Universidade Estadual paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Programa de Pós-graduação em Design Bauru 2017 Lílian Lago Processos e métodos de design no cenário contemporâneo: estudos de caso Universidade Estadual paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Programa de Pós-graduação em Design Bauru 2017 Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Design, no Programa de Pós-Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Bauru, linha de pesquisa de Planejamento de Produto. Orientadora: Profa. Dra. Mônica Cristina de Moura Lílian Lago Processos e métodos de design no cenário contemporâneo: estudos de caso Lago, Lílian Processos e métodos de design no cenário contemporâneo: estudos de caso / Lílian Lago, 2017 170 p.: il. Orientadora: Mônica Cristina de Moura Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2017 1. Design. 2. Processos. 3. Métodos. 4. Metodologia de design. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. AGRADECIMENTOS Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela bolsa de mestrado demanda social. Também agradeço aos meus entrevistados pelo tempo que dedicaram à minha pesquisa para que eu pudesse compreender seus processos projetuais. RESUMO O presente trabalho investiga os processos e métodos de design na contemporaneidade a partir de estudos qualitativos comparativos e analíticos dos processos e métodos instituídos na literatura específica e de estudos de caso sobre as aplicações dos processos, métodos e ferramentas de design em empresas. O método aplicado conta com a pesquisa bibliográfica – revisão de literatura sobre design contemporâneo, processos e métodos – e com a pesquisa de campo a partir de entrevistas semiestruturadas e estudos de caso com empresas pré-selecionadas. Os dados coletados foram inter-relacionados, analisados de forma qualitativa e serviram de base para a construção da análise crítica sobre o mapeamento da constituição dos processos e métodos de design inseridos no cenário contemporâneo. A visualização deste cenário se faz importante no contexto contemporâneo, no qual o processo ganha relevância tanto quanto o produto final. Palavras-chave: design, processos, métodos, metodologia de design, contemporaneidade. ABSTRACT This study investigates processes and methods of design in contemporary times from qualitative comparative and analytical studies about processes and methods of design established in the literature and case studies about the applications of processes, methods and tools of design in companies. The applied method uses literature research – literature review of contemporary processes and methods of design – and the field research from semistructured interviews and case studies with pre-selected companies. The data collected were interrelated, analyzed qualitatively and served as basis for the construction of a critical analysis about the mapping of the constitution of processes and methods of design inserted in the contemporary scenario. Viewing this scenario is important in the contemporary context, where the process becomes relevant as far as the final product. Keywords: design, processes, methods, design methodology, contemporaneity. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Decomposição e composição por Christopher Alexander (1964) 31 Figura 2: Processo de design para Munari 32 Figura 3: Capas das edições 292 a 301 da revista Galileu 38 Figura 4: Páginas internas da Galileu 38 Figura 5: Pôsteres da Galileu das edições 292 a 297 39 Figura 6: Processo projetual de redesign da revista Galileu 40 Figura 7: Processo projetual contínuo da revista Galileu 41 Figura 8: Joia têxtil produzida por Jessica Morillo 42 Figura 9: Processo de design para Bonsiepe (1984) 48 Figura 10: Processo de design para Löbach (2001) 49 Figura 11: Processo de desenvolvimento de produto e suas atividades para Baxter (1998) 53 Figura 12: Relação entre teoria e design – modelo processual de Bomfim (2002) 56 Figura 13: Teoria transdisciplinar do design de Bomfim (2002) 57 Figura 14: Processo de design para Bürdek (2006) 58 Figura 15: Ciclo de vida do produto para Manzini e Vezzoli (2008) 65 Figura 16: Solução de reutilização e de valorização do produto 67 Figura 17: Processo de design de um sistema produto-serviço para Vezzoli (2010) 70 Figura 18: Diagrama de Polaridade 72 Figura 19: Mapa do Sistema 73 Figura 20: Storyspot do sistema produto-serviço 74 Figura 21: Outputs e processos 77 Figura 22: Motivações e expertises 77 Figura 23: Modelo de processo de desenvolvimento de produtos via crowd- design 82 Figura 24: Quadro sintético das estruturas do metaprojeto 83 Figura 25: Quadro sintético das relações circum-adjacentes do metaprojeto 84 Figura 26: Os três espaços para inovação de Brown 87 Figura 27: Configuração do modelo GODP com o Design Universal 93 Figura 28: Questionário síntese dos sete princípios do Design Universal 94 Figura 29: Modelos dos processos artesanal, industrial e automake 97 Figura 30: Visão moderna dos papéis do designer, do cliente e do usuário 98 Figura 31: Visão contemporânea dos papéis do designer, do cliente e do usuário 98 Figura 32: Procedimentos metodológicos da pesquisa 105 Figura 33: Processos e métodos instituídos na literatura abordados na pesquisa incluindo o ano de lançamento da 1ª edição no país de origem e o ano de lançamento no Brasil quando distintos 106 Figura 34: Processo de design de uma coleção da Empresa A 112 Figura 35: Processo de design de figurinos da Empresa A 113 Figura 36: Processo de design de vestidos de noiva e festa da Empresa A 114 Figura 37: Processo de design de transformação de peças da Empresa A 115 Figura 38: Processo projetual do serviço de projeto de interiores da empresa B 121 Figura 39: Processo projetual do serviço de consultoria da empresa B 122 Figura 40: Processo de design da empresa C 126 Figura 41: Processo projetual de desenvolvimento de estampas para terceiros da empresa D 131 Figura 42: Processo projetual de desenvolvimento de cursos livres da empresa D 132 Figura 43: Modelo de referência unificado para PDP de Rozenfeld et al. (2006) 135 Figura 44: Áreas da Empresa E e suas responsabilidades em nível macro 136 Figura 45: Princípios do PDP da empresa E 136 Figura 46: Processo de desenvolvimento de produtos da empresa E 138 Figura 47: PDP da empresa E mapeado 139 Figura 48: Envolvidos e responsáveis pelo PDP da empresa E 140 Figura 49: Processo de design da empresa F 145 Figura 50: Processo de design da empresa G 149 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Processo projetual, divisões e características segundo os principais autores a respeito da metodologia do projeto 26 Quadro 2: Diferenciação dos termos: metodologia, método, modelo, técnica e ferramenta 28 Quadro 3: A classificação dos processos de design para Bonsiepe (1984) 34 Quadro 4: Síntese do novo projeto gráfico da revista Galileu 37 Quadro 5: Fases de um projeto de design para Löbach (2001) 50 Quadro 6: Processo de desenvolvimento do produto para Baxter (1998) 52 Quadro 7: Método do Design de Sistemas para a Sustentabilidade de Vezzoli (2010) 70 Quadro 8: Iniciativas emergentes de design e guias de projeto de Manzini (2014) 78 Quadro 9: As cinco fases de construção do conhecimento 88 Quadro 10: Métodos de produção do conhecimento 89 Quadro 11: Quadro comparativo entre a gestão do conhecimento, o pensamento do designer e o processo de design considerando as ferramentas e habilidades utilizadas em cada espaço 90 Quadro 12: Perfil das empresas entrevistadas 108 Quadro 13: Características contemporâneas identificadas nas empresas entrevistadas 151 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Cumputer Aided Design Computer Numeric Control Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Center for Universal Design Ciclo de vida do produto Desenvolvimento integrado de produtos Desenvolvimento de novos produtos Design Universal Escola Superior de Desenho Industrial Fused Deposition Modeling Federação das Indústria do Estado do Rio de Janeiro Forest Stewardship Council Guia de orientação para o desenvolvimento de projetos Human Centered Design International Council of Societies of Industrial Design European Research Cluster on the Internet of Things Internet of everything Internet of thing International Organization for Standardization Life Cycle Assessment Life Cycle Design Learning Network on Sustainability Methodology for Product Service System Methodology for System Design for Sustainability Non-intentional design Organization for Economic Cooperation and Development Organização das Nações Unidas Pesquisa e desenvolvimento Processo de desenvolvimento de produtos Project Management Body of Knowlegde Programa de Ação Cultural da Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo Product Service System Sustainability Design-Orienting Toolkit Stereolithography Apparatus Society for News Design BNDES CAD CNC CNPq CUD CVP DIP DNP DU ESDI FDM FIRJAN FSC GODP HCD ICSID IERC IoE IoT ISO LCA LCD LeNS MEPPS MSDS NID OECD ONU P&D PDP PMBOK ProAC PSS SDO SLA SND Society of Publication Designers Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Tecnologias da informação e comunicação United Nations Conference on Trade and Development United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization SPD TCLE TIC UNCTAD UNESCO SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 21 2 REVISÃO DE LITERATURA 25 2.1 O significado dos termos processo, método e metodologia 25 2.2 A trajetória da metodologia de design 29 2.3 A classificação dos processos de design 34 2.3.1 Revista Galileu 36 2.4 Processo, método e metodologia de design 41 2.4.1 Jessica Morillo 44 2.5 Processos e métodos tradicionais 45 2.5.1 Modelo de Bonsiepe 46 2.5.2 Modelo de Löbach 49 2.5.3 Modelo de Baxter 51 2.6 Processos e métodos de transição entre o moderno e o contemporâneo 54 2.6.1 Modelo de Bomfim 55 2.6.2 Modelo de Bürdek 57 2.7 Processos e métodos contemporâneos 60 2.7.1 Modelo de processo de design para sustentabilidade 64 2.7.2 Modelo de processo de design de sistemas produto-serviço 68 2.7.3 Modelo de processo de design para inovação social e crowd-design 75 2.7.4 Metaprojeto 83 2.7.5 Modelo de processo de design com abordagem de design thinking 85 2.7.6 Modelo de processo de design com ênfase no design universal 91 2.7.7 Modelo de processo de open design 95 2.8 Análise comparativa dos processos e métodos 99 3 MATERIAIS E MÉTODOS 105 3.1 Procedimentos metodológicos 105 3.2 Pesquisa de campo 107 4 RESULTADOS 109 4.1 Empresa A 109 4.2 Empresa B 118 4.3 Empresa C 124 4.4 Empresa D 128 4.5 Empresa E 134 4.6 Empresa F 143 4.7 Empresa G 145 4.8 Análise crítica 147 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 159 APÊNDICE A 169 21 1 INTRODUÇÃO O design surgiu como atividade profissional, no período moderno, com a tarefa de solucionar problemas físicos e mecânicos dos projetos de produtos e adequá-los ao processo produtivo industrial. A doutrina projetual vigente era o funcionalismo, em que os aspectos semânticos e as dimensões estética e psicológica dos artefatos eram pouco explorados. O design nasceu como uma área do conhecimento na inter-relação com a arte, tecnologias, arquitetura e engenharia e que também se apropriou dos repertórios das ciências humanas e sociais, da ergonomia, entre outras áreas. A conjunção de informações advindas dessas áreas auxiliou a compor as bases teóricas e práticas do design. No período moderno, a prática projetual era vista como um processo decisório e de resolução de problemas por meio de procedimentos considerados objetivos e seguros. Os aspectos técnicos eram mais bem considerados do que os aspectos semânticos. O desenvolvimento da metodologia de design tem origem nos anos 1960, especialmente na Escola de Design de Ulm, devido à realidade vivenciada pelos designers nas indústrias. Com a queda do paradigma moderno, o design enfrentou um período de mudanças e passou a questionar seu escopo de atuação e contribuição para o bem-estar social. Uma nova organização exige novos métodos projetuais, novos métodos de ensino, novos conhecimentos para atender às novas demandas. O crescente volume de informações, os problemas cada vez mais transversais e multidimensionais, o hibridismo das linguagens e as interações entre o tangível e o intangível tornam o cenário complexo para ser atendido pelas mesmas práticas modernistas. O crescente desperdício de recursos naturais, a alta produção de detritos e o aumento da desigualdade social são exemplos de fenômenos econômicos, com graves consequências ecológicas, e que devem ser analisados e combatidos. O raciocínio reflexivo e analítico se faz necessário no cotidiano de designers e estudantes de design que projetam produtos, sistemas e serviços a partir dos recursos e competências de um território. Na contemporaneidade, especialmente devido à diluição e ao rompimento de fronteiras entre áreas e segmentos, torna-se muito importante o estudo a respeito dos processos e métodos já desenvolvidos. O processo ganhou lugar de destaque, no qual não importa somente o resultado final do produto, mas também seu processo, fato que gera maior valor e cria uma rede de significados do produto que vão além dos materiais, das formas e tecnologias empregadas, do estilo abordado. Passa a ter mais destaque a ação do designer, expressa pelo processo de criação e produção, gerando a ampliação da significação do objeto desenvolvido. O design contemporâneo volta-se para o simbólico, para o significado dos produtos e coloca o ser humano no centro do projeto. Na busca pela significação, o usuário passa a ser estudado a partir de uma visão holística, para que se possa entendê-lo como sujeito 22 Introdução e ser social. O pensamento projetual precisa, então, ser mais amplo e consistente que o moderno. Diante desses aspectos, a questão de pesquisa abordada nesta investigação foi: quais são as características dos processos e métodos de design praticados no cenário contemporâneo? Esta pesquisa partiu da hipótese de que os processos e métodos contemporâneos são caracterizados pela hibridização entre a literatura específica e a aplicação nas empresas. Consequentemente, o objetivo geral deste trabalho foi investigar os processos e métodos de design na contemporaneidade a partir de estudos qualitativos, análise e cruzamento de dados entre os processos e métodos instituídos na literatura específica e os estudos de caso sobre as aplicações dos processos, métodos e ferramentas de design em empresas. Os objetivos específicos foram: levantar as principais características do design brasileiro contemporâneo; pesquisar os principais processos e métodos de design instituídos na literatura específica; investigar as aplicações dos processos, métodos e ferramentas de design em empresas; construir uma análise crítica e reflexiva a partir do mapeamento da constituição dos processos e métodos de design instituídos e aplicados no cenário contemporâneo e indicar a existência de processos e métodos contemporâneos de design, bem como algumas de suas características. A intenção da pesquisa não esteve apenas no levantamento dos processos e métodos praticados no design contemporâneo, mas também na compreensão de cada um e na análise crítica que foi construída. O design contemporâneo se abre em várias vertentes, tais como: o design para sustentabilidade, o design colaborativo, o metaprojeto, o design thinking, o design universal e o open design. Parte dessas vertentes se contrapõe às teorias funcionalistas do período moderno solidificadas na metodologia projetual clássica. Portanto, os processos e métodos contemporâneos de design foram mapeados e analisados de forma crítica, identificando suas características a fim de contribuir para o exercício projetual dos designers, provendo informações e instigando reflexões sobre sua atividade. Os materiais utilizados para esta pesquisa foram livros, teses, dissertações, artigos de periódicos, anais de eventos, relatórios, sites, revistas, arquivos institucionais, gravações de áudio relacionados aos estudos em desenvolvimento, um computador com acesso à internet e softwares de edição de texto e de imagem. A pesquisa tem abordagem qualitativa e seus procedimentos metodológicos consistiram em: revisão de literatura, pesquisa documental e pesquisa de campo. A revisão de literatura ampliou os conhecimentos sobre o domínio da metodologia de design e apresentou processos e métodos projetuais instituídos na literatura específica que foram arbitrariamente selecionados pela pesquisadora para serem estudados. A pesquisa de campo contou com a realização de entrevistas, previamente formuladas e semiestruturadas, com sete empresas selecionadas arbitrariamente pela pesquisadora a fim de investigar as aplicações dos processos, métodos e ferramentas de design, dando 23Introdução origem a sete estudos de caso. A pesquisa documental atuou dentro da revisão de literatura e da pesquisa de campo, servindo como suporte a estas por meio da consulta a sites, relatórios e arquivos institucionais provenientes do acervo das empresas. Após a realização dos procedimentos descritos acima, os dados coletados foram inter- relacionados, analisados de forma qualitativa e serviram de base para a construção da análise crítica sobre o mapeamento da constituição dos processos e métodos de design inseridos no cenário contemporâneo. Esta dissertação está organizada em cinco capítulos, sendo o primeiro esta introdução sobre o trabalho. O segundo capítulo apresenta a revisão de literatura sobre o universo da metodologia de design e os processos e métodos projetuais instituídos na literatura específica e selecionados para estudo. O terceiro capítulo apresenta os procedimentos metodológicos da pesquisa. O quarto capítulo discute os resultados obtidos por meio da análise e do cruzamento de dados entre os processos e métodos instituídos na literatura específica e os estudos de caso sobre as aplicações dos processos, métodos e ferramentas de design em empresas em diferentes segmentos de atuação (design de moda, design de interiores, design de produto, design gráfico, design de superfície, design editorial, estratégia e inovação). O quinto e último capítulo discorre sobre a conclusão desta pesquisa frente aos seus objetivos e sua hipótese inicial. 25 2 REVISÃO DE LITERATURA O procedimento de revisão de literatura teve duas grandes funções nesta pesquisa: ampliar os conhecimentos sobre o domínio da metodologia de design e apresentar processos e métodos projetuais instituídos na literatura específica que foram arbitrariamente selecionados pela pesquisadora para serem analisados: alguns tradicionais e típicos do modernismo e funcionalismo, alguns característicos da transição entre os períodos moderno e pós-moderno e outros oriundos da contemporaneidade. Vale destacar que a categorização dos processos não deve ser vista de forma rígida, pois, dependendo da perspectiva, o leitor poderá, por exemplo, considerar processos aqui descritos como tradicionais como transitórios e vice-versa, e processos contemporânes como transitórios e vice-versa. 2.1 O significado dos termos processo, método e metodologia Os termos “processo”, “método” e “metodologia” costumam ter seus significados confundidos em várias áreas do conhecimento, inclusive no design. O dicionário Michaelis (2009, n.p.) apresenta alguns significados pertinentes à discussão sobre esses termos. A palavra “processo” pode ser definida como uma “série de ações sistemáticas visando a um certo resultado”, “ação ou operação contínua ou série de ações que ocorrem de uma maneira determinada”. “Método” pode ser definido como “conjunto dos meios dispostos convenientemente para alcançar um fim e especialmente para chegar a um conhecimento científico ou comunicá-lo aos outros”, “ordem ou sistema que se segue no estudo ou no ensino de qualquer disciplina”, “maneira de fazer as coisas; modo de proceder”. E por fim, a palavra “metodologia” pode ser definida como “estudo científico dos métodos”. Segundo Coelho (1999, p. 43), o processo representa a organização lógica do sistema, é a “base estrutural dos métodos desenvolvidos em determinado projeto”. Ainda para o autor, o processo envolve “a noção de evolução dentro de um sistema, através da passagem por etapas sucessivas, que correspondem a mudanças, estados no sistema” (Ibidem, p. 45). Para van der Linden e Lacerda (2012), o processo projetual não engloba apenas a realização de tarefas, mas também processos criativos de resolução de problemas. Pazmino (2015) define o processo de desenvolvimento de produtos como um conjunto de ações responsável por criar um produto adequado, que atenda a fatores tecnológicos, ergonômicos, funcionais, entre outros, para sanar uma necessidade ou problema de determinado nicho de usuários e explica que os processos de design são compostos por fases que, por sua vez, são compostas por etapas. A autora nomeia essas fases, de forma geral, como Planejamento, Análise, Síntese e Criatividade, devido às características intrínsecas a elas. 26 Revisão de literatura Pazmino (2015) explica que os autores Jones (1978), Bomfim (1995), Baxter (2000) e Cross (2008), estudiosos da metodologia do projeto, propõem métodos, técnicas e ferramentas para desenvolver e solucionar a demanda de cada uma dessas fases (Quadro 1). Quadro 1: Processo projetual, divisões e características segundo os principais autores a respeito da metodologia do projeto Autores Jones Bomfim Baxter Cross Estratégias pré- fabricadas Controle de estratégia Métodos de exploração Métodos de investigação de ideias Métodos de exploração da estrutura do problema Métodos de avaliação Processo projetual Técnicas de exploração do processo criativo Técnicas de exploração do processo lógico Técnicas de avaliação Técnicas de controle de tempo Métodos para explorar situações de design Métodos de procura de ideias Métodos de exploração da estrutura do problema Métodos de avaliação Ferramentas para estimular ideias Ferramentas para analisar problemas Ferramentas para estruturar atividades Autores Jones Bomfim Baxter Cross Estratégias pré- fabricadas Controle de estratégia Métodos de exploração Métodos de investigação de ideias Métodos de exploração da estrutura do problema Métodos de avaliação Processo projetual Técnicas de exploração do processo criativo Técnicas de exploração do processo lógico Técnicas de avaliação Técnicas de controle de tempo Métodos para explorar situações de design Métodos de procura de ideias Métodos de exploração da estrutura do problema Métodos de avaliação Ferramentas para estimular ideias Ferramentas para analisar problemas Ferramentas para estruturar atividades Características de cada fase dos processos projetuais apontadas de acordo com a legenda a seguir: Planejamento Análise Síntese Criatividade Fonte: elaborado pela autora com base em Pazmino (2015, p. 15) Pazmino (2015) aponta que a função do método é servir de caminho para se atingir uma finalidade. Ele pode ser compreendido como um composto de variadas técnicas que incluem instrumentos de planejamento, coleta, análise e síntese. “O método pressupõe sistemática de trabalho, organização e rigor no desenvolvimento do processo, podendo 27Revisão de literatura representar os passos aplicados no processo de design, ou seja, o ato concreto da realização e caminho” (Ibidem, p. 11). Para ela, os métodos podem ser ensinados e aprendidos por serem procedimentos comunicáveis e que podem ser repetidos. Desta forma, os métodos devem ser conhecidos e treinados durante o ensino do design, principalmente, para que o designer saiba quais métodos aplicar em cada caso que tiver em mãos. A origem dos métodos utilizados no design é variada, desde adaptações de outras disciplinas, tais como administração, engenharia, biologia, entre outras, até as técnicas informais pertencentes à rotina do designer. Para a autora, o método expande o problema de design e a busca de soluções para este, pois estimula o pensamento além da primeira solução vinda à mente do designer. Coelho (1999, p. 49) afirma que a noção de método “envolve aspectos de concepção e criatividade de uma fase concreta do trabalho”. Já Bomfim (2014b, p. 41) caracteriza os métodos como “modelos matemáticos ou linguísticos de algo mais complexo” que cumprem o papel de outro elemento para torná-lo mais operacional e simples, como relatos descritivos ou prescritivos que têm como intuito modelar a realidade. Cipiniuk e Portinari (2006, p. 17) definem os métodos como um “conjunto de procedimentos racionais, explícitos e sistemáticos, postos em prática para se alcançar enunciados e resultados teóricos ou concretos ditos verdadeiros, de acordo com algum critério que se estabeleça como Verdade”. Assim, o método consolidou-se como “caminho para se chegar a um fim”, um “conjunto de ações com as quais se pretende atingir um objetivo”, a “aplicação sistemática de protocolos e técnicas”, ou seja, uma série de operações a serem realizadas a fim de evitar erros (Ibidem, p. 17). Joan Costa, no prólogo de Fuentes (2006), afirma enxergar os métodos como linhas-guia em direção a um objetivo, ou seja, são critérios que auxiliam a optar pelo melhor caminho. Portanto, o designer deve escolher uma maneira, entre as possibilidades disponíveis, para desenvolver e seguir a fim de atingir seu objetivo projetual sem se perder por caminhos laterais. Coelho (1999, p. 44) afirma que o “método é o conhecimento, enquanto técnica é conhecimento aliado à prática. O método, finalmente, é compreendido dentro de um processo e se expressa através da técnica”. Farah (2012, p. 57) argumenta que o “método está atrelado à técnica, que é o instrumento que o apoia na busca do resultado desejado: informação, invenção, tecnologia, etc.”, pois a técnica “é o processo prático que norteia a investigação”. Costa (apud FUENTES, 2006) cita a confusão entre os termos método e técnica. Para ele, os métodos têm como utilidade a estratégia de pensar e planejar, enquanto as técnicas são responsáveis pelo fazer no sentido prático. Para Pazmino (2015), métodos e técnicas são responsáveis pelo desenvolvimento interno de cada etapa do processo projetual. Já o termo metodologia, muito utilizado no lugar dos termos processo e método, para Cipiniuk e Portinari (2006), é a área dedicada ao estudo – criação, análise ou descrição – dos métodos científicos. Para Farah (2012, p. 53), a metodologia pode ser descrita como: 28 Revisão de literatura [...] o estudo dos métodos ou os estágios a seguir num determinado processo, cujo objetivo consiste na apreensão e análise das características dos vários métodos disponíveis, estimar suas competências, qualidades, entraves ou distorções e criticar os propósitos ou as consequências da sua aplicação. Outra definição do termo metodologia para a autora é a “explicação meticulosa e precisa de todo o percurso da pesquisa e do desenvolvimento do produto final a que se destina e pode ser dividida em vários métodos até atingir um determinado objetivo” (Ibidem, p. 53). Seguindo essa linha de raciocínio, Freitas, Coutinho e Waechter (2013) propõem a metodologia projetual como um conjunto de procedimentos para o desenvolvimento de um artefato. Neste conjunto, estão inclusos os métodos, as técnicas e as ferramentas empregadas na realização dessa ação. Para facilitar o desenvolvimento desta pesquisa, o quadro a seguir sintetiza o significado dos termos “metodologia”, “método” e “processo”, que serão aplicados nas discussões a seguir (Quadro 2). Quadro 2: Diferenciação dos termos: metodologia, método, modelo, técnica e ferramenta Metodologia de design: ciências ou estudo dos métodos empregados no design. Método de design: conjunto de procedimentos que visam atingir um objetivo de projeto. Modelo de processo de projeto: esquema da sequência das operações, ou encadeamento de fases e etapas de um projeto. Técnica de projeto: meios auxiliares para solução de problemas não se apresentam necessariamente de forma instrumental. Ferramentas de projeto: instrumentos físicos ou conceituais que se apresentam como tabelas, matrizes são recursos que controlam inputs para obter outputs. Fonte: Pazmino (2015, p. 12) Coelho (1999) atenta para que etapas metodológicas de determinado modelo de processo projetual não sejam interpretadas como método, assim como se deve combater a noção de método único. O autor, inclusive, assume dar preferência para o termo “procedimentos metodológicos” no lugar do termo “método”. Dentro de cada etapa do processo cabe um ou mais métodos específicos, que não devem ser, em princípio, tomados como etapas metodológicas necessárias. Na realidade, muito embora se fale aqui em opção tanto no caso de processo quanto no de método, sabe-se haver exemplos em que tanto as etapas de um processo quanto os procedimentos metodológicos constituem fases necessárias, o que não nos parece ser o caso mais comum em nossa área de conhecimento (Ibidem, p. 44). 29Revisão de literatura Jovens designers já devem ter ciência de que há inúmeros métodos disponíveis na literatura justamente para lidar com a diversidade de problemas a serem solucionados por meio do design. Não há um método que atenda a todo tipo de projeto. A construção de um repertório metodológico está diretamente ligada à formação do designer. Esse repertório é que irá guiar o designer para escolha, ou até adaptação, dos métodos ideais para determinado projeto que se tenha em mãos. 2.2 A trajetória da metodologia de design O design industrial moderno ligava-se diretamente ao funcionalismo, doutrina projetual que pregava pela “utilidade como determinante da forma” (BONSIEPE, 2011, p. 170). Löbach (2001) afirma que o funcionalismo, tão característico do período moderno, tratava as funções práticas dos objetos como determinantes para sua aparência. Para tanto, as características consideradas supérfluas deveriam ser eliminadas do projeto a fim de otimizar a produção industrial, assim como se deve utilizar princípios construtivos técnicos-físicos e técnico-econômicos, gastar o mínimo para render o máximo e descartar as influências emocionais da configuração dos produtos. A metodologia projetual nasceu, assim como o design, no período moderno. Para van der Linden e Lacerda (2012), até a Segunda Guerra Mundial, a noção de método em design esteve basicamente restrita ao desenho em escala de artefatos, habitações e cidades. Cipinuik e Portinari (2006) apontam que, a partir da década de 1950, a adoção de métodos científicos na área do design ganha espaço devido ao crescimento dos problemas inseridos em um projeto e de sua complexidade; o alto número de informações disponíveis criadas por empresas, institutos de pesquisa, entre outros; a automação e precisão dos processos industriais; o desenvolvimento de novos materiais; o surgimento da legislação de defesa do consumidor; a delimitação do campo de atuação do designer, diferenciando-o de outras atividades como o artesanato e as artes; entre outras causas. Bonsiepe (2011) afirma que as tentativas de modelar o processo projetual adotando procedimentos científicos se apoiavam na teoria da tomada de decisões, da solução de problemas e da inteligência artificial, estas vindas das práticas das ciências exatas, vigentes naquele período. Por isso, van der Linden e Lacerda (2012) apontam a divisão do processo projetual em passos bem definidos como um dos pilares da metodologia projetual entre as décadas de 1950 e 1960. Os primeiros modelos projetuais eram objetivos, lineares e estavam inseridos em cenários estáticos e de fácil decodificação. Moraes (2010a, p. 17) descreve os fatores objetivos intrínsecos ao projeto moderno: [...] a delimitação precisa do mercado e do consumidor, o briefing, o custo e o preço do produto, os possíveis materiais a serem utilizados (sempre visando o custo), as referências da ergonomia antropométrica, a viabilidade da produção fabril e uma estética tendendo para o equilíbrio e a neutralidade. 30 Revisão de literatura Para van der Linden e Lacerda (2012), boa parte dos primeiros modelos de processo permitiam retornos e retroalimentações, no entanto, estes eram vistos como um problema, uma possibilidade de rever inconsistências e deficiências no processo de projeto. Bürdek (2006) destaca o importante papel da Escola de Design de Ulm (Hochschule für Gestaltung Ulm) no desenvolvimento da metodologia projetual. A escola abordava diversas disciplinas científicas e métodos, conhecida como a fase da “cientifização das atividades de projeto”, representada por Tomás Maldonado e Gui Bonsiepe ( , p. 254). Para o autor, o esforço da Escola de Ulm em discutir e desenvolver uma metodologia projetual fez com o design se tornasse [...] quase que pela primeira vez ensinável, aprendível e com isto comunicável. O contínuo e constante significado da metodologia do design para o ensino é hoje a contribuição para o aprendizado da lógica e sistemática do pensamento. Ela tem muito menos o caráter de uma receita de uma patente – um mal-entendido que durou muito tempo – e muito mais um significado didático” (Ibidem, p. 225). A escola de Design de Ulm contou com professores importantes para tratar da metodologia projetual de design, tais como Walter Zeischegg, Horst Rittel, Herbert Lindinger e Gui Bonsiepe. Alguns dos princípios projetuais trabalhados eram o pensamento sistemático sobre a problematização, a modularidade, a construção de modelos e técnicas de representação, o design de sistemas, os métodos de análise e síntese, chegando até aos métodos matemáticos de cunho geométrico liderados pelo pensamento cartesiano. O objetivo de ensino e prática do design era projetar formas “fortes e construtivas” a partir das ciências da natureza, especialmente a matemática, sempre controlando o processo de configuração. Apesar da visão cartesiana, o autor afirma que fatores culturais eram levados em conta, assim como aqueles funcionais, tecnológicos e econômicos. A rejeição concentrava-se nos projetos de arte aplicada ou de luxo. O objetivo era projetar aparelhos, máquinas, instrumentos, suportes para a comunicação de massa, embalagens, dispositivos publicitários e sistemas de sinalização. Bürdek (2006) ainda destaca o trabalho de Christopher Alexander em Notes on the Synthesis of Form (1964), um dos primeiros pesquisadores da metodologia de projeto da época. Alexander (1964) é influenciado pelo racionalismo e pelo pensamento cartesiano, ambos influentes até a década de 1970. Conway (1968) descreve que, para Alexander (1964), o bom design é definido pela ausência de falhas e pode ser medido por uma série de variáveis de desajuste que podem ser quantitativas ou qualitativas. Para ele, problemas complexos devem ser divididos de forma dedutiva em subproblemas, partes menores que possam ser analisadas e resolvidas dentro de suas esferas menores que o problema total, assim como ele propõe em seu método (Figura 1). 31Revisão de literatura Programa que consiste em conjuntos Realização que consiste em diagramas Figura 1: Decomposição e composição por Christopher Alexander (1964) Fonte: Bürdek (2006, p. 253), tradução da autora Bürdek (2006) explica que o método de Alexander (1964) se popularizou na década de 1970, chegando até a tentativa de utilização de processamento eletrônico de dados, uma ideia que não pôde seguir adiante por seu alto custo. Todavia, o método foi utilizado por diversos segmentos do design industrial até os anos 1990, quando o contexto passou a exigir novos processos e métodos. Assim como Christopher Alexander, van der Linden e Lacerda (2012) citam outros autores que se tornaram referência em metodologia projetual no período funcionalista: Gui Bonsiepe, Petra Kellner e Holger Poessnecker (1984) e Gustavo Amarante Bomfim, Lia Monica Rossi e Klaus Dieter Nagel (1977). O período pode ser descrito como a era da “metodolatria, pois se acreditava que seria possível explicitar, quantificar e avaliar matematicamente toda operação de um projeto” (CIPINUIK; PORTINARI, 2006, p. 31). Os modelos de processo faziam uso do princípio de decomposição do problema em subproblemas, estratégia efetiva no período funcionalista que, no entanto, passou a ter sua efetividade questionada ao final dos anos 1970, devido às mudanças no cenário filosófico e socioeconômico. Bürdek (2006) destaca a percepção dos problemas sensoriais em relação ao projeto. O autor afirma que “problemas sensoriais passam cada vez mais a ter importância no design: o que nos faz questionar cada vez menos sob o ponto de vista metodológico como se deve projetar produtos, mas muito mais que produtos devem ser projetados em geral” (Ibidem, p. 225). O designer, então, percebe que a complexidade do cenário não pode ser trabalhada individualmente, e a teoria dos sistemas desponta como alternativa, pois “quando se procura, baseado nos pensamentos de Niklas Luhmann1, se pensar o design sistematicamente, quer dizer de forma integral e em rede” (Ibidem, p. 225). Em 1981, Bruno Munari lança o livro Da cosa nasce cosa. Essa obra tem a primeira edição brasileira datada em 1998 e a segunda edição, em 2008. Munari (2008) é uma das referências 1 Niklas Luhmann foi um sociólogo alemão adepto da teoria do pensamento sistêmico, que contrapõe o pensamento reducionista. Melo Junior (2013, p. 178) descreve um dos pontos fundamentais da teoria de Luhmann: “ao tempo em que os subsistemas sociais constituem entornos uns para os outros, a estrutura de relações entre eles define a própria forma como a sociedade organiza suas comunicações. E o aumento da complexidade sistêmica é o elemento que promove a diferenciação da sociedade. Com isso, tem-se agora não a relação sistema-entorno, mas a relação sistema-sistema”. 32 Revisão de literatura mais populares em metodologia do projeto nas escolas de design. Para ele, o objetivo do método é “atingir o melhor resultado com o menor esforço”, portanto, é necessário dispor uma série de operações em ordem lógica para tal (Ibidem, p. 10). O autor afirma não ser possível projetar sem um método, sem pesquisar previamente produtos desenvolvidos de forma semelhante, materiais disponíveis e sem a exata função do produto definida. Sua grande referência em método é René Descartes, o que é perceptível em sua abordagem racionalista e simplificada. Apesar de Munari (2008) nomear sua proposta como método, ela se encaixa melhor na categoria de modelo de processo de design. Seu modelo de processo é explicado por meio de uma receita de arroz, utilizando todo o passo a passo típico de receitas culinárias. Ele propõe um processo dividido em 12 etapas, partindo de um problema, segue decompondo o problema em partes, coletando dados sobre estas, exercitando a criatividade, pesquisando materiais e tecnologias, desenhando e prototipando até que se alcance uma solução para o problema de design inicial – uma sequência linear e contínua (Figura 2). Para ele, o processo de design não é fixo e definitivo, mas sim flexível e passível de melhorias. Todavia ele pede que as fases sejam realizadas respeitando a ordem indicada. Figura 2: Processo de design para Munari Fonte: Munari (2008, p. 55) 33Revisão de literatura Munari (2008) tem seus méritos como referência didática nas escolas de design, no entanto, a racionalidade e a linearidade de seu modelo não condizem com grande parte dos problemas de design a serem solucionados ou com as novas oportunidades que o design pode criar neste momento. De acordo com van der Linden e Lacerda (2012), o período funcionalista buscou propor um modelo geral de processo de design. Entretanto, para os autores, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelo desagrado de parte da comunidade de design sobre os conceitos de racionalismo, boa forma, forma e função e estilo internacional. O discurso ambiental entra em cena e com fortes críticas ao design e sua produção. O design divide-se em novas vertentes, dentre elas, uma voltada ao consumo desenfreado e outra que busca o desenvolvimento sustentável. Com o esgotamento da doutrina racionalista e a integração com outras disciplinas não projetuais, a pesquisa sobre métodos específicos para fases, etapas e atividades de projeto ganhou espaço e ampliou o repertório dos designers. Ainda conforme van der Linden e Lacerda (2012), o estudo do processo projetual não foi posto de lado em detrimento ao estudo de novos métodos, visto que “os modelos de desenvolvimento de produtos não são adequados para descrever todas as situações” (Ibidem, p. 116). Para van der Linden e Lacerda (2012), os princípios cartesianos ainda são válidos para determinados contextos, apesar de não atenderem inteiramente os desafios contemporâneos, como a sustentabilidade e a inclusão social, diante do avanço das tecnologias e do mercado, levando a perspectiva de projeto à necessidade de extrapolar as fronteiras do desenho dentro da indústria. Bürdek (2006) caracteriza a década de 1980 como uma transição dos métodos orientados, em sua maioria, dedutivamente, de fora para dentro, para um novo design mais indutivo, que levanta questionamentos a respeito do grupo específico para determinado projeto que deve ser colocado no mercado. Celaschi e Moraes (2013) apontam que o âmbito dos projetos passa de tecnicista e linear para desconhecido, complexo, recheado de atributos intangíveis e imateriais, levando o design a interagir de forma transversal com outras disciplinas menos objetivas e exatas. Outro fator de mudança consiste no aprofundamento da questão ambiental. Em um primeiro momento, a prática adotada foi a de remediar os danos já causados, depois, prevenir e controlar a poluição e, por último, a fase atual, buscar modelos de consumo sustentáveis. No que tange ao âmbito projetual, esse conceito de modelo sustentável se desdobra por meio do hábito de prever, de forma sistêmica e antecipada, ainda durante as etapas de geração das alternativas projetuais, coordenadas e linhas-guia que promoveriam uma relação desejável entre projeto, produção e o fim de vida do produto prevendo, por consequência, sua reutilização e reciclagem, ou seja: projetar o ciclo de vida inteiro do produto (Ibidem, p. 51-52). 34 Revisão de literatura Para van der Linden e Lacerda (2012), o conceito de projeto amplia-se, novos métodos para a gestão do desenvolvimento de produtos surgem para melhor integrar equipes, minimizando erros, aprimorando o tempo de tomada de decisões e antecipando lançamentos no mercado. De acordo com Moraes (2010a, p. 19), [...] as formas e os modos de produção tornam-se cada vez mais híbridos e transversais, fazendo com que a metodologia tenha de deixar de exercer um papel específico e pontual, dentro da esfera do projeto, passando a uma relação mais flexível e adaptável de visão mais circunscrita e holística dentro da cultura do projeto. A contemporaneidade apresenta-se em um cenário complexo, imprevisível, que não consegue mais sustentar o estilo de vida moderno de abundância de recursos, progresso acelerado, consumo descontrolado e sem nenhuma consciência social ou educação ambiental. Desta forma, são necessários novos modelos de processos de design e métodos que saibam lidar com a complexidade desse cenário. 2.3 A classificação dos processos de design Bonsiepe (1984) propõe uma classificação para os processos de design e os divide de acordo com sua macroestrutura: os lineares, que trabalham de forma sequencial; os de feedback, que contam com possibilidade de retorno entre determinadas etapas; os circulares, que trabalham em um formato espiral; e, por fim, aqueles que permitem flexibilidade entre as etapas (Quadro 3). Quadro 3: A classificação dos processos de design para Bonsiepe (1984) Processo linear Processo com feedback 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7 35Revisão de literatura Processo circular Processo com flexibilidade entre etapas Fonte: elaborado pela autora com base em Bonsiepe (1984) O processo de projeto pode ser caracterizado como “uma atividade criativa e exploratória de resolução de problemas, tipo análise – síntese – avaliação, com foco na solução” (REYES, 2012, p. 92). Para o autor, o processo é sistêmico, variando entre movimentos constantes entre o problema e a solução, sendo, na maior parte das vezes, errático e não linear, pois o projeto pode ser pensado como um processo que está sendo tensionado por ações alheias a ele mesmo. Krucken (2008) considera que a evolução do design, antes centrado exclusivamente no projeto de produtos físicos, para um escopo mais amplo em direção a uma perspectiva sistêmica se deve à globalização e aos avanços da tecnologia de informação e comunicação, que, por sua vez, levam à crescente materialização dos produtos, à “desterritorialização” da produção e à “virtualização” das relações. Tais fenômenos, somados às exigências do desenvolvimento e consumo sustentáveis, demandam flexibilidade nos projetos de design. Para a autora, a atuação do designer na contemporaneidade deve ser caracterizada pela percepção sistêmica do contexto. A autora ainda destaca as ações promovidas pelo British Design Council, no Reino Unido, o Barcelona Centro de Diseño, na Espanha, e o SDI, na Itália, que enxergam o design como atividade sistemática e estratégica nas organizações e nas comunidades, visando reforçar essa atuação. O designer contemporâneo necessita ter habilidade de “gestão de sistemas complexos; o designer produzindo para as pessoas, ou seja, o primeiro sistema complexo produzindo para o segundo” (LANA, 2011, p. 59). Diante dos apontamentos dos autores acima, percebe-se que o designer contemporâneo atua sob uma perspectiva sistêmica, fazendo uso do pensamento sistêmico e de processos 1 3 4 5 6 7 2 2 2 2 3 3 4 4 5 6 7 1 4 36 Revisão de literatura sistêmicos para projetar soluções que envolvem produtos, serviços e comunicação, dentro de um cenário complexo que, na maior parte das vezes, não pode ser compreendido ou decodificado de forma linear. Desta forma, caracterizar os processos e métodos de design contemporâneo como sistêmicos é coerente com o contexto. Todavia, deve ficar claro que o significado do termo sistêmico, aqui empregado, não se assemelha a um modelo burocratizado, regimentado, mas sim a um modelo oposto ao linear e reducionista, considerando a vasta rede de conexões tangíveis e intangíveis existentes no contemporâneo. Reyes (2011) acredita que o projeto de design é um processo complexo e que deve ser entendido como um sistema aberto, que pode ser revisado a qualquer momento por meio da construção de diferentes cenários. Para Gomez (2004), o designer contemporâneo não pode mais guiar seu processo projetual de forma linear. “Precisa incorporar distintas áreas de conhecimento para contextualizar a sua atuação, tornando-a mais abrangente” (Ibidem, p. 34). Para demonstrar de maneira rápida a atuação sistêmica do design contemporâneo, será apresentado um breve estudo de caso do novo projeto gráfico e editorial da revista Galileu2, um exemplo de trabalho contemporâneo que uniu design, comunicação e artes visuais. 2.3.1 Revista Galileu Em setembro de 2015, a revista Galileu anunciou em seu site que iria estrear um novo projeto gráfico e editorial, algumas mudanças em suas seções e que iria formar um conselho de leitores – o 1º Conselho Galileu –, um grupo de leitores para avaliar a revista, dar sugestões e participar das decisões da equipe editorial por seis meses em troca de acesso a conteúdo exclusivo e prêmios. A matéria convidou os leitores a se candidatarem às 20 vagas do conselho por meio de um formulário on-line (GALILEU, 2015). Em novembro, a nova Galileu, edição 292, chegou às bancas: capa com layout mais minimalista e impressa em um papel de maior gramatura e textura fosca; nova identidade visual e tipografia que remetem aos lambe-lambes urbanos; as seções têm novo grid e um pôster como brinde. O slogan da revista foi alterado para “A ciência ajuda você a mudar o mundo”, pois a revista afirma que irá abordar todo o tipo de ciência, seja ela exata, biológica ou social. O novo projeto gráfico ganhou a medalha de prata na seleção da Society for News Design (SND) na categoria mudança de projeto gráfico, que seleciona anualmente os melhores trabalhos visuais em jornais e revistas do mundo todo (KIST; QUICK, 2016a). A revista também recebeu três méritos da Society of Publication Designers (SPD), importante 2 A Galileu é uma revista mensal da editora Globo. Foi criada em 1991 sob o nome de Globo Ciência e seu conteúdo abordava ciência e tecnologia. Em 1998, a revista foi rebatizada como Galileu e ampliou sua abordagem para ciência, tecnologia e comportamento. Seu público concentra-se na faixa etária entre 18 e 34 anos (GALILEU, 2014). 37Revisão de literatura premiação mundial para o mercado de revistas: edição completa, redesign de seção (“Dossiê”) e design de seção (“Antimatéria”) (KIST; QUICK, 2016b). A matéria escolhida para capa da edição 292 falou sobre identidade de gênero. Na seção “Primeiramente”, uma espécie de carta ao leitor, Gustavo Poloni, o diretor de redação da revista, descreve o processo de desenvolvimento do novo projeto, que começou no mês de junho, unindo redação, direção de arte e designers. Rafael Quick, editor de arte, teve importante papel na evolução do projeto. Poloni (2015) menciona que uma pergunta de Quick levou à reflexão sobre qual caminho seguir: o que só o analógico pode fazer? Referia-se às possibilidades da mídia impressa diante das tecnologias e suportes digitais. O diretor de redação argumenta que a reflexão fez com que a equipe compreendesse que a função da revista impressa era explorar e valorizar o que o jornalismo de internet não pode fazer: “valorizar as fotos, os infográficos, usar suas páginas para surpreender o leitor. Ou seja, precisa valorizar o papel” (POLONI, 2015, p. 4). Em meio às discussões sobre a missão da revista, Quick começou a rabiscar o projeto gráfico. A equipe saiu em busca de referências. “Dos lambe-lambes tão em moda nas grandes cidades emprestamos a tipografia. Dos atlas e livros, as texturas e o cuidado nos detalhes. E nos inspirando nas revistas que amamos (sim, aqui amamos revistas!), criamos uma capa mais limpa, seções modernas, a pegada agressiva das reportagens” (Ibidem, p. 4) (Quadro 4). Quadro 4: Síntese do novo projeto gráfico da revista Galileu 1. Linha editorial 2. Projeto gráfico 3. Novas seções 4. Conselho “Foi uma coisa que mudou muito pouco na nova Galileu. Continuamos sendo a revista que usa a ciência como ponto de partida para explicar o mundo. Com uma diferença: queremos entrar mais a fundo em assuntos espinhosos, como transexualidade.” “Se não reparou, vale a pena voltar à capa para ver o novo logo. Não é só: a revista também tem fonte de lambe- lambe, uma seção com identidade visual bem marcada, uma paleta de cores do início ao fim, matérias com abres mais forte, etc.” “A Galileu passou por uma grande reorganização. A seção que abre a revista tornou-se o Antimatéria. Além das notas mais quentes sobre ciência, tecnologia e comportamento, ele engloba a seção de cultura. O Dossiê (mais moderno) é seguido pelas reportagens. A revista acaba com o Panorâmica, o Ultimato e o Só +1 Minuto.” “A partir desta edição, Galileu conta com um grupo de leitores que vai avaliar suas edições, sugerir ideias para a marca e participar da criação de pautas. Em troca, terão acesso a informações exclusivas e ganharão prêmios.” Fonte: adaptado de Poloni (2015, p. 4) As edições seguintes mantiveram a temática contemporânea: indústria alimentícia e desequilíbrio ambiental; crise política, ambiental e econômica; cultura da violência; indústria do fast-fashion; mídias sociais e ciberativismo; fé versus saúde; sexualização 38 Revisão de literatura da infância e adolescência; meritocracia e desigualdade; e a atuação da polícia militar brasileira. A seguir, é possível visualizar as capas das 10 primeiras edições da revista desde o redesign do projeto gráfico (Figura 3). Figura 3: Capas das edições 292 a 301 da revista Galileu Fonte: Galileu (2016a) Parte do projeto gráfico pode ser visualizado na figura a seguir. A paleta de cores de matéria de capa percorre toda a revista. As matérias são ilustradas com diversas técnicas e a mistura entre elas, tais como fotografia, manipulação digital, ilustração, dobradura e recorte em papel, recebe destaque dentro da revista (Figura 4). Figura 4: Páginas internas da Galileu Fonte: Galileu (2016b) 39Revisão de literatura O pôster foi brinde da revista por seis edições e apresentou diferentes temas: a história da energia (patrocinado pela Petrobrás); a saga Star Wars; o calendário astronômico de 2016; a sazonalidade de frutas, legumes, verduras e outros alimentos; destinos alternativos de viagem no Brasil; e um guia de raças caninas e suas origens (Figura 5). Figura 5: Pôsteres da Galileu das edições 292 a 297 Fonte: Galileu (2016c) A edição 292 apresentou o resultado da escolha do primeiro conselho de leitores citado por Poloni (2015). Dentre 307 inscritos (o mais novo, de 11 anos de idade, e o mais velho, de 77 anos), foram escolhidos 20 leitores, sua maioria, entre 21 e 30 anos e moradores da região Sudeste. A seção ainda apresenta algumas das respostas dos inscritos no formulário de inscrição: estado de residência, filmes e livros favoritos e a coisa mais legal que já fizeram na vida. O conselho de leitores interage com a equipe da revista por meio de um grupo fechado e exclusivo no Facebook. O primeiro conselho atuou na avaliação e debate sobre as edições 292 a 299. As opiniões sobre o conteúdo são apresentadas na edição posterior àquela avaliada. Essas informações são exibidas de forma quantitativa – com uso de gráficos de percentual para demonstrar diferentes opiniões e médias aritméticas atribuídas a determinadas matérias – e qualitativa – transcrevendo opiniões e pontos de vista relevantes para a análise crítica da edição. Todo o conteúdo é apresentado em uma linguagem descontraída, típica do público-leitor e da revista. No final do mês de abril de 2016, a revista abriu inscrições on-line para a segunda temporada do conselho de leitores (FERNANDES, 2016b). A edição de junho de 2016 divulgou os 19 novos conselheiros (dentre 258 inscritos) e informou que a próxima e terceira temporada do conselho será em janeiro de 2017 (FERNANDES, 2016a). A segunda temporada do conselho estreou avaliando a edição 300 na seção “Conselho” da edição 301. 40 Revisão de literatura Diante de toda a descrição do processo de desenvolvimento do projeto gráfico e editorial, é possível esboçar as fases e atividades deste trabalho (Figura 6). Figura 6: Processo projetual de redesign da revista Galileu Fonte: elaborada pela autora (2016) O processo de redesign da revista pode ser dividido em cinco fases: necessidade, na qual o cenário foi estudado e os novos rumos da revista começaram a ser delineados; concepção, em que o conceito começou a ser expresso de forma tangível; concretização, fase prática de refinamento do conceito estabelecido e materialização do produto; lançamento, fase de divulgação nas redes sociais, distribuição nas bancas e leitura por parte do público; e, por fim, a avaliação pelo conselho de leitores selecionado. Seguindo as mesmas referências, é possível esboçar o processo projetual utilizado para todas as edições a partir do redesign do projeto gráfico (Figura 7). Lançamento . Mídias sociais . Distribuição . Leitura Avaliação . Coleta de opiniões do conselho de leitores 41Revisão de literatura Figura 7: Processo projetual contínuo da revista Galileu Fonte: elaborada pela autora (2016) A primeira fase é de planejamento, na qual temas interessantes ao escopo da revista são identificados e pautas são definidas. A segunda fase é a de desenvolvimento – redação, fotografia, ilustração e design da revista –, a materialização do que foi definido no planejamento. A terceira e a quarta fases se assemelham às fases de lançamento e avaliação identificadas no processo de redesign (Figura 6). Aqui se pode destacar que o conselho de leitores se consolidou como método dentro da revista e é responsável por realimentar o processo projetual de cada edição, tornando o processo cíclico e contínuo. Na contramão do fechamento de várias revistas, a Galileu optou por uma mudança a fim de valorizar o jornalismo impresso. A equipe da revista é multidisciplinar – jornalistas, designers, estagiários em texto e design e colaboradores externos, como fotógrafos e ilustradores. No entanto, o processo percorrido para o desenvolvimento do novo projeto pode ser caracterizado como interdisciplinar, pelo diálogo, interação e discussão promovidos incluindo, até o público-leitor. O novo projeto gráfico e, de certa forma, editorial é consistente e representa o posicionamento contemporâneo do produto. Explorar temas oriundos das ciências sociais, polêmicos e que não são considerados como “ciência tradicional” por parte da massa leitora, é um passo importante na desmistificação de tabus, preconceitos e na disseminação da informação. O lançamento e manutenção de um conselho de leitores pode ser considerado um método de diferenciação importante que coloca o leitor como ator indispensável para o processo projetual. Desta forma, o novo projeto da revista Galileu materializou um produto que discute a ciência em toda sua amplitude a fim de informar da melhor forma seu leitor. 2.4 Processo, método e metodologia de design Costa (apud FUENTES, 2006, p. 13) aponta um problema no design gráfico atual, mas que pode ser estendido ao design em geral: “temos muita tecnologia, pouca metodologia e nada de filosofia”. Para Costa, mais designers deveriam ter interesse em conhecer a lógica do processo, pois a compreensão dos mecanismos de projeto promove a tomada 3. Lançamento . Mídias sociais . Distribuição . Leitura 4. Avaliação . Coleta de opiniões do conselho de leitores 42 Revisão de literatura de consciência sobre a necessidade de se ter o processo como algo transparente para ser mais bem trabalhado. Ainda para o autor, o objetivo da metodologia é ampliar pontos de vista sobre um problema e sustentar o ato criativo. Bomfim (2014a, p. 67) descreve os procedimentos metodológicos como: [...] um sistema complexo de variáveis que concorrem simultaneamente e não como uma sucessão de dados cumulativos que se sobrepõem, como um castelo de cartas. Um projeto não é uma reta entre dois pontos estáticos (o problema e sua resposta), mas uma espiral, em que cada segmento é mais denso e complexo que seu antecedente. Desta forma, o processo de design não é caracterizado pela adição de abordagens de áreas do conhecimento distintas, mas “por níveis crescentes de complexidade, que contemplam simultaneamente os diferentes aspectos da interação objetivo-subjetiva” (BOMFIM, 2014c, p. 32). No entanto, a importância da utilização de modelos de processos e métodos não deve se transformar numa regra rígida que determina que todo o problema ou oportunidade de design deva ser tratado da mesma forma. Para van der Linden e Lacerda (2012), designers não devem tentar simplificar seu trabalho e fazer uso de um único método de projeto, geralmente genérico e já validado na literatura. Os autores descrevem esse comportamento como uma “felicidade ingênua” que traz uma falsa segurança aos designers. Coelho (1999) desacredita ser possível fazer uso de um único processo de design, portanto, para ele, é ainda mais improvável fazer uso de um único que atenda às especificidades e necessidades do projeto de artefatos bidimensionais, tridimensionais, tangíveis e intangíveis. Por conseguinte, novos métodos e processos vêm surgindo conforme avançam os tempos. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que o designer deve buscar sua própria metodologia, “classificando-a, medindo-a, anotando-a e estudando-a, de maneira que se torne mais enriquecedora para o que realmente importa: sua linguagem própria de design” (FUENTES, 2006, p. 30-31), pois o designer deve saber escolher as diretrizes metodológicas adequadas à sua realidade de projeto e, se possível, aprimorá-las até, talvez, criar seus próprios métodos. Coelho (1999) complementa esse pensamento enfatizando a prática do design, pois, para ele, o design se faz fazendo e não aplicando métodos como se fossem receituários médicos. Moraes (2010a) acredita que o designer deve ir além das questões intrínsecas ao produto e enxergar a dinâmica que gira em torno dele, ver o mundo e a cultura projetual com uma visão mais alargada. Complementando esse raciocínio, van der Linden e Lacerda (2012) afirmam que as novas abordagens adotadas pela metodologia projetual contemporânea procuram entender a interação entre pessoas e produtos em seu ambiente. Ponte e Niemeyer (2013) explicam que a criatividade não está presente apenas na projetação do artefato, ela continua presente agindo até o estágio de uso do produto. Assim, embora o produto tenha um objetivo predefinido em sua fase de projeto, o usuário age sobre ele de forma criativa, ressignificando-o no dia a dia. Uma das pesquisadoras desse fenômeno 43Revisão de literatura é Uta Brandes, que o nomeia como “design não-intencional” – pesquisa e avaliação da utilização dos produtos após sua aquisição. Para ela, artefatos adquirem significados apenas após sua utilização, que, muitas vezes, é tão original que não poderia ter sido prevista pelos seus designers criadores. Bürdek (2006, p. 272) enfatiza a pesquisa de uso afirmando que “a não-intenção domina a intenção”. Nos próximos itens, esse fenômeno será aprofundado. Diante da contemporaneidade, van der Linden e Lacerda (2012) propõem a atualização do discurso metodológico por meio da integração dos modelos clássicos, ainda válidos em determinadas situações, como aquelas regidas por várias normas e regulamentos, com as abordagens contemporâneas, principalmente aquelas flexíveis e intuitivas, adequadas para o tratamento de questões complexas e de alto grau de inovatividade. Os autores ainda chamam a atenção para a interpretação correta sobre os termos “flexibilidade” e “intuição”, pois “a intuição se caracteriza pela utilização inconsciente de conhecimento acumulado, então para se ter uma boa intuição é necessária uma grande dose de esforço e trabalho. E para ser flexível é necessário que se conheça mais do que um caminho” (Ibidem, p. 123). Desta forma, é compreensível que os designers comecem aprendendo métodos lineares nas escolas para tratar de problemas mais simples e estáticos, até atingirem um nível de repertório em conhecimentos da área, processos e métodos suficientes para lidar com problemas e oportunidades complexas. Para van der Linden e Lacerda (2012), a necessidade de relacionar fatores humanos (físicos, psicológicos, culturais, sociológicos) com fatores econômicos, ambientais e tecnológicos é que caracteriza os problemas projetuais contemporâneos como complexos. Projetos, antes tidos como simples, de baixa complexidade, hoje se apresentam como complexos pela relação sistema-produto, “que envolve ciclo de vida do produto, logística, novos sistemas de produção que reduzem a carga física e mental dos trabalhadores, a inclusão de portadores de deficiência física e/ou mental no sistema produtivo, certificações de qualidade, entre inúmeros outros aspectos jamais imaginados pelos pioneiros da indústria moderna” (Ibidem, p. 135). Logo, ainda no raciocínio desses autores, a diversidade de papéis que podem ser assumidos pelo designer de projetos a serem realizados permite que o designer escolha o método mais adequado à natureza do contexto (indústria, escritório, ONG, em grupo, sozinho, entre outros) e também à sua natureza subjetiva (valores, educação e estilo cognitivo dos responsáveis pela decisão). Cipiniuk e Portinari (2006) enfatizam a complexidade da tarefa de aplicar métodos de design devido ao caráter interdisciplinar do design, que faz uso de conhecimentos provenientes de várias fontes do saber e os emprega no desenvolvimento de um projeto. Para exemplificar de forma breve a diversidade de possibilidades de atuação do designer contemporâneo, será relatada a trajetória da designer Jessica Morillo, cujas peças foram 44 Revisão de literatura apresentadas na exposição “Joias em Fios: Formas e Cores”, no A CASA – Museu do Objeto Brasileiro, em São Paulo, no mês de abril de 2016. 2.4.1 Jessica Morillo A designer é argentina da província de Tucumán, graduada em design de moda, membro da plataforma digital “Joyeros Argentinos”, que reúne diversos artistas joalheiros do país, e proprietária da marca de joalheria têxtil “Ansiosa Hormona”. Seu mais recente prêmio foi o 1º lugar na 1º Bienal Latinoamericana de Joyería Contemporánea “Puentes”, em outubro de 2016. Jessica relata que produzia peças para vender em lojas, todavia, as vendas eram baixas, o que a fez mudar de estratégia e lançar o projeto “Joalheria à la carte”, no qual o cliente é quem procura a designer para encomendar uma peça exclusiva (Figura 8). Figura 8: Joia têxtil produzida por Jessica Morillo Fonte: Morillo (2016a) O projeto tem quase dois anos de existência e, desde então, a designer afirma ter recebido pedidos todos os meses, o que proporcionou que ela pudesse se estabelecer no segmento. Ela começa um projeto preparando uma série de perguntas ao cliente que a procurou, que funcionam como um briefing: o objetivo da peça, se há uma ocasião especial para o uso, os motivos que o levaram a escolher o trabalho dela, cores e formas com que ele se identifica, entre outras informações. O ponto de partida da produção manual da peça pode se dar pela escolha dos materiais têxteis a serem utilizados (e até reutilizados), pelo tema escolhido para inspirar a criação e até por desenhos e esboços, que a designer afirma utilizar poucas vezes. Em geral, quando parte do material, ela afirma seguir de maneira livre, sem ideia concreta da peça final. A designer diz se interessar pelo reaproveitamento 45Revisão de literatura de materiais, por olhar o contexto ao seu redor, reutilizar algum material na construção da fibra que vai utilizar. Ela trabalha com uma espécie de tear feito de papelão, que ela mesma produz e que dá a liberdade criativa que ela procura em seu trabalho. A designer segue mantendo o diálogo com o cliente na produção da peça. Quando o cliente recebe a peça, ela pede para que ele a envie uma foto usando-a para que ela poste na página de sua marca no Facebook. Jessica conta que a rede social é muito importante para seu trabalho, pois é onde ela consegue fazer contatos e expor seu portfólio para o mundo. Ela trabalha sozinha pelo desejo de estar presente em todas as atividades do processo, que são extremamente manuais. Entretanto, quando a demanda é grande, ela conta com a ajuda de sua mãe ou irmão. Jessica conta que, antes de cursar a graduação em design de moda, cursou metade da licenciatura em artes, todavia não concluiu por ter se cansado do curso, o qual ela julgava ser superficial. A designer aprendeu a técnica do crochê na adolescência com uma professora, apesar de sua mãe e sua avó saberem “crochetar”. Ela afirma que não foi uma tarefa fácil, mas sua vontade de aprender a levou a praticar o suficiente para dominar a técnica e seguir testando outros materiais além da lã. Outra técnica que ela também aprendeu foi o macramê, comprando revistas e praticando. Suas primeiras produções são bem distintas das atuais, carregavam traços mais tradicionais do artesanato regional: o uso do marrom, de sementes e a confecção de pequenas bolsas. Apesar de, na faculdade de design de moda, não ter encontrado espaço para desenvolver suas peças pelo fato de o curso não trabalhar a joalheria, foi naquele momento que ela tomou contato com a joalheria têxtil contemporânea e começou a produzir sozinhas suas peças. Jessica passou a utilizar tecidos, fios e suas variantes na produção de peças tanto planas quanto tridimensionais. Sua maior fonte de informação sobre joalheria contemporânea têm sido os simpósios de joalheria latino-americanos. Jessica conta que nesses eventos já aprendeu muito mais do que nas faculdades em que esteve. Ela enfatiza o papel dos professores europeus presentes em tais eventos e dispostos a compartilhar conhecimentos de forma aberta e respeitosa, além da troca entre os próprios participantes. A designer diz valorizar muito essa formação independente que permite moldar o próprio modo de aprendizado. A experiência de Jessica mostra o quão distante a postura e a prática dos designers modernos estão da realidade de muitos designers de hoje. O resgate de técnicas tradicionais, às vezes, artesanais, a formação livre, interdisciplinar e colaborativa, o empreendedorismo, a presença da autoria no design, o papel da tecnologia na comunicação e comercialização dos produtos são exemplos de fenômenos que extrapolam os limites dos métodos de projeto tradicionais e lineares. 2.5 Processos e métodos tradicionais O designer moderno assumiu a função de apoiar a produção em série, hipoteticamente, uma produção para todos, popularizando o uso de artefatos como os eletrodomésticos, as revistas, o carro, entre outros. Vale ressaltar que boa parte dos produtos foram projetados 46 Revisão de literatura para o consumo em massa, no entanto, uma pequena parcela da população, uma classe média intelectual, é que os consumiu de fato, como diversos móveis e objetos domésticos. O designer moderno pode ter sido um tanto utópico em suas pretensões projetuais, todavia se portou como importante ator social, envolvido em seu contexto político e econômico. Bonsiepe (2011) afirma que os principais expoentes do processo projetual moderno eram profissionais oriundos dos campos da arquitetura e da engenharia anglo-saxônica, que buscavam métodos racionais de trabalho. O processo de design moderno tinha como objetivos ser decisório e solucionar problemas, preferencialmente físicos e mecânicos, distanciando-se da subjetividade para encontrar procedimentos seguros para tais soluções, que chegavam a desconsiderar a dimensão estética do contexto. Ainda para o autor, esse perfil projetual teve seus méritos por saber dialogar com a tecnologia, apesar de ser rudimentar na detecção de problemas. 2.5.1 Modelo de Bonsiepe Bonsiepe (1984) é uma compilação dos resultados do II Curso de Atualização em Projeto de Produto/Desenho Industrial, que ocorreu na Universidade Federal da Paraíba durante os meses de janeiro e fevereiro de 1984. O curso fez parte do Programa de Desenvolvimento de Produto/Desenho Industrial do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que teve como objetivo o aprimoramento dos recursos humanos brasileiros. Bonsiepe (1984), primeiramente, apresenta a discussão sobre o processo projetual e cita alguns pontos de vista relatados durante o curso: ■ a concretização das “ideias” é uma tarefa mais difícil do que a simples concepção destas; ■ a geração de alternativas não deve estar focada em quantidade, assim como um brainstorm3, mas sim em qualidade e viabilidade; ■ a necessidade do uso do desenho em escala com medidas exatas e que deve ser executado o quanto antes para a correção de possíveis problemas de projeto; ■ a importância da formulação de uma hipótese para o projeto, que servirá de “veículo de teste” para avançar entre as fases do processo; ■ o conhecimento e a consciência sobre o comportamento de estruturas, que, apesar de não serem responsabilidades diretas do designer, são úteis no projetar; ■ a importância da programação visual como meio de comunicação entre as etapas do projeto – rough, desenho técnico, entre outros; 3 “Tempestade mental” ou “tempestade de ideias” em tradução literal. É um método praticado individualmente ou em grupo para explorar seu potencial criativo a fim de reunir pensamentos e ideias que vierem à tona a respeito de determinado tema. É importante que não haja julgamentos ou autocríticas no momento, incentivando o pensamento sem barreiras ou restrições. O objetivo do método é reunir possíveis ideias e conceitos para a solução de um problema ou para o suporte ao desenvolvimento de uma oportunidade. 47Revisão de literatura ■ e, por fim, a desconstrução do designer como “inventor”, pois o designer não tem a obrigação de inventar algo novo, radicalmente diferente do existente a todo o momento apenas para destacar-se como profissional. Vale ressaltar a ênfase do autor em sua concepção sobre a programação visual e o projeto de produto, ambos habilitações do design e que ele considera como áreas distintas em relação ao seus conhecimentos técnicos e metodologia projetual. Para ele, a programação visual não é necessariamente “uma base para o trabalho de projeto de produto” (Ibidem, p. 10). Essa percepção reflete o período no qual ela está inserida. Os conhecimentos técnicos do design gráfico e do design de produto são, em parte, distintos, no entanto, o pensamento projetual deveria ser o mesmo. Atualmente, escolas de design já planejam o ensino integrado, sem habilitações, e os escritórios visam realizar trabalhos sem a divisão entre as habilitações. Bonsiepe (1984) afirma que a metodologia projetual não funciona como uma receita de bolo que leva a um resultado certo, pois esta leva a “certa probabilidade de sucesso”, por meio da orientação dada (fases, etapas) e dos métodos e técnicas sugeridos. “O processo projetual é – ou deveria ser – um processo de pensamento disciplinado, que se caracteriza pela grande agilidade de passar um problema parcial a outro problema parcial, avaliando as implicações de um sobre o outro” (Ibidem, p. 10). Ainda para o autor, a melhor forma de assimilar conhecimentos sobre a metodologia projetual é exercitando-a. Neste mesmo raciocínio de foco na prática de trabalho, o autor defende o desenho como instrumento indispensável para o desenvolvimento de um projeto, no entanto, sem que “substitua” o projeto em si. O modelo de processo proposto parte do pressuposto de que uma situação inicial precisa ser transformada para se alcançar uma situação diferente desta numa trajetória linear entre suas cinco fases. A Figura 9 apresenta o modelo. A primeira coluna apresenta as fases do projeto, a segunda coluna apresenta as atividades a serem executadas dentro de cada fase e a terceira coluna apresenta os métodos que podem ser utilizados para o cumprimento dessas atividades. 48 Revisão de literatura Figura 9: Processo de design para Bonsiepe (1984) Fonte: Bonsiepe (1984, p. 35) Em especial, deve-se esclarecer que a fase de projeto compreende a avaliação, decisão, escolha, realização e análise final da solução. Bonsiepe (1984) ainda descreve os diferentes métodos apresentados na Figura 15 juntamente com os exercícios propostos no curso. Os métodos têm características modernas e funcionalistas e visam auxiliar o projeto de produto dentro da indústria. Não são abordados aspectos semânticos ou estéticos, assim como o projeto do produto não leva em conta a experiência do uso e o pós-uso ou descarte do artefato. 1. Problematização 2. Análise 4. Anteprojeto Geração de alternativas 5. Projeto • Análise sincrônica • Análise diacrônica • Análise das características do uso do produto • Análise funcional • Análise estrutural • Análise morfológica • Estruturação do problema Fracionamento e hierarquização • Estabelecimento, estruturação e hierarquização dos requisitos • Formulação do projeto detalhado Por exemplo • Brainstorming • Método 635 • Cinética - busca de analogias Métodos de transformação • Criação sistemática de variantes • ‘Caixa’ morfológica • Desenhos/esboços • Maquete, pré-modelo, modelo 49Revisão de literatura 2.5.2 Modelo de Löbach Löbach (2001) é uma das referências da chamada “escola funcionalista” e seu modelo de processo de design é voltado ao contexto industrial. O autor vê o designer como um produtor de ideias que colhe informações e as utiliza na solução de problemas existentes. O processo de design deve ser criativo tanto quanto ele deve solucionar problemas. Para tanto, a definição clara do problema é o primeiro passo. Seu modelo de processo possui quatro fases, que têm como objetivos a coleta e análise de informações, a geração de alternativas baseada nas informações selecionadas, a avaliação das alternativas geradas e a realização da alternativa escolhida – aquela que tem potencial para “satisfazer as necessidades humanas de forma duradoura” (Ibidem, p. 141). Avanços e retrocessos são permitidos e acontecem durante o processo, pois as fases e atividades estão entrelaçadas umas às outras. A Figura 10 apresenta o processo de design proposto pelo autor. Figura 10: Processo de design para Löbach (2001) Fonte: Löbach (2001, p. 140) O Quadro 5 detalha as fases e atividades de projeto de acordo com o processo de Löbach (2001). Conhecimentos Experiências Intelecto Segurança Pessoa criativa Designer industrial Temeridade Incerteza Produto conceitual (p. ex. ideia) Produto criativo Produto material (p. ex. produto industrial) Processo criativo Processo de design Processo de resolução de problemas 1. Análise do problema 2. Geração de alternativas 3. Avaliação das alternativas 4. Realização da solução 50 Revisão de literatura Quadro 5: Fases de um projeto de design para Löbach (2001) Processo Criativo Processo de solução do problema Processo de design (desenvolvimento do produto) 1. Fase de preparação Análise do problema Conhecimento do problema Coleta de informações Análise das informações Definição do problema, clarificação do problema, definição de objetivos Análise do problema de design Análise da necessidade Análise da relação social (homem-produto) Análise da relação com o ambiente (produto-ambiente) Desenvolvimento histórico Análise do mercado Análise da função (funções práticas) Análise estrutural (estrutura de construção) Análise da configuração (funções estéticas) Análise de materiais e processos de fabricação Patentes, legislação e normas Análise de sistema de produtos (produto-produto) Distribuição, montagem, serviço a clientes, manutenção Descrição das características do novo produto Exigências para com o novo produto 2. Fase de geração Alternativas do problema Escolha dos métodos de solucionar problemas, produção de ideias, geração de alternativas Alternativas de design Conceitos de design Alternativas de solução Esboços de ideias Modelos 3. Fase da avaliação Avaliação das alternativas do problema Exame das alternativas, processo de seleção, processo de avaliação Avaliação das alternativas de design Escolha da melhor solução Incorporação das características ao novo produto 4. Fase de realização Realização da solução do problema Realização da solução do problema, nova avaliação da solução Solução de design Projeto mecânico Projeto estrutural Configuração dos detalhes (raios, elementos de manejo etc.) Desenvolvimento de modelos Desenhos técnicos, desenhos de representação Documentação do projeto, relatórios Fonte: Löbach (2001, p. 142) Löbach (2001) enfatiza que o designer deve ter amplo conhecimento em todas as fases do processo produtivo que ele propõe – conhecimentos sobre o problema que irá resolver, o usuário que será beneficiado, patentes, legislações, normas, distribuição, montagem, 51Revisão de literatura manutenção, representação e documentação do projeto para produção. Percebe-se, então, a necessidade de conhecimentos específicos dos processos industriais, que são geralmente coordenados por profissionais específicos dentro da fábrica (distribuição, montagem, manutenção). Contudo, o processo projetual do autor não contempla todas as fases da vida de um artefato, pois ele se encerra na fase de realização e não acompanha e analisa a experiência de uso e orienta o descarte desse artefato. 2.5.3 Modelo de Baxter Baxter (1998), a partir de uma estrutura para o gerenciamento para o projeto de produto, procura abordar o desenvolvimento de novos produtos unindo o ponto de vista do mercado e da engenharia, no intuito de obter uma cobertura integral do assunto. Ele também enfatiza a demanda contínua de as empresas compreenderem e dominarem o processo de inovação para sobreviver no mercado e, para isso, apresenta métodos para o exercício da inovação. Além da estrutura de gerenciamento, são apresentados conceitos e métodos sistemáticos nomeados na obra como “ferramentas do projeto” e descritas como um “conjunto de recomendações para estimular ideias, analisar problemas e estruturar as atividades de projeto” (Ibidem, p. 5). Dentre os métodos estão: conceitos- chave, brainstorm, brainwriting 6354, sinética5, análise do problema, análise das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças, análise dos concorrentes, pesquisa das necessidades de mercado e análise das falhas. É perceptível que boa parte desses métodos tem origem na administração, na engenharia de produção e no marketing e são amplamente utilizados na indústria. 4 Similar ao brainstorm, anteriormente explicado, o brainwriting 635 gera ideias e as registra de forma escrita, sem a interação oral. Um grupo de seis pessoas escreve ou desenha, em um papel, três possíveis soluções ou ideias para um problema/oportunidade dentro de um espaço de tempo de cinco minutos. Finalizados os cinco minutos, os participantes entregam sua folha de soluções/ideias ao companheiro ao lado, que irá desenvolver/aprimorar as soluções/ideias recebidas ou conceber outras três completamente novas. A troca de soluções/ideias segue até que todos os participantes tenham tido a oportunidade de apreciar as três soluções/ideias iniciais apresentadas por ele. 5 “O método mais conhecido do pensamento analógico é o método da Sinética, desenvolvido por William Gordon e descrito no seu livro intitulado Synectics: The Development of Creative Capacity [1961], assim como em numerosas outras obras sobre a procura de ideias e o desenvolvimento de produto [...]. O termo ‘sinética’ tem origem etimológica no grego: ‘synechein’ significa algo assim como ‘estabelecer uma ligação entre algo’. Consequentemente, na base deste método estão – tal como nas técnicas do pensamento associativo – a combinação de elementos do conhecimento não relacionados de forma objectiva e a transposição de estruturas alheias ao problema. A finalidade é ‘desfamiliarizar o que nos é familiar’ e ‘tornar familiar o que nos é estranho’. Para isso, é realizada uma análise exaustiva do problema no início do processo, para depois, estabelecendo analogias, desfamiliarizar a abordagem inicial ao problema. [...] Este método centra-se na procura de analogias, distinguindo-se entre analogias pessoais, directas, simbólicas e fantasiosas. A partir dessas etapas do estabelecimento de analogias, alguns autores desenvolveram técnicas próprias do pensamento criativo, que podemos encontrar em numerosas publicações sobre a procura de ideias sob os nomes ‘Analogias e Metáforas’ [in HIGGINS & WIESE: 76-79] ‘Brainstorming Imaginário’ [segundo Arthur Keller, in SCHLICKSUPP op. cit.: 143-148] ou ‘Brainfloating’ [segundo Harald Braem, in PRICKEN 2002: 231]” (TSCHIMMEL, 2010, p. 400-401). 52 Revisão de literatura O autor também aponta a necessidade de pesquisa, do planejamento e controle rígidos sempre direcionados ao desenvolvimento de produtos orientados para o consumidor. Para ele, o desenvolvimento de novos produtos (DNP) é multifatorial e seu sucesso ou fracasso depende da análise de diversos fatores internos (relacionados à produção, como logística, montagem, entre outros) e externos (durabilidade, preço, entre outros). O autor enfatiza que o projeto precisa ter metas claras, específicas e de fácil verificação para que seu início seja conciso. A forma como será conduzido o processo durante todo o seu desenvolvimento é que trará maiores chances de sucesso ao novo produto. O Quadro 6 sintetiza as seis fases de processo de desenvolvimento de produtos para o autor. Quadro 6: Processo de desenvolvimento do produto para Baxter (1998) 1. Oportunidade de negócio Estudo da empresa e do contexto onde ela está inserida 2. Especificação do projeto Coleta de dados teóricos e de mercado 3. Projeto conceitual Geração de conceitos (sem restrições práticas) 4. Projeto de configuração Geração de mais conceitos, desta vez levando em conta as aplicações práticas 5. Projeto detalhado Desenhos do produto e seus componentes, construção de um protótipo, testes físicos com usuários 6. Projeto de fabricação Definição dos parâmetros para o processo de produção Fonte: elaborado a partir de Baxter (1998) A Figura 11 apresenta as atividades envolvidas no processo de desenvolvimento de produtos. O processo é estruturado e ordenado, cada fase é constituída por um ciclo de geração de ideias e seleção destas e conta com diversos testes entre suas atividades, visando assegurar tomadas de decisão mais viáveis e garantir o menor risco ao projeto. As atividades não percorrem uma trajetória linear por contarem com avanços e retornos durante o processo que permitem aprimoramentos no projeto. 53Revisão de literatura Figura 11: Processo de desenvolvimento de produto e suas atividades para Baxter (1998) Fonte: Baxter (1998, p. 16) A abordagem de Baxter (1998) propõe que o projeto de produtos seja um trabalho interdisciplinar entre as áreas envolvidas (design, engenharia, marketing, entre outros) para facilitar o alcance do sucesso. No entanto, o processo de desenvolvimento de produtos proposto pelo autor não contempla todas as fases da vida de um artefato, pois ele se encerra no protótipo de produção e não acompanha e analisa a experiência de uso e orienta o descarte desse artefato. Oportunidade de negócio Projeto conceitual Projeto detalhado Projeto para fabricação Início do desenvolvimento Ideias para novos produtos Teste das necessidades de mercado Projeto conceitual Projeto conceitual Projeto detalhado Alternativas de materiais Melhor conceito Melhor projeto Mudança técnica Teste de mercado Teste de mercado Alternativas do projeto Alternativas de fabricação Montagem geral Projeto para fabricação Projeto do ferramental Planejamento da produção Projeto de componentes Teste de desempenho físico Protótipo de produção Protótipo experimental 54 Revisão de literatura 2.6 Processos e métodos de transição entre o moderno e o contemporâneo Após a Segunda Guerra Mundial, algumas transformações chegaram e a modernidade começou a ruir a partir daquele momento. Bürdek (2006) explica que, a partir de meados dos anos 1960, a fase de crescimento após a Segunda Guerra havia cessado, a Europa começou a notar os primeiros indícios de crise, o funcionalismo passou a ser criticado, principalmente na arquitetura e planejamento urbano por seus projetos estandardizados, sem nenhum valor estético. O autor ainda aponta que a Escola de Ulm foi fechada em 1968, pois, desde a metade da década de 1960, a crítica ao funcionalismo já havia se estabelecido, seguida pela discussão sobre as questões ecológicas, ambas temáticas que não conseguiram espaço suficiente na escola. Desta forma, “[...] não foi encontrada uma solução que correspondesse às maciças exigências dos alunos, com o objetivo de se dar uma relevância social do trabalho da escola e que correspondesse à sua autonomia” (Ibidem, p. 47), além de motivos políticos e pedagógicos que interferiram em sua gestão, especialmente a relação entre a indústria e a escola, ou seja, conflitos pedagógicos e administrativos se estabeleceram entre a formação e a produção industrial com o estabelecimento da empresa dentro e ligada à escola. Margolin (1998) descreve o princípio do debate ecológico: o Clube de Roma publicou em 1972 um relatório que defendia a necessidade de se alcançar um equilíbrio global, respeitando os limites dos recursos naturais disponíveis e cuidando dos problemas ambientais já causados, pois o planeta deve ser compreendido como um sistema. O Clube de Roma seguiu desenvolvendo estudos na área, assim como a Comissão Mundial de Meio ambiente e Desenvolvimento, que publicou, sob o patrocínio da ONU, o relatório Our common future, em 1987. Esses estudos influenciaram a formação de partidos políticos e programas denominados verdes na Europa e América do Norte. Enquanto o contexto dos países desenvolvidos sinalizava que o modernismo perdia forças, Bonsiepe (2008) aponta que os países periféricos, até então subdesenvolvidos, como os da América Latina, estavam entrando no processo de industrialização naquele momento, a fim de tentar avançar no desenvolvimento econômico. No ano de 1963 foi fundado o primeiro curso superior em desenho industrial no Brasil e na América Latina, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), na cidade do Rio de Janeiro. Niemeyer (2000) explica que a escola foi pensada com possibilidades de prover a necessidade de técnicos na indústria nacional, assim como evitar o pagamento de royalties de patentes importadas e promover a popularização de objetos de uso funcionais e esteticamente agradáveis à maior parte da população. O ensino caracterizou-se pela aplicação do modelo alemão, especialmente oriundo da Escola de Ulm. A autora critica a imposição dos padrões racionalistas ulmianos na escola sem que fossem levadas em conta as raízes barrocas brasileiras, impedindo a emergência de diferentes abordagens e “[...] uma linguagem formal que sintetizasse as concepções artísticas contemporâneas com elementos da tradição nacional” (Ibidem, p. 118). A autora também ressalta que o currículo da escola 55Revisão de literatura não levou em consideração a realidade produtiva nacional e distanciou a formação do designer das reais necessidades do mercado de serviços para o designer. Na década de 1970, o design para sustentabilidade ganha força, principalmente pautado pela obra de Papanek, e posteriormente nas falas de Bonsiepe, Margolin, Manzini e outros autores. Papanek (1985) afirma que a atuação do designer sempre foi dirigida ao lucro, principalmente industrial, e à produção de inúmeros produtos meramente estéticos. Enquanto recursos e energia são desperdiçados em produtos sem função e toneladas de lixo são produzidas, milhões ou bilhões de dólares representam o lucro da indústria. E que, diante das necessidades dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, é preciso que o designer volte seu trabalho para o atendimento dessas necessidades sociais, adicionando produtos inteligentemente concebidos àqueles que realmente precisam. Tal ação de projetar para as minorias e para os países em desenvolvimento seria concebida como um projeto “semente” para se formar designers comprometidos com a situação econômica de seus países, necessidades, cultura e estilo de vida, podendo, assim, resolver seus próprios problemas com pouca ou nenhuma ajuda de estrangeiros “especialistas”. O paradigma modernista-fordista, tão característico da sociedade industrial, estava ruindo e “a queda do Muro de Berlim [1989] veio apenas confirmar que a modernidade havia desmoronado de vez” (CARDOSO, 2008, p. 234). Para De Masi (2000), talvez seja inevitável que uma sociedade passe pelo período industrial durante sua evolução. No entanto, o autor preza para que seja uma passagem breve, para “finalmente construir um mundo novo, pós-industrial, cujo centro não seja mais a rigidez e sim a flexibilidade, e em que a criatividade substitua a pura execução” (Ibidem, p. 317). Assim, o exercício da profissão de designer começa a tomar outros contornos devido à ascensão de uma economia de serviços, de dinâmica diferente da industrial. O campo de trabalho do designer se amplia e sua imagem de desenhista industrial começa a se diluir. 2.6.1 Modelo de Bomfim Bomfim (2002) traz uma abordagem reflexiva sobre a relação entre teoria e design por meio de um modelo “processual”. O autor questiona quais as características deveriam estar presentes em uma teoria do design, visto que “o design é uma práxis essencialmente interdisciplinar” (Ibidem, p. 3). Primeiramente, é preciso compreender o significado dos termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Pombo (2005) menciona que o princípio da compreensão dos termos citados está na presença de tentativas de romper com a estagnação das disciplinas em diferentes níveis ou graus. O primeiro nível é o do paralelismo, da justaposição, aquele em que as disciplinas estão presentes em um contexto sem nenhuma forma de interação, apenas paradas umas ao lado das outras – a multidisciplinaridade. O segundo nível é o da comunicação entre as disciplinas, de certa interação e discussão entre suas perspectivas – a interdisciplinaridade. No terceiro nível, há a quebra de barreiras que 56 Revisão de literatura separam as disciplinas e estas se fundem em outro elemento transcendente, sendo assim possível um desenvolvimento contínuo – a transdisciplinaridade. Bomfim (2002) apresenta um diagrama que relaciona teoria e design em um modelo que o autor chama de processual (Figura 12). Figura 12: Relação entre teoria e design – modelo processual de Bomfim (2002) Fonte: Bomfim (2002, p. 10) As instituições sociais regem as leis, normas e critérios presentes no dia a dia e que são pertencentes ao campo da ideologia e filosofia. As ciências e teorias interdisciplinares estão no campo da teoria e são produtoras da fundamentação e crítica produzidas. Os designers e outros técnicos, por sua vez, estão no campo do planejamento e são responsáveis pela configuração de artefatos. O exercício da configuração, no campo da práxis, dá origem a um objeto, que possui forma e conteúdo, por meio do processo produtivo, de encargo das unidades produtivas, e também por meio do processo de utilização, realizado pelo usuário. Para Kistmann (2014), o design é, intrinsecamente, interdisciplinar, pois seu objeto de estudo é um objeto tecnológico e, de forma similar à arquitetura e à engenharia, o design apoia-se em outras ciências. A complexidade vivida na sociedade pós-moderna a partir da segunda metade do século XX passou a depender, cada vez mais, “da fecundação recíproca, da fertilização heurística de umas disciplinas por outras, da transferência de conceitos, problemas e métodos – numa palavra, do cruzamento interdisciplinar” (POMBO, 2005, p. 9). Passa a ser necessário transitar entre disciplinas para se gerar conhecimento, pois “a grande maioria dos objetos de estudo só consegue ser apreendida por um pensamento multidimensional” (COUTO, 2011, p. 14). Instituições sociais Leis, normas, critérios Fundamentação e crítica Unidades Produtivas Processo de Produção Objeto: Forma Conteúdo Processo de Utilização Usuário Designers e outros técnicos Ciências: teorias interdisciplinares Teorias Planejamento Práxis 57Revisão de literatura Fontoura (2011) também concorda que o design é interdisciplinar por vocação, por se tratar de uma área favorável ao trabalho conjunto com outras áreas do conhecimento. O autor ainda explica que o exercício do design, além de levar em conta os aspectos técnicos do projeto, deve considerar o universo das necessidades dos usuários – assim como aponta Bomfim (2002) – e buscar conhecimentos em áreas como antropologia, psicologia, sociologia, arte, ergonomia, semiótica, entre outras. Bomfim (2002, p. 15) vai além e propõe como resposta provisória à sua pergunta inicial que “uma teoria do design não terá um campo fixo de conhecimentos, uma vez que ele se move entre as disciplinas tradicionais, dependendo da natureza do problema tratado”. Sendo assim, o autor propõe uma teoria transdisciplinar do design (Figura 13). Figura 13: Teoria transdisciplinar do design de Bomfim (2002) Fonte: Bomfim (2002, p. 15) O autor explica que a teoria do design será desenvolvida com base na transdisciplinaridade, por meio de “[...] processos dialógicos entre os participantes envolvidos nas diferentes situações de projeto, incluindo os próprios usuários” (Ibidem, p. 16). Sendo assim, a teoria do design não será alcançada por uma única pessoa, mas sim por um esforço coletivo, partindo da observação multidisciplinar. O modelo processual de Bomfim (2002) faz uma crítica ao funcionalismo e coloca o processo de utilização do artefato em um patamar tão importante quanto o processo de produção. Apesar de o autor não detalhar métodos ou ferramentas, a reflexão proposta é válida para o pensamento projetual. 2.6.2 Modelo de Bürdek Bürdek (2006) caracteriza seu modelo do processo de design como um sistema de manipulação de informações no qual é possível “realimentar” (feedback) suas fases e tornar o processo de projeto não linear (Figura 14). Apesar de ter estabelecido orientações Conhecimento móvel ou instável (transdisciplinar) Conhecimento linear-vertical (disciplinar) Conhecimento linear-horizontal (interdisciplinar) 58 Revisão de literatura básicas de projeto, o autor afirma que é a complexidade do problema que determina o repertório metodológico a ser utilizado. Figura 14: Processo de design para Bürdek (2006) Fonte: Bürdek (2006, p. 255) Bürdek (2006) aponta uma evolução no pensamento de projeto, que antes se atentava apenas às exigências práticas (ergonômicas, construtivas, produtivas, entre outras), enquanto hoje o designer passa a se preocupar em compor contextos e cenários que ajudem a configurar o produto, pois a configuração vai além da forma. No lugar de: “Como as coisas são feitas?” devemos dizer agora: “O que significam as coisas para nós?” (Ibidem, p. 258). O autor ainda apresenta novos métodos de design que surgiram nos anos 1990 e se distanciam da linearidade do processo de projeto para buscar necessidades e desejos dos usuários. ■ Mind mapping Os mapas mentais nasceram como softwares interativos e são métodos que auxiliam na estruturação de problemas, no desenvolvimento de novos produtos e até no planejamento de processos de forma não linear e que permite realimentações. ■ Cenários Os cenários têm como objetivo representar, de forma hipotética, uma sequência de acontecimentos construída para a observação de conjugações casuais. O método é 1. Problematização 2. Análise da situação corrente 4. Projeto de conceitos Construção de alternativas 6. Planejamento do desenvolvimento e de produção 5. Valoração e precisão de alternativas 59Revisão de literatura bastante flexível e tenta responder a perguntas sobre os modos de vida futuros, que tipo de produtos será necessário para isso,