UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO FRANZ ERIC DE GOES CRESSONI OS PARALELOS ENTRE A CAPOEIRA REGIONAL E OS MÉTODOS GINÁSTICOS EUROPEUS DO SÉCULO XIX Rio Claro 2010 Bacharelado em Educação Física ii FRANZ ERIC DE GOES CRESSONI OS PARALELOS ENTRE A CAPOEIRA REGIONAL E OS MÉTODOS GINÁSTICOS EUROPEUS DO SÉCULO XIX Orientador: Prof. Dr. Carlos José Martins Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de bacharel em Educação Física. Rio Claro 2010 iii Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 796.82 C922p Cressoni, Franz Eric de Goes Os paralelos entre a capoeira regional e os métodos ginásticos europeus do século XIX / Franz Eric de Goes Cressoni. - Rio Claro : [s.n.], 2010 41 f. : il., figs. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Educação Física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Carlos José Martins 1. Capoeira. 2. Bimba. 3. Ginástica. 4. Nacional. 5. Positivismo. I. Título. iv RESUMO Na Europa do século XIX, consolidava-se, entre outras linhas de pensamento, o científicismo positivista e a defesa médica da necessidade de saúde, retidão e disciplina dos cidadãos. Neste contexto, as atividades físicas naquele continente passaram a ser estudadas como pontes para se alcançar tais objetivos. São portanto criados os métodos ginásticos europeus a partir de atividades que se mostrassem efetivas para o desenvolvimento físico do indivíduo, como manifestações populares de proeza acrobáticas e exercícios militares. O fenômeno esportivo desse período conjugou-se com a influência dos sistemas ginásticos europeus e a visão positivista de corpo. Tal modelo consolidou-se como dominante no século XX e a Capoeira não foi exceção. Na virada do século XIX para o XX, o Brasil era um país que buscava sua identidade como nação em diversos ambitos sociais, como arte, raça, vestimenta, idioma, história e cultura em geral. No campo das atívidades físicas buscava-se também uma manifestação que nos representasse. E apesar de ilegal, a capoeira surgiu como forte candidato ao posto de ginástica nacional. Assim como manifestações populares chamaram a atenção dos criadores dos métodos ginásticos europeus, a capoeira também despontou pelos benefícios visíveis que trazia para seus praticantes. Muitos fizeram sua defesa até que Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, metodizou a capoeira de então para criar a Capoeira Regional Baiana, um estilo que, de acordo com ele, seria mais eficaz tanto como luta, esporte e forma de aquisição de desempenho físico. Neste trabalho abordaremos a Capoeira no contexto da constituição dos campos da ginástica e do esporte ocidentais do fim do século XIX e começo do século XX apresentando as influências que levaram à criação da Capoeira Regional a partir da antiga Capoeira de Angola. Estudaremos sua adequação aos modelos ginásticos europeus para sua legalização, os detalhes de tal adequação e as consequências internas e sociais para ambos os estilos. Palavras Chaves: Capoeira, sistemas ginásticos, século XIX, positivismo. v AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer ao meu orientador, Carlos J. Martins pela enorme participação que ele teve, não somente na elaboração deste trabalho, mas durante minha graduação. Suas aulas, além de fruto à mente foram um alimento à alma instigando o questionamento tão nescessário ao desenvolvimento do graduando. Obrigado pela inspiração. Agradecimento necessário se faz a família que me fez quem sou. Ao meu pai, o cientista, incitador da minha curiosidade e que sempre me fez ver além do óbvio. Minha mãe, que me ensinou a olhar para dentro de mim e não esquecer das coisas mais simples mais importantes da vida. Ao meu irmão, o filósofo e apaziguador da família, meu melhor amigo que nunca deixou nenhum de nós desmoronar. E à minha irmã e minha sobrinha, minhas musas e minhas inspirações. A graduação não teria sido a mesma, tão plena, sem a presença indispensável dos amigos. José Diego “Saci”, Luiz Henrique “Kiki”, Lucas Soltermann “Fusca”, Alexandre Drigo “Blau”, os que sempre encheram, sempre puxaram a orelha, me acordaram de manhã e me xingaram. Os melhores amigos que se pode ter. A todos os companheiros que passaram pela República QG onde morei. Obrigado Especial agradecimento àquela pessoa que finalmente me puxou adiante e esteve presente a cada segundo do término da minha graduação. Cristiane Alexandra de Moura, minha companheira, parceira, melhor amiga. Minha mulher. Sem você nada teria se concluído e certamente não teria a continuidade que terá. Obrigado pela presença e pelo suporte, pelo conselho e pela crítica, pelas brigas e pelo amor. Muito obrigado. vi ÍNDICE RESUMO ................................................................................................................. iv AGRADECIMENTOS .............................................................................................. v ÍNDICE .................................................................................................................... vi ÍNDICE DE FIGURAS ............................................................................................ vii 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1 2. OBJETIVOS ........................................................................................................ 5 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 6 3.1 Mudanças históricas e filosóficas responsáveis pela transformação na visão das atividades físicas na Europa no século XIX. ..................................................... 6 3.1.1 O Positivismo ....................................................................................... 6 3.1.2 A influência militar e médica na ginástica européia ............................. 8 3.1.3 A influênicia da cultura corporal popular .............................................. 9 3.2 Sistemas Ginásticos Europeus ................................................................... 11 3.3 A origem da capoeira no Brasil ................................................................... 14 3.4 A capoeira no século XIX ............................................................................ 16 3.5 O Brasil na virada do século XX .................................................................. 21 3.6 A desenvolvimento da Capoeira Regional .................................................. 24 4. MÉTODO ........................................................................................................... 29 5. DISCUSSÕES ................................................................................................... 29 6. CONCLUSÃO .................................................................................................... 32 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 33 vii ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Ilustração de apresentações de artistas populares na Europa no século XIX......................................................................................................................... 10 Figura 2 - Ilustrações de práticas esportivas no século XIX na Europa................. 13 Figura 3 - Quadro de Johann Moritz Rugendas, 1835. ......................................... 15 Figura 4 - Algumas variações de Aú: (a) aú aberto; (b) aú angola; (c) aú com queda de rins; (d) aú giratório; (e) aú sem mãos. .................................................. 26 Figura 5 – Primeira sequência de Bimba............................................................... 27 1 1. INTRODUÇÃO Os séculos XIX e XX foram os cenários e testemunhas de profundas transformações nas práticas corporais da modernidade. Em tal período histórico as atividades físicas de forma geral, primeiramente na Europa e posteriormente nas Américas, passaram por uma radical transformação. O pensamento que passava a vigorar naquela época influenciou tal transformação exaltando o pensamento racional e científico nas práticas especializadas em ressonância com fenômenos sociais daquele período histórico, tais como o movimento Positivista do século XIX e a insurgência de influentes vertentes da medicina como técnicas políticas na sociedade ocidental. Atravessados por essas linhas de pensamento e ação os especialistas em atívidades físicas passaram a visar resultados mensuráveis buscando principalmente fazer da atividade física um instrumento eugenista e higienista com o objetivo de fortalecer os corpos, desenvolver e preservar a saúde da espécie, em suma, disciplinar o corpo e a mente dos cidadãos para integrar e preservar a ordem social. Tal movimento teve início na Europa com os sistemas ginásticos desenvolvidos principalmente na Inglaterra, França e Alemanha. Em sentido amplo, pode-se afirmar que a ginástica incorporou, entre outras, as características da visão científica predominante no século XIX. Voltou-se à pesquisa, à mensuração, à classificação e à comparação baseando-se em leis com caráter ordenativo, disciplinador e metódico. Com os objetivos acima listados esses sistemas buscaram como base para seu desenvolvimento expressões de proeza física que fossem observáveis através de seus praticantes, de forma a criar corpos fortes, saudáveis e disciplinados. Assim sendo, suas principais influências foram os artistas de rua como acrobatas, ciganos e artistas circenses em geral, bem como os exercícios militares existentes até então. 2 Aplicada a metodização destas práticas, ambos os movimentos prévios viram-se modificados, os militares adequando-se totalmente às novas formas de condicionamento positivistas e os artistas de rua tendo seu ofício tradicional desprezado como ineficaz e vulgar, depois transformado em método ginástico. O fenomeno esportivo desse período conjugou-se com a influência dos sistemas ginásticos europeus e a visão positivista de corpo tanto em práticas já existentes ou naquelas criadas a partir de então. Tal modelo consolidou-se como dominante no século XX e a Capoeira não foi exceção. No Brasil do fim do século XIX e começo do século XX, imperava uma forte influência cultural advinda de países estrangeiros, tanto de Portugal como de potências da época como a Inglaterra, Estados Unidos, e especialmente França. No entanto, paralelamente a isso, com a ainda recente declaração da independência e a forte influência do positivismo que se instalou na época em solo nacional, o sentimento de patriotismo passou a vigorar com mais força gerando, entre outros fenômenos, uma busca pelas características que identificassem os brasileiros como cidadãos de uma mesma nação. No campo artistico, destacaram-se, no fim do século XIX, escritores realistas, retratando o meio no qual se vivia no Brasil, e românticos, ressaltando a pátria e os heróis da nação. A partir dos anos 1920, artistas e pensadores ligados ao movimento modernista, tais como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros, davam enfase às características culturais e estéticas tipicamente brasileiras. Ao questionamento das identidades nacionais ligava-se extensa lista de temáticas abordando arte, raça, história, idioma, maneirismos, roupas e cultura em geral. E entre tantas identidades e questões, alguns debruçaram-se sobre a possibilidade de reconhecimento ou desenvolvimento de um método ginástico, tal qual aqueles presentes na Europa, mas que se mostrasse como uma expressão da identidade brasileira na cultura corporal. Até então, a capoeira era uma atividade ilegal praticada principalmente nas cidades, na maioria das vezes por negros e mulatos e frequentemente associada à violência urbana no Rio de Janeiro, então capital do país. No entanto, no ínicio 3 do século XX essa capoeira chamou a atenção daqueles que estudavam a questão da ginástica nacional, de forma assemelhada ao modo como os artistas de rua chamaram a atenção dos criadores dos métodos ginásticos europeus. Os praticantes, chamados de capoeiras, demonstravam grande aptidão física e eram capazes de proezas dignas de atenção. Assim despontou na época um interesse por parte de alguns autores que discutiram a questão da capoeira e chegaram a públicar alguns trabalhos e textos a respeito. Entre eles podemos citar um autor oculto que identificou-se somente pelas iniciais O.D.C., que, em 1907, escreveu um trabalho que entitulou de O Guia Da Capoeira ou Ginástica Brasileira (SILVA, 2002). Em 1928, Aníbal Burlamaqui defende de forma explícita o reconhecimento da capoeira como ginástica nacional numa obra que se entitula Ginástica Nacional – (Capoeiragem) Metodizada e Regrada, além de autores adeptos da medicina higienista que elogiaram a capoeira, mas que defendiam sua purificação racial (REIS, 1997). Mas é somente com o baiano Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, que a Capoeira vê uma verdadeira possibilidade de legalização, reconhecimento como ginástica, ou esporte, e assim possível ascensão social. Mestre Bimba desenvolve uma metodologia de ensino através de sequências de golpes dois a dois repetidos para aquisição de habilidade e instaura também uma hierarquização de proficiência concreta na forma de cordões de cores diferentes, cada uma demonstrando um nível diferente de habilidade. A capoeira de Mestre Bimba também passa a ter um objetivo disciplinador e de inserção civil, tornando os capoeiras, não praticantes ilegais e violentos, mas sim esportistas e até professores de educação física. Portanto, ela é finalmente adequada de forma a atender tanto aos sistemas ginásticos de origem européia, como às demandas de construção de uma identidade nacional e, por conseguinte, nomeada Capoeira Regional Baiana. Em 1932 essa nova Capoeira é apresentada ao então presidente da república, Getúlio Vargas e finalmente concedida sua legalização. Em 1937 a academia de capoeira de Mestre Bimba recebe da então secretaria da educação o título de Curso de Educação Física (SILVA, 2002). 4 A tempos parte atual da cultura popular brasileira, a capoeira, ainda assim apresenta uma história confusa, envolta de discordâncias a respeito de suas origens, mudanças ao longo do tempo e fatores que levaram a ambos. Estudos atuais sobre a história da cultura popular brasileira tem se desenvolvido com significativo êxito. Informações de grande relevância surgiram à medida que a capoeira tornou-se um objeto de estudo no campo acadêmico. No caso da capoeira isso se reflete nas obras de autores tais como Carlos Eugênio Líbano Soares (A Negrada Instituição, 1993; A Capoeira Escrava, 2004), Heloisa Turini Bruhns (Futebol, Carnaval e Capoeira, 2000) e Letícia Vidor de Souza (O mundo de pernas para o ar, 1997), entre outros. Podemos dizer que a partir de tais estudos, hoje podemos ter uma boa imagem do que era a capoeira do século XIX e compará-la com a capoeira desenvolvida no século seguinte, quando passa a ser melhor documentada. Com isso, torna-se possível melhor enxergar as mudanças sofridas, que fatores levaram a tal e sobretudo inseri-la no contexto social vigente na época em que a transição ocorreu. Neste trabalho abordaremos a Capoeira no contexto da constituição dos campos da ginástica e do esporte ocidentais do fim do século XIX e começo do século XX apresentando as influências que levaram à criação da Capoeira Regional a partir da antiga Capoeira de Angola. Estudaremos sua adequação aos modelos ginásticos europeus para sua legalização, os detalhes de tal adequação e as consequências internas e sociais para ambos os estilos. 5 2. OBJETIVOS Neste trabalho pretendeu-se analisar os paralelos existentes entre as influências dos Métodos Ginásticos Europeus e a constituição da capoeira regional desenvolvida por Mestre Bimba, a partir da análise do contexto cultural dos séculos XIX e começo do XX. 6 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 Mudanças históricas e filosóficas responsáveis pela transformação na visão das atividades físicas na Europa no século XIX. Desde o século XVI, com o fim da idade média, o continente europeu começou um processo de redescobrimento do pensamento racional clássico. Mesmo com a hegemonia cristã a persegui-los, pensadores passaram a surgir com a proposta de estudar o mundo no qual viviam para compreendê-lo de uma forma que não partisse da suposição religiosa. Nos séculos seguintes, nomes como Copérnico, Galileu, Descartes, Newton, além de outros, contribuiram para disseminar cada vez mais a idéia de progresso a partir do pensamento racional e científico. Tal idéia já se via extremamente enraizada entre a intelectualidade do século XIX, buscando-se explicações sem apoio de misticismos e superstições, alicerçando-se em bases concretas, empíricas e racionais. Tal pensamento alcançou portanto espaço para sua aplicação prática em diversos âmbitos da sociedade. Assim, as atividades físicas encontraram naquele século um ambiente propício para seu desenvolvimento como campo de cunho científico. Podemos portanto relacionar algumas das principais influências para o desenvolvimento dos métodos ginásticos europeus desta época e, a partir deles, de demais atividades físicas. 3.1.1 O Positivismo Segundo seu conceptor Auguste Comte (1798-1857), o positivismo não é uma corrente filosófica entre outras, mas a que acompanha, promove e estrutura o último estágio que a humanidade teria atingido, fundado e condicionado pela ciência (SIMON, 1991). Vivendo uma época de contínuo desenvolvimento da ciência, Auguste Comte procurou desenvolver seu pensamento voltando-se para o estudo do 7 mundo real e observável, desprezando investigações a respeito do incognocível e metafísico. Assim, ele buscou romper com pensadores antecessores a ele que buscavam o conhecimento do absoluto a partir da razão humana, pois para Comte tudo o que se pode conhecer são os fenômenos e as suas relações, não sua essência ou causas íntimas (RIBEIRO JR., 1982, p. 09). No começo do século XIX, o positivismo de Comte passa a dominar o pensamento típico Europeu, levando a um crescente estudo prioritário daquilo que fosse observável, mensurável e sujeito às leis naturais e ao empirismo em detrimento do que fosse metafísico e sujeito apenas à razão (RIBEIRO JR, 1983, p. 14). Assim, as ciências naturais passam a desenvolver-se embasadas na experiência reprodutível como única forma de obtenção de resultados confiáveis. A negação do abstrato e metafísico levava invariavelmente a uma crítica positivista a religiosidade teológica expressando uma profunda crise no pensamento religioso-cristão. O componente religioso social foi modificado, amalgamado ao ceticismo positivista para tornar-se elemento essencial dessa nova ordem, o que Comte viria a chamar de religião da humanidade. Esta enfocava-se no estudo da humanidade como o Grande Ser (le Grand Étre), esta existência histórica formada por todos os homens e de onde todos eles vêm (RIBEIRO JR, 1982, p. 30). De acordo com Silva (2008), o positivismo deveria ser o novo cristianismo renovado e organizado, sobre os alicerces de uma nova Igreja, mobilizando cientistas, artistas e indústrias. Comte aplica então sua filosofia à ordem social determinando ser necessária a busca pelas leis que regem os fatos sociais para poder ordenar a sociedade e alcançar o progresso. Nesta sociedade positivista, o individuo passaria a existir apenas no contexto de membro de um grupo maior onde todos, num instinto altruísta resultante da educação e da ciência, coexistiriam sob a lei do “Viver para outrem” (RIBEIRO JR, 1982, p. 26-28). A filosofia social de Comte inspira também outras linhas de pensamento social, como o evolucionismo social de Herbert Spencer (1820-1903), corrente que inspira-se no estudo das complexidades fisiologicas do mundo animal e vegetal para explicar a evolução de 8 uma sociedade sem divisões de classes ou trabalho para uma mais complexa (RIBEIRO JR, 1983, p. 44-48). O positivismo aplicado à sociedade abriu espaço para a introdução desta linha filosófica no Brasil a partir da metade do século XIX. À esta época o Brasil vivia a hegemonia econômica da aristocracia caffeeira e uma sociedade atravessada pelo pensamento romântico fundado no nacionalismo, idealismo e espiritualismo, do protesto do sentimento contra a supremacia da razão. No entanto, o país vivia uma época de crise econômica com metais sendo drenados para o exterior e os bancos tendo seus recursos imobilizados, culinando em inúmeras falências (RIBEIRO JR, 1983, p. 56-61). Neste quadro, o positivismo surge como um rompimento com o romantismo evasivo para, de forma ordenada e racional, buscar a estabilidade política e econômica do país. Assim, os intelectuais brasileiros, em especial aqueles vinculados às escolas de direito, passam a aderir ao positivismo de Comte, mas deixando-se influenciar fortemente pelo evolucionismo de Spencer por seu individualismo extremado, embasado no princípio do progresso contínuo e da evolução social. Estas influências difundem-se em várias frentes de pensamento, e alcançam tal força que com a proclamação da república, a bandeira nacional recebe a inscrição de um dos motes do positivismo comtiano, “Ordem e Progresso” (RIBEIRO JR, 1983, p. 62-74). 3.1.2 A influência militar e médica na ginástica européia O século XIX foi um período de ocorrência de guerras e revoluções pela conquista de terras, e isto influênciou a visão da ginástica da Europa. A partir deste contexto a formação física e moral da ginástica foi voltada principalmente para o fim nacionalista de lutar pela pátria. Isso gerou uma corrente no Movimento Ginástico Europeu, com tendência militarista, que considerava imprescindível formar indivíduos saudáveis, fortes e de caráter para servir a nação. Atribuindo à ginástica a característica de ser útil a nação, esta ganhou força no aspecto utilitário. As atividades físicas eram então de utilidade para o indivíduo, que se reverteria em utilidade para a pátria (SOARES, 1998). 9 Em sentido amplo, a ginástica incorporou as características da ciência positivista que impregnou o século XIX. Voltou-se à pesquisa, à medição, à classificação e à comparação a partir da descoberta constante de leis e com caráter ordenativo, disciplinador e metódico. Com o espírito científico da necessidade de um conhecimento preciso, e por se justificar também na saúde, os estudos que estruturaram a ginástica desenvolveram também áreas médicas como a anatomia e a fisiologia e fundamentaram a ciência da mecânica do movimento (SOARES, 1998). A medicina passou a ser responsável pela coordenação de uma vasta gama de estruturas e instituições das sociedades urbanas ocidentais, desde a forma de construção e manutenção de casas e ruas até as corretas regras de conduta cívil. O argumento era o de que, através de uma ciência médica, tornava- se possível uma manutenção da saúde física e prolongamento da vida. A burguesia e a aristocracia receberam esta nova visão como uma forma também de aquisição e manutenção de poder, quando na verdade quem exercia tal poder era a própria medicina. Esta passou a ditar o comportamento, porte e estética corretas do homem saudável do século XIX sempre visando a retidão, força, agilidade, virilidade, entre outras características físicas classificadas como representantes de um ser humano saudável, disciplinado e detentor da moral, tudo sustentado e mensurável de forma científica (SOARES, 1998). 3.1.3 A influênicia da cultura corporal popular Segundo Soares (1998), as práticas corporais populares manifestadas nos circos e nas feiras foram abafadas pelo espírito científico. Os artistas populares, malabaristas, saltimbancos, bailarinos, contorcionistas, palhaços, anões e gigantes não tinham comprometimento com o universo utilitário de servir á guerra ou ao mundo do trabalho, seus movimentos tinham a expressão de liberdade de um corpo ágil e alegre que desejava divertir o povo (figura 1). 10 Figura 1 – Ilustração de apresentações de artistas populares na Europa no século XIX. Esses artistas exerciam fascínio em todas as camadas da população, e passaram a merecer a atenção daqueles – médicos, higienistas e filantropos que cuidavam do corpo, pois poderiam dominar a idéia de disciplina ordem moldadas pelo concepção científica. Os artistas populares: Invertiam a ordem das coisas. Andavam com as mãos, lançavam-se ao espaço, contorciam-se e encaixavam-se em potes em cestos, imitavam bichos, vozes, produziam sons com as mais diferentes partes do corpo, cuspiam fogo, vertiam liquidos inesperado, gargalhavam, viviam em grupos. Opunham-se, assim, ao novos cânones do corpo acabado perfeito, fechado, limpo, e isolado que a ciência construíra, da vida vixa e disciplinada que a nova ordem exigia (SOARES, 1998). Segundo Soares (1998), as manifestações lúdicas dos artistas circenses ainda eram influênciadas pela cultura da Idade Média e do Renascimento, uma cultura popular da praça, da rua e dos dias de festa. 11 As apresentações de rua e o circo manifestavam a liberdade que fora aprisionada pelo saber científico e mostravam o que deveria ficar oculto, eram antagônicas á sociedade de elite que se firmava no século XIX e com a qual a ginástica se identificava. Desta forma a cultura corporal popular com movimentos imprevisíveis e ousados dos artistas – estrangeiros andantes descomprometidos com a ordem do tempo e do espaço – deveria ser reinventada com a identidade da ginástica científica: a ordem estabelecida com ações previstas e de utilidade na vida cotidiana (SOARES, 1998). De acordo com Soares (1998), nesta perspectiva, a ginástica popular do circo e dos funâmbulos foi reinventada com dados científicos, e os idealizadores dos métodos ginásticos que deram base para a Educação Física desenvolveram entre suas práticas aquelas populares do circo, praças e feiras, mas retiraram suas características universais, espontâneas e com a ambigüidade do grotesco e colocaram-lhe o rosto da ciência e da técnica. 3.2 Sistemas Ginásticos Europeus Segundo Betti (1991), no século XIX, surgiu na Europa, especialmente na Alemanha, Suécia, Inglaterra e França, o Movimento Ginástico Europeu, cujo objetivo era unir a técnica e a ciência para a evolução da ginástica. Inicialmente, esse movimento tinha como base as atividades do cotidiano, tais como, os divertimentos, as festas populares, os espetáculos de rua, o circo, os exercícios militares e os passatempos da aristocracia, mas com o tempo, ele foi se adequando ao objetivo de aprimoramento da raça para formação do indivíduo útil à pátria, seja para fins militares ou para o trabalho nas fábricas que começavam a surgir, e assim contribuir com as novas idéias do capitalismo. Os Sistemas Ginásticos europeus surgem como um reflexo de tal visão e como um método eficaz de formar corpos que exemplifiquem as características defendidas como modelo de ser humano correto. Em suas origens, os Sistemas Ginásticos fizeram uso de diversas fontes para o desenvolvimento de suas 12 metodologias, sendo os principais os artistas de rua e exercícios militares. Os primeiros ofereceram um extenso leque de movimentos passíveis de serem aplicados e que apresentavam resultados físicos impressionantes e observáveis em seus praticantes – acrobatas, ciganos, dançarinos, etc. Os seguintes ofereceram também exercícios eficazes, mas especialmente introduziram o elemento disciplinador e moralizador que as ginásticas buscavam. Assim, inicia-se no mundo científico um processo de concentração de todas as formas e linguagens de práticas corporais sob a única denominação de Ginástica (SOARES, 2000). Esta passa a ser a principal responsável pela aquisição da saúde e estética defendidas pela hegemonia médica vigente, assim como ferramenta de instituição moral e disciplinar. As ginásticas passam então a serem estudadas pela ciência da época numa busca por sua aprimoração, o que leva à metodização milimetral de suas bases e técnicas tornando-as instrumentos científicos de intervenção. O corpo passou a ser um objeto passível de mensuração, sendo analisado e condicionado através de técnicas e exercícios aprovados pela cientificidade da época. Somente através de tal mudança, esses sistemas puderam alcançar uma exorbitante aceitação popular e acadêmica. 13 Figura 2 - Ilustrações de práticas esportivas no século XIX na Europa. Assim, os sistemas ginásticos foram apartados de suas contrapartes populares as quais passaram a ser vistas como práticas vulgares e desmerecedoras de crédito. Conforme Soares (2004), os métodos ginásticos europeus foram introduzidos no Brasil com a finalidade de contribuir na preparação física dos soldados da Corte e nas escolas para regenerar a raça, promover a saúde, a vontade, a coragem, a força, a energia de viver e a moral. Nesta época, a população brasileira era formada por índios, negros africanos, europeus e asiáticos. Devido ao grande número de imigrantes europeus, a ginástica praticada nas escolas seguia os modelos importados da Alemanha, Suécia e França. 14 3.3 A origem da capoeira no Brasil A origem da capoeira é sempre tema de grande polêmica devido à escassez de uma bibliografia sólida que sustente uma teoria histórica. Diversos fatores favoreceram tal obscuridade, sendo provavelmente mais notório a queima, em 1890, dos documentos oficiais referentes à escravidão negra no Brasil pelo então Ministro da Fazenda Rui Barbosa (SILVA, 2002). O autor Araújo (2005) afirma ao realizar uma análise historiográfica da bibliografia básica utilizada em diversos estudos sobre a capoeira que são necessárias novas revisões e aprofundamentos destes estudos, principalmente considerando as diferenças de características social e cultural existentes entre as regiões geopolíticas do Brasil. A origem da capoeira parece ter ocorrido nos quilombos brasileiros na época colonial, quando os escravos fugidos, para se defender, faziam do próprio corpo uma arma. No entanto não existem indicações seguras sobre isso, pois não existem pesquisas históricas para os séculos XVI a XVIII, tambem não é possível reconstruirmos o processo que levou ao seu deslocamento do campo à cidade, o que deve ter se configurado por volta do início do século XIX, posto que datam desse período as primeiras referências històricas a respeito dos capoeiras urbanos (REIS,1997). Na figura 3, pode se observar o primeiro registro visual da capoeira, que data de 1835 do pintor alemão Johann Moritz Rugendas. 15 Figura 3 - Quadro de Johann Moritz Rugendas, 1835. A própria condição de escravidão, e portanto inacesso a uma educação adequada impossibilitava os primeiros praticantes da capoeira a registrarem de forma adequada suas origens e seus avanços. Alguns poucos documentos históricos dispersos, apesar de trazerem luz para esta questão, causam também o surgimento de mais dúvidas. O relato do padre José de Anchieta, aput Silva, 2002, de que ele teria observado em 1595 que “os índios tupi-guaranis divertiam-se jogando capoeira” e a possibilidade da própria palavra capoeira ter vindo da língua tupi (caá + puêra = mato ralo, cortado extinto) (SILVA, 2002) nublam enormemente esta questão, colocando em dúvida até mesmo a origem étnica da prática. A hereditariedade africana também se torna tema de debate quando se questiona se a capoeira foi trazida deste continente para o Brasil junto com os negros feitos escravos ou se a cultura destes teria influenciado o surgimento da capoeira já em solo brasileiro. O fato dos negros serem os originários detentores 16 do exercício desta prática da certo sustento às teorias sobre importação cultural da Africa. No entanto, o continente africano apresenta poucos exemplos de práticas culturais que se assemelhassem a capoeira. Uma das mais citadas certamente seria a N’golo, uma dança do sudoeste de Angola, amplamente defendida como a capoeira original. Ainda assim, a literatura em torno da prática mostra-se carente de sustentações mais sólidas a respeito do tópico (ARAÚJO, 2005). O material ao qual hoje se tem acesso a respeito da história da capoeira passa a surgir apenas no começo do século XIX quando os praticantes da capoeira passam a causar medo nas classes dominantes da sociedade brasileira levando à sua ilegalidade. A recém criada polícia do Rio de Janeiro começa então a perseguir e prender os capoeiras. Por mais que isto tenha sido um fator desfavorável à prática cultural do país, os laudos da polícia podem hoje ser usados como documento histórico para a análise da capoeira como fenômeno urbano do Brasil império. 3.4 A capoeira no século XIX Ocorria neste período um rápido crescimento das grandes cidades do Brasil da época, em especial no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. As altas classes passaram a residir nelas principalmente na busca por estar atualizado sobre o que ocorria no mundo, particularmente na Europa burguesa. Consigo traziam seus escravos. Inevitavelmente a população negra urbana passou a crescer de forma bastante acentuada (REIS, 1993) Com os negros, teria veio também a capoeira. É interessante e necessário notar que, como já visto, a capoeira como foi provavelmente praticada nas áreas rurais, mesmo nos quilombos, é hoje objeto de bastante discussão e de difícil caracterização dada a ausência de documentos históricos referentes a história cultural negra em áreas rurais em tempos de escravidão. É raro encontrar qualquer registro de uma tentativa por parte de donos de escravos no brasil de descrever as práticas culturais dos negros escravos no Brasil e menos ainda de tentar estudar estas práticas. 17 Assim a caracterização da capoeira hoje é estudada a partir do que se observou e resgistrou nos meio urbanos do Brasil, e ainda assim com dificuldade. É a partir do século XIX que a capoeira transforma-se num fenômeno urbano que conseguiu a atenção das classes dominantes principalmente das grandes cidades do Brasil. Carlos Eugênio L. Soares (1993, 2004) fez um estudo admirável da capoeira na cidade do Rio de Janeiro a partir dos registros da polícia e dos folhetins de jornal da época. Estes nos mostram um capoeira que passa a adquirir características e maneirismos que ainda hoje, elogiados ou não, acompanham os praticantes desta arte. Por exmplo, as armas utilizadas pelos capoeiras do século XIX, navalhas, facas de ponta, porretes (SOARES, 2004), mesmo que não sejam mais utilizadas, são sempre citadas nas cantigas da roda de capoeira. A indumentária por vezes utilizada ainda hoje pelos mais tradicionais, paletó e chapéu branco por vezes com fitas de cores variadas, possui suas origens nas maltas do século XIX (SOARES, 1993). Mesmo maneirismos à roda, como a religiosidade do pedido de benção ao adentrá-la (SOARES, 1993) ainda acompanham o capeira nos dias atuais. É plausível portanto afirmar que a capoeira como é praticada hoje é resultado da inserção da mesma num contexto urbano. Um fator notório de atenção é a situação de ilegalidade na qual a capoeira se apresentava. Nas cidades, os negros escravos encontravam-se nas ruas em momentos de descanso ou enviados para executar serviços para seus senhores escravocratas e confraternizados, praticavam suas várias manifestações culturais e exibições de perícia e força. Algumas façanhas teriam frequentemente início como uma brincadeira de provocações verbais e físicas entre dois capoeiras, as quais por vezes suscetivamente ficavam mais violentas. Era comum tais embates levarem a ferimentos graves ou até morte de seus praticantes (SOARES, 2004). Portanto, desde a criação da polícia carioca em 1809, a capoeira, apesar de ainda não ser um crime, já era considerada uma contravenção sujeita a punição na forma de chibatadas – de 50 a 300 –, meses de prisão ou trabalho forçado. Em 1824, por exemplo, foi determinado no Rio de Janeiro que aqueles que fossem pegos praticando a capoeira fossem mandados para o Arsenal da Marinha e de lá 18 para a construção do Dique, uma obra colossal na época (SOARES, 2004). No Rio de Janeiro, desentendimentos com a polícia eram frequentes, por vezes levando ao embate físico, o que certamente se resolvia por uso da capoeira, muitas vezes até de armas, tais como facas, navalhas e porretes. A polícia por sua vez tinha a autoridade para aplicar a pena por açoiteamento no ato do flagrante, o que em 1832 passou a exigir uma ordem expressa de alguma autoridade criminal ou policial (REIS, 1997). A capoeira era portanto tratada como uma ameaça não somente à ordem pública, mas também à propriedade privada, como eram considerados os negros escravos. Assim, de contravenção, a capoeira viu sua criminalização oficial em 1890 tal qual descrita no decreto nº 487 do Código Penal Brasileiro de 11 de outubro daquele ano, que trata dos “Vadios e Capoeiras”: Art. 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem, andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens. Ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor ou algum mal: Pena de prisão celular de dois a seis meses. Parágrafo Único – É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena em dobro. Art. 403 – No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena de um a três anos, a colônias penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do território nacional, podendo para esse fim ser aproveitados os presídios militares existentes. (SILVA, 2002). Diante da constante perseguição, os capoeiras urbanos do século XIX organizavam-se em maltas, grupos de resistência e confrontamento à polícia, mas que também mantinham rivalidade umas com as outras mantendo delimitações 19 geográficas nas cidades. Elas não somente eram protagonistas de embates violêntos em praça pública, mas também “prestavam serviços” a político em época de eleição causando desordem durante os desfiles de comícios dos candidatos rivais. Em troca, as práticas de tal malta receberiam vista grossa por parte das autoridades caso seus patronos ganhassem as eleições. Em 1872, a malta Flor da Gente teria começado essa fama de “capangagem política” quando seu envolvimento com um deputado veio à tona, ruindo a carreira deste (SOARES, 2004; REIS 1997). Apesar da ilegalidade e temor popular, a capoeira não foi praticada somente por negros e escravos. De acordo com Bruhns (2000), no ano de 1880 a quantidade de capoeiras brancos da cidade do Rio de Janeiro chegou a quase um terço da população de capoeiras da cidade, englobando tanto marinheiros e outros brancos mais pobres quanto filhos de senhores, políticos e comerciantes influentes. A própria polícia passou a também fazer uso de capoeiras em suas fileiras, contratados após presos e soltos, ou mesmo soldados a aprendendo para que mais eficentemente pudessem identificar, enfrentar e capturar outros praticantes. Obviamente tentava-se manter tal prática longe dos olhos da população em geral, mas soldados identificados como capoeiras eram em geral recriminados (REIS, 1997). Assim, a capoeira desenvolve-se no século XIX num meio extremamente hostil e informal. Tal informalidade pode também ser constatada pelo fato de que o próprio esteriótipo do capoeira confundia-se com aquele do malandro ou bandido carioca; terno branco, com ou sem paletó, chapéu com fitas penduradas (normalmente representando a malta a qual o capoeira pertencia), camisa colorida e sandálias no pé. A capoeira era uma prática de rua, ensinada de maneira informal entre seus praticantes, sem fazer uso de uma metodologia específica e detalhada. De acordo com Soares (1993), os aspirantes a capoeiras eram recrutados no começo da adolescência, quando eram facilmente impressionados pelos exercícios de agilidade praticados pelas maltas em praça pública. Como citado pelo autor “pertencer a uma malta era um prêmio cobiçado pelos jovens que trabalhavam 20 pelas ruas estreitas e sujas da cidade (Rio de Janeiro)”. Isto pode ser verificado pela faixa etária dos integrantes das maltas que mostrava uma majoritária presença de jovens entre 15 e 20 anos. Os neófitos eram recrutados pelos capoeiras mais experientes ainda novos, próximos dos nove ou dez anos, e no território urbano da malta a qual pertenciam seus instrutores, as habilidades de ginga, golpes e uso de facas, navalhas e porretes eram passados, muitas vezes estes locais apresentando marcas de sangue no chão. Posteriormente os jovens teriam que praticar por conta, em geral em lugares públicos para ganhar prestígio e tornarem-se eficientes nos exercícios da malta, e assim ganhar status. O primeiro momento de passagem chegava quando o “moleque” tornava-se um “caxinguele”, formando a vanguarda das expedições guerreiras das maltas para anunciá-las e carregarem as armas dos maiores, agindo como auxiliares, e vencer desafios para ganhar o prestígio do grupo. Com o tempo ele passava a ser colocado em posições mais ofensivas enfrentando indivíduos mais fortes no calor da luta. Quando considerado merecedor, recebia seu chapéu com fitas de cores representantes de sua malta juntamente com o direito a posse da navalha. Portanto, Soares (1993) nos mostra que os novatos da capoeiragem costumavam praticá-la individualmente após a exposição das habilidades pelos mais velhos e participavam mais de situações práticas juntamente com as maltas que de aulas própriamente ditas. Seus ranks e comprovantes de maestria lhe eram atribuídos pela palavra dos mais experientes, sem métodos de mensuração de tal maestria que não o confronto direto e o prestígio. Conforme Reis, (1997) ocorre uma mudança na visão da capoeira no início do século XX, pois esta que antes era vista como uma doença moral que proliferava na sociedade agora começa a ser considerada por intelectuais e militares, preocupados com a própria viabilidade da nação brasileira e informados pelos princípios da medicina higienista que propugnava a ginástica como meio profilático para a “regeneração da raça”. Estes verão na capoeira uma “lucta nacional”, e uma excellente “gymnastica”, cujo ensino deveria ser ministrado nos colégios, quartéis e navios de todo o país. 21 3.5 O Brasil na virada do século XX Com a Declaração da Independência em 1822 e a Proclamação da República em 1889, fortaleceu-se no Brasil um espírito nacionalista, um amor à pátria que passou a gerar mudanças no modo como o país era visto por sua população, especialmente entre a elite cultural iniciando uma busca em diversos âmbitos por símbolos nacionais que pudessem caracterizar o que era o Brasil e o brasileiro. No final do século XIX, a escola literária romantica passava a vigorar tanto entre a população pobre quanto a mais abastada. Essa linha de pensamento, em sua primeira fase, foi marcada pelo nacionalismo e exaltação da pátria, o que influenciou no Brasil uma forte necessidade de integração nacional. Ela tambem é chamada de fase indianista do romantismo quando ocorre uma super valorização do índio como representante do “bom-selvagem”, alegoria criada por Jean Jaques Rousseau. Nela o filosofo defende que o homem nasce sem pecados, amoral, e é posteriormente corrompido pelo meio onde vive. Assim nasce no Brasil a primeira quebra com o esteriótipo de perfeição européia e a associação do brasileiro a uma imagem que não segue nem deve seguir tais padrões. Com isso que também tem início uma valorização das característica miscigenada do povo brasileiro. Gladson Silva (2002) cita um trecho de C. Rybeirolles em Brasil Pitoresco em que fala dos mulatos do país: Os negros, dizem, são embrutecidos, e não o podiam ser menos sob certo regime. Os brancos são débeis, fruto do calor e da ociosidade. Os mestiços, porém, híbridos quanto à cor, têm o espírito ativo e o músculo forte. Natureza complexa maravilhosamente dotada, filho do trabalho, apresenta o germe de todas as forças; congênere superior, está aberta a todas as culturas”. No século XX, portanto, inicia-se a busca propriamente dita pelos simbolos nacionais brasileiros. Isso fica claro com a insurgência da chamada modernidade da cultura e das artes no Brasil. Em torno de 1900, pode-se identificar na literatura 22 e nas artes em geral o início de uma exacerbada crítica aos problemas sociais e uma valorização da linguagem coloquial e dos valores populares, com seu auge na Semana da Arte Moderna em 1922, o movimento modernista influenciou diversos setores da sociendade que buscavam representações do Brasil em todos os seus âmbitos, identificando assim o que podia ser dito caracteristicamente brasileiro. Pode-se identificar esta busca de forma mais evidente entre os artistas da época. Tarsila do Amaral com seus quadros A Negra, Abaporu, O Ovo ou Urutu e Antropofagia faz um elogio da identidade nacional através de uma miscigenação cultural de negros, índios e europeus. Anita Malfatti fez da defeza dos marginalizados urbanos o tema dos quadros de sua segunda exposição em 1917, pela qual foi exacerbadamente criticada pela elite conservadora de sua época. Já Di Cavalcanti abordou temas sociais brasileiros, como o samba, as favelas, as festas populares e os operários. O esporte e as atividades físicas não foram exceção. Com os métodos ginásticos europeus e os esportes modernos tornando-se uma constante em escolas, escolas de dança e academias militares, o sentimento nacionalista moderno passou a influenciar também uma busca por um método de ginástica genuinamente brasileiro. Acreditava-se que seria possível identificar ou criar métodos e esportes nacionais que fossem tão eficazes quanto aqueles de origem estrangeira. Numa tentativa frustrada (já que o projeto nunca voltou a plenário) de estimular a criação de um tratado de educação, foi lido numa sessão da assembléia constituinte de Minas Gerais em 1823, pelo deputado e padre Belchior Pinheiro de Oliveira uma proposta na qual declarava que: “1º. A pessoa que apresentar no prazo de um ano contado da promulgação deste projeto, um plano de educação física, moral e intelectual, se for cidadão do Brasil, será declarado beneemérito da Pátria e, como tal, atendido aos postos e empregos nacionais, segundo sua classe e profissão; se for estrangeiro ou cidadão do Brasil, dar-se-lhe-á uma medalha distintiva. 23 2º. Criar-se-á um segundo prêmio pecuniário para aquele que apresente um plano de educação somente física ou moral ou intelectual.” (SILVA, 2002). Obviamente, este quadro foi de extremo interesse para os defensores da capoeira como um esporte nacional. No entanto, tais indivíduos ainda teriam que enfrentar o problema da ilegalidade e do repúdio social da mesma, portanto arriscando-se a partir do momento que fizessem uma defesa aberta de algo que ainda era tratado como um sinônimo de vandalismo. Ainda assim, pode-se hoje encontrar vários textos fazendo elogios à capoeira como uma prática que deveria ter o direito de entitular-se um esporte nacional. Em 1906, um artigo entitulado simplesmente “A Capoeira” foi publicado na Revista Kosmos e assinado pelo autor somente com as iniciais L.C. (Reis, 1997). Nele o autor faz elogios extensos a capoeira descrevendo-a como uma “lucta nacional”, “mestiça”, que seria “na essência defensiva” e estaria “acima de todas as congêneres de qualquer outra nacionalidade”. Em 1907, outro autor ocultou-se agora sob as iniciais de O.D.C. para escrever um folheto entitulado O Guia da Capoeira ou Ginástica Brasileira no qual descreve a capoeira em detalhes e defende sua institucionalização como um método brasileiro de ginástica (Silva, 2002). Em 1928, Aníbal Burlamaqui publica um opúsculo denominado Ginástica Nacional - (Capoeiragem) Metodizada e Regrada chegando a apresentar regras para o jogo desportivo da capoeiragem (Silva, 2002). Ainda no mesmo ano, o escritor Coelho Neto publicou um artigo entitulado “Nosso Jogo” onde se refere à capoeira como “nosso desestimado esporte” e defende sua utilização em escolas civis e militares com o argumento de ser uma “excellente gymnastica” e “um meio de defesa individual superior a todos quantos são preconisados pelo estrangeiro” (REIS, 1997). Mas mesmo com um aumento no apelo à institucionalização da capoeira, pouco sucesso foi alcançado até a década de 1930. 24 3.6 A desenvolvimento da Capoeira Regional Dentro deste cenário, o capoeira Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, cria uma nova modalidade de capoeira através de adaptações ao estilo tradicional com o intuito de torná-lo mais eficiente como luta, mais completa. Batizou este novo estilo de Capoeira Regional Baiana e, em 1932, através da divulgação deste estilo alcança a legalização oficial da capoeira. Em 1937 inaugura o “Centro de Cultura Física e Capoeira Regional”, a primeira academia oficial de capoeira qualificada pela secretaria da educação da época como “curso de educação física”. Foi a partir de Mestre Bimba que a capoeira passou por um vasto processo de transformação, tanto metodológico quanto de inclusão desta na sociedade (REIS, 1993 apud BRUNHS, 2000). Com a criação da Capoeira Regional, passou-se a se referir ao estilo mais antigo como Capoeira de Angola. Assim como a primeira tinha seu patrono na imagem de Mestre Bimba, a segunda foi defendida por Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha. Este buscou sistematizar a Capoeira de Angola e divulgá-la, principalmente em Salvador, onde instalou sua academia e ganhou notoriedade inclusive entre a intelectualidade baiana. Muitos outros também foram os eventos que vizavam a maior inserção da capoeira na sociedade. Em 1961 a capoeira foi introduzida na Polícia Militar da Guanabara; em 1972 ela é reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura como esporte; em 1986 o mesmo orgão busca implantar um programa nacional de divulgação da capoeira. A lista segue extensa. Mas o que fez com que o evento da criação da nova Capoeira Regional tenha sido o estopim para esta progressiva aceitação institucional desta arte? Para responder esta pergunta será necessário um maior detalhamento sobre o que Mestre Bimba alterou na Capoeira de Angola para a criação da legalizadora Capoeira Regional. Uma das alterações concerne o detalhamento das nomenclaturas dos movimentos da capoeira. Na Capoeira de Angola, poucos golpes e movimentos recebiam nomes de forma diferenciada. Nela existiam alguns movimentos fundamentais que eram identificados uns dos outros e os demais movimentos que 25 surgissem durante o treino ou o jogo eram tratados apenas como variações e floreios dos golpes originais sem serem separadamente nomeados. Na Capoeira Regional, este aspecto passa a receber um nível de detalhamento considerável se comparado à o que acontecia anteriormente. Cada variação ou floreio passa a ser nomeado adequadamente e ensinado junta e progressivamente com o movimento fundamental. Um bom exemplo disso é o Aú – popularmente conhecido como estrelinha – que na Capoeira de Angola recebe apenas esse nome, independentemente da posição das pernas, do tempo que o capoeira fica de ponta cabeça, da posição na qual o começa e termina, ou de quantas mãos tocam o chão. Na Capoeira Regional tal movimento recebe diversas nomenclaturas de acordo com as variações que apresenta em comparação com o movimento fundamental, podendo ser Aú Espinha, Aú Rodado, Aú de uma mão, Aú sem mãos, Aú Agulha, Aú de Bico, Aú Chibata, entre outras tantas variações que surgiram ao longo do tempo (Fig. 4). a. b. c. d. 26 e. http://cantocapoeira.free.fr/plus/lecons/index.htm Figura 4 - Algumas variações de Aú: (a) aú aberto; (b) aú angola; (c) aú com queda de rins; (d) aú giratório; (e) aú sem mãos. A Capoeira Regional passa a ser detentora também de uma metodologia de ensino estruturada. Nas academias de capoeira, exercícios ginásticos utilizados em escolas e academias militares passam a ser adotados para o aquecimento e alongamento muscular dos praticantes. Além disso, Mestre Bimba cria uma metodologia própria para o ensino de sua arte, na qual estabelece sequências fixas de golpes e contra-golpes que em duplas os capoeiras repetiriam várias vezes com o intuito de fixar a forma correta e os momentos adequados da execução de cada golpe. Esta metodologia foi batizada como as Oito Seqüências de Bimba (Fig. 5), e ainda hoje são utilizadas nas academias de Capoeira Regional mais tradicionais. Alguns mestres inclusive expandiram a lista criando mais sequências que refletissem situações comumente vividas numa roda de capoeira. Mestre Gladson de Oliveira Silva chegou a criar outras quarenta outras seqüências, todas devidamente detalhadas em sua obra Capoeira do Engenho à Universidade, 2002. 27 Figura 5 – Primeira sequência de Bimba. No intuito de tornar a capoeira uma forma mais completa de luta, Mestre Bimba também opta por inserir golpes de luta próxima e golpes de mão, ambos inexistentes na Capoeira de Angola. Os golpes de luta próxima, nomeados Cintura Despresada, visam um embate que envolve agarrões, arremessos e quedas. No entando, provavelmente devido ao aspecto lúdico da capoeira, a Cintura Desprezada é hoje raramente utilizada numa roda. Quando o é, os capoeiras envolvidos normalmente o fazem de forma sincronizada sendo hoje este aspecto da Capoeira Regional utilizado predominantemente em apresentações. Os golpes de mão escolhidos por Mestre Bimba visavam a utilização dos braços por serem mais rápidos que as pernas e portando conferindo um maior leque de possibilidades ao capoeira. Com isso o jogo passou a ser menos praticado no chão, fazendo com que o praticante passasse a adquirir uma postura mais ereta enquanto joga. Finalmente, o próprio propósito da prática da capoeira muda. O que era anteriormente utilizado como uma forma de resistência à opressão e de desobediência civil passa agora a ser praticado como uma atividade pertencente à 28 ordem social, dada a sua situação de legalidade. Nos anos após a legalização, o número de praticantes advindos das parcelas mais abastadas e brancas da sociedade aumenta de uma forma considerável. De forma geral, esse novo público buscava na capoeira uma forma, não de combater seus algozes ou de sobrepujar um ambiente hostil, mas sim de alcançar um estado de saúde e de disciplina corporal pleno. Logicamente as discussões acerca deste tema foram e são extremamente acirradas. Hoje o que resta do aspecto sócio-crítico da capoeira restringe-se principalmente às cantigas das rodas que constantemente abordam os temas da escravidão, racismo, preconceitos em geral e preservação de raízes culturais. Dona Isabel que estória é essa / de ter feito a abolição. De ser princesa boazinha / que libertou a escravidão. Eu tô cansado de conversa. / Eu tô cansado de ilusão. A abolição se fez com sangue / que inundava esse país Que o negro transformou em luta / cansado de ser infeliz. A abolição se fez bem antes / e ainda por se fazer agora Com a verdade da favela / não com a mentira da escola. Dona Isabel chegou a hora / De acabar com essa maldade. De ensinar pros nossos filhos / O quanto custa a liberdade. Viva Zumbi nosso rei negro / Que fez-se herói em Palmares. Viva a cultura desse povo / A liberdade verdadeira. Que já corria nos quilombos / Que já jogava capoeira 29 4. MÉTODO Para a elaboração deste trabalho foram adquiridos dados bibliográficos em bibliotecas e na internet, compreendendo aspectos como capoeira, positivismo, métodos ginásticos europeus, cultura corporal popular na europa no século XIX . Esses materias serviram como apoio ao desenvolvimento do trabalho, pois embazaram as análises e as discussões realizadas. 5. DISCUSSÕES O Brasil do começo do século XX assistiu, entre tantos outros eventos, a uma busca pela aceitação da capoeira como uma prática, não somente folclórica ou presente nas ruas das principais cidades brasileiras, mas também detentora da possibilidade de trazer saúde, força física e disciplina aos seus praticantes. Buscou-se uma clarificação popular de que a capoeira é componente essencial da cultura brasileira e como tal deveria ser preservada e cultivada, e não banida e taxada como forma de banditismo. Para tanto não há dúvida da importância que teve Mestre Bimba na história dessa prática. Através da análise das transformações sofridas pela capoeira para sua aceitação, podemos observar uma nítida relação de paralelismo histórico entre esta e os Sistemas Ginásticos que desenvolveram-se na Europa um século antes. A visão científica, positivista que deu origem a tais sistemas, também mostrou-se impregnada na nova capoeira. Entre as tantas características em comum podemos citar principalmente a busca por: Especificidade – Em seu desenvolvimento, ambos, a Capoeira Regional e os Sistemas Ginásticos, passaram a fazer uso de um alto nível de detalhamento de suas técnicas. Na Europa, a Ginástica passou a medir milimétricamente os movimentos de seus esportistas registrando cada mudança na força, flexibilidade, velocidade e precisão deles possibilitando a diferenciação entre os diversos movimentos e técnicas disponíveis. A Capoeira Regional passou a fazer o mesmo com seus próprios movimentos. Cada golpe e técnica foi pormenorizada e descrita, fazendo com que todas as variações possíveis passassem a receber 30 uma denominação própria. Dessa forma tornou-se possível o registro detalhado da prática da capoeira desenvolvendo-se manuais cada vez mais precisos a seu respeito. Tanto em um quanto no outro, esse nível de especificidade permitiu com que se alcançasse uma maior padronização e consequentemente maior precisão no estudo e aprimoramento da prática. No brasil, os mais tradicionalistas poderão argumentar que tal nível de especificidade causou a perda da espontaneidade e portanto da subjetividade artística da capoeira num embate entre capoeira esporte e capoeira arte. Metodísmo – Os Sistemas Ginásticos buscaram metodizar suas técnicas e treinamentos e registrar tais métodos de uma forma que seus resultados pudessem ser científicamente comprováveis e passíveis de reprodução futura. Da mesma forma, Mestre Bimba criou sua própria metodologia de ensino e treino sob a forma de suas Sequências. Estas mostraram-se eficientes por serem esquadrinhadas e poderem ser analizadas, medidas e aplicadas por qualquer um que tivesse estudado os golpes e movimentos envolvidos, estes próprios já devidamente descritos e registrados. Eficácia – As Ginásticas européias buscaram aperfeiçoar práticas informais com resultados observáveis para torná-las mais eficientes de uma forma mensurável. Da mesma forma, a criação da Capoeira Regional foi primariamente justificada pelo o argumento da maior eficácia de suas técnicas em relação ao estilo mais antigo. Os novos movimentos – golpes de mão e cintura desprezada –, influências de outras formas de luta européias e orientais, foram introduzidos exatamente com o argumento de tornar a capoeira uma luta mais completa e portanto mais eficiente, preenchendo as lacunas que a Capoeira de Angola supostamente apresentaria. Igualmente, a Capoeira Regional passou a fazer uso dos exercícios ginásticos mais renomados na época para possibilitar um maior condicionamento físico de seus praticantes. Assim, da mesma forma que os Métodos Ginásticos Europeus, a capoeira de Mestre Bimba propôs-se a apresentar uma prática que 31 tinha a proposta de gerar resultados mais rápidos e precisos que sua antecessora, além da possibilidade de contínua evolução. Disciplinação – No século XIX a presença no Brasil do pensamento positivista foi bastante acentuada, tendo seu próprio lema impresso na bandeira nacional. Isso fez com que a busca por disciplina social fosse um tema recorrente. Assim, as práticas físicas européias foram bastante aclamadas pela disciplina militar que a acompanhava e era passada para seus esportistas. A nova capoeira buscou também uma adequação à ordem social, já que, legalizada, passou a não mais resistir às opressões sociais, mas adequar-se a elas. Os críticos da Capoeira Regional porderão argumentar que a capoeira domesticou-se, deixando de ser uma prática de resistência à sistemas autoritários e preconceitos sociais, resumindo-se no máximo a um símbolo desta prática. Os capoeiras não mais eram vistos (ou sequer viam-se) como guerreiros prontos para defenderem-se dos arautos que os acossavam. Legalizada sua prática, tais arautos não eram mais vistos como inimigos da capoeira e dos capoeiras, e estes passaram a comportarem-se como esportistas e atletas, e como tal visavam corpos e dietas saudáveis e um comportamento apropriado. 32 6. CONCLUSÃO Ao final do século XIX e começo do século XX, os Sistemas Ginásticos europeus já haviam instalado-se no ocidente como os principais modelos de treinamento esportivo e prática de exercícios. Sustentava-se que qualquer atividade física, para ter sua prática reconhecida como eficiente, precisaria adequar-se a tal método. Seguindo esta linha de pensamento, muitos foram os que propuseram adequar a capoeira a ele, tendo Mestre Bimba sido bem sucedido em tal empreitada. Assim, é factível afirmar que a Capoeira Regional Baiana foi fruto da influência da cultura corporal sob influência positivista que predominava no começo do século XX no Brasil. A própria Capoeira de Angola teve sua prática transformada, e mesmo os mestres mais conservadores fazem uso de exercícios, alongamentos, aquecimentos e termos advindos da ginástica científica. O questionamento a respeito das vantagens e desvantagens da capoeira criada por Mestre Bimba em comparação à angola tradicional é uma discussão que pesiste ainda hoje entre praticantes de ambos os estilos. Existe ainda muito embate sobre a perda ou não da essência da capoeira quando esta saiu das ruas e deixou-se influenciar pelas culturas da elite (BRUNHS, 2000; REIS, 1997). Hoje tais discussões abrem espaço de atuação para aqueles que tentam resgatar os primórdios culturais desta prática, mas também para a elaboração de artigos científicos sobre a capoeira em diversas áreas de estudo, tanto em áreas das ciências humans quanto na fisiologia, biomecânica e teoria do treinamento. 33 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Paulo Coêlho. Capoeira, novos estudos. Juiz de Fora, MG, Ed. Notas e Letras. 2005. BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Editora Movimento, 184 p. 1991. BRUHNS, Heloisa Turini. Futebol, Carnaval e Capoeira: Entre as Gingas do Corpo Brasileiro. Campinas, SP. Ed. Papirus. 2000. REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio sócio-etinográfico. Salvador, BA, Ed. Itapuã, Coleção Baiana, 1968. REIS, Letícia Vidor de Souza. O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. São Paulo : Publisher. 265 p.1997. REIS JÚNIOR, Dante Flávio da Costa O humano pelo viés quantitativo: um exame do (neo)positivismo em Speridião. Dissertação (mestrado), Universidade Estadual Paulista,Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2003. RIBEIRO JR. João. O que é positivismo. 9ª edição Editora Brasiliense-São Paulo, 1982. SILVA, Gladson de Oliveira. Capoeira: do Engenho à Universidade. São Paulo, SP, 3º edição, 2002. SILVA, João Carlos da. O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim: as propostas do apostolado positivista para a educação brasileira (1870-1930). Tese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, 2008. 34 SIMON, Maria Célia. O Positivismo de Comte in Curso de Filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 4º edição, 254p., 1991. . SOARES, Carmen. L. Imagens da Educação do Corpo Estudo a partir da ginástica francesa do século XIX. Campinas : Autores Associados, 145p. 1998. SOARES, Carmen L. Os Sistemas Ginásticos e a Formação da Educação Física Brasileira. In:VII Congresso Brasileiro de História da Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, 2000, Gramado. Memórias e Descobrimentos: 500 anos de história da educação física, esporte, lazer e dança no Brasil. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Escola de Educação Física, 2000, v. 1. p. 44-52. SOARES, Carlos Eugênio Libano. A Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes do rio de janeiro 1808-1850. 2a edição, Editora da Unicamp, Campinas, SP, 2004. SOARES, Carlos Eugênio Libano. “A negrada Instituição”: Os capoeiras no Rio de Janeiro 1850-1890. Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de Campinas ,Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas, 1993. VIGARELLO, Georges. A invenção da ginástica no século XIX: movimentos novos, corpos novos. Revista Brasileira de Ciência dos Esportes. Campinas, v.25, n. 1, p. 9-20, set. 2003. 35 ____________________________________________ Franz Eric de Goes Cressoni ___________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Carlos José Martins CAPA FOLHA DE ROSTO FICHA CATALOGRÁFICA RESUMO AGRADECIMENTOS ÍNDICE ÍNDICE DE FIGURAS 1. INTRODUÇÃO 2. OBJETIVOS 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4. MÉTODO 5. DISCUSSÕES 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS