclui a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos [...] incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo assalariado. [...] engloba também os trabalhadores improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o capitalista e que não se constituem como elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de valorização do capital e de criação de mais valia. São aqueles em que, segundo Marx, o trabalho é consumido como valor de uso e não como trabalho que cria valor de troca (Antunes, 1999. p 102). Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital (Antunes, 1999. p 103). A classe trabalhadora hoje exclui, naturalmente, os gestores do capital, seus altos funcionários, que detém papel de 20 controle do processo de trabalho, de valorização e reprodução do capital no interior das empresas e que recebem rendimentos elevados [...] aqueles que, de posse de um capital acumulado, vivem da especulação e dos juros. Exclui também, em nosso entendimento, os pequenos empresários, a pequena burguesia urbana e rural proprietária” (Antunes, 1999. p 104). Antunes (1999) inclui ainda os desempregados nessa classe, uma vez que estar desempregado não é fruto de decisão própria dos indivíduos, mas consequência da lógica do capital. Para Kuenzer e Caldas (2009): O primeiro pressuposto teórico a ser considerado na análise das possibilidades transformadoras do trabalho docente é que ele é parte da totalidade constituída pelo trabalho no capitalismo, estando submetido à sua lógica e às suas contradições. O que vale dizer que o trabalho docente não escapa à dupla face do trabalho: produzir valores de uso e valores de troca. [...] Essas duas dimensões, de produção de valor de uso e de valor de troca, não se opõem, e sim guardam uma relação dialética entre si, relação na qual se negam e se afirmam, ao mesmo tempo, fazendo do trabalho um exercício qualificador, prazeroso e, simultaneamente, desqualificador, explorador e causador de sofrimento (p 22 e 23). Oliveira (2000), analisando os debates sobre a educação sob a ótica da globalização da economia e da reestruturação da produção, a partir dos anos de 1990, assinala que, neles, a educação é tratada de modo a atender às exigências do capital em termos da qualificação necessária da força de trabalho no novo contexto de economia globalizada e altamente competitiva. Apesar da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida na Tailândia em março de 1990 (UNICEF BRASIL s/d), estabelecer como objetivo central da educação “satisfazer as necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos”, esse autor considera que, nas reformas educacionais iniciadas nos anos de 1990, mesmo explicitando e valorizando a necessidade de equidade e de universalização da educação, persiste o caráter mercadológico visando atender às necessidades da produção capitalista. 21 Ferreira e Aguiar (2011) consideram que as profundas transformações contemporâneas do mundo do trabalho foram acompanhadas de mudanças nas políticas e na gestão da educação. Paparelli (2010) acrescenta que a reconfiguração do Estado sob o neoliberalismo tem influenciado a educação escolar não apenas no Brasil, mas, em vários países da América Latina. Em outras palavras, a reestruturação produtiva, iniciada nas grandes corporações privadas, implicou mudanças profundas no mundo do trabalho, bem como reconfiguração do Estado que, sob o neoliberalismo, deveria tornar-se mínimo. Trata-se de processo que vem se expandindo progressivamente, atingindo a maioria dos serviços públicos, dentre os quais, os de educação. Santos (2004) apresenta a educação como fator estratégico no desenvolvimento do capitalismo, como apontam os debates e apresentação de programas e de projetos por instituições como o Banco Mundial, assim como por instituições que visam à cooperação técnica entre países, como UNICEF e UNESCO. Trata-se de organismos que orientam políticas e projetos de educação em vários países do mundo, além de constituírem fontes de financiamento. Nesse mesmo sentido, Fonseca (1998), analisando as políticas para o setor educacional brasileiro do Banco Mundial nas três últimas décadas, constata tratar-se de projetos de cofinanciamento com o Ministério da Educação, assinalando que ao longo desse período “o Banco ampliou suas funções para além da assistência técnica propriamente dita, passando a elaborar políticas para os setores a serem financiados, entre eles, a educação” (p. 14). Esse conjunto de políticas é suportado por princípios retoricamente humanitários de equidade, combate à pobreza e de autonomia local. Observados do ângulo mais prático, os princípios são submetidos às estratégias de recuperação de custos e de sustentabilidade mundial, que constituem os dois pilares da concepção econômica do Banco. Alguns ideais cultivados no âmbito educacional, como 22 igualdade de oportunidades, participação, descentralização e autonomia, passam a ser subordinados à lógica da racionalidade econômica. A parcimônia na utilização dos bens sociais, imposta por essa racionalidade, é naturalmente incompatível com os princípios humanitários anunciados pelo Banco (p. 19). Há cerca de 35 anos, Oliveira e Oliveira (1980), relatando as experiências do grupo liderado por Paulo Freire em vários países, colocam que: “a reinvenção da educação se faz e se refaz à medida que avança o processo de transformação da sociedade, pois é o desenvolvimento mesmo deste processo que exige e favorece a aquisição pelos grupos dominados de uma consciência nova e de conhecimentos novos que a velha escola não é capaz de fornecer”. p. 124. Para esses autores, a escola pública é tributária de uma sociedade desigual, que não propicia a emancipação das classes dominadas, contribuindo para o sentimento de inferioridade e de impotência dos indivíduos a elas pertencentes. O exposto nos parágrafos precedentes vai ao encontro da colocação de Althusser (1977) que a escola constitui aparelho ideológico do Estado que, por intermédio de sanções, exclusões e seleções, cumpre o papel de “educar”, isto é, disciplinar a mão de obra para atender aos interesses do capital. No Brasil, o Estado disciplina a educação por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB, (BRASIL, 1997) “que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias” (Título I, art.1º, §1º). Esta lei, no Título II, Art. 2º estabelece que A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1997). A qualificação para o trabalho, expressa no texto da lei aponta a existência de relações entre necessidade de preparação da força de trabalho 23 de acordo com os requerimentos do sistema produtivo. No Título III art. 4º, a LDB estabelece a obrigatoriedade do ensino fundamental gratuito, mesmo aos que não tiveram acesso a ele na idade escolar, assim como “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem” (BRASIL, 1997). No Título IV, Art. 11º, a LDB atribui aos municípios, dentre outras, a responsabilidade pelo ensino fundamental. No Art. 12º, as atribuições dos estabelecimentos de ensino, incluem, dentre outras, a elaboração e execução de propostas pedagógicas; a administração do pessoal, recursos materiais e financeiros; articulação com as famílias e com a comunidade, visando integrar a comunidade com a escola; informar a frequência e o rendimento dos alunos aos pais e responsáveis. E, quanto aos docentes, o Art. 13º estabelece que devem incumbir-se de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. E, o Art. 14º estabelece que os profissionais da educação participem da elaboração do projeto pedagógico da escola. A Lei nº 11.114, de 2005 estabeleceu que o ensino fundamental teria duração mínima de oito anos, seria obrigatório e gratuito na escola pública a partir dos seis anos de idade (BRASIL, 2005). No ano seguinte, a Lei 11.274 modificou a anterior, estabelecendo que o ensino fundamental obrigatório terá duração de nove anos, iniciando-se aos seis anos de idade. (BRASIL 2006). O documento “Planejando a Próxima Década: conhecendo as 20 metas do Plano Nacional de Educação” (BRASIL, 2014) apresenta metas que, 24 ao mesmo tempo em que contemplam aspectos importantes da educação nacional, trazem implícitos alguns de seus problemas. A de número dezesseis consiste em formar, nos 10 anos de vigência do plano (até 2024), 50% dos professores do ensino fundamental em nível de pós-graduação, bem como garantir a todos os profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação. Valorizar os profissionais da rede pública de educação básica por meio de plano de carreira, da equiparação do salário médio aos salários dos demais profissionais com escolaridade equivalente até o final do sexto ano de vigência do Plano estabelecido, como piso salarial nacional, definido por lei federal, constitui a meta dezessete. A explicitação dessas três metas, caso sejam atingidas, certamente significarão avanços. Entretanto, revelam o reconhecimento por parte do Estado das carências correspondentes. 1.1. O trabalho do professor A operacionalização das diretrizes da LDB, por meio das regulamentações que se seguiram, contudo, sem representar melhorias na organização do trabalho dos professores, acarretando intensificação do trabalho desses profissionais , pois, além das funções em sala de aula, foram- lhes atribuídas outras que, inclusive, extrapolam suas jornadas formais, dentre as quais: efetuar trabalhos administrativos, participar de atividades de planejamento, atender pais de alunos, organizar atividades extramuros, participar de reuniões de coordenação, dos conselhos de classe etc.com elaboração dos respectivos relatórios. Codo e Gazzotti (2002) assinalam que a docência apresenta algumas peculiaridades em comparação com organização do trabalho, particularmente à organização taylorista-fordista em outras esferas que não a da educação. No taylorismo-fordismo o trabalho é altamente parcelizado, os trabalhadores ocupam postos específicos e executam sempre os mesmos gestos, sob o domínio da racionalidade e da burocracia. Embora reconhecendo que todo trabalho implica alguma afetividade, sob a organização taylorista-fordista ela é mínima, sobretudo se comparada à atividade de ensinar, na qual o afeto é 25 indispensável. No caso do professor: a relação afetiva é obrigatória para o próprio exercício do trabalho [...] o papel do professor acaba estabelecendo um jogo de sedução, no qual ele vai conquistar a atenção e despertar o interesse do aluno [...]. Esta sedução, esta conquista envolve um enorme investimento de energia afetiva canalizada para a relação estabelecida entre aluno e professor [...] É mediante o estabelecimento de vínculos afetivos que ocorre o processo ensino-aprendizagem” (CODO e GAZZOTTI, 2002, p. 50). Batista e Codo (2002) alertam para a crise de identidade pela qual vem passando os educadores e salientam a influência do descompasso existente entre o “trabalho como deve ser” e a “realidade do trabalho” nas escolas, o que exige grande investimento afetivo e cognitivo por parte do professor, implicando aumento do esforço e do sofrimento no cotidiano de trabalho. Esses autores assinalam que: No passado, dizer ‘eu sou professora ou professor’ trazia à tona uma identidade carregada de orgulho profissional. A profissão de educador tinha prestígio social. Em primeiro lugar, a valorização da profissão remetia ao importante papel atribuído à educação na integração social, no contexto da formação do Estado nacional e dos esforços destinados a produzir uma identidade nacional. Além disso, esse prestígio remetia às exigências da profissão, tais como os requerimentos para o ingresso e a qualidade da formação recebida nas famosas e reconhecidas Escolas Normais. (Batista e Codo, 2002, p. 70). Segundo os autores, nas últimas décadas, os professores têm sido socialmente desvalorizados sendo, cada vez mais, obrigados a enfrentar uma crise de identidade em face de questionamentos do “saber” e do “saber- fazer”. Trata-se de crise relacionada tanto à atribuição - e autoatribuição de incompetência. Nessa perspectiva, é esperado que os professores sintam-se despreparados, uma vez que dificilmente lhes são oferecidas oportunidades de estudar e de frequentar cursos visando melhorar sua qualificação profissional e, consequentemente, seu desempenho. Para Ludke e Boing (2004), a fragilidade em termos de identidade, especialmente em relação aos professores do ensino elementar (atual ensino 26 fundamental I), parece ser influenciada pela crença que qualquer pessoa está em condições para o exercício desse tipo de magistério, em virtude de sua aparente falta de especificidade. Embora conservando certa autonomia na sala de aula, os professores possuem limitada participação nas decisões acerca de numerosos aspectos de seu trabalho, pois as diretrizes / planos nacionais de educação são definidos a nível central, isto é, pelo Ministério da Educação. Também a avaliação de desempenho, de forma semelhante ao que ocorre nas empresas privadas, é executada centralmente, pautada pela lógica da eficácia, da eficiência e da excelência, sem levar em conta as condições concretas em que ocorre o processo ensino-aprendizagem no interior de cada estabelecimento escolar. Tal avaliação desconsidera diferenças fundamentais que incluem a realidade socioeconômica da localidade em que a escola se insere, a disponibilidade de materiais necessários às atividades docentes que diverge de escola para escola, a adequação de profissionais da educação face às demandas etc. Nesse contexto, a competência profissional do professor vincula-se exclusivamente ao desempenho de seus alunos em exames realizados pelo Ministério da Educação ou pela taxa de aprovação das escolas (SANTOS, 2004). Ludke e Boing (2007) consideram que o trabalho docente não pode ser pensado isoladamente, fora das transformações que estão ocorrendo também em outros setores socioeconômicos. [...] ...tem a ver com as mudanças no mundo do trabalho e emprego, que tentam submeter também os servidores públicos a um tipo de gestão inspirado na lógica de mercado. Regulação, controle e avaliação por competências não são exclusivos do trabalho docente, embora se tornem duplamente problemáticos quando aplicados a ele. (p.1.189) Para esses autores a maioria dessas estratégias, importadas diretamente do trabalho industrial, é inviável aos trabalhos intelectuais, caso das atividades docentes, pois não podem ser inteiramente previstas, controladas e avaliadas quantitativamente. Nesse sentido, Assunção e Oliveira (2009) colocam que os 27 professores muitas vezes têm de enfrentar demandas para as quais não se sentem preparados e que, para ser atendidas, dependem da aquisição de novas competências: O sistema espera preparo, formação e estímulo do sujeito docente para exercer o pleno domínio da sala de aula e para responder às exigências que chegam à escola no grau de diversidade que apresentam e na urgência que reclamam.” (p. 355). A intensificação do trabalho dos professores ocorre em função de vários fatores, dentre os quais, demandas por ampliação do número de matrículas e, portanto, do número de classes e, ou do número de alunos por sala, sem que se acompanhe do aumento do número de profissionais da educação visando adequação do efetivo às demandas. Além disso, as reformas ocorridas a partir da década de 1990 implicaram mudanças na organização do trabalho docente, aumentando tanto sua complexidade, como o número de tarefas, sem aumento do tempo de trabalho. Apesar das dificuldades de mensuração, essas mudanças contribuem para a intensificação tanto aspectos qualitativos, como quantitativos, assim como a “diversidade das condições encontradas na multiplicidade de redes municipais e estaduais” (ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009. p.354). Gomes e Brito (2006), em estudo qualitativo entre professores do ensino médio de escola da cidade do Rio de Janeiro, revelaram que, para os entrevistados, as dificuldades enfrentadas no exercício da profissão decorriam principalmente de fatores como diversidade e variabilidade no trabalho, dentro e fora da escola, e estavam relacionadas às mudanças ocorridas no setor da educação, por sua vez, relacionadas às novas exigências do sistema produtivo. Por outro lado, estudo epidemiológico transversal, realizado em amostra de professores do estado da Bahia por Silvany-Neto et al. (2000), revelou que os professores consideravam como aspectos positivos de seu trabalho, a autonomia no planejamento das atividades, as boas relações com os colegas, ter satisfação no desempenho das tarefas e estrutura física adequada da escola, (dispor de banheiro privativo e de espaço físico para 28 descanso). 1.2. Trabalho e saúde dos professores Conhecidas desde a antiguidade, as influências do trabalho sobre a saúde dos trabalhadores foram sistematizadas pela primeira vez por Ramazzini em De morbis artificum diatriba em 1700. Nos mais de três séculos que se seguiram, houve numerosos avanços a respeito das relações trabalho e processo saúde/doença. Nas últimas décadas, numerosas disciplinas, dentre as quais Epidemiologia, Toxicologia, Higiene do Trabalho, Psicologia Social e do Trabalho, Ergonomia e Medicina têm contribuído para o avanço dos conhecimentos dessas relações. No Brasil, os primeiros estudos sobre condições de trabalho e saúde de professores, nos anos de 1990 focavam problemas relacionados à voz, ao sistema osteomuscular e à saúde mental (ARAÚJO e CARVALHO, 2009). Revisando oito estudos epidemiológicos sobre condições de trabalho e saúde de professores (pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e ensino superior), realizados em Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista, entre 1995 e 2009, Araújo e Carvalho (2009) observaram que nesses estudos a coleta de informações foi efetuada por meio de instrumentos autoaplicados que abordavam aspectos sócio-demográficos, algumas condições de trabalho e aspectos psicossociais do trabalho (variáveis de exposição) e ocorrência de transtornos mentais comuns (variável de desfecho). Os aspectos psicossociais do trabalho foram investigados por meio do job content questionnaire (JCQ) e a ocorrência de transtornos mentais comuns, do self reporting questionnaire (SRQ-20). Para os revisores existem várias semelhanças entre os oito estudos e, destes, com outras investigações da literatura científica. Condições de trabalho e aspectos da organização do trabalho associaram-se à ocorrência transtornos mentais comuns, de problemas de voz, distúrbios osteo-musculares e varizes. No caso das doenças mentais, o estabelecimento de relações causais com o trabalho apresenta grandes dificuldades pois, segundo 29 Jacques e Codo (2002) o trabalho constitui “o modo de ser do homem”, invadindo e permeando “todos os níveis de sua atividade, de seus afetos, de sua consciência...”. De acordo com esses autores, muitos estudos baseiam- se em concepções diversas e, mesmo, antagônicas. Nesse sentido, Houtman e Kompier (2005) corroboram esse entendimento, uma vez que consideram que os estudos sobre saúde mental podem apresentar diversas abordagens em relação aos componentes e processos envolvidos. Entende-se por mentalmente saudável o estado em que, quanto ao humor e à afetividade o indivíduo encontra-se em situação positiva. A saúde mental pode ser também entendida como um processo no qual o indivíduo enfrenta uma confrontação aguda - caso da síndrome do estresse pós-traumático -, ou crônica - caso do esgotamento profissional no trabalho ou burnout, da depressão, e de outros transtornos mentais. O estresse, importante conceito em saúde mental e trabalho, pode ser considerado um intercâmbio indivíduo – ambiente em que, diante de uma ameaça ou situação estressora, o primeiro avalia se esta põe ou não em risco sua integridade e, ou seu bem estar, ativando diferentes mecanismos psicofisiológicos. Cabe ressaltar que a percepção de um mesmo evento como estressor não é igual para diferentes indivíduos (BRUCHON- SCHWEITZER, 1994). Gasparini, Barreto e Assunção (2005), analisando o perfil de afastamentos por doença em profissionais da educação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – MG de abril de 2001 a maio de 2003, embora ressaltem as limitações do estudo para revelar a real extensão dos problemas de saúde da população estudada, acreditam que apontam aspectos que merecem ser aprofundados. As autoras consideraram elevado o número de afastamentos tendo os transtornos mentais como motivo principal, chamando a atenção para as mudanças que vem ocorrendo, tanto nas características do trabalho, como no ambiente escolar, especialmente no tocante ao aumento da violência. Em estudo subsequente, as autoras observaram associação entre ter sofrido violência no ambiente escolar e ocorrência de TMC em professores do ensino fundamental da mesma cidade 30 (GASPARINI, BARRETO e ASSUNÇÃO, 2006). Desvalorização do trabalho e perda de autonomia, segundo Neves e Seligmann-Silva (2006) afetavam a autoestima e a identidade dos professores do ensino fundamental de João Pessoa – PB. Para as autoras, as vivências de sofrimento apresentadas pelos professores estavam relacionadas ao descontentamento e à falta de sentido de seu trabalho. Dentre os aspectos negativos observados estavam o tipo de relações hierárquicas, as jornadas de trabalho prolongadas, a dificuldade de manter a disciplina necessária ao desenvolvimento das atividades, os baixos salários e a falta de reconhecimento social do trabalho docente. Seligmann-Silva (2013) considera que os mecanismos de defesa psicológica individual e as estratégias coletivas de defesa podem amenizar o sofrimento / desgaste mental, podendo retardar o surgimento de transtornos mentais, salientando que tais mecanismos, entretanto, podem ser rompidos, acarretando sofrimento. Segundo vários autores, dentre os quais Silvany-Neto et al. (2000), Delcor (2003), Vedovato e Monteiro (2008), Araújo e Carvalho (2009), Mendes-Stum (2012) e Oliveira (2013), são numerosos os fatores que podem interferir negativamente no desempenho e na saúde dos professores. Os mais frequentemente assinalados tem sido os relativos (a) ao ambiente físico, tais como salas inadequadas, ruído, poeira de giz, inexistência / inadequação / precariedade de locais para descanso, alimentação e realização de necessidades fisiológicas; (b) à falta de materiais necessários ao desenvolvimento das atividades; (c) a exigências fisiológicas como o uso constante da voz, a permanência de pé por longos períodos, a necessidade de curvar-se várias vezes ao longo da jornada para orientar os alunos em suas carteiras; (d) a aspectos emocionais como o desgaste nas relações com os alunos, o enfrentamento da violência, o grau de estresse elevado; e (e) aos fatores da organização do trabalho como falta de autonomia e ritmo de trabalho acelerado. Os professores constituem uma categoria profissional que, em virtude das características de seu trabalho - contato direto, estreito e 31 continuado com os alunos - têm sido vítimas da denominada Síndrome do esgotamento profissional ou burnout, cujo desenvolvimento implica exposição prolongada a fatores de estresse crônicos presentes na situação de trabalho, segundo Maslach (2005), Maslach e Jackson (1998), Maslach e Leiter (1999). Estudando cerca de 39 mil trabalhadores da educação de todo o país, Codo e Vasques-Menezes (2002) consideraram que quase a metade desse contingente apresentava sintomas de burnout. Assim, os professores do Ensino Fundamental e Médio constituem categoria profissional reconhecidamente submetida cronicamente a estressores capazes de desencadear processos de desgaste e sofrimento mental. 1.3. Satisfação no trabalho e saúde mental Pode-se considerar que os estudos sistematizados sobre satisfação no trabalho tiveram início nos anos de 1930 com uma pesquisa sobre as influências de certas características do ambiente físico de uma empresa de eletricidade de Chicago - USA e a produtividade dos trabalhadores. Considera-se que o trabalhador está satisfeito com seu trabalho quando sente prazer com o que faz. Prazer que se relaciona, tanto com características das atividades que executa, como com seu perfil psicológico e suas expectativas. Trata-se, em última análise, do sentimento que os trabalhadores têm a respeito de seu trabalho. Diaz-Serrano e Vieira (2005) consideram a satisfação no trabalho importante fator preditivo de bem estar dos indivíduos e interfere na decisão de permanecer ou não no emprego. Esses autores informam que, de 1995 a 2000, em nove de quinze países da União Europeia (EU-15) 1 houve diminuição do grau de satisfação no trabalho e, no ano 2000, Portugal, Espanha, Grécia e Itália, foram os países que registraram menor satisfação no trabalho. 1 Refere-se à abreviação dos quinze países que, na ocasião, compunham a União Européia. 32 No entanto, ainda não existe consenso sobre teorias e modelos teóricos acerca do mesmo, observando-se a existência de conceito de satisfação como sinônimo de motivação, de atitude, de oposição à insatisfação e de estado emocional (MARTINEZ, 2002; MARTINEZ e PARAGUAY, 2003). Assim, a satisfação no trabalho pode ser considerada como um estado emocional prazeroso, resultante da avaliação do trabalho em relação aos valores do indivíduo, relacionados ao trabalho. Insatisfação no trabalho seria um estado emocional não prazeroso, resultante da avaliação do trabalho como ignorando, frustrando ou negando os valores do indivíduo, relacionados ao trabalho. (LOCKE, 1984 apud MARTINEZ & PARAGUAY, 2003) De acordo com este enfoque a satisfação no trabalho resulta de interação complexa entre vários fatores - tarefas, papeis, responsabilidades, recompensas - que ocorrem em determinado contexto, cujo resultado pode significar a existência de sentimentos de satisfação ou insatisfação com o trabalho. Martinez & Paraguay (2004), em estudo de trabalhadores de empresa da área de serviços, constataram associação entre satisfação no trabalho e distúrbios mentais sem, entretanto ter observado relações com aspectos da saúde física. Estudo de meta-análise com base em 485 investigações sobre satisfação no trabalho realizado por Faragher et al (2005) revelaram a utilização de numerosos questionários diferentes entre si, sete dos quais foram mais frequentemente utilizados, indicando ausência de consenso a respeito desses instrumentos. Os autores observaram evidências de que a satisfação no trabalho vem decrescendo ao longo dos anos, fato relacionado às transformações contemporâneas no mundo do trabalho, particularmente às precárias condições de emprego, à perda progressiva do controle sobre o próprio trabalho, à rápida incorporação de avanços tecnológicos, e ao aumento de contratos de curta duração. Entre os estudos mais recentes da série analisada, Faragher et al 33 (2005) identificaram existência de relações entre satisfação / insatisfação no trabalho com relacionamento interpessoal, salário, grau de controle sobre o trabalho, plano de carreira e possibilidade de ascensão. O relatório da European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions (2006), revisando os métodos de aferição de satisfação no trabalho em diferentes países, indicou que, apesar da falta de consenso acerca da concepção desse constructo, ele é considerado importante para avaliação das condições de trabalho, a ponto de ter sido indicado pela Comissão Europeia. 1.4. Estresse no trabalho: o modelo de Karasek Elevado grau de estresse no trabalho é considerado importante fator de risco para a saúde dos trabalhadores e, para avaliar seus efeitos deletérios à saúde, Karasek (1979) desenvolveu modelo teórico conhecido pelo seu nome e também como modelo demanda-controle, posteriormente aperfeiçoado (KARASEK e THEORELL, 1990; KARASEK et al., 1998; KARASEK, 2005). Trata-se de modelo teórico cujos pressupostos iniciais eram que o estresse decorrente de aspectos do processo de trabalho representados por demandas psicológicas elevadas e baixo grau de controle sobre o próprio trabalho constituíam fator de risco de adoecimento, por produzir desgaste elevado e que, situações de trabalho com demandas psicológicas elevadas, porém acompanhadas por elevado grau de controle sobre o próprio trabalho propiciariam o aprendizado de novos comportamentos, o que contribuiria para a manutenção da saúde (KARASEK, 1979). Ao modelo bidimensional de Karasek, Johnson (1988) introduziu uma nova dimensão - apoio ou suporte social no trabalho por colegas e chefias, cuja presença possui efeito de proteção à saúde. Estudo de revisão efetuado por Mello Alves et al. (2013) acerca da crescente utilização do modelo demanda-controle de Karasek revela que os primeiros países a utilizá-lo foram Estados Unidos, Canadá, Suécia, Reino Unido e Japão. Dentre os instrumentos utilizados, prevalece o Job Content 34 Questionnaire (JCQ), considerado válido para investigar fatores de risco de ocorrência de doenças crônicas em trabalhadores. No Brasil, o Modelo demanda-controle de Karasek foi validado por esses autores e tem sido utilizado em vários estudos que investigam a ocorrência de transtornos mentais comuns em professores, dentre os quais Araujo et al. (2003), Araujo et al. (2005), Delcor (2003), Delcor et al. (2004), Reis et al.(2005), Porto et al (2006), Carraro (2015), bem como Braga (2007) em profissionais da rede básica de saúde. 1.5. Transtornos mentais comuns - TMC Transtornos mentais comuns (TMC) é a denominação utilizada para designar sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, comprometimento da memória, dificuldade de concentração e queixas somáticas que indicam desgaste / sofrimento mental, sem se tratar de diagnóstico de doença. Harding et al. (1980), sob coordenação da OMS, desenvolveu um questionário conhecido como Self reporting questionnaire (SRQ-20), destinado a rastrear casos de sofrimento / desgaste mental, que configuram conjunto de sintomas físicos e psíquicos denominado Transtornos Mentais Comuns, TMC, instrumento validado por Mari e Willians (1986) para utilização no Brasil, cuja versão mais utilizada é a composta por vinte questões, o SRQ-20. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, devido aos efeitos que apresentam para os indivíduos e pela potencialidade de impacto social que possuem, os transtornos mentais comuns necessitam ser detectados o mais precocemente possível, com o objetivo de intervir individual e coletivamente, visando eliminar ou neutralizar seus possíveis fatores causais cuja permanência pode resultar em adoecimento (OMS, 2002). Lima (1999), ao lado das consequências individuais, considera que os TMC são responsáveis por aumento do absenteísmo, pela diminuição da produtividade, e por sobrecarga do sistema de saúde. Vários autores têm utilizado o self reporting questionnaire (SRQ-20) para identificar a prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) na 35 população geral, dentre os quais: Em Pelotas- RS, Lima et al. (1999) constataram prevalência de TMC de 22,7%, que foi 50% mais elevada em mulheres e que aumentou com a idade e com a viuvez, diminuindo com o aumento da renda e da escolaridade. Também em Pelotas – RS, Costa et al. (2005) observaram prevalência de de 28,5%. Em Olinda, Ludermir e Mello Filho (2002) encontraram prevalência de TCM de 34,4% em amostra populacional de região urbana de maior densidade demográfica e de menor poder aquisitivo, tendo observado maior prevalência entre os indivíduos de menor escolaridade, pior condição de moradia, menor renda e com inserção no mercado informal de trabalho. Costa e Ludermir (2005), em população da zona rural da Zona da Mata – PE, observaram prevalência de TMC de 36,0%, constatando que mulheres, indivíduos com 40 a 59 anos de idade, divorciados, separados ou viúvos, analfabetos, pessoas com baixa renda apresentaram maior risco de apresentar esses transtornos. Esse estudo revelou também que a existência de apoio social da comunidade associou-se negativamente à prevalência de TMC, funcionando como fator de proteção para a sensação de isolamento e de incapacidade de controlar a própria vida, como costuma ocorrer em comunidades pobres e isoladas, semelhantes à estudada. Lima (2004) encontrou prevalência de TMC de 21,7% em amostra da população geral de Botucatu – SP. Marin-Leon et al (2007), em amostra populacional, observaram prevalência de TMC de 17,0% em Campinas – SP, maior entre as mulheres (24,4%), entre indivíduos com escolaridade inferior a cinco anos e entre desempregados e subempregados. Santos e Siqueira (2010), em estudo de revisão abrangendo o período de 1997 a 2009, constataram variação na prevalência de TMC na população geral que variou de 20 a 36%. 36 Estas investigações evidenciaram fatores de risco nas populações estudadas tais como: sexo, idade, estado civil, cor da pele, escolaridade, ter filhos e, ou outros dependentes, doença na família, residir em zona urbana ou rural, histórico de agressões, situação financeira e lazer, precariedade de vínculos de trabalho e desemprego. O SRQ-20 tem sido utilizado ainda para investigar a prevalência de TMC em várias categorias profissionais, particularmente em professores e profissionais da saúde. Quanto aos profissionais de saúde, analisando estudos efetuados em médicos e enfermeiros de serviços hospitalares, sobretudo de urgência / emergência e centros de terapia intensiva, Benevides-Pereira (2002) e Seligmann-Silva (2003) relatam prevalência elevada de transtornos psíquicos, assinalando ainda maior consumo de álcool e de drogas, maior proporção de depressões e maior incidência de suicídios entre esses profissionais. Conforme revisão efetuada por Araujo e Carvalho (2009), o número de estudos epidemiológicos abordando condições de trabalho e TMC vem aumentando desde os anos de 1990, apresentando resultados semelhantes e revelando associação com alguns aspectos do trabalho. 37 2. JUSTIFICATIVA 38 Este estudo justifica-se: pela elevada prevalência de transtornos mentais comuns entre professores, revelada por investigações majoritariamente efetuadas em escolas de áreas metropolitanas ou de cidades de grande porte; por propiciar a ampliação desse universo ao estudar um município classificado como de pequeno para médio porte; em virtude das responsabilidades dos municípios no tocante à educação infantil e ao ensino fundamental atribuídas pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). 39 3. OBJETIVOS 40 Estimar a prevalência de transtornos mentais comuns em professores de ensino fundamental I e II da Secretaria Municipal de Educação de Avaré -SP, bem como verificar existência de associação entre tais transtornos e: fatores relativos à pessoa; condições gerais de trabalho; grau de satisfação com o trabalho; situação de trabalho de acordo com o modelo de Karasek. 41 4. MÉTODOS 42 Trata-se de estudo epidemiológico de corte transversal realizado com professores do ensino fundamental I e II de escolas da Secretaria Municipal de Educação de Avaré-SP e cuja coleta de informações foi efetuada em abril de 2014. Estudos com esse desenho são utilizados para investigar a existência de associação entre as denominadas variáveis de exposição e determinada variável de desfecho, por meio de estimativa da razão de chance (odds ratio). São estudos que não possibilitam estabelecer relações de causa e efeito entre as variáveis de exposição e de desfecho, indicando, entretanto, possíveis fatores de risco. 4. 1. Critérios de inclusão e casuística Segundo informações fornecidas pela Secretaria Municipal da Educação, em 2013 havia 345 professores de ensino fundamental em Avaré. Para o ano da coleta de dados, 2014, a Secretaria informou não dispor do número atualizado de professores de ensino fundamental I e II, estimando em 312 o número desses profissionais em atividade nas 24 escolas municipais. Não havia registro centralizado de professores afastados e os respectivos motivos de afastamento. Os critérios de inclusão no estudo foram: ser professor do ensino municipal fundamental I e II, com exclusão da creche e da pré-escola, possuir tempo de trabalho na escola de pelo menos um ano e ter exercido atividades docentes (ministrado aulas) nos trinta dias precedentes à aplicação dos questionários. Também participaram desta investigação os substitutos dos professores afastados que preencheram esses critérios. Dos 312 professores em atividade, 247 (79,2%) aderiram ao estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido, após o que, preencheram o instrumento de coleta de informações. Foram desconsiderados três questionários respondidos por professores que lecionavam na escola há menos de um ano. Assim, a casuística deste estudo foi composta por 244 docentes lotados em 24 escolas da rede pública municipal de ensino fundamental I e II de Avaré, SP. 43 4.2. Procedimentos Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp (Anexo1) e pela Secretaria Municipal de Educação de Avaré – SP (Anexo 2), devidamente esclarecida sobre os objetivos e operacionalização do estudo. Foram igualmente informados pela pesquisadora os diretores das 24 escolas municipais e a Secretaria os orientou no sentido de facilitar-lhe o acesso aos estabelecimentos e aos professores. Com o objetivo de testar o instrumento e o tempo médio de preenchimento, foi realizado estudo piloto em escola de ensino fundamental do município de Arandu – SP, com participação de 26 professores. Os itens do questionário foram considerados adequados quanto à compreensão e a tempo de preenchimento foi compatível com sua aplicação. Precedendo a aplicação dos questionários, os professores foram informados verbalmente e por escrito (Anexo 3) quanto aos objetivos e métodos do estudo, incluindo a informação de que os dados seriam coletados por meio de questionário autoaplicado e não identificado, assegurando-lhes que os resultados obtidos seriam colocados à disposição da Secretaria Municipal de Educação, das escolas e dos professores. Visando não identificar os estabelecimentos, as vinte e quatro escolas seriam nomeadas por meio de letras. Visto que os questionários não eram identificados, por exigência do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp, foi oferecida oportunidade de entrevista pessoal com a pesquisadora e sua orientadora aos participantes do estudo, visando avaliar eventual necessidade de encaminhamento para consulta psicológica. Contudo, nenhum professor solicitou esse oferecimento. A aplicação dos questionários obedeceu a agendamento elaborado de comum acordo com diretores e professores das escolas e foi efetuada em local que garantiu a privacidade dos participantes. Os questionários foram respondidos nos horários de trabalho pedagógicos coletivos (HTPC) de cada 44 um dos estabelecimentos de ensino e, aos ausentes ou não freqüentadores dessas reuniões, em ocasião previamente agendada, durante o horário de trabalho na escola. Precedendo a entrega dos questionários aos professores que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 4), solicitou- se que os professores respondessem individualmente, sem comunicar-se ou discutir as questões com outros professores. A pesquisadora permaneceu no local para esclarecimento de eventuais dúvidas e, ao final, recolher os questionários. Todos os professores presentes às reuniões aderiram ao estudo e preencheram os questionários. Aos ausentes ou não participantes dessas reuniões foram procurados pela autora que entregou os questionários de acordo com horários previamente agendados. Entretanto, embora tenham assinado o termo de consentimento livre e esclarecido, alguns professores não devolveram os questionários recebidos ou os devolveram em branco após duas tentativas. Esses casos foram considerados perdas, pois todos haviam preenchido o termo de consentimento. 4.3. Instrumento de coleta de informações O instrumento utilizado (Anexo 5) compõe-se de 80 itens distribuídos em seções de A a E, descritas a seguir. As seções A e B foram elaboradas pela pesquisadora e sua orientadora e as demais seções, compostas por questionários disponíveis na literatura científica. Seção A: compôs-se de 10 itens sobre dados pessoais (sexo, idade, grau de instrução, situação conjugal, possuir filhos ou outro dependente) e vínculo empregatício. Para verificar se o respondente efetivamente enquadrava-se nos critérios de inclusão foram elaboradas três perguntas: se o participante havia ministrado aulas no último mês, se estava afastado das atividades docentes e se estava exercendo outra função. Seção B: compôs-se de 11 itens sobre o trabalho (lecionar no ensino fundamental I ou II, jornada de trabalho, tempo de trabalho como professor na vida laboral e na escola atual, em quantas escolas trabalha atualmente, 45 se leva trabalho para casa, se dispõe dos materiais que julga necessários ao exercício de suas atividades, qual a importância atribuída ao período de trabalho e perspectiva de continuar trabalhando sem muitas dificuldades). Seção C: compôs-se por dezesseis questões referentes ao grau de satisfação com o trabalho (Boccalon et al, 2002). Nas oito primeiras questões (retribuição, ambiente físico, relações interpessoais, possibilidade de fazer carreira, possibilidade de melhorar a capacidade profissional, autonomia para tomar decisões, interesse e variedade de atividades, horários de trabalho) solicitou-se que o professor assinalasse o grau de satisfação - grande, regular, pequeno e quase nenhum. Nas oito questões finais (cargas físicas e mentais; utilidade social do trabalho; se considera o próprio trabalho interessante, adequado à sua capacidade e potencialidade; valorização das qualidades profissionais no ambiente de trabalho; se trabalho afeta negativamente a vida pessoal; colaboração entre colegas) solicitou-se que o professor assinalasse sua opinião – muito, moderadamente, pouco ou quase nada. Cada uma das dezesseis questões foi pontuada de um a quatro na escala Likert. Assim, as pontuações de cada questionário podiam variar de mínimo de 16 até valor máximo de 64 pontos, com intervalos contendo apenas números inteiros. Para verificar a consistência interna das dezesseis questões foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach, de acordo com a fórmula: k representa o número de itens do teste; é a variância de cada item do teste; é a variância das pontuações totais do teste. adotando-se o valor mínimo de 0,70, conforme recomendação de Rowland (1991), apud Mello Alves (2004). 2 i S 2 t S 46 Como ponto de corte para classificar o sujeito em satisfeito ou insatisfeito, utilizou-se o valor da média aritmética das pontuações dos 244 questionários. Seção D: composta por 17 questões que constituem a versão reduzida do Job Content Questionnaire, JCQ, instrumento utilizado no denominado Modelo de Karasek. A versão utilizada neste estudo é a de Theorell (1988) composta por 17 questões (demandas psicológicas – cinco questões; grau de controle sobre o próprio trabalho – seis questões; suporte social no trabalho – seis questões), validada para utilização no Brasil por Mello Alves et al. (2004). Quatro das questões sobre demandas psicológicas focam o tempo e a velocidade exigidas do professor no desenvolvimento de sua atividade e existência de demandas conflituosas. No tocante às questões sobre grau de controle sobre o próprio trabalho, quatro investigam o desenvolvimento de habilidades e duas, a existência de autonomia para tomada decisões. As questões relativas ao suporte social no trabalho abordam as relações interpessoais no trabalho (colegas e chefias). Todas as questões relativas às demandas psicológicas e ao grau de controle tem opção de resposta em escala tipo Likert cuja pontuação varia de um (frequentemente) a quatro (nunca/quase nunca). Para suporte social no trabalho utiliza-se a mesma escala com opções de resposta variando de quatro (concordo totalmente) a um (discordo totalmente). Uma das questões sobre demandas psicológicas (questão 44) e uma das questões sobre o grau de controle sobre o próprio trabalho (questão 49) a pontuação foi invertida em relação às demais. Na questão 44 por apresentar condição de trabalho favorável (ter tempo suficiente para cumprir todas as tarefas do seu trabalho) e, na questão 49, condição desfavorável (repetir muitas vezes a mesma tarefa). Em relação às pontuações possíveis, no que se refere a demandas psicológicas, a pontuação mínima é 5 e a máxima, 20 pontos; para as questões sobre grau de controle sobre o próprio trabalho, as pontuações 47 mínima e máxima são, respectivamente, 6 e 24, pontos, o que se repete para as questões referentes a suporte social no trabalho. Foram utilizadas as respectivas médias das pontuações obtidas como pontos de corte para definir as dimensões do modelo: demandas psicológicas baixas e elevadas, grau de controle baixo e elevado e suporte social no trabalho baixo e elevado. A Figura 1 apresenta a distribuição em quadrantes do resultado dos cruzamentos entre demandas psicológicas (baixas e elevadas) e grau de controle sobre o próprio trabalho (baixo e elevado). A melhor situação de trabalho é a de baixo desgaste, caracterizada por baixas demandas psicológicas e elevado grau de controle sobre o próprio trabalho, isto é, uma situação na qual o trabalhador possui as melhores condições para planejar e executar seu trabalho (Karasek, 2005). TRABALHO PASSIVO ALTO DESGASTE BAIXO DESGASTE TRABALHO ATIVO G R A U de C O N T R O L E DEMANDAS PSICOLÓGICAS FIGURA 1 - ESQUEMA DEMANDA-CONTROLE SEGUNDO KARASEK (1998, 2005) Já a pior situação é a de alto desgaste (job strain), caracterizada por demandas psicológicas elevadas e baixo grau de controle sobre o próprio trabalho. A situação de trabalho ativo foi considerada estimuladora 48 para aquisição de novas habilidades e conhecimentos e a de trabalho passivo, como desestimulante (KARASEK, 1979). Seção E: composta pelo Self reporting questionnaire (SRQ-20), destinado a rastrear Transtornos Mentais Comuns, TMC, validado por Mari & Willians (1986) para utilização no Brasil que, segundo esses autores, apresentou 83% de sensibilidade e 80% de especificidade. Neste estudo, utilizou-se a versão com 20 questões. Trata-se de instrumento que possui quatro questões que abordam sintomas físicos e dezesseis, sintomas psíquicos. As respostas são de tipo “sim” ou “não”, respectivamente, com valores um e zero. A soma dos valores obtidos constitui a pontuação do indivíduo. No processo de identificação de TMC, Mari e Willians (1986) sugeriram pontos de corte de 5 / 6 para os homens e de 7 / 8 para as mulheres, adotados neste estudo. A diferença desses pontos de corte tem origem no valor preditivo observado – de 66% para os homens e de 83% para as mulheres. 4.4. Análise dos dados A partir das informações contidas nos questionários foi construído banco de dados utilizando-se o programa informático Microsoft Excel, 2003. Visando identificar erros de digitação, as planilhas foram conferidas uma a uma pela orientadora e um auxiliar. A análise dos dados foi realizada utilizando-se o pacote estatístico SPSS for Windows, versão 21. A população estudada foi caracterizada segundo as variáveis de exposição (variáveis relativas à pessoa, características do trabalho, opiniões sobre aspectos do trabalho, satisfação no trabalho, situação de trabalho segundo o modelo demanda – controle – suporte). A variável de desfecho foram os transtornos mentais comuns (TMC). No modelo de regressão logística simples, considerou-se existir associação entre a variável de exposição e a variável de desfecho para valores de p ≤ 0,05, pela aplicação do teste de qui quadrado. As variáveis 49 que no modelo de regressão logística simples apresentaram valor de p ≤ 0,25 foram testadas no modelo de regressão logística múltipla. Foram estimados os odds ratio (OR) e os respectivos intervalos de confiança de 95%(IC95%). 4.5. Caracterização do município de Avaré – SP e de sua rede de ensino O município de Avaré – SP possuía em 2013, 84.372 habitantes, dos quais 58,2% no grupo etário de 20 a 59 anos e, 13,8%, com 60 anos e mais; as mulheres constituem 50,5% da população. Cerca de dois terços dessa população se declara branca (BRASIL, IBGE, 2013). As principais atividades econômicas do município são constituídas por empresas comerciais e de serviços. Em 2010, a renda per capita no município foi de R$723,28 enquanto o rendimento médio mensal dos chefes dos domicílios2 foi de R$1.485,91 (IBGE, 2010). Em termos de infra-estrutura urbana, em 2000, 99,2% dos domicílios possuía coleta de lixo, 98,2%, abastecimento de água e 96,5% estavam ligados à rede de esgoto sanitário. Em consonância com a Constituição Federal e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Avaré promulgou a Lei Nº 403 de 27 de dezembro de 2002 criando a Secretaria Municipal da Educação que, além de responsável pelo gerenciamento da rede de escolas municipais, possui atribuição de elaborar o plano municipal de ensino, com finalidade de diagnosticar as reais necessidades de educação no nível municipal, de estabelecer prioridades para aplicação de recursos, visando erradicar o analfabetismo, universalizar o ensino básico e oferecer um ensino de qualidade (PREFEITURA MUNICIPAL DE AVARÉ - SP, 2002 ). A rede de educação básica pública do município compõe-se de 67 estabelecimentos, dos quais 39 integram a rede da municipal e 27, a estadual3. Além das escolas públicas, o município possui estabelecimentos 2 Chefe do domicílio, segundo o IBGE, é a pessoa referida pelos moradores como responsável pelo mesmo. 3 Existe também um estabelecimento da esfera federal que, além do ensino profissionalizante, possui classes de ensino fundamental. 50 privados de ensino fundamental. Em 2014 a rede pública de ensino atendeu 21.669 alunos, cerca da metade dos quais, na rede municipal. Dentre as escolas municipais, 24 são responsáveis pelo ensino fundamental I e II. Segundo a Secretaria Municipal de Educação de Avaré, SP, no final do ano de 2013, as 24 escolas de ensino fundamental I e II possuíam 380 professores, dos quais 312 em atividade. Essa Secretaria informou não possuir informações em relação às atividades exercidas por esses professores (estar lecionando, coordenando, auxiliando a direção ou outra). Não foi possível conhecer o número de professores afastados no período do estudo, devido à inexistência de informações no Departamento Médico da Prefeitura Municipal de Avaré (DEMEP), segundo cargo ou função exercida, bem como escola em que trabalhava. A única informação obtida neste Departamento foi que, em 2014, houve 2.359 afastamentos por motivo de saúde entre todos os funcionários municipais da Secretaria de Educação. 51 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 52 Dos 312 professores em atividade, 247 (79,1%) responderam o questionário. Destes, três foram excluídos por lecionarem há menos de um ano. Assim, a casuística foi composta por 244 indivíduos que lecionavam nas 24 escolas municipais de ensino fundamental de Avaré – SP (78,1% dos professores em atividade), considerando-se adequado este nível de participação. Apresentaram transtornos mentais comuns (TMC) 48,8% dos professores, porcentagem considerada elevada quando comparada à ocorrência desses transtornos na população geral, cuja prevalência, segundo vários estudos, têm variado de cerca de 20 a cerca de 36%, sobretudo considerando-se que as proporções mais elevadas ocorrem em regiões mais pobres. Em 2010, Avaré possuía IDH de 0,767, considerado elevado, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013. 5.1. Características gerais da casuística A população estudada segundo variáveis relativas à pessoa encontra-se na Tabela 1, na qual se observa predomínio de professores do sexo feminino (90,6%), o que está de acordo com a observação de outros pesquisadores (GASPARINI et al.,2006; ARAÚJO et al.; 2003; ARAUJO et al, 2006; CARLOTTO & PALAZZO, 2006; DELCOR et al.; 2004; REIS et al., 2005; VEDOVENATO e MONTEIRO, 2008; CARRARO, 2015). Gatti e Barretto (2009), em relatório apresentado à Unesco, revelaram que, no Brasil, a significativa expansão da educação a partir da segunda metade do século XX, caracterizou-se pela inserção majoritária de mulheres (77%). Codo (2002) considera que o aumento do contingente feminino na educação começou a ocorrer de 1870 e 1930, no marco nacional da organização do estado, nele incluído o sistema educacional. Naquele período já se acreditava que as mulheres poderiam realizar melhor as atividades educativas, consideradas extensão das atribuições das mães, na família. Também para Delcor et al. (2004) a predominância de mulheres 53 entre professores tem em suas origens a concepção de que educar constitui atividade feminina, da mesma forma que prestar cuidados de enfermagem é considerada atividade mais apropriada às mulheres. A idade média dos professores foi de 43,1 anos, com predominância de indivíduos nas faixas de 30 a 49 anos. A menor idade observada foi 25 anos (Tabela 1). Trata-se de resultados semelhantes aos relatados por outros autores (SILVANY-NETO et al., 2000; ARAÚJO, 2003; CARLOTTO, 2006; VEDOVATO e MONTEIRO, 2008; OLIVEIRA, 2013; REIS et al, 2005; CARRARO, 2015). Quanto à situação conjugal, a Tabela 1 revela que 64,3% dos professores eram casados ou possuíam companheiros, resultado compatível com outras pesquisas que revelaram proporção de 50% a 70% de professores nessa situação (CODO, 2002; DELCOR, 2003; GASPARINI et al, 2006; REIS et al, 2005; PORTO et al., 2006; OLIVEIRA, 2013; CARRARO, 2015). Dentre os participantes deste estudo, 57,5% informaram possuir filhos dependentes e 9,8% outros dependentes, exceto filhos, dentre os quais, dez apresentavam necessidades especiais (Tabela 1). Trata-se de resultados que podem ser considerados semelhantes aos observados por Codo (2002), Delcor (2003), Reis et al. (2005), Gasparini et. al. (2006), Vedovato e Monteiro (2008), Carraro (2015), cabendo assinalar que esses autores não fazem referência a dependentes que apresentem necessidades especiais. Em Jequié – BA, Oliveira (2013) observou que 85,5% dos professores que compuseram a casuística estudada relataram possuir dependentes, proporção que pode ser considerada mais elevada do que a deste e dos demais estudos mencionados. A Tabela 1 revela que 47,5% dos professores consideravam as tarefas domésticas um peso que se somava ao das atividades profissionais, caracterizando a dupla jornada de trabalho a que as mulheres são submetidas, como constatado por autores dentre os quais Zibetti e Pereira (2010), Araujo et al. (2006), Pinho e Araujo (2012). 54 TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE AVARÉ - SP, DE ACORDO COM VARIÁVEIS RELATIVAS À PESSOA. 2015. VARIÁVEL Nº % SEXO Feminino 221 90,6 Masculino 20 8,2 Sem informação 3 1,2 TOTAL 244 100,0 GRUPO ETÁRIO Média=43,1 anos Mediana=42,5 anos 251 a 29 19 7,8 30 a 39 63 25,8 40 a 49 70 28,7 50 e mais 66 27,0 Sem informação 26 10,7 TOTAL 244 100,00 SITUAÇÃO CONJUGAL Casado / companheiro 157 64,3 Solteiro 49 20,1 Separado / divorciado / viúvo 34 13,9 Sem informação 4 1,7 TOTAL 244 100,00 FILHOS DEPENDENTES Sim 141 57,8 Não 85 34,8 Sem informação 18 7,4 TOTAL 244 100,0 OUTROS DEPENDENTES 2 (exceto filhos) Sim 24 9,8 Não 170 69,7 Sem informação 50 20,5 TOTAL 244 100,00 TAREFAS DOMÉSTICAS SÃO PESO A MAIS Grande 116 47,5 Moderado 66 27,1 Pequeno 36 14,8 Quase nenhum 25 10,2 Sem informação 1 0,4 TOTAL 244 100,00 DEDICA À FAMÍLIA O TEMPO QUE GOSTARIA Bastante 15 6,1 Moderadamente 62 25,4 Pouco 100 41,0 Quase nada 65 26,7 Sem informação 2 0,8 TOTAL 244 100,0 55 Informaram dedicar-se à família menos tempo do que gostariam, devido ao trabalho, 41,0% dos professores (Tabela 1), aspecto pouco estudado nesta categoria. Faria (2010) constatou a existência de conflitos entre a atividade docente e o convívio e as atribuições familiares entre professores do ensino fundamental e médio 5.2. Algumas características do trabalho A quase totalidade dos professores (93,2%) era regida pelo estatuto dos funcionários públicos municipais de Avaré - SP e os demais, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nas sociedades capitalistas a manutenção e a reprodução da força de trabalho são garantidas à maioria da população por meio do pagamento de salário, principal forma de distribuição nessas sociedades. Assim, a retribuição - salário e outros benefícios - constitui importante aspecto do trabalho assalariado, uma vez que é através dele que a maioria dos trabalhadores adquire os bens e serviços necessários à sua subsistência e de suas famílias. Na Tabela 2 são apresentadas algumas das características do trabalho da população estudada. Neste estudo, 59,4% dos professores manifestaram satisfação com a retribuição - salário, vale refeição, etc. (Tabela 2). Esta proporção foi semelhante à observada por Carraro (2015) entre professores do ensino fundamental de Bauru – SP, dos quais 58,8% revelaram estar satisfeitos com a remuneração recebida. Trata-se de dois estudos efetuados posteriormente à Lei Nº 11.738, de 16 de julho de 2008 que estabeleceu o piso salarial nacional mensal dos professores do ensino fundamental em R$ 950,00 para jornada de, no máximo, 40 horas semanais (BRASIL, 2008). Com os reajustes anuais esse piso passou a R$ 1.697,39 em 2014 e a R$ 1.917,78 em 2015. Além disso, refere-se a jornada de 40 horas semanais e a professores com grau de escolaridade média (Curso Normal). Em Avaré – SP, todos os professores do ensino fundamental municipal possuíam licenciatura e, em 2015, o piso salarial inicial para jornada semanal de 30 horas era de R$2.000,00 (dois mil reais). 56 TABELA 2 - PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE AVARÉ - SP, SEGUNDO CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO. 2015. VARIÁVEIS DE EXPOSIÇÃO Nº % RETRIBUIÇÃO (GRAU DE SATISFAÇÃO) Elevado 2 0,8 Regular 140 57,4 Pequeno 83 34,0 Quase nenhum 16 6,6 Sem informação 3 1,2 Total 244 100,00% TEMPO DE TRABALHO NA ESCOLA (anos) 1 a 5 40 16,4 6 a 10 43 17,6 11 a 15 54 22,1 16 a 20 48 19,7 21 e mais 59 24,2 TOTAL 244 100,0 JORNADA SEMANAL Menos de 19 horas 5 2,0 20 a 39 horas 104 42,6 40 a 49 horas 62 25,4 50 e mais horas 67 27,5 Sem informação 6 2,5 TOTAL 244 100,0 PERÍODO DO DIA EM QUE LECIONA Manhã 30 12,3 Tarde 23 9,4 Noite 10 4,1 M + T 145 59,4 M + N ou T+N 11 4,5 M + T + N 17 7,0 Sem informação 8 3,3 TOTAL 244 100,0 LEVAR TRABALHO PARA CASA Nunca ou quase nunca 8 3,3 Às vezes 94 38,5 Frequentemente 86 35,2 Todo dia ou quase todo dia 53 21,7 Sem informação 3 1,2 TOTAL 244 100,0 NÚMERO DE ESCOLAS EM QUE LECIONA Uma 101 41,4 Duas 101 41,4 Três 16 6,6 Quatro ou mais 11 4,5 Sem informação 15 6,1 TOTAL 244 100,0 HISTÓRIA DE AGRESSÃO RELACIONADA AO TRABALHO Sim 116 47,5 Não 126 51,7 Sem informação 2 0,8 TOTAL 244 100,0 57 Até que ponto o piso salarial estabelecido por lei está influenciando a opinião satisfatória dos professores de Avaré - SP em relação aos próprios salários? Por outro lado, não se pode desconsiderar que cerca de 40% dos professores manifestaram insatisfação com a remuneração recebida. Isto porque, ao longo dos últimos anos, vários autores têm assinalado que mais de 60% dos professores do ensino fundamental, sobretudo na rede pública, consideram baixos os salários que recebem, face às suas atribuições e responsabilidades, o que indica desvalorização dessa categoria profissional (TOLOSA, 2000; DELCOR, 2003; GASPARINI et al., 2006; GOMES e BRITO, 2006; NEVES e SELIGMAN- SILVA, 2006). Estes estudos em que majoritariamente os professores consideraram baixos os salários que recebem são anteriores ao estabelecimento do piso salarial para os profissionais do magistério público na educação fundamental (Lei Nº 11.738, de 16 de julho de 2008). Codo (2002), há mais de quinze anos, além dos baixos salários recebidos pelos professores no Brasil, observou disparidade salarial de até 900% entre esses profissionais nas diferentes nas redes estaduais de ensino. O estado que, atualmente, paga os melhores salários para jornada de 40 horas é Mato Grosso do Sul. Já o estado de São Paulo está entre os que pagam os menores salários aos professores da rede estadual. Pode-se supor que, igualmente, entre os municípios existam disparidades, o que explicaria as diferenças quanto à satisfação dos professores a respeito dos próprios salários, observadas pelos autores mencionados em parágrafos precedentes, sobretudo se considerarmos tratar-se de estudos efetuados em municípios localizados em estados diferentes. O tempo de trabalho nas escolas em termos de vida laboral é de grande importância em termos de duração de exposição tanto a fatores de proteção, como a fatores de risco à manutenção da saúde. Instalações físicas adequadas e confortáveis, formas de organização e de 58 gerenciamento do trabalho que privilegiam a participação, ter à disposição materiais e equipamentos considerados necessários ao trabalho são fatores, dentre outros, que contribuem para o bem-estar e a satisfação dos professores. O contrário disso, sobretudo se persiste ao longo do tempo, tende a provocar perda de entusiasmo e insatisfação com o trabalho, podendo afetar a saúde física e, ou mental dos trabalhadores. Neste estudo, o tempo médio de trabalho dos professores na escola foi de 15 anos, sendo que 65,2% exerciam suas funções há mais de 11 anos (Tabela 2). Na literatura científica há estudos que revelaram tempos médios de trabalho nas escolas semelhantes ao observado em Avaré – SP, caso de Vitória da Conquista – BA, onde Reis et al. (2005) observaram 10,4 anos e de Porto et al. (2006), 11 anos; também Gasparini et al (2006) em Belo Horizonte - MG observaram tempo médio de trabalho de 15 anos, enquanto Oliveira (2013) em Jequié - BA encontrou 20 anos de tempo médio de trabalho entre os professores de ensino fundamental que compuseram sua casuística. Por outro lado, Silvany-Neto et al. (2000) observaram que, em Salvador – BA, o tempo dos professores na ocupação foi de 5,8 anos. Em Bauru – SP, município limítrofe ao de Avaré, Carraro (2015) encontrou tempo médio de trabalho de 4,7 anos. São muitos os fatores que podem estar influenciando as diferenças observadas e, para melhor compreensão, seria necessário conhecer a história do desenvolvimento do ensino básico de cada município. Um dos fatores que, provavelmente, contribui para as diferenças observadas é a época em que o ensino básico foi municipalizado nas diferentes localidades. A carga horária semanal de trabalho do professor é constituída pela somatória dos tempos destinados a atividades executadas em sala de aula, atividades pedagógicas coletivas (HTPC), atividades pedagógicas individuais (HTPI) e horário de trabalho livre (HTPL). Segundo informações obtidas na Secretaria Municipal de Saúde de 59 Avaré, esta carga varia de 30 a 64 horas semanais, sendo que o limite superior não pode ser ultrapassado. Como revela a Tabela 2, 68,0% dos professores referiram jornada semanal de trabalho de 20 a 49 horas, com média e mediana, respectivamente, de 38,9 e 40 horas. Informaram lecionar dois períodos (manhã e tarde), 59,4% dos professores. Trata-se de resultados semelhantes aos observados em outros estudos (REIS et al., 2005; VEDOVATO e MONTEIRO, 2008; OLIVEIRA, 2013). Entretanto, em escolas da Grande Vitória, Marchiori et al. (2005) observaram que 47% dos professores referiram jornada semanal de trabalho superior a 40 horas e, dentre estes, 7%, mais de 60 horas, ministrando aulas em escolas diferentes e em até três turnos. A ampliação da carga horária semanal de trabalho constitui mecanismo que muitos professores utilizam para aumentar seus rendimentos, implicando aumento da fadiga, bem como maior tempo exposição a fatores de risco ocupacionais (GOMES e BRITO, 2006; GASPARINI et al., 2006; REIS et al., 2005). Neste estudo, 82,8% dos professores referiram trabalhar em uma ou duas escolas, conforme mostra a Tabela 2. Alguns professores, além de trabalhar em mais de uma escola, como relata Delcor (2003) que constatou que, além de 54,6% trabalhando nessa condição e 19,1% professores exerciam outras atividades remuneradas. Já Carlotto e Palazzo (2008) observaram que 59% dos professores exerciam uma segunda atividade profissional. Conforme se verifica na Tabela 2, mais da metade dos professores (56,9%) informou levar trabalho para casa rotineiramente (respostas frequentemente e todo dia / quase todo dia). Estudando a prevalência de burnout em escolas da Grande Porto Alegre, Carlotto e Palazzo (2008) observaram que 96,2% dos professores informaram desenvolver atividades fora do horário normal de trabalho. Levar trabalho para casa constitui prática recorrente entre professores, revelada por vários estudos sobre condições de trabalho e 60 processo saúde/doença, e tem sido interpretada como indicativo da intensificação do trabalho dessa categoria profissional. Para muitos professores, isso é consequência da impossibilidade de dar conta das tarefas sob sua responsabilidade durante o horário normal (contratado) de trabalho. Em estudo qualitativo abordando as repercussões em termos de sobrecarga de trabalho, representadas pela dupla jornada na vida e no trabalho docente, Zibetti e Pereira (2010) registraram a frase proferida por uma professora “A gente trabalha em casa e também leva trabalho da escola para casa” (p. 266), que exemplifica a situação em termos de cargas de trabalho a que grande parte das mulheres dessa categoria é submetida. A violência nas escolas tem sido um tema recorrente na mídia e, neste estudo (Tabela 2), 47,5% dos professores informaram ter sofrido algum tipo de agressão relacionada ao trabalho por parte de alunos, de pais ou de colegas de trabalho. Gasparini et al. (2006) abordaram a questão da violência contra professores em escolas de Belo Horizonte – MG, constatando que 15% relataram ter sofrido agressões por parte de outros professores ou de funcionários, 74%, por parte de alunos, 57% por parte de pais de alunos e 55% por pessoas externas à escola., 5.3. Opiniões sobre o trabalho Na Tabela 3 encontra-se a distribuição dos resultados obtidos sobre algumas opiniões dos professores a respeito de seu trabalho. Neste estudo, solicitados a opinar a respeito dos recursos materiais existentes na escola, sem especificar quais seriam estes, 61,1% dos professores referiram não dispor dos meios considerados necessários à execução das atividades de ensino sob sua responsabilidade (Tabela 3). Tais condições não são exclusivas das escolas de Avaré, mas repetem-se em outras, como apontam estudos cujos resultados são apresentados a seguir. 61 Vedovato e Monteiro (2008) observaram em escolas das cidades paulistas de Campinas e de São José do Rio Pardo que 41,3% dos professores consideravam insuficientes os recursos materiais disponíveis. Constatações semelhantes ocorreram em estudo efetuado em escolas de Belo Horizonte – MG por Gasparini et al. (2006) e por Gomes e Brito (2006) em escolas da cidade do Rio de Janeiro. Outro aspecto importante para caracterização das condições gerais de trabalho dos professores refere-se ao número de alunos por classe que, quando excessivo, contribui negativamente para o desempenho dos professores, segundo a opinião de vários autores. Assunção e Oliveira (2009) assinalam que, apesar dos acordos nacionais e estaduais visando manter em torno de 30 o número de alunos por sala no ensino fundamental, isso dificilmente acontece. No decorrer do ano letivo, seja por evasão escolar, seja por afastamentos de professores devido a convocação para realização de outras atividades ou por doença, são comuns as fusões de turmas, acarretando superlotação de salas e influindo negativamente nas atividades pedagógicas, uma vez que o número excesssivo de alunos prejudica a atenção que o professor é capaz de dispensar aos alunos seja individual como coletivamente. Alem disso, classes numerosas também costumam ser mais ruidosas em comparação a classes menores. Neste estudo (Tabela 3), 45,1% dos professores consideraram o número de alunos por classe excessivo. Marchiori et al (2005) constataram que, em escolas da Grande Vitória – ES, 70% dos professores entrevistados consideravam excessivo o número de alunos por classe. Também Gomes e Brito (2006) no Rio de Janeiro – RJ e Noronha et al. (2008) em Montes Claros – MG observaram classes superlotadas nas escolas em que desenvolveram suas pesquisas. Além disso, em Montes Claros, os autores do estudo descrevem instalações físicas precárias, mobiliário em péssimo estado de conservação e espaço de circulação exíguo, dificultando os deslocamentos de alunos e professores. 62 Segundo Diaz-Serrano e Vieira (2005) a importância atribuída ao período de trabalho em comparação com as demais atividades cotidianas constitui indicação do grau de compromisso com o trabalho e faz com que os trabalhadores avaliem e reavaliem continuamente se recebem em troca o que acreditam merecer o que, segundo os autores, relaciona-se à satisfação e ao desempenho no trabalho. TABELA 3 - DISTRIBUIÇÃO DOS PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE AVARÉ - SP, SEGUNDO ALGUMAS OPINIÕES SOBRE O TRABALHO. 2015. VARIÁVEIS DE EXPOSIÇÃO Nº % Dispor de materiais necessários Sim 84 34,4 Não 149 61,1 Não sabe 4 1,6 Sem informação 7 2,9 TOTAL 244 100,0 Número de alunos por classe Excessivo 110 45,1 Razoável 103 42,2 Bastante adequado 25 10,2 Sem informação 6 2,5 TOTAL 244 100,0 Considerar o trabalho como período + importante do dia Sim 125 51,2 Não 87 35,7 Não sabe 21 8,6 Sem informação 11 4,5 TOTAL 244 100,0 Acreditar poder continuar trabalhando mantidas as condições atuais de trabalho Sim 36 14,8 Não 140 57,4 Não sabe 64 26,2 Sem informação 4 1,6 TOTAL 244 100,0 Satisfação no trabalho Satisfeito 121 49,6 Insatisfeito 123 50,4 TOTAL 244 100,0 A importância atribuída ao período de trabalho docente constituiu um 63 dos itens do instrumento aplicado neste estudo, aspecto, entretanto, praticamente não abordado em estudos sobre condições de trabalho dos professores. Neste estudo, 51,2% dos professores consideraram o tempo destinado ao trabalho docente como o período mais importante do dia (Tabela 3). Carraro (2015) observou proporção semelhante, com 48,4% dos professores do ensino fundamental municipal de Bauru – SP informando considerar tal período como o mais importante do dia. A decisão de permanecer no emprego, nas condições de trabalho a que estão submetidos constitui importante fator preditivo do grau de bem- estar do sujeito (DIAZ-SERRANO e VIEIRA, 2005). Este aspecto também não tem sido abordado em estudos sobre condições de trabalho dos professores. Neste estudo, 57,4% d