IVY KARINA WIENS A GESTÃO DE RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL: INICIATIVAS NA BACIA HIDROGRÁFICA TIETÊ-JACARÉ E UMA PROPOSTA PARA O MUNICÍPIO DE BAURU (SP) Dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia de Bauru da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção. ORIENTADOR: Prof. Dr. JORGE HAMADA Bauru 2008 2 DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO UNESP – BAURU Wiens, Ivy Karina. A gestão de resíduos da construção civil: iniciativas na bacia hidrográfica Tietê-Jacaré e uma proposta para o município de Bauru (SP) / Ivy Karina Wiens, 2008. 155 f. il. O i t d J H d Ficha catalográfica elaborada por Maricy Fávaro Braga – CRB-8 1.622 3 À minha mãe, Rosani, que sempre me ensinou a ser humilde e guerreira e aos meus engenheiros, meu pai Werner (in memorian) e meu irmão Patrick, que me inspiram a ver o mundo de forma mais objetiva. 4 AGRADECIMENTOS Este trabalho foi construído não apenas durante sua pesquisa, mas ao longo de minha vivência com as questões ambientais. Agradeço ao Instituto Ambiental Vidágua por ter me despertado para esta consciência da responsabilidade sobre o mundo, e a cada um de seus membros, meus amigos, pela constante inspiração em aprender e respeitar o diverso. Agradeço também o Prof. Dr. Jorge Hamada, mais do que um orientador, um verdadeiro amigo, que com todo seu conhecimento consegue estimular seus alunos a irem além do senso comum. Sua paciência foi fundamental para o sucesso deste trabalho. Aos professores do Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção agradeço por terem aberto para mim um novo mundo, até então pouco conhecido, das Ciências Exatas, comprovando que a interação entre as áreas do conhecimento é necessária. Aos funcionários Célia, Ricardo e Gustavo, que sempre deram todo o suporte para um excelente curso. Aos meus amigos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Bauru, desde os tempos em que compartilhava com eles as angústias do idealismo por uma gestão ambiental eficiente, e que me ensinaram muito sobre a diferença entre a teoria e a prática. Agradeço especialmente ao Sidnei Rodrigues, exemplo de luta pela causa ambiental e pelas relações honestas, sem interesses. A todos aqueles que doaram um pouco do seu tempo na colaboração para que esta pesquisa se tornasse real, meus sinceros agradecimentos. Amigos (antigos ou novos) das prefeituras municipais e autarquias, sintam-se todos integrados a este agradecimento coletivo. Agradeço também a José Rodrigues Neves, futuro Engenheiro Eletricista, que me deu forças para cumprir esta etapa da minha carreira. À UNESP, minha casa desde 1996, meu agradecimento sempre estará expresso em contribuições acadêmicas, que, espero, nunca terão fim. E, finalmente, agradeço à minha família, que em todos os momentos me apoiou e me deu força para continuar, por mais difícil que parecesse o caminho. 5 WIENS, I.K. A gestão de resíduos da construção civil: iniciativas na Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré e uma proposta para o município de Bauru (SP). Dissertação (Mestrado), Faculdade de Engenharia de Bauru da Universidade Estadual Paulista – UNESP. Bauru, 2008. RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo principal levantar a situação dos resíduos sólidos, em especial os resíduos de construção civil (RCD) nos cinco municípios mais populosos da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Bacia Hidrográfica) Tietê-Jacaré, que abrange trinta e quatro municípios. Entre 2006 e 2008 foram realizadas visitas de campo e uma pesquisa mais aprofundada em Araraquara, Bauru, Jaú, Lençóis Paulista e São Carlos. A perspectiva utilizada foi a do saneamento ambiental integrado, como preceitua a legislação federal, que inclui neste conceito o abastecimento de água, a coleta e tratamento dos esgotos, o manejo e disposição final de resíduos sólidos e a drenagem urbana. Os princípios da redução, reutilização, reciclagem e recuperação dos resíduos são indissociáveis do gerenciamento eficiente. No caso dos resíduos de construção, foi identificada a necessidade de uma gestão diferenciada, onde o planejamento urbano é utilizado como instrumento para otimizar a aplicação dos recursos públicos, o que é uma tendência. Os gestores municipais, de acordo com a Resolução CONAMA 307/02, precisam ser articuladores do sistema, envolvendo todos os protagonistas – gestores, transportadores, geradores, catadores. Experiências bem sucedidas no Brasil e no exterior podem servir de exemplo, mas cada município deve elaborar seu Plano de Gestão adequado à realidade local. Como recomendação, apresentamos uma proposta para o município de Bauru, buscando contribuir com a gestão integrada de resíduos de construção. Palavras-chave: resíduos sólidos, gestão integrada de resíduos, resíduos de construção civil 6 WIENS, I.K. The waste construction and demolition management: initiatives in the Tietê-Jacaré watershed and a proposal for the city of Bauru (SP). M.Sc Dissertation. Faculdade de Engenharia de Bauru da Universidade Estadual Paulista – UNESP. Bauru, 2008. ABSTRACT This research has as its main goal, study the situation of solid waste, specially construction and demolition waste, in the five largest cities in Tietê-Jacaré watershed, that is comprehended for 34 counties. Between 2006 and 2008 Araraquara, Bauru, Jaú, Lençóis Paulista e São Carlos received the field visit and a little deeper research. The used perspective was of the integrated environmental sanitation, as it is required by the federal law, which includes in this concept the water supply, the collecting and treatment of the sewer, the handling and final disposal of the solid residues and the urban drainage. The principles of the reduction, reutilization, recycling and recovery of the residues are inseparable from the effective management. As for the residues of the construction sector the promotion of differentiated management, in which the urban planning is used as a tool to optimize the application of the public resources is a tendency. Most t of the time the city managers are not well prepared for this reality and then they need to act as articulators of the system involving all the protagonists – managers, transporters, generators, collectors. Experiments that have been successful in Brazil and abroad may be useful as examples, but each and every town must elaborate its own Management Plan properly adapted to the local reality. At the end of this study, it is a suggestion of a proposition for the implantation of an integrated management of the residues of the civil construction sector in the city of Bauru. Key-words: solid waste, integrated waste management, construction and demolition waste. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 : Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo 22 Figura 02: Destino final do lixo no Brasil 27 Figura 03: índice de qualidade de resíduos sólidos domiciliares do Estado de São Paulo em 2006 29 Figura 04: Esquema de um sistema de gerenciamento de resíduos 32 Figura 05: Esquema de gerenciamento integrado de resíduos 33 Figura 06: exemplos de materiais dispostos (a) e vista da área do aterro a partir da área de RCD (b) 43 Figura 07: vista de deposição de resíduos de construção (a) e caçambas metálicas (b), município de Dothan (AL) 44 Figura 08: placa de identificação de área para deposição de madeira e RCD(a) e resíduos de madeira (b) 44 Figura 09: fluxograma de estudo da gestão integrada de RCD 55 Figura 10: Elementos da rede de distribuição reversa dos RCD 63 Figura 11: Crescimento da opção prefeitura como o principal responsável por solucionar os problemas ambientais 67 Figura 12: Bacia Tietê-Jacaré com suas micro-bacias 74 Figura 13: deposição do lixo orgânico (a) e garra de direcionamento para triagem (b) 85 Figura 14: esteira de triagem dos materiais recicláveis (a) e peneira (b) 85 Figura 15: vista do contêiner da coleta seletiva (a) e material coletado (b) 86 Figura 16: triturador (a) e cavacos provenientes de resíduos de poda e jardinagem (b) 86 Figura 17: resíduos de serviços de saúde (a), e disposição irregular de lâmpadas (b) 87 Figura 18: vista do bolsão de RCD de Lençóis Paulista (a e b) 88 Figura 19: madeira e tijolos separados por catadores 88 Figura 20: caminhão particular (a) e resíduos orgânicos no bolsão de entulho (b) 89 Figura 21: usina de artefatos de cimento (a) e produção armazenada (b) 89 Figura 22: detalhe dos carrinhos (a) e caminhão de coleta seletiva (b) 90 Figura 23: vista das baias de triagem de materiais (a e b) 91 Figura 24: resíduos em meio a canavial (a) e acesso (b) 93 Figura 25: resíduos de calçados (a) e lixo orgânico no bolsão (b) 93 Figura 26: deposição de cadarços (a) e queimada no bolsão (b) 94 Figura 27: pedreira de Jaú, com resíduos de calçados queimados (a) e deposição de RCD 94 Figura 28: vista frontal (a) e lateral (b) do Ponto de Entrega Voluntária 96 Figura 29: detalhe da placa de identificação (a) e vista da área cercada, com fiscal (b) 97 Figura 30: guaritas dos bolsões de transbordo (a) e interior do contêiner (b) 97 Figura 31: placa (a) e guarita (b) da Central de Processamento de Resíduos de Construção 99 Figura 32: baia de material triado (a) e equipe trabalhando (b) 99 Figura 33: restos de madeira (a) e acondicionadores de materiais(b) 100 Figura 34: Área de fabricação dos artefatos (a) e utilização em construção-piloto (b) 102 8 Figura 35: Usina de Reciclagem de Resíduos de Construção Civil da PROHAB. Vista do triturador (a) e do agregado (b). 102 Figura 36: Imagem da voçoroca em recuperação (a e b) 103 Figura 37: máquinas trabalhando (a), catadora em atividade (b) e vista do galpão (c) 104 Figura 38: vista do aterro de Bauru (a e b) 106 Figura 39: dreno de gases e (a) e visita de escola (b) 107 Figura 40: deposição de resíduos de serviços de saúde (a e b) 107 Figura 41: vista da Central de Triagem de Materiais Recicláveis em 2006 (a) e em 2007 (b) 108 Figura 42: caminhão (a) e folder de divulgação sobre a coleta seletiva (b) 109 Figura 43: erosão na Pousada da Esperança (a) e no Córrego Barreirinho (b) 110 Figura 44: principais pontos de deposição de RCD 111 Figura 45: erosão da Pousada da Esperança (a) e Jardim Jussara (b) 112 Figura 46: erosão do EADI antes (a) e depois (b) do entulhamento 112 Figura 47: erosão na Granja Adachi (a e b) 114 Figura 48: reunião com empresários do setor de caçambas (a) e correção de via de acesso ao bolsão da Granja Adachi (b) 115 Figura 49: Granja Adachi dois meses após o encerramento do bolsão (a e b) 116 Figura 50: vista do bolsão do Jardim Ivone (a e b) 116 Figura 51: barracas feitas pelos catadores de recicláveis no Jardim Ivone (a e b) 117 Figura 52: vista do bolsão do Parque das Nações (a e b) 117 Figura 53: catadores no bolsão do Parque das Nações (a) e a bicicleta utilizada para seu transporte (b) 118 Quadro 1: Etapas do compromisso de gestão 124 Quadro 2: Etapas do diagnóstico 125 Figura 54: divisão em micro-bacias definida como base territorial para o Plano Diretor Participativo 127 Figura 55: caçambas com resíduos orgânicos e volumosos (a e b) 128 Quadro 3: Etapas do arcabouço legal 129 Quadro 4: Etapas da implantação 131 Figura 56: mapa do macrozoneamento previsto no Plano Diretor Participativo 132 Figura 57: via onde foi utilizado RCD pra manutenção (a) e com problemas de drenagem, após entulhamento (b) 133 Quadro 5: Etapas da Usina de beneficiamento 134 Quadro 6: Etapas da educação ambiental 135 9 LISTA DE TABELAS Tabela 01: Quantidade de lixo coletado no Brasil, por tipo de destino final 28 Tabela 02: Geração de resíduo sólido na Europa (kg/país/ano) 42 Tabela 03: Classificação dos RCD, composição e destinação 46 Tabela 04: Caracterização dos resíduos de construção e demolição no município de Salvador. 47 Tabela 05 : Massa de RCD coletada pela prefeitura, média municipal e per capita, segundo porte dos Municípios Brasil, municípios selecionados 50 Tabela 06: Diferenças entre gestão e gerenciamento 53 Tabela 7: Composição dos resíduos de construção e demolição segundo o World Waste 56 Tabela 08: Evolução no tempo da responsabilidade nos grupos pela solução dos problemas do meio ambiente 67 Tabela 09: Municípios da Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré, população e área 75 Tabela 10: Quantificação da vegetação natural remanescente para as diferentes UGRHI no Estado de São Paulo, em hectares. 76 Tabela 11: Índices de cobertura do saneamento na UGRHI Tietê-Jacaré 76 Tabela 12: Situação dos resíduos sólidos domiciliares no período 1997 a 2006 77 Tabela 13: Destinação de RCD nos municípios pesquisados 82 Tabela 14: Ordem de importância de instrumentos para um Plano de Gerenciamento de RCD 83 Tabela 15: prioridades para a melhoria da prestação de serviços em resíduos Sólidos Tabela 16: investimentos para gestão de RCD no município de São Carlos, com financiamento do PAC 105 Tabela 17: Caracterização de resíduos para bolsões de entulho no município de Bauru 114 Tabela 18: situação dos resíduos sólidos domiciliares nos municípios mais populosos da UGRHI Tietê-Jacaré 121 10 LISTA DE SIGLAS ABIN – Agência Brasileira de Inteligência ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ACAP – Associação de Catadores de Papel APASC – Associação de Proteção Ambiental de São Carlos ASSENAG – Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos ASTEN - Associação dos Transportadores de Entulhos e Terraplanagem ATT – área de triagem e transbordo C&D – construction and demolition CADRI – Certificado de Aprovação de Destinação de Resíduos Industriais CBH – Comitê de Bacia Hidrográfica CEPROM – Centro de Produção Municipal CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental COMDEMA – Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente COOPRELP - Cooperativa de Resíduos de Lençóis Paulista COOTRAMAT - Cooperativa dos Trabalhadores em Materiais Recicláveis CREA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia DAAE - Departamento Autônomo de Água e Esgotos DAE – Departamento de Água e Esgoto DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica DAIA – Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental DBO – demanda biológica de oxigênio DEPRN – Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais EIA/RIMA – estudo prévio de impacto ambiental/ relatório de impacto ambiental EMDURB – Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural EPI – equipamento de proteção individual FACILPA – Feira Agropecuária Comercial e Industrial de Lençóis Paulista FATEC – Faculdade de Tecnologia FECOP – Fundo Estadual de Controle e Prevenção da Poluição FEHIDRO – Fundo Estadual de Recursos Hídricos FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IG – Instituto Geológico IPT – Instituto de pesquisas Tecnológicas IQR – Índice de Qualidade de Aterros de Resíduos ISER - Instituto de Estudos da Religião MEC – Ministério da Educação MMA – Ministério do Meio Ambiente NBR – norma brasileira OAB – Ordem dos Advogados do Brasil ONU – Organização das Nações Unidas PAC – Programa de Aceleramento do Crescimento PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental PNMA – Política Nacional de Meio Ambiente PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PROHAB - Progresso e Habitação de São Carlos S/A 11 PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental RCD – resíduos de construção civil RD – resíduos domiciliares RSU – resíduos sólidos urbanos SAEMJA – Serviço de Água e Esgoto do município de Jaú SANEJ – Saneamento de Jaú Ltda SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SEBES – Secretaria Municipal do Bem-Estar Social SEMEIA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente SEPROCOM – Secretaria de Projetos Comunitários SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNEA – Sistema Nacional de Educação Ambiental SISNIMA – Sistema Nacional de Informações Ambientais SMA – Secretaria de Estado do Meio Ambiente SNIS – Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação TAC – Termo de Ajustamento de Conduta UGRHI – Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos UNESP – Universidade Estadual Paulista USP – Universidade de São Paulo 12 SUMÁRIO RESUMO................................................................................................. 5 ABSTRACT............................................................................................. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES...................................................................... 7 LISTA DE TABELAS .............................................................................. 9 LISTA DE SIGLAS................................................................................ 10 1. Introdução ........................................................................................ 14 2. Objetivos .......................................................................................... 16 2.1 Objetivo geral...................................................................................................16 2.2 Objetivos específicos .......................................................................................16 3. Revisão bibliográfica....................................................................... 17 3.1 A questão ambiental ........................................................................................17 3.2 Gestão ambiental.............................................................................................20 3.3 Bacias Hidrográficas........................................................................................21 3.4 Saneamento ambiental ....................................................................................23 3.5 Resíduos sólidos .............................................................................................24 3.5.1 Situação dos resíduos sólidos no Brasil....................................................26 3.5.2 A gestão de resíduos sólidos ....................................................................30 3.5.2.1 A gestão de resíduos sólidos no Estado de São Paulo..........................34 3.5.2.2 Legislação ..............................................................................................35 3.5.3 Resíduos de construção civil.....................................................................39 3.5.3.1 Panorama mundial .................................................................................40 3.5.3.2 Caracterização e legislação ...................................................................45 3.5.3.3 Normas técnicas brasileiras ...................................................................48 3.5.3.4 Panorama brasileiro ...............................................................................49 3.5.3.5 O caso de Salvador................................................................................51 3.5.3.6 A estrutura de Belo Horizonte ................................................................51 3.5.4 Gestão e Gerenciamento do RCD.............................................................52 3.5.4.1 Áreas de triagem e transbordo...............................................................56 3.5.4.2 Diagnóstico ..........................................................................................56 3.5.4.3 A Gestão Diferenciada.........................................................................57 3.5.4.4 A gestão dos resíduos de construção sob a perspectiva da sustentabilidade .................................................................................................61 3.5.4.5 Atores do processo ................................................................................64 3.5.5 Educação ambiental..................................................................................65 4. Materiais e métodos ........................................................................ 70 4.1 Metodologia geral ............................................................................................70 4.1.2 Metodologia utilizada no questionário .......................................................72 4.2 Características da Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré.........................................73 5. Resultados e discussões................................................................ 81 5.1 Panorama geral da gestão de resíduos em uma amostra de municípios da Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré.............................................................................81 5.2 Lençóis Paulista ...........................................................................................84 5.2.1 Resíduos de construção civil.....................................................................87 5.3 Jaú ...............................................................................................................90 13 5.3.1 Resíduos de construção civil.....................................................................92 5.4 Araraquara ...................................................................................................95 5.4.1 Resíduos de construção civil.....................................................................96 5.5 São Carlos .................................................................................................100 5.5.1 Resíduos de construção civil...................................................................101 5.6 Bauru..........................................................................................................106 5.6.1 Resíduos de construção civil...................................................................109 5.7 Considerações sobre a situação dos resíduos nos municípios visitados.......120 6. Recomendação para elaboração de um plano de gestão e gerenciamento de resíduos de construção no município de Bauru ............................................................................................................. 123 6.1 Compromisso de gestão ................................................................................123 6.2 Diagnóstico ....................................................................................................124 6.3 Arcabouço Legal ............................................................................................125 6.4 Implantação ...................................................................................................129 6.5 Usina de beneficiamento ...............................................................................131 6.6 Educação ambiental ......................................................................................134 7. Conclusões e recomendações ..................................................... 136 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 139 APÊNDICES........................................................................................ 148 ANEXOS.............................................................................................. 154 14 1. Introdução Por se caracterizar como uma engenharia de métodos e de procedimentos, a Engenharia de Produção tem como objetivo o estudo, o projeto e a gerência de sistemas integrados de pessoas, materiais, equipamentos e ambientes (SILVA e MENEZES, 2005). Ao aplicar esta definição pensando num projeto de pesquisa científica na linha da gestão ambiental, a formulação de uma proposta de plano integrado de gerenciamento de resíduos da construção civil torna-se um tema viável para estudo. Para tratar deste tema, deve-se, inicialmente, contextualizar a questão ambiental no mundo. A preocupação com os impactos das atividades humanas no meio natural e nos ambientes construídos é relativamente recente, mas, desde seu surgimento, na década de 1960, passou por diversas transformações. Nesse contexto surge nas administrações públicas e no setor produtivo a gestão ambiental, área que deve planejar a dinâmica do meio urbano e rural minimizando seus impactos sobre os recursos naturais, na forma de projetos e instrumentos de controle. Um dos recortes utilizados no Brasil para a gestão ambiental são as Bacias Hidrográficas. Considerando que a água é um bem público e escasso, seu caráter estratégico é inegável. Além disso, os cuidados com a água se refletem na qualidade de vida da população e na disponibilidade dos recursos naturais, ambas dependentes dos recursos hídricos. O envolvimento dos vários setores da sociedade e de diversos aspectos sócio-econômico-culturais na gestão das águas comprova sua abrangência, como exposto por Oliveira (2007): A definição de bacia hidrográfica como unidade geográfica pertinente para atender a objetivos propostos por organizações institucionais emergentes não se constitui apenas no reconhecimento do peso da dimensão ecológica, mas também das dimensões sociais, culturais e políticas na busca pela compreensão e proposição de medidas mitigadoras face à complexidade dos problemas ambientais. A gestão dos resíduos sólidos faz parte da agenda ambiental dos Comitês de 15 Bacias Hidrográficas (CBH), organismos definidos no Estado de São Paulo através da Lei 9.034/94, que dividiu o território em 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI). A disposição dos resíduos afeta diretamente a qualidade da água, por isso não há como excluir esta questão quando se discute o saneamento ambiental integrado, que abrange o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, manejo e disposição de resíduos e drenagem urbana. Um dos diversos tipos de resíduos gerados pelas atividades humanas advém das construções e demolições. Resíduos da construção civil (RCD) são os provenientes de construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais, resinas, colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica, etc, comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha (Resolução CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente - n° 307/02). A gestão deste tipo de resíduo ainda é um desafio para as administrações municipais. As regras sobre os mesmos começaram a ser estabelecidas na década de 2000, e, historicamente, o poder público interviu nesta área de forma corretiva, ou seja, reparando as ocorrências de deposições irregulares e utilizando estes resíduos para conter erosões, muitas vezes sem nenhum critério técnico e misturando resíduos domiciliares e recicláveis ao material. Pela complexidade do assunto este estudo se restringiu ao território da Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré – UGRHI 13, no centro-oeste paulista, analisando de forma mais aprofundada os cinco municípios mais populosos da região (Araraquara, Bauru, Jaú, Lençóis Paulista e São Carlos). Finalmente, são feitas sugestões para um plano de gerenciamento voltado ao município de Bauru, onde não há uma legislação específica. Um fator de relevância desta pesquisa é a realização de estudo específico no município de Bauru, local ainda pouco pesquisado (FREITAS e BATTISTELLE, 2006), e que pode servir como subsídio para outros municípios e para o desenvolvimento de metodologia apropriada. 16 2. Objetivos 2.1 Objetivo geral Esta pesquisa teve como seu principal objetivo identificar a gestão dos resíduos de construção civil, em municípios localizados na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Tietê-Jacaré, enfocando os cinco mais populosos (Araraquara, Bauru, Jaú, Lençóis Paulista e São Carlos). 2.2 Objetivos específicos A referida pesquisa teve como objetivos específicos: 1. promover levantamento de iniciativas nacionais e internacionais de gestão de resíduos de construção civil; 2. identificar a situação dos resíduos sólidos em municípios localizados na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Tietê-Jacaré, totalizando pelo menos 50% do território, considerando o aspecto populacional; 3. estabelecer comparativo sobre a gestão de resíduos nos cinco municípios mais populosos do território escolhido; 4. sistematizar informações existentes sobre o histórico da destinação dos RCD no município de Bauru da década de 90 até os dias atuais. 17 3. Revisão bibliográfica 3.1 A questão ambiental Os recursos naturais sempre foram a base para a construção das civilizações. As populações nômades se estabeleciam nos locais onde havia água e alimento, até que os recursos se esgotassem e fosse necessário procurar um novo território que oferecesse condições de sobrevivência. Quando dominaram as técnicas de agricultura e se tornaram sedentárias, aprenderam a fazer uso do solo e do clima para sua produção. Em geral, a evolução das civilizações passa por períodos de crescimento, apogeu e declínio. Os egípcios, gregos e romanos são exemplos clássicos desse modelo e do esgotamento de recursos, antes abundantes. China e Índia despontam como exceções, culturas que têm incorporadas conceitos de reciclagem oriundo da escassez de recursos naturais e não pressionado pelos excessos do consumo, como nas civilizações ocidentais modernas, mesmo que por questões religiosas (PHILIPPI JR e SILVEIRA, 2004). Uma visão econômica do mundo, sob a perspectiva de economistas clássicos, analisa o meio natural como fornecedor de matérias-primas e receptor dos resíduos resultantes e da energia dissipada pelas atividades antrópicas. No Brasil todos os ciclos econômicos estiveram vinculados a algum tipo de exploração de recurso natural: pau-brasil, cana-de-açúcar, pecuária extensiva, mineração de ouro e outros metais, extrativismo da borracha, madeiras nobres, água, recursos pesqueiros e recursos energéticos (biodiversidade) (PHILIPPI JR e SILVEIRA, 2004) Num período recente essa visão foi revista. A Economia Ecológica vem fazendo ponderações de que caso os sistemas econômicos não respeitarem as leis dos sistemas naturais, estão fadados a desaparecerem por sua própria ineficiência. Já uma visão ambiental do mundo pressupõe a interdisciplinaridade dos 18 diversos saberes científicos, pois a composição das relações estabelecida entre o natural e a sociedade envolve aspectos culturais, econômicos, políticos, sociais e ambientais. Atualmente os governos, sejam locais ou em âmbito federal, por força do artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) devem incluir as questões ambientais como parte integrante de sua agenda pública. O artigo dis que a responsabilidade sobre o meio ambiente é de todos e deve contemplar as presentes e futuras gerações. As primeiras discussões neste nível surgiram com a publicação, no início da década de 60, da obra “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carlson, onde a autora analisava os impactos do uso de agrotóxicos no meio natural e nos seres humanos. Outra publicação de extrema importância e que mudou paradigmas foi “Limites de Crescimento”, lançado pelo Clube de Roma em 1972, que apontava que o planeta não agüentaria por muito tempo um modelo de desenvolvimento que não considerasse os recursos naturais como algo finito, e, portanto, com uso restrito. A Organização das Nações Unidas (ONU) também esteve atenta à discussão e, a partir da década de 70, iniciou uma série de encontros e estudos abordando a temática ambiental. Por ela foram promovidas três grandes conferências ambientais: em 1972 (Estocolmo), 1992 (Rio de Janeiro) e em 2002 (Joanesburgo). Além disso, a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que, em 1988, publicou o relatório intitulado Nosso Futuro Comum, sob a coordenação da primeira ministra da Noruega, Gro Brundtland, que lançou o conceito de desenvolvimento sustentável. Como conseqüência foi criado também o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Em nível nacional, a legislação brasileira vem trabalhando o tema desde 1934, com a publicação do Código das Águas. Outro marco foi o Código Florestal, promulgado em 1965, e que normatizou o trato às florestas e áreas de proteção aos cursos d’água, e que encontra-se em vigor até os dias atuais. Sobre a estrutura de gestão, em 1973 o Governo Federal criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente, subordinada ao Ministério do Interior, com o objetivo principal de estabelecer o controle da poluição através do estímulo à formação de agências ambientais nos Estados mais industrializados (JACOBI, 2003). No entanto, o marco legal brasileiro foi a criação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) através da Lei 6.938/81, que estabeleceu como órgãos gestores o 19 Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Pode-se dizer que o CONAMA é um dos organismos ambientais mais importantes no Brasil, sendo composto por quase 150 representantes das esferas governamental, produtiva e da sociedade civil, e com a atribuição de estabelecer as normas ambientais através da sanção de resoluções. A PNMA criou instrumentos que tornaram possível a gestão ambiental, como: avaliação de impacto ambiental, licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, Fundo Nacional de Meio Ambiente, zoneamento ambiental, Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), entre outros. Em 1989 é criado o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e em 1992 a SEMA é transformada no Ministério do Meio Ambiente. O Estado de São Paulo iniciou ações efetivas de controle e combate à poluição com a publicação da Lei 997/76. Na década de 80 fomentou as secretarias e direotiras de meio ambiente locais a criarem os conselhos municipais de defesa do meio ambiente, aplicação de EIA/RIMA (estudo de impacto ambiental/relatório de impacto ambiental) em empreendimentos e articulações para incluir o meio ambiente na Constituição Federal, através da participação na Assembléia Constituinte (MANTOVANI, 2002). O setor produtivo também criou estratégias e normas a partir de preocupação com os recursos naturais, além de iniciar uma série de adequações em suas atividades a partir dos processos de licenciamento ambiental. Um exemplo foram as discussões feitas pelo Comitê Técnico 207, da Organização Internacional para Padronização, que gerou a publicação da norma ISO 14.001 (BRAGA et al, 2005). A sociedade também se mobilizou. Os movimentos democráticos, fortalecidos na década de 80, foram primordiais para a conquista do espaço que a sociedade civil ocupa até hoje na forma de ONGs, redes, fóruns, conselhos, entre outros. A escassez de recursos naturais ou sua contaminação advinda das atividades humanas interfere na qualidade de vida desta população, o que incentiva ainda mais sua mobilização. A adaptação do ambiente natural com o crescimento da população e sua aglomeração se torna cada vez mais difícil (JORGE, 2004). 20 3.2 Gestão ambiental No contexto conflituoso onde o desenvolvimento econômico deve considerar as questões sociais e ambientais, urge a necessidade da implantação de um sistema de gestão ambiental que equilibre estas relações. O conceito do desenvolvimento sustentável, em que o uso dos recursos naturais deve ser pensado de forma equilibrada, para que seja garantido seu acesso às presentes e futuras gerações (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1988), passou a ser difundido. Entretanto, quando aplicado em uma sociedade capitalista, baseada no consumo, evidenciam-se alguns aspectos a serem trabalhados, a saber: 1. combate ao desperdício de matérias-primas 2. combate ao desperdício de energia 3. necessidade de novas tecnologias 4. aspectos econômicos 5. educação ambiental mais eficiente e eficaz 6. novas tecnologias de tratamento (JORGE, 2004). Para vencer estes desafios, o poder público, responsável pela execução de ações em gestão ambiental voltadas ao coletivo ou por disciplinar as ações realizadas pelo setor produtivo, precisa envolver todos os setores da sociedade nas discussões sobre tal política. Os espaços existentes nos conselhos municipais de meio ambiente, previstos na PNMA, são uma possibilidade deste envolvimento, mas não bastam. Segundo Schneider e Philippi Jr (2004), uma política pública será tanto mais efetiva quanto for a influência da comunidade na condução dos negócios públicos. Com a comunidade exercendo ativamente seu papel de protagonista da história, as prioridades serão redefinidas, a corrupção minimizada e a transparência do governo tornar-se-á mais efetiva. Nessa perspectiva, saúde, ambiente e controle social são interdependentes e inseparáveis. Outra premissa de uma gestão ambiental eficiente é o planejamento. Ao se pensar, traduzido no ato de planejar, sabe-se quais os objetivos previstos e qual a estrutura necessária para implementar e monitorar ações de gestão. No caso específico das áreas urbanas, o grande instrumento urbanístico resultante desse processo, esteve marcado pela elaboração dos planos diretores. Tendo um caráter predominantemente indicativo e técnico, as ações propostas 21 deixaram muito a desejar em termos de eficácia de implantação. (SCHNEIDER e PHILIPPI Jr, 2004) Com a promulgação do Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/01), os planos diretores se tornaram obrigatórios nos municípios com mais de 20.000 habitantes, estâncias turísticas e locais com empreendimentos de grande impacto. Além disso, a metodologia de formulação dessas legislações deve ser participativa, sob risco de não ser reconhecida pelo Governo Federal, o que pode restringir financiamentos para ações de política urbana. Vargas (2004) define que a gestão é composta de quatro etapas: 1. Eclosão: identificação de necessidades e desejos que, discutidos e definidos, criarão condições para o engajamento social e político das comunidades, e conseqüentemente um clima propício para a continuidade das ações e das demais fases do planejamento. 2. Projeto: exige conhecimentos e habilidades técnicas dos profissionais para que sejam realizadas e completadas suas etapas – estudo preliminar, diagnóstico e prognósticos, e respectivo plano diretor. 3. Execução: encaminhada de acordo com os recursos disponíveis e previstos, em função de prioridades organizadas por necessidades locais e regionais, criteriosamente analisadas e consideradas para garantir sua continuidade sob qualquer gestão. Nesta etapa são criados os sistemas de avaliação e controle para conhecimento dos resultados da execução. 4. Retroalimentação: identificação de desvios e correções. A gestão ambiental tem caráter inter e transdisciplinar. A gestão dos recursos hídricos possibilita essa visão holística da interação entre os sistemas, por isso os Comitês de Bacias Hidrográficas estão se tornando importantes fóruns de discussão e acordos entre os setores da sociedade na busca de uma gestão ambiental eficiente que resulte no desenvolvimento sustentável. 3.3 Bacias Hidrográficas O Brasil, país de extensão continental, é dividido em vinte e seis Estados 22 numa federação e um Distrito Federal. Apresenta uma legislação sobre saneamento onde governos das três esferas de poder, usuários do sistema e sociedade civil compartilham espaços de decisão. Isto é o que dispõe a lei Federal 9.433, de 1997, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos. Este modelo foi aplicado também à Política Nacional de Saneamento, através da Lei nº 11.445, de 2007 e no projeto de lei nº 1991 de 2007, em tramitação no Congresso Nacional e que estabelece diretrizes para a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A unidade de gestão utilizada é a Bacia Hidrográfica, que pode ser definida como uma área topográfica, drenada por um curso da água ou um sistema de cursos da água de forma que toda vazão efluente seja descarregada através de uma simples saída. (MUÑOZ, 2000). No Estado de São Paulo, com população de mais de quarenta milhões de habitantes (SEADE, 2007), temos cem por cento do território dividido em vinte e duas Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos, de acordo com a Lei Estadual nº 7663, de 1991. A Figura 01 mostra a divisão das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos em São Paulo. Figura 01 : Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo 23 O gerenciamento das bacias hidrográficas é feito pelos Comitês de Bacias, “entes despersonalizados integrantes da Administração Pública, com competências consultivas e deliberativas, responsáveis pela tomada das principais decisões sobre a utilização das águas da bacia” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007), compostos por usuários das águas, governos e sociedade civil. Em 2007 o Ministério do Meio Ambiente identificou 140 Comitês de Bacias em funcionamento no Brasil, sendo que apenas o Estado de São Paulo apresenta 100% de seu território dividido em Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Para este estudo o recorte escolhido foi a Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré, localizada na região Centro-Oeste paulista e composta por 34 municípios, totalizando cerca de 1.458.324 habitantes em 2006 (SEADE, 2007). O principal foco foi Bauru, o mais populoso, e as visitas de campo foram realizadas nos cinco municípios de maior população. 3.4 Saneamento ambiental A Lei Federal nº 11.445/07 definiu que o saneamento básico é composto de abastecimento de água, esgotos sanitários, manejo e disposição de resíduos e drenagem urbana. Pode-se entender o conceito de saneamento “como o controle dos fatores do meio físico do homem, meio esse que pode exercer um efeito deletério sobre o seu bem-estar físico, mental e social, ou seja, sobre sua saúde” (PHILIPPI JR e SILVEIRA, 2004). No Brasil, a gestão dos serviços de saneamento passou por transformações ao longo do tempo. Na segunda metade do século XIX a postura do Estado era fazer concessões desses serviços à entes privados. No início da década de 1930, fundos públicos passaram a ser utilizados na gestão do saneamento, que passou a ser prestado pelos órgãos públicos. Com o governo militar as concessões desses serviços passaram da esfera municipal para empresas públicas estaduais. Atualmente vive-se um momento em que os municípios estão retomando diversas políticas sociais, e muitos dos que tiveram concessões atribuídas à órgãos estaduais 24 “passaram à ofensiva para recuperar a gestão dos sistemas”. (JORGE, 2004) O saneamento básico ainda é um grande desafio no Brasil, mas há um número cada vez maior de incentivos e financiamentos para que a universalização dos serviços seja uma realidade. Em apresentação do Ministro das Cidades, Márcio Fortes de Almeida, feita no documento Diagnóstico do Manejo dos Resíduos Sólidos Urbanos 2005, ele comenta que por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Governo federal insere o saneamento básico na pauta prioritária de investimentos do país, ao destinar recursos para ações que totalizam R$ 40 bilhões, voltadas à execução de obras de ampliação e melhorias dos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo dos resíduos sólidos e manejo das águas pluviais urbanas. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007). Dados oficiais apontam para uma evolução nos diagnósticos efetuados, especialmente a partir da década de 1990, quando os Governos Federal e Estaduais iniciaram uma série de levantamentos que caracterizaram a qualidade ambiental no âmbito dos municípios. No entanto, nota-se que entre os aspectos que compõem o saneamento ambiental integrado (abastecimento público, tratamento de esgotos, manejo de resíduos e destinação de águas pluviais), a gestão dos resíduos sólidos ainda se apresenta deficitária. 3.5 Resíduos sólidos O ser humano é o único animal capaz de transformar em larga escala os materiais e tornar estáveis substâncias e produtos. Desta forma, os produtos originados não são naturalmente conhecidos pelo meio e sua capacidade de absorção é questionável, podendo não ocorrer, mesmo a longo prazo (TENÓRIO e ESPINOSA, 2004). Nota-se aí a importância de um correto manejo e destinação de resíduos, evitando-se todo tipo de contaminação da água, do solo e do ar. Para o Governo Federal a destinação final ambientalmente adequada é a técnica de destinação ordenada de rejeitos, segundo normas operacionais específicas, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos 25 ambientais adversos. (projeto de lei 1997/2007). Considera-se inadequado o lançamento em vazadouros a céu aberto, vazadouros em áreas alagadas, locais não fixos, queima a céu aberto sem controle de poluição e destinação a aterros controlados, por conta do potencial poluidor do chorume resultante da degradação da matéria orgânica. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), através da NBR 10004;2004 define, desta forma, o que são resíduos sólidos: Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades da comunidade, de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Consideram-se também resíduos sólidos os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos, cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpo d’água, ou exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. A origem dos resíduos define sua nomenclatura: Segundo esse método, os resíduos são classificados como: industriais, urbanos, de serviços de saúde, de portos, de aeroportos, de terminais rodoviários e ferroviários, agrícolas, radioativos e entulho (TENÓRIO e ESPINOSA, 2004) A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) editou um conjunto de normas para padronizar, a nível nacional, a classificação dos resíduos: - NBR 10004 – Classificação de Resíduos Sólidos; - NBR 10005 – Lixiviação de Resíduos (Procedimento) - NBR 10006 – Solubilização de Resíduos (Procedimento) - NBR 10007 – Amostragem de Resíduos (Procedimento) A norma ABNT NBR 10004:2004 classifica os resíduos de acordo com os riscos que podem causar ao meio ambiente e à saúde pública, apontando também o manuseio e destinação. A norma agrupa os resíduos em 3 diferentes classes: - Resíduos Classe I – Perigosos: Resíduos perigosos os resíduos sólidos ou mistura de resíduos sólidos que em função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade, podem apresentar risco à saúde pública, provocando ou contribuindo para um aumento de mortalidade ou incidência de doenças e/ou apresentar efeitos adversos ao meio ambiente, quando manuseados ou dispostos de forma inadequada. 26 - Resíduos Classe II – Não Inertes: Resíduos sólidos ou mistura de resíduos sólidos que não se enquadram na Classe I ou na Classe III, podendo apresentar propriedades como combustilidade, biodegradabilidade ou solubilidade em água. - Resíduos Classe III – Inertes: Resíduos sólidos ou mistura de resíduos sólidos que, submetidos ao teste de solubilização não tenham nenhum de seus constituintes solubilizados, em concentrações superiores aos padrões definidos na norma (NBR 10006). Vale ressaltar que inflamabilidade é a propriedade do resíduo se converter em chamas e combustilidade é a condição deste material propagar fogo (MASSUKADO, 2004). 3.5.1 Situação dos resíduos sólidos no Brasil Em 2007 os contratos assinados pelo Governo Federal com municípios, governos estaduais, companhias públicas e privadas de água e esgoto representaram um montante de R$ 13,88 bilhões, a serem investidos até 2010, para expansão e melhoria das redes de saneamento básico (ABIN, 2008). Apesar de ser o maior montante anual registrado desde 1995 (ABIN, 2008), os investimentos do Governo Federal ainda não são suficientes para atender toda a demanda existente. Para uma melhor visualização do panorama atual, é apresentada a seguir figura que demonstra dados do ano 2002, gerados através do IBGE, que possibilitam uma análise por Estado. Foram utilizadas como variáveis neste indicador a quantidade de lixo coletada por dia e sua adequada destinação final. 27 Figura 02: Destino final do lixo no Brasil (PNSB, IBGE, 2002). Da análise da figura 2 notam-se alguns dados preocupantes, a saber: 1. Apenas os Estados do Ceará, Goiás e Santa Catarina apresentam mais de 28 50% de abrangência territorial de destinação adequada de resíduos; 2. Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Acre apresentam destinação correta de 50%; 3. 13 Estados têm destinação correta inferior a 25%; 4. A região sudeste, a mais populosa e, conseqüentemente, a maior geradora de resíduos, tem menos de 50% de destinação adequada de disposição de seus resíduos sólidos. Cabe aqui uma consideração a respeito do período do levantamento. Verifica- se que os índices do Estado de São Paulo, por exemplo, tiveram sensível melhora a partir da segunda metade da década de 90. Estabelecendo um comparativo entre os anos de 1989 e 2000, vê-se que a cobertura da adequada destinação teve um aumento em sua porcentagem, passando de 28,8% para 40,5%. Nota-se também um aumento do material coletado, que se justifica pela melhoria da infra-estrutura deste serviço e pelo crescimento populacional. Tabela 01: Quantidade de lixo coletado no Brasil, por tipo de destino final Adequado Inadequado Ano Total (t/dia) Total (t/dia) % Total (t/dia) % 1989 96.287 27.754 28,8 68.533 71,2 2000 228.413 92.487 40,5 135.926 59,5 Fonte: Pesquisa nacional de saneamento básico 2000, Rio de Janeiro, 2000 No âmbito do Estado de São Paulo, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) vem realizando levantamento anual sobre a situação dos resíduos sólidos desde 1997, publicando os resultados no documento Inventário Estadual de Resíduos Sólidos. Na edição publicada em 2007, com ano referência 2006, foi apresentada uma análise da evolução da deposição final destes materiais e da adequação dos municípios. As toneladas de resíduos sólidos destinados adequadamente passaram de 28,8% a 40,5%. O inventário demonstra que os municípios menores são os que apresentam maiores ocorrências de deposições inadequadas, em aterros em valas. Esse sistema consiste no preenchimento de valas com os resíduos, sem 29 compactação, com cobertura de terra. Torna-se um sistema barato por não necessitar de equipamentos para manutenção, apenas na abertura das valas, e por não depender de investimentos para impermeabilização da área utilizada. Apesar da CETESB alegar que “esses municípios geram pequenos volumes, eminentemente orgânicos, portanto, passíveis de serem dispostos em aterros em valas” (página eletrônica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente), a falta de sistema de drenagem de águas pluviais e de controle da destinação do chorume geram problemas ambientais. O chorume provoca a elevação da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) na água, e a decomposição desta carga orgânica faz com que o oxigênio seja consumido pelos microrganismos ao invés das formas de vida aquática. Além disso, esses líquidos também apresentam grandes concentrações de nitrogênio amoniacal, solúvel e tóxico em determinadas concentrações. Por isso, o controle da qualidade das águas subterrâneas, superficiais e do solo, através de poços de monitoramento, é imprescindível nos aterros deste tipo. A Figura 03 demonstra a situação dos municípios paulistas em relação ao Índice de Qualidade de Aterros (IQR): Figura 03: índice de qualidade de aterros de resíduos sólidos domiciliares do Estado de São 30 Paulo em 2006 (SMA, 2007) Segundo o Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Domiciliares do Estado de São Paulo, edição 2007, o total estimado de resíduos gerados em 1997 foi de 18.232 t/dia e, em 2006, de 28.397 t/dia, sendo que a quantidade de resíduos dispostos adequadamente passou de 1.987 t/dia, em 1997, para 22.909 t/dia, em 2006. Sendo assim, o número de municípios que dispunham os seus resíduos em condições inadequadas caiu de 77,8%, em 1997, para 22,2%, em 2006. Desde que o inventário passou a ser realizado, muitos municípios foram contemplados com recursos vindos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) e Fundo Estadual de Controle e Prevenção da Poluição (FECOP), o que demonstra que o diagnóstico permite um melhor planejamento do gestor, bem como maior eficiência na aplicação dos recursos públicos. Ressalta-se que a figura 03 apresenta um erro em sua legenda na pontuação identificada em vermelho. Onde lê-se “10.0 a 6.1”, deve-se ler “0.0 a 6.1”. Segundo Alcides Tadeu Braga (informação oral em entrevista), gerente da Agência Ambiental da CETESB em Bauru, a melhoria dos índices no Estado se deve à articulação feita entre o órgão estadual, Ministério Público e Prefeitos para firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC). O aumento da fiscalização também colaborou. Em 1995 teve início um trabalho de apoio aos municípios onde a geração é menor de 30 toneladas/dia (cerca de 450 municípios). A CETESB forneceu projeto de aterro em valas, verificando o lençol freático, profundidade de 3 a 4 metros, largura idem e comprimento de acordo com a quantidade de lixo gerado. Ao longo de 10/15 anos as áreas se esgotaram e as prefeituras estão com dificuldades de novas áreas. A CETESB incentiva a coleta seletiva para que se aumente a vida útil desses aterros, além da realização de consórcios intermunicipais, que otimizam a logística, infra-estrutura e concentram essas unidades de tratamento e disposição de resíduos em poucas áreas. 3.5.2 A gestão de resíduos sólidos Os órgãos municipais de gestão ambiental têm a responsabilidade de elaborar e implementar a política local de meio ambiente, atuando de forma 31 compartilhada com a esfera estadual e nacional, conforme preceitua o artigo 23 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). No entanto, poucos são os municípios brasileiros que dispõe de secretarias ou departamentos específicos para esta área. Trabalhar com questões como recursos hídricos, resíduos sólidos, fauna, flora, entre outros, requer a existência de equipe técnica apta a executar a política ambiental e infra-estrutura compatível, o que não acontece na maioria dos municípios. No entanto, mesmo com um sistema de gestão modesto, as administrações municipais podem desempenhar suas funções com eficiência, que é a relação existente entre o esforço empregado na implementação de um programa e os resultados alcançados por ele (SCHNEIDER e PHILIPPI JR, 2004). Dias (2006) cita algumas medidas básicas que podem melhorar o acompanhamento das questões ambientais em nível local, buscando o incremento da gestão: a) investir na capacitação técnica específica dos agentes administrativos da área ambiental; b) integrar as entidades ambientalistas e divisões ambientais de empresas sediadas no Município num sistema de monitoramento permanente do meio ambiente; c) efetuar um levantamento rigoroso das condições ambientais do Município, em todos os seus aspectos: fauna, flora, ecossistemas específicos, níveis e fontes de poluição, situação das nascentes etc., e manter banco de dados permanentemente atualizado; d) iniciar um programa de Educação Ambiental em todas as escolas do Município. Entre as questões mais discutidas na gestão ambiental, a destinação de resíduos sólidos urbanos tem grande destaque. Por sua diversidade, cada tipo de resíduo tem normas específicas de destinação, o que encarece e dificulta a sua implementação. Neste contexto, Tenório e Espinosa (2004) explicita que: o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos é entendido como um conjunto de ações normativas, operacionais, financeiras e de planejamento que uma administração municipal desenvolve, com base em critérios sanitários, ambientais e econômicos para coletar, tratar e dispor o lixo de seu município. O esquema apresentado na Figura 04 mostra as atividades relacionadas aos resíduos sólidos, principais tecnologias de tratamento e seu produto final. 32 Figura 04: Esquema de um sistema de gerenciamento de resíduos (SMA, 2008) Pensando numa gestão eficiente e que ofereça o melhor custo-benefício ao órgão responsável, defende-se a aplicação do gerenciamento integrado, onde todos os instrumentos e aspectos funcionem de maneira interligada, partindo do princípio dos 4 R’s (reduzir, reutilizar, reciclar e recuperar), através de sistemas de tratamento que valorizem os resíduos e os cidadãos (TENÓRIO e ESPINOSA, 2004). Uma gestão municipal integrada pode interessar-se por todas as categorias de resíduos, incluindo aqueles provenientes de serviços de saúde e os da demolição e construção civil, dentre outros. No tocante ao tratamento de resíduos, a preocupação de uma gestão integrada leva a conceber várias linhas tecnológicas de valorização (compostagem, recuperação de energia para aquecimento urbano, etc) e de eliminação (tratamento final). A figura 05 demonstra em esquema o funcionamento de um sistema do tipo gerenciamento integrado de resíduos. 33 Figura 05: Esquema de gerenciamento integrado de resíduos (baseado em TENÓRIO e ESPINOSA, 2004). Um outro instrumento de apoio ao gerenciamento é o princípio do poluidor pagador, que pode reduzir os custos do sistema. Tal princípio pode ser encontrado na Constituição Federal (artigo 225, §3º), na Política Nacional do Meio Ambiente (artigo 4º) e na Declaração do Rio de Janeiro (princípio 16). Aplicando o conceito aos resíduos sólidos, entende-se por poluidor pagador a empresa ou indústria (e não o consumidor ou agente que promove a venda) que coloca determinado produto no mercado e que tem sua sustentação econômica baseada no consumo do produto por ela produzido, tornando-se responsável pelo tratamento e/ou disposição do resíduo gerado pelo produto, podendo embutir no preço do produto tais custos. Um conceito ainda mais amplo, defendido por Nunesmaia (2002), é o da Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos Socialmente Integrada, que teria como suporte cinco pontos: 1. o desenvolvimento de linhas de tratamento (tecnologias limpas) de resíduos sólidos, priorizando a redução e a valorização; 2. a economia (viabilidade); 3. a comunicação/educação ambiental (o envolvimento dos diferentes protagonistas sociais); 4. o social (a inclusão social, o emprego) GERENCIAMENTO INTEGRADO Definição Metas Resultados Conjunto de instrumentos e técnicas aplicados para aumentar a eficiência de cada um dos instrumentos de manejo 4 R’s Redução da geração; Aproveitamento máximo dos potenciais de Reutilização, Reciclagem e Recuperação dos resíduos sólidos Compostagem, aproveitamento de energia, transformação, incineração = valorização dos resíduos e do cidadão 34 5. o ambiental (os aspectos sanitários, os riscos à saúde humana). A integração se daria também no âmbito das categorias dos protagonistas: “geradores de resíduos, catadores (badameiros e catadores de papel e de latas), municípios e cooperação entre municípios; prestadores de serviços (terceiros), indústrias (indústrias de reciclagem).” (NUNESMAIA, 2002). 3.5.2.1 A gestão de resíduos sólidos no Estado de São Paulo No âmbito estadual, as unidades de tratamento e disposição final de resíduos sólidos são licenciadas e fiscalizadas pela CETESB. As resoluções SMA 51/97, 41/02 e 22/07 definem a tramitação para obtenção das licenças (Anexo I), emitidas pelo Departamento de Avaliação de Impactos Ambientais (DAIA). São três as licenças necessárias: a) Licença Prévia (LP): obtida após aprovação do local do empreendimento, concepção, conformidade com as normas ambientais, legais e técnicas; b) Licença de Instalação (LI): obtida após aprovação dos planos, programas e projetos previstos, observando-se também as medidas de controle ambiental, autorizando a implantação do empreendimento. Em geral é emitida juntamente com a LP. c) Licença de Operação: é a autorização para o funcionamento da atividade, que deverá seguir todas as exigências definidas na LI. Em 2007 a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA) instituiu uma série de programas ambientais intitulados 21 Projetos Estratégicos. Questões como a recuperação de matas ciliares, qualidade das águas superficiais e subterrâneas, gestão ambiental do município, educação ambiental e outros temas compõem o rol de temas previstos pelo programa. Os resíduos estão contemplados no projeto denominado Lixo Mínimo. Como produto a ser elaborado até 2010 prevê-se a criação do Índice de Qualidade de Resíduos – Gestão, um indicador baseado no IQR já utilizado, que inclua em sua avaliação a gestão do sistema. Assim, o índice terá, além de seu já usual caráter quantitativo, um aspecto também qualitativo. 35 Como metas, o projeto prevê (SMA, 2007): - 30% dos municípios do Estado de São Paulo com Programas de Coleta Seletiva implementadas e consolidadas em mais de 50% das suas áreas urbanizadas; - 33 soluções regionais implantadas ou encaminhadas por meio de agências regionais; - encerrar ou recuperar todos os aterros sanitários em situação inadequada no Estado de São Paulo; - publicar, em 2010, o primeiro Relatório Anual de Qualidade da Gestão de Resíduos Sólidos (IQR-Gestão). A Secretaria de Estado de Meio Ambiente instituiu também a divisão territorial das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos como base para o desenvolvimento dos projetos estratégicos. O incentivo a iniciativas regionalizadas para a gestão de resíduos é dado através da disponibilização de recursos vindos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) e do Fundo Estadual de Controle e Prevenção da Poluição (FECOP). Entende-se que um Centro de Tratamento de Resíduos Regional deverá contemplar: - unidades de transbordo; - equipamentos nos centros de triagem; - unidades de triagem e transbordo de resíduos da construção civil; - centros de triagem e comercialização de materiais recicláveis; - equipamentos de coleta e transporte; - aterro sanitário; - equipamentos operacionais para aterros sanitários; - unidade de compostagem; e, - equipamentos de beneficiamento de resíduos da construção civil. 3.5.2.2 Legislação O artigo 30 da Constituição Federal, em seu inciso V, atribuiu aos municípios a competência pelos serviços de interesse local. Os serviços de limpeza pública se encaixam neste quesito. Seguindo o que preceitua o artigo, o poder público local deve estabelecer as regras, através de legislação, promover a gestão e instituir 36 cobranças de tributos que mantenham este sistema. Caso o município ache conveniente, é possível a terceirização da prestação dos serviços, mas seu bom desempenho continuará sendo uma atribuição da municipalidade. O artigo 182 da Constituição Federal, regulamentado em 2001 pelo Estatuto das Cidades, diz que o município deve estabelecer as políticas de desenvolvimento urbano, ordenando o pleno desenvolvimento das funções sociais e garantindo o bem-estar de seus habitantes. Apesar da execução do sistema depender dos arranjos locais, a competência sobre as diretrizes do saneamento é concorrente, ou seja, é exercida pelas três esferas de poder. O Estado de São Paulo instituiu sua Política de Resíduos Sólidos através da Lei nº 12.300/06, ainda sem regulamentação. Como princípios, a legislação definiu: I - a visão sistêmica na gestão dos resíduos sólidos que leve em consideração as variáveis ambientais, sociais, culturais, econômicas, tecnológicas e de saúde pública; II - a gestão integrada e compartilhada dos resíduos sólidos por meio da articulação entre Poder Público, iniciativa privada e demais segmentos da sociedade civil; III - a cooperação interinstitucional com os órgãos da União e dos Municípios, bem como entre secretarias, órgãos e agências estaduais; IV - a promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo; V - a prevenção da poluição mediante práticas que promovam a redução ou eliminação de resíduos na fonte geradora; VI - a minimização dos resíduos por meio de incentivos às práticas ambientalmente adequadas de reutilização, reciclagem, redução e recuperação; VII - a garantia da sociedade ao direito à informação, pelo gerador, sobre o potencial de degradação ambiental dos produtos e o impacto na saúde pública; VIII - o acesso da sociedade à educação ambiental; IX - a adoção do princípio do poluidor-pagador; X - a responsabilidade dos produtores ou importadores de matérias-primas, de produtos intermediários ou acabados, transportadores, distribuidores, comerciantes, consumidores, catadores, coletores, administradores e proprietários de área de uso público e coletivo e operadores de resíduos sólidos em qualquer das fases de seu 37 gerenciamento; XI - a atuação em consonância com as políticas estaduais de recursos hídricos, meio ambiente, saneamento, saúde, educação e desenvolvimento urbano; XII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico, gerador de trabalho e renda. A lei contempla todos os princípios atualmente discutidos quando se fala das políticas de resíduos: a visão de ser parte integrante de uma política de saneamento, a gestão eficiente e integrada do sistema, a mudança nos paradigmas de consumo promovendo a minimização dos resíduos gerados, o princípio do poluidor pagador e o estímulo à prevenção na fonte poluidora, o aspecto social de geração de renda e emprego agregado aos processos de tratamento dos resíduos e o acesso à informação, através de ações em educação ambiental. No entanto, a aplicação da lei ainda depende de sua regulamentação. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente, através da Resolução SMA 34, de 14/08/2006, alterada pela Resolução SMA 4, de 02/02/2007, criou Grupo de Trabalho para discutir a regulamentação. Já existe uma minuta, em fase de consolidação de propostas, após consultas feitas em audiência pública. Este regulamento definirá também como devem ser os Planos de Gerenciamento de Resíduos Urbanos elaborados pelos municípios. Serão criados também instrumentos de apoio a esses municípios, preferencialmente aos projetos com caráter regional e que incentivem a redução e minimização dos resíduos. Estabelece ainda que a Administração Pública Estadual optará preferencialmente por comprar produtos de reduzido impacto ambiental, que sejam não-perigosos, recicláveis e reciclados, devendo essas características serem expressas na descrição dos processos licitatórios. Como visto anteriormente o projeto estratégico Lixo Mínimo tem difundido esses princípios, buscando a aplicação da lei, enquanto seu regulamento não é aprovado. Já no âmbito federal, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei (PL) 1991/07, última versão de proposta para a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) apresentada em 2001 naquela Casa de Leis. O PL contempla os aspectos comentados da legislação do Estado de São Paulo, e agrega uma série de outras diretrizes que serão aprofundadas nesta pesquisa. Importante ressaltar que, pela primeira vez na história, o projeto de lei é uma iniciativa do Poder Executivo, e não 38 do Legislativo. Primeiramente, vale ressaltar os instrumentos criados pela PNRS: I - Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos; II - Análise e Avaliação do Ciclo de Vida do Produto; III - Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, nos termos do art. 9º, inciso VIII, da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981; IV - inventários de resíduos sólidos em conformidade com o disposto pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA; V - Avaliação de Impactos Ambientais, nos termos do art. 9º, inciso III, da Lei no 6.938, de 1981; VI - Sistema Nacional de Informações Ambientais - SISNIMA e o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico - SNIS; VII - logística reversa; VIII - licenciamento ambiental; IX - monitoramento e fiscalização ambiental; X - cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de pesquisas e de novos produtos; XI - pesquisa científica e tecnológica; XII - educação ambiental; XIII - incentivos fiscais, financeiros e creditícios; XIV - Fundo Nacional do Meio Ambiente e Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico; e XV- Conselhos de Meio Ambiente. Alguns dos instrumentos citados já estão em funcionamento, especialmente aqueles definidos pelo CONAMA e pela PNMA, bem como o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). No entanto, a Política Nacional de Resíduos Sólidos proposta inova ao incorporar instrumentos da gestão ambiental privada, como a Análise e Avaliação de Ciclo de Vida do produto e a logística reversa. Outro aspecto inovador é o estímulo à pesquisa e desenvolvimento de produtos, pois desta forma se viabiliza a criação de materiais que possibilitem a minimização dos resíduos, sua recuperação e a transformação em novos produtos. No entanto, entre todos os instrumentos apresentados, a logística reversa é o que demanda um maior nível de acordo entre os diversos protagonistas de um 39 sistema de gestão de resíduos. Isto porque a cadeia produtiva necessariamente deverá envolver o resíduo em seu ciclo, reinserindo-o no fluxo de produção. Segundo Liva et al (2003), apud Nhan (2003), a logística reversa é a área da logística empresarial que tem a preocupação com os aspectos logísticos do retorno ao ciclo de negócios ou produtivo de embalagens, bens de pós venda e de pós consumo, agregando-lhes valores de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, entre outros. A logística reversa pode ser de pós venda (como, por exemplo, o recall), de pós-consumo (por exemplo, os resíduos provenientes de demolição) e de embalagem (como sacos de cimento ou pallets). Algumas indústrias já promovem, em maior ou menor escala, a logística reversa. As indústrias de baterias automotivas, em atendimento à Resolução CONAMA 257/99, por exemplo, devem recolher seus produtos do mercado, aproveitando os resíduos na fabricação de novos produtos. Cultri et al (2007) cita o exemplo da Baterias Tudor Ltda, que destaca em seu sistema de gestão ambiental, certificado pela norma ISO 14001, o Programa de Responsabilidade Ambiental Compartilhada (PRAC), em que recolhe as baterias usadas para aproveitamento de seus componentes. O resultado é o atendimento à legislação (Resolução CONAMA 257/99), abastecimento de matéria-prima e fortalecimento das relações com os stakeholders. A proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos também salienta, em diversos de seus artigos, o viés social da gestão dos resíduos, que deve priorizar a geração de renda, a inclusão dos catadores e a capacitação dos protagonistas do sistema. Pelo exposto observamos que o projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional dá conta, em seu texto, de uma gama diversa de aspectos (ambientais, tecnológicos, produtivos, financeiros e sociais), o que demonstra a complexidade deste tema e as conseqüentes dificuldades em gerir um sistema de resíduos. 3.5.3 Resíduos de construção civil 40 3.5.3.1 Panorama mundial A geração de RCD é um processo basicamente urbano. Costa et al (2006) demonstra que a urbanização é intensa no mundo todo inclusive nos países já desenvolvidos, como os do continente europeu. Embora as maiores urbes estejam na Ásia e nas Américas, o fenómeno é eminentemente mundial. Europa é, basicamente, um continente “urbanizado”: hoje em dia 3 em cada 4 europeus vivem em cidades e em 2025 a proporção será de 5 em 6. Na Alemanha 88% da população vive nas cidades, no Reino Unido 89% e na Bélgica essa cifra atinge os 97%. Por sua vez a África e a Ásia do Sul serão maioritariamente urbanas em 2025. (COSTA et al, 2006) Desta forma, o gerenciamento desses resíduos é uma questão mundial. Nota- se que em diversos países, incluindo os Estados Unidos e os países da comunidade européia e nos asiáticos, discussões sobre o tema e implantação de estratégias estão acontecendo. Uma tendência mundial é o beneficiamento de alguns tipos de resíduos da construção para a fabricação de material granulado, reduzindo a quantidade de entulhos destinados a aterros e também o consumo de matéria-prima. A evolução dessa prática se divide em três momentos. O primeiro deles se deu na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, quando aquele país herdou grande volume de escombros, algo entre 400 e 600 milhões de metros cúbicos, dos quais 11,5 milhões foram reciclados e transformados em 175.000 unidades habitacionais construídas até 1955 (SCHULZ, HENDRICKS, 1992 apud PINTO, 1999). Um segundo momento ocorreu quando países e regiões européias se depararam com escassez de materiais granulares e passaram a reciclar os entulhos, como Holanda, Dinamarca, Bélgica e regiões da França. Por fim, o momento atual é movido pela necessidade de se dar um destino ao grande volume de RCD gerado. Nos Estados Unidos e na Europa a reciclagem de resíduos da construção para produção de agregados é realidade há mais de trinta anos, segundo Espinosa e Tenório, 2004. Os mesmos autores citam que a Holanda recicla 70% de seus entulhos, a Alemanha, 30% e a cidade de Copenhague, capital da Dinamarca, cerca de 25%. O aspecto cultural é muito relevante para a existência deste quadro, além dos altos custos para destinação de resíduos e baixa oferta de recursos naturais 41 para matéria-prima. A página eletrônica do Departamento de Proteção Ambiental (DPA) de Hong Kong disponibiliza informações sobre o assunto, com estatísticas de produção, origem, destinação e redução no consumo de RCD. Três grandes aterros no Oeste, Sudeste e Nordeste daquele país recebem resíduos domiciliares, lixo especial e resíduos da construção. A deposição de “entulhos” por particulares é cobrada. O DPA disponibiliza informações sobre uma Usina de Reciclagem de Entulho no aterro sudeste, mas não cita a existência de outros espaços como esse. Considerando-se todo o resíduo sólido gerado no país, 44% é composto de RCD. A geração não é fator considerado pelos construtores, mas sim o valor da obra. Na Europa a reciclagem e o reuso deste tipo de resíduos atinge uma média de 28% do que é gerado (BERTRAN, et al, 2002). Há grande variação entre os países. Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda apresentam índice inferior a 5%. Alguns municípios na Holanda chegam a aproveitar 90% de seus resíduos da construção. É comum que empresas privadas invistam no máximo aproveitamento dos RCD, principalmente nos países em que os gestores não dispõem de infraestrutura para sua reciclagem. Bertran et al (2002) afirmam que na Europa a geração de resíduos da construção civil está ligada à densidade demográfica. Citam como grandes geradores Alemanha, Holanda, Bélgica e Luxemburgo e como pequenos a Suécia, Grécia e Irlanda. Na tabela 05 se pode comprovar esta afirmação, observando os valores apresentados na coluna “C&D”, da Tabela 02. Nota-se que a geração de resíduos apresenta índices altos, similares aos brasileiros. 42 Tabela 02 : Geração de resíduo sólido na Europa (kg/país/ano) Fonte: BERTRAM et al (2002). Apesar da literatura apontar muitos casos positivos de gerenciamento de RCD, pode-se considerar que mesmo na Comunidade Européia ou em alguns Estados norte-americanos as iniciativas não acompanharam o mesmo ritmo de evolução citado. Em Portugal, por exemplo, está em discussão um anteprojeto de lei para disciplinar a questão dos resíduos de construção civil, elaborado pelo Instituto de Resíduos (COSTA et al, 2006). O projeto responsabiliza toda a cadeia do ciclo de vida dos RCD, utilizando o princípio do poluidor-pagador. Segundo Costa et al (2006): “é urgente não só reavaliar e organizar os métodos de deposição final desses resíduos como, mais importante que isso, promover a análise do seu ciclo de vida, tendo em vista o seu máximo reaproveitamento/valorização”. Nos Estados do Alabama e Georgia, nos Estados Unidos, visitas realizadas durante o mês de abril de 2008 demonstraram a ausência de uma política específica de redução, reutilização e reciclagem dos resíduos de construção. Foram visitados aterros nas cidades de Summerdale (Magnólia Landfill) e Dothan (City of Dothan Sanitary Landfill), no Alabama e em Columbus (Pine Grove Landfill, na Geórgia. Nos três foi identificada a deposição de resíduos de construção civil em áreas específicas, destacadas na área de abrangência dos aterros. O Magnólia Landfill atende uma série de municípios do Condado de Baldwin, 43 totalizando uma população de 160.000 habitantes. Por dia chegam aproximadamente 350 toneladas de resíduos domiciliares. Não foi apresentado nenhum dado sobre os RCD. Notou-se entre os materiais a existência de restos de gesso, madeira, embalagens, asfalto e resíduos volumosos, como sofás e colchões (Figura 06 “a”). a) b) Figura 06: exemplos de materiais dispostos (a) e vista da área do aterro a partir da área de RCD (b) O City of Dothan Sanitary Landfill atende apenas o município de Dothan. O poder público local gerencia o local através do Environmental Services. A população é de pouco mais de 60 mil pessoas, e a coleta de lixo domiciliar é feita durante quatro dias na semana. A quantidade de RCD verificada foi pequena (Figura 07 “a”), mas não foi identificado outro local de deposição. Caçambas metálicas de grande volume são utilizadas, como demonstrado na Figura 07 “b”. 44 a) b) Figura 07: vista de deposição de resíduos de construção (a) e caçambas metálicas (b), município de Dothan (AL) Em Columbus, no Pine Grove Landfill, os resíduos de madeira, são separados dos demais RCD, como indicado pela placa mostrada na Figura 08 “a”. Não foi constatado o reaproveitamento da madeira, que se destacam por sua quantidade (Figura 08 “b”). a) b) Figura 08: placa de identificação de área para deposição de madeira e RCD (a) e resíduos de madeira (b) Estes exemplos são baseados apenas em observações feitas em visitas de campo, e as informações foram prestadas por funcionários dos aterros. O panorama apresentado desde o início deste item mostra que a disparidade das iniciativas e regulamentos ainda é grande, mesmo em países e continentes onde a economia é mais desenvolvida. 45 3.5.3.2 Caracterização e legislação Resíduos da construção civil (RCD) são os provenientes de construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais, resinas, colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica, etc, comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha (Resolução CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente - n° 307/02). Sua disposição varia com as regras que os gestores municipais estabelecem e a fiscalização exercida para garantir seu cumprimento. A ausência de normas locais ou a fiscalização ineficiente favorecem as deposições irregulares ou inadequadas que, por sua vez, criam um cenário favorável ao surgimento de problemas como a proliferação de vetores de doenças, a contaminação de áreas, problemas de drenagem, degradação do ambiente e paisagem urbana, desperdício de recursos naturais, entre outros. Tais problemas podem ser enquadrados como impactos ambientais quando se utiliza a definição de impacto ambiental descrita na Resolução CONAMA n° 01/86: qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: 1. a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2. as atividades sociais e econômicas; 3. a biota; 4. as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; 5. a qualidade dos recursos ambientais. Os resíduos de construção e demolição são um grande problema para os gestores municipais por sua massa, volume e geração. MARQUES (2005) estima que para cada tonelada de lixo urbano recolhido, são recolhidas duas toneladas de entulhos. A geração desses resíduos acontece principalmente nas obras civis que incluem construção e demolição, terraplanagens e manutenção (especialmente nos serviços públicos de recape, saneamento, energia e telefonia). A Resolução CONAMA n° 307/02 classifica os RCD em quatro categorias: 46 - Classe A: concreto, alvenaria, argamassa, solos; - Classe B: plástico, papéis, metais, madeiras; - Classe C: resíduos sem tecnologia ou sem viabilidade econômica para reciclagem; - Classe D: resíduos perigosos, a serem destinados de acordo com normas técnicas específicas. O diagnóstico sobre a geração e a composição dos RCD é premissa básica para se estabelecer um Plano de Gerenciamento. Diversos estudos apontam como grande problema a falta de controle na fonte geradora de resíduos, momento onde ocorre grande desperdício. Este se dá tanto no uso excessivo de materiais para uma finalidade, quanto na geração de sobras durante a obra. Observa-se, então, que a redução é fator essencial do planejamento. A reutilização dos materiais é o passo seguinte, reduzindo custos e a geração de outros resíduos; e a reciclagem fecha a cadeia do resíduo, que se transforma em matéria-prima e inicia um novo ciclo. Pela classificação CONAMA n° 307/02 nota-se que os resíduos de Classe A e B são passíveis de reciclagem atualmente, sendo estes últimos os mais comuns. A reciclagem dos resíduos Classe A ainda é tímida, mas já existem normas técnicas que garantem a qualidade dos materiais produzidos a partir de seu uso. Para cada classe de resíduo de construção há uma destinação específica, como se vê na tabela 03: Tabela 03: Classificação dos RCD, composição e destinação Tipo de RCD Composição Destinação Classe A Alvenaria, concreto, argamassa, solos e outros Reutilização, reciclagem e uso como agregados, aterros licenciados Classe B Madeira, metal, plástico, papel e outros Reciclagem, armazenamento temporário Classe C Gesso e outros Conforme norma técnica específica (já há soluções para reciclagem) Classe D Tintas, solventes, etc Conforme norma técnica específica (predomina a destinação em aterros específicos para resíduos perigosos, após caracterização) Fonte: Pinto, T.P.P; Gonzalez, J.L.R., 2005. A composição dos RCD varia de acordo com as técnicas empregadas na construção civil. AZEVEDO et al (2006), apresentam a caracterização mostrada na 47 Tabela 04 , baseada em diagnóstico feito no município de Salvador. Tabela 04: Caracterização dos resíduos de construção e demolição no município de Salvador. Componente Porcentagem em peso (%) Concreto e argamassa 53 Solo e areia 22 Cerâmica vermelha 9 Cerâmica branca 5 Rocha 5 Plásticos 4 Outros 2 Fonte: Azevedo et al (2006). A resolução CONAMA 307/02 indica a implementação o Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, de responsabilidade dos municípios, incorporando um Programa Municipal e Projetos de Gerenciamento, de forma a envolver como co-responsáveis o Poder Público, os geradores e os transportadores desses resíduos. Foi estabelecido que os municípios deveriam ter seus planos prontos para execução até o início de 2004. No entanto, são poucos os que efetivamente implantaram uma gestão eficiente em relação ao tema. A resolução cita que os planos devem conter: a) diretrizes técnicas e procedimentos de gerenciamento; b) cadastramento de áreas públicas e privadas aptas a servirem como pontos de triagem e armazenamento temporário dos resíduos; c) procedimentos para o licenciamento de áreas de beneficiamento; d) proibição de deposição em áreas não autorizadas; e) incentivo ao uso de materiais reutilizados ou reciclados; f) critérios para cadastramento dos transportadores; g) ações informativas e educativas que facilitem a implantação do plano; h) instrumentos que garantam a fiscalização e controle. As regras de implementação também são necessárias para nortear o plano de gerenciamento. 48 Outros aspectos a serem normatizados pelos municípios são as áreas de triagem e transbordo (ATT), aterros de RCD e usinas de reciclagem. Esses empreendimentos devem considerar a minimização de impactos como geração de poeira (por conta do material particulado e fragmentado), ruído, drenagem, impermeabilização e outros causados pela circulação de carroceiros, caçambeiros e outros tipos de transportadores. O licenciamento ambiental para quaisquer desses empreendimentos também é uma exigência das normas citadas. O impacto na área do entorno, a proteção das águas superficiais e subterrâneas, a anuência da população vizinha, o respeito às leis ambientais e de uso e ocupação do solo são requisitos para este licenciamento. Na fase de operação, o controle dos tipos de resíduos recebidos (através de formulário preenchido no local) e sua segregação, de forma a facilitar sua destinação e reciclagem, são exigidos. A Política Estadual de Resíduos Sólidos, em seu artigo 57, designa como responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos de construção civil: I - o proprietário do imóvel e/ou do empreendimento; II - o construtor ou empresa construtora, bem como qualquer pessoa que tenha poder de decisão na construção ou reforma; III - as empresas e/ou pessoas que prestem serviços de coleta, transporte, beneficiamento e disposição de resíduos de construção civil. Vale ressaltar a responsabilidade do poder público municipal, que deve estabelecer as normas para o funcionamento do sistema e promover a fiscalização, para que as regras sejam de fato cumpridas. 3.5.3.3 Normas técnicas brasileiras Em 2004 a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou cinco normas relacionadas aos RCD, quais sejam: - NBR 15112:2004 – diretrizes para projeto, implantação e operação de áreas de triagem e transbordo. 49 - NBR 15113:2004 – diretrizes para projeto, implantação e operação de aterros. - NBR 15114:2004 – diretrizes para projeto, implantação e operação de áreas de reciclagem. - NBR 15115:2004 – procedimentos para execução de camadas de pavimentação utilizando agregados reciclados de resíduos da construção. - NBR 15116:2004 – requisitos para utilização em pavimentos e preparo de concreto sem função estrutural com agregados reciclados de resíduos da construção. De acordo com a NBR 15114:2004, na fase de operação são exigidos o controle dos tipos de resíduos recebidos (através de formulário preenchido no local) e sua segregação, de forma a facilitar sua destinação e reciclagem. As NBR 15115:2004 e 15116:2004 são importantes por estabelecer critérios para a produção de agregados reciclados de resíduos de construção civil com qualidade, incentivando que materiais tidos como resíduos retornem à cadeia produtiva na forma de matéria-prima e deixem de causar impactos ambientais. Aliás, nota-se pela literatura que este ainda é o maior apelo para a reciclagem dos RCD, tendo em vista que a abundância de recursos naturais em nosso país e a pouca variação de preço entre o produto reciclado e o comumente utilizado não tornam essa mudança economicamente atrativa. Schneider e Philippi Jr (2005) ponderam que “alguns desses documentos, no entanto, são instrumentos legais de comando e controle que pressupõem uma política eficiente de fiscalização”. 3.5.3.4 Panorama brasileiro Para traçar um panorama da realidade nacional, recorreu-se primeiramente ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Trata-se de sistema administrado pelo Governo Federal através do Ministério das Cidades, no âmbito do Programa de Modernização do Setor de Saneamento. Na publicação Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos 2005, são apresentados alguns dados sobre a situação dos resíduos de construção e 50 demolição. Como amostra foram identificados 81 (oitenta e um) municípios, divididos em 6 (seis) faixas populacionais: a. Faixa 1 – até 30.000 habitantes b. Faixa 2 – de 30.001 até 100.000 habitantes c. Faixa 3 – de 100.001 a 250.000 habitantes d. Faixa 4 – de 250.001 a 1.000.000 habitantes e. Faixa 5 – de 1.000.001 a 3.000.000 habitantes f. Faixa 6 – mais de 3.000.000 de habitantes Como pode ser observado na Tabela 05, os municípios mais populosos destacam-se na geração de resíduos de construção e demolição em massa total. O que se observa é que quanto maior o município, maior a geração de RCD. Tabela 05: Massa de RCD coletada pela prefeitura, média municipal e per capita, segundo porte dos Municípios Brasil, municípios selecionados Faixa populacional Quantidade coletada (t/ano) Quantidade de Municípios (municípios) Média municipal t/mun./ano População urbana (habitantes) Média per capita (t/1000hab./ano) 1 46.491 18 2.582,8 296.116 157,0 2 193.121 16 12.070,1 794.690 243,0 3 646.560 21 30.788,6 3.294.717 196,2 4 1.221.802 19 64.305,4 8.810.890 138,7 5 1.534.680 5 306.936,0 9.899.640 155,0 6 1.027.264 2 513.632,0 16.371.715 62,7 TOTAL 4.669.919 81 57.653,3 39.467.768 118,3 Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2005) Segundo o SNIS em 56,7% dos municípios a prefeitura executa, só ou em conjunto com outros agentes, a coleta de RCD, sendo que em apenas 18,2% cobra- se o serviço. Quando se considera a atuação exclusiva de apenas um agente, 26,9% são prefeituras e 11, 9% empresas especializadas. A pesquisa considera ainda como agentes os carroceiros e os autônomos com caminhões. Os municípios em que todos os agentes atuam conjuntamente perfazem um total de 55,2%. Comparado aos resíduos sólidos domiciliares e resíduos de serviços de saúde, o registro de dados a respeito das empresas que atuam na área de RCD é precário. Mesmo os dados relativos aos custos das prefeituras não são precisos, dificultando os cálculos de sua gestão. 51 Duas capitais brasileiras, Salvador e Belo Horizonte, se destacam no panorama da gestão de RCD, especialmente por desenvolverem iniciativas na década de 90, antes de haver legislação específica sobre o assunto. 3.5.3.5 O caso de Salvador O gerenciamento dos resíduos da construção, apesar de sua regulamentação recente, já faz parte da agenda pública de alguns municípios desde a década de 1990. Um exemplo disto é o caso do município de Salvador (BA), que em 1997 estabeleceu o Projeto de Gestão Diferenciada do Entulho, transformado em outubro de 1998 no Decreto n° 12.133. Uma das estratégias que possibilitou a implantação do Plano de Gerenciamento foi o diagnóstico da caracterização dos resíduos produzidos no município. A partir do conhecimento da realidade, foram criados Postos de Descartes de Entulhos (PDE) e Bases de Descartes de Entulhos (BDE), sendo os primeiros para destinação de volumes até 2m3 e os demais para grandes volumes. O recolhimento dos entulhos se dá de três formas: pelos próprios geradores, por empresas credenciadas e pela Prefeitura. Como fatores positivos desta implantação, AZEVEDO et al (2006) cita a redução de pontos de descarte irregular (61,66%), estímulo à destinação pelos próprios geradores, economia do Poder Público em ações de limpeza e ampliação da arrecadação desses materiais de forma segregada. 3.5.3.6 A estrutura de Belo Horizonte Belo Horizonte (MG) desenvolve desde a década de 1990 ações voltadas à gestão dos resíduos da construção civil. No município foram criadas Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes (URPV), locais para recebimento de até 2m3 de resíduos, onde os usuários podem destinar em caçambas estacionárias entulhos, 52 restos de podas e jardinagens e pneus, de forma segregada. Grandes volumes são recebidos nas Estações de Reciclagem de Entulhos, onde resíduos Classe A são reciclados. O município absorve praticamente 100% do agregado produzido, utilizando-o na confecção de sub-base, bloquetes, meio-fio, rip raps, contenção de encostas e cobertura de aterros (RECICLAGEM DE ENTULHO, sem data). O monitoramento do impacto ambiental é constante, através de aspersão de água sobre os materiais, evitando o arraste de partículas, controle de ruídos com o emborrachamento dos britadores usados na moagem do material e implantação de cerca viva no entorno, além de medidas de controle que garantem a qualidade do material produzido. Importante lembrar que a Prefeitura Municipal envolveu os carroceiros nesta ação, incentivando-os a destinar corretamente os resíduos coletados por eles e oferecendo assistência veterinária aos animais utilizados no transporte. Foi criado um serviço de discagem gratuita 0800 denominado “Disque-Carroça”, para o qual os munícipes podem telefonar e obter informações sobre os carroceiros mais próximos para prestação de serviços. Outro aspecto interessante é a racionalização do uso dos recursos públicos. Com esse projeto, a Prefeitura de Belo Horizonte economiza por ano R$ 870.000,00 com compra de matéria-prima, além de retirar de terrenos irregulares 116.000 toneladas de entulho. (FARIAS FILHO e CÓ, 2004) Alguns dados importantes sobre a gestão de resíduos em Belo Horizonte apresentados no vídeo Reciclagem de Entulho (sem data) são: - existem 9 Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes e 2 Estações de Reciclagem; - as Estações de Reciclagem processam cerca de 360 toneladas de entulho por dia; - a cada 500 m3 de entulho são gerados 400 m3 de material reciclado; - a maior parte deste material é utilizado para sub-base de pavimento. 3.5.4 Gestão e Gerenciamento do RCD Para dar início à discussão sobre gestão e gerenciamento, é importante definir conceitualmente a diferença entre ambos: 53 (...) o termo gerenciamento deve ser entendido como o conjunto de ações técnico-operacionais que visam implementar, orientar, coordenar, controlar e fiscalizar os objetivos estabelecidos na gestão. Entende-se por gestão o processo de conceber, planejar, definir, organizar e controlar as ações a serem efetivadas pelo sistema de gerenciamento de resíduos. Este processo compreende as etapas de definição de princípios, objetivos, estabelecimento da política, do modelo de gestão, das metas, dos sistemas de controles operacionais de medição e avaliação do desempenho e previsão de quais os recursos necessários. (ARAÚJO, 2004) A gestão precede o gerenciamento, e ambos se complementam. Um planeja, o outro operacionaliza. Na tabela 06 é possível verificar com maior clareza como se diferenciam os conceitos e como os mesmos se completam. Tabela 06: Diferenças entre gestão e gerenciamento GESTÃO GERENCIAMENTO O que fazer Como fazer Visão ampla Implementação desta visão Decisões estratégicas Aspectos operacionais Planejamento, definição de diretrizes e estabelecimento de metas Ações que visam implementar e operacionalizar as diretrizes estabelecidas pela gestão Conceber, planejar, definir e organizar Implementar, orientar, coordenar, controlar e fiscalizar Fonte: MASSUKADO, 2004 A implantação de uma política eficiente de gestão de resíduos é um desafio para os gestores municipais. A gama de classificações destes materiais é muito diversa e, em geral, não há um planejamento pensado de forma integrada. Isto fragmenta as ações de coleta, disposição e tratamento. Quando se trata de resíduos de construção e demolição as dificuldades também existem, especialmente por conta de seu volume e da manutenção de antigos hábitos, como autorização de disposição final para correção de erosões. Daí vem a necessidade de se estabelecer uma política eficiente, de acordo com as normas técnicas já citadas, sendo desenvolvida metodologia apropriada à realidade local, envolvendo os protagonistas do processo e aproveitando espaços históricos de referência para deposição de entulhos como áreas de transbordo. A eficácia da estratégia de atração de RCD pela oferta gratuita de áreas públicas para os geradores e transportadores privados 54 indica que, se houvesse uma oferta maior de áreas públicas para a deposição de RCD sua captação seria maior e, portanto, seria menor a deposição irregular. A opção pela atração gratuita dos RCD, no entanto, tem um preço elevado para a administração pública: esta subsidia o gerador e o transportador de RCD, mediante o desembolso com operadores contratados, e dificulta o desenvolvimento de soluções independentes. (SCHNEIDER e